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IKUIAPÁ Um mistério de tchapa e cruz

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IkuIapáUm mistério de tchapa e cruz

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João Bosco Nazareno Filho

IkuIapáUm mistério de tchapa e cruz

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© 2012. João Bosco Nazareno Filho. Todos os direitos desta edição reservados para Central de Texto.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático: 1. Crônicas : Literatura brasileira 869.93

Nazareno Filho, João Bosco Ikuiapá : um mistério de tchapa e cruz / JoãoBosco Nazareno Filho. -- Cuiabá, MT : Edições Aroe,2012.

ISBN 978-85-89623-12-4

1. Crônicas brasileiras I. Título.

11-14805 CDD-869.93

Editora Maria Teresa Carrión Carracedo

Produção Gráfica Ricardo Miguel Carrión Carracedo

caPa Helton Bastos (fotomontagem)

rEvisão Marinaldo Custódio

assistEntE na Edição Walter Barbosa

diaGramação Robinson Borborema

foto do autor Autorretrato

Av. Senador Metello, 3773 | Jardim Cuiabá CEP 78030-005 | Cuiabá/MT

Telefax: 65 3624 8711 • 3052 8711 | [email protected] www.centraldetexto.com.br

Fotomontagem da capa, com fotos da Shutterstock (Worldpics/arca, Dundanim/rapaz, Cristi/pen drive, Aispix/moça, Zacarias Pereira da Mata/céu)

e João Bosco Nazareno Filho/Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá

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Capítulo 1Cuiabá ontem e hoje . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Capítulo 2A primeira pista foi enfim revelada . . . . . . . 19

Capítulo 3Cada cidade tem seus tipos . . . . . . . . . . . . . 35

Capítulo 4O início dos acontecimentos . . . . . . . . . . . . 45

Capítulo 5Um tour pelo complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

Capítulo 6A carta do chefe Seattle . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

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Capítulo 7Era a vez do Padre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Capítulo 8A conversa definitiva com os casais . . . . . . 109

Capítulo 9A grande decisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

Capítulo 10A partida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

Capítulo 11A Amálgama do Oráculo de Delphos . . . . . 139

Capítulo 12Profecias, uma pincelada . . . . . . . . . . . . . . 163

Capítulo 13Frente ao terror, a natureza resiste tingindo de cores os sonhos . . . . . . . . . . . . 187

Capítulo 14Estávamos no ano de 2004 . . . . . . . . . . . . . 209

Capítulo 15Teria sido um sonho, ou não? . . . . . . . . . . . 233

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Capítulo 1

Cuiabá ontem e hoje

Cuiabá. O sol ardia na pele naquele dia, bem mais que em outros. O trânsito caótico trazia irritação e as motocicletas da-vam o tom a essa sinfonia interminável. Pedestres se apinhavam nas calçadas num vai e vem frenético, desviando dos ambulantes em suas barracas de pequi, DVDs piratas, perfumes e quinquilha-rias em geral. Em algumas lojas, caixas de som eram instaladas e aprendizes de locutores gritavam para chamar clientes. Ali perto uma ambulância abria caminho entre os carros, utilizando todos os tipos de sirene.

No cruzamento da avenida do menino Generoso Ponce – que com 13 anos se alistou como Voluntário da Pátria na Guerra do Paraguai, e que chegou a Governador – com a rua 13 de ju-nho – que comemora a Retomada de Corumbá –, os transeuntes caminhavam apressados, alheios à importância histórica perpetu-ada naquelas placas com nome de ruas.

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Era uma tarde típica de segunda-feira no centro de Cuiabá. O relógio marcava 13 horas e a temperatura batia na casa dos 39 graus, ou seja, três vezes treze para os supersticiosos.

Cuiabá sempre foi uma cidade quente, mas nos últimos anos a coisa piorou. A cidade cresceu desordenadamente e as áreas verdes lentamente agonizaram e agora vivemos nas ilhas de calor, rezando para que chegue o fim de semana para subirmos a serra ou buscarmos alívio nos rios da Baixada Cuiabana. Os que po-dem, pois a maioria da população tem que se adaptar aos novos tempos de outras maneiras.

Como tudo na vida tem suas compensações, aqui não pode-ria ser diferente. O cuiabano é um povo alegre, festeiro e a vida noturna na cidade chega a ser mais “quente” que o dia. Nos bares da moda a boemia aflora e aparecem as deusas, que durante o dia parecem não existir. São mulheres belíssimas, bronzeadas e com um sotaque que encanta e embala pela sonoridade. Apaixonar-se por aqui é muito fácil. O clima, o sotaque, o gingado, a malícia no olhar, o cheiro das frutas da terra, tudo isso misturado vira um coquetel extremamente afrodisíaco. Meninos e meninas se auto-encantam e deixam o visitante com inveja dessa química, dessa secreta alquimia que só quem é “cuiabanomesmo” detém o se-gredo. Quem então é cuiabano de Tchapa e Cruz, além de deter o segredo, tem o dom de transmiti-lo. A expressão de Tchapa e Cruz diz respeito ao cuiabano autêntico, emprestando do linguajar do pecuarista, seria um “puro de origem”, como o carioca da gema. Existem diversas opiniões a respeito da origem do termo, mas a que eu prefiro acreditar é a que diz que chapa representa a certi-dão de nascimento e cruz a de óbito, simbolizando o nascimento em Cuiabá e o desejo de lá morrer.

A população da cidade é fruto de uma miscigenação que deu certo. Os migrantes que vieram em busca de seu eldorado par-ticular se juntaram a nós e dessa união nasceu um povo bonito.

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Incorporamos na nossa a cultura desses migrantes, e com um toque peculiar a moldamos à nossa realidade.

Cuiabá cresceu. Da bucólica cidade da década de 1970, onde cadeiras nas calçadas testemunhavam as prosas e os casos mais interessantes que havia, pouco restou. Da vizinha pedindo uma xícara de açúcar e dois ovos para fazer um bolo, sobrou apenas a lembrança de como era simples ser feliz. Dos peixes guardados vivos em jacás e retirados dias depois, ainda guardo lembrança, quando na piracema vejo que é preciso leis cada vez mais restriti-vas para evitar o fim da vida no rio que dá nome à cidade.

Lembro com saudade do tempo em que todos se conheciam. Era a década de 1970 do século passado. O futebol fervilhava com grandes clássicos. Havia Escolas de Samba tradicionais que fa-ziam a alegria dos foliões na avenida. Escolas como o “Pega no Meu Coração”, “Deixa Cair”, “Estrela do Oriente”, “Acadêmicos do Porto” rivalizavam com a “Mocidade Universitária”, que era composta por estudantes da Universidade Federal. Havia bairros a exemplo do que acontece no Rio de Janeiro que se mobiliza-vam inteiros em prol de sua Escola de Samba.

Bares como o Internacional, situado na Avenida Getúlio Var-gas, este um líder civil da Revolução de 30 que pôs fim à Repú-blica Velha, depondo o seu 13º e último presidente – olha o 13 de novo – Washington Luís e impedindo a posse do presidente eleito em 1º de março de 1930, Júlio Prestes, recebia a boemia intelectual que destilava o melhor de nossa capacidade criativa e inventiva. Nas mesas, ouvia-se o barulho da rua, mas ninguém se importava com a história ali representada.

Em outra ponta, a juventude se esbaldava no “Beto”, situa-do na Avenida Getúlio Vargas, aos moldes dos lugares da moda de hoje em dia. Alguns postos de gasolina mantinham bares que abasteciam etilicamente a outro tipo de boemia, aquela ligada ao prazer e ao sexo.

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Havia na cidade, naquela época um bairro onde existiam mais de quarenta cabarés. As esposas faziam vista grossa, pois ali não havia perigo de perder os maridos, não havia ainda as “tercei-rizadas”, pois os prazeres eram de alta rotatividade. Menos mal. Havia um deles que se chamava “Sossego”. Quando a esposa per-turbava muito o marido, este dizia:

– Mulher, eu preciso de sossego... deixe-me em paz um pou-quinho. Então ela dizia:

– Sai. Vai espairecer. E ele arrumava a tralha de pesca e ia para o Sossego. Os outros tinham nome de mulheres, tais como Car-minha, Lurdinha, Tcha Rosa, Francina e assim por diante.

Clubes como o “Dom Bosco”, o mais antigo de nossa cidade, fundado em janeiro de 1925 como um grupo esportivo dentro do Colégio Salesiano São Gonçalo embalava a elite com seu fa-moso jantar dançante, suas quadras de tênis, aliás, sua quadra de tênis. O carnaval ali era imbatível. Havia duas pistas de dan-ça, uma ao lado da outra e os foliões “pulavam” em círculo ao som das marchinhas, sempre as mesmas. Andávamos quilôme-tros ouvindo sempre “Cabeleira do Zezé, “A Patroa me Contou um Segredo”, “Bandeira Branca”, “Se Você Pensa que Cachaça é Água”, “Kung, Kung, Kung, Kung Fu”, “Abre Alas”, “Aurora”, “Me dá um dinheiro aí” e, como não podia deixar de ser, o hino do Dom Bosco... Salve, Salve o clube Dom Bosco, salve o clube da coli-na.... a vitória está conosco... e a torcida está por cima.

Quando era a hora de terminar o baile de carnaval, lá pelas seis da manhã, momento em que a cachaça ditava os passos, a banda saía do clube tocando e os foliões iam atrás, como nos trios elétricos de hoje, só que o motivo era que se houvesse briga no final, ela aconteceria fora do clube e sem prejuízos financeiros. E para incendiar os ânimos o pistão dava o tom de uma marchinha de 1953, composta por Mirabeau Pinheiro, Lúcio de Castro e Heber Lobato – “Cachaça”, que deixava claro na letra que podia faltar até o amor, mas nunca a bebida.

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A cidade tomou outro rumo e se tornou cosmopolita. Nin-guém conhece ninguém, ou quase. Por vezes passamos anos sem ver um conterrâneo e o encontramos em uma praia do Nordeste em férias com um bonezinho de propaganda de loja de Cuiabá.

Festa em clube, hoje nem pensar, é brega! Mas uma coisa continua. A juventude ainda acha que sabe de tudo e os mais ve-lhos então são um modelo fora de linha e de difícil manutenção. Acham que são eternos. Fumam, bebem e transam desmedida-mente.

E assim íamos vivendo. Os cabarés foram substituídos pelas garotas de programa freelance, as terceirizadas, os shoppings e suas praças de alimentação tomaram o espaço dos barzinhos e a popu-lação aos poucos adquiriu o hábito de comer fora, a quilo.

Nessa balada vivi os últimos anos, alternando entre trabalho, shopping e fins de semana em Chapada dos Guimarães.

Tudo ia “nos conformes”, até aquele dia em que resolvi doar ao Abrigo de Idosos roupas usadas que minha mãe guardava em estado de quase novas.

Uma visita ao abrigo de idosos

Levei as roupas, entreguei-as no abrigo e alguém me disse que por estarem quase novas os velhinhos não veriam nem a cor. Lógico que não acreditei, mas ficou uma dúvida no ar. Então, esperei uns dias e voltei ao abrigo e fiquei conversando com os velhinhos. As roupas estavam lá. Que bom!

Dessa conversa, achei interessante o que me disse um idoso quando passou perto de mim. Falou com o canto da boca, rápido, e não olhou para trás: — Tenho uma informação que há 13 anos

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