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Imaginários e Representações Através das Imagens nos Jornais Anarquistas – A Plebe (1917 – 1930) Breiner da Costa Valcanti 1 Mestrando UNESP – Franca [email protected] Este trabalho busca, de forma geral, abordar sobre a presença dos anarquistas na chamada primeira República no Brasil, período que se estende de 1889 até 1930. Reconhecer a presença deste grupo social é buscar a raiz da formação do movimento operário brasileiro. Sendo assim, é necessário analisar seu contexto e sob quais condições sociais e políticas viviam, por conseguinte, enxergar as razões e sentidos de sua luta. O foco da análise se concentra, especificamente, nas imagens propagadas pelo jornal anarquista A Plebe é um periódico em que encontramos um rico material que é capaz de nos fornecer um panorama de como este grupo anarquista enxergava o mundo e de que forma buscavam seus objetivos. Primeiramente, se torna visível a impossibilidade de se falar em operários no Brasil sem mencionar imigração, que foi a base da formação dos trabalhadores brasileiros no período estudado. 1 Este trabalho é fruto de pesquisas para o Mestrado em História da UNESP – Franca, com o auxílio de Bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Pereira da Silva.

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Imaginários e Representações Através das Imagens nos Jornais

Anarquistas – A Plebe (1917 – 1930)

Breiner da Costa Valcanti1

Mestrando UNESP – Franca

[email protected]

Este trabalho busca, de forma geral, abordar sobre a presença dos anarquistas na

chamada primeira República no Brasil, período que se estende de 1889 até 1930.

Reconhecer a presença deste grupo social é buscar a raiz da formação do movimento

operário brasileiro. Sendo assim, é necessário analisar seu contexto e sob quais

condições sociais e políticas viviam, por conseguinte, enxergar as razões e sentidos de

sua luta.

O foco da análise se concentra, especificamente, nas imagens propagadas pelo

jornal anarquista A Plebe é um periódico em que encontramos um rico material que é

capaz de nos fornecer um panorama de como este grupo anarquista enxergava o mundo

e de que forma buscavam seus objetivos.

Primeiramente, se torna visível a impossibilidade de se falar em operários no

Brasil sem mencionar imigração, que foi a base da formação dos trabalhadores

brasileiros no período estudado.

Maram (1979, p.13) fornece dados quantitativos importantes que nos mostram a

dimensão da imigração no Brasil.

Dos 3.390.000 imigrantes que entraram no Brasil entre 1971 e 1920, os italianos constituíam mais de 1.373.000. Os portugueses, 901.000 e os espanhóis, 500.000. A maioria dos imigrantes procurou residência em São Paulo, cujo governo estadual, controlado pela classe dos agricultores, foi o mais ativo na criação de subsídios à imigração.

Apesar da forte atração que terras paulistas exerciam, a capital paulista também foi um

forte atrativo para a imigração. O socialista Antônio Piccarolo, por exemplo, afirmou

que ao chegar à cidade de São Paulo se tinha a impressão de estar numa Itália além-mar

1 Este trabalho é fruto de pesquisas para o Mestrado em História da UNESP – Franca, com o auxílio de Bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Pereira da Silva.

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(MARAM, 1979, p.14). Além disso, vale lembrar que muitos jornais anarquistas e

operários foram editados na língua italiana, justamente porque a maior parte da

população imigrante ainda não tinha dominado a língua portuguesa, como os jornais La

Giustizia, Garibaldi, 1° Maggio, Gli Schiavi Bianchi, La Barricata, La Propaganda etc.

Ferreira (1978, p. 91-93) classificou 60 jornais em idioma estrangeiro somente na

capital paulista do ano de 1979 até 1927.

[...] ao se falar de classe operária no Brasil entre o final do século XIX e o final da Primeira República se faz referência a uma classe onde o imigrante estrangeiro é predominante. Este dado terá conseqüências ao nível da consciência e da organização dos trabalhadores (GONÇAVES apud PINHEIRO, 2007, p. 53)

A organização de um movimento operário é algo muito específico, até porque

não são muitas cidades do Brasil que evidenciaram este fenômeno. A capital do Rio de

Janeiro e, principalmente, a capital paulista foram as cidades que mais evidenciaram

esta realidade. Hall e Pinheiro (1979, p.35) afirmam que “a industrialização, a densidade

de população, um proletariado suficientemente numeroso, uma cultura moderna

bastante difundida” foram essenciais para favorecer o nascimento de um movimento

operário. Tal movimento foi dirigido principalmente por socialistas e anarquistas.

No Estado de São Paulo iam-se no entanto formando novos elementos sociais. A corrente migratória, italiana em sua quase totalidade, aumentando a população, permitia o nascimento da grande indústria, e a formação de um verdadeiro proletariado. Nesse meio tempo, misturados à massa amorfa dos imigrantes, chegava um número limitado de operários cônscios da organização, os combatentes que haviam tomado parte na Internacional, no Partido Operário ou mais tarde no Partido Socialista Italiano, revolucionários, legalitários, anarquistas até, e talvez meramente corporativistas. Foram esses que iniciaram o movimento operário no Brasil, e que lançaram as bases do Partido Socialista, ajudados também por alguns brasileiros, e por um menor número de espanhóis (HALL & PINHEIRO, 1979, p. 36).

Portanto, constatamos que a formação e organização de um movimento operário no

Brasil se deve principalmente ao imaginário político que os imigrantes trouxeram de sua

terra natal. No ano de 1906 ocorreu o Primeiro Congresso Operário, que organizou e

estipulou as ações que deveriam ser as pautas principais do operariado brasileiro.

No entanto, o operariado brasileiro não foi marcado pela homogeneidade, tanto

no campo ideológico como em questões de etnia, gênero, distribuição geográfica, sem

falar no alto índice de trabalho infantil. No livro Anarquismo e sindicalismo

revolucionário, de Edilene Toledo (2004), a autora demonstra alguns resultados

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interessantes, mostrando como a maioria dos operários se enquadravam mais dentro da

ideologia de um sindicalismo revolucionário do que propriamente socialista ou

anarquista. Francisco Foot Hardman (2002, p. 275) nos esclarece que “a formação da

classe operária no Brasil foi um processo complexo por sua própria composição. Uma

heterogeneidade básica acompanha seu surgimento no cenário da história da sociedade

brasileira”. Um dos instrumentos básicos utilizados pelos donos de fábrica como meio

de minar a organização dos operários foi o trabalho feminino e infantil, marcado

principalmente pela desigualdade salarial2.

Diante deste quadro de heterogeneidade constata-se que a ênfase dos sujeitos

que buscavam a organização dos operários foi a propaganda enquanto instrumento de

conscientização e busca de unidade. Os jornais foram muito utilizados pelos intelectuais

socialistas/anarquistas para propagar suas idéias, informações; aquilo que chamavam de

conscientização se mesclava, nas páginas dos periódicos, com as notícias de

acontecimentos sociais. A imprensa foi, assim, utilizada como instrumento de

propagação de fundamentos e ideologias. Como pode ser visto em volumes do jornal A

Plebe, vários artigos remetem a grandes pensadores anarquistas, a exemplo de Bakunin,

Malatesta, Proudhon etc.

Os jornais operários proliferaram no período da primeira República brasileira,

porém nem todas as edições tiveram vida longa. Alguns títulos foram publicados apenas

uma vez, enquanto outros sobreviveram durante muitos anos. A Plebe foi fundada em

1917 e somente parou de ser editada em 1950; durante esse período houveram diversas

interrupções de publicação e empastelamentos. Ferreira (1978, p. 89) constatou, para o

último quartel do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, a existência

de 343 títulos de jornais operários, sendo que 42% concentravam-se em São Paulo, e

30% no Rio de Janeiro, o que compreende 149 títulos para o primeiro e 100 para o

segundo; os outros 94 títulos estavam espalhados nos demais estados brasileiros.

Com base nesses dados chamamos a atenção para a dedicação dos intelectuais

anarquistas para com a propaganda entre os trabalhadores. “No pensamento libertário, a

imprensa avançada – denominação dada aos jornais proletários – teria a condição de

guiar o povo, educá-lo, formar um militante que não se deixasse levar pelo que era

colocado nos jornais burgueses [..]” (GONÇALVES, 2007, p. 79).2 A obra Do cabaré ao lar, de Margareth Rago (1987), nos esclarece muito sobre esta questão, no qual ela faz uma pesquisa pormenorizada sobre o trabalho infantil e feminino, nos capítulos a colonização da mulher e a preservação da infância. Afirma como o movimento operário foi desarticulado pela implementação desta mão-de-obra que por ter um salário menor que dos homens passou a ser utilizado cada vez em maior número.

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Uma das estratégias de divulgação do pensamento anarquistas nos jornais era a

utilização de imagens em meio ao escrito.

O estudo das imagens é visto como extremamente importante para o contexto

que é estudado, pois o operariado – público alvo em que eram destinados os periódicos

anarquistas - possuía pouco, ou nenhum estudo, o que dificultava a leitura e a

compreensão destes jornais. Ora, era de extrema necessidade que estes sujeitos

compreendessem a mensagem veiculada, já que o objetivo do jornal era específico em

reunir os trabalhadores em torno de um objetivo comum. Além disso, vários

trabalhadores eram imigrantes, e ainda não possuíam o domínio da língua portuguesa.

Segundo Gawryszewski (2009, p.19),

em um momento em que a maioria dos operários era analfabeta ou desconhecia a língua portuguesa por terem origem estrangeira (espanhóis, italianos, poloneses entre outros), a imagem passou a ser um importante instrumento de educação política por facilitar a transmissão da mensagem ao leitor, que se identificava enquanto indivíduo ou classe social na representação visual.

Diante disso fica evidente a importância do estudo das imagens anarquistas, pois ela

fornece um instrumento pedagógico e propagandístico capaz de educar e convocar o

operariado à organização enquanto um grupo que deve ser unido em um interesse

comum de ação por direitos trabalhistas e sociais. Os intelectuais responsáveis pelos

jornais acreditavam na educação para a revolução inevitável que os trabalhadores

deveriam empreender, o que fica explícito na análise de A Plebe, por exemplo.

Falar de imagens nos remete diretamente ao imaginário, pois as mesmas se

constituem de representações vinculadas às formas pelas quais um determinado grupo

enxerga a realidade em que vive; são produzidas dentro de uma rede simbólica da

cultura política específica dos vários grupos sociais (no caso, a anarquista).

Para Laplatine e Trindade (1996, pp. 24-25) o imaginário é

a faculdade originária de pôr ou dar-se, sob a forma de apresentação de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e uma relação que não são dadas diretamente na percepção [...] faz parte da representação como tradução mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida que ultrapassa um processo metal que vai além da representação intelectual ou cognitiva.

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No que concerne às representações podemos destacar algumas questões que o

imaginário suscita como as crenças, utopias, medos, valores etc. Na cultura política

anarquista podemos observar três elementos essenciais: 1) a constatação de uma

exploração velada, definida em termos da luta da burguesia contra o operariado, e o

medo de sua intensificação; 2) a necessidade de divulgação dos valores anarquistas para

os trabalhadores; e 3) a utopia anarquista, compreendida como a revolução social e a

derrocada do inimigo burguês.

O imaginário social é importante, pois diz respeito à forma pela qual um

determinado grupo se auto-define e, ao fazê-lo, define o outro, ou seja, o que ele não é.

Quando o anarquista representa o “burguês” como a imagem de um ser obeso,

ganancioso, explorador, logo fica evidente que a imagem que ele cria do trabalhador é o

oposto desta, é um ser de fisionomia fraca e pálida, porém fraterno e comunitário.

os imaginários sociais constituem outros tantos pontos de referencia no vasto sistema simbólico que qualquer colectividade produz e através da qual, como disse Mauss, ela se percepciona, divide e elabora os seus próprios objectivos. É assim que, através dos seus imaginários sociais, uma colectividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de “bom comportamento”, designadamente através da instalação de modelos formadores tais como o do “chefe”, o “bom súbdito”, o “guerreiro corajoso”, etc.. (BACZKO, 1985, p. 309).

A análise das imagens requer a interdisciplinaridade com estudos de

comunicação, com instrumentalização para questões da iconografia. Percebem-se nas

imagens as influências de uma cultura política que vinha sendo formada desde a

Revolução Francesa, e que passou por diversas transformações durante o século XIX. É

comum, por exemplo, o uso de imagens femininas para representar a liberdade e a

justiça. “A Igualdade era mostrada em gravuras revolucionárias como uma mulher

segurando duas balanças, como a imagem tradicional da Justiça porém sem a venda”

(BURKE, 2004, p. 76). Peter Burke (2004) usa este exemplo se referindo à Revolução

Francesa, porém há algumas imagens nos jornais anarquistas que se utilizam deste

mesmo objeto simbólico. Sendo assim, a prática da iconografia é ir mais a fundo na

análise da imagem, não buscar enxergar apenas o que esta imagem representa na

realidade de quando foi divulgada, mas como este símbolo foi sendo construído através

dos tempos. “Os ‘iconografistas’, como seria conveniente denominar esses historiadores

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da arte, enfatizam o conteúdo intelectual dos trabalhos de arte, sua filosofia ou teologia

implícitas” (BURKE, 2004, p. 44).

Ressaltamos que o próprio material abordado já nos remete a uma tradição: as

caricaturas. Estas foram amplamente produzidas durante a Revolução Francesa e

entraram para a história relacionadas à idéia de combate social. Os desenhos podem não

possuir um valor artístico como uma pintura, mas nem por isso tem menor importância.

Seu objetivo é produzir uma representação direta, sem a necessidade de contemplação.

Vovelle (1997, p. 159) demonstra como o período da Revolução Francesa foi rico na

produção de imagens.

a Revolução Francesa foi um período de intensa criação no domínio da imagem. O mito do vácuo ou da esterilidade do período não resiste ao exame dos fatos, uma vez que, como vimos, contam-se às dezenas de milhares as obras cujo valor estético pode ser discutível, mas cuja existência não pode ser ignorada, nem seu papel de testemunho coletivo espetacular.

Portando, a intensa atividade de criação de jornais, panfletos e imagens remetem a uma

tradição que teve início durante a Revolução Francesa, e que foi incorporada pelos

socialistas do século XIX como recurso para a propaganda, se constituindo como um

dos mecanismos mais importantes na luta social.

A Plebe e as imagens anarquistas

A Plebe surgiu em 1917 – sendo seu primeiro exemplar publicado em 9 de junho

– dentro de um contexto de várias greves operárias; desde então exerceu papel

fundamental de organização e propaganda deste movimento. Um dos jornais anarquistas

mais conhecidos no Brasil, sua sobrevivência nunca foi fácil, viveu diversos

“empastelamentos” e seus editores foram por diversas vezes presos, inclusive seu

diretor, Edgard Leuenroth3. O jornal não circulou durante o governo de Arthur

Bernardes (1922-1926) e durante o período de Getúlio Vargas (1935-1945). Mas, apesar

das dificuldades, A Plebe sobreviveu até 1950. Mesmo com o enfraquecimento do

3 Em um Suplemento lançado no dia 15 de setembro de 1917 A Plebe divulga a prisão de seu editor Edgard Leuenroth e o assalto do local onde se produzia o jornal, vinha com afirmações: “A constituição republicana é uma burla”; “Esta em scena a heroica policia de S. Paulo”; “Numerosas prisões de operarios. – Assalto à typographia onde se imprime A PLEBE e ás Ligas operarias. – Subtracção dos originaes. – A prisão do nosso director Edgard Leuenroth. O Centro Libertário é violentamente assaltado e todos os moveis e archivo removidos para a Policia Central. – Espancamentos. – Outras proezas” (A Plebe, 1917, Ano I, Suplemento, p.1).

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anarquismo no Brasil depois da organização comunista, os organizadores do periódico

conseguiram levá-lo adiante por um longo período.

A Plebe não se propunha apenas representar a “voz do operariado paulista”. Seu intento era maior: ser “eco” dos “protestos e do conclamar ameaçador desta plebe imensa”. E de norte a sul, A Plebe queria representar todos os trabalhadores brasileiros “na luta contra o Estado, a Igreja e o militarismo” (GONÇALVES, 2004, p.2).

Em sua primeira edição o artigo de apresentação, assinado pelo diretor Edgard

Leuenroth, já esboçava claramente seu objetivo, com o título de “Ao que vimos” e

completa “Rumo á Revolução Social”. A Plebe buscava a união dos interesses comuns

dos trabalhadores e, conseqüentemente, a convocação para a “luta social”. Em um

trecho da coluna mencionada, Edgard Leuenroth enfatizou o que considerava que a

humanidade deveria fazer para conquistar a plena liberdade:

a humana especie sómente poderá considerar-se verdadeiramente livre e começar a gosar da felicidade da qual é merecedora quando sob os escombros fumegantes desse burgo podre que é o regimen burguez desapparecerem para todo o sempre, com a maldição de todas as gerações sofredoras, o Estado, a Igreja e o militarismo, instituições malditas que lhe servem de esteios (A Plebe, 1917, Ano I, n° 1, p. 1).

A linguagem utilizada não foi nem um pouco suave e buscava realçar o sentimento de

indignação social pela forma como ele enxergava a violência e exploração do Estado,

respaldada pela Igreja.

A sobrevivência do jornal contava com assinaturas e diversas propagandas de

xaropes, cafés, loja de materiais elétricos, escola e até um remédio chamado

“philagina”, aparentemente um anticoncepcional. Interessante nota que, para o período

histórico em questão, anunciar formas de se evitar a concepção é algo no mínimo

progressista. Além disso, A Plebe estabeleceu uma forte rede de contatos no território

brasileiro; contatamos a venda dos periódicos em algumas cidades, como Ribeirão

Preto, Campinas, Santos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Cataguazes. O periódico

contava também com doações.

As imagens são usadas comumente para reforçar a notícia do jornal. Na maioria

das vezes aparecem na primeira página, mas encontramos também algumas espalhadas

pelo texto. A caricatura ou desenho aparece, geralmente, ilustrando a notícia (ou texto)

principal, representando a idéia através da imagem. Esta representação é carregada de

um arsenal simbólico, que revela como a sociedade era vista por estes sujeitos. O

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trabalhador extremamente explorado é representado como um ser faminto, esquelético,

com roupas velhas e sujas, e na maioria das vezes pedindo esmolas. Algumas vezes o

trabalhador é mostrado com sua família, todos retratados da mesma forma. Nessa

lógica, o burguês é o oposto, obeso e opulento, ostenta sua riqueza e autoridade;

normalmente o burguês é representado junto com o trabalhador, ressaltando a

contradição, ou seja, um trabalha e o outro goza das riquezas produzidas. Comumente o

burguês também é apresentado ao lado de um padre e/ou militar, representando a

aliança daqueles que ostentam o sistema vigente.

O conjunto de imagens analisadas demonstram quatro focos principais que os

editores de A Plebe buscavam salientar: a exploração social; a difusão do ideário

anarquista; a luta social necessária; e a destruição da “sociedade burguesa”.

Imagem 1 - A Plebe, 1917, Ano I, n° 1, p. 1

A Imagem 1 evidencia a exploração social pelo burguês, representado como um gigante

(vide o seu tamanho desproporcional aos demais). Aparentemente a intenção era

demonstrar que ele tornou-se ou é um “monstro” social; a sua vestimenta também é

clássica na representação do burguês, principalmente por causa da cartola, que sempre

identificou este sujeito social desde as artes do período da Revolução Francesa.

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A imagem destina-se à divulgação da idéia do conflito entre burguês e

trabalhador. O burguês espreme um homem, ato do qual provém toda a sua riqueza, já

que caem moedas da boca do individuo. Estas moedas caem todas em um balde, que já

está cheio delas. Para completar na imagem há três militares montados em cavalos ao

fundo, representando o mecanismo de manutenção do poder. Por fim, abaixo a frase:

“gênese das fortunas”, ou seja, a confirmação da imagem, de que a origem da fortuna

procede da exploração humana.

Convém ressaltar que muitas figuras têm frases; estas procuram reforçar a idéia

presente do desenho. Peter Burke (2004, p. 81), analisando as imagens soviéticas,

escreveu: “as imagens visuais eram algumas vezes forçadas com textos didáticos ou

exortativos [...] Mais uma vez, um iconotexto era considerado como mais efetivo do que

uma imagem apenas”.

Imagem 2 - A Plebe, 1917, Ano I, n° 17, p. 1

A Imagem 2 faz parte de uma edição que homenageia o anarquista Francisco Ferrer y

Guardia, fundador da Escola Moderna, que na data especifica completaria oito anos de

sua morte. Apesar de um pouco deteriorada, o desenho retrata uma solenidade em frente

ao seu túmulo: trabalhadores e seus filhos olham atentamente para a figura de Francisco

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Ferrer y Guardia projetada acima, ao lado está A Liberdade que em uma mão segura a

tocha e com a outra aponta para a projeção. Esta representação tem como objetivo a

educação do trabalhador dentro do ideário anarquista; junto com a imagem foram

publicados textos tratando dos feitos de Francisco Ferrer y Guardia, sua importância e

idéias. A imagem leva a uma sensação de pureza de pensamento e aprendizado.

Imagem 3 - A Plebe, 1924, Suplemento, p. 1

A Imagem 3 representa a destruição da sociedade burguesa. Cabe notar que os

anarquistas seguem a tradição de representar a justiça, igualdade, liberdade como um ser

feminino. Neste desenho a mulher tem a inscrição “civilização” em sua tiara, ou seja,

representa toda a humanidade no corpo feminino, fazendo uma alusão a pureza. Esta

figura possui iconotexto com a frase: “a revolução social tende para o exterminio dos

instrumentos da oppressão e da barbarie dignificando as ferramentas do trabalho util e

fecundo para o bem estar de toda humanidade”.

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Assim o anarquista representa o pós-revolução como uma sociedade destruída,

porém livre, e que cabe à humanidade reunir esforços para reconstruí-la sob a justiça e

igualdade. Acreditam que é preciso destruir todos os elementos que eles consideravam

perniciosos à humanidade, como as armas de guerra representada na figura, ao mesmo

tempo em que enaltecem os instrumentos de trabalhos, obviamente relacionados com

grupos menos privilegiados.

Portanto, neste trabalho pudemos perceber como a propaganda anarquista foi

importante para os objetivos deste grupo que, usando de uma retórica clara e coerente

buscava reunir os trabalhadores dentro de um ideal comum. E, também, como as

imagens foram importantes para a propagação deste ideal pois, como foi dito, a

sociedade brasileira era de maioria analfabeta e/ou falavam outro idioma. Sendo assim,

a imagem se apresentou como um importante instrumento de divulgação e agregação de

um discurso específico.

Fontes

Jornal: A Plebe

9 de junho de 1917, Ano I, n° 1

16 de junho de 1917 Ano I, n° 2

15 de setembro de 1917. Ano I, Suplemento

14 de outubro de 1917, Ano I, n° 17

01 de maio de 1924, Suplemento

Referências

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GAWRYSZEWSKI, Alberto. A imagem como instrumento da luta anarquista. In: ___, Alberto (org.). Imagens anarquistas. Análises e debates. Col. História na comunidade. Vol. 2. Londrina: UEL. 2009.

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