igaruana #5

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05 2015

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Expedições em canoa canadense e aventuras na natureza [nesta edição: Expedição Itacoatiara, Alimentação e conservação de alimentos durante uma expedição em canoa]

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Page 1: Igaruana #5

Nº052015

Page 2: Igaruana #5

05/2015Nº

nesta edição

Mantra da chuva fina.............................................pag. 03

Expedição ITACOATIARA.......................................pag. 04

Alimentação e conservação dos alimentosdurante uma expedição em canoa.....................pag. 12

Fauna local: Carcará................................................pag. 22

Todos os textos e as imagens, salvo quando especificadodiferentemente, são de autoria de Jack d’Emilia.

foto da capa: Tito Rosemberg

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Mantra da chuva fina

Noite de pirilampose chuva finana Ilha do Velho Jaimea Lua ainda não apareceuno céu

(quando a Lua surgir)

Noite de pirilampose chuva finana Ilha do Velho Jaimeenfim a Lua apareceuno céu

Repetir Ad Libitumou cada vez que um vaga-lume brilhar no escuro

foto: Tito Rosemberg

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Expedição

ITACOATIARAParte 1

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Este relato ia intitular-se "O poeta e o pirata", se não fosse que meu amigo Raul Pimenta, poeta e escritor potiguar, que cortou o umbigo¹ no Caicó, mas mora há décadas na capital, convidado escolhido para participar da primeira expedição Itacoatiara de 2015, acabou tendo que renunciar na última hora, pois não pôde adiar outro compromisso que surgiu no caminho.A primeira expedição Itacoatiara não tem data marcada, até não rolarem, pelo menos, duas boas chuvas na região da Serra das Pinturas, na pegada do inverno: com o Riacho da Pedra Lavrada que forma um pequeno lago, o sertão todo verde e os outros riachos com água correndo, para refrescar-se no meio do caminho, é bem melhor que praticar a trilha de 9+9km pela caatinga toda seca, na época da estiagem. Por ser uma expedição de recognição, geralmente quem vai comigo é apenas um ajudante, ou um amigo especialmente convidado.Quando foram anunciadas as primeiras chuvas no sertão, comecei a acompanhar os relatórios pluviométricos da região, publicados na internet. Não tendo uma estação de medição cadastrada no Sítio Mutamba nem, quanto menos, no pé da Serra do Cipó, fiquei acompanhando os relatórios relativos aos locais mais próximos, duas estações de medição no município de Jucurutu e uma no território de Triunfo Potiguar. Umas boas chuvas, finalmente, foram registradas.Sendo o dia melhor para iniciar uma expedição Itacoatiara o domingo, deixei passar o Dia da Poesia, no sábado 14, e marquei a expedição para o domingo, 22 de março.No sábado de manhã, sai de Pipa bem cedinho e, por volta da uma e meia da tarde, cheguei no Sítio Araras. Tomei um banho refrescante, armei a rede por baixo do imbuzeiro e fiquei dormindo duas horas. Quando o sol baixou um pouquinho e o calor diminuiu, entrei em casa e comecei a arrumar todos os equipamentos que a gente iria utilizar nos dias seguintes. No começo, separei também colete salva-vidas, remo, barraca e colchão inflável para meu amigo poeta, mas depois ter recebido uma SMS de Raul, por volta das seis horas, confirmando a impossibilidade de participar, guardei de novo esses itens. Logo depois fui na vendinha de Titico, antes que fechasse, para encomendar

na manhã seguinte à beira do rio. Os 60 litros/quilos de água iriam compensar a ausência do segundo canoeiro a bordo, fornecendo um bom lastro para a canoa ficar suficientemente imersa na água e com seu eixo longitudinal aprumado.Finalmente, fui sentar-me no alpendre dos meus vizinhos, onde, logo que cheguei, me ofereceram um copo cheio de café quente.Com Seu Zé e o filho Domingo ficamos conversando um bocadinho sobre chuva e pesca na pegada do inverno, que, vale a pena lembrar, independentemente do calendário, para o sertanejo identifica a temporada das chuvas. No Vale do Assu, um bom inverno pode manifestar-se já em meados de dezembro, mas geralmente começa a chover em fevereiro.Seu Zé, aos 76, não está mais saindo para pescar, mas continua trabalhando, cuidando de tratar e conservar o peixe trazido pelos filhos pescadores. Enquanto tucunaré e tilápia, limpos do fato, vão logo pro isopor com gelo, pescada e curimatã são ainda escalados, salgados, expostos ao sol para secar, casados pelo tamanho parecido, antes de ser vendidos, semanalmente, para um comprador, que leva o peixe pras feiras do Interior.Dona Piedade, deitada na rede armada no copiá, me contou que pegou uma gripe braba que a derrubou. Ela teve que ficar duas semanas internadas no hospital do Assu, para combater uma infecção pulmonar. Embora voltou para casa curada, ela disse que ainda não ficou boa e que a fraqueza às vezes a deixa tonta. É Seu Zé agora que está passando a vassoura em casa; a mulher de Domingo está ajudando nas tarefas domesticas, enquanto Dona Piedade não se restabelecer.Às oito horas, fui pra casa. Sem vontade de cozinhar, comi dois pães com queijo, tomando café quente sem açúcar. Registrei no pequeno aparelho GPS, que iria utilizar durante a trilha, as coordenadas de cinco check-points e a localização final da caminhada, a Pedra Lavrada.Depois desliguei a luz, fechei os olhos e fiquei repassando mentalmente a lista de todas as coisas que não se podem esquecer, até adormecer, no balanço da rede.

¹ Cortar o umbigo = nascernos dizeres populares do Vale do Assu e Seridó

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1º dia de expediçãoNo quebrar da barra¹, estiquei uma perna fora do lençol, para alcançar com o pé uma raiz do imbuzeiro, e dei novo impulso ao balanço da rede. Assim, dormi mais uma meia hora, ou, por melhor dizer, eu acordei devagar.Quando me levantei, dobrei logo a rede e a guardei no saco estanque amarelo, junto com o lençol e as duas cordas que servem para arma-la, em arvore, latadas, varandas.Sol fora², tomei meu primeiro café em pé no alpendre, já procurando alguém que me ajudasse a carregar a canoa até o rio.Quem não tardou a aparecer, cruzando a estrada de terra com passos largos, foi Domingo, filho de Zé Lopes, que na hora se dispôs a ajudar-me.Puxamos umas das canoas laranja da casa de taipa, onde ficam guardadas, e em poucos minutos a levamos até a prainha de areia, na beirada, ainda aproveitando da viagem para carregar na canoa os remos, o colete e outros objetos leves.Depois, eu dei mais três viagens da casa pro rio, carregando o resto das bagagens. Tomei meu segundo café, fechando a casa e conferindo que não estivesse me esquecendo nada. Passei na vendinha de Titico, paguei a água e comprei uma garrafinha de querosene para minha lamparina.O bom de viajar numa canoa canadense é que você pode levar consigo tudo o que quiser, sem faltar o espaço. Viajei por muitos anos em motocicleta, tentando reduzir sempre ao essencial minha bagagem. Agora em canoa, não me preocupo com isso. Vige, aliás,, nas minhas aventuras, uma regra muito popular no mundo da nautica: "Quem tem dois tem um. Quem tem um, não tem nenhum". Tudo o que não pode faltar, ou o que pode fazer uma falta significativa, deve ser levado, pelo menos, em dobro. Mas não precisa exagerar!Outra regra importante a bordo de minha embarcação é: "Um lugar para cada coisa. Cada coisa em seu lugar". Manter o equipamento e a bagagem em ordem é fundamental para a segurança e organização de uma pequena canoa de 16 pés. Pode parecer inutil dizer que enconcantrar o que você esta procurando sem perder tempo faz uma grande diferença. Mas é sempre bom lembrar aos desavisados que o que não pode molhar sempre deve ser tratado pensando nisso. E que facas, facões e outras ferramentas perigosas nunca devem ficar sol-

tas dentro da canoa. A disposição da carga a bordo está também diretamente relacionada ao equilíbrio dos pesos. Eu gosto de aprumar direitinho minha canoa, adriçada e sem compasso."Até agora não encontrei uma solução melhor que carregar uma quantidade extra de água a bordo, para servir de lastro", expliquei para Biu, que me perguntou o que ia fazer com tanta água mineral.E foi assim que, arrumando a canoa com todo cuidado, e ainda mais conversando com Biu e Tonho, que não tinham nada para fazer, zarpei do Sítio Araras só depois das sete e meia.Com o sol já quase alto no céu, e sem vento, literalmente molhei toda a camisa de suor para chegar até a Ilha da Caixa d'água, onde o rio se estreita e termina o grande lago artificial, porão da Barragem ARG. Nas ruínas da vila, estava arranchado um grupo de pescadores de São Rafael. Como é comum na região, eles ficam arranchados numa ilha, ou mesmo na margem, por uns dias ou até semanas, pescando nas redondezas, enquanto o trabalho seja recompensado com bons frutos. Pescam com redes, anzol, bulha; trabalham de dia e à noite também. Segundo os dizeres populares, uma hora boa para "bater bulha" é entre o primeiro e o segundo canto do galo, pois é nessa hora que o peixe vai comer no raso.Nas horas mais quentes, descansam na sombra, ou ficam consertando as redes danificadas e salgando o peixe. O dono da pescaria, em seu barquinho motorizado, traz mantimentos e leva o pescado.Cumprimentei de longe, mas eles me chamaram. Me convidaram para um "café de duas mãos", quer dizer, café bem quente e batata doce cozida. Eles quiseram me alertar sobre a chuva que ia cair."Olha lá!", me disse um, apontando para o sudeste. No horizonte, uma massa compacta de nuvens escuras anunciava o mau tempo chegando."Em duas horas, vai cair uma chuva grande", disse outro pescador."Eu vi as nuvens no horizonte", disse eu. "Espero chegar em São Rafael antes da chuva", falei com tono esperançoso e otimista."Cuidado com as maretas do vento Norte", me avisou um deles."Pode deixar", respondi. "Se começar a chover forte, ou ventar muito, eu paro".

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Dito e feito. Me despedi dos pescadores e voltei à canoa. Remei por mais de uma hora numa boa, Cheguei a pensar que as nuvens carregadas de chuva fossem passar longe, depois a brisa do Leste aumentou de intensidade repentinamente e o vento mudou de direção.Com as primeiras rajadas do vento Norte, caiu uma chuva fininha, mas o céu todo escuro não deixava dúvidas. Contrastado um pouco pelo vento, escolhi um bom local da margem onde encostar e consegui chegar lá antes que a chuva engrossasse.Na ribeira de areia, puxei a metade da canoa em seco, depois vesti a jaqueta impermeável, calcei bem na cabeça o chapéu e me sentei num banquinho, dando as costas pra chuva.Choveu e choveu por mais de hora e meia. Comi todo o pacote de castanhas de caju, que encontrei no bolso da jaqueta. Na hora de revisar o equipamento, me acostumei em guardar num bolso da jaqueta impermeável alguma coisa para mastigar, quase sempre castanhas de caju ou um pedaço de rapadura embrulhado; isso ajuda a enganar o tempo e injeta uma dose de energia boa para o conforto da pessoa.Comecei a pensar que fosse escurecer antes da chuva parar. Olhei pelos dois lados à procura de um local onde arranchar, mas não vi nada de interessante. Nenhuma arvore boa para armar minha rede. Só capim espinhento e baixos arbustos retorcidos. Mais chuva.Enfim, as nuvens negras passaram e a chuva parou. Sem perder tempo, esgotei a água acumulada no fundo da canoa, tirei a jaqueta, vesti o colete e comecei a remar ligeiro em direção ao porto das canoas de São Rafael. Tinha menos de uma hora de luz e ainda uns cinco quilômetros para percorrer. Remei sem parar e cheguei a destino anoitecendo. Aproveitando da estrutura de uma latada à beira do rio, armei logo minha rede e, com a lona azul quadrada aprontei um abrigo para passar a noite enxuto.No meio de quatro velhos tijolos maciços, acendi um fogo pequeno, com apenas três pedaços de carvão e, como isca, o papelão de uma meia bandeja de ovos, todo picotado. Preparei um bom café quente, que tomei já deitado na rede. Não me deu vontade de cozinhar. Comi um sanduíche com queijo e salame, mais duas bananas. Bebi a última xíca-

a de café, que estava já morno. Calcei meias e gorro para não sentir frio na madrugada e dormi assim que fechei os olhos.

¹ Quebrar da barra = 5 horas² Sol fora = 6 horas

2º dia de expediçãoQuando acordei, o céu estava já claro e se tingindo de azul. A visão das ruínas da antiga cidade de São Rafael me deixou boquiaberto por um pedaço. Durante o verão, o nível do rio devia ter baixado mais uns três metros. Chegando no escuro da noite anterior, não tinha percebido muita coisa na penumbra.Todas as ruínas da igreja estavam à vista. O topo da torre do sino, que ficou erguido acima das águas por um quarto de sécu lo e , repentinamente, ruiu em 2010, estava de novo sob o olhar de todos. Quando a torre desmoronou, a cúpula ficou inteira, contudo toda inclinada de um lado.O que resta da fachada da igreja pode enganar a mente das pessoas cuja imaginação pode correr dos passados mais remotos até futuros improváveis.Caminhei até a margem, para pegar algumas coisas na canoa, mas não resisti a tentação de nadar entre as ruínas. Com todo o cuidado para não esbarrar em obstáculos submersos, nadei até as ruínas da igreja. Dei a volta nelas, demorando-me ora num canto, ora em outro, curtindo os pormenores e as perspectivas, na silenciosa calmaria do amanhecer daquela segunda-feira.Foi o barulho do motor de algum barquinho chegando que me trouxe de volta à realidade. Nas minhas viagens, eu tinha já chegado ao fim da película "O planeta dos macacos", quando o protagonista encontra a Estátua da Liberdade enterrada numa praia deserta.Acendi o fogo para fazer o café e comecei a desmontar o acampamento. Depois do primeiro barco,, chegaram o segundo e o terceiro. São as características canoas motorizadas da região. Em dia de feira o vaivém é grande. De todas as vilas ribeirinhas das redondezas, e dos sítios e fazendas também, sai uma lancha dessas, levando o povo pra feira. Alguns barcos vem carregados de mercadoria para vender. Outros ficam lotados de pessoas de todas as idades, moradores de locais isolados, pelos quais a ida à feira é um evento especial.

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Descobri num livro¹, que esta feira tem tradições antigas, de quando a vila, pertencendo ainda ao município de Santana do Matos, chamava-se Caiçara.Chegou uma canoa a motor, carregando outra menor, emborcada e atravessada, mais duas grandes caixas de isopor, cheias de peixe. Cinco minutos depois, chegou o caminhão da peixaria e eu aproveitei para ir de carona na caçamba.Quando chegamos, o peixe foi separado por espécie e tamanho, depois pesado. O dono da peixaria anotou num caderno as quantidades de peixe numa página que levava em alto o nome do pescador. A filha do dono da peixaria chegou, oferecendo um cafezinho para todos os presentes.Tomado o café, agradeci por tudo e me despedi."Está indo pra feira, italiano?", perguntou o pescador, acrescentando logo: "Me espera, que eu vou também".Caminhamos a passo rápido até a praça da feira, conversando sobre a chuva do dia anterior. A chuva é um tema recorrente de conversa no sertão. No inverno, ainda mais que no resto do ano.Na esquina da praça, convidei-o para tomar uma cerveja no Bar do Calçadão, mas ele me disse que estava "proibido de beber", pela mulher e pelo medico. Despedimo-nos.Chagas, o dono do bar, quando me viu logo veio dizer que a mulher dele tinha falado em mim, na noite anterior, cortando bem miudinhos os ingredientes da buchada. Depois me avisou que no fogo só tinha oito porções.A buchada de carneiro, ou de bode, é uma iguaria da cozinha regional sertaneja, que precisa de muita dedicação e carinho em sua preparação. Pessoalmente, eu dou a nota 10 para a buchada da Marlene, mulher do Chagas.Pedi para ele mandar separar uma porção para mim, com bastante "graxinha" para esquentá-la à noite pro jantar. Depois fui pra feira.Comprei maçãs, uva e uma penca de bananas. Numa banca, alho e coentro. Em outra, batata doce, batatinha e cebola. O cominho moído na hora, na banquinha do Seu Paulo. Numa banca de queijos, fiquei dez minutos só escutando a conversa da vendedora com os clientes. Conversando e cortando, conversando e cortando. Ora queijo manteiga, ora queijo coalho. Enfim, levei meio quilo de queijo coalho e seis ovos caipiras.

Num dos mercadinhos na praça, comprei um pedacinho de carne-de-sol, duas latas de sardinhas, um pacote de café e um de bolacha.Nutrindo a pretensão de chegar no Sítio Mutamba antes do anoitecer, me decidi a não perder muito tempo na feira. Almocei às nove horas, uma abundante porção de carneiro guisado, tomei duas xícaras de café, ajeitei as compras no bornal e outra bolsa e fui embora.Apesar do sol estar já alto, fui caminhando até o rio numa boa, para baixar a barriga. No porto das canoas, o vaivém estava intenso. Temendo a chuva pela parte da tarde, muitos estavam se aprontando para a viagem de volta mais cedo.Foi legal reencontrar um morador de uma região bem remota, onde tinha ido bater uns cinco antes, à procura de uma furna com inscrições rupestres. Quem tinha me levado lá foi o finado Zezinho, caçador do Sítio Mutamba, conhecedor da região palmo a palmo. o sítio onde morava esse homem estava tão longe que ele só ia pra feira uma vez por mês.Guardei bem minhas compras e sai remando em direção ao Sítio Mutamba, por volta do meio-dia e meia, com céu azul e uma leve brisa do sudeste.Passei perto das ruínas do antigo cemitério e avistei de longe o grande juazeiro do Campo Echo. Este ficou tão distante da ribeira, que o acesso tornou-se complicado. Cortei o canal de um largo braço secundário do rio e encostei na Ilha Grande.O céu ficou meio cinza e uma chuva fina caiu por dez minutos. Decidi prosseguir remando encostado na ilha e cruzar para a outra margem só na última hora, onde o rio Assu dobra em seu percurso quase de noventa graus.Mas uma chuva forte caiu bem antes disso e uma pedra semi-submersa estava à minha espera no meio do caminho.No começo a chuva continuou fininha e, com o rio apenas encrespado pelo vento, continuei remando despreocupado.A intensidade da chuva e do vento foi crescendo. Fiquei na dúvida se parar, ou seguir, pelo menos, até o Campo Janduí. Fiquei pensando numa caneca de café quente e me distrai. Meti a proa da canoa numa grande pedra, logo abaixo da superfície da água. A canoa bateu uma vez, duas e depois se assentou na pedra, sem querer sair do lugar. Remar para trás foi inútil. As maretas não tinham bastante força para desencalhar a canoa.

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"Porra!", gritei, e sem olhar, me levantei e dei um passo para trás, segurando o remo com uma mão e procurando às cegas apoiar a outra no deck de popa. Mais meio passo para trás e me sentei no minúsculo deck de madeira. Logo a proa levantou, descolando-se da pedra; com duas remadas me afastei dela."Porra!", gritei de novo, e fui remando até o Campo Janduí sem parar por baixo da chuva. Cheguei todo molhado, mas sem outros acidentes.Atracada no pé do barranco, avistei uma canoinha verde, sinal que tinha no local pescadores arranchados ou refugiando-se da chuva.Na margem de areia, puxei meia canoa em seco e me sentei numa pedra, esperando uma estiada para mexer nas bagagens.Com uma rápida olhada, entendi que o dano na canoa causado pela batida na pedra era modesto e me tranquilizei. Também vi uma grande caixa de isopor, com uma pedra em cima para a tampa não voar, e entendi que os pescadores estavam arranchados.Com o céu todo fechado, ameaçando chover por mais um pedaço, decidi não prosseguir até o Sítio Mutamba naquele dia.Aproveitando de uma breve estiada, puxei da canoa apenas o essencial para passar a noite e, com duas viagens, levei tudo pro alto do barranco.

Me apresentei aos dois pescadores, que de antemão não conhecia, e pedi licença para me arranchar junto com eles. Logo me ofereceram um café, como bem-vindo.Chico, paraibano de Coremas, foi morar em São Rafael há mais de dez anos. Casou, procriou e vive pescando. É ele o dono da pescaria, que paga a diária e a alimentação do ajudante. Quando o isopor fica cheio de peixe, ele liga com o celular para um cunhado que, numa canoa a motor, vem buscar o pescado e traz gelo e comida.Nos últimos anos, popularizou-se muito, entre os pescadores da região, um motor para canoa chamado "rabeta". Isto, mais a comunicação pelo telefone celular, foram as maiores mudanças tecnológicas na pesca no Vale do Assu, depois da chegada da linha de náilon.Gerson, o outro pescador, é um garotão de São Rafael, com vinte e poucos anos, do tipo taciturno. Tudo o contrario de Chico, que seguiu puxando conversa comigo. Ele disse que já me viu muitas vezes remando por aí. "A gente vê essas suas canoinhas a uma légua de distancia. Elas ficam como fossem brilhando, de longe". Aí, eu contei que estava indo pro Sítio Mutamba e que de lá ia percorrer uma trilha até uma pedra pintada. Como todos os moradores da região, quando me conhecem, os dois pescadores também me acharam meio maluco, ma eu já estou acostumado e não digo nada.

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Conversando e tomando café, fui armando meu abrigo para a noite. Do lado da chuva e do vento, estiquei bem a lona até quase no chão, e do outro lado a deixei menos inclinada, feito uma varandinha. Armei a rede e, finalmente, troquei a roupa molhada por seca.A noite foi entrando sem que a chuva parasse.Por volta das seis horas, os dois pescadores foram, por baixo de uma chuva fina, recolher umas redes postas de manhã. Eu me propus a preparar uma boa sopa para a volta deles e pedi emprestado um caldeirão.Simplesmente, eu inventei de utilizar a buchada da Marlene para dar sabor a uma sopa de batata e macarrão "avemaria". Eu refoguei as batatas em cubinhos na "graxinha", enquanto cortava em tiras finas o bucho que embrulhara a iguaria. Misturei tudo bem, acrescentei um tanto de água e deixei cozinhar por uma meia hora. O macarrão miudinho coloquei só na última hora, quando os pescadores chegaram. Todos nos servimos duas vezes e o garotão, guloso, raspou a panela.Terminado de jantar, deitamos em nossas redes e dormimos. Caiu chuva a noite inteira, variando de intensidade, ma sem parar.

¹ "Nomes da terra" de Luis da Câmara Cascudo Ed. Sebo Vermelho - Natal RN

3º dia de expediçãoÀs 4h, o despertador do celular de Chico tocou. A musiquinha era aquela que todo o mundo conhece, da "Ligação a cobrar". Estava chovendo, praticamente sem parar, das três da tarde do dia anterior.Com uma faxina e uma isca secas, guardadas por esse fim, Chico acendeu facilmente o fogo e colocou logo para ferver a água do café. Depois, começou a refogar no caldeirão os temperos de um feijão com carne-com-osso, que iria cozinhar lentamente e ficar pronto pro almoço.Resmungando, o outro pescador se levantou da rede só quando sentiu o cheiro do café.Tomado o café, já por baixo de uma chuva fininha, que prometia findar-se em breve, os dois pescadores foram pro serviço: recolher umas redes ali e colocar umas outras acolá.No quebrar da barra, me levantei eu também. Tomei duas xícaras cheias de café quente e fui dar uma caminhada no mato.O sertão todo verde, encharcado de água depois de tanta chuva, é um espetáculo raro.

Enfim, tinha parado de chover e o céu, aos poucos, ficou todo azul. Uma multidão de passarinhos saiu voando e cantando pelos ares. Aproveitei para tirar um bocadinho de fotografias.Tomado outro café, desmontei minhas coisas e desci para a margem. Retirei toda a carga da canoa, para pode-la emborcar no seco e consertar o dano. O rombo na fibra, com uns dez centímetros de comprimento por um de largura, tinha-se aberto por baixo da cãmara estanque de proa. Isso evitou que a canoa embarcasse muita água. Com varias camadas de silver tape, fiz um conserto resistente e à prova de água. Desvirei a canoa e coloquei toda a carga de novo no lugar.Satisfeito, tomei banho no rio e me preparei para a remada até o Sítio Mutamba: vesti calças compridas, camisa de mangas compridas e chapéu de palha, para proteger-me bem dos raios solares.Como é meu costume, voltei uma última vez para o local de acampamento, para ver se não tinha esquecido alguma coisa, ou perdido algo no meio do caminho.Não tendo mais café pronto, me servi uma caneca cheia de caldo de feijão, uma dose de energia pura, para remar com boa vontade até o Síto Mutamba.Retornei à canoa. Os dois pescadores tinham acabado de encostar o bote na margem e estavam logo transferindo os peixes para a caixa térmica.Chico me viu vestir o colete salva-vidas e logo falou:"Oxente! Tu tá já indo embora? Eu coloquei dois pedaços de carne-com-osso no feijão pra você, home!"."Não vai dar pra mim", expliquei. "Preciso ir agora pro Sítio Mutamba, pois com as chuvas de ontem e anteontem já acumulei um dia inteiro de atraso". E acrescentei: "Muito obrigado por tudo. Foi bom lhe conhecer, pegar juntos tanta chuva num dia só. A conversa também foi muito boa. Agora que nos conhecemos, o primeiro passo para virar amigos está dado".Empurrei toda a canoa na água e procurei minhas luvas, por baixo do banco."Peraí... peraí! Leva um peixe então", ele disse, e meteu a mão no isopor, puxando uma tilápia desse tamanho.Ao redor dessa curva, acabou formando-se um

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amplo baixio, cheio de perigosos tocos de troncos de um antigo e vasto carnaubal, naquela que devia ter sido uma característica várzea, antes da construção da barragem ARG.A presença de dezenas e dezenas de tocos semi-submersos, entre outros tantos, que se erguem acima da água, dá a mesma sensação de estar num campo minado.Quando a bordo tem dois remadores, é responsabilidade do proeiro ficar atento com tudo o que vem pela frente, por baixo e fora da água. Na canoagem solitária, o único remador deve redobrar os cuidados e aprimorar sua c o m p e t ê n c i a , p a r a c o n s e g u i r l i d a r prontamente com todo tipo de dificuldade. Manter alto o padrão de segurança, geralmente, permite evitar a ocorrência de acidentes graves.Com a superfície da água apenas encrespada por uma brisa favorável, soprando do Leste, guardei meu remo habitual, puxei o remo SUP e me levantei em pé. Logo meu campo de visão ficou muito mais amplo.Desde 2014, estou praticando a "open canoe stand up paddle", a qual nada mais quer dizer que "remada em pé na canoa". Na onda do SUP Surf, sempre mais popular nas praias brasileiras, comecei a fazer experiencias com remos de vários comprimentos, primeiro em águas paradas e, depois, entre as marolas também. Atualmente, meu remo SUP mede 185 centímetros pelo metro e setenta que tenho de altura.Afinal, me saí muito bem no desafio do campo minado. Av istando com considerável antecedência os tocos perigosos, deixei para trás todos os obstáculos, sem correr risco algum, em pouco mais de meia hora. Voltei a remar sentado. Parei para tirar umas fotos entre os galhos cinzentos do esqueleto de uma grande arvore, que ficou submersa por décadas. Aproveitei para comer duas bananas e um punhado de castanhas de caju.Remei por mais uma hora e cheguei nas proximidades do Sítio Mutamba, mas ainda muito longe da vila. Com o nível do rio tão baixo, a parede de um antigo açudeco tinha voltado à tona, formando um espelho dágua, com uns trezentos metros de largo e quinhentos de comprimento, ao qual as canoas motorizadas da vila não tinham acesso. Três delas estavam atracadas do lado de fora. Um homem que estava pescando na ribeira, com uma vara de

bambu, me disse: "Tem uma passagem para canoas pequenas, que foi aberta ao lado da parede. Só vai vê-la quando chegar mais perto".Assim, fui avançando com todo cuidado, naquelas águas pouco profundas e cheias de pedras, até a parede do açudeco. Dobrei para esquerda e, enfim, vi a passagem estreita e sinuosa, que dava acesso ao espelho dágua. Com duas manobras consegui passar pro outro lado e seguir até o local onde estavam atracadas umas tantas canoas à remo.Na sombra da latada, estava sentado o Velho Tomaso, fumando um cigarro fedorento, de uma marca desconhecidas, dessas que se encontram à venda só nas feiras interioranas. Ele me ensinou um caminho novo para chegar a pé até o Campo Mocó, sem precisar dar toda a volta em canoa. Tentei me organizar para levar minhas coisas até o local do acampamento em apenas duas viagens, mas não consegui e tive que ir e voltar três vezes. Emborquei a canoa no seco e guardei os garrafões de água, os remos e outra tralha, por baixo dela. Temendo chuva pela parte da tarde ou à noite, escolhi um grupo de três arvores de porte médio para armar a lona azul em modo que minha rede e a cozinha de campo ficassem enxutas em caso de mau tempo. Arrumei quatro pedras, catei um pouco de lenha seca e acendi um fogo pequeno. Depois de um bom café, me dediquei a preparar o peixe ensopado. Às quatro horas, fui caminhando até a vila, só para avisar meu amigo Josemar que estava acampado nas suas propriedades.Como sempre, ele me chamou para me aboletar na casa dele e, como sempre, eu declinei o convite, explicando que meu maior gosto é dormir por baixo de uma arvore, ao ar livre. Na vendinha de Seu Gerardo, comprei um pacote de bolacha amanteigada, para levar na caminhada do dia seguinte. Voltei pro acampamento, enquanto o Sol ia se pondo atrás da Serra das Pinturas. Comi todo meu peixinho ensopado, servindo-me do caldo na caneca. Lavei a panela, o prato e a caneca com um pouco de água de beber, para não deixar o cheiro de peixe pairando no ar a noite inteira.Deitei na rede, mas não dormi logo. Por volta das oito da noite, nuvens negras, carregadas de chuva, passaram no horizonte, entre relâmpagos e raios assustadores, mas mantiveram-se a distancia. Não choveu aquela noite no Campo Mocó, e eu dormi bem que só, sozinho no meio do nada, fazendo parte do tudo.

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Alimentação e conservação de alimentos

durante uma expedição em canoa

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Apesar de não ser uma prática esportiva de extrema intensidade, a canoagem turística, de lazer, ou aventura, demanda um consumo de muita energia, que deve ser constantemente reposta, na forma de alimentos, ao longo dia (café da manhã, lanche, almoço, merenda e jantar) . Ex istem muitos l ivros sobre alimentação durante as atividades ao ar livre, escritos por especialistas do setor, dos quais recomendamos a leitura a todos, para aprofundar o entendimento.Aqui vai apenas um compêndio das soluções práticas, que adotamos durante nossas aventuras em canoa no Vale do Assu. Algumas delas são fundamentadas em costumes característicos da tradição e cultura local, inclusive a indígena, outros são frutos da experiência pessoal.A praticidade na cozinha ao ar livre tem um papel fundamental, assim é melhor deixar para outra ocasião as comidas de preparação complexa ou que necessitem de utensílios especiais. Para aprontar uma refeição completa, devemos organizar-nos para pôr no fogo um máximo de duas panelas e, ainda assim, dar a preferência para as receitas que utilizem uma única panela.

Geralmente, na cozinha de campo IGARUANA, utilizamos uma segunda panela apenas para o cozimento do arroz, enquanto na panela principal (caldeirão, panela de pressão, ou wok) cozinhamos o peixe ensopado, o feijão com linguiças, o frango com legumes etc.Exemplos de comida feita usando uma única panela são as sopas, os risottos e algumas macarronadas.Os alimentos secos, que constituem a base de nossa alimentação ao ar livre, são poucos, mas bons: arroz, macarrão, feijão, lentilha, farinha de mandioca, biscoitos, bolachas, milho para cuscuz e, porque não, milho para pipoca.Muitos vegetais comestíveis (entre os quais, raízes, hortaliças e frutas) conservam-se em local fresco e seco, sem necessidade de ser refrigerados. Estocados numa capaz caixa de isopor, conservam-se um bom tempo, tendo a gente o cuidado de vigiar diariamente o estado dos vegetais, selecionando para o uso os alimentos mais maduros e, eventualmente, descartando alguma fruta ou verdura, que se tornou imprestável.Os alimentos e temperos frescos que geralmente costumamos levar são: alho, batata doce, batata inglesa, cebola branca, cebola roxa,

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cenoura, jerimum, pimentão verde, repolho; e as frutas: abacaxi, banana, laranja, maçã, mamão, melancia, uva. Fora os produtos da época.Os ovos de galinha, em local fresco e seco, conservam-se bem por até 30 dias. Na característica embalagem, os ovos ficam resguardados contra a quebra e podem ser estocados a bordo, juntos com os outros alimentos. Quando vazia, a embalagem picotada é uma ótima isca para acender o fogo. Duros, fritos, mexidos, feitos omelete, ou tortilla, consumidos com pão, cuscuz, arroz, salada, os ovos, de preferência "orgânicos", são alimento para toda hora. Os ovos de pata, um pouco maiores, com sabor mais forte e gema bem alaranjada, são também uma boa opção.O salame e alguns tipos de queijo não precisam de ser refrigerados. Eles podem ser embrulhados em papel-toalha, ou mesmo um saco de papel para pão, que fica absorvendo o "suor" deles, e depois no papel manteiga, conservando-se por mais de uma semana.Ótimo no café da manhã e perfeito para fazer um sanduíche na hora do lanche, o pão de forma integral se conserva bem por algumas semanas, com cuidados mínimos.A farinha de mandioca, elemento tradicional da agricultura e alimentação nordestina, desde a pré-história, é ingrediente básico de algumas preparações típicas, que muito se prestam para ser consumidas durante nossas aventuras: a paçoca, o pirão e a farofa.Uma boa opção de proteína animal fresca, durante uma expedição em canoa, é o pescado. Para quem gosta de peixe, geralmente não é dif íci l comprá-lo bem fresquinho dos pescadores locais, quase sempre já tratado. Basta apenas temperá-lo e cozinhá-lo a prazer: assado, ensopado ou frito.Fontes de proteína animal, que não precisam ser refrigeradas, estão disponíveis às dezenas em cada mercadinho. Em sua maioria, esses produtos são enlatados, com anos de prazo de duração, e outros, salgados ou defumados, embalados a vácuo, conservam-se por longo tempo. Sempre carregamos em nossa despensa de bordo umas tantas latas de sardinha e atum, boas na hora do lanche, ou para preparar o molho de uma macarronada. Uns pacotes de algum embutido defumado resolvem com facilidade os problemas de quem não consegue fazer a menos da carne por al-

guns dias. Linguiças defumadas de porco, ou frango, podem ser refogadas na frigideira juntos com as hortaliças, ou dar gosto a um saboroso risotto.Enfim não podemos esquecer de citar uns alimentos, de fácil consumo e conservação, que sempre levamos em nossa despensa: azeitonas, da verde e da preta, uva passa, castanhas de caju, mel, e rapadura; energia pura para um lanche rápido, durante uma remada ou uma caminhada.Para conservar por vários dias, durante uma expedição em canoa, carnes frescas, ou congeladas, e outros produtos de origem animal (linguiças, presunto, queijo, mortadela etc. ) , que precisam ser refr igerado, aprimoramos uma técnica que garante ótimos resultados.Basicamente, a ideia consiste em dividir os alimentos, que serão consumidos a cada dia, e estoca-los separadamente em caixas térmicas, abertas só na data apropriada. Em cada caixa de isopor, uma pedra de gelo de bom tamanho vai manter os produtos refrigerados até cinco ou seis dias. Cada caixa contem os alimentos que serão consumidos ao longo de um dia. Por exemplo, vamos dividir as vinte linguiças que compramos, colocando uma dúzia pro feijão do segundo dia na caixa nº2 e as oito restantes, pro risotto do quarto dia, na caixa nº4. As sobrecoxas de frango, para o almoço do terceiro dia, vão ficar na caixa nº3. Queijos e embutidos para cafés da manhã e lanches são d i v i d i dos em porções e guardados separadamente um pouco em cada caixa.A tampa de cada caixa é selada com fita adesiva para evitar uma abertura involuntária. As caixas devem ser mantidas em local fresco e sombreado. Descobrimos que, a bordo da canoa, é uma boa ideia proteger as caixas com um painel refletor, tipo aqueles dos para-brisas de carro, que desvia o calor dos raios solares.Em todas as caixas de isopor, fizemos um furinho para drenara a água, que se forma no fundo, pelo lento derreter-se do gelo. Durante a navegação, os furos ficam tampados, depois, à noite, a gente põe as caixas térmicas para fazer xixi na areia.Uma vez aberta, uma caixa térmica dessas ainda mantém o frio por um período de 36/48h, podendo ser utilizada para guardar sobras, temperos verdes, água para gelar.

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Em canoagem solitária, minha tendência é simplificar. Dispenso o gelo e uso apenas duas caixas de isopor, de tamanho médio. Numa vão todos os vegetais, na outra: queijo, salame, ovos, às vezes um pedacinho de carne-de-sol, comprada na feira, ou um peixinho, recém pescado. Fico satisfazendo o instinto de comer carnes quando paro em algum canto onde servem comida, aproveitando ademais para degustar umas iguarias da cozinha regional. Pelo resto, acho pão com queijo e azeitonas um almoço leve, perfeito para seguir remando logo depois, e arroz com lentilha, ou uma macarronada com atum, um jantar completo. Dia sim, dia não, como uns ovos, mexidos ou feitos omelete, com pão ou arroz. Batata doce cozida é boa à toda hora. Por baixo do céu cheio de estrelas, um tucunaré ensopado com pirão é um manjar de príncipe das "Mil e uma noites sertanejas".E agora basta de falar em comida, porque fiquei com fome!

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Também conhecido como caracará, carancho, caracaraí (Ilha do Marajó) e gavião-de-queimada, o carcará não é, taxonomicamente uma águia, e sim um parente distante dos falcões. Ocorre em campos abertos, cerrados, borda de matas e inclusive centros urbanos de grandes cidades.

CaracterísticasMedindo cerca de 56 cm da cabeça a cauda e 123 cm de envergadura, o carcará é facilmente reconhecível quando pousado, pelo fato de possuir uma espécie de solidéu preto sobre a cabeça, assim como um bico adunco e alto, que assemelha-se à lâmina de um cutelo; a face é vermelha. É recoberto de preto na parte superior e possui o peito de uma combinação de marrom claro com riscas pretas, de tipo “carijó”; patas compridas e de cor amarela; em voô, assemelha-se a um urubu, mas é reconhecível por duas manchas de côr clara na extremidade das asas.

AlimentaçãoNão é um predador especializado, e sim um generalista e oportunista assim como o seu parente próximo, o carrapateiro (Milvago chimachima). Onívoro, alimenta-se de quase tudo o que acha, de animais vivos ou mortos até o lixo produzido pelos humanos, tanto nas áreas rurais quanto urbanas. Suas estratégias para obtenção de alimento são variadas: caça lagartos, cobras, sapinhos e caramujos; rouba filhotes de outras aves, até de espécies grandes como garças, colhereiros e tuiuiú (Jabiru mycteria); arranha o solo com os pés em busca de amendoim e feijão; apanha frutos de dendê; ataca filhotes recém-nascidos de cordeiros e outros animais. Também segue tratores que estão arando os campos, em busca de minhocas. É muito comum ser avistado ao longo das rodovias para alimentar-se dos animais atropelados. Fica nas proximidades dos ninhais para comer restos de comida caídos no chão, ovos ou filhotes deixados sem a presença dos pais. Chega a reunir-se a outros caracarás para matar uma presa maior. É também uma ave comedora de carniça e é comumente visto voando ou pousado junto a urubus pacificamente, principalmente ao longo de rodovias ou nas proximidades de aterros sanitários e locais de depósito de lixo. Dois hábitos pouco conhecidos são a caça de crustáceos nos manguezais (seja entrando na água para abocanhar os que estão perto, ou percorrendo o mangue a pé, na maré baixa) e a “pirataria” (o fato de perseguir gaivotas e águias-pescadoras (Pandion haliaetus), forçando-as a deixar a presa cair, que apanha em voo).

ReproduçãoConstrói um ninho com galhos em bainhas de folhas de palmeiras ou em outras árvores. Usa ninhos de outras aves também. Os dois ovos brancos manchados de marrom-avermelhado são incubados durante 28 a 32 dias, com o filhote voando no terceiro mês de vida.

HábitosVive solitário, aos pares ou em grupos, beneficiando-se da conversão da floresta em áreas de pastagem, como aconteceu no leste do Pará. Pousa em árvores ou cercas, sendo freqüentemente observado no chão, junto à queimadas e ao longo de estradas. Passa muito tempo no chão, ajudado pelas suas longas patas adaptadas à marcha, mas é também um excelente voador e planador, costuma acompanhar as correntes de ar ascendentes. Durante a noite ou nas horas mais quentes do dia, costuma ficar pousado nos galhos mais altos, sob a copa de árvores isoladas ou nas matas ribeirinhas.Para avisar os outros carcarás de seu território ou comunicação entre o casal, possui uma chamado que origina o seu nome comum, “caracará”. Nesse chamado, dobra o pescoço e mantém a cabeça sobre as costas, enquanto emite o som (algumas espécies de aves de rapina tem o mesmo habito de dobrar o pescoço para trás quando emitem som).

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Distribuição GeográficaPossui uma distribuição geográfica ampla, que vai da Argentina até o Sul dos Estados Unidos, ocupando toda uma variedade de ecossistemas, fora a cordilheira dos Andes.Sua maior população se encontra no sudeste e nordeste do Brasil.

Carcará

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constrói todas as canoas das expedições e muitas outras...

IGARUANA

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