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    Identificando entraves na articulao dos servios de atendimento smulheres vtimas de violncia domstica e familiar em cinco capitais

    Projeto Observe/UNIFEM

    Relatrio Final

    Maro de 2011

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    [OBSERVATRIO DA LEI MARIA DA PENHA ] Observe

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    Observe - Observatrio da Lei Maria da Penhawww.observe.ufba.brAgosto de 2010

    Coordenao NacionalNcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal daBahia Salvador/BA

    Coordenaes Regionais

    Centro-Oeste: AGENDE -Aes em Gnero, Cidadania e Desenvolvimento. Braslia/ DF

    Sudeste: CEPIA - Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informao, Ao. Rio de Janeiro/RJ

    Norte: GEPEM - Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres e

    Relaes de Gnero da Universidade Federal do Par. Belm/PANordeste: Ncleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federalda Bahia Salvador/BA

    Sul: Coletivo Feminino Plural - Porto Alegre/RS

    Entidades Parceiras

    NEPeM/UNB (Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade deBraslia) Braslia/DF

    NIEM/UFRGS (Ncleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Relaes de Gneroda Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Porto Alegre/RS

    NEPP-DH (Ncleo de Estudos de Polticas Pblicas em Direitos Humanos daUniversidade Federal do Rio de Janeiro) Rio de Janeiro/RJ

    THEMIS Assessoria Jurdica e Estudos de Gnero Porto Alegre/RS

    CLADEM/Brasil Comit Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos dasMulheres

    Rede Feminista de Sade Rede Nacional Feminista de Sade, Direitos Sexuais eDireitos Reprodutivos Porto Alegre/RS

    REDOR Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres eRelaes de Gnero

    Coordenao NacionalCeclia SardenbergMrcia Queiroz de C. Gomes

    Assessoria Tcnica de ProjetoJussara PrWnia Pasinato

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    Pesquisa[IDENTIFICANDOENTRAVESNAARTICULAODOSSERVIOSDEATENDIMENTOS

    MULHERESVTIMASDEVIOLNCIADOMSTICAEFAMILIAREMCINCOCAPITAIS]

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    Esta pesquisa parte do Projeto CONSTRUO E IMPLEMENTAO DOOBSERVATRIO DA LEI 11.340/2006 LEI MARIA DA PENHA (2007-2010)

    Anlise dos Dados e TextoWnia Pasinato

    Assistentes de PesquisaCndida Ribeiro Santos - Salvador (BA)Fernanda Patrcia Fuentes Muoz Braslia (DF)Carla Cilene Siqueira Moreira - Belm (PA)Keyla Rejane Avelar Arajo - Belm (PA)Nara Isa da Silva Lages - Belm (PA)Samara de Nazar Barriga Dias - Belm (PA)

    Priscilla Blini - Rio de Janeiro (RJ)Joselin Martinez Porto Alegre(RS)La Epping - Porto Alegre (RS)Renata Jardim Porto Alegre (RS)

    Colaborao

    Leila Luclia Dalpiaz e Mattos - Coletivo Feminino Plural Porto Alegre/RS

    Luzia Miranda lvares GEPEM - Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobreMulheres e Relaes de Gnero da Universidade Federal do Par. Belm/PA

    Tlia Negro Rede Feminista de Sade Rede Nacional Feminista de Sade, DireitosSexuais e Direitos Reprodutivos Porto Alegre/RS

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    [OBSERVATRIO DA LEI MARIA DA PENHA ] Observe

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    Sumrio

    Apresentao 4Relevncia de estudar a articulao dos servios na aplicao da Lei Maria da Penha 6Sobre redes, intersetorialidade e transversalidade de gnero nas polticas pblicas de

    enfrentamento da violncia domstica e familiar contra a mulher8

    A pesquisa 10Metodologia de pesquisa 12Instrumentos de pesquisa 13

    Servios de Atendimento a Mulheres Vtimas de Violncia Domstica e Familiar em cincocapitais

    14

    Belm - Par 14Braslia Distrito Federal 25Porto Alegre Rio Grande do Sul 37Rio de Janeiro Rio de Janeiro 44Salvador Bahia 58

    Identificando entraves na articulao de redes de servios para o enfrentamento da

    violncia domstica e familiar contra a mulher

    70

    Consideraes finais 78Bibliografia 81Anexo

    1- Quadro de servios e profissionais entrevistados por capital 83

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    Pesquisa[IDENTIFICANDOENTRAVESNAARTICULAODOSSERVIOSDEATENDIMENTOS

    MULHERESVTIMASDEVIOLNCIADOMSTICAEFAMILIAREMCINCOCAPITAIS]

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    Apresentao

    Este relatrio apresenta os resultados da pesquisa intitulada Identificandoentraves na articulao dos servios de atendimento s mulheres vtimas de violnciadomstica e familiar em cinco capitais: Belm, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvadore o Distrito Federal. O objetivo do projeto foi identificar em cada localidade osservios especializados e no especializados que so acionados para o atendimentoa mulheres em situao de violncia, formando junto com as DEAMS e Juizados umarede de atendimento, e os obstculos que enfrentam nesta articulao.

    O estudo foi realizado entre os meses de maro e agosto de 2010, perodoem que foram realizadas entrevistas com operadora(e)s do Direito, coordenadora(e)s e profissionais que atuam nos servios, alm de gestoras de organismos depolticas para mulheres. O estudo compreendeu tambm a visita aos locais para

    conhecer sua infraestrutura, bem como a observao do atendimento em DEAMS eaudincias em Juizados e foi complementando pela coleta de material institucional(relatrios de atividades, cartilhas, folders, entre outros)

    A pesquisa foi realizada pelo Observe Observatrio da Lei Maria da Penhacomo parte do projeto Construo e Implementao do Observatrio da Lei11.340/2006 Lei Maria da Penha (2007-2010),e teve financiamento da UNIFEM (ONUMulheres Brasil e Cone Sul)1

    O texto est dividido em trs partes. Na primeira parte, que inclui esta

    apresentao, so descritos os procedimentos metodolgicos, os instrumentosutilizados na pesquisa, e sua abrangncia. Na segunda parte encontram-sedescries sobre a pesquisa em cada localidade, incluindo informaes sobre osservios segundo suas vinculaes institucionais, principais caractersticas doatendimento que realizam e sua contribuio para a aplicao da Lei Maria daPenha. Na terceira parte as entrevistas so retomadas, desta vez como pano defundo para as reflexes a respeito dos entraves para articulao das redes deservios especializados de atendimento a mulheres em situao de violncia.

    *.*.*.*.*

    Em 2007 o Observe Observatrio da Lei Maria da Penha deu incio s suasatividades para o monitoramento da implementao da Lei Maria da Penha em todoo territrio nacional. A tarefa prioritria, definida por suas integrantes, foi aconstruo de indicadores para o monitoramento, bem como dos instrumentosadequados coleta, registro e processamento de informaes, visando a criao deuma base slida de dados que permitam acompanhar no tempo e no espao odesempenho das instituies encarregadas da aplicao Lei, bem como monitorar aatuao dos governos de estados e municpios no cumprimento de suas atribuiespara ampliar a oferta de servios para a formao de redes de ateno especializadapara as mulheres em situao de violncia. Numa primeira etapa do trabalho, as

    1 Projeto 115/2009 de outubro de 2009

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    Delegacias Especializadas de Atendimento Mulher (DEAMS) e os Juizados deViolncia Domstica e Familiar contra a Mulher foram eleitos como instncias aserem observadas. A seleo baseou-se no papel estratgico que estas duasinstituies desempenham na aplicao da Lei Maria da Penha tanto nainvestigao policial e o conseqente processo criminal, quando no acesso s

    medidas de proteo e assistncia. A pesquisa contou com duas edies, sendo em2008 aplicada em cinco capitais (Belm, Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro e noDistrito Federal) e numa segunda rodada, em 2010, em todas as capitais do pas.(Observe 2009 e 2010)

    Entre as concluses destes estudos verificou-se que as duas instituiesenfrentam muitas limitaes em seu funcionamento, com problemas relacionados inadequao da infra-estrutura e limitaes quanto disponibilidade de recursosmateriais e tcnicos sobretudo no que se refere inexistncia de sistemasinformatizados para registro e sistematizao de dados e informaes sobre os

    registros policiais, processos judiciais e sobre caractersticas do pblico usurio,informaes que so fundamentais para o conhecimento e monitoramento dasrespostas das instituies de segurana e justia e sua adequao s demandaslevadas pelas mulheres na busca por seus direitos. Mais grave do que as limitaesmateriais, as pesquisas apuraram ser as deficincias com relao aos recursoshumanos que se referem: ao tamanho reduzido das equipes de funcionrios emalgumas delegacias e juizados; a inexistncia de Equipes Multidisciplinares, previstasem lei, mas constitudas por poucos tribunais de justia; a ausncia de defensorespblicos para acompanhar as mulheres em todas as aes cveis e criminais -acompanhamento que tambm est previsto na Lei Maria da Penha. Estas

    deficincias referem-se tambm baixa qualidade do atendimento que prestadopara mulheres que vivem na complexa situao de violncia domstica e familiar.

    Este conjunto de deficincias agrava (e agravado) por um cotidiano defuncionamento institucional que se orienta por uma viso tradicional de acesso justia que se limita s decises judiciais e resiste abertura das instituies desegurana e justia para um dilogo mais prximo com os servios da rede deateno especializada. Conseqentemente, as iniciativas para tornar esses serviosacessveis para as mulheres se do de forma isolada. Neste contexto geral aaplicao da Lei Maria da Penha se encontra seriamente comprometida, uma vezque uma de suas principais premissas a abordagem integral no enfrentamento daviolncia no estaria sendo observada.

    Embora este cenrio pessimista seja bastante disseminado, no pode sergeneralizado para o territrio nacional e, tampouco apresenta caractersticashomogneas entre todos os estados. A pesquisa realizada nas capitais encontroutambm exemplos de programas, propostas, intervenes e modelos de aplicaoda Lei Maria da Penha que devem ser monitorados pelo potencial de xito querevelam.

    As pesquisas realizadas nas DEAMS e Juizados de Violncia Domstica e

    Familiar contra a Mulher reforaram tambm a necessidade de se conhecer deforma mais aprofundada as realidades locais em que estas duas instituies esto

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    inseridas, identificando quais so os servios existentes, quais suas condies defuncionamento e como podem ser articular para a aplicao da Lei Maria da Penha.A primeira pesquisa desta natureza foi realizada com o estudo de caso em Cuiab(Pasinato, 2010b), num modelo de pesquisa que, posteriormente, foi replicado nas

    cinco capitais e cujos resultados sero apresentados a seguir.

    Relevncia de estudar a articulao dos servios na aplicao da Lei Maria da Penha

    Como se sabe, a Lei 11340/2006 a Lei Maria da Penha uma legislaoespecial para o enfrentamento da violncia domstica e familiar contra a mulher.Como enfrentamento define-se o conjunto de medidas de punio (previstas noCdigo Penal e de Processo Penal), as medidas de proteo de direitos civis (CdigoCivil e de Processo Civil), as medidas de assistncia e proteo integridade fsica e

    dos direitos da mulher, e as medidas de preveno. Estes dois conjuntos de medidassomente podero ser aplicados mediante a articulao entre Judicirio e Executivo da Unio, estados e municpios - atravs de polticas pblicas direcionadas aoatendimento a mulheres em situao de violncia, contando tambm com aparticipao do Legislativo na edio de leis que regulamentem o acesso aosdireitos da cidadania.

    Para que esta poltica de enfrentamento violncia possa ser aplicada demaneira ampla e integral, as medidas de punio, proteo, assistncia e depreveno, devero ser aplicadas de forma combinada e em equilbrio. Significa

    que, embora a mdia tenha contribudo para a popularizao da Lei Maria da Penhacomo uma legislao mais severa, que prende agressores e esteja tambmpresente no imaginrio da populao como uma lei que protege as mulheres, taismedidas no produziro os efeitos desejados se aplicadas de maneira isoladas, ouse forem privilegiadas apenas as respostas punitivas para os agressores ou aquelasde proteo e assistncia para as mulheres vtimas.

    Com tal abrangncia, alm de introduzir relevantes mudanas no modo defuncionamento e organizao de algumas instituies, em especial na polcia e noJudicirio, a aplicao integral da Lei Maria da Penha exige a criao de novosservios especializados,a expanso daqueles que j existem e, em alguns casos, suaadequao para o atendimento de novas demandas que podem ser levadas pelasmulheres na medida em que conhecem melhor os seus direitos. Neste sentido,tomando como pano de fundo esta proposta de polticas pblicas integradas para aaplicao da Lei Maria da Penha, nesta pesquisa constituiu-se de particular interesseobservar como vem se concretizando o cumprimento da Lei Maria da Penha nosartigos que seguem abaixo descritos:

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    Lei 11.340/2006

    Ttulo III Da Assistncia Mulher em Situao de Violncia Domstica e Familiar.

    Captulo I Das Medidas Integradas de Preveno

    Art.8: A poltica pblica que visa coibir a violncia domstica e familiar contra a mulher far-se-

    por meio de um conjunto articulado de aes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicpios e das aes no-governamentais, tendo por diretrizes:

    I-A integrao operacional do Poder Judicirio, do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblicacom as reas de segurana pblica, assistncia social, sade, educao, trabalho e habitao;II----------------------III- ---------------------IV- ---------------------V- ---------------------VI- A celebrao de convnios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos depromoo de parceria entre rgos governamentais ou entre estes e entidades no-governamentais, tendo por objetivo a implementao de programas de erradicao da violnciadomstica e familiar contra a mulher

    VII - ---------------------VIII- ---------------------IX - ----------------------

    Captulo II Da Assistncia Mulher em Situao de Violncia Domstica e Familiar

    Art.9: A assistncia mulher em situao de violncia domstica e familiar ser prestada deforma articulada e conforme os princpios e as diretrizes previstos na Lei Orgnica da Assistncia Social,no Sistema nico de Sade, no Sistema nico de Segurana Pblica, entre outras normas e polticaspblicas de proteo, e emergencialmente quando for o caso.

    1 o juiz determinar, por prazo certo, a incluso da mulher em situao de violnciadomstica e familiar no cadastro de programas assistncias do governo federal, estadual e municipal.

    2 o juiz assegurar mulher em situao de violncia domstica e familiar, para preservarsua integridade fsica e psicolgica.I - Acesso prioritrio remoo quando servidora pblica, integrante da administrao pblicadireta ou indireta;II - Manuteno do vinculo trabalhista, quando necessrio o afastamento do local de trabalho,por at seis meses3 a assistncia mulher em situao de violncia domstica e familiar compreender o acesso

    aos benefcios decorrentes do desenvolvimento cientifico e tecnolgico, incluindo os servios decontracepo de emergncia, a profilaxia das Doenas Sexualmente Transmissveis (DST) e da Sndromeda Imunodeficincia Adquirida (AIDS) e outros procedimentos mdicos necessrios e cabveis nos casosde violncia sexual.

    Ttulo III Da Assistncia Mulher em Situao de Violncia Domstica e Familiar.

    Art.35: A Unio, o Distrito Federal, os Estados e os Municpios podero criar e promover, nolimite das respectivas competncias:

    I centros de atendimento integral e multidisciplinar para as mulheres e respectivosdependentes em situao de violncia domstica e familiar;II casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situao de violnciadomstica e familiar;III delegacias, ncleos da defensoria pblica, servios de sade e centros de percia mdico-legal especializados no atendimento mulher em situao de violncia domstica e familiar;IV programas e campanhas de enfrentamento da violncia domstica e familiar;V centros de educao e reabilitao para os agressores.Art.36: A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios provero a adaptao de seus

    rgos e de seus programas s diretrizes e aos princpios desta Lei.

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    Conforme descrito no artigo 8 apresentado acima, o paradigma quefundamenta a poltica de enfrentamento da violncia domstica e familiar contra asmulheres de articulao dos servios especializados em rede para uma abordagemintegral sobre o problema. A existncia desses servios, como condio para a

    aplicao da Lei Maria da Penha ser um dos objetos desta investigao.

    Sobre redes, intersetorialidade e transversalidade de gnero nas polticas pblicas deenfrentamento da violncia domstica e familiar contra a mulher

    As discusses sobre redes de servios especializados no atendimento amulheres comeam a ganhar espao no pas nos anos 2000. Durante os anos 1980 e1990 as polticas pblicas para atendimento de mulheres em situao de violncia

    eram fragmentadas e limitavam-se, na maior parte das localidades, na existncia deDelegacias da Mulher e Casas Abrigo. De acordo com Godinho e Costa (2006), estasaes no tinham amplitude e continuidade suficientes para caracterizar umapoltica pblica, podendo melhor ser descritas como programas de governo. Emalguns municpios, alm das casas abrigo, encontravam-se tambm alguns centrosde referncia mantidos por estados e municpios, em modelos de atendimentoinspirados nos SOS-Mulher que floresceram a partir dos anos 1980 graas fora domovimento feminista. (Pasinato, 2010a).

    Foi a partir de 2003, com a criao da Secretaria de Polticas para Mulheres,no governo federal, que o assunto ganhou fora. A criao de servios

    especializados e sua articulao para o atendimento multidisciplinar e intersetorialpassa a ser um dos paradigmas que estruturam a Poltica Nacional deEnfrentamento Violncia contra as Mulheres, conforme se l no texto abaixo:

    O conceito de Rede de atendimento refere-se atuao articulada entre asinstituies/servios governamentais, no-governamentais e a comunidade,visando ampliao e melhoria da qualidade do atendimento; identificao e encaminhamento adequado das mulheres em situao deviolncia; e ao desenvolvimento de estratgias efetivas de preveno. Aconstituio da rede de atendimento busca dar conta da complexidade daviolncia contra as mulheres e do carter multidimensional do problema,

    que perpassa diversas reas, tais como: a sade, a educao, a seguranapblica, a assistncia social, a cultura, entre outros. (Poltica Nacional deEnfrentamento Violncia, SPM, 2005: 14)

    Em 2005, visando a colaborar de maneira mais estreita com estados emunicpios na organizao desse atendimento, a Secretaria de Polticas paraMulheres, lanou o Projeto de Acompanhamento e Fortalecimento da PolticaNacional de Combate Violncia Contra a Mulher2 com nfase nas aes que

    2

    O projeto foi desenvolvido nos estados de Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Tocantins com oobjetivo de dar apoio implementao de redes estaduais de ateno integral s mulheres emsituao de violncia e fortalecer a discusso e implementao de uma poltica nacional de combate

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    contribussem para impulsionar a organizao das redes de atendimento, entre asquais se incluem a edio de normas de padronizao e uniformizao de servioscomo as Delegacias da Mulher e os Centros de Referncia . O projeto para articulaodas redes foi realizado em quatro capitais e durante um ano foram realizadosencontros e discusses que permitiram aprofundar o conhecimento e as discusses

    sobre as especificidades do atendimento a mulheres em situao de violncia emcada localidade. Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA) foram dois dos municpios queparticiparam do projeto. Sua incluso no presente estudo permitiu conhecer algunsdos avanos que foram obtidos desde aquele momento.

    Com a aprovao da Lei Maria da Penha, a Secretaria de Polticas paraMulheres empenhou mais esforos para articulao das redes e medidas para seufortalecimento foram contempladas no Pacto Nacional de Enfrentamento Violncia contra a Mulher (SPM, 2007), com concentrao no Eixo 1, que rene asaes direcionadas para a rede e a implementao da Lei Maria da Penha. No

    Acordo Federativo, a organizao das redes deve ser executada a partir daspremissas da intersetorialidade, da capilaridade e da transversalidade de gnero nosservios e polticas pblicas, recomendando que as redes envolvam servios deestados e municpios, especializados e no especializados, com abrangnciaregional, assegurando seu acesso para mulheres que vivem em todos os municpios,conferindo um carter mais amplo para o atendimento. Um balano das aes doPacto divulgado pela Secretaria (2010) mostrou que o conjunto de aesdesencadeadas a partir de 2007 j vinha surtindo efeitos na criao de novos deservios.3

    As discusses a respeito das redes vm acumulando lentos avanos, commaior expresso no campo da execuo das polticas pblicas com categoria quej faz parte dos discursos compartilhados por quem est atuando diretamentenesta execuo do que no campo terico e metodolgico das cincias Naliteratura possvel encontrar algumas definies que, apesar de sucintas,contribuem para a visualizao de como devem se organizar e funcionar aarticulao entre os servios. Uma dessas definies diz que redes representamformas no-hierrquicas de reunir pessoas, grupos, instituies da sociedade(Carreira e Pandjiarjian, 2003: 18). Existem diferentes nveis de articulao das redes(primrio: familiares, amigos, comunidade; secundrio: servios e organizaesinstitucionais ou da sociedade organizada que prestam atendimento e doorientao; redes intermedirias, composta por pessoas que fazem a ponte entre os

    violncia contra as mulheres. A coordenao do projeto foi feita pela Agende Aes em Gnero,Cidadania e Desenvolvimento e a CEPIA Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informao e Ao, e teve oapoio da Secretaria Especial de Polticas para Mulheres SPM. (2005-2007). Os resultados do projetoencontram-se publicados em Leocdio e Libardoni, 2006.

    3 De acordo com o balano realizado entre 2007 e 2010 a parceria entre Secretaria de Polticas paraMulheres, Ministrio da Justia e Ministrio da Sade resultou em 928 servios que foramconstrudos, reformados, ampliados ou adequados. Alm deste investimento foram tambmcapacitados 573707 profissionais das diferentes reas de ateno mulher. Informaes completas

    sobre as aes do Pacto Nacional esto disponveis na pgina eletrnica da Secretaria de Polciaspara Mulheres. http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/pacto/balanco-pacto-2010.pdf. Acesso em 21/02/2011

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    outros dois nveis de articulao, por exemplo, os agentes de sade)4. Ainda parasua definio, so descritos como fundamentos para o bom funcionamento da redea cooperao entre os parceiros, a confiana, solidariedade, transparncia e co-responsabilidade pelos procedimentos adotados. (Carreira e Pandjiarjian, 2003: 24).

    Outros aspectos completam esta definio, como por exemplo: as pessoas queparticipam na rede precisam estar engajadas com o tema (no caso a violncia contraa mulher), porque so elas que faro o fluxo se movimentar; alm disso, a rederene pessoas, mas o apoio institucional tambm fundamental para seu bomfuncionamento.

    Em pesquisa a respeito das experincias de constituio de redes deatendimento para mulheres em situao de violncia em trs regiesmetropolitanas, Schiraiber e DOliveira (2006) concluram que seria mais adequadodescrever as realidades observadas como tramas, entendidas como aglomerado

    justapostos de servios voltados para o mesmo problema, que podem at possuiraes articuladas, mas sem a necessria conscincia sobre suas conexes e sem umprojeto comum construdo a partir do dilogo.

    Outro conceito que vem sendo incorporado nas discusses sobre redes deatendimento refere-se idia de intersetorialidade, muitas vezes entendida como ofluxo (de pessoas e documentos) entre setores que devem se complementar noesforo de superar as limitaes existentes. Entre as limitaes encontram-se afragmentao das polticas e programas, a disperso ou a sobreposio de projetose aes (Magalhes, 2004). No entanto, esta superao a que o autor se refere nopode ser alcanada apenas com o alinhamento dos diferentes servios, polticas e

    programas e o estabelecimento de acordos para seu funcionamento. Aintersetorialidade pressupe um planejamento comum, compartilhado pelosdiferentes setores, polticas e programas envolvidos e que devero,necessariamente, assumir parcelas de responsabilidade por sua execuo. Nestesentido, Salej Gomes (2010) afirma que a intersetorialidade deve ser pensada desdea formulao da poltica, passando por sua execuo e monitoramento. Nesteprocesso, o foco do planejamento da poltica deve ser o cidado tomado em suaintegralidade, e o atendimento de suas necessidades dever resultar tanto de umasntese de saberes quanto de uma fuso de prticas (Menicucci, 2002 apudMagalhes, 2004).

    O conceito de intersetorialidade tambm est presente no Pacto Nacionalpelo Enfrentamento da Violncia contra as Mulheres e orienta as aes defortalecimento das redes de servios e a implementao da Lei Maria da Penha.Neste caso, refere-se tambm articulao necessria entre os trs poderes oExecutivo, o Legislativo e o Judicirio, mas tambm articulao entre setores na eentre esferas de governo, o que permitir a implementao de polticas pblicas emparceria entre os governos federal, estadual e municipal.

    4

    Porque atender em redes: papel das redes sociais primrias, secundrias e intermedirias frente aviolncia contra a mulher. Redes Humanizadas de Atendimento s Mulheres AgredidasSexualmente (Rhamas). www.ipas.org.br

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    Um terceiro conceito importante nas discusses sobre uma poltica nacionalde enfrentamento a violncia contra a mulher trata da transversalidade de gneronas polticas pblicas(gender mainstreaming). O tema surge nas agendas pblicas enas pautas feministas a partir da IV Conferncia da Mulher (Beijing, 2005), ondeintegra as estratgias para a concretizao da igualdade entre homens e mulheres.

    Para as abordagens que a definem como ao prtica e estratgica, atransversalidade de gnero reconhece que o exerccio da cidadania por homens emulheres se realiza de forma desigual e que estas desigualdades precisam sercombatidas por meio de aes transversais que percorram todas as esferas polticase sociais. Reconhece tambm que as polticas pblicas produzem efeitos diferentesna vida de homens e mulheres e estes efeitos devem ser tratados de forma apromover a incluso das mulheres, historicamente submetidas desigualdade nasrelaes de poder que caracterizam a estrutura das sociedades ocidentais. Nadefinio de Bandeira (2005)

    Por transversalidade de gnero nas polticas pblicas entende-se a idia deelaborar uma matriz que permita orientar uma nova viso de competncias(polticas, institucionais e administrativas) e uma responsabilizao dosagentes pblicos em relao superao das assimetrias de gnero, nas eentre as distintas esferas do governo. Esta transversalidade garantiria umaao integrada e sustentvel entre as diversas instncias governamentais e,conseqentemente, o aumento da eficcia das polticas pblicas,assegurando uma governabilidade mais democrtica e inclusiva em relaos mulheres. (Bandeira, 2005: 5)

    Os trs conceitos so introduzidos como pano de fundo sobre o qual se

    inscrevem as reflexes apresentadas neste relatrio.

    A pesquisa

    O projeto de pesquisa Identificando entraves na articulao dos Servios deAtendimento s mulheres vtimas de violncia domstica e familiar em cinco capitaisfoi elaborado com o propsito de aprofundar o conhecimento sobre a aplicao daLei Maria da Penha, nos servios especializados de atendimento a mulheres emsituao de violncia domstica e familiar. Seu desenvolvimento consistiu narealizao de estudos de caso realizados nas capitais onde esto sediadas ascoordenaes regionais do Observe, a saber: Belm (Par), Braslia (DistritoFederal), Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) eSalvador (Bahia).

    O objetivo principal contribuir para o conhecimento sobre os contextoslocais de aplicao da Lei Maria da Penha a partir de metodologia qualitativa quepermitir conhecer os servios que atendem as mulheres e os obstculos queenfrentam para a aplicao da Lei Maria da Penha, incluindo as dificuldades de

    encaminhamentos entre os servios, as DEAMS e Juizados. Alm de identificar osobstculos, a pesquisa tambm procurou conhecer as solues propostas por

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    operadores do direito, profissionais e gestores pblicos no desempenho de suasatividades cotidianas.

    Entre os objetivos especficos, incluem-se:

    Identificar os servios que formam as redes de atendimento especializado e noespecializado no atendimento a mulheres em situao de violncia e as parceriasexistentes entre estes servios, a DEAM e o Juizado;

    Identificar em cada localidade os entraves que existem para a articulao da rede deservios de atendimento a mulheres em situao de violncia domstica e familiar

    Conhecer os fluxos internos e externos de encaminhamento de pessoas edocumentos nos e entre os servios especializados, incluindo a DEAM e os Juizados.

    Contribuir com subsdios para o monitoramento da aplicao da Lei Maria da Penhanas 27 capitais brasileiras.

    A metodologia da pesquisa

    A pesquisa consistiu em um estudo qualitativo que se desenvolveu comoestudos de caso, aqui compreendidos como tcnica de pesquisa qualitativa quecombina procedimentos, como a observao da realidade pesquisada, com registrode informaes em cadernos de campo, entrevistas a partir de roteiros semi-estruturados, conversas informais durante o perodo de observao, anlise de

    documentos e de dados estatsticos, quando disponveis e relevantes. Outracaracterstica do estudo de caso permitir um retrato sobre a realidade observadasem a pretenso de propor anlises que podem ser generalizadas para outroscontextos, a no ser atravs de outros estudos comparativos.

    O trabalho foi precedido por um mapeamento dos servios existentes emcada localidade estudada, o que permitiu a um s tempo estabelecer um ncleocomum de servios que deveriam ser includos no estudo e delinear o conjunto deservios cuja inexistncia deveria ter seus efeitos investigados pelo estudo de caso.Este mapeamento foi realizado a partir do estudo realizado pelo Observe (2009)

    que apontou para a existncia de diferenas significativas entre as cinco localidadespesquisadas, tanto na oferta de servios quanto na sua articulao para a aplicaoda Lei Maria da Penha.

    Como ncleo bsico de atendimento s mulheres considerou-se a existnciade Delegacia da Mulher, Juizado de Violncia Domstica e Familiar, Centro deReferncia e Casa Abrigo. Posteriormente, em cada localidade, foram includosoutros servios de acordo com sua existncia: Ncleos especializados da DefensoriaPblica, Promotoria Especializada, Equipes Multidisciplinares dos Juizados e dasDEAMS, servios de sade, organismos de polticas para mulheres. Uma vez que apesquisa nas DEAMS e nos Juizados, j havia sido realizada (Observe, 2010) estas

    instncias foram includas nos estudos de caso apenas na observao de seu

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    funcionamento e atravs das entrevistas com equipes multidisciplinares e algunsprofissionais que trabalham no atendimento policial.

    Instrumentos de pesquisa5

    Para a pesquisa foram elaborados roteiros semi-estruturados de entrevistasformados por dois ncleos de investigao: o primeiro, que foi aplicado para todosos entrevistados, com informaes a respeito da histria do servio, sua missoinstitucional e adequao aplicao da Lei Maria da Penha, suas condies defuncionamento (verbas, recursos humanos e materiais), capacitao dosprofissionais, identificao dos parceiros para encaminhamento das mulheres epercepes sobre rede, os servios, e a Lei Maria da Penha, abordando pontospositivos, negativos e temas polmicos relacionados legislao. O segundo ncleo formado por perguntas adequadas para cada tipo de atendimento, sobre osfluxos de atendimento interno e externo (encaminhamentos), a aplicao demedidas protetivas e de assistncia, os obstculos que so identificados para ocotidiano do atendimento e as solues aplicadas. Foram tambm elaboradosroteiros para a observao do atendimento nas DEAMS e Juizados de ViolnciaDomstica e Familiar.

    A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de maro e agosto de2010. No total foram entrevistadas 50 profissionais entre promotora(e)s de justia,defensora(e)s pblicas, assistentes sociais, psicloga(o)s, gestoras pblicas epoliciais, com uma cobertura de 40 servios e instituies nas cinco capitais.

    A segunda parte deste relatrio, apresentada a seguir, contm aapresentao dos servios visitados em cada localidade, sua contribuio para aaplicao da Lei Maria da Penha e informaes gerais sobre seu funcionamento

    5 A equipe foi formada por pesquisadoras das cinco capitais que participam deste estudo. Foidesenvolvido tambm um material para treinamento da equipe, consistente na apresentao

    detalhada da Lei 11.340/2006, com nfase na atuao de cada servio e na definio de suascompetncias. Deu-se particular ateno para as redes de servios especializados, apresentandouma discusso sobre sua constituio e relevncia na Poltica Nacional de Enfrentamento ViolnciaContra a Mulher. Este material, junto com a Norma Tcnica das DEAMS e a Lei 11.340/3006 foiencaminhado para toda a equipe configurando-se como material de apoio para as atividades depesquisa. O treinamento da equipe foi realizado em duas etapas. A primeira foi presencial e ocorreuem novembro de 2009 em Salvador. Nesta oportunidade ocorreu a apresentao e discusso da LeiMaria da Penha e sobre a Rede de Servios, sobre o projeto e seus objetivos. A segunda etapa dotreinamento ocorreu no incio de maro e foi realizada de forma virtual (chat) oportunidade em queforam discutidos os roteiros de entrevistas e observao, bem como o cronograma de trabalho e adinmica de atividades de campo. Estes encontros constituram tambm uma estratgia de pesquisa,uma vez que o estudo comparativo demanda uniformidade nos procedimentos de pesquisa e na

    conduo das entrevistas. Buscou-se, desta forma, garantir maior visibilidade para as diferenasregionais atravs do controle dos procedimentos de pesquisa.

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    Servios de Atendimento a Mulheres Vtimas de Violncia Domstica e

    Familiar em cinco capitais

    Belm do Par6

    Os servios de atendimento especializado para mulheres em situao deviolncia no estado apresentam uma cobertura7 territorial bastante limitada, a qualpode ser explicada, ao menos em parte, pelas caractersticas fsicas do territrioestadual, como suas dimenses territoriais e a predominncia de hidrovias,provocando o isolamento de alguns municpios em relao ao centro administrativoda capital. Outra caracterstica deve-se ao histrico da expanso desses servios,que bastante recente. At 2005 a poltica local de enfrentamento violnciacontra as mulheres consistia de delegacias da mulher, casas abrigo e apenas um

    centro de referncia (NEV/USP, 2007). A expanso dos servios vem ocorrendo demaneira acentuada nos ltimos anos e, principalmente, a partir da adeso ao PactoNacional de Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher.8

    Como ocorre em outros estados brasileiros, a capital concentra o maiornmero de servios especializados para atendimento de mulheres, distribudos nasreas de segurana, justia, atendimento psicossocial e sade. A CoordenadoriaEstadual vem trabalhando numa poltica de interiorizao dos servios atravs deconvnios com municpios para criao de Centros de Referncia. Tambm nestemovimento tem ampliado o nmero de Organismos de Polticas para Mulheres e

    Conselhos de Direitos da Mulher

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    . O estudo de caso concentrou-se nos serviosexistentes em Belm. A seguir so apresentadas breves descries a respeito de cada umdeles.

    Casa Abrigo Emanuele Rendeiro Diniz10.O servio foi o primeiro desta natureza a ser criado na regio Norte, em abril

    de 1997. Pertence estrutura do Executivo municipal e foi criado como Albergue

    6 A pesquisa em Belm foi realizada com o apoio de pesquisadoras GEPEM - Grupo de Estudos ePesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres e Relaes de Gnero da Universidade Federal do Par.Belm/PA. Agradeo a colaborao da professora Luzia Miranda lvares na conduo dos trabalhos

    7 Neste texto emprego a expresso cobertura para me referir quantidade e distribuio serviosno territrio considerando apenas sua existncia, podendo ter uma atuao isolada ou no. Oobjetivo diferenciar a simples existncia de um servio da sua insero em uma rede deatendimento especializado.

    8 O documento de balano das aes do Pacto Nacional de Enfrentamento Violncia Contra aMulher ilustra esse crescimento. http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/pacto/balanco-pacto-2010.pdf9 SEPM (https://sistema3.planalto.gov.br//spmu/atendimento/atendimento_mulher.php?uf=PA)

    10 Na capital encontra-se tambm a Casa Abrigo Unidade de Acolhimento Temporrio mantido pela

    SEDES Secretaria de Estado de Assistncia e Desenvolvimento Social. A responsvel pelo serviono concordou em participar do projeto, mas outros entrevistados se referiram a problemasexistentes em seu funcionamento. Estes problemas sero retomados mais adiante.

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    para Mulheres Vtimas de Violncia Domstica. Posteriormente, foi adequado poltica de assistncia social o Sistema nico de Assistncia Social/SUAS -passando a ser uma casa abrigo inserida na estrutura da Fundao Papa Joo XXIII,rgo da administrao direta e responsvel pelas polticas de assistncia social nomunicpio. A casa abrigo est instalada num endereo sigiloso, em imvel alugado

    com capacidade para receber at 20 mulheres acompanhadas por seus filhos efilhas com limite de 10 anos de idade. Os recursos para manuteno do servio soprovenientes do Executivo municipal e realizaram uma solicitao de recursos paraa Secretaria de Polticas para Mulheres (SPM), para reaparelhamento da casa,compra de mveis e de um carro11. A entrevistada no aponta para limitaes aoatendimento que sejam decorrentes da inadequao de recursos materiais,estrutura ou da quantidade de funcionrios (so 35 funcionrios ao todo). A nicaobservao que faz quanto falta de capacitao para os funcionrios, e adificuldade para sua realizao, porque esta teria que ser permanente tanto paraadquirir maior conhecimento sobre a lei como para a oferta de um atendimento

    mais humanizado.

    A entrevistada aponta duas mudanas recentes e significativas para ofuncionamento da casa. A primeira deve-se s mudanas mais amplas queocorreram com a prestao da assistncia social no pas

    Muita coisa tambm mudou com a poltica nacional de assistncia social, oSUAS....antigamente a nomenclatura era albergar, aqui era um Albergue, no era umacasa abrigo, at hoje tem pessoas da prpria poltica de assistncia que chamam dealbergada, a prpria DEAM chama......essas nomenclaturas so muito fortes e nsprecisamos acompanhar essas mudanas...ela no moradora [da casa abrigo], ela uma

    usuria do Sistema nico do Assistncia Social.

    A segunda mudana ocorreu aps Lei Maria da Penha, quando oencaminhamento para a Casa Abrigo passou a ser feito exclusivamente pela DEAM e, em casos excepcionais pela Promotoria Especializada. De acordo com aentrevistada tambm definiu o perfil do pblico atendido as mulheres que vem para oabrigo so mulheres que realmente esto ameaadas de morte, so aquelas que esto em

    gravssimo risco....Apesar de perceber este impacto, a entrevistada no forneceuoutros detalhes sobre os procedimentos adotados na DEAM para a triagem eencaminhamento das mulheres.

    No h um tempo limite para a permanncia das mulheres na casa abrigo eeste tem variado de acordo com o intervalo de tempo at que as medidasprotetivas sejam deferidas e o agressor tenha sido intimado da deciso. As vezeseste se constitui num obstculo para o funcionamento do servio, na medida emque se registra um aumento no intervalo de tempo para que as medidas sejamcumpridas e as mulheres tm sua estadia prolongada causando transtornos para oservio e para as mulheres que j chegam ao servio com a expectativas de sair logodaquele local.

    11 No momento da entrevista o recurso havia sido liberado pela SPM, mas ainda no estava disponvelpara utilizao pelo servio.

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    Centro de Referncia Maria do Par (CRMP)O Centro de Referncia Maria do Par foi criado em maro de 2008 e est

    inserido na estrutura da Coordenadoria Estadual de Promoo de Direitos daMulher. O centro est adequado s diretrizes da Norma Tcnica de Uniformizao deCentros de Referncia de Atendimento Mulher em Situao de Violncia (SPM,2006)12. Oferecem atendimento multidisciplinar atravs de uma equipe formada porpsiclogas, assistentes sociais, terapeuta ocupacional, pedagoga e enfermeira, almda parceria com o Ncleo de Defensoria Pblica. Atendem mulheres maiores de 18anos em situao de violncia domstica e familiar e a cobertura territorial abrangetoda a Regio Metropolitana. Recebem mulheres por demanda espontnea etambm aquelas que so encaminhadas por outros servios DEAM, Promotoria,Defensoria, Coordenadoria e pela Central 180 do governo federal. Acreditam que a

    demanda ainda pequena face ao nmero de casos que so registrados na DEAM eacreditam que preciso capacitar mais os profissionais que trabalham nos outrosservios para que faam o encaminhamento das mulheres para o servio.

    Como misso institucional o CRMP trabalha no acolhimento de mulheres, naidentificao de suas necessidades e encaminhamentos para outros servios eprogramas sociais existentes na Regio Metropolitana de Belm. Fazemacompanhamento das mulheres na DEAM e no Juizado, mas o atendimento pelaequipe do Centro se faz independente da mulher haver registrado a ocorrnciapolicial, situaes em que o trabalho dos profissionais tem como objetivo a

    orientao e o fortalecimento da mulher para fazer a dennciaela tem que se sentir segura do que ela quer. Ela que vai decidir aquilo que ela quer, nsorientamos e ela que vai dar o direcionamento...nunca fazemos juzo de valor com relaoa essa usuria.

    De acordo com a equipe, sua capacitao ainda deficitria. Participaram decursos organizados pela Coordenadoria de Direitos das Mulheres, realizamencontros semanais para o estudo de casos atendidos pela equipe, mas seressentem da falta de capacitao continuada e tambm de um espao desuperviso e reflexo para a equipe que se sente desgastada com o contato com as

    situaes de violncia.

    Promotorias Especializadas de Violncia Domstica e FamiliarA experincia do Par com a criao de Promotorias Especializadas para

    atendimento de mulheres em situao de violncia foi indita no pas e ocorreuantes da aprovao da Lei Maria da Penha. Em 2005, ainda sob vigncia da Lei9099/95, o Ministrio Pblico Estadual aprovou a criao de duas promotorias

    12http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/pacto/documentos/norma-tecnica-centros-de-referencia.pdf

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    especializadas13 para atuar junto ao Juizado Especial Criminal de ViolnciaDomstica. O trabalho das promotorias, naquele perodo, centrou-se na aplicaode medidas alternativas de prestao de servio, combatendo a aplicao de multaspecunirias e pagamentos de cestas bsicas medidas que se reproduziram nosJECRIMs do restante do pas.

    Com a aprovao da Lei Maria da Penha, o Tribunal de Justia do Par criouos Juizados de Violncia Domstica e Familiar e as promotorias existentes foramconvertidas em Promotorias de Violncia Domstica e Familiar, com atuaoexclusiva junto aos dois Juizados que funcionam na capital. As Promotoriasfuncionam com uma estrutura mnima de recursos humanos: so duas promotorasde justia titulares e duas promotoras substitutas, alm de nove estagirios, umapsicloga, auxiliares para servios gerais e seguranas. Recentemente obtiveramum carro alugado, mas no tem um motorista a disposio. Uma das promotoras dejustia, por seu protagonismo na criao das promotorias, assume cumulativamente

    a funo de coordenadora dos trabalhos das promotorias especializadas. Embora asPromotorias sejam rgos de execuo independente na estrutura do MinistrioPblico do Par, no possui oramento prprio o que, na opinio da entrevistada,limita a ao do rgo nas aes educativas e preventivas. A soluo proposta paraeste problema a criao de um Ncleo de Gnero no Ministrio Pblico quepermitira a transversalizao de gnero na instituio, por exemplo, atravs doapoio e orientao para as promotorias no especializadas que funcionam norestante do estado.

    As promotorias possuem atribuio judicial e extrajudicial. Atuam nos

    processos que tramitam nos dois Juizados de Violncia Domstica e Familiar contraa Mulher da capital, desde as contravenes penais at os crimes mais graves comoos homicdios14 e, extrajudicialmente, atuam tambm na fiscalizao dos serviosque atendem as mulheres realizando visitas mensais DEAM, casas abrigos e aocentro de referncia. As irregularidades identificadas so reportadas aosrespectivos rgos competentes para que sejam sanadas. Outra atividadeextrajudicial da promotoria a participao na Cmara Tcnica para implementaodo Pacto Nacional de Enfrentamento Violncia Contra a Mulher e a realizao decursos de capacitao para promotores de justia e servidores do MinistrioPblico.

    Na percepo das trs promotoras entrevistadas (duas titulares e umasubstituta) os entraves para o bom funcionamento do servio so: pequeno nmerode promotoras de justia, de tcnicos para acompanhamento dos processos eprofissionais para constituio da Equipe Multidisciplinar. Figuram entre as propostaa composio de equipe multidisciplinar para acompanhamento das medidasprotetivas, incluindo visitas domiciliares s mulheres e

    13 O projeto de criao das promotorias foi iniciativa das promotoras de justia que atuavam no

    JECRIM e sentiam a necessidade de uma atuao especializada e exclusiva com os casos de violnciadomstica.14 Esta atribuio do Juizado de Violncia Domstica e Familiar de Belm ser analisada mais adiante.

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    um projeto de fazer um grupo de terapia de casais, um grupo de homens que amamdemais..vtimas de violncia que ainda querem estar junto [com o agressor]tem que sertratado, no s o trabalho da justia, trabalho de terapia, de cuidado da alma e da mente euma srie de coisas..

    Ncleo de Atendimento a Mulher da Defensoria Pblica - NAEMEm seu momento inicial, em 2007, o NAEM contava com apenas uma

    defensora pblica e uma sala emprestada no Ncleo de Defesa dos DireitosHumanos, posteriormente, uma vez constatado o volume de trabalho, foi designadamais uma defensora e o NAEM passou a contar com uma defensora para asmulheres e uma para os homens envolvidos em processos da Lei Maria da Penha.Apenas em dezembro de 2008 o NAEM conquistou a estrutura atual: ganharam umespao maior e a equipe foi ampliada para trs defensoras, sendo que uma acumula

    tambm as funes de coordenadora do Ncleo. O trabalho tem tambm acolaborao de seis estagirios de direito. Embora o nmero de defensores no sejagrande, a coordenadora informa que elas interferem diretamente na escolha doprofissional que ir trabalhar ali

    No assim um defensor deu problema em tal lugar, manda para o NAEM que elas estoprecisando de defensor. Na verdade a gente est precisando de material humanosensibilizado com a causa, com perfil para trabalhar com a mulher.

    A equipe de funcionrios do Ncleo tambm composto por um auxiliaradministrativo e um motorista que fica a disposio do grupo. Contam tambm

    com equipe multidisciplinar - formada por uma psicloga, duas assistentes sociais euma pedagoga. Entre as atividades que realizam esto o atendimento para asmulheres que chegam muito alteradas e necessitam de ajuda para relatar a violnciaela [a psicloga] oferece uma aguinha, s vezes faz um carinho na mo, faz com que a mulher se

    sinta segura e a ento vai passando e aos poucos ela vai conseguindo falar; o encaminhamentodas mulheres para atendimento em outros servios, insero em programas sociaise cursos de capacitao e as rodas de conversa, grupos que so realizados a cadaseis meses e renem mulheres para falar de suas experincias. Parte da verba para aconstituio do Ncleo foi obtida em convnio com Ministrio da Justia, atravsdo PRONASCI.

    A coordenadora observa que o impacto da Lei Maria da Penha para aDefensoria Pblica deveu-se ao fato de que a Defensoria sempre lidou com aviolncia domstica, mas no queria saber a origem do problema limitando-se a darencaminhamento s aes demandadas pelas mulheres, como a separaoconjugal, a guarda dos filhos, aes de alimentos mas no diziam por que estavaacontecendo aquilo?, pr que a mulher pudesse dizer porque eu fui espancada, por eu fui agredidaanos e anos.

    As atribuies do NAEM so judiciais participam de todas as audinciascveis e criminais representando aquelas mulheres que no possuem defensores

    constitudos. Tambm atuam na solicitao das medidas protetivas recepcionandogrande demanda que encaminhada pela DEAM

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    a DEAM descobriu que a defensoria pblica tem competncia pra pedir essas medidasprotetivas, fazem o boletim de ocorrncia e no final elas dizem, procurem a Defensoria...a elas chegam aqui eu leio pra elas as medidas, pergunto quais vo se adequar snecessidades delas, elas pedem e a gente faz...

    Possuem tambm atribuies extrajudiciais como a participao na CmaraTcnica de Implementao do Pacto Nacional de Enfrentamento a Violncia Contraa Mulher, a colaborao na fiscalizao dos servios e representao da DefensoriaPblica em eventos que tratam da Lei Maria da Penha.

    Equipe Multidisciplinar - Juizados de Violncia Domstica e Familiar contra a MulherUma das inovaes introduzidas pela Lei Maria da Penha a recomendao

    para que sejam criadas as equipes multidisciplinares que devero atuar nos Juizados

    de Violncia Domstica e Familiar assessorando os juzes atravs de parecerestcnicos, bem como na articulao entre Juizados e os demais serviosespecializados ou no especializados existentes em cada localidade.

    No Par, a equipe foi criada concomitantemente aos Juizados de ViolnciaDomstica e Familiar que atuam na capital. Formada por profissionais concursadasdo quadro do Tribunal de Justia, a equipe tem assistentes sociais (4), psiclogas (3)e pedagoga (1), alm de estagirios. A equipe atende aos dois Juizados existentes eas profissionais lamentam a falta de um quadro de funcionrios administrativos quepoderiam auxiliar nas tarefas como digitao de relatrios e atividades burocrticas.O projeto tambm previa a participao de um mdico e um tcnico de direito, masestes profissionais nunca vieram integrar a equipe.

    As atividades realizadas pela equipe coincidem com as previses da Lei Mariada Penha e consistem em: organizar os encaminhamentos para as vtimas,procurando dar atendimento amplo s suas necessidades e demandas e elaborar osestudos tcnicos (psicossociais) que so utilizados pelos juzes para fundamentarsuas decises. Raramente participam de audincias. Tambm raro haveratendimento para o agressor, mas quando o fazem para dar orientao sobredireitos e servios e enfatizam que nunca fazem mediaes entre o casal.

    Cada um dos juzes entende de uma forma a participao da equipe nadinmica dos Juizados. A juza titular do 1 Juizado de Violncia Domstica e Familiarencaminha todos os casos que do entrada em cartrio para que as mulheres sejamouvidas pela equipe. Segundo as entrevistadas, ela defende que toda mulher temdireito de ser ouvida em outro ambiente que no seja a audincia.. O juiz titular do 2 Juizado,por sua vez, demanda a interveno da equipe apenas naqueles casos em que henvolvimento de crianas, quando entende que necessrio realizar o estudopsicossocial.

    Quando solicitadas a identificar os parceiros para os encaminhamentos, aequipe enumerou alguns poucos servios Promotoria, o NAEM e o Centro Mariado Par justificando que no se preocupam em ter mapeados todos os servios,

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    uma vez que os encaminhamentos so realizados de maneira muito satisfatria peloCentro de Referncia Maria do Par. Mesmo assim, afirmam que a participao noscursos de capacitao foi fundamental para que pudessem identificar quem quemnos servios e assim firmar as parcerias que consideram necessrias.

    Servio Social - Delegacia Especializada no Atendimento a Mulheres 15Equipes de atendimento psicossocial sempre existiram na DEAM de Belm,

    desde que esta foi criada, em 1986. At 2009, o servio que era resultado de umaparceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDES), que cediaas psiclogas e assistentes sociais e a equipe era responsvel pelo atendimento detodas as mulheres que iam DEAM, realizando uma triagem das demandas eencaminhando conforme a necessidade identificada: para o registro policial ou para

    outros servios, como a Defensoria Pblica, etc. Ainda em 2009 o servio foidesativado e apenas no incio de 2010 o atendimento foi retomado com um novoformato: so quatro assistentes sociais duas so cedidas pela SEDES e outras duasso concursadas da Polcia Civil. No h mais psiclogas na equipe e alm das quatroprofissionais, ainda contam com algumas estagirias do Servio Social16. Com areduo do nmero de profissionais, a equipe no faz mais a triagem e passou aatender aquelas mulheres que chegam delegacia em busca de atendimentodiferente do registro policial.17

    Nenhuma das assistentes sociais tem experincia anterior com atendimentode mulheres em situao de violncia. Tambm no passaram por qualquer curso decapacitao. Uma das entrevistadas explica que ao assumir o cargo na polciarecebeu ... uma portaria dizendo onde eu estava lotada e s, mais nenhuma orientao, nenhumprocedimento, nada. Para outra entrevistada a no realizao de cursos decapacitao no constituem um grande problema, pois

    o tcnico da rea do Servio Social j tem uma sensibilidade e a profisso j voltadapara lidar com as questes sociais, ento no que no seja necessrio, mas j parte donosso trabalho atuar nessa rea....

    15 As condies de funcionamento da DEAM no sero detalhadas neste relatrio, o qual se deternos problemas apontados pelos entrevistados. Informaes sobre infra-estrutura e recursoshumanos da DEAM podem ser encontradas no relatrio Observe, 2010.16 So trs estagirias no turno da tarde: duas realizam estgios extracurriculares e so estudantes daUniversidade da Amaznia UNAMA e da Universidade Federal do Par. A outra estagiria tambmda UFPA realiza estgio curricular, no remunerado, trs dias por semana.17 A dinmica desta triagem foi relatada no caderno de campo das pesquisadoras, como segue:Algumas mulheres vo delegacia para pedir encaminhamento para outros rgos como aDefensoria, Ministrio Pblico, Juizado e etc... Muitas vo acompanhadas por algum membro dafamlia ou amiga/o. Porm nem todas vo delegacia para fazer o boletim de ocorrncia e na

    triagem elas so indagadas se querem ou no fazer o boletim de ocorrncia, se a resposta fornegativa esta mulher encaminhada ao setor social da delegacia para participar de uma convocaocom o sujeito da agresso.

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    Ainda que tenham sensibilidade para tratar com as questes sociais, odesconhecimento sobre as implicaes da violncia domstica na vida das mulheresdeixa efeitos claros no atendimento que oferecem. Ao descrever o trabalho querealizam, uma das entrevistadas diz que explicam as medidas protetivas, fazemencaminhamentos para o Centro Maria do Par, em alguns casos realizam visitas

    domiciliares e elaboram pareceres tcnicos para as delegadas sobretudo emdenncias de maus tratos contra crianas, mas a grande nfase colocada naatividade de conciliao e aconselhamento para o agressor e o casal consistindo emencaminhamentos, convocaes, orientaes, reflexes, audincias de conciliao,n, que a gente faz na verdade tentativa de conciliao de conflito... Em mais deum momento as entrevistadas se referem a esta atividade e, para algumas delas arelevncia desse atendimento tambm reconhecida pelo movimento de mulheresque teria pressionado para que a equipe fosse reconstituda.18

    ...porque sentiram [o movimento de mulheres] muita falta, falta das convocaes dos

    homens...os homens precisam, eles precisam da minha rea de ao e tambm a Lei Mariada Penha clara nesse sentido, eles precisam de atendimento tambm....a gente procurafazer as orientaes, uma reflexo. Ento, deveria ter um centro especfico paraatendimento do homem...no sei se o Centro Maria do Par tem uma diviso para ohomem ...

    Condies para aplicao da Lei Maria da Penha em Belm

    As condies para aplicao da Lei Maria da Penha em Belm podem serdescritas por contrastes. De um lado est a DEAM, primeira poltica pblica para

    enfrentar a violncia contra a mulher no estado, criada em 1986, e que vemenfrentando srios problemas em seu funcionamento, alguns dos quais j haviamsido identificados na pesquisa anterior (Observe, 2010) e puderam ser mais bemobservados e compreendidos nesta pesquisa, obtendo-se um cenrio maiscompleto a partir das contribuies feitas por diferentes funcionrios da DEAM edos servios da rede.

    Parte dos problemas identificados na DEAM refere-se s pssimas condiesde suas instalaes. A Delegacia est instalada num prdio cedido pela Secretaria deEstado de Desenvolvimento Social, o qual no foi reformado ou adaptado para

    receber o servio apresentando visveis desgastes na edificao (infiltraes, faltade pintura, etc.). Os espaos destinados ao atendimento para as mulheres no soadequados e representam um desrespeito sua dignidade, violando todas asrecomendaes nacionais e internacionais quanto ao atendimento para mulheresem situao de violncia, que deve ser pautado na privacidade e no respeito suasituao de vulnerabilidade. As condies so precrias tambm para o(a)sfuncionrio(a)s que no encontram estruturas fsicas e materiais adequadas para o

    18 No caderno de campo a pesquisadora relata que para uma das entrevistadas, este trabalho podeser considerado nico, pioneiro, j que desconhece que atendimento semelhante seja realizado em

    outras DEAMS do pas. Entendem que ao dar atendimento ao agressor esto cumprindo com asdeterminaes da Lei Maria da Penha que recomenda as medidas de responsabilizao que deveroser aplicadas ao agressor.

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    desempenho de suas atividades. Durante a observao do atendimento, quando aspesquisadoras puderam interagir com o(a)s funcionrio(a)s, foram freqentes osrelatos de adoecimento por estresse, desnimo e queixas de que trabalham emdesvio de funo, uma vez que a falta de pessoal faz com que tenham que assumir

    diferentes funes no trabalho. Entre os problemas desta DEAM, destaca-se agravidade do mesmo espao concentrar a DEAM, uma carceragem19 e asdependncias da casa abrigo estadual20. A pesquisa anterior (Observe, 2010) haviaapurado que uma nova sede estava em construo, mas durante o estudo de casoobteve-se a informao de que as referidas obras estavam paradas.

    Existem tambm problemas com o atendimento na DEAM e profissionais dediferentes servios alertaram para despreparo dos policiais, incluindo delegadas depolcia que no apresentam o perfil para trabalhar na delegacia e quedesestimulam as vtimas a registrarem ocorrncias contra seus agressores21. importante ressaltar que estas crticas so direcionadas a algumas delegadasplantonistas, com recorrente ressalva para a atuao da delegada titular da DEAM,descrita por todos como mulher empenhada em mudar o atendimento e melhorar oquadro geral de funcionamento desta instituio policial. Considerando que aqualidade do atendimento deve-se muito mais ao perfil do policial do que a umapoltica institucional (Pasinato, 2010) reafirma-se que esta avaliao no pode sergeneralizada para todos os policiais. Uma escriv entrevistada chama a atenopara a crescente busca de especializao dos policiais atravs de cursos degraduao e de ps-graduao. Informa, tambm, que muitos policiais seidentificam com o trabalho na DEAM e, a despeito das condies de trabalho, tmcompromisso de atendimento com as mulheres. Ainda que existam policiais

    comprometidos, o quadro geral de atendimentos oferecidos pela DEAM foiapresentado de forma muito negativa pelas entrevistadas nos diversos servios.Soma-se a este quadro de deficincia no atendimento, a existncia do servio socialque tem como prtica e conciliao entre os casais e o atendimento aos agressores,

    19 No caderno de campo as pesquisadoras relatam que a carceragem estava com ocupao entre 17 e19 presos, sendo que alguns haviam sido presos em flagrante pela DEAM, mas havia tambm presosencaminhados pela delegacia de proteo ao meio ambiente e da criana e adolescente. Umexemplo de desvio de funo relatado pelos policiais, so os cuidados com os presos alimentao,transporte para as audincias, recepo de visitantes e vigilncia que so realizados pelos policiaisda DEAM (investigadore/as e escrivs), uma vez que no existe agente carcerrio no local.20 No foi possvel realizar entrevista com a coordenadora da Casa Abrigo do Estado. Aspesquisadoras solicitaram autorizao para a SEDES, mas esta no foi obtida antes da concluso dasatividades de campo, razo pela qual tambm no puderam visitar o local. A casa abrigo temendereo sigiloso, mas todos os profissionais da rede de servios sabem que ela esta instalada junto DEAM. A Promotoria Especializada e o NAEM j fizeram visitas de fiscalizao ao local e apuraramas pssimas condies das instalaes, inclusive pela insalubridade e risco de vida para as mulheres ecrianas.

    21 Segundo havia sido apurado anteriormente, a delegada em questo estava alocada na DEAMenquanto esperava por sua aposentadoria e no tinha nenhuma identificao com o trabalho querealizava ali. Cenas de desrespeito com as mulheres protagonizadas por esta delegada foramrelatadas inclusive pela delegada titular, que se sentia de mos atadas pela impossibilidade de

    remoo da funcionria para outro local. Aparentemente, no intervalo entre as duas pesquisas adelegada havia se aposentado e algumas das pessoas entrevistadas afirmam que as reclamaes emrelao ao atendimento na DEAM haviam diminudo.

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    o que faz com que a DEAM de Belm tenha que ser revista como polticaespecializada de enfrentamento a violncia contra a mulher, com o risco de que oatendimento esteja criando maior obstculo para que as mulheres tenham acesso aseus direitos.

    Estes e outros problemas que foram identificados na DEAM tm sido alvo deateno da Promotoria Especializada, do NAEM e da Coordenadoria Estadual deDireitos da Mulher que vinham pressionando os rgos competentes para que aconstruo do novo prdio da DEAM fosse concluda e os excessos percebidos nosatendimentos fossem saneados. De acordo com algumas entrevistadas, emdecorrncia dessa presso j era possvel perceber algumas mudanas,especialmente pela diminuio das reclamaes apresentadas pelas prpriasmulheres.

    No outro extremo das condies para a aplicao da Lei Maria da Penha

    encontram-se os Juizados de Violncia Domstica e Familiar. Criados por uma leiestadual que modificou a Organizao Judiciria do Tribunal de Justia do Par, osdois Juizados julgam exclusivamente processos de violncia domstica e familiarcontra a mulher e possuem ampla competncia para o julgamento de causas cveis etambm de contravenes penais e causas criminais desde os crimes mais leves atos homicdios, uma vez que tambm atuam com competncia de tribunal de jri.At onde se conhece esta uma experincia nica no pas22.

    Para coordenar as atividades dos juizados e promover sua integrao com osdemais rgos do Sistema Judicial, o Tribunal de Justia Estadual criou o Grupo deCombate Violncia Contra a Mulher, que rene representantes do prprioJudicirio, do Ministrio Pblico, da Defensoria e da Ordem dos Advogados doBrasil. Alm da fiscalizao dos juizados e dos servios especializados, o grupotambm coordena campanhas educativas atravs da produo e distribuio demateriais didticos e de divulgao da Lei Maria da Penha.

    Os Juizados contam com a Equipe Multidisciplinar que parece compreendera relevncia de seu papel na elaborao dos pareceres tcnicos e noencaminhamento para servios com melhor aptido e mais condies para darseguimento ao atendimento que dever ser prestado s mulheres. Complementamo quadro de prestao da justia o Ministrio Pblico e a Defensoria Pblica, que

    tambm criaram instncias especializadas para atuar exclusivamente nos casos deviolncia domstica e familiar. A despeito de todo este quadro positivo, aindafaltam funcionrios e h um acmulo de processos nos dois juizados, gerandoatrasos para o cumprimento das medidas protetivas.

    22 As Varas de Violncia Domstica e Familiar de Cuiab tambm tinham competncia para atuar nosprocessos de homicdios, mas se limitava instruo criminal e a deciso de levar ou no o caso aojulgamento pelo jri popular. Uma vez pronunciado o ru, a competncia passa para a Vara de Jri

    onde o processo segue at seu desfecho. Esta diviso deve-se ao fato de no ter havido alterao daorganizao judiciria para criao de novas varas do jri na capital, como ocorreu no Par.(Pasinato, 2010b)

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    Observa-se que, apesar de restrita, se bem articulada, a oferta de serviosespecializados em Belm poder dar um bom atendimento s necessidades dasmulheres nas reas da segurana, justia e atendimento psicossocial. Para asentrevistadas existem duas lacunas que precisam ser preenchidas para melhorar os

    encaminhamentos que realizam: nos servios de sade, especialmente porqueidentificam muitas mulheres como portadoras de distrbios psquicos; e serviospara encaminhamento dos agressores (esta micro-rede de atendimento formadapelos Alcolicos Annimos e CAPS-AD).

    Uma caracterstica dos servios includos nesta pesquisa a existncia deprofissionais de psicologia e assistncia social em todos eles. Nem todas as equipesso completas para um atendimento multidisciplinar na DEAM trabalham apenasassistentes sociais, na promotoria encontra-se apenas uma psicloga, mas em todosos servios as equipes fazem acolhimento, orientao e encaminhamento paraoutros servios. No Ncleo da Defensoria Pblica ocorrem grupos de reflexo paramulheres. A Promotoria planeja organizar grupos de reflexo para homens e terapiapara casais e gostaria tambm de acompanhar o cumprimento das medidasprotetivas com visitas domiciliares. Na DEAM convocam o agressor, praticamatividades de conciliao e acordos. No Centro Maria do Par rgo que, pordefinio, deveria centralizar o atendimento psicossocial e coordenar osencaminhamentos para os demais setores, servios e programas sociais, a equipequeixa-se que a demanda que chega ao servio ainda pequena e percebem queum dos obstculos pode ser a falta de capacitao dos demais profissionais queconhecem o servio, mas no compreendem o papel de organizador do fluxo que oCentro de Referncia pode/deve assumir.

    Embora tenha uma boa cobertura, os servios que funcionam em Belm noapresentam a configurao de uma rede articulada e seu funcionamento, excetopelos encaminhamentos que realizam, se faz isoladamente. Mas h uma mudanaem curso. A Coordenadoria Estadual de Proteo dos Direitos da Mulher vemempenhando esforos para dar andamento a um projeto que integrar os serviosnuma rede articulada de ateno. O primeiro passo foi dado em 2008 com aconstituio de um Grupo de Trabalho composto por profissionais de todos osservios especializados da capital, alm de representantes dos movimentos demulheres. Por sua atuao na formulao de polticas pblicas de gnero e na

    implementao e monitoramento do Pacto Nacional pelo Enfrentamento daViolncia contra as Mulheres23, a Coordenadoria tambm vem promovendo ummovimento de aproximao entre as discusses sobre a rede e os trabalhos daCmara Tcnica. A iniciativa poder render bons frutos: a Cmara Tcnica renerepresentantes de secretarias de estado, representantes de municpios, conselhosde direitos da mulher, ONGs e organismos de polticas para mulheres, e devem sercriadas para o monitoramento e avaliao das aes do Pacto Nacional em cada

    23O Par foi um dos primeiros estados a aderir ao Pacto, em dezembro de 2007. No ano anterior, em2006, havia sido criada a Coordenadoria Estadual de Promoo dos Direitos da Mulher, organismo

    que assumiu a conduo da implementao do Pacto Nacional naquele estado. Belm um dosmunicpios-plo para a implementao do Pacto. De acordo com dados da SPM, entre 2007 e 2010 oestado recebeu R$ 5.221.441,25. www.sepm.gov.br/balanco_do_pacto. Acesso em 26/02/2011

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    estado e municpio. O estreitamento da participao destes representantesgovernamentais nas discusses sobre a articulao da rede, tanto contribui para atransversalidade de gnero nas polticas pblicas quanto contribui para aintersetorialidade das aes de enfrentamento da violncia contra a mulher, umavez que a discusso deixa de ser feita apenas pelos profissionais que esto na

    ponta do atendimento para envolver gestores e formuladores de polticas pblicascom capacidade para definir alteraes substanciais no modo de funcionamentodas polticas, servios e programas sociais condio que tem sido apontada comoessencial para xito da articulao das redes e oferta de servios integrados para asmulheres.

    Entre os cinco capitais includas neste estudo, a experincia de Belm deenvolvimento da Cmara Tcnica no desenvolvimento do projeto da rede mostrou-se indita. Por ser ainda muito recente, no foi possvel avaliar o sucesso destainiciativa. De qualquer forma, trata-se de uma soluo cujos resultados devero ser

    monitorados para que se conheam seus desdobramentos, podendo vir a seconstituir numa prtica promissora para a implementao integral da Lei Maria daPenha.

    Distrito Federal

    O Distrito Federal dividido em 30 Regies Administrativas (RAs), e tem emBraslia a sede do Governo do Distrito Federal. Nesta localidade, a cobertura deservios especializados para o enfrentamento da violncia contra a mulher e sua

    organizao apresenta algumas caractersticas que a diferencia do restante dascapitais pesquisadas. Em todo o Distrito Federal existe apenas uma DelegaciaEspecializada de Atendimento a Mulher. O restante do atendimento especializadofaz-se nos Postos de Atendimentos a Mulher que esto instalados nas delegacias depolcia. Quanto aos Juizados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher, soquatro no Distrito Federal, trs dos quais esto instalados no Plano Piloto. Nasdemais Regies Administrativas o Tribunal de Justia (TJDFT) utilizou as estruturasde Juizados Especiais Criminais (JECRIM) que aplicam cumulativamente a Lei Mariada Penha passando a chamar Varas de Juizado Especial Criminal e Violncia Domsticae Familiar contra a Mulher. De acordo com uma entrevistada no a apenas a

    mesma estrutura que mantida, masas equipes [tambm] so as mesmas o que favoreceque prevalea a mentalidade de que os processos devem ser arquivados se no h desejo da vtimarepresentar criminalmente contra o agressor.

    Outra caracterstica relevante a oferta de atendimento para vtimas eautores em casos de violncia contra a mulher concentrada no interior do Sistemade Justia, tanto no Judicirio quanto no Ministrio Pblico. Por fim, observa-senesta localidade a convivncia de servios que so anteriores Lei Maria da Penha,e foram adaptados para sua aplicao com outros que foram criados aps aaprovao da Lei e que se empenham para que as mudanas no atendimento sejammais profundas, como por exemplo, a Coordenadoria de Assuntos da Mulher daSecretaria de Estado de Justia, Direitos Humanos e Cidadania do Governo do

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    Distrito Federal. As entrevistas realizadas pelo projeto concentraram-se nessesservios, conforme apresentado a seguir.

    SERAV Servio de Atendimento a Famlias em Situao de ViolnciaA presena de equipes de atendimento psicossocial nos tribunais de justia

    brasileiros anterior Lei Maria da Penha. Sua funo intervir em processos dasVaras de Famlia e nas Varas de Crianas e Adolescentes, principalmente naelaborao de pareceres tcnicos que so utilizados pelos juzes em suas decises.A partir de 1995, com o advento da Lei 9099/95, alguns tribunais usaram o apoiodessas equipes para a aplicao de penas alternativas, principalmente nosprocessos relacionados a uso de entorpecentes quando psiclogos e assistentessociais passaram a atuar nos encaminhamentos e acompanhamento das medidas.

    Em 2006, a Lei Maria da Penha, introduziu uma nova possibilidade de atuao paraprofissionais de psicologia e servio social, desta vez atuando junto aos juzes deJuizados de Violncia Domstica e Familiar contra a mulher, para acompanhamentodos desdobramentos das medidas protetivas e de assistncia e na elaborao dospareceres tcnicos para a fundamentao de decises pelos magistrados.

    No Tribunal de Justia do Distrito Federal e dos Territrios (TJDFT), aexistncia dessas equipes est integrada em seu organograma atravs da SecretariaPsicossocial Judiciria, que por sua vez, tem em sua estrutura duas subsecretarias equatro servios24. Segundo o coordenador da Subsecretaria de Atendimento s

    Famlias Judicialmente Assistidas, qual se encontra subordinado o setor que atuanos casos de violncia domstica (SERAV), a grande mudana introduzida pela LeiMaria da Penha foi a aproximao entre os juzes e as equipes que passam aacompanhar das audincias. Para o entrevistado, esse era tambm um desejo dasequipes, uma vez que possibilita a construo de um atendimento realmenteinterdisciplinar e tambm mais gil na proposio de encaminhamentos.

    O SERAV atende mulheres e homens (e tambm seus filhos) envolvidos emprocessos que tramitam na justia. Atua apenas nos casos de violncia domstica,mas no exclusivamente com os Juizados de Violncia Domstica e Familiar. Suaequipe formada por 24 profissionais de psicologia e de servio social, todos

    concursados do Tribunal de Justia. Experincia anterior com a temtica daviolncia domstica foi um dos critrios de seleo destes profissionais paraintegrarem-se ao setor. O trabalho que realizam foi adequado s previses do artigo

    24 Segundo informao disponvel no site do TJDFT, o organograma atual do Tribunal foi definidopela Resoluo 005 de 05/05/2009, segundo a qual Secretaria Psicossocial Judiciria(SEPSI) formada por duas Subsecretarias: a Subsecretaria de Atendimento a Famlias JudicialmenteAtendidas (SUAF) que se divide em dois servios: Servio de Atendimento a Famlias com Ao Cvel(SERAF) e Servio de Atendimento a Famlias em Situao de Violncia (SERAV) e a Subsecretaria deAtendimento a Jurisdicionados Usurios de Substncias Qumicas, que, por sua vez, tambm se

    divide em dois servios: Servio de Atendimento a Usurios de Substncias Qumicas (SERUC) e Serviode Pesquisas e Projetos (SERPEQ). http://www.tjdft.jus.br/trib/inst/comp/inst_org.asp . Acesso em 28de fevereiro de 2011

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    29 da Lei Maria da Penha: elaboram pareceres tcnicos, participam de audinciassempre que solicitado pelos juzes, encaminham as mulheres e seus agressores parareceberem atendimento em outros servios. Fazem atendimentos individualizadoscom as crianas, mas com os adultos o setor organiza grupos de reflexo comhomens e mulheres. O diferencial dessa proposta que

    ...os grupos misturam homens e mulheres, com o cuidado de no colocar o mesmocasal no mesmo grupo. Misturar homens e mulheres facilita o dilogo relacional. Permite queas mulheres saiam do lugar de vtima e que tambm os homens no tentem se colocar nesselugar em busca de justificativas para o seu comportamento...

    Ainda de acordo com o coordenador da Subsecretaria, os grupos consistemem cinco encontros, realizados uma vez por semana, e tem como finalidadeidentificar a situao de risco e vulnerabilidade em que aquelas pessoas estoinseridas. A partir dos grupos so elaborados pareceres tcnicos que so entreguesaos juzes que, por sua vez, podem us-los para orientar suas decises. A

    metodologia dos grupos adota uma abordagem relacional na configurao dospapis de gnero feminino e masculino. Reflexes sobre o lugar de homem emulher na relao, sobre o ato violento e as possibilidades de sada dessa situaoviolenta, so objetivos buscados. Para o coordenador, esse processo de discusso tambm teraputico, embora este no seja o objetivo principal do trabalho. Aindasob esta mesma abordagem, o coordenador observa que a evaso das mulheres maior do que aquela que se verifica entre os homens

    a impresso que tenho de que as mulheres acham que a violncia uma coisanica e exclusivamente masculina e se esse homem se tratar, ela vai estar com suas questesresolvidas.

    Ncleo de Atendimento a Mulher- Defensoria Pblica do Distrito Federal eTerritrios25

    O Ncleo de Atendimento a Mulher da Defensoria Pblica do Distrito Federale Territrios foi criado em 2009 para atuar junto ao 1 e 2 Juizados de ViolnciaDomstica e Familiar contra a Mulher, conforme recomendao da Lei Maria daPenha. Por ser rgo da Defensoria Pblica, a regra da hipossuficincia dapopulao assistida prevalece e, embora o Ncleo tenha sido criado para trabalhar

    com aes da Lei Maria da Penha, as defensoras atendem a todas as mulheres quenecessitam ingressar com aes cveis e de famlia, independente de haver histricode violncia, encaminhando as aes para as Varas de Famlia.

    A verba para constituio Ncleo veio atravs do PRONASCI, medianteconvnio com o Ministrio da Justia. Alm de mveis e equipamentos, o convniopermitiu a contratao de estagirias. O Ncleo funciona no Frum Criminal ondeesto instalados o 1 e o 2 Juizado, mas as instalaes so compartilhadas com

    25

    A Defensoria do Distrito Federal um rgo subordinado Secretaria de Justia, Direitos Humanose Cidadania do Governo do Distrito Federal, ou seja, no um rgo autnomo como previsto pelaConstituio Federal.

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    outros ncleos da Defensoria. Apesar da preocupao com a privacidade e asegurana das mulheres atendidas no local, a coordenadora observa que o mesmoespao utilizado pela defensora que atende os homens, o que demanda maiorcuidado para o atendimento. Os recursos humanos so poucos: alm da

    coordenadora, h uma segunda defensora pblica e uma advogada que colabora noatendimento s mulheres, duas estagirias de Direito e uma psicloga. Como se temverificado em outros servios, o objetivo da coordenadora do Ncleo aconstituio de uma equipe multidisciplinar.

    ...A minha idia inicial e que eu ainda no consigo concretizar completamente, era agente ter um atendimento multidisciplinar. Atendimento jurdico, que o nosso deverinstitucional, o atendimento psicolgico e o atendimento assistencial. Eu ainda no conseguiter uma assistente social no Ncleo e eu acho que no caso dessas mulheres, principalmenteno caso das mulheres hipossuficientes, um atendimento de assistente social fundamental.

    Enquanto no constitui esse atendimento multidisciplinar, a coordenadorado Ncleo diz que uma das estagirias tem um forte apelo social e procura ajudaras mulheres no atendimento de suas necessidades mais imediatas. O Ncleomantm um cadastro de programas sociais e faz os encaminhamentos necessriospara os CRAS e tambm para programas como Alcolicos Annimos.

    Embora a constituio do Ncleo de Atendimento a Mulher seja um avanona assistncia judiciria gratuita e na aplicao da Lei Maria da Penha, seu serviosso ainda seletivos, uma vez que o Ncleo atua apenas nos processos que tramitamno 1 e 2 Juizado de Violncia Domstica e Familiar contra a mulher. Para suprir alacuna deste atendimento no 3 Juizado de Violncia Domstica e Familiar, que

    tambm est localizado no Plano Piloto, mas est instalado em outro Frum, a juzatitular do Juizado realizou convnio com uma universidade particular UNICEUB que instalou no espao um Ncleo de Prtica Jurdica para seus alunos. A partir dosanos 2000, por uma exigncia do Ministrio da Educao e Cultura (MEC), asfaculdades de Direito pblicas e privadas de todo o pas passaram a ser obrigadas acriar Ncleos de Prtica Jurdica para seus alunos. Os Ncleos oferecem estgioscurriculares de dois anos, divididos em mdulos de seis meses que os alunos podemdistribuir em diversas reas do Direito criminal, cvel, de famlia, do trabalho, etc.Todo trabalho tem superviso de professores e o objetivo ensinar aos alunos aelaborao de peas processuais, alm da prestao do servio de carter social que

    os coloca em contato com o cotidiano do trabalho nos fruns e com as demandasda populao.

    No caso do atendimento realizado no 3 Juizado de Violncia Domstica eFamiliar, o Ncleo constitudo por dois professores-coordenadores e 17 alunos quese revezam no local para cumprir a carga horria do estgio26. A estrutura e oatendimento so precrios pela falta de espao - provisoriamente, foram instaladosno gabinete da juza - e de equipamentos (no h computadores para todos) e, almdisso, o(a)s aluno(a)s dividem-se tambm para atender Vara de Auditoria Militarque funciona no mesmo prdio. De acordo com o professor-coordenador

    26 Esse nmero varivel conforme a demanda de alunos inscritos

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    entrevistado, h um maior nmero de mulheres estagiando no Ncleo, mas em suaopinio o que influencia a escolha do local para a realizao do estgio no atemtica da violncia domstica, mas a localizao do Frum no Plano Piloto27.

    Formalmente, a instalao deste Ncleo veio assegurar o acesso defesa

    gratuita para as mulheres que so atendidas no 3 Juizado de Violncia Domstica eFamiliar28, que recebem orientaes sobre seus processos, mas no recebemacompanhamento nos processos criminais, de forma que esse atendimento nosupre integralmente os servios prestados pela Defensoria Pblica narepresentao das mulheres. A limitao deste atendimento e o nus que recaisobre as mulheres no podem ser ignorados: os professores que coordenam ostrabalhos no so especialistas em gnero e violncia e o conhecimento sobre a LeiMaria da Penha limita-se ao domnio tcnico para a formalizao de aes edemandas; o(a)s estagirio(a)s no passam por nenhum curso preparatrio paraatender as mulheres em situao de violncia e a Lei Maria da Penha no tema

    especfico de disciplinas na faculdade, figurando apenas como tema de seminrios(nos quais a participao no obrigatria), conforme foi afirmado por algumasestagirias. Alm disso, como j afirmado, a atuao desse(a)s estudantes estlimitada elaborao de peas processuais que devero instruir os processos najustia, mas no h acompanhamento das mulheres nas audincias criminais comorecomendado pela Lei Maria da Penha, nem fazem encaminhamentos para outrosservios e atendimentos os quais, alis, desconhecem.

    O Ncleo de Atendimento a Mulher da Defensoria Pblica percebe essaslimitaes e tem oferecido atendimento para as mulheres cujos processos tramitam

    no 3 Juizado. Ocorre que, este atendimento limita-se orientao e, alm disso,implica que as mulheres precisam se deslocar ao outro frum para receberatendimento. No se pode esquecer que os obstculos econmicos para acesso justia para boa parte desta populao esto sempre em primeiro plano, emboramuitas vezes no o abordemos como tema de especfico de anlise.

    O resultado desse quadro o impacto sobre o acesso justia para asmulheres em situao de violncia domstica e familiar que acaba sendodiferenciado dentro deste grupo. Embora o carter emergencial desta soluopossa ser compreendido, sua interveno tem que ser provisria e no podeconfigurar-se como arranjo permanente de aplicao da Lei Maria da Penha.

    27 De acordo com a estagiria que estava no local, o espao tambm privilegiado, uma vez quepodem ficar em uma sala. Em outros fruns, os estudantes ficam pelos corredores, pois no existemespaos que possam ser utili