igaruana #7

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07 2015

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Expedições em canoa canadense e aventuras na natureza [nesta edição: Todo o cuidado é pouco, Expedição filosófica, A mandioca na Pré-historia do Brasil, Remadas noturnas e mais...]

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Page 1: Igaruana #7

Nº072015

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07/2015Nº

nesta edição

Memórias de liberdade.........................................pag. 03

Todo cuidado é pouco............................................pag. 04

A mandioca na Pré-historia do Brasil.............pag. 08

Galeria fotográfica..................................................pag. 10

Expedição filosófica.................................................pag. 12

Receita: Tortilla de abobrinha e cebola...........pag. 18

Remadas noturnas..................................................pag. 20

Todos os textos e as imagens, salvo quando especificadodiferentemente, são de autoria de Jack d’Emilia.

foto da capa: Tito Rosemberg

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Memórias de liberdade

Em 1928 o explorador canadense R. Clouthier relatou sua expedição de duas semanas em canoa através a província de Quebec da seguinte forma:"Não foi nada senão o chamado da natureza, o amor pelo espaço aberto, a atração pela selvagem e deserta floresta, que parece dormente no coração de toda e qualquer pessoa, e para o qual todo verdadeiro homem deve responder.Ninguém consegue definir a atração às durezas do calor, sede, insetos, longa hora sobre o remo, sob sol ou chuva, portagens por terrenos duros e desconhecidos, e todas as coisas inerentes a viagens semelhantes através de locais pouco explorados.O que então leva alguém a realizá-las?Talvez o charme esteja em magníficos nasceres e poentes do Sol, ou na luta contra as forças da natureza com sua própria força física.Ou talvez seja a calma restauradora das florestas, os horizontes prateados dos lagos, o incrível ruído das corredeiras e quedas d'água.A questão é difícil de ser respondida.

Nós partimos em detrimento a todo o resto, aceitando desde antes tudo o que puder acontecer. Nós partimos e retornamos satisfeitos, mesmo se trouxermos de volta apenas memórias de belos panoramas que tivemos o privilegio de admirar, memórias de deliciosas tardes ao lado de uma fogueira no acampamento, escutando as misteriosas vozes selvagens.Memórias de liberdade que vivemos longe dos tentáculos da civilização".

Texto extraído e traduzido de "From Maniwaki to Angliers by way of BarrieÌ and Grand Lake Victoria Posts: Being the account of a 300-mile canoe trip along the Upper Ottawa River, in the province of Quebec".

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Todo cuidado é poucofo

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Ao imaginar uma aventura na Natureza no sertão brasileiro, muitas pessoas logo pensam ao contato direto com a vida selvagem e, consequentemente, ao eventual encontro com animais perigosos, sejam eles com garras e dentes afiados ou com presas e ferrões peçonhentos. No Vale do Assu, sertão do Rio

Grande do Norte, teatro das nossas aventuras em canoa, são poucos os animais potencial-mente perigosos, nos quais deparar de verdade.Já não tem mais onças nesta região há algumas décadas . São raras as jaguatiricas e pouco frequentes os avistamentos de guaxinins. Seja o pequeno felí-

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deo que o característico cachorro-do-mato da região vivem no terror de ser caçados e mortos. Ao perceber de longe a presença humana, não perdem tempo e fogem em disparada.A filosofia IGARUANA é de total harmonia com a Natureza. Em relação ao mundo animal, nós agimos com profundo respeito à vida. Em geral, não matamos nenhum bicho, que não seja o peixe que eventualmente pescamos para comer.Ao deparar com qualquer tipo de animal, limitamo-nos a observá-lo e, se for o caso, a fotografá-lo, deixando sempre que siga livre pro seu caminho.Isso também se for um exemplar de alguma espécie potencialmente perigosa, como algumas cobras, os escorpiões, umas aranhas, as abelhas ferozes etc...Algumas famigeradas cobras peçonhentas sul-americanas são também típicas desta região, mas, por quanto pareça impossível, durante nossas muitas aventuras em canoa e a pé no Vale do Assu, desde 2008, nunca tivemos a ocasião de encontrá-las de perto.São elas a cascavel e a jararaca, que pudemos conhecer e observar bem só mortas, ou prestes a ser, pois é costume sertanejo não deixar viva uma ameaça dessa para os familiares e os animais domésticos que andam por ali.Com a exceção da jararaca, mau-caráter e de índole agressiva, todas as cobras às quais deixamos uma via de fuga digna sem ameaça-las, preferem sair de fininho que enfrentar o bicho-homem, que é, afinal das contas, o mais perigoso de todos.Bom, na verdade, isto vale com a maioria dos animais, que geralmente, evita partir pro ataque ao ser humano sem razão, limitando-se, quando não fugir logo, a assumir uma postura defensiva de espera. Isso acontece com maior frequência quando o bicho-homem não manifesta alguma agressividade (visual, vocal ou manual) e deixa bem clara a solução pacifica do caso.Ao longo de muitos anos de vivência diária na natureza, aperfeiçoamos uma pratica de firme não-beligerância com o mundo animal, tendo qualificado positivamente os resultados obtidos com nossa atitude em todos os campos.Teríamos uma série quase infinita de anedotas para contar sobre este mútuo respeito instaurado com a bicharada, mas vamos deixá-las para outra ocasião.Além disso, naturalmente, para conter ao míni-

mo as situações criticas é muito importante ter todo o cuidado para evitar os encontros acidentais, que, às vezes, põem gente e bicho em situações extremas, das quais ambos não sabem como sair.É bom entender que é quase sempre em seguida a encontros casuais e imprevisíveis que o acidente infausto pode acontecer.Por isso vamos elencar agora algumas precauções básicas que ajudam a prevenir os acidentes graves durante nossas expedições.• Olhos sempre bem abertos! ...e ouvido atento, também! Preste sempre muita atenção por onde anda, onde senta ou mete as mãos. De vez em quando, pare um momento e escute os barulhos da natureza. Afine a sensibilidade dos seus sentidos. Observe. Escute.• Sacuda bem seus sapatos antes de calçá-los novamente. Faça o mesmo com toda a roupa, antes de vestir-se. Vire as meias ao avesso para examina-las e bata as luvas de tecido que usamos quando remamos. A aranha marrom (brown spider, ou também banana spider, no Exterior) adora ficar nos sapatos alheios. Olhe dentro do seu chapéu também, antes de colocá-lo na cabeça. Nunca se sabe o que pode conter. De repente, você vai achar um pequeno escorpião³, curioso e indiscreto.• No acampamento, depois de montada, mantenha sempre bem fechada a barraca. Bata sempre a rede antes de deitar nela e sacuda lençóis e cobertores antes de usá-los.• Nas trilhas, use o sapato apropriado para pisar com total segurança em terrenos acidentados. Sugerimos botas ou tênis de cano alto, solado grosso e antiderrapante. Quando achar necessário, utilize também luvas de couro para proteger as mãos. Não esqueça que algumas arvores e outras plantas típicas da caatinga estão cheias de espinhos.Uma bengala, também se improvisada com uma vareta ou um pedaço de pau, se revela muito útil nas caminhadas. Use-a também para percutir as pedras que encontrar no meio do caminho. Uma cobra entocada pouco distante perceberá as vibrações geradas pelas batidas e ficará escondida.• Não deixe restos de comida espalhados no acampamento depois das refeições e guarde bem fechados todos os mantimentos. À noite, enquanto nós dormimos, muitos animais silvestres procuram seu alimento.

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Se der bobeira, eles fazem a festa.• Não desafie nem brinque com bichos, até os domésticos que não conhece. Nunca se pode prever qual será a reação do animal.• Afaste-se rapidamente ao localizar ou apenas perceber a presença de uma colmeia, sempre protegida por abelhas guardiãs, que o seguirão ameaçadoramente até uma boa distancia. Não reaja : s implesmente, se afaste rapidamente do local. Algumas espécies de abelhas ferozes são umas das exceções citadas acima: para defender a colmeia, elas estão dispostas a morrer, cravando seus ferrões na vitima incauta. O ataque de um enxame numeroso pode se transformar num acidente grave, com consequências sérias e urgentes cuidados médicos.• Fique longe dos formigueiros e tome cuidado com todos os pequenos seres que andam aos seus pés. A mordida da formiga vermelha é muito dolorosa e a dor persiste por horas. Nunca ande descalço, principalmente à noite, quando não vê onde mete os pés.• Fique bem atento aos avisos de algum perigo imediato que receber. Por sua maior segurança, faça logo o que lhe for sugerido pelos membros mais experientes da expedição.

Acostumando-se a praticar essas precauções básicas, você, como todos os outros IGARUANA, anteriores, presentes e futuros, vai ter só boas recordações de suas inesquecíveis aventuras em canoa no Vale do Assu.Com certeza!

Notas

¹ Nas cercanias de São Rafael, em proximidade da foz do rio Serra Branca, existe uma Pedra da Onça no alto de um rochedo, chamada assim ainda hoje pelos pescadores locais porque uma reentrância no alto dela já foi no passado morada de alguma onça, um bicho chamado feroz, que foi exterminado pelo pacificador ser humano.

² A jararaca é uma cobra temperamental que não tolera visitas inesperadas. Se entrar no território dela, a jararaca se ergue ameaçadora e vem pra cima. O veneno dela é poderoso: em caso de acidente é fundamental correr pro hospital mais perto. Não por nada, a jararaca destaca-se no topo da lista de acidentes com cobras peçonhentas no Nordeste.No Seridó conta-se que Agosto é o mês do "namoro" das cobras! Nesta época é mais fácil encontra-las, seja de dia que à noite, manifestando-se, até parece, com maior agressividade.

³ Sem considerar as formigas, que na Caatinga ocupam aos milhões cada quilometro quadrado de chão, onde for que seja, o escorpião amarelo é o bicho peçonhento que mais facilmente poderemos encontrar durante nossas aventuras. A ferroada é dolorosa, mas geralmente sem consequências sérias

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A agricultura nas Américas é muito antiga, tendo-se desenvolvido a partir de cultivos locais e métodos próprios e não importados do Velho Mundo, como erradamente alguns arqueólogos afirmaram. Deve ter surgido de um processo lento de observação e de praticas milenares independentes, assim indica a variedade de plantas americanas cultivadas, completamente diversas das do Velho Mundo, tanto elas próprias como as formas de cultiva-las. É possível mesmo, que já se conhecessem algumas formas de cultivos incipientes na América a partir do sétimo milênio BP. Espécies cultivadas de milho aparecem no quarto milênio. No Nordeste do Brasil a agricultura pode ter começado no terceiro milênio, com agricultores incipientes em pequenas roças de subsistencia.O binômio clássico, que carateriza as culturas neolíticas do Velho Mundo, agricultura-pastoreio, no qual o gado aduba a terra, renovando sua capacidade produtora e proporcionando ao mesmo tempo o complemento protéico através do leite e da carne, não se realizou no Brasil.A divisão "caçador-coletor-nômade" e "agricultor-pastor-sedentário" do Velho Mundo não é valida para América.Na América do Sul, o homem pré-histórico, até nas sociedades agricultas mais organizadas, nunca deixara de ser caçador, como imperativo imposto para a obtenção de proteínas; com exceção das altas culturas andinas, sera sempre semi-nômade por causa do rápido esgotamento das terras não adubadas.O nomadismo ou semi-nomadismo do índio pré-histórico nordestino, sempre atrás de caça e abrindo novos campos de cultivo, foi um dos fatores determinantes da sua estrutura pré-urbana o do seu desinteresse na construção de moradias estáveis.Dos tres cultivos básicos da agricultura primitiva americana, o milho, o feijão e a mandioca, a ultima foi o cultivo principal na Amér ica do Su l t rop ica l . Or ig inar ia provavelmente da Amazônia Colombiana, a mandioca com suas duas variantes "amarga" ou " brava" (Manihot esculenta, Manihot utilissima) e "doce" (Manihot aipi) foi o alimento básico da grande parte das populações pré-históricas do Brasil, desde a Amazônia até a região subtropical, onde o milho teve maior importância.A mandioca, planta da família das euforbiáceas,

forma grossos tuberculos radiculares ricos em amido. O acido cianídrico, que pode fazer da mandioca um produto mortal, é muito volátil e fáci l de se el iminar por evaporação. Basicamente o tratamento da mandioca consiste em se retirar a casca do tubérculo que é imediatamente ralado e transformado em polpa, depois de prensado para a retirada do liquido venenoso. Na região amazônica a polpa era espremida no característico "tipiti", engenhoso objeto ainda hoje utilizado, porém não parece ter sido usado entre os indígenas do Nordeste, que deviam espremer a mandioca entre folhas de palma sobre um cocho de madeira.Depois de bem espremida, passa-se a polpa por uma peneira, para que fique solta e, finalmente, ela è assada sobre uma superfície plana de pedra ou cerâmica para eliminação de qualquer resto de umidade e do acido venenoso. Fragmentos nos sítios arqueológicos de pratos grandes e planos, às vezes com pés, conhecidos como assadores, indicam a presença de grupos cultivadores desse tubérculo.A farinha de mandioca, já pronta para consumo, quando bem guardada conserva-se durante muito tempo. O liquido esbranquiçado restante do espremido da polpa, é recolhido num vasilhame e deixado em repouso. Deposita-se no fundo, por decantação um pó muito fino chamado goma. O acido evapora-se e eliminado o liquido depois da decantação, conserva-se durante dias inalterável, se for coberto com água limpa, mesmo em clima muito quente. Com a goma peneirada se faz sobre assadores de pedra ou cerâmica, uma torta fina de agradável sabor: é o beiju, verdadeiro pão indígena, ainda hoje popular no Nordeste.A mandioca tem um ciclo vegetativo de nove meses, porém, em compensação, pode continuar na roça, sem ser colhida, até dezoito meses, de forma que pode ser coletada durante nove meses, dependendo da necessidade. Quando uma plantação esta acabando, a seguinte pode começar a ser coletada.Dessa forma o ciclo nunca se encerra e não è necessário acumular grandes quantidades do produto em depósitos.A mandioca doce ou macaxeira, mais conhecida no Sul como aipim, ao contrario, tem o ciclo vegetativo mais curto, não precisa de especiais manipulações para ser consumida e pode ser comida simplesmente assada ou cozida.

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Tem, porém, o inconveniente de não se conservar , devendo ser consumida rapidamente depois de coletada, porque logo endurece e torna-se fibrosa. A farinha de mandioca era o alimento por excelência dos indígenas do Brasil tropical; fácil de conservar e transportar, não é de admirar que, ainda hoje, seja o alimento básico das povoações camponesas nordestinas.Uma bolsa de couro com carne seca moída e misturada com farinha de mandioca, é ainda utilizada atualmente por pastores e caçadores do interior do Nordeste. A mistura, conhecida com o nome de paçoca, sendo a farinha de mandioca, hidrato de carbono puro, complementada com a proteína da carne, é alimento nutritivo perfeito para as grandes caminhadas, fácil de ser carregada, conservada e consumida.

Na paçoca de "seu" Severino Vieira, caçador de mel na caatinga norte-riograndense do Terceiro Milênio, entram outros ingredientes, entre os quais: castanhas de caju trituradas, uva passa, cristais de rapadura e alho torrado.Toda semana, seu Severino, morador do Sitio Santa Rosa, no município de Jucurutu, vai pra feira de São Rafael vender seus produtos (mandioca, mel e umas tantas raízes e cascas de arvores que recolhe durante suas andanças) e compra os ingredientes do seu famoso caldo de mocotó, que cozinha por três dias inteiros antes de ser consumido: "desde tenho lembrança, todo dia ao acordar tomo um copo cheio deste caldo... foi meu pai, Canindé Vieira, que me ensinou a fazer" nos contou o sertanejo oferecendo-nos uma degustação do caldo grosso e forte.

Primórdios da

Agricultura do Nordeste

A mandioca na Pré-historia do Brasil

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Como sempre na noite anterior à saida de uma expedição, não consigo dormir mais que poucas horas. Quando todo mundo esta já no sono mais profundo, eu ainda me levanto de vez em quando da rede ao lembrar-me de algo importante ou nem tanto, mas que não quero esquecer de carregar comigo e vou lá ver se já coloquei o tal objeto na caixa ou saco certo. Se não tenho outras preocupações, invento até de cozinhar um feijão para levar já pronto. Quando finalmente consigo ficar quieto, na maioria dos casos o dia ameaça amanhecer a qualquer hora e os galos andam cantando nos quintais das casas vizinhas. Às 5h em ponto, enquanto acendia o fogo por baixo da água do café, apareceu Valdo para me ajudar a levar a canoa e toda a tralha à beira-rio. Para esta expedição utilizamos a canoa amarela A2. Na últimissima hora, o segundo inscrito à expedição adiou sua participação para outra vez; de qualquer forma a gente, não querendo perder a ocasião, acabou saindo apenas em dois para mais uma aventura em canoa na Natureza, remando sobre as águas do rio Piranhas/Açu, sertão do Rio Grande do Norte.Dada a ausência do segundo participante, ficou também na base IGARUANA do Sitio Araras um dos meus valiosos ajudantes, Valdo, escalado para esta expedição. Sobrou bastante serviço pra mim, afinal, mas isso também faz parte do jogo.Carregada a canoa, dei as últimas indicações úteis ao único participante da expedição e zarpamos por volta das 6h e meia.Não apenas saimos da baia abrigada onde fica o porto das canoas dos pescadores, o vento se manifestou com toda sua exuberância e logo começamos nossa aventura remando contra as forças da Natureza.Stefano, 42 anos, um italiano que mora no Brasil há alguns anos, remou pela primeira vez na vida nesta expedição IGARUANA; apesar de não ter uma boa técnica de remada, ele conseguiu dar conta do recado igualmente, enfrentando em duas ocasiões vento contrario e altas marolas parecendo um experiente canoeiro.Céu azulão e nuvens brancas em movimento rápido, até a Itatinga fomos encarando o rio-mar pulando e deslisando de uma marola pra outra o tempo inteiro. Divertido mas cansativo: custou quase duas horas chegar até a enseada por baixo da grande pedra branca do topo da qual é possível ter uma boa visão da região.

A parada na Itatinga é praticamente obrigatória em cada expedição. Do Sitio Araras até lá eu fico estudando cada canoa e seus tripulantes, conferindo a distribuição do peso e o comportamento das pessoas. Nesta primeira parada, eu posso distribuir diferentemente a carga se for necessário e dar alguma sugestão pro pessoal.Cada dupla de remadores precisa aprender a agir conforme sua posição na canoa. O proeiro, além de motor propulsivo, representa a visão da canoa. Ele deve enxergar eventuais obstáculos, como pedras e tocos de madeira submersos, em tempo útil para evitar uma perigosa colisão. Já quem está a popa da canoa é o jacumá: além de motor propulsivo, ele usa seu remo como leme para governar a canoa, corrigindo a rota quando for necessário e esquivando os obstáculos no meio do caminho.A parada aos pés da Itatinga é também o momento certo para um primeiro lanche energético: frutas, castanhas, mel, rapadura.Do alto do rochedo, mostrei para Stefano a foz do afluente Carau, logo abaixo; as serras Branca e Jatoba, delineando-se no horizonte SE, e a Serra das Pinturas, na outra margem do rio. A serra de Jucurutu, distante 45km, parece uma pirâmide de longe.Ao voltar ao remo, o vento baixou de intensidade e seguimos sem outras paradas até as proximidades do Campo O, onde Stefano se declarou exausto, assim que decidimos parar e arranchar. O local é perfe i to como acampamento: na areia fina é fácil montar todas as barracas que quiser e tem arvores suficientes para nossas redes.Stefano abraçou o mais puro estilo IGARUANA e preferiu dormir na rede ao longo de toda a expedição, deixando a barraca e toda outra parafernalia no saco estanque que foi e voltou fechado pro Sitio Araras. Dormir na rede não é pra todo mundo, pois è preciso saber deitar da forma certa para permitir o merecido descanso ao corpo.Com a lona azul e uma corda esticada entre duas arvores criamos uma cobertura por baixo da qual consumimos nossa refeição na sombra.Desde o transfer em ônibus pro sertão, Stefano propôs como temas de conversação assuntos existenciais e metafísicos. Eu aceitei o desafio e assim fomos discutindo ao longo dos dias sobre criacionismo, evolucionismo, deuses, homens e Natureza. Mas também respeito a diferentes

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Expedição filosófica15 a 19 de Junho de 2012

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teorias de conspiração para o controle total do gênero humano: maçonaria, sionismo etc.Depois de cincos dias de dialogo, tudo ficou possível e nada certo.Logo depois do pôr-do-sol, espetacular como sempre, comemos uma sopa de feijão verde e deitamos nas redes. Cansados dormimos logo.Ao raiar do dia levantei e logo percebi que durante a noite nossos mantimentos foram atacados por algum animal que comeu a melancia inteira e mastigou parcialmente duas mangas e o abacate, frutas inocente e descuidadosamente deixadas soltas perto da canoa à beira-rio. Pensei nas cabras, mas quando levantamos o acampamento e estávamos prestes a zarpar, o verdadeiro culpado, um burrinho insolente, apareceu nas pedras e ainda zombou da gente, ralhando alto seu deboche. Que filho-da-mae!Segundo dia sem vento: a superfície do rio parece um espelho escuro. Atravessamos o rio para outra margem e seguimos remando aos pés da Serra das Pinturas até aproximar-se do Sitio Mutamba. Um pescador local veio conversar com a gente e nos contou as novidades enquanto eu preparava o almoço: Zezinho foi deixado pela mulher e passa o dia bebendo; Antônio, já casado e com prole, engravidou outra mulher e foi morar com ela em Jucurutu. Depois da refeição descansamos um pouco e voltamos ao remo para chegar à grande aroeira do Campo M antes do pôr-do-sol.Por baixo dessa grande arvore frondosa já me sinto como se estivesse em casa, talvez melhor. Armamos as redes, acendi o fogo. Primeiro o café, depois o jantar: frango caipira com legumes na panela de pressão. Delicia.O Sitio Mutamba dista poucas centenas de metros , me io qu i l ometro do nosso acampamento. Sábado à tarde. No único barzinho da vila, a galera está bebendo e "ralando o bucho" dançando forró. O barulho da farra se escuta de longe. Quando anoitece tudo para de repente e o silencio volta indisturbado. Boa noite.O amanhecer no Vale do Açu é algo que mexe dentro da gente. De repente, o primeiro clarear muda a noite pro dia, depois aparece o sol no horizonte e toda uma faixa do céu fica da cor do ouro, cor que tinge também a água do rio, deixando o visual inesquecível. São momentos como este que marcam positivamente nossa vida. A expediência, contudo não seja mais uma

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novidade para mim, continua me emocionando bastante. Voltei ao acampamento só depois das 6h. Stefano ainda dorme na rede. Mexi nos restos da fogueira da noite anterior e com uns pedacinhos de lenha acendi o fogo sem precisar de fósforo. Quando o café ficou pronto, apareceu Josimar, agricultor local, para conversar um pouco comigo, pois já viramos amigos. A seca está braba e vai piorar, ele disse. Mesmo assim, com muita boa vontade e aquela valentia tipicamente sertaneja, Josimar levanta todo dia cedo para cortar o capim cultivado na vazante para alimentar seu gado, umas tantas vacas e uns cavalos que me olham suspeitosos por ter invadido a sombra da aroeira. Josimar perdeu quase todo o milho e o feijão plantados pela falta de chuva, mas conseguiu salvar a batata doce.Finalmente Stefano acordou e logo depois ter lhe dado as boas-vindas o agricultor voltou ao trabalho.Domingo preguiçoso: ficamos dialogando até o meio-dia, enquanto o almoço lentamente cozinhava na panela de pressão.Levantado o acampamento, fomos remando pro Sul até a ilha Timbaúba.Do topo do alto penhasco, cheio de cactos espinhentos de cada cor e tamanho, mas que facilmente escalamos, podemos apreciar outra vista panorâmica de extrema beleza: a serra de Jucurutu, agora mais perto, não parece mais

uma piramide; o rio Garganta, afluente do Piranhas/Açu, desce sinuoso numa longa fenda que se abre ao pé da serra; ao Norte, a Serra das Pinturas mostra-nos ainda numa face dela as feridas abertas por uma mineradora em desuso ja faz tempo.Numa velha casa de taipa que existe na ilha estão arranchados dois ou três pescadores de São Rafael que vendem o pescado na feira de Jucurutu. Conversamos um pouco com eles e depois voltamos a remar até uma ilhota pouco distante, onde escolhemos uma bonita arvore verde para almoçar na sombra dela.Depois do almoço, sem descansar muito, voltamos logo a remar para conseguir chegar na Ilha Grande de São Rafael antes do pôr-do-sol.Chegamos mesmo apenas em tempo para escolher o local certo para armar as redes antes do cair da noite. Cansado da remada, Stefano adormeceu sem nem jantar. Eu aproveitei disso para não cozinhar nada pra mim e comer pão com queijo lendo um pouco na rede antes da dormir.Acordamos cedo, mas demoramos para levantar o acampamento. Stefano encontrou no topo do morro vestígios de uma antiga construção e ficou instigadissimo: estudou os alicerces com a minuciocidade do mais atento pesquisador cientifico.Quando enfim, depois de uma hora de remo também, chegamos no porto de São Rafael, o

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estava alto e o dia já bem quente. Caminhamos até a praça da feira, que visitamos sem comprar praticamente nada, pois ainda tínhamos em abundância os mantimentos adquiridos em Itajá no dia anterior à saída da expedição. Na hora do almoço aproveitamos da ocasião para apreciar a comida típica da região: pra mim buchada, enquanto Stefano experimentou o bode guisado, do qual eu também provei um pedacinho. Calmamente voltamos à canoa e remamos atá o Campo E, onde encontramos a ossada de uma vaca morta. Por causa disso, os pescadores deixaram de usar por enquanto o local como rancho: algumas dezenas de metros pra frente uma aroeira nos ofereceu o lugar propicio para parar. Armamos o acampamento e sentamos nas grandes pedras na sombra da arvore continuando nossa elucubrações filosóficas até o anoitecer. Pro jantar preparei: frango caipira, lentamente assado na brasa, com uma salada muito mista.O último dia desta expedição começou chovendo um pouco, mas só para mostrar-nos depois uma série de arco-iris um mais bonito que outro! Inspirado, peguei a maquina fotográfica e fui dar uma caminhada entre as pedras a caça de boas imagens. Voltei ao acampamento quando Stefano estava começando a preocupar-se pela minha ausência. Quando o almoço, que, sempre que posso, gosto de preparar logo cedo de manhã, ficou pronto, carregamos toda a tralha na canoa e fomos remando sem parar até a ilha de Erivaldo, onde Stefano chegou bastante provado. Depois da refeição, ele deitou mesmo na areia onde estava sentado e dormiu mais de uma hora sem se mexer. Enquanto isso o vento Norte começou a soprar com vontade. Às 3 horas e meia, Stefano acordou e, como nos pareceu que o vento começasse a diminuir de intensidade, voltamos ao remo; mas, justamente, logo quando nos afastamos da ilha, o vento recomeçou a soprar com força. Lutamos contra o vento quase uma hora inteira para conseguir manter nossa rota sem arriscar virar a canoa no meio de tantas marolas desordenadas. A dois quilômetros de distancia do Sitio Araras, o vento baixou de vez e finalmente chegamos cansados, mas alegres, à base IGARUANA antes do pôr-do-sol, que admirei deitado na rede por baixo do imbuzeiro.

É raro voltar de uma expedição IGARUANA sem ter aprendido algo de novo, também tendo navegado na região dezenas de vezes. O fato é que cada aventura em canoa é uma experiencia nova e diferente que inevitavelmente esconde pelo menos um aspecto surpreendente e desconhecido até então. Viva a aventura!

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Uma "tortilla" (em italiano: frittata) é um prato popular da gastronomia de muitas culturas, fácil de fazer e comer, uma alternativa à proteína animal das carnes, ótima para variar o cardápio.Por tradição, uma tortilla pode ser consumida tanto quente, no almoço ou na janta, com arroz e uma salada mista, quanto fria, cortada em pedacinhos, como petisco.Em acampamento, no café da manhã uma tortilla é uma opção diferente aos ovos mexidos; Durante uma expedição ou outra viagem, uma fatia de tortilla, entre duas de pão, é um lanche perfeito a ser consumido no meio do caminho com gosto e sem muitas complicações.A tortilla, preparada com antecedência e deixada resfriar, fica muito gostosa e com uma boa consistência. Com uma tortilla de quatro ovos dá para preparar quatro ou até cinco sanduíches para uma merenda no meio de uma remada ou uma caminhada por alguma trilha.Ingredientes: 4 ovos, 1 abobrinha, 1 cebola branca, 3 colhe-res de azeite de oliva, 1 pitada de cominho, sal.

Para um bom êxito na preparação de uma tortilla, o fator mais importante é uma frigideira de boa qualidade, de preferência antiaderente.Esquentar o azeite na frigideira e pôr a cebola cortada finíssima para dourar. Acrescentar a abobrinha, também cortada bem fininha, colocando as fatias em camadas, sem compacta-las muito. Temperar com uma pitada de cominho, ajustar de sal e cobrir com a tampa. Deixar cozinhar assim por uns 8/10 minutos.Versar os ovos batidos com uma pitada de sal na frigideira, com o cuidado de deixar os ovos se espalharem bem dentro da frigideira. Tampar e deixar cozinhar por mais uns 5 a 8 minutos.Retirar a tampa e com uma espátula, soltar a tortilla das bordas da frigideira. Virar a tortilla na frigideira, com a ajuda de um prato de diametro pouco menor ao da panela, e terminar de cozinhar, até que a tortilla pegue um tom dourado, mas não queimado, no outro lado.

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Remadas noturnas

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Somente ontem, mais duas pessoas me perguntaram sobre este assunto: assim hoje acordei determinado a escrever algo que tire todas as dúvidas sobre remadas noturnas durante as expedições IGARUANA.Primeiramente vou dizendo que em geral o cronograma da maioria das expedições IGARUANA prevê como principal atividade noturna o descanso. Habitualmente, acordamos bem cedinho, tomamos um bom café da manhã e desmontamos o campo, carregando toda a tralha nas canoas. As primeiras horas do dia são perfeitas para tirar f o t o g r a f i a s d a s b e l e z a s n a t u r a i s características deste ecossistema único no Planeta. Nestas horas todas as belas aves diurnas, alvo dos objetivos fotográficos, estão ativas, voando, pescando, tomando banho etc... enquanto nas horas mais quentes ficam na sombra para se proteger da quentura do sertão. Nos fazemos o mesmo: assim, depois de remar por umas horas, quando o Sol começa a esquentar muito, paramos para uma pausa maior, durante a qual preparamos e consumimos a refeição principal do dia. Voltando às canoas, continuamos nossa jornada remando até o local onde montaremos o campo noturno. Salvo imprevistos, chegamos sempre no lugar escolhido para pernoitar em tempo útil para poder fazer o reconhecimento do local e descarregar as canoas ainda na luz do dia. Acontece às vezes, por varias razoes, que o local escolhido para pernoitar naquele dia esteja ainda longe quando vem a hora de parar: assim a gente escolhe outro lugar apropriado para parar em tempo útil. Na porção do rio Piranhas e afluentes, que frequentamos durante nossas aventuras, já mapeamos dezenas de locais bons para acampar. Montadas as barracas e armadas umas redes, a gente acende sempre uma fogueira. Ao redor dessa fogueira a gente acompanha o anoitecer, conversando, tomando um café, beliscando algo esperando a refeição noturna. Depois do jantar, a conversa é breve. Todo mundo quer descansar e vai deitar rapidamente. Às vezes também, se pinta a energia certa, a gente puxa uma batucada feita com um pandeiro, um agogô, baldes, panelas e caixa de fosforos... rsrsrsrs mas, geralmente, a gente dorme cedo para (conseguir) acordar cedo no dia seguinte. Habitualmente, enfim, as canoas IGARUANA passam a noite viradas pra baixo à beira-rio.

Isso espero que tire todas as dúvidas de quem me escreveu temendo as remadas noturnas. Agora vou escrever para quem, pelo contrario, gosta de remadas noturnas, sem por isso desconsiderar o que escrevi acima.Uma remada numa noite de lua cheia com certeza pode ser uma experiência inesquecível. A luz noturna tinge todo o panorama de outras cores. O silencio é praticamente total. O canto das aves noturnas se escuta de longe. Silhuetas fantásticas aparecem aos nossos olhos. Quase sempre sem vento nas horas noturnas, a água do rio se transforma num espelho obscuro e metálico que reflete o panorama "lunar" da noite sertaneja. Belíssimo. Bem-aventurados os fotógrafos que participarem dum momento desse.Já uma noite sem lua é outra coisa: apesar dos olhos se acostumarem em breve à escuridão, o visual não è o mesmo que o de uma noite de lua. O céu estrelado fica bonito, mas a visibilidade na navegação é limitada e precisa-se de cuidados redobrados.Naturalmente, estou convencido que é sempre importante manter de noite como de dia o mesmo padrão de segurança, quer dizer, alto.Para navegar à noite em pequenas embarcações de até cinco (05) metros, como as canoas IGARUANA, a Marinha do Brasil requer apenas que cada embarcação tenha a bordo uma lanterna de sinalização com luz branca e um apito.As regras IGARUANA sobre segurança são mais rigorosas. Nossa primeira e mais importante regra de segurança que aplicamos com firmeza é o uso do colete flutuador. Sempre utilizamos durante nossas atividades o colete flutuador, vestindo-o apropriadamente e nunca o carregamos apenas na canoa. Isso a qualquer hora do dia e da noite. No meio do rio-mar profundo dezenas de metros assim como no estreito afluente pouco profundo. Os coletes IGARUANA são de design moderno e não incomodam os movimentos; pelo contrario, bem regulados, sustentam a postura certa do canoeiro.Para aproveitar positivamente de uma remada noturna é importante também conhecer bem o itinerário escolhido e os eventuais perigos presentes. Alguns pescadores da região, à noite, temem a aparição do Nego-d'Água, figura folclórica riberinha, mas o que mais me preocupa, pessoalmente, são pedras e tocos de

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madeira semisubmersos, que podem provocar danos graves às canoas, prejudicando o bom êxito da aventura.Sempre gostei de remar. Ando remando pelo rio Piranhas e afluentes desde 2008. Antes de oferecer ao publico as expedições IGARUANA, junto com meus ajudantes, sozinho ou com algum amigo, já navegamos bastante por essas bandas e vivenciamos muitas aventuras. Em geral viajamos de dia e descansamos de noite. Mas, mais de uma vez, já nos aconteceu de parar à tarde por um vento forte contrario num local não muito bom pra acampar e decidir de ir até um ponto melhor remando ao anoitecer. Já fomos jantar em casa de um amigo pescador e voltamos remando até o campo base na escuridão completa. Já saímos, eu e meu proeiro Marcelo, do Sitio Araras à tardinha e remamos ao crepúsculo até a Ilha do Morcego, doze quilômetros de percurso sem obstáculo perigosos no meio.

Para quem gostaria de uma remada noturna, tenho uma boa proposta. Um local bom para dar uma boa remada à noite em segurança é a Ilha Timbaúba, cinco quilômetros ao sul do Sitio Mutamba. Com o campo M já instalado perto da grande aroeira, se pode sair remando à tardinha, lanchar e assistir ao por-do-sol do topo de um rochedo fácil de escalar na ilha Timbaúba e voltar pro Sitio Mutamba remando à noite. Que tal?Lembre-se, enfim: cada expedição IGARUANA é feita à medida dos participantes daquela aventura especifica, considerando muitos fatores, entre os quais experiência, preparo físico, determinação e interesses das pessoas. É durante a tão importante reunião previa com o grupo que participara da expedição que itinerário, estilo e ritmo da aventura são decididos com o consenso de todos.Outras dúvidas? Escrevam pra mim.

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constrói todas as canoas das expedições e muitas outras...

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