imagem & magia: fotografia e impressionismo – um diálogo imagético

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impulso 53 nº24 Imagem & Magia: fotografia e Impressionismo – um diálogo imagético IMAGE & MAGIC Photography and Impressionism – a imagery dialogue R ESUMO Através de uma retrospectiva histórica da evolução tecnológica da fo- tografia, este artigo aborda a polêmica – sempre presente – do realismo ou ilusio- nismo da imagem. Ao analisar as mútuas influências ocorridas no século XIX , entre a arte pictórica e a técnica fotográfica, o texto procura demarcar algumas contri- buições responsáveis pelo surgimento de novas estruturas visuais para o conheci- mento e interpretação do mundo sensível, dentre elas o movimento impressionista. Palavras-chave : fotografia – Impressionismo – percepção & representação imagética. A BSTRACT This article is related to both influences that took place in the XIX century between the pictorial art and the photograph technique, as well as the always present question about “realism versus image ilusionism”. The text shows, in synthesis, a historic retrospective through the evolution of photographic tech- nology, and some contribution that led to a new visual structures for the know- ledge and interpretation of the world, such as Impressionism. Keywords : photography – Impressionism – perception & imagery – representation. J EZIEL DE P AULA Doutorando em História Social pela Unicamp [email protected]

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artigo escrito por JEZIEL DE PAULA

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    Imagem & Magia: fotografia e Impressionismo um dilogo imagtico

    IMAGE & MAGICPhotography and Impressionism a imagery dialogue

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    ESUMO

    Atravs de uma retrospectiva histrica da evoluo tecnolgica da fo-tografia, este artigo aborda a polmica sempre presente do realismo ou ilusio-nismo da imagem. Ao analisar as mtuas influncias ocorridas no sculo

    XIX

    , entrea arte pictrica e a tcnica fotogrfica, o texto procura demarcar algumas contri-buies responsveis pelo surgimento de novas estruturas visuais para o conheci-mento e interpretao do mundo sensvel, dentre elas o movimento impressionista.

    Palavras-chave

    : fotografia Impressionismo percepo & representao imagtica.

    A

    BSTRACT

    This article is related to both influences that took place in the

    XIX

    century between the pictorial art and the photograph technique, as well as thealways present question about realism versus image ilusionism. The text shows,in synthesis, a historic retrospective through the evolution of photographic tech-nology, and some contribution that led to a new visual structures for the know-ledge and interpretation of the world, such as Impressionism.

    Keywords

    : photography Impressionism perception & imagery representation.

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    EZIEL

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    Doutorando em Histria Social pelaUnicamp

    [email protected]

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    A fotografia preserva para todo o sempre uma fraofinita do tempo infinito do Universo.

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    stabelecer as possveis relaes entre o aparecimento da fo-tografia e o desenvolvimento de novas formas de perceber einterpretar o mundo dentre elas o Impressionismo con-

    duz necessariamente retomada de antigos questionamentos sobre aprpria objetividade da imagem fotogrfica. A fotografia, originria dacooperao da cincia e de novas necessidades de expresses artsticas,tornou-se logo ao seu nascimento objeto de violentos litgios. Saber sea mquina fotogrfica era apenas um instrumento tcnico, capaz de re-produzir de modo puramente mecnico as aparncias, ou se era pre-ciso consider-la como um verdadeiro meio de exprimir as impressesartsticas individuais inflamou os espritos de artistas, crticos e fot-grafos desde as primeiras dcadas do sculo

    XIX

    at nossos dias.

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    -

    HISTRIA

    DA

    F

    OTOGRAFIA

    Bem mais que uma inveno, a fotografia surge como um lento,gradativo e longo processo de mltiplas descobertas, que somente seconsolidariam entre as dcadas de 1820-1830. No entanto, o conhe-cimento bsico da

    cmara

    obscura

    remonta Antigidade e, como in-dica seu prprio nome latino, significa um compartimento totalmenteescuro com apenas um pequeno orifcio em uma de suas paredes, atra-vs do qual se projeta uma imagem invertida da vista exterior sobre aparede oposta. tambm muito provvel que em climas meridionais,onde devido ao calor os interiores das casas so mantidos escuros, essefato j tivesse sido notado anteriormente observao, feita pelo fil-sofo macednio Aristteles (384-322 a.C.), do princpio ptico que oproduz: por volta do ano de 350 a.C., ele faz uma descrio detalhadado fenmeno. Tambm observou que, quanto menor o orifcio, maisntida seria a imagem projetada. Por outro lado, desde os primrdiosda civilizao, o homem tem percebido a propriedade da luz em alte-rar vrias substncias, por exemplo, a descolorao dos tecidos, o ene-grecimento da prata e a prpria cor tostada que adquire a pele expostaao Sol. Dessa forma, os conhecimentos bsicos, tanto pticos comoqumicos, que possibilitariam a inveno da fotografia, estavam todosestabelecidos h vrios sculos.

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    Primeira ilustrao grfica publicada da Cmara Obscura, 1544.

    O que faltava era apenas uma maneira efetiva de fixar as imagensproduzidas pela luz na cmara obscura, que j vinha sendo utilizadacomo objeto de apoio a pintores e desenhistas desde 1544, quando oestudioso napolitano Giovanni Battista Della Porta, em seu livro

    Ma-giae Naturalis

    , publica a melhor e mais completa descrio do fen-meno, recomendando seu uso como instrumento auxiliar para o de-senho. Aps um longo perodo de esquecimento, novas experinciasfotoqumicas seriam realizadas em diversos pases da Europa no inciodo sculo

    XVIII

    , na tentativa de obter-se um resultado satisfatrio nafixao da imagem.

    Porm, somente na primeira metade do sculo

    XIX

    , em 1822,um oficial do exrcito francs, Joseph Nicphore Niepce (1765-1833), seria o primeiro a obter uma verdadeira fotografia, se a defi-nirmos como uma imagem inaltervel, produzida pela ao direta daluz. Niepce empregou um processo que denominou

    heliogrfico

    . Paraisso, utilizou como substncia sensvel luz um verniz de asfalto co-nhecido por betume da Judia, aplicado sobre vidro, alm de uma mis-tura de leos destinada a fixar a imagem. Com esses materiais obteveuma imagem razovel de uma

    natureza morta

    alguns utenslios e ta-lheres sobre uma mesa coberta com uma toalha. Mas o sistema semostrou pouco prtico e inadequado, pois exigia longa exposio nacmara obscura de no mnimo 12 horas. A descoberta decisiva que le-

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    varia inveno da fotografia caberia ao prprio scio comercial deNiepce, dezessete anos mais tarde.

    F

    OTOGRAFIA

    P

    ICTRICA

    A

    TCNICA

    IMITANDO

    A

    ARTE

    A data oficial do nascimento da fotografia foi estabelecida a 19de agosto de 1839, quando o astrnomo e deputado francs FranoisArago revela publicamente os detalhes do primeiro mtodo prtico defotografia, conhecido como

    daguerretipo

    . importante observar queo evento ocorreu em uma reunio conjunta das Academias de Cinciase Belas Artes, no Instituto de Frana. O nome da tcnica provenientede seu criador, o francs Louis-Jacques Mand Daguerre (1789-1851),pintor e desenhista de cenrios para peas de teatro, que vende seu in-vento ao governo da Frana no ms anterior sua divulgao pblica.

    O procedimento do mtodo foi publicado no manual

    Historiqueet Description des Procds du Daguerrotype

    , imediatamente aps ahistrica reunio no Instituto de Frana. Consistia basicamente no se-guinte: uma lmina de cobre polida era sensibilizada com vapor de io-do, que se transformava em iodeto de prata ao aderir superfcie daplaca. Depois de exposta aos raios luminosos na cmara obscura, aimagem latente (imagem j sensibilizada pela ao da luz sobre a cha-pa, porm ainda no visvel) era revelada atravs de vapor de mercrioaquecido sobre um fogareiro a lcool. O mercrio aderia s partes doiodeto de prata que haviam sido afetadas pela luz, tornando a imagemvisvel. A imagem era finalmente fixada com hipossulfito de sdio (pa-ra que no continuasse sensvel luz), e lavada com gua destilada. Oresultado era um positivo nico, pois no havia negativos que permi-tissem a confeco de cpias. Sua imagem de alta definio era, con-tudo, invertida como em um espelho, alm disso, a superfcie extre-mamente delicada da chapa de metal precisava ser protegida por umaplaca de vidro contra a abraso e fechada hermeticamente em um es-tojo para prevenir o contato com o ar.

    Devido ao longo tempo de exposio (15 a 20 minutos) reque-rido para impressionar a chapa, a daguerreotipia no pde, em seusprimeiros anos, ser utilizada na confeco de retratos precisamentesua aplicao mais desejada. Essa limitao tcnica levou um nmerocada vez maior de fotgrafos a buscar inspirao na arte pictrica. Aimpossibilidade de captar qualquer objeto em movimento, por menorque fossem, restringiu os temas fotogrficos desse perodo s naturezasmortas, arquitetura e grandes paisagens estticas. No entanto, o desejode possuir o prprio retrato era to intenso nas pessoas que muitas sesujeitavam a uma verdadeira seo de tortura para obt-lo. Em 1841

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    j era possvel obter uma fotografia com cin-co minutos de pose. Para isso, os fotografa-dos suportavam a eternidade dos 300 segun-dos absolutamente imveis, amarrados auma cadeira e presos por barras de metal.

    Somente no final da dcada de 1840,novos aperfeioamentos tecnolgicos seriamintroduzidos por inventores americanos, in-gleses e austracos, reduzindo o tempo de ex-posio necessrio para obter a imagem emcerca de 40 segundos. Finalmente a arte derepresentar a imagem de uma pessoa estavaagora acessvel a um pblico cada vez maisamplo.

    Atualmente consideramos a fotografiacomo algo to natural e diludo em nosso co-tidiano que se torna difcil compreender a in-tensidade do deslumbramento que sua

    auramgica

    causava para os contemporneos deDaguerre. A idia de que era possvel fazercom que a prpria natureza produzisse es-pontaneamente uma representao grficahavia revolucionado o mundo. O filsofo alemo Walter Benjamin, re-latando o clima de magia que envolvia o retrato fotogrfico em seusprimrdios, bem como a timidez, espanto e at o temor que provo-cava nas pessoas que o olhavam, cita as observaes feitas por um fot-grafo chamado Dauthendey: As pessoas no ousavam a princpioolhar por muito tempo as primeiras imagens produzidas. A nitidezdessas fisionomias assustava, e tinha-se a impresso de que os peque-nos rostos humanos que apareciam na imagem eram capazes de ver-nos, to surpreendente era para todos a nitidez inslita dos primeirosdaguerretipos.

    1

    Assim, nasceram a

    heliografia

    (escrita pelo Sol) e a

    fotografia

    (es-crita pela luz). Ambos os termos referem-se a uma forma de registrara imagem real sem a participao ou interferncia do homem, apenaspela ao direta da luz natural. Nesse sentido, tambm interessantelembrar o significado do nome que o processo fotogrfico recebe empases no ocidentais. No Japo, por exemplo, chamado de

    sha-shin

    ,que quer dizer reflexo da realidade. Nesse caso, ele encarado

    1

    BENJAMIN, 1985, p. 95.

    Mahe, um bravo,

    c. 1841

    ,

    fotgrafo desconhecido, Daguerretipo.

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    como uma forma de reflexo luminosa da verdade. A fotografia in-corporava desde o seu nascimento a condio de

    espelho do

    mundo

    ,s que um espelho dotado de memria. Obviamente, a luz elementofundamental para a fotografia estava longe de ser uma questo per-tinente apenas para os fotgrafos. Pintores de todos os sculos sempresouberam, em maior ou menor grau, que o problema da incidncia ereflexo da luz sobre um objeto era o prprio problema da pintura.Com o passar dos anos, muitos outros usos e funes foram sendoatribudos fotografia. Porm, dentre todos eles, sempre predominouo carter acentuadamente ldico de uma novidade extica, que encer-rava em si mesma o aspecto misto de arte e cincia.

    O carter multifacetado da fotografia em seus aspectos de ilusoe revelao demonstra o panorama ambguo em que se define a ima-gem fotogrfica. Suas potencialidades, seu alcance e seus limites, emdado momento, vislumbram-se como exatos e objetivos, em outro,apresentam-se indecifrveis, obscuros, fragmentados e subjetivos. Taldilema tem sua origem no prprio nascimento da fotografia, assimcomo no transcorrer de toda sua histria. A ensasta italiana FrancescaAlinovi afirma: O nascimento da fotografia baseia-se num equvocoestranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte-mecnica: o deser um instrumento preciso e infalvel como uma cincia e, ao mesmotempo, inexato e subjetivo como a arte. A fotografia, em outras pala-vras, encarna a forma hbrida de uma

    arte-exata

    e, ao mesmo tempo,de uma

    cincia-artstica

    , o que no tem equivalentes na histria dopensamento ocidental.

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    N

    OVOS

    R

    UMOS

    A

    FOTOGRAFIA

    DE

    GUERRA

    Por volta da segunda metade do sculo

    XIX

    a utilizao da ima-gem fotogrfica sofreria uma grande ruptura. Ao ser empregada emreportagens de guerra, ela se transformaria definitivamente em

    docu-mento

    . As imagens captadas nos campos de batalha se tornariam tes-temunhas oculares de um certo tipo de evento, que at ento s podiaser imaginado pela populao no combatente atravs de relatos es-critos, orais ou desenhos e pinturas artsticas.

    A representao grfica da guerra sempre acompanhou a huma-nidade desde seus primrdios. Pinturas rupestres de combates nos foramlegadas por habitantes do perodo Paleoltico Superior, milnios antes dainveno da escrita, e o homem jamais interrompeu sua arte de repre-sentar batalhas at nossos dias. Entretanto, o emprego da fotografia para

    2

    ALINOVI, Francesca.

    La Fotografia: illusione o rivelazione?

    Apud

    FABRIS, 1991. p. 173.

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    documentar os conflitos armados, supera-va em realismo tudo o que at ento haviasido feito. A partir desse momento, umanova dimenso documental era introduzi-da no cotidiano das pessoas. A imagem fo-togrfica podia mostrar

    exatamente

    aquiloque havia acontecido, e isso representavauma revoluo para a informao, divul-gao e comprovao do acontecimento.

    Esses pioneiros da imagem docu-mental de guerra eram quase sempreprofissionais contratados por grandes es-tdios fotogrficos. Rumavam para os lo-cais de conflito munidos de carroes pu-xados por parelhas de mulas, barracas delona, enormes trips e cmaras fotogrfi-cas que pesavam em torno de 50kg, cen-tenas de frgeis placas de vidro, que eramutilizadas como suporte emulso sens-vel, ou seja, como filme fotogrfico, almde uma parafernlia de solues qumi-cas, vidrarias, bandejas e recipientes dos mais variados.

    Nesse perodo, o processo tcnico mais utilizado pelos fotgrafosde guerra era conhecido como

    coldio mido

    . Inventado no ano de1851 pelo escultor ingls Frederick Scott Archer (1813-1853), tornou-se o responsvel por decretar a morte do j obsoleto

    daguerretipo

    .Alm de muito mais barato, o coldio mido no mostrava, como noprocesso anterior, a imagem invertida igual a um espelho e, sobretudo,graas ao negativo de vidro permitia um nmero ilimitado de cpias.Tratava-se, como bem definiu o historiador francs Alain Corbin, doincio da democratizao da imagem.

    3

    Os horrores de um conflito armado seriam parcialmente mos-trados durante a Guerra de Secesso nos Estados Unidos (1861 a1865), entre o sul e o norte. Apesar de enfrentarem as grandes limi-taes tecnolgicas da poca, porm com plena liberdade de ao, osfotgrafos que fizeram a cobertura desse evento obtm as imagensmais impressionantes que jamais algum havia anteriormente visto. Asfotografias mostravam ao pblico as primeiras cenas chocantes dos

    3

    CORBIN, 1993, p. 425.

    A carreta fotogrfica de Roger Fenton na Guerra da Crimia, 1855.

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    campos de batalha juncados de cadveres. Todavia, a tcnica dispon-vel ainda no permitia nenhuma foto de ao ou movimento, obri-gando que todas essas imagens de soldados mortos fossem feitas apso trmino dos combates. Tambm devemos lembrar que nessa pocaainda no haviam sido inventados os processos grficos que permiti-riam a publicao de tais fotografias em livros, revistas e jornais. Noperodo em que foram produzidas, tais imagens somente puderam serdivulgadas atravs de exposies pblicas.

    A Colheita da Morte,

    Timothy H. OSullivan

    ,

    Campo de batalha de Gettysburg, julho de 1863.

    O carter irrefutvel de uma reproduo fiel da realidade atri-budo a essas imagens fotogrficas registrando pela primeira vez nahistria a guerra sem retoques to evidente que, Mathew B. Brady,o chefe da equipe de fotgrafos que fez a cobertura do conflito, consi-derou a cmara fotogrfica, numa expresso que se tornaria mundial-mente conhecida, como o olho da histria.

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    A grande repercusso pblica diante da viso dessas imagensmostrando uma realidade crua, nunca antes imaginada apesar das re-presentaes artsticas, causou na vida das pessoas um impacto to de-vastador que, logo no incio, alertou os governantes sobre o poder depersuaso que a fotografia detinha. A imagem fotogrfica possua umaeficcia documental comprovada e essa constatao veio acelerar si-multaneamente os processos paralelos de censura e de propaganda po-ltica atravs da fotografia, que perduram at nossos dias. Interessante

    4 GERNSHEIM, 1966. BUSSELLE, 1977. LANGFORD, 1971.

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    notar que, tanto no caso da censura como no de propaganda poltica,no negado o poder de convencimento do realismo fotogrfico, aocontrrio, exatamente nele que ambas as coisas se apiam. Na cen-sura, a fotografia proibida para no mostrar uma realidade incmo-da. Na propaganda poltica, ela deliberadamente exposta para mos-trar uma realidade desejada.

    ETERNA QUESTO: A OBJETIVIDADE FOTOGRFICA

    Sob a tica da memria, a imagem fotogrfica faz muito mais doque apenas recordar-nos dos acontecimentos passados. Atravs delapodemos sentir instantaneamente as impresses do momento fixado,desencadeando reflexes e despertando novamente as emoes. Oapelo lembrana to poderoso que muitos de ns seremos capazesde recordar da prpria ocasio em que vimos pela primeira vez deter-minada fotografia.

    Tudo isso muito misterioso, pois, na verdade, cada fotografiano passa de uma srie microscpica de pontos e manchas com umagradao de tons que variam do preto ao branco, intermediada, nocaso da foto colorida, por uma combinao de trs cores bsicas depigmentos. Sua profundidade uma iluso, sua vida apenas simb-lica, pois tudo est contido em uma nica superfcie pequena e plana.Mas, mesmo assim, possui uma estranha riqueza que transcende todasas suas limitaes, fazendo com que as nossas impresses dos aconte-cimentos mais significativos e complexos possam ser permanentemen-te amoldadas por uma nica foto.

    Seria ento a imagem fotogrfica um conjunto de informaestransmitidas e compreendidas direta e imediatamente, ao contrrio dacomunicao verbal em sua forma oral ou escrita, que necessitam deuma mediao cultural um idioma para serem decodificadas? Exis-tiria, tambm, alguma forma de leitura universal da fotografia capaz desubstituir ou equivaler interpretao de documentos escritos ou de-poimentos verbais? At que ponto uma imagem valeria mais de mil pa-lavras?

    As possveis respostas a esses questionamentos esto ainda longede caminharem em direo a um consenso. Para uns, o documento vi-sual falaria por si mesmo, podendo transmitir, clara e diretamente, asinformaes nele contidas. O semilogo e ensasta francs Roland Bar-thes, em suas reflexes tericas e filosficas sobre a fotografia, consi-dera a imagem fotogrfica como a prpria emanao do real e noapenas uma simples cpia deste. Para ele, uma fotografia podia carre-gar em si mesma e ao mesmo tempo a imagem e o objeto fotografado.

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    Era o prprio modelo transferido para a emulso sensvel do filme, co-lados e indissociveis, como um decalque do real.

    Os realistas, entre os quais estou, e entre os quais eu jestava quando afirmava que a Fotografia era uma ima-gem sem cdigo mesmo que, evidentemente, c-digos venham infletir sua leitura , no consideram demodo algum a foto como uma cpia do real mascomo uma emanao do real passado: uma magia,no uma arte. Perguntar se a fotografia analgica oucodificada no um bom caminho para anlise. NaFotografia, de um ponto de vista fenomenolgico, opoder de autenticao sobrepe-se ao poder de repre-sentao.5

    O filsofo tcheco Vilm Flusser, ao analisar alguns aspectos dafotografia, faz uma interessante analogia entre imagem e janela:

    O carter aparentemente no-simblico, objetivo, dasimagens fotogrficas faz com que seu observador asolhe como se fossem janelas e no imagens. O obser-vador confia nas imagens tcnicas tanto quanto confiaem seus prprios olhos. Quando critica as imagenstcnicas se que as critica , no o faz enquanto ima-gens, mas enquanto vises do mundo.6

    O primeiro pesquisador a questionar o conceito de que a foto-grafia reproduz um objeto tal como ele , ou seja, como uma realidadeobjetiva de algo fora de si mesmo, foi o historiador da arte Bernard Be-renson em 1947. Berenson afirma que Ver tanto uma arte adquiridaquanto falar, embora sem dvida mais fcil de aprender.7 Explicaque, at h pouco menos de dois sculos, quando a ampla difuso dosmeios de comunicao ainda no havia comeado a estabelecer umaespcie de esperanto visual, havia no planeta vrios grupos visualiza-dores (latino cristo, ortodoxo, islamtico, indiano e chins), da mesmaforma que existiam e ainda existem vrios grupos lingsticos. Naque-la poca, uma pessoa comum pertencente a um desses grupos no teriaa menor possibilidade de entender as representaes visuais de um ou-tro grupo. E mesmo atualmente, acrescenta Berenson, apesar dos mei-os de comunicao de massa, ainda ficamos bastante desorientados

    5 BARTHES, 1984, p. 132. 6 FLUSSER, 1983. p. 20.7 BERENSON, 1972, p. 199.

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    JoallisonRealce

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    fora de nosso prprio ambiente visual, e no achamos fcil avaliar asrealizaes de outras culturas menos conhecidas.

    Ao analisar mais especificamente a fotografia, Berenson concluique se a cmara fosse o registrador impessoal que deveria ser, certa-mente, nos ajudaria a ver muito mais do que nossos prprios olhos v-em. No entanto, para ele, isso no ocorre por que a cmara apenasum instrumento nas mos do fotgrafo, e este, sendo humano, tendea ser um operador descuidado, medocre e ingenuamente imbudo depreconceitos. Nada poderia induzir tal fotgrafo a ver com sua cmaraalm daquilo que ele no pudesse ver com seus prprios olhos. Oolhar sem a mente no perceberia nas imagens nada alm de manchas,sombras e bolhas de luz, preenchendo determinada rea. Conclui queo ato de ver uma questo de organizao mental e construo inte-lectual. O que o operador ver na cmara depender, portanto, deseus dons, treinamento e habilidade, e at mais de sua instruo geral;em ltima anlise, depender de seu imaginrio, sua viso de mundo,e do que ele quer e espera tirar dele.8

    Compartilhando dessa mesma opinio, Rudolf Arnheim, profes-sor de psicologia visual da Universidade de Harvard, relata que equi-pes de antroplogos ficaram totalmente surpresas ao descobrirem que,em certos grupos tribais ainda no familiarizados com a fotografia, aspessoas tinham grande dificuldade para identificar os objetos e atmesmo suas prprias figuras humanas e fisionomias retratadas em fo-tos que pareceriam, para ns, totalmente normais e realistas. Tal fen-meno deve-se ao fato de termos aprendido em nosso meio cultural,desde crianas, a decifrar suas formas e linguagem especficas.9

    O DESENVOLVIMENTO TECNOLGICO COMO RUPTURA

    Trabalhando com o mesmo conceito onde uma possvel lin-guagem visual seria culturalmente assimilada , o historiador da arte E.H. Gombrich fornece-nos um dos mais interessantes exemplos que de-monstra como todos ns somos inclinados a aceitar imagens, formasou cores admitidas em nossa cultura por conveno como sendonicas, corretas e verdadeiramente reais. Gombrich analisa que, em-bora ao longo dos milnios sucessivas geraes de seres humanos te-nham visto por todo o planeta a cena comum de cavalos galopando,ningum parece ter conseguido observar o que realmente se passavaquando um cavalo corria. A totalidade das esculturas, gravuras e pin-

    8 BERENSON, 1972, pp. 200-201.9 ARNHEIM, 1980, p. 37.

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    turas feitas sobre o tema e ainda preservadas independente de cul-tura, lugar ou poca sempre representaram os cavalos a galope comsuas quatro pernas esticadas, iguais aos cavalinhos de carrossel, comose estivessem em pleno vo.

    Estudo de um cavalo a galope, 1883, Eadweard Muybridge.

    Somente com o advento da fotografia e, mais especificamente,aps o aperfeioamento tecnolgico da cmara e do filme permitin-do a obteno de registros fotogrficos de seres e objetos em movi-mento rpido que se tornou possvel provar acima de qualquercontestao que tanto escultores e pintores como o pblico estavamequivocados o tempo todo. As investigaes do fotgrafo EadweardMuybridge sobre a locomoo animal tiveram origem em 1872 numacontrovrsia relativa ao movimento das patas de um cavalo a galope.Essas sries fotogrficas, realizadas entre 1878-79, foram obtidas comuma fileira de 16 cmaras que, ligadas a longos cordes, disparavam passagem do cavalo.

    Tais imagens expuseram, pela primeira vez ao mundo, o absurdoda postura convencional adotadas nas pinturas e esculturas. Jamais umcavalo a galope se movimentou da maneira que parecia a todos omodo real e natural, ao contrrio, no nico instante em que o animaldeixa o solo (ver fotogramas 2, 3 e 4), suas quatro patas ficam agru-padas para dentro. Exatamente o oposto das representaes artsticas.

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    Por sua vez, quando os primeiros pintores, j no incio do sculo XX,ousaram aplicar essa nova descoberta, e representaram cenas ondeapareciam os cavalos galopando como realmente fazem em seus com-plicados movimentos de patas, houve inmeras crticas de que estasimagens pareciam absurdas, totalmente ridculas e completamente im-possveis. Mais do que relativizar o carter universal de uma leitura daimagem, Gombrich afirma o poder da objetividade fotogrfica contri-buindo para uma nova percepo da realidade visvel.

    At ento, a arte e o ofcio da pintura servira para numerosos finsutilitrios. O pintor era o profissional que podia superar a naturezatransitria das coisas e preservar o aspecto de qualquer objeto para aposteridade. O rpido desenvolvimento tcnico da fotografia, permi-tindo ao homem ver mais que seus prprios olhos, iria impulsionarmuitos artistas a novos caminhos de explorao e experimento. J nohavia mais a necessidade da pintura, como arte, executar uma tarefaque um dispositivo tico, mecnico e qumico podia realizar muitomelhor, mais rpido, barato e com a possibilidade de um nmero ili-mitado de cpias idnticas.

    As ilimitadas possibilidades tcnicas oferecidas pela fotografiairiam, paralelamente, acelerar um crescente processo de alterao dafuno social da arte. Muitos artistas, embora objetivando a venda desua produo como meio de sobrevivncia, passam a pintar em puraespeculao sem a preocupao imediata com o destino comercial desua obra.

    A fotografia no sculo XIX estava prestes a assumir afuno da arte pictrica e isso representou um rudegolpe para os artistas, to srio quanto a abolio dasimagens religiosas pelo Protestantismo. Antes dessainveno, quase toda pessoa que se prezava posavapara seu retrato, pelo menos uma vez na vida. Agora,as pessoas raramente se sujeitavam a isso, a menos quequisessem obsequiar e ajudar um pintor amigo. Assimsendo, os artistas viram-se cada vez mais compelidos aexplorar regies onde a fotografia no podia acompa-nh-los. De fato, a arte moderna dificilmente se con-verteria no que sem o impacto devastador dessa fan-tstica inveno.10

    As observaes de Gombrich, de um lado, corroboram a hip-tese de Arnheim de que ver algo culturalmente assimilado, e no ine-

    10 GOMBRICH, 1977, p. 416.

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    rente ao homem. Demonstra toda nossa relutncia em mudarmos aforma convencional que aprendemos a ver e reconhecer a realidade nossa volta. Evidencia o quanto resistimos em descartar hbitos e con-ceitos adquiridos. Por outro lado, opondo-se diametralmente s idiasde Berenson de que a cmara jamais poderia mostrar alm daquilo queno pudssemos ver com nossos prprios olhos, comprova como a fo-tografia permitiu descobrir a verdadeira imagem de certas coisas, an-teriormente inacessveis ao olho humano. Enfim, ao mostrar o encan-to da cena instantnea, do movimento imperceptvel e do ngulo im-previsto; ao captar as sutis impresses das formas, reflexos, traos, lu-zes e sombras, antes inimaginveis, a fotografia possibilitaria o adventoe a consolidao de novas e infinitas formas dentre elas, o Impres-sionismo de subverter o ideal de beleza caracterstico da esttica aca-dmica.

    IMPRESSIONISMO A TCNICA INSPIRANDO A ARTE

    Como movimento organizado, o Impressionismo durou de1874 a 1886, perodo que delimitou a realizao de suas oito expo-sies gerais. A primeira mostra coletiva, entre 15 de abril e 15 demaio de 1874 em Paris, foi inaugurada no atelier do fotgrafo Mau-rice Nadar, circunstncia que no deixa de possuir alto significado, jque at certo ponto a fotografia viera desferir um golpe profundo napintura acadmica. Sem lanar manifestos e sem produzir teorias abs-tratas, esses artistas que se intitulavam uma Sociedade Annima no sepretendiam reformadores. Na verdade, no buscavam uma inovaona tcnica de pintar ou colocar em questo os preceitos acadmicosque ainda continuavam a representar o gosto oficial e popular. A pr-pria conceituao da tendncia bastante difcil. Um deles, EugneBoudin, definiu o Impressionismo como um movimento que leva apintura ao estudo da luz plena, do ar livre e da sinceridade na repro-duo dos efeitos de cu.11

    possvel encontrar nas obras dos impressionistas os melhoresexemplos da influncia da fotografia sobre as novas concepes arts-ticas. Dentre vrios, seria pertinente citar o trabalho de Edgar Degas(1834-1917), sobretudo pelo acentuado sentido de movimento queaplicava em seus quadros. Degas, um dos mais brilhantes desenhistasde sua gerao, foi um observador rigoroso do cotidiano e gostava debanhar suas concepes fragmentrias na luz artificial como holofo-tes e refletores , que lhes conferia uma inconfundvel dimenso m-

    11 LEITE, Jos Roberto Teixeira. Boudin no Brasil. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas-Artes, 1961.

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    gica. Suas clebres bailarinas so criaturas etreas em constantemovimentao. Como na imagem fotogrfica, ele se prendia, de pre-ferncia, s posies absurdas e aos equilbrios inverossmeis. De fatono buscava no bal a graa sedutora. O significado real no residiaapenas no tema, pois quando pintava uma bailarina, no era a danaque o atraa, mas o espetculo do corpo no espao e o desafio de trans-form-lo em arte.

    Carruagem nas corridas da Normandia, Edgar Degas, 1875. Nesse quadro, pintado trs anos antes dos estudos fotogrficos sobre os movimentos dos animais, aparece o fla-grante onde dois jqueis galopam seus cavalinhos de carrossel ( esquerda).

    Seu olhar se tornava impiedoso quando se voltava para a mulherem sua toalete. Ele a flagrava exatamente quando ela se acreditava s,quase grotescamente ocupada com seus cuidados ntimos. Enfim, elea descrevia com a fora e a veracidade de um instantneo fotogrfico.

    Em 1879-80, fez uma srie de 22 guas-tintas com v-rios estgios da mesma mulher saindo do banho. essencial retomar o mesmo tema dez vezes, cem ve-zes, escreveu a um amigo. Fascinavam-no as possibi-lidades da mquina fotogrfica, que ele usou comgrande habilidade, mas agora parecia interessado eminventar o filme documentrio e isso cerca de dezanos antes de Thomas Alva Edson.12

    12 FRIEDRICH, 1992. p. 190.

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    visvel a influncia exercida pela fotografia nas composies deDegas. Seus desenhos rpidos e precisos revelam sua rara habilidadepara romper o imobilismo de um quadro. Admirador da tcnica fo-togrfica e, ele prprio, fotgrafo, criava enquadramentos descentra-lizados e subia ou descia a linha do horizonte arbitrariamente. Suasimagens so sempre abruptamente cortadas nas bordas do quadro,como se fixasse a cena de um instantneo mal enquadrado com umacmara fotogrfica. E o sentido de casualidade da resultante encobreo trabalhoso processo de elaborao de suas obras.

    O Ensaio, Edgar Degas, 1877.

    Neste quadro, Degas sutilmente aumentou a noo de movi-mento pintando manchas escuras quase invisveis no centro pratica-mente vazio. Exatamente o mesmo efeito fotogrfico de captar corposem movimento onde, devido baixa velocidade de obturao da c-mara, o assunto aparecia tremido ou como manchas indefinidas.

    Outro exemplo interessante estaria na obra de Henri de Toulou-se-Lautrec (1864-1901), um dos maiores artistas grficos de sua poca.Durante a primeira metade da dcada de 1890, atingiu o apogeucomo criador de cartazes arrojados sobre os artistas de casas noturnasparisienses. Lautrec inovou a arte da gravao com a tcnica chamadacrachis (cuspidela), onde, ao espirrar tinta na pedra litogrfica comuma escova de dentes, obtinha um efeito de pontilhado exatamenteigual granulao dos pontos de prata observada nas ampliaes fo-togrficas.

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    Criar a iluso de movimento umadas mais rduas tarefas de um pintor. Noquadro O Jquei, Lautrec como Degas cortou parte das pernas e das patas dos ca-valos, dando a impresso de que galopam nointerior do prprio campo visual, na direode um espao alm do quadro. E, para refor-ar a sensao de velocidade, colocou-os decostas, em diagonal para aumentar a pers-pectiva e dar a impresso de que se distanci-am do observador. No entanto, nem mesmoToulouse-Lautrec, j conhecedor dos verda-deiros movimentos das patas de um cavalo agalope, ousou represent-los nesta pinturafeita 20 anos aps os estudos fotogrficos deEadweard Muybridge. s vsperas do sculoXX, os jqueis continuavam a galopar seuscavalinhos de carrossel.

    Para concluir, seria imperdovel nocitar Claude Monet (1840-1926), sem d-vida, o mais dedicado dos impressionistas.Monet, ainda na juventude, elaborou umatcnica gil que lhe permitisse captar noprprio local uma imagem que no poderiadurar mais que alguns instantes. Era o prprio instantneo fotogrfico,s que as duraes da impresso e sua permanncia perceptiva noeram registradas pela cmara, mas pelos tempos indefinidos da exis-tncia psicolgica. Com o passar dos anos Monet desenvolveu a formaoriginal das sries pictricas verses sobre o mesmo tema visto sobvariadas condies de luz e atmosfricas. So obras projetadas para se-rem expostas em conjunto e, como cada tela capta um determinadoinstante, a coleo em si registra a prpria passagem do tempo. Noseria totalmente improvvel admitir-se aqui uma possvel influnciaexercida pela recente mania do Teatro tico de mile Reynaud (1844-1918), que desde 1888 exibia nos cafs de Paris fitas com at 700 ima-gens, antecipando em sete anos a primeira exibio pblica das Foto-grafias Animadas dos irmos Lumire. As dezoito vistas da fachada daCatedral de Rouen integram essa fase, cada uma delas representadassegundo a transio da luz no decorrer do dia. De uma tela para outra,o ngulo teve mnimas alteraes, mas a iluminao, apesar das dife-renas referentes ao movimento do Sol, reflete sempre o clima do in-

    Le Divan Japonais, Henri de Toulouse-Lautrec, 1893.

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    verno de 1894, ano em que a srie foi cria-da. Nessas variaes sobre um mesmo te-ma, percebe-se de imediato a extraordinriahabilidade de Monet em captar as mnimasmudanas sofridas pela pedra quando sub-metida a uma iluminao diferente. Esseprocedimento exatamente idntico fo-tografia constitui um dos pilares da est-tica impressionista: o pintor apresenta oque o olho capta e no o que a mente con-cebe sobre o tema.

    Assim, a fotografia, ao envolver osmltiplos nveis em que se faz presente nanossa civilizao, criaria novos padres cul-turais, modificando e condicionando os h-bitos do homem atravs da sua mensagem,principalmente, quando multiplicada e in-serida nos meios de comunicao. A ima-gem fotogrfica contribuiria para o nasci-mento de uma nova estrutura visual e, si-multaneamente, tambm seria influenciadapor ela. Uma outra ordem imaginria, atento indita, seria doravante utilizvelcomo verdadeiro modelo para conheci-

    mento e interpretao do mundo sensvel. No se tratava de umamoda ou de um simples processo tcnico de representao imagtica.Era o prprio exerccio da atividade perceptiva e figurativa que haviamudado, dando um novo sentido ao ato de ver. Sua iMAGem ultra-passaria os limites da iMAGinao, penetrando no mundo da MAGia.Ela possua o poder de fazer com que acreditssemos no inacreditvel.

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