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    2 Srie Documentos, Poltica & Teoria Vol. 3 - UNIPA

    Imagem:

    Capa: Fotografia de Sebastio Salgado

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    Srie Documentos, Poltica & Teoria Vol. 3 - UNIPA 3

    Ir ao Povo: As Tarefas do

    Proletariado e dos Anarquistasdiante da ofensiva NeoliberalResolues do III Congresso da Unio Popular Anarquista

    Realizado nos ms de julho de 2007, no estado do Rio deJaneiro

    Srie Documentos, Poltica & Teoria

    Volume 3

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    4 Srie Documentos, Poltica & Teoria Vol. 3 - UNIPA

    NDICE

    ApresentaoPensar e Fazer a Revoluo: o III Congresso da UNIPA no contexto daluta de classes no Brasil

    5

    Parte I - Resolues sobre a Teoria e a Prtica Revolu-cionria

    1 Vigncia do pensamento bakuninista: rumo a uma nova revolu-o!

    10

    2 As foras coletivas e a luta de classes 12

    3 O Estatismo e a luta contra o Estado 14

    4 Teoria da Revoluo: revoluo integral X revoluo por etapas 15

    5 A funo dos anarquistas na revoluo socialista: organizaopoltica, de massas e internacional

    17

    Parte II - Sobre o Desenvolvimento Capitalista e a Re-voluo Brasileira

    6 Crtica da economia poltica brasileira 20

    7 O processo mundial de acumulao capitalista 25

    8 Caracterizao da atual etapa ultra-monopolista do capitalismo 29

    9 O desenvolvimento dependente brasileiro no sculo XXI: impac-tos na estrutura e relaes de classes

    34

    10 As tarefas do proletariado e dos anarquistas diante da ofensivaneoliberal

    46

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    Apresentao

    Pensar e Fazer a Revoluo: O III Congresso da UNIPA no con-

    texto da luta de classes no Brasil

    O III Congresso da UNIPA, realizado em julho de 2007, visou estabelecer

    uma anlise terica anarquista sobre o desenvolvimento capitalista brasileiro.

    Para realizar essa tarefa, foi preciso simultaneamente realizar um balano teri-

    co do pensamento anarquista, especificando o contedo de seu mtodo e de

    suas principais teses sobre a sociedade.

    O I Congresso aconteceu em maro de 2003, o II Congresso em feverei-

    ro-maro de 2004. Nesse perodo a organizao conseguiu consolidar sua pro-

    posta e criar seu pequeno, mas real espao no movimento sindical e popular. O

    desafio do III Congresso foi avanar na teoria e prtica da revoluo brasileira de

    uma perspectiva anarquista.

    O tema do III Congresso Ir ao Povo: as tarefas dos anarquistas e do

    proletariado diante da ofensiva neoliberal. A palavra de ordem ir ao povo foi

    cunhada por Bakunin no sculo XIX, para designar a tarefa dos anarquistas rus-

    sos. Esses deveriam se dedicar ao trabalho poltico junto s massas camponesas.

    Comear mesmo que do zero um trabalho de propaganda e organizao que

    deveria ter como meta a revoluo social.

    Nesse sentido, a palavra de ordem hoje ganha tambm um significadohistrico fundamental. Trata-se de aplicar no contexto brasileiro, a linha poltica

    revolucionaria anarquista. Ir ao povo, classe trabalhadora, para participar de

    suas lutas, o primeiro e principal dever do revolucionrio. Ir ao povo no atual

    contexto, marcado pela ofensiva neoliberal (que faz parte de um processo de

    transio a uma nova etapa de desenvolvimento do capitalismo mundial) signifi-

    ca participar das lutas de resistncia da classe contra as reformas estatais e me-

    didas de reestruturao produtiva.

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    Essa orientao poltica geral s ganha importncia luz da aplicao do

    bakuninismo a anlise das relaes de classe no Brasil e no mundo. E esse tra-

    balho de aplicao terica, de produo de uma sociologia no sentido que Ba-

    kunin defendia da revoluo, uma contribuio anarquista ao processo deconstituio do proletariado enquanto classe. Pensar a revoluo uma das

    dimenses da do fazer revolucionrio.

    Por isso o I Congresso da UNIPA tinha indicado como tarefa a elaborao

    de uma teoria anarquista da revoluo brasileira. E o III Congresso representa um

    momento importante, pois apresentamos uma sntese terica acerca do desen-

    volvimento do capitalismo brasileiro e mundial a partir das teses bakuninistas,encerrando assim a etapa de trabalho iniciada em 2003. Afirmamos inicialmente

    que era possvel criar uma teoria a partir de Bakunin. Agora apresentamos os

    traos gerais de tal teoria em teses especificas.

    O III Congresso representa ao mesmo tempo um ponto de chegada pa-

    ra o processo de produo terica iniciado em 2003 e o ponto de partida para

    uma nova fase. Fase esta em que esperamos dar continuidade a construo deuma sociologia revolucionria bakuninista. Paralelamente a construo nacional

    da UNIPA e expanso de suas frentes de massa. um trabalho inovador em ter-

    mos de Brasil e coloca mais desafios agora.

    O debate acerca da revoluo proletria e socialista em geral, e da revo-

    luo brasileira em particular, encontra-se estagnado. No poderia ser de outra

    maneira j que o prprio movimento revolucionrio e proletrio encontra-se em

    crise no Brasil e no mundo. Nesse sentido, a formulao de uma teoria anarquis-

    ta da revoluo brasileira uma tarefa essencial da reconstruo do anarquismo

    e qui do movimento proletrio.

    A nossa principal tarefa terica contrapor a teoria etapista da revo-

    luo, de cunho comunista e social-democrata, pela teoria da revoluo inte-

    gral (econmica, poltica e social), caracterstica do anarquismo. Bakunin apon-

    tou nos anos 1860 que a teoria da revoluo em etapas dos social-democratas

    representava um projeto de revoluo burguesa e que por isso abria campo

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    para a aliana com a burguesia e abdicao da prpria idia da revoluo em

    nome de reformas. Assim, definia-se na realidade todo o campo de oposies

    entre Bakunin e Marx.

    A recusa da teoria etapista implicava na recusa de uma fase de transi-

    o entre a sociedade de classes e a sociedade sem classes, marcada pelo papel

    do Estado e pela ditadura do proletariado. A teoria etapista da revoluo esta-

    va amparada numa teoria geral da sociedade o materialismo histrico que

    supunha a evoluo e sucesso de modos de produo no tempo, da qual o co-

    munismo seria o estgio mais avanado. Essa teoria por sua vez tinha um pilar

    a determinao da economia em ultima instancia sobre todas as dimenses davida social. O determinismo econmico estabeleceu papis fixos para a burguesia

    e para o proletariado industrial.

    A idia da revoluo socialista ficou atrelada ento ao desenvolvimen-

    to do capitalismo, da qual seria um produto. Para que a revoluo socialista pu-

    desse se realizar, seria necessrio o desenvolvimento do modo de produo

    capitalista at certo ponto. Essa base terica permitiu que a defesa do dese n-volvimento do capitalismo se tornasse uma bandeira poltica da social-

    democracia e comunismo internacionais.

    Bakunin criticou firmemente tal teoria da historia, questionou o deter-

    minismo econmico, e consequentemente a teoria das classes e do papel do

    Estado. Essa critica estava amparada numa concepo materialista, mas um ma-

    terialismo distinto do materialismo histrico de Marx e Engels (que supem o

    determinismo econmico). Ao mesmo tempo, Bakunin elaborou uma teoria

    acerca do estatismo, ou seja, uma anlise da evoluo do capitalismo a partir

    da perspectiva do desenvolvimento do Estado. E adotou a teoria das foras cole-

    tivas como base da critica econmica do capitalismo. Qualquer revoluo que

    no resolva o problema da explorao das foras coletivas dos trabalhadores

    ser uma revoluo burguesa, e por isso, uma contra-revoluo.

    O ponto central da luta terica no Brasil permanece o mesmo. A revo-

    luo brasileira ter um confronto entre os adeptos da teoria da revoluo por

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    etapas (que inclui todo o marxismo, maosmo, trotskismo, leninismo, stalinismo)

    e os adeptos da teoria da revoluo integral. Ao mesmo tempo, essa luta passa

    por uma luta de interpretaes sociolgicas sobre a estrutura de classes e o de-

    senvolvimento capitalista no Brasil.

    O capitalismo brasileiro apresenta uma srie de caractersticas que mos-

    tra a sua transio para um tipo de capitalismo ultra-monopolista (neoliberal e

    toyotista). A reestruturao produtiva e as reformas do Estado levam a uma mu-

    dana da estrutura de classes (decorrente da mudana do papel do Brasil e Am-

    rica Latina na diviso internacional do trabalho e do sistema imperialista). Essa

    mudana implica na ampliao quantitativa do proletariado marginal (os prolet-rios no integrados ao mercado de trabalho ou integrados na sua esfera inferior),

    e na mudana do seu papel qualitativo. Esse proletariado passar a ser o tipo

    padro nos diversos ramos e setores da produo e circulao capitalista.

    Ao mesmo tempo, a estrutura de classes se diversifica e vemos uma rela-

    tiva ascenso do setor primrio-exportador que ocupa cada vez mais importncia

    na economia brasileira. o marco de uma nova expanso do capitalismo na agri-cultura que ir agravar as contradies j existentes.

    A poltica revolucionria deve levar em conta as mudanas da dinmica

    do desenvolvimento capitalista e da estrutura de classes no Brasil. Qualquer

    poltica que ignore isso no dar conta das tarefas da revoluo proletria. E

    essas so apenas algumas das questes tericas que temos de enfrentar. Os

    principais problemas sociais (Questo Econmico-Poltica, Questo Agrria,

    Questo Urbana e etc.) sero agravados por conta da transio neoliberal no

    desenvolvimento dependente brasileiro.

    Por isso, as teses apresentadas ao nosso III Congresso (que sero publi-

    cadas em breve) visam ser um passo inicial e uma contribuio, mesmo que mo-

    desta, ao trabalho terico de interpretao dessa nova realidade e de construo

    de uma nova poltica popular revolucionaria.

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    O pensamento poltico e cientifico de Bakunin constituiu a base central

    para a estruturao do trabalho terico de analise e crtica do capitalismo na

    atual conjuntura. As anlises e teses de outros pensadores, tambm fundamen-

    tais a anlise, foram apropriadas a partir dos critrios estabelecidos pelo pensa-mento de Bakunin e sempre em concordncia com suas teses.

    As resolues aqui apresentadas foram deliberadas a partir de um con-

    junto de teses produzidas pela organizao: 1) um bloco dedicado caracteriza-

    o do pensamento bakuninista; 2) um segundo bloco que partindo desse pensa-

    mento, realizou anlises objetivas do processo de desenvolvimento capitalista

    mundial e brasileiro. A experincia prtica da luta poltica (e as anlises parciaisproduzidas em comunicados e textos) tambm foi elemento fundamental da

    produo.

    Esse duplo movimento, de identificao e caracterizao da teoria anar-

    quista-bakuninista e de anlise a partir de tal pensamento de situaes concre-

    tas, exigiu uma anlise critica da teoria comunista-marxista e das suas diferentes

    interpretaes. Exigiu tambm a critica das teorias econmicas burguesas queprevalecem ainda hoje em diversos aspectos. O trabalho terico imps um mo-

    vimento de definio de identidades, de diferenciao da teoria anarquista de

    outras teorias (liberal, comunista, nacionalista). Assim o trabalho terico

    tambm uma luta terica baseada na contradio e no enfrentamento de idias

    entre si e com a realidade objetiva, sendo este o nico critrio de validao das

    teorias.

    Sabemos que o trabalho terico apresentado no III Congresso da UNIPA

    representa um passo importante, mas ainda assim, apenas um passo dentro de

    uma longa marcha. O trabalho e a luta terica devem caminhar lado a lado com o

    trabalho poltico, numa relao dialtica com a luta de classes. Pensar a revolu-

    o uma dimenso do fazer revolucionrio. impossvel fazer a revoluo sem

    pens-la. As analises e resolues aqui publicadas constituem ento parte desse

    processo de interveno anarquista na luta de classes.

    Anarquismo Luta! Bakunin Vive e Vencer!

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    Parte I Resolues sobre a Teoria e a Prtica Revolucion-

    ria

    1 Vigncia do pensamento bakuninista: rumo a uma nova

    revoluo!

    -nos muito importante libertar as massas da superstio religio-

    sa (...). Mas s podemos alcanar por dois meios: a cincia racional e apropaganda socialista (...). As hipteses da cincia racional se distinguem

    das metafsicas, visto que esta ltima, deduzindo as suas como conse-

    qncias lgicas de um sistema absoluto, pretende forar a natureza a

    aceit-las; enquanto que as hipteses da cincia racional, sadas no de

    um sistema transcendente, mas de uma sntese que nunca outra coisa

    seno o resumo ou a expresso geral de uma quantidade de fatos de-

    monstrados pela experincia, jamais podem ter este carter imperativoobrigatrio, sendo, ao contrrio, sempre apresentadas de maneira a que

    se possa retir-las to logo sejam desmentidas por novas experincias.

    (Bakunin, em Federalismo, Socialismo, Anti-teologismo).

    1) O anarquismo enquanto uma teoria revolucionria compreende ummtodo materialista de anlise do mundo natural e social. Esse mtodo materia-

    lista est ligado dialeticamente a uma ideologia socialista revolucionria, com a

    qual constitui uma totalidade indivisvel. A teoria materialista e ideologia socia-

    lista revolucionria anarquista encontram sua unidade e significado no pensa-

    mento de Bakunin.

    2) Tal resoluo significa a afirmao da vigncia do pensamento baku-ninista, ou seja, da sua atualidade e da sua capacidade de produzir anlises teri-

    cas criticas da sociedade que possam orientar a prtica revolucionria. O bakuni-

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    nismo a teoria anarquista da revoluo e essa teoria pode dar uma contribui-

    o fundamental para que a luta de classes se desenvolva rumo a uma nova re-

    voluo que conduza efetivamente a destruio da sociedade de classes.

    3) Mas para afirmar a vigncia do pensamento bakuninista, preciso

    desmontar uma srie de mitos e deformaes historiogrficas, que ocultam o

    contedo terico e o significado histrico da teoria experincia anarquista da

    revoluo, e suas diferenas para as diferentes teorias burguesas para a teoria

    comunista.

    4) Uma anlise da extensa obra de Bakunin joga por terra todas essas de-formaes, mostrando no s que o anarquista russo foi o maior terico revolu-

    cionrio do sculo XIX, mas tambm definiu a luta terica como fundamental

    para a construo da Revoluo Social, ou seja, Bakunin props e iniciou a elabo-

    rao de uma teoria sociolgica e materialista a servio dos interesses da classe

    trabalhadora e, conseqentemente, em oposio s ideologias e s cincias bur-

    guesas.

    5) Na perspectiva epistemolgica de Bakunin est presente a dialtica e

    o materialismo, pois as teorias cientficas so produzidas pela dialtica experin-

    cia-sntese-hiptese-novas experincias. E a experincia a experincia coletiva,

    pois impossvel para um indivduo apreender toda a complexidade e dinamis-

    mo da natureza e da sociedade. Portanto, somente recorrendo ao trabalho cole-

    tivo contemporneo e do passado daqueles que se dedicaram investigao

    cientfica possvel, dentro dos limites da prpria cincia, desenvolver interpre-

    taes vlidas sobre a dinmica e sobre as estruturas das sociedades.

    6) Ao recusar todas as formas de teologismo (religio, liberalismo, indivi-

    dualismo, metafsica, etc.), porque tm como nica funo falsear a realidade

    e/ou justificar o status quo, Mikhail Bakunin elege o mtodo materialista e so-

    ciolgico de investigao cientfica. Materialista porque considera as relaes

    sociais concretas, circunscritas em determinadas condies materiais de existn-

    cias estabelecidas no tempo e no espao. Sociolgico porque considera a totali-

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    dade das relaes estabelecidas em sociedade, em suas dimenses econmicas,

    polticas, culturais e sociais estabelecidas no tempo e no espao.

    7) Diferentemente do materialismo histrico marxista, que est preso aodeterminismo econmico, o materialismo bakuninista parte de um processo

    dialtico e ininterrupto de ao e reao. Considerando efetivamente o princ-

    pio da dialtica, no existe um fator determinante, mas sim multi-causalidades.

    Portanto, a sociedade (o mundo social) entendida com uma totalidade consti-

    tuda de mltiplos processos dialticos: ao-idia; economia-poltica; cultura-

    sociedade; entre outros. Nesse processo dialtico a totalidade simultaneamen-

    te produto e produtora dessas multi-causalidades, para citar um exemplo, aomesmo tempo em que determinadas relaes econmicas esto circunscritas

    dentro de certa totalidade social que as determinam, tais relaes econmicas

    tambm so determinantes para a estrutura e a dinmica da totalidade social.

    2 As foras coletivas e a luta de classes

    8) O materialismo de Bakunin e o seu entendimento da totalidade social

    colocam em lugar central a ao dos sujeitos sociais concretos, enquanto produ-

    to e produtores da sociedade em que esto inseridos. A pedra fundamental da

    sociedade capitalista a propriedade privada garantida burguesia pela centrali-

    zao poltica do estatismo. Enquanto classe dominante, a burguesia detm a

    violncia organizada do Estado, alm do seu sistema jurdico-poltico, o que lhe

    permite explorar afora coletiva do proletariado. Portanto, a dinmica poltica e

    social do sistema capitalista so determinadas pela sua estrutura econmica e

    poltica que ope o proletariado e a burguesia.

    9) A perspectiva sociolgica de Proudhon e Bakunin coloca as prticas e

    o trabalho coletivo acima da pratica e do trabalho individual, isto , o trabalho

    coletivo superior a soma dos trabalhos individuais, ou seja, vrios trabalhado-

    res isolados so incapazes de realizar as tarefas que coletivamente os trabal-

    hadores concluem. Portanto, o trabalho no pode ser pago individualmente sob

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    a forma de salrio. S a coletivizao da propriedade, dos meios de produo e

    do que produzido pela fora coletiva dos trabalhadores garante que os prprios

    trabalhadores tenham domnio sobre suas prprias atividades e tenham acesso

    aos frutos de seu trabalho.

    10) Considerando as teorias desenvolvidas pelos revolucionrios anar-

    quistas, a analise sociolgica sintetizada na noo de fora coletiva baseia-se na

    seguinte premissa: o trabalho, especialmente sob a forma de fora coletiva

    que produz o valor. H uma sob produo capitalista uma contradio perma-

    nente entre o direito de ganho derivado da propriedade privada e a produo

    baseada na fora coletiva, motor da contradio de classes sociais.

    11) Sob produo capitalista, a fora coletiva jamais ser remunerada e o

    salrio individual ser mantido sempre no valor socialmente necessrio repro-

    duo fsica do trabalhador, isso porque a propriedade privada (enquanto fato

    econmico e jurdico) tem sua origem no na ocupao (do territrio) ou no

    trabalho, mas (assim como o Estado) na conquista ou em contratos baseados em

    desigualdade de poder, possibilitando uma expropriao diria e cotidiana dostrabalhadores e sua fora coletiva, atravs da qual se d a acumulao burguesa

    capitalista.

    12) Em termos histricos, a propriedade foi constituda sob a base do di-

    reito romano, como direito de uso e abuso ou direito de domnio. A pr o-

    priedade privada foi transformada pela Revoluo Francesa, em princpio do

    direito e do governo (da gesto da sociedade) e a Revoluo Francesa instituiu ao

    mesmo tempo o Estado Moderno e a Economia Moderna (capitalistas), sendo a

    propriedade privada e as relaes de explorao derivadas da dialtica existente

    entre domnio e direito de ganho. A existncia da propriedade privada e

    capitalista engendra uma taxa crescente de desigualdade e da misria (entre os

    trabalhadores).

    13) Resumidamente, partindo da crtica das noes burguesas de igual-

    dade e liberdade, constata-se que a sociedade burguesa no somente desigual,

    como a desigualdade tenderia a se agravar; e que a liberdade, relativa burgue-

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    sia, inexistente para o proletariado enquanto classe, nos seus locais de trabalho

    e atividade social, e, sob o sistema da propriedade privada, a liberdade seria

    exclusividade da burguesia.

    3 O Estatismo e a luta contra o Estado

    14) O conceito bakuninista de estatismo designa um processo: o de ex-

    tenso do Estado e formao de uma razo do Estado e de diversas doutrinas

    de sua legitimao (teoria do direito divino dos reis, contratualismo, nacionalis-mo). O conceito de estatismosupe uma anlise histrica em que o Estado Mo-

    derno antecede a formao do capitalismo, e a tomada deste Estado pela bur-

    guesia consolida a transformao econmica capitalista da sociedade feudal. Por

    outro lado e dialeticamente, este Estado Moderno surgido da Reforma Protes-

    tante, Estado emancipado da Igreja e que a subordinou, foi condicionado pelas

    mudanas econmicas e sociais, como as transformaes do feudalismo, expans-

    o comercial, que antecederam a possibilitaram a reforma religiosa.

    15) Considerando a dialtica entre estrutura e relaes sociais concretas,

    o Estado, enquanto estrutura jurdico-poltica, o produto de relaes desiguais

    entre as classes, mas tambm reproduz e produz relaes sociais desiguais. As-

    sim, o Estado possui uma importante dinmica estruturante responsvel pela

    produo e reproduo de novas relaes de explorao e opresso.

    16) Enquanto etapa histrica, o estatismo recobre duas tendncias dis-

    tintas; em primeiro lugar, e de maneira fundamental, a relao de correspondn-

    cia ou dialtica entre centralizao estatal e monopolismo econmico, de manei-

    ra que uma alimenta e refora a outra. impossvel ento pensar o estatismo

    sem pensar o aumento das taxas de explorao e das formas de extrao de mais

    valia absoluta. Ao mesmo tempo, essa dialtica centralizao/monoplio ex-

    presso e conseqncia do carter que o Estado Moderno assumiu com o desen-

    volvimento do estatismo, ou seja, um carter burgus (apesar de que nas suas

    primeiras manifestaes, houve um estatismo relacionado a uma classe domi-

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    nante nobilirquica e clerical). Sendo assim, o Estado Moderno no foi apenas

    um epifenmeno do desenvolvimento da produo capitalista, mas se constituiu

    enquanto uma condio intrnseca e, inclusive, um agente econmico e poltico

    fundamental para o surgimento, expanso e consolidao do capitalismo portodo o mundo nos sculos seguintes.

    17) Decorre desse carter burgus do Estado capitalista e da economia,

    que o prprio sistema de Estados se paute numa competio entre os Estados

    pela hegemonia, e mesmo pela supremacia, que caber sempre ao Estado mais

    vasto, que conseguir controlar territrios (comrcio exterior), mares e povos. A

    centralizao de poderes no Estado levar tambm no sistema de Estados a umacentralizao de maiores poderes nos maiores Estados, que assumiro ento a

    forma de Imprios que se torna o conceito para exprimir e descrever Estados

    que so potncias militares e geopolticas. O Imprio um tipo particular de

    Estado que consegue a hegemonia numa regio e que disputa a supremacia no

    sistema mundial de Estados. O desenvolvimento do estatismo sempre leva

    formao, no sistema internacional de Estados, pela lgica de competio e con-

    quista que lhe inerente, de um Imprio que detm a supremacia sobre outrosImprios e Estados rivais.

    4 Teoria da Revoluo: revoluo integral X revoluo por

    etapas

    18) A Teoria da Revoluo Proletria de Bakunin a Teoria da Revolu-

    o Social, isto , da transformao radical violenta da sociedade capitalista com a

    abolio da propriedade privada e a destruio do Estado. Trata-se de uma revo-

    luo integral, onde a estrutura econmica (a propriedade privada) e a estrutura

    poltica (o Estado) so simultaneamente destrudas, eliminando a explorao

    econmica e a opresso poltica. A Revoluo Social Proletria porque prota-

    gonizada pelas massas urbanas e camponesas, que, lavando o antagonismo com

    a burguesia s ltimas conseqncias, organizam o levante insurrecional para a

    destruio do poder burgus: as foras repressivas (foras armadas e policiais), o

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    poder jurtico-poltico do Estado e a propriedade provada. Os organismos da

    classe trabalhadora tambm so os responsveis pela defesa da revoluo, ou

    seja, so responsveis pela organizao do Exrcito Popular na guerra contra a

    contra-revoluo burguesa, e pela construo do Poder Popular, que dizer, pelaorganizao das instncias da classe trabalhadora que assumem a gesto polti-

    ca e econmica da sociedade socialista.

    19) A teoria anarquista da revoluo das condies necessrias reali-

    zao de uma insurreio geral foi estabelecida a partir da anlise de um pro-

    cesso histrico particular, o desenvolvimento das revolues francesas, e da

    crtica da tese que afirmava que a revoluo burguesa como etapa anterior enecessria da revoluo socialista (teoria etapista da revoluo). Ao realizar uma

    anlise sociolgica do conflito de classes e da crise poltica francesa desencadea-

    da pela guerra franco-prussiana de 1870, Bakunin realizou um exerccio de apli-

    cao de seu mtodo materialista e de demonstrao de suas teses acerca do

    estatismo e da propriedade privada, bem como do papel das classes sociais e

    partidos diante de cada situao poltica possvel. Assim, a anlise da sociedade

    construda a partir da anlise da dinmica entre revoluo X reforma e revo-luo X contra-revoluo, ou seja, entre revoluo burguesa e revoluo pro-

    letria. Aquilo que seria estabelecido como estratgia e programa poltico anar-

    quista (a greve geral de massas, a insurreio geral campo-cidade, o boicote

    democracia burguesa, a aliana operrio-camponesa e a defesa da federao das

    comunas socialistas) seriam concluses polticas extradas dessa anlise sociol-

    gica de base essencialmente coletivista, e do materialismo filosfico que lhe

    sustenta. E as teses principais acerca da economia e sociedade seriam firmadas a

    partir da anlise de fatos sociais e da experincia histrica.

    20) Devemos entender a oposio entre a teoria bakuninista da revolu-

    o integral e a teoria marxista da revoluo em etapas (revoluo democrtico-

    burguesa; fase de transio socialista at o comunismo) a partir das concepes

    sociolgicas divergentes entre as referidas teorias. Pois para o marxismo o pro-

    cesso revolucionrio o resultado do desenvolvimento das foras produtivas e o

    Estado Operrio continua com essa mesma funo, ou seja, desenvolver as

    foras produtivas at o comunismo. Portanto, o marxismo nega o protagonismo

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    da classe trabalhadora no processo revolucionrio e na direo da sociedade

    ps-revoluo. A teoria bakuninista, ao contrrio, coloca o protagonismo na clas-

    se trabalhadora do campo e da cidade, pois so as foras coletivas do proletaria-

    do que devem assumir o processo revolucionrio e a gesto da sociedade socia-lista.

    5 A funo dos anarquistas na revoluo socialista: organi-

    zao poltica, de massas e internacional

    21) A teoria anarquista do Partido Revolucionrio est pautada em dife-

    rentes tipos de princpios: ideolgicos; tericos; organizativos, programticos e

    estratgicos. Os princpios ideolgicos so aqueles que expressam os interesses

    e aspiraes do partido revolucionrio e sua relao orgnica com a classe tra-

    balhadora; os princpios tericos so as bases intelectuais e cognitivas que orien-

    tam as teses fundamentais acerca da sociedade e da realidade em geral; os

    princpios programticos so os objetivos gerais permanentes, os interesses quea organizao pretende representar e atender, atravs da sua ao; os princpios

    estratgicos como os meios concretos postulados para realizar os objetivos; e os

    princpios organizativos so as regras que regulam a ao e a estrutura de fun-

    cionamento da organizao poltica.

    22) Todos os princpios tm carter permanente, ou seja, so bases fixas,

    que no devem ser alteradas para que a organizao exista enquanto tal. Nosentido terico-ideolgico, os princpios do partido revolucionrio anarquista se

    expressam: 1) na defesa do federalismo e do anti-estatismo, como forma de

    organizao poltica e de governo, e do socialismo como organizao econmi-

    ca. concepo de sociedade; 2) na defesa do direito de autodeterminao dos

    povos e direito alteridade; 3) no internacionalismo; e; 4) na adoo do mate-

    rialismo como concepo terica filosfica e da categoria trabalho como base

    dos direitos sociais e organizao poltica.

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    23) A estrutura e as regras organizativas do partido revolucionrio anar-

    quista so as seguintes: 1) a organizao poltica deve ser composta por uma

    dupla estrutura, a organizao internacional e a organizao nacional; 2) que a

    organizao deve combinar dialeticamente a centralizao (construo da unida-de da luta revolucionria, de baixo para cima) e a localizao (descentralizao,

    ou distribuio das foras revolucionrias por diferentes pontos da sociedade e

    territrio).

    24) Alm disso, em razo das caractersticas da atividade da organizao:

    1) os revolucionrios devem se organizar de forma combinada, e no excludente,

    em associaes pblicas e secretas, como defendia Bakunin, com o objetivo deampliar e de preparar um movimento revolucionrio simultneo no campo e na

    cidade; 2) adoo de uma forte disciplina revolucionria.

    25) Assim, a organizao poltica deve ser estruturada sobre estas bases

    organizativas, tendo como papel a preparao (iniciao-direo) da revoluo, e

    deve estar coordenada por uma organizao internacional, que dirige as organi-

    zaes nacionais, estabelecida sobre uma disciplina revolucionria e um progra-ma comum.

    26) Para realizar tais objetivos, a organizao poltica precisa estar arti-

    culada com as organizaes sindicais e de massa. A organizao de massas

    tambm deve ter um carter internacional. Por isso a Aliana (organizao

    poltica internacional) deveria ter como contrapartida a Associao Internacional

    dos Trabalhadores/AIT (organizao de massas internacional). A organizao de

    massas organizada especialmente para a mobilizao pelos interesses mate-

    riais-econmicos, reivindicativos, dos trabalhadores. O desenvolvimento pro-

    gressivo de suas lutas econmicas deve politizar o movimento no sentido socia-

    lista.

    27) Essas formas da organizao poltica e sindical/de massas, est asso-

    ciada diretamente estratgia revolucionaria e concepo de revoluo pro-

    letria. O carter internacional da revoluo visa a oposio ao capitalismo como

    sistema mundial e aliana burguesa internacional, e ao mesmo tempo, combate

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    a poltica estatista-nacionalista. Est associada viso de guerra, visto que a

    revoluo uma guerra civil e que a revoluo internacional necessariamente

    uma guerra mundial. Ou seja, a organizao internacional dos revolucionrios e

    dos proletrios visa cumprir a revoluo como processo internacional.

    28) sobre estas bases que se colocam os objetivos programticos e a

    estratgia para sua realizao. Sendo assim, podemos diferenciar as bases pro-

    gramticas em trs tipos: econmicas, polticas e sociais; profundamente inter-

    relacionadas. As medidas polticas so relacionadas construo de uma demo-

    cracia socialista, com liberdade de propaganda, organizao e expresso e com

    igualdade entre os gneros. A base da democracia socialista a comuna, inseridadentro de uma federao de comunas revolucionrias. As medidas econmicas

    principais so a coletivizao dos meios de produo e o estabelecimento do

    trabalho como atividade obrigatria para todos os membros da sociedade.

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    Parte II Sobre o Desenvolvimento Capitalista e a Revo-

    luo Brasileira

    6 Crtica da economia poltica brasileira

    29) A anlise do desenvolvimento capitalista brasileiro exige um balano

    crtico das teses e programas que orientam as polticas dos partidos socialistas e

    comunistas, e tambm da economia poltica burguesa brasileira. Na realidade,

    uma crtica da economia poltica brasileira de um ponto de vista bakuninista,

    mostra as conexes entre marxismo reformista, nacional-desenvolvimentismo e

    neoliberalismo.

    30) A anlise dos principais partidos polticos de base sindical e popular

    (PT, PC do B, PSTU e PSOL), revela que existem elementos tericos comuns nas

    teses guias das prticas polticas e programticas dos reformistas brasileiros, que

    explicam em parte o processo de adeso ao neoliberalismo e suas demais prti-

    cas polticas.

    31) Uma anlise crtica das teses do PT e do PC do B (que constam dos

    programas dos respectivos partidos) mostra que sua interveno poltica foi

    orientada por certas teorias e anlises da sociedade brasileira. Essas teses basi-

    camente se constroem pela negao ou secundarizao do conflito capital-

    trabalho, ou seja, da luta de classes.

    32) Assim, o PT substitui no seu discurso e na sua prtica poltica a con-

    tradio entre burguesia e proletariado pela oposio Sociedade Civil X Esta-

    do ou Governo. Na idia de sociedade civil, estava implcita a aliana com a

    burguesia e legitimao dos seus interesses como interesses universais da

    sociedade civil. Ao mesmo tempo, o PT produziu um diagnstico em que o

    problema central da sociedade brasileira estaria na estagnao econmica (ouausncia de crescimento). A idia de um pacto reunindo trabalhadores e em-

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    presrios (a sociedade civil) exatamente o produto dessa base terica de-

    mocrtico-burguesa.

    33) O PC do B tambm indica desde meados dos anos 1990, a existnciade uma crise do capitalismo mundial e que o Brasil se encontrava tambm em

    uma crise econmica, caracterizada pela estagnao. A teoria e o programa do

    partido indicam a necessidade de desenvolver o capitalismo nacional como

    pr-condio da transio do capitalismo ao socialismo, e para isso seriam ne-

    cessrias medidas de incentivo ao capital privado nacional e internacional. Ao

    mesmo tempo, os comunistas indicam que a contradio principal da sociedade

    brasileira seria nao X imperialismo, e entre foras progressistas e conser-vadores da sociedade, representante dos interesses da nao e progresso e os

    contrrios a ela. Por isso, uma ampla frente reunindo trabalhadores e burguesia

    nacional seria necessria, para realizar o desenvolvimento capitalista nacional.

    34) Nesse sentido, a adeso ao neoliberalismo de foras como o PC do B

    e PT no casual nem o produto de uma traio ao seu programa, nem da con-

    tradio entre a prtica e a teoria, mas ao contrrio, o fruto da aplicao deseu programa e teoria, sob certas condies histricas, em que as medidas neoli-

    berais so as nicas que conseguem aumentar a competitividade de uma eco-

    nomia nacional no sistema mundial e conseguir o apoio da burguesia. tambm

    o fruto da adaptao dos partidos aos aparelhos de Estado, da sua estratgia de

    conquista pacifica do poder de Estado para desenvolver o capitalismo.

    35) O PSTU e o PSOL se mantm tambm no quadro terico e program-

    tico reformista e suas contradies. Ambos os Partidos visualizam como marco

    estratgico programtico a realizao de uma Assemblia Constituinte para

    refundar as instituies polticas. Ao mesmo tempo, assume a idia de que a

    ofensiva imperialista sob a forma da ofensiva do capital financeiro a principal

    caracterstica do capitalismo mundial. Logo o imperialismo atua atravs do capi-

    tal financeiro e pelo mecanismo da evaso de capitais das trocas desiguais, e por

    isso as tarefas do movimento proletrio seria a luta contra a dvida externa e

    reativao do mercado interno. Mais uma vez se chega ao problema da estag-

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    nao econmica e a necessidade de conquista do Estado para resolver os pro-

    blemas do desenvolvimento capitalista nacional.

    36) Mesmo os partidos que esto no campo anti-governista, tem teo-ria e programa que se inscrevem nos quadros de uma herana ambgua, que

    leva a necessidade do desenvolvimento capitalista, coloca implicitamente a con-

    tradio nao X imperialismo como principal (agora pretensamente representa-

    da pela oposio capital financeiro internacional X capital produtivo nacional),

    que pode ser percebida pelas suas principais bandeiras. Assim, fica aberto espao

    para uma nova aliana com a burguesia nacional em favor do crescimento

    econmico.

    37) Uma anlise terica mais seria indica que esses posicionamentos (as

    teses, anlises e programas dos partidos reformistas brasileiros) esto fundados

    na teoria da revoluo por etapas do marxismo clssico e tambm na forma par-

    ticular de sua aplicao no Brasil pelo PCB (Partido Comunista do Brasil, o antigo

    Partido). Tambm existem matrizes nacionalistas e democrtico-

    burguesas, desenvolvidas no Brasil pelos membros da CEPAL (Comisso Econ-mica para Amrica Latina).

    38) A teoria comunista da revoluo brasileira assumiu explicitamente a

    linha terica da URSS (stalinista), que afirmava a necessidade de uma aliana

    com as burguesias nacionais na luta contra o imperialismo. Essa aliana possibili-

    taria uma transio pacifica para o socialismo atravs o desenvolvimento ca-

    pitalista nacional. Na realidade, tal teoria se encontra formulada em Marx e

    Engels. Assim, a teoria da revoluo burguesa compreendia na prtica a possi-

    bilidade de uma reforma pacifica do capitalismo nacional (perspectiva esta que

    Bakunin j havia advertido em 1869, na sua crtica da social-democracia alem e

    da teoria da revoluo por etapas que, ao invs de levar superao do capita-

    lismo, leva a sua perpetuao e ao colaboracionismo de classe). E foi essa tese

    que realmente guiou o PCB, influenciou o movimento de massas e o levou a de-

    rrota representada pelo golpe de 1964.

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    39) A teoria da CEPAL ou o nacional-desenvolvimentismo entendia a ne-

    cessidade do desenvolvimento capitalista nacional atravs da interveno do

    Estado. Essa anlise identificava que a estagnao econmica estava associada

    ausncia de industrializao, a economia exportadora e agrria, que atrofiava omercado interno. A construo do mercado interno e o desenvolvimento capita-

    lista exigiriam por isso uma serie de polticas como reforma agrria e elimina-

    o do latifndio, controle do comercio exterior e dos capitais e etc. Essa poltica

    favoreceria o barateamento do custo de vida, a formao de um mercado inter-

    no nas cidades pela melhora do poder aquisitivo do trabalhador e incentivaria a

    industrializao. Assim, se buscavam formulas de humanizao do capitalismo

    e mirava-se no modelo fordista-keynesiano da Europa. O problema que talformulao negava a contradio capital-trabalho, o carter de classe do Estado

    capitalista e as relaes de explorao. Ou seja, era uma teoria da ordem, essen-

    cialmente burguesa, que achava possvel promover maior igualdade e liberdade

    para os trabalhadores sob o capitalismo.

    40) As teorias, comunista da revoluo por etapas, e nacional-

    desenvolvimentista das reformas estruturais ou de base, tiveram diversos in-tercmbios tericos e cimentaram alianas dos comunistas com setores naciona-

    listas e burgueses. Vrios desses setores cepalinos migraram depois para o PT e

    PSOL. E tais teorias levam necessariamente a aliana com a burguesia.

    41) As principais caractersticas dessas teorias so: a) fetichizao do Es-

    tado-Nacional, visto como agente neutro em relao s classes; b) a secundari-

    zao do conflito de classes (capital-trabalho); c) a anlise da questo econmica

    do ponto de vista do capital e o negligenciamento terico da questo da explo-

    rao.

    42) O capitalismo baseado na explorao. Desenvolver o capitalismo

    desenvolver a explorao. Tais teorias ignoram isso.

    43) A experincia recente dos partidos reformistas brasileiros mostra

    que longe de equvocos ou traies, as prticas refletem a prpria constituio

    terica. No somente no caso do PT e PC do B que foram levados ao campo do

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    neoliberalismo em razo de suas premissas. Mas tambm a prtica oscilante de

    partidos como o PSOL e PSTU e seus setores, sua fraseologia e prticas contra-

    ditrias. A Frente de Esquerda composta por tais partidos para contrapor a can-

    didatura de Lula em 2006 era centrada na idia de oposio poltica econmi-ca do Governo Lula. Mas ao mesmo tempo (no segundo semestre de 2006)

    vimos os parlamentares do PSOL aprovarem a Lei do Supersimples (integrante da

    reforma tributria e trabalhista do PT, que permitia o aumento da precarizao

    do trabalho e da explorao) e que beneficiaria especialmente as pequenas e

    mdias empresas. Tal prtica surpreendeu a diferentes setores, mas uma

    ao coerente com a caracterizao de que h uma oposio entre setor fi-

    nanceiro e setor produtivo (que seria prejudicado pela poltica econmica).

    44) Assim a posio do PSOL ao votar a favor do Supersimples explicita

    essa poltica de favorecimento de um setor produtivo e nacional. Outro

    exemplo foi na ocasio da Greve dos metalrgicos do ABC diante do anncio de

    demisses na Volkswagen (tambm em 2006). Heloisa Helena, candidata da

    Frente de Esquerda, concluiu que o correto seria o governo subsidiar a multina-

    cional atravs do BNDES para evitar as demisses e incentivar a produo. Ignoraque so exatamente as demisses que aumentam a lucratividade e o investimen-

    to no setor. Ignora tambm que o setor produtivo ostentou em 2005 lucros to

    exuberantes quanto os das instituies financeiras. Na mdia dos 19 setores, a

    rentabilidade em 2004 ficou em 18,6% (um bom avano sobre os 15,5% de

    2003); a das instituies financeiras analisadas foi de 22,3%; e a dos demais 18

    setores produtivos, de 18%.

    45) Para romper com tais contradies e prticas, preciso romper com

    tal teoria e programa. preciso formular uma teoria alternativa que seja capaz

    de explicar de forma mais adequada o capitalismo e fixar as tarefas prticas. Isso

    porque tal teoria leva a abdicao da luta de classes e do internacionalismo (em

    razo da caracterizao equivocada do imperialismo) em favor de um desenvol-

    vimento capitalista nacional.

    46) Tal teoria representada pela teoria anarquista da revoluo desen-

    volvida por Bakunin, que precisa ser aplicada a analise da sociedade brasileira

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    atravs seu mtodo materialista. No caso brasileiro, temos alguns tericos que

    tambm formularam uma critica importante teoria da revoluo democrtico-

    burguesa, como Florestan Fernandes que apontou o carter autocrtico da bur-

    guesia e do Estado nos paises perifricos, e Andr Gunder Frank, que do fun-damentos tericos ao avano programtico e estratgico da revoluo socialista.

    47) Mas como afirmara Bakunin, somente a anlise da experincia cole-

    tiva pode servir de base para uma teoria materialista. Por isso, alm da critica

    das teorias, preciso uma critica da experincia histrica do desenvolvimento

    capitalista mundial e brasileiro.

    7 O processo mundial de acumulao capitalista

    48) O capitalismo um sistema social que tem sua gnese no final do

    sculo XV com os processos simultneos de formao dos Estados-Nacionais

    Absolutistas e da expanso martima colonial. As revolues polticas da burgue-sia (sendo as principais a Reforma Protestante, a Revoluo Gloriosa Inglesa,

    1688- 89, a Independncia Estadunidense, 1776, e a Revoluo Francesa, 1789),

    Revoluo Industrial (1770) e as expanses imperialistas e neocoloniais dos scu-

    los XIX e XX consolidaram o sistema capitalista superando o perodo comercial

    mercantil e passando para a fase industrial-financeira e imperialista.

    49) O desenvolvimento da acumulao capitalista em escala mundial

    pode ser periodizado em quatro grandes etapas, caracterizadas por diferentes

    formas de diviso do trabalho internacional, relaes de produo e papel do

    Estado. A fase do capitalismo concorrencial (1760-1870), a fase do capitalismo

    monopolista (1870-1920), a fase do capitalismo monopolista de Estado (1920-

    1980) e a que podemos chamar de capitalismo ultra-monopolista.

    50) O processo de desenvolvimento capitalista na sua primeira fase foi

    marcado pela formao de uma relao de dependncia entre os paises da Euro-

    pa, que ocupavam o centro, e os demais pases coloniais e perifricos. A acumu-

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    lao capitalista se realizou pela explorao dos pases coloniais pelos imprios.

    A primeira revoluo industrial se desenvolveu nesse momento. Esse momento

    foi logo sucedido pelo processo de concentrao de capitais nas grandes empre-

    sas e corporaes e desenvolvimento do capital financeiro, os quais foramacompanhados pelos processos de centralizao estatal, especialmente na Ale-

    manha.

    51) A partir de 1870 na Europa, a Alemanha vai ocupar um papel desta-

    cado enquanto Imprio e os EUA comeam a emergir internacionalmente. Foi

    entre 1870 e 1920 que ocorrera processo de concentrao de capitais, e que o

    capitalismo desenvolver suas caractersticas monopolistas. O perodo do capita-lismo monopolista o perodo do desenvolvimento do imperialismo. Esse desen-

    volvimento se expressou no conflito crescente entre os Imprios para o exerccio

    da dominao global que produziu duas grandes guerras mundiais (1914-18 e

    1939-45), criou condies para a Revoluo Russa (1917) e gerou um perodo de

    intensa crise econmica a Grande Depresso (1929-39).

    52) O imperialismo essencialmente um sistema de exportao de capi-tais dos paises do centro para a periferia. Tais mudanas na estrutura do capita-

    lismo foram produto tanto do ascenso da luta de classes na Europa como na crise

    do capital No inicio do sculo XX o mundo viu as taxas de produtividades e de

    lucro declinarem. Portanto, na origem da exportao de capitais do centro para a

    periferia, estava a possibilidade e a necessidade de aumentar a taxa de lucro

    atravs da sobre-explorao do trabalho, imposta no exterior. O imperialismo

    era ao mesmo tempo o capitalismo monopolista (dos grandes bancos e empre-

    sas) que investiam na super-explorao da fora de trabalho da periferia, tanto

    assalariado como de formas no-capitalistas.

    53) O duplo mercado de trabalho uma das principais instituies do

    imperialismo, pois segmenta a classe trabalhadora em duas grandes esferas,

    sendo a esfera inferior do mercado submetida aos processos de super-

    explorao, enquanto se concediam melhores salrios diretos e indiretos na

    esfera superior.

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    54) Diante da grave crise do capitalismo a burguesia optou por polticas

    de intervencionismo de Estado para garantir a manuteno e reproduo do

    sistema capitalista. Assim, a guerra entre Imprios que se expressou na Guerra

    Fria foi marcada por um modelo de interveno estatal direto na economia. Tra-ta-se do modelo fordista-keynesiano, que foi forjado pela elite orgnica da bur-

    guesia internacional e teve como marco inicial o New Deal estadunidense, se

    consolidando com o Estado de Bem-estar Social da Europa Ocidental. impor-

    tante destacar que o socialismo real tambm seguiu o modelo de interveno

    estatal na economia. O nazi-fascismo foi apenas um episdio do desenvolvimen-

    to do estatismo e das formas de intervencionismo econmico, que seria plena-

    mente realizado nos ps-guerra (1945-1956). Na periferia, o fortalecimento doEstado foi caracterizado pelas diferentes formas de nacional-

    desenvolvimentismo (peronismo, varguismo, etc.).

    55) O capitalismo monopolista de Estado representou o desenvolvimen-

    to sistemtico da interveno do Estado na economia, nos pases do centro, com

    o modelo fordista-keynesiano, baseado numa poltica microeconmica de ele-

    vao dos salrios mdios, na criao de salrios indiretos, implicou que, emtermos internacionais, a esfera superior do mercado de trabalho abrangesse uns

    poucos pases do centro. A poltica do Estado Providncia contou com o apoio

    decisivo dos sindicatos reformistas europeus e estadunidenses que promoveram

    uma poltica de colaborao de classes.

    56) O processo de desenvolvimento do imperialismo (do capitalismo

    monopolista ao capitalismo monopolista de Estado) transformou as relaes de

    dependncia clssica e diversificou profundamente as relaes na diviso inter-

    nacional do trabalho. Essa diversificao estava amparada nas maiores taxas de

    lucro praticadas na periferia do capitalismo. Isso fica expresso pelos diferentes

    nveis de crescimento econmico. Os pases do centro no perodo de 1870-1913

    tiveram um crescimento mdio do PIB de 2,25% (em comparao com 1,68% do

    perodo 1820/1870), enquanto os paises da periferia tiveram um crescimento

    mdio de 1,38 entre 1870-1913 (contra 0,47% no perodo de 1820-1870). Isso

    mostra que no centro, o capitalismo crescia num ritmo mais lento (cerca de 40%)

    que na periferia (quase 200%) em relao ao ano-base de 1820. O Brasil apresen-

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    tou um ritmo de crescimento no mesmo perodo ainda mais expressivo em ter-

    mos proporcionais e absolutos (1,77% entre 1820-1870 e 2,37% entre 1870-

    1913). A Amrica Latina e o Brasil cumpriram um papel destacado nessa fase da

    acumulao capitalista, sendo regio privilegiada de recepo dos capitais expor-tados e da reproduo do sistema imperialista.

    57) Nesse processo observa-se a constituio dos pases centrais da eco-

    nomia capitalista em Imprios (especialmente no eixo Europa-EUA), isto , a bur-

    guesia exerce seu poder a partir da centralizao poltica estatal e do monoplio

    econmico, que so exigncias da expanso do domnio militar de reas perifri-

    cas, convertidas em naes satlites, sem a qual impossvel produzir e repro-duzir a explorao econmica das foras coletivas da classe trabalhadora em

    escala mundial. Houve uma diferenciao interna na periferia, em que paises

    como o Brasil, Mxico, Argentina, ndia, China, passaram por processos de de-

    senvolvimento capitalista dependente (industrializao, urbanizao), financia-

    das pelo capital estrangeiro, e se constituram como semi-periferias. O mundo

    no se dividia mais apenas entre paises desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas

    tambm entre aqueles que tiveram um desenvolvimento do subdesenvolvimen-to.

    58) Mas o desenvolvimento dependente s foi vivel graas sobre-

    explorao do trabalho perifrico. A exportao dos capitais acumulados exigia

    maiores taxas de lucro, portanto, exigiu na periferia uma maior taxa de mais valia

    absoluta, com a prtica de menores salrios e a quase inexistncia de salrios

    indiretos. A maior explorao do trabalho na periferia era pr-condio da expor-

    tao de capitais e do imperialismo, e logo, do desenvolvimento dependente,

    especialmente na Amrica Latina, onde durante quase todo o sculo XX os inves-

    timentos capitalistas tiveram um destino prioritrio, formando uma semi-

    periferia do capitalismo (Brasil, Argentina e Mxico).

    59) Dentro dos pases capitalistas, essa mesma lgica de segmentao

    do mercado se produziu, correspondendo ora a clivagens tnicas (por exemplo,

    os migrantes na Europa e EUA), ora a clivagens sociais diversas (migrantes das

    zonas rurais no Brasil, ou mesmo negros) que tinham como destino certo a ocu-

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    pao em profisses com baixa remunerao e sem garantias. O duplo mercado

    garantia assim os mecanismos concretos de acentuao da explorao do tra-

    balho, o aumento das taxas de mais valia absoluta e conseqentemente da taxa

    de desigualdade social entre centro e periferia, e dentro do centro e periferia,entre proletrios integrados e no-integrados.

    60) Essa caracterstica foi o trao principal do desenvolvimento capitalis-

    ta, mesmo sob as condies do capitalismo monopolista de Estado, na sua forma

    fordista-keynesiana e do Estado de Bem-Estar-Social e do nacional-

    desenvolvimentismo na periferia. A questo que existe uma relao entre o

    desenvolvimento sob forma fordista e o subdesenvolvimento nacionalista naperiferia, j que ambos faziam parte da mesma estrutura mundial de acumula-

    o. No processo de desenvolvimento mundial da acumulao capitalista, fica

    comprovada a correo da tese de Bakunin acerca da dialtica entre imperialis-

    mo (capitalismo monopolista) e estatismo, onde o desenvolvimento do Estado

    foi normalmente paralelo e em vrios momentos pr-condio para o imperia-

    lismo. O papel do Estado se acentuou na acumulao capitalista, mostrando que

    esse no um mero epifenmeno das relaes de produo.

    61) A etapa ultra-monopolista do capitalismo, se daria pela transforma-

    o dos padres tecnolgicos e organizativos da produo capitalista e pela mu-

    dana do papel das corporaes monopolistas e do prprio Estado Capitalista.

    8 Caracterizao da atual etapa ultra-monopolista do capita-

    lismo

    62) A dcada de 1970 foi marcada por profundas transformaes no ca-

    pitalismo em escala mundial: o modelo fordista-keynesiano entra em crise (es-

    tagnao econmica, inflao, perda de competitividade da padronizao fordis-

    ta e diminuio da taxa de lucro); os pases sofrem com os dois choques do

    petrleo e a Revoluo Tcnico-cientfica impe um novo modelo de acumulao

    de capitais. Como sada da crise, a burguesia inicia a implementao de polticas

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    neoliberais e na economia substitui o fordismo pelo toyotismo, tambm desig-

    nado de ps-fordismoe acumulao flexvel. O neoliberalismo e acumula-

    o flexvel ganharam hegemonia global especialmente aps o desmantelamento

    do bloco de pases do socialismo real e, conseqentemente, o fim da GuerraFria.

    63) Um dos principais efeitos das polticas neoliberais e da acumulao

    flexvel o aprofundamento da competio intercapitalista gerando uma maior

    concentrao e centralizao de capitais. As corporaes transnacionais, que

    atuam como oligoplios mundiais, dominam os mercados globais. Atualmente,

    dez empresas controlam 70% da produo de computadores; dez empresas do-minam 82% da produo de automveis; oito empresas controlam 71% do setor

    petroqumico; etc.

    64) Outro importante efeito do neoliberalismo e do toyotismo o au-

    mento da explorao dos trabalhadores com o desmonte da rede de seguridade

    social, com a flexibilizao dos contratos de trabalho, com o fechamento de

    postos de trabalho por causa da automao da produo (desemprego estrutu-ral) e a ampliao da explorao de mo-de-obra em escala global com a trans-

    nacionalizao da produo. Portanto, o aumento da concentrao de capitais

    (formao de oligoplios mundiais) e o aumento da explorao dos trabalhado-

    res (acumulao flexvel) permitem afirmar que a fase monopolista de Estado foi

    superada e o capitalismo entra numa nova fase: o perodo ultra-monopolista.

    65) O desenvolvimento do ultra-monopolismo est associado tambm a

    transformaes e a nova DIT e o papel da sia. O toyotismo se desenvolveu a

    partir da sia, especificamente do modelo japons, mas tambm so importan-

    tes para o capitalismo nessa poca, as formas de acumulao primria (que em-

    pregam relaes de produo no-capitalistas, como servido e escravido) que

    se desenvolveram especialmente na China e forneceram outro modelo de ex-

    panso capitalista que tem produzido resultados muito favorveis acumulao

    capitalista.

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    66) O sucesso desse modelo de organizao produtiva se manifesta no

    grau de desenvolvimento capitalista da regio. Das 50 maiores empresas trans-

    nacionais dos pases em desenvolvimento, 39 so Asiticas (China, Coria,

    Taiwan e Hong Kong, principalmente) e 7 latino-americanas (Mxico e Brasil).Esses dados mostram a diferenciao da base econmica do poder dos Estados

    na semi-periferia, e mostra que destes Estados pouco estaro em condies de

    alcanar uma posio entre os Imprios. Somente Estados como China esto

    alcanando as dimenses econmicas e militares para tal salto, enquanto que

    pases como Brasil e Mxico vivenciaro um aprofundamento da sua dependn-

    cia nessa nova fase do capitalismo.

    67) Tal reestruturao capitalista pode ser verificada, por exemplo,

    atravs das taxas de Produto Interno Bruto (GDP, Gross Domestic Product) das

    regies econmicas do mundo. Podemos ver que a sia e o Pacifico Oriental

    tiveram no perodo 1980-2004, um crescimento real elevado, acima de 7%; o sul

    da sia teve crescimento sempre superior a 5%; a Europa e a sia Central, depois

    de uma longa estagnao apresentam sinais de recuperao do crescimento

    econmico, com taxas acima de 6% em 2004; a frica teve taxas que variaramentre 2 e 4,5%; a Amrica Latina teve um perodo de estagnao do crescimento

    entre 1980-2004, e quando retomou o crescimento em 2004, se manteve sempre

    at 4,5% de crescimento real. Ou seja, os maiores nveis de crescimento do com-

    plexo euro-asitico indicam um deslocamento das funes econmicas de im-

    portncia estratgica na semi-periferia, tendo a Amrica Latina perdido espao

    para as economias de pases asiticos, especialmente China e ndia.

    68) Podemos perceber, pelos dados do Banco Mundial, que os maiores

    nveis de participao do setor industrial so apresentados exatamente na sia e

    Pacifico Oriental, em que a produo industrial representa quase 50% do produ-

    to total (e foi nica regio em que tal participao apresentou aumento entre

    1992 e 2002). Ao mesmo tempo ocorreu um declnio da participao do setor

    industrial da Amrica Latina (de 40 trilhes de valor adicionado em 1992, para

    cerca de 30 em 2002). O fundamental observar que existe uma distribuio

    relativamente equilibrada dessa produo industrial, o que pode representar um

    indicio de estratgia das ETNs para diminuir o poder de barganha dos Estados e

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    ao mesmo tempo diminuir os riscos aos seus capitais. A desindustrializao rela-

    tiva de certas regies e a transnacionalizao fazem parte dessa nova estratgia

    imperialista.

    69) Dentre os fatores que possibilitaram esse resultado est no modelo

    de explorao implantado, baseado na precarizao do trabalho e mesmo no

    trabalho forado (escravo), que indica assim o significado da acumulao de capi-

    tal ultra-monopolista. A nova acumulao supe a expanso do capital mesmo

    que atravs de relaes de produo no-capitalistas. Podemos ver isso pelos

    ndices de trabalho escravo no mundo. So 12,3 milhes de trabalhadores escra-

    vos no mundo segundo a OIT. A sia e o Pacfico lideram, com 9,4 milhes detrabalhadores escravos, seguida pela Amrica Latina com 1,3 milhes e frica

    com cerca de 1 milho.

    70) Nessa nova fase do capitalismo mundial, vemos algumas mudanas

    na estrutura do imperialismo: a exportao prioritria de capitais para a sia,

    combinada com a difuso de um modelo microeconmico toyotista (japons)

    e formas de acumulao primria (especialmente baseadas no modelo chins),que levam super-explorao, precarizao e escravido. Esse modelo tem pos-

    sibilitado um maiorcrescimento econmicoregional na sia, e impulsionou os

    processos de reformas do Estado no centro (Europa-EUA), e possibilitou o desen-

    volvimento do neoliberalismo. O Estado Neoliberal faz parte da adaptao s

    novas condies de acumulao mundial. Esse crescimento econmico Asitico

    tem gerado maior presso competitiva sobre as demais regies da semi-

    periferia e mesmo centro (no sentido da adoo dos padres de super-

    explorao e precarizao do trabalho, e das formas do Estado Neoliberal). Ao

    mesmo tempo, a financeirizao ou o carter bancocrtico e especulativo do

    capital, se manifesta no pela contraposio entre capital financeiro e bancrio e

    capital produtivo, mas ao contrrio pela composio orgnica do capital bancrio

    e industrial no interior dos oligoplios e corporaes.

    71) Assim, a reestruturao produtiva e as reformas do Estado, presen-

    tes na atual etapa do imperialismo, levam a mudanas nas relaes do centro

    com a periferia e a semi-periferia, e acentua ainda mais a importncia da depre-

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    medidas de reestruturao produtiva visam exatamente adaptar as economias

    dinmica dessa nova etapa. Cabe ento analisar como tal processo se verifica na

    sociedade brasileira

    9 O desenvolvimento dependente brasileiro no sculo XXI:

    impactos na estrutura e relaes de classes

    75) A experincia do desenvolvimento capitalista brasileiro pode ser ca-

    racterizada a partir de dois conceitos solidrios. Podemos dizer que o Brasil umpas que teve uma experincia particular do desenvolvimento dependente e

    tambmde desenvolvimento do subdesenvolvimento. Issosignifica que a hist-

    ria econmica e poltica do Brasil apresentam caractersticas que precisamos

    compreender.

    76) Os conceitos de desenvolvimento dependente fazem parte de uma

    teoria da dependncia, que precisa ser rapidamente situada. A teoria da de-pendncia era dividida numa ala direita, representada pelos nacional-

    desenvolvimentistas que visavam estabelecer trocas justas na estrutura do

    imperialismo atravs do desenvolvimento autnomo. Tal teoria acreditava que

    essa independncia s viria pelas reformas de base. Para tal ala, a dependncia

    impedia o desenvolvimento. A ala esquerda da teoria da dependncia mostrava

    que na base da dependncia estava em operao o imperialismo, ou seja, a re-

    produo do capital monopolista atravs da explorao do trabalho. Dessa ma-neira, somente a libertao nacional e o socialismo garantiriam a ruptura com o

    imperialismo. A dependncia produzia a polarizao entre paises desenvolvidos

    e subdesenvolvidos, mas tornava-se cada vez mais claro um desenvolvimento

    do subdesenvolvimento. Por fim, nos anos 1970 surgiria um novo setor, acade-

    micamente marxista e politicamente democrtico-burgus, ligado a Fernando

    Henrique Cardoso, de que corretamente diagnosticaria que na realidade a de-

    pendncia no impediria o desenvolvimento, e que seria possvel um desenvol-

    vimento dependente. claro que estamos simplificando um debate complexo,

    mas essa distino serve para situarmos o significado dos conceitos.

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    77) Ao caracterizarmos o Brasil como um pas que teve a experincia do

    desenvolvimento dependente do subdesenvolvimento, estamos falando expe-

    rincia que atribuiu uma posio especifica na Diviso Internacional do Tra-

    balho, na estrutura do imperialismo e do sistema mundial de Estados, bemcomo gerou caractersticas sociais e econmicas na estrutura social global e na

    estrutura de classes. Ao mesmo tempo, enfocamos um momento histrico da

    economia brasileira, aquele do desenvolvimento urbano industrial ao qual tal

    analise interpreta.

    78) Devemos ter em mente que a formao da sociedade brasileira

    marcada pela sua origem colonial. Mas importante indicar que o processo decolonizao nas Amricas e de formao dos Estados-Nacionais nessa regio,

    eram integrantes de um processo mundial de acumulao primitiva, comanda-

    dos pelas potencias Europias. A evoluo da sociedade brasileira, atravs do

    perodo da Colnia, do Imprio e da Repblica, bem como dos ciclos econmicos,

    condicionado pela relao metrpole-satlite. O Brasil surge ento enquanto

    pais satelitizado pelo desenvolvimento capitalista europeu, e as relaes de pro-

    duo aqui existentes eram produzidas, transformadas e dirigidas atravs dessarelao.

    79) O processo progressivo de construo do capitalismo no Brasil a par-

    tir da sua origem colonial (pela Lei de terras de 1850, depois pela abolio da

    escravido e proclamao da Repblica), condicionou a prpria estrutura social e

    de classes. O Brasil do incio do sculo XX era um pas agrrio-exportador, e as

    relaes de produo aqui existentes eram determinadas de fora pela relao

    metrpole-satlite ou centro-periferia. A insero do Brasil na diviso interna-

    cional do trabalho clssica era caracterizada pelo seu papel de fornecedor de

    matrias primas e importao de produtos industrializados.

    80) As mudanas principais na estrutura social e de classes se daro a

    partir do sculo XX, em razo das mudanas no capitalismo mundial, com a con-

    solidao do sistema imperialista. O perodo 1930-1980 ser o da revoluo

    burguesa no Brasil, revoluo tecnolgica e das relaes de produo, social e

    politicamente autocrtica. Nesse perodo, o Brasil tornar-se- um recebedor

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    privilegiado de capitais, exatamente pelas taxas maiores de lucro, possibilitada

    pelos baixos salrios praticados no pas. Quer dizer, o proletariado brasileiro

    ocupava uma esfera inferior do duplo mercado de trabalho mundial, no qual a

    esfera superior correspondia aos trabalhadores do centro. A estrutura do impe-rialismo operava pela centralidade das relaes de explorao garantindo a ex-

    panso de capitais. Esses capitais que conduziro o processo de industrializa-

    o.

    81) Entre 1950 e 1980 o Brasil teve uma taxa de crescimento do PIB de

    6,78% ao ano contra 4,94% da mdia mundial e 4,71% das mdias do Centro. O

    ndice de emprego industrial no Brasil alcanou os 20%, estando prximo depaises do centro como os EUA. Mas a partir dos anos 1990, o emprego industrial

    recuou, no caso brasileiro, alcanando patamares similares aos de 1940. As mu-

    danas decorrentes da industrializao foram principalmente, a formao de um

    expressivo proletariado industrial (quantitativa e qualitativamente falando) no

    pas. Tambm a elevao das taxas de crescimento econmico.

    82) A posio do Brasil na Diviso Internacional do Trabalho mudou nes-se perodo. O Brasil deixou de ser um pas exportador de matrias primas. Passou

    a ser um pas industrializado que progressivamente passou a produzir inclusive

    bens de capital. Deixou de ser um pas dependente no antigo sentido (com eco-

    nomia determinada de fora, suscetvel a choques externos, mas sem capaci-

    dade de produzir crises). Agora, o volume de capital investido colocou o pas

    numa nova posio. A perda do pas (para um movimento revolucionrio) e

    mesmo crises econmicas ameaariam a prpria estrutura do Imperialismo e a

    acumulao capitalista mundial. O Brasil passou ento por um desenvolvimento

    que no acabou com a dependncia, a transformou; por um desenvolvimento

    que eliminou caractersticas econmicas do subdesenvolvimento (predomnio da

    agricultura e da exportao, pouca diversificao da estrutura produtiva), mas

    aprofundou as caractersticas sociais do subdesenvolvimento. O Brasil alcanou

    por isso a posio contraditria de semi-periferia, acima dos pases subdesenvol-

    vidos de outras regies da periferia, abaixo dos desenvolvidos do centro. Em

    1960, 60% da populao controlavam 23,4% da renda nacional e 10% ricos

    39,6%. Em 2000, 60% da populao se apropriava de 18% da renda nacional e os

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    10% ricos de 47,6% da renda total. No campo, as propriedades de mais 1000

    hectares representavam 0,8% do numero total de estabelecimentos e tinham

    39,6% das terras. Em 1996, representavam 1% dos estabelecimentos e possuam

    45,1% das terras. Ou seja, a concentrao de renda e terra aumentou no Brasil,acentuando as caractersticas sociais do subdesenvolvimento.

    83) O processo de desenvolvimento econmico brasileiro exemplar dos

    modelos de desenvolvimento dependente. Aqui o capital internacional, o capital

    nacional privado e o capital estatal conformaram aquilo que Peter Evans chamou

    de trplice aliana e que garantiu o desenvolvimento dependente, ou seja, a

    acumulao de capital local em harmonia com a estrutura do imperialismo. Istoimplicou que apesar do desenvolvimento industrial e do crescimento econmico,

    os grandes problemas sociais (desigualdade scio-econmica de classes, concen-

    trao fundiria, dependncia externa) no foram resolvidos de acordo com o

    modelo europeu de revoluo burguesa, exatamente porque a taxa de lucro

    buscada na periferia e semi-periferia exigia que no desenvolvimento capitalista

    no se fizesse concesses importantes classe trabalhadora. Por isso a questo

    agrria, a questo urbana, so problemas estruturais do capitalismo em geral, eque nos quadros de um pas da semi-periferia no tem soluo vivel por refor-

    mas burguesas.

    84) O processo de desenvolvimento dependente brasileiro, tal como

    demonstrado por Peter Evans, Andr Gunder Frank, Florestan Fernandes e ou-

    tros, contrariou todas as antigas teses dos marxistas ortodoxos (linha oficial do

    partido comunista) e nacional-desenvolvimentistas. A estagnao econmica no

    s no era inevitvel como ironicamente as taxas mdias de crescimento

    econmico no Brasil foram maiores que as mdias mundiais no sculo XX. A

    burguesia nacional e o Estado foram no os focos de contradio com o impe-

    rialismo, mas ao contrrio um elemento central da associao do capital estran-

    geiro com o capital nacional, na explorao conjunta da classe trabalhadora bra-

    sileira. A lgica do desenvolvimento dependente sob o imperialismo mostrou

    que a estagnao no era nem insupervel e nem o produto de uma estrutura

    feudal ou colonial, mas sim das modernas relaes capitalistas no sistema

    mundial.

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    85) A industrializao brasileira ser marcada pelas contradies do

    desenvolvimento dependente, e contrariar o tipo ideal de revoluo burgue-

    sa, democrtica e nacionalista. A industrializao ser acompanhada do au-

    mento da desigualdade socioeconmica, da concentrao de renda e terras e daviolncia poltica (expressa nas ditaduras que comandaram o processo).

    86) O desenvolvimento dependente do subdesenvolvimento, expe-

    rincia particular do capitalismo brasileiro confirmam ento a expanso do esta-

    tismo como fora econmica e tambm ideolgica, j que as doutrinas naciona-

    listas de diversas matizes (comunista, trabalhista) se expandiram paralelamente

    prpria expanso do Estado-Nacional brasileiro, e visavam criar a legitimaoda interveno do Estado e coloc-la como centro da ao poltica. A expanso

    do estatismo transps as fronteiras de classes, ganhando setores de uma bur-

    guesia anteriormente liberal e refrataria ao intervencionismo econmico, e da

    classe trabalhadora, que alimentou o fetiche do Estado como rbitro de classes e

    eventual protetor dos seus interesses. Esse foi tambm um fenmeno interna-

    cional, uma vez que esteve relacionado formao de imprios e do imperialis-

    mo, e sua disputa pela hegemonia nas relaes internacionais.

    87) O Estado-Nacional e o capital estatal foram fundamentais para viabi-

    lizar o processo de desenvolvimento dependente brasileiro. A centralizao esta-

    tal do perodo Vargas e depois da Ditadura militar, com a expanso das empresas

    estatais e de sua funo estratgica, confirmam a tese bakuninista sobre a im-

    portncia do Estado para o processo de acumulao de capital, e o carter dial-

    tico das determinaes entre poltica e economia. O desenvolvimento do Estado-

    Nacional e suas funes de controle (e da ideologia estatista na classe trabal-

    hadora) foram caractersticas presentes em todo o processo de industrializao

    brasileiro. A associao do capital privado nacional, estatal e estrangeiro confir-

    ma a anlise sobre o carter contra-revolucionrio da burguesia. O desenvolvi-

    mento do estatismo foi ento um fator fundamental para a viabilizao de mo-

    delo de desenvolvimento dependente, tanto no Brasil quanto em outros paises

    do mundo.

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    88) A anlise bakuninista rompe com diversas iluses ideolgicas, em

    razo do seu mtodo materialista e da sua analise terica correta acerca do pa-

    pel e carter do Estado, bem como da dialtica poltica-economia. A anlise ba-

    kuninista rompe com o fetichismo do Estado neutro, passvel de ser agente dodesenvolvimento em beneficio de todas as classes. Rompe com a iluso de que a

    dependncia impede o desenvolvimento, e de que o desenvolvimento capita-

    lista pode gerar o bem estar e expandir a igualdade e a liberdade para todas

    as classes. A teoria anarquista mostra toda sua atualidade: o capitalismo produz

    a desigualdade social. O desenvolvimento capitalista global e do centro, as mel-

    horias promovidas pelo modelo fordista-keynesiano na Europa e EUA foram cus-

    teadas com a super-explorao do trabalho na periferia e semi-periferia. E mais,a diminuio das desigualdades e melhorias das condies de vida na Europa

    implicou na exportao de desigualdades para os paises satelitizados. Logo, o

    nacional-desenvolvimentismo e a revoluo burguesa na periferia s poderia

    assumir a feio de uma autocracia burguesa na qual um Estado-Knut, ba-

    seado num regime de sabres, o nico capaz de garantir a acumulao de capi-

    tal. O desenvolvimento capitalista nacional e mundial exigia o aprofundamento

    do subdesenvolvimento, fazendo da interveno do Estado uma demandaessencialmente burguesa, e foi isso que aconteceu ao longo do processo histri-

    co. Assim, o desenvolvimento (que combinava expanso do capitalismo com

    reformas sociais) seria uma condio inatingvel para os demais paises perifricos

    e semi-perifricos em razo da estrutura do capitalismo imperialista.

    89) Entre os anos 1980 e 2000, as mudanas na estrutura do imperialis-

    mo e do sistema mundial no sentido de um capitalismo ultra-monopolista provo-

    cariam transformaes significativas na diviso internacional do trabalho e na

    estrutura de classes, afetando o Brasil e seu desenvolvimento. Aqui as mudanas

    de ordem macroeconmicas s comearam a acontecer nos anos 1990 em meio

    a uma grande recesso da economia mundial e brasileira. Nos anos 1980, a

    "dcada perdida", tivemos uma taxa mdia anual de crescimento do PIB de 3%,

    nos anos 90 o crescimento anual mdio do pas atingiu apenas 1,7% (at 1999).

    As mdias mundiais de crescimento tambm foram desaceleradas.

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    90) As transformaes econmicas da dcada de 1980, a reestruturao

    produtiva, o toyotismo, o desenvolvimento do neoliberalismo, marcaram o incio

    da entrada do capitalismo internacional numa fase ultra-monopolista. Essas mu-

    danas se processariam no Brasil, especialmente aps a redemocratizao,quando os sucessivos governos (Collor, FHC e Lula) implementariam polticas e

    reformas neoliberais. A mudana social no Brasil, que se deu no plano poltico

    pela transio da ditadura para a democracia burguesa e na economia do in-

    tervencionismo para o neoliberalismo, mudaria profundamente as relaes de

    produo, com impactos decisivos sobre a estrutura de classes. A transio neo-

    liberal produziria uma nova estrutura de classes, mas acentuando as velhas con-

    tradies da sociedade brasileira.

    91) A reestruturao produtiva que caracteriza a atual etapa do capita-

    lismo expressa pelo toyotismo. O toyotismo racionalizao organizacional de

    toda a empresa segundo os dispositivos toyotistas, com programas de qualidade

    total, nfase no envolvimento estimulado da fora de trabalho (participacio-

    nismo e colaborao), racionalizao das linhas de produo, substituio de

    processos, alm de sistemas de automao e iniciativas voltadas ao aprimora-mento tecnolgico. uma frmula ao mesmo tempo de intensificao de tecno-

    logias micro-eletrnicas, de automao, e de organizao do trabalho. As formu-

    las toyotistas se desenvolveram, e implica na flexibilidade das funes e relaes

    trabalhistas. O modelo toyotista leva tanto a substituio da mo-de-obra em

    larga escala por novas tecnologias, como a mudana nas formas de contratao.

    92) Segundo dados do Banco mundial, no perodo 1980-2002 o cresci-

    mento mdio do PIB do conjunto da sia esteve sempre acima de 5%, enquanto

    que a Amrica Latina manteve-se na casa dos 2%. O crescimento mdio inferior

    do Brasil e da Amrica Latina comparativamente a sia, no produto somente

    de polticas governamentais recessivas para favorecer o capital financeiro, mas

    sim o produto de transformaes estruturais na prpria acumulao de capital e

    relaes de produo/explorao.

    93) Esse processo de reestruturao produtiva pressionou dialeticamen-

    te as instituies polticas, desencadeando as reformas do Estado. As transfor-

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    maes polticas no sentido de um Estado Neoliberal fazem parte da adapta-

    o do Brasil reestruturao do capital em escala mundial. Os Governos Collor,

    FHC e Lula, se inserem numa linha de continuidade s medidas neoliberais que

    visam garantir a insero competitiva do Brasil na nova diviso internacional dotrabalho. E a realizao dessas reformas tem uma importncia central no caso

    brasileiro, uma vez que a tendncia mundial aponta para uma nova diviso do

    trabalho, em que a sia se apresenta como ambiente privilegiado da exportao

    de capitais. Isso em razo da combinao exitosa entre toyotismo e acumula-

    o primria de capital (garantida pelas formas de trabalho escravo e forado j

    mencionadas, tanto no campo quanto na cidade), que baixa o nvel mdio dos

    salrios e aumenta a taxa de mais valia absoluta. A reforma neoliberal do Estadose faz quase que imperativa para o conjunto da burguesia no Brasil, pois somen-

    te elas permitem a construo de uma nova competitividade.

    94) O processo de reestruturao produtiva e de reformas neoliberais do

    Estado, produziu impactos significativos e duradouros na estrutura de classes, de

    maneira que mudam o perfil da prpria sociedade brasileira e das relaes de

    classe.

    95) As taxas de ocupao mdias nos setores (pessoas empregadas ou

    trabalhando) declinou no setor secundrio (de 2,75% em 1979, para - 0,31 em

    1998), no tercirio (de 4,86 em 1979 para 2,22 em 1998; somente o setor prim-

    rio mostrou um crescimento significativo (de -0,58 em 1979 para 1,62 em 1998),

    segundo dados do IBGE. Nesse perodo, houve tambm o declnio da taxa de

    participao do emprego industrial no total das ocupaes nacionais, de 19,2%

    em 1980 para 11,8% em 1999.

    96) outro elemento que precisa ser destacado o de uma nova moder-

    nizao conservadora na agricultura, em que o agronegcio exportador ocupa

    um lugar estratgico no novo modelo econmico. Mas necessrio um aprofun-

    damento maior do estudo desses processos para poder determinar exatamente

    a dimenso da sua importncia.

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    de trabalho, que incorpora os antigos setores protegidos por legislao trabalhis-

    ta e medidas sociais. O numero de trabalhadores integrados na esfera superior

    do mercado diminui, os precarizados aumentam. Aumenta a fragmentao obje-

    tiva da classe trabalhadora, pela competio, desemprego estrutural e diferen-ciao de relaes contratuais de trabalho.

    101) O resultado dessas mudanas expresso pela deteriorao das

    condies de vida da populao. O censo 2000 do IBGE revelou que 12,9% dos

    brasileiros vivem em situao de pobreza extrema, o que representa 21,7 milh-

    es de pessoas com renda insuficiente para suprir as necessidades bsicas (ali-

    mentao, moradia, sade). Somam-se ainda a estes mais 57,7 milhes de brasi-leiros com rendimento abaixo da linha da pobreza, que correspondem a 35% da

    populao do pas. Isto significa que nos Governos Collor, Itamar e Fernando

    Henrique o desemprego e a pobreza aumentaram no Brasil.

    102) Podemos dizer que na realidade, o conjunto de transformaes

    econmicas, sociais e polticas verificadas na sociedade brasileira, se associam

    transio e ajuste do Brasil (ou do modelo de desenvolvimento dependentebrasileiro) aos parmetros macro e microeconmicos de um capitalismo ultra-

    monopolista. As medidas de reestruturao produtiva e reformas do Estado se

    relacionam a uma estratgia burguesa de retomada do crescimento econmico e

    acumulao do capital baseado na acentuao da explorao do trabalho,

    atravs da precarizao e do aumento de produtividade pela automao.

    103) Nesse sentido, a reestruturao do capital e do imperialismo a nvel

    mundial, impactam na insero brasileira na di