identificação dos riscos de uma construção civil

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Como identificar-se os riscos em uma construção civil? Prof. Eng. Antonio Fernando Navarro INTRODUÇÃO A pergunta pode até soar estranha, quando feita, já que em uma construção civil tem-se uma infinidade de riscos, independentemente do porte da mesma, desde que guardadas as relações de similaridade, como por exemplo, construções de prédios residenciais, construção de obras de arte especiais (pontes, túneis, viadutos), construção de contenção de encostas, entre outras. Entre todo o conjunto de construções, a construção civil de prédios ou edificações é a que mais emprega mão-de-obra, especializada ou não. Desta maneira como se identificar os riscos? Pela característica multifacetada de uma construção, envolvendo distintas disciplinas, poderão existir riscos, os quais por si só tenham uma limitada extensão quanto à gravidade ou severidade das perdas e outros onde os efeitos se multiplicam, como no caso de um desabamen to de uma estrutura. Os riscos não são devidos somente a aquilo que se executa, mas também como e de que forma se executa. E aí, entre em cena a tão decantada mão-de-obra e suas qualificações, com os empresários reclamando sempre da qualificação da mão-de-obra, levantando a bandeira da eterna rotatividade dessa mesma mão-de-obra, fruto mais dos reduzidos períodos de obra e da necessidade das empresas manterem em seus quadros próprios de pessoal somente aquela estrutura mais qualificada, certamente de maior nível hierárquico – estrutura enxuta. A mão-de-obra normalmente encontrada em uma construção civil abrange categorias como: armadores (preparadores de armaduras ou ferragens inseridas em concreto), carpinteiros, pintores, ladrilheiros, encanadores, eletricistas, soldadores, montadores de esquadrias,  portas, janelas, elevadores, monta cargas, entre outras atividades. Muito dessa mão-de-obra permanece na construção por um período curto, que nós denominamos de turn over ou rotatividade elevada. Também, ao sabor da demanda de mercado, há um incremento ou decréscimo de lançamentos imobiliários, com ingressos ou demissões de contingentes de trabalhadores menos qualificados. Assim, os operários passam a adquirir distintas culturas em função daquelas absorvidas em cada uma das empresas em que trabalharam. Há empresas mais cuidadosas ou com maiores predicados para projetos, outras que se voltam mais para a segurança, ainda outras que têm como diferencial a rapidez na entrega dos imóveis, aquelas que se  preocupam com a qualidade dos materiais empregados, e assim segue. Não é incomum que os

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8/6/2019 Identificação dos riscos de uma construção civil

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Como identificar-se os riscos em uma construção civil?

Prof. Eng. Antonio Fernando Navarro

INTRODUÇÃO

A pergunta pode até soar estranha, quando feita, já que em uma construção civil

tem-se uma infinidade de riscos, independentemente do porte da mesma, desde que guardadas as

relações de similaridade, como por exemplo, construções de prédios residenciais, construção de

obras de arte especiais (pontes, túneis, viadutos), construção de contenção de encostas, entre outras.

Entre todo o conjunto de construções, a construção civil de prédios ou edificações é a que mais

emprega mão-de-obra, especializada ou não.

Desta maneira como se identificar os riscos? Pela característica multifacetada de

uma construção, envolvendo distintas disciplinas, poderão existir riscos, os quais por si só tenham

uma limitada extensão quanto à gravidade ou severidade das perdas e outros onde os efeitos se

multiplicam, como no caso de um desabamento de uma estrutura.

Os riscos não são devidos somente a aquilo que se executa, mas também como e

de que forma se executa. E aí, entre em cena a tão decantada mão-de-obra e suas qualificações, comos empresários reclamando sempre da qualificação da mão-de-obra, levantando a bandeira da eterna

rotatividade dessa mesma mão-de-obra, fruto mais dos reduzidos períodos de obra e da necessidade

das empresas manterem em seus quadros próprios de pessoal somente aquela estrutura mais

qualificada, certamente de maior nível hierárquico – estrutura enxuta.

A mão-de-obra normalmente encontrada em uma construção civil abrange

categorias como: armadores (preparadores de armaduras ou ferragens inseridas em concreto),

carpinteiros, pintores, ladrilheiros, encanadores, eletricistas, soldadores, montadores de esquadrias, portas, janelas, elevadores, monta cargas, entre outras atividades.

Muito dessa mão-de-obra permanece na construção por um período curto, que nós

denominamos de turn over ou rotatividade elevada. Também, ao sabor da demanda de mercado, há

um incremento ou decréscimo de lançamentos imobiliários, com ingressos ou demissões de

contingentes de trabalhadores menos qualificados. Assim, os operários passam a adquirir distintas

culturas em função daquelas absorvidas em cada uma das empresas em que trabalharam. Há

empresas mais cuidadosas ou com maiores predicados para projetos, outras que se voltam mais paraa segurança, ainda outras que têm como diferencial a rapidez na entrega dos imóveis, aquelas que se

  preocupam com a qualidade dos materiais empregados, e assim segue. Não é incomum que os

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especialistas, ao olharem para uma edificação o associem a uma construtora específica, mais pelas

características e qualidade da construção.

Mas, diante disso e até por detrás disso há um grande contingente de pessoas que

faz com que os empreendimentos sejam erguidos. Esse enorme contingente de pessoas fica exposto

ou pode provocar acidentes. É sobre isso que iremos tratar neste artigo.

APRESENTAÇÃO

Quando se menciona riscos durante uma construção civil é perceptível que as

  pessoas comecem imaginando uma construção de uma residência, e depois a construção de um

 prédio de apartamentos ou de um edifício comercial. Ao passarmos por muitas dessas construções pelas calçadas não nos damos conta de que muitos dos riscos existentes não só podem atingir os

 próprios operários da obra como também os transeuntes nas ruas e calçadas. Para evitar-se isso ou

atenuarem-se os riscos as empresas dispõem de um corolário de Normas Regulamentadoras

emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as quais são de cumprimento obrigatório. Em

muitas situações, o MTE, por falta de pessoal para isso, não fiscaliza com maior profundidade as

obras e, assim, tem-se os riscos ampliados pelo descumprimento das normas e até, digamos, pela

falta de uma cultura prevencionista da empresa.

Uma norma, mesmo que obrigatória, é uma diretriz que as empresas devem

cumprir, minimamente. As normas regem comportamentos, inclusive os relacionados com as

questões de responsabilidade social.

A gestão de pessoas nas organizações vem se constituindo num dos

  principais pontos determinantes do sucesso. A política de pessoal normalmente deve

estar direcionada para os objetivos estratégicos da organização, relacionados com os

resultados financeiros e o processo produtivo da empresa. Recentemente aborda-se a

questão da responsabilidade social das organizações e a relevância dos resultados aí

localizados para o reconhecimento da sociedade e para a sustentabilidade do

crescimento empresarial. A declaração de visão ou missão de uma empresa socialmente

responsável freqüentemente vai além do propósito de “lucrar” ou “ser melhor”, e

especifica que a empresa procurará agregar valor a todos os envolvidos no ambiente

empresarial: acionistas/proprietários, funcionários, clientes, fornecedores, comunidades,

e o próprio meio ambiente.1 

1 Quelhas et al, A Cultura de Segurança como resultado de um processo de liderança eficaz

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MELO apud MESQUITA (1998) define riscos do trabalho, também

chamados riscos profissionais, como sendo os agentes presentes nos locais de trabalho,

decorrentes de precárias condições, que afetam a saúde, a segurança e o bem-estar do

trabalhador, podendo ser relativos ao processo operacional (riscos operacionais) ou ao

local de trabalho (riscos ambientais).A Norma Regulamentadora (NR) 9, considera riscos ambientais os

agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho, capazes de

causar danos à saúde do trabalhador. Consideram-se agentes físicos as diversas formas

de energia a que possam estar expostos os trabalhadores, tais como ruídos, vibrações,

temperaturas extremas, entre outras; consideram-se agentes químicos as substâncias,

compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória nas

formas de poeiras, fumos, neblinas, névoas, gases ou vapores, ou que, pela natureza daexposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por 

ingestão; consideram-se agentes biológicos, dentre outros: bactérias, fungos, bacilos,

 parasitas, protozoários e vírus.

Existem ainda os riscos ergonômicos, que envolvem agentes como

esforço físico intenso, levantamento e transporte manual de peso e exigência de postura

inadequada (Rodrigues, 1995). Este mesmo autor menciona um outro tipo de risco de

acidentes, o risco social, decorrente da forma de organização do trabalho adotada na

empresa, que pode comprometer a preservação da saúde: o emprego de turnos de

trabalho alternados, divisão excessiva do trabalho, jornada de trabalho e intensificação

do ritmo de trabalho são apenas alguns exemplos. 2 

Em uma visão simples poderíamos dizer que os riscos envolvidos em uma

construção civil podem ser classificados de três modos:

•  Riscos Internos

•  Riscos Externos

•  Riscos Internos e Externos

Por riscos internos entende-se aqueles que afetam unicamente o ambiente interno

da obra, como a queda de uma ferramenta de trabalho, um acidente do trabalho, o desabamento

  parcial de um escoramento, ou quaisquer outros riscos que não causam reflexos no ambiente

externo.

2 Medeiros et Rodrigues, apud Melo apud Mesquita: A existência de riscos na indústria da construção civil e sua relação

com o saber operário

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Entende-se por riscos externos, aqueles, como por exemplo os citados

anteriormente, que afetam a propriedades, bens ou pessoas não diretamente envolvidas com a obra

em questão.

Por fim, os riscos são internos e externos, continuando-se com os mesmos

exemplos anteriores, quando têm capacidade de causar perdas ou danos aos empregados da obra eou empresas envolvidas e terceiros.

A queda de uma ferramenta pode causar lesões em um operário e em sua queda

sair do perímetro da obra e atingir terceiros. O mesmo se dá com os demais riscos enumerados.

Assim, a primeira classificação, apesar de simples, abarca com o olhar mais arguto os efeitos

verificados. De modo geral os riscos são sentidos em função dos efeitos provocados.

 Não custa dizer que o risco é uma seqüência do perigo. O trabalho em altura é um

trabalho perigoso. Assim, é capaz de gerar riscos, entre os quais o de queda. O trabalho comeletricidade é um trabalho perigoso. Um dos riscos é o da eletrocussão do trabalhador. Há riscos

com vários efeitos. O empreendimento resolve podar os galhos de uma árvore que se encontra

 próxima ao portão do canteiro de obras. Durante a poda dos galhos o operário se distrai e um desses

cai sobre uma rede elétrica energizada. Essa entra em curto, que ao atingir o operário fá-lo cair da

escada. Por sua vez, o curto circuito rompe os condutores e um dos cabos atinge um passante.

Porém, o curto circuito atinge uma casa próxima e causa danos nos aparelhos eletrodomésticos.

Ora, o que seria uma atividade simples pode causar vários riscos, como o da perda de bens materiais

de terceiros, a queda com lesões no operário, o acidente com um transeunte, enfim, muitos podem

ser os danos causados. Imagine-se que ao invés de uma residência o curto circuito atinja os

equipamentos frigoríficos da padaria da esquina e essa fique sem resfriar. O prejuízo sofrido pelo

comerciante também passa a ser conseqüência da poda de árvores. Uma causa, poda, gera muitos

efeitos, traduzidas aqui por acidentes pessoais ou materiais.

Em uma segunda classificação podemos dividir os riscos de acordo com as

atividades desenvolvidas, segundo os princípios básicos dos perigos. Segundo essa divisão, existem

 perigos na realização de tarefas como:

•  Manuseio de ferramentas elétricas, pneumáticas ou mecânicas;

•  Operação com energias perigosas (ar comprimido, gases, vapores, frio ou calor excessivos,

eletricidade, etc);

•  Operações desenvolvidas com a movimentação de cargas;

•  Atividades realizadas em distintos níveis de alturas;

•  Serviços de escavação;

•  Serviços em espaços confinados, entre outros.

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Limitamos a esses perigos porque a lista poderia ser extensa. Alguém poderia

dizer: esquecemos do assentamento de alvenarias externas, ou das conexões de gás canalizado ou de

energização de subestações. Quem sabe os trabalhos com pintura ou solventes, os assentamentos de

esquadrias, e assim segue. Um eletricista, trabalhando na montagem de um painel elétrico pode

sofrer acidentes com alicates de corte ou chave de fenda durante a instalação. Um encanador podeferir-se ao passar uma guia em uma tubulação de água.

Assim, passamos a descobrir que toda e qualquer atividade humana pode e

representa riscos, não necessariamente associados à execução de uma atividade. Ao passar o cartão

de ponto na portaria o operário pode acidentar-se, da mesma maneira que ao pegar o ônibus no final

da jornada de trabalho, retornando para casa.

As ações para a redução ou eliminação dos riscos passa algumas vezes pela

questão dos custos necessários.O conceito de “Custos de SMS” nunca foi muito claro, não só na

literatura específica, como também nos orçamentos dos empreendimentos, por 

apresentar somente parte da questão. Por conta disso, e pela falta de transparência

desses valores, alguns custos passaram a não ser bem percebidos e, por conseguinte, não

adequadamente provisionados. Não era incomum, por conta dessa falta de

 provisionamento de recursos, que as margens de lucro dos negócios fossem reduzidas

 por conta de despesas adicionais, essas fruto de exigências contratuais, ou de exigências

legais não de todo avaliadas.

Inúmeros autores sempre encararam a questão dos “custos de SMS”

sob a ótica dos benefícios gerados. Assim, passou a ser mais prático entender que

quaisquer que fossem os custos despendidos esses seriam infinitamente menores do que

os acidentes, principalmente quando dentre esses ocorressem fatalidades. Campbell, em

discurso proferido no terceiro congresso americano de segurança em 1914, disse que a

execução de tarefas de modo seguro era uma necessidade econômica. Esse conceito até

hoje prevalece, e está contemplado no The Robert W. Campbell Award – International

Award for Business Excellence through Safety, Health & Environmental Management.

“Trabalho seguro é hoje reconhecido como uma necessidade

econômica, e um dos movimentos mais construtivos que jamais entraram em nosso

cotidiano nacional. É o estudo de fazer as coisas da forma correta e conseqüentemente é

reconhecido atualmente como um dos maiores incentivos a eficiência e economia.”

(Campbell, R. W., Third Safety Congress, 1914)

A segurança dentro da empresa tem seus “gastos”, porém seus

investimentos, muito retornáveis, pois fazem com que seus funcionários, tendo

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qualidade de vida dentro da empresa, transmitam tal qualidade para o processo de

 produção. (Bruzon et al, 2005)

Silva (2004) diz que o custo econômico da ocorrência de acidentes e

doenças relacionadas ao trabalho é gigantesco, seja no plano empresarial, nacional ou

global. Estima-se que as perdas com compensação de trabalhadores, dias perdidos detrabalho, interrupção da produção, despesas médicas e outras relacionadas são da ordem

de 4% do PIB mundial, possivelmente muito mais.

Chiavenato (1991) também explica que, em relação aos custos dos

acidentes de trabalho, cobre-se apenas os gastos com despesas médicas e indenizações

ao acidentado. Existem dois tipos de custos que incidem sobre os acidentes de trabalho,

são eles: custo direto do acidente, estabelecido pela Associação Brasileira de Normas

Técnicas (ABNT), em que conceitua custos diretos como o total de despesasdecorrentes das obrigações para com os empregados expostos aos riscos inerentes ao

exercício do trabalho, como as despesas com assistência médica e hospitalar aos

acidentados e respectivas indenizações, sejam estas diárias ou por incapacidade

  permanente. Em geral, estas despesas são cobertas pelas companhias de seguro, e o

custo indireto de acidente, traduzido como aquele que envolve todas as despesas de

fabricação, despesas gerais, lucros cessantes e demais fatores cuja incidência varia

conforme a indústria.3

Grandes têm sido os avanços nos estudos para a compreensão dos

acidentes do trabalho. No princípio, as associações eram até relativamente bem simples,

associando-se o trabalhador aos seus afazeres – trabalho, procurando encontrar algo que

 justificasse o acidente. Mais posteriormente, nesses estudos passou-se a ligar também o

meio ambiente do trabalho, ao trabalhador e a sua tarefa. Descobriu-se que com a

incorporação desse terceiro vetor muitas das causas inexplicáveis passavam a ter 

sentido. Hoje já se sabe que há muito mais coisas a serem estudadas do que

simplesmente aquelas três linhas: meio, homem, trabalho. O meio é mutável de acordo

com circunstâncias da mesma forma que o comportamento humano. Uma tarefa pode

ser mudada sob certas circunstâncias. Há os procedimentos que devem ser seguidos.

Quando a pressa para a ser eleita como prioridade número um muitos dos

  procedimentos são postos de lado. Aí surgem os atalhos, que também auxiliam o

surgimento dos acidentes. Ainda estamos no resumo do artigo e já percebemos que

acidente é algo complexo. Quando não corretamente analisado está se dando “sorte ao

azar”, ou seja, possibilitando que outros possam ocorrer. A quebra desse círculo vicioso

3 Navarro: Custos envolvidos na gestão das atividades de SMS

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começa com o estudo de suas causas raiz ou causas básicas. Se um elo da corrente fica

aberto evitam-se novas ocorrências.

 No estudo sobre a Percepção dos Riscos e a sua influência na redução

dos acidentes do trabalho vamos discutir apenas um dos elos, que trata da “vítima” ou o

trabalhador.Os acidentes do trabalho sempre foram causa de muitas preocupações

 por parte das empresas e governos e motivo de grandes investimentos, ocasionalmente

repensados, porque a redução dos mesmos não ocorria na mesma proporção desses

investimentos.

A partir dessa constatação, e premidas por resultados em função da

implementação de normas de gestão (NBR ISO 14001, OHSAS 18001 e outras); pelos

acionistas, preocupados com a imagem da empresa e os valores das ações, e órgãosfiscalizadores, motivados pelos atendimentos médicos hospitalares e aposentadorias

 precoces, as empresas passaram a avaliar melhor as razões e causas dessas ocorrências

de acidentes, em vista dos investimentos realizados e das boas práticas adotadas.

Afora as tradicionais práticas de prevenção de riscos passaram a dar 

mais atenção a outras questões envolvendo os aspectos comportamentais envolvendo os

trabalhadores acidentados. Prova disso que muitas das análises de acidentes passaram a

incorporar informações sobre as atividades dos trabalhadores no mesmo dia ou no dia

anterior à ocorrência dos acidentes, como por exemplo: a que horas o trabalhador 

chegou ao canteiro de obras? Qual foi o tema das orientações de segurança do dia? Qual

foi a hora de início das atividades? Quem estava acompanhando os serviços? Houve a

liberação das atividades? E outras questões mais.

Pode parecer óbvio que a partir dessas análises e a interpretação das

respostas ter-se-iam relações associando o acidente a alguém, ou pelo menos apontasse

  para culpado. Até então está se falando da teoria da culpa, sim, porque em todo o

acidente deve haver um culpado! (SIC) Será que o objetivo das análises é apenas para

conduzir ao culpado ou serviria esse para evitar novas ocorrências? As questões ou

aspectos de percepção de riscos mais imediatas eram percebidos nas análises, mas e as

outras não tão perceptíveis assim e igualmente importantes? 4 

Visto dessa maneira, poderíamos imaginar que não há limites aos perigos e riscos

em uma construção civil, porque são várias as atividades desenvolvidas. Assim, ao preparar-se a

argamassa para o concreto o operário pode sofrer lesões respiratórias ou oculares. Ao montar as

4 Navarro: A percepção de riscos e sua influência na redução dos acidentes de trabalho

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ferragens dentro das formas os operários podem sofrer lesões musculares ou cortarem-se com os

arames.

Como se pode agir para prevenir-se os riscos e livrar-se os operários de tantos

riscos? Por mais que se faça não se pode eliminar 100% os riscos isso é uma certeza. Quando as

normas regulamentadoras passaram a ter o poder de Lei, através da Portaria de número 3.214/78, jána primeira norma, a NR-1, verificava-se que o equipamento de proteção individual era a última

coisa a ser entregue ao trabalhador. Inicialmente a empresa deveria eliminar os riscos. Caso não o

conseguisse, deveria mitigá-los, ou atenuá-los através da instalação de equipamentos de proteção

coletiva. Se nada disso desse certo a empresa forneceria os equipamentos de proteção individual,

independentemente de capacitá-los adequadamente.

Seguindo essa linha de raciocínio, verifica-se a olhos vistos que em todas as obras

os operários portam EPIs. Por acaso seriam esses “salvo-condutos” para que os acidentes nãoocorressem? Parece que não, pois que as estatísticas são desfavoráveis.

Ora, verificamos que há riscos nas construções civis, também identificamos que

esses podem ser classificados de distintos modos. Também passamos a saber que quando há riscos

devem existir medidas de prevenção. Por fim, identificamos que mesmo com todas as medidas de

 prevenção os acidentes ocorrem. Neste impasse, resta-nos discutir o que nos resta fazer.

Muitas são as maneiras dos operários não se envolverem com os riscos. Todavia,

essas passam sempre por uma questão denominada de Percepção. Algumas fotografias apresentadas

a seguir irão nos demonstrar que nem sempre a percepção é efetiva ou eficaz.

Foto 1 – Arquivo apócrifo, divulgada pela Internet

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A foto 1 apresenta um operário montando uma instalação de ar condicionado,

apoiando-se sobre o equipamento, supondo que o mesmo não venha a se deslocar.

Independentemente disso o faz de sem qualquer segurança física. Por acaso estará ele preocupado

com sua própria segurança? Cremos que não. Talvez, quem sabe, foi solicitado a realizar a atividade

de pronto e não tinha como dizer não?

Foto 2- Idêntica origem da foto 1

Esta foto 2 não causa surpresa mais, vez que é comum em nossas cidades que as

faxineiras fiquem limpando os vidros das janelas dessa maneira. Será que as patroas pensam na

segurança de seus empregados? Será que os empregados têm a correta noção do risco que estão

correndo? O que torna o fato pior é que cenas como essa são vistas várias vezes ao dia em centenas

de cidades sem que nada as faça mudar.

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Foto 3- Idêntica origem da foto 1

A imagem que temos chega a ser surreal, pelo modo com que os trabalhadores se

  protegem. Ambos passam a impressão de estarem preocupados com a atividade, ou seja, têm a

 percepção do risco, porém nada fazem para se proteger. Por outro lado vem uma dúvida: será que

há condições de se instalar o equipamento de outra forma? Eventualmente essas improvisações

surgem de necessidades imediatas e da falta de soluções mais práticas ou menos caras. Diante disso,

 pessoas são expostas, pois passam a ser mais cômodas para a solução dos problemas do que alugar-

se guindastes.

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Foto 4 - Idêntica origem da foto 1

A foto 4 é uma variação sobre o mesmo tema da foto anterior. O que faz com que

um operário realize um trabalho desse preso pelo companheiro apenas pelas pernas? Em algumas

circunstâncias pode-se depreender que por detrás dessa situação pode existir enorme pressão para acorreção de um eventual erro ou falha. Assim, a pressão pode ser a causa raiz do descumprimento

de legislações que vem a favorecer o trabalhador quanto ao aspecto de sua segurança intrínseca.

Vários são os fatores sob o ponto de vista de aspectos psicológicos e ou

  psiquiátricos que podem afetar os seres humanos, envolvendo-os, direta ou indiretamente na

ocorrência de acidentes do trabalho. Alguns desses podem ser devido a:

•  Abuso de drogas;•  Acidentes;•  Angústias;•  Ansiedade;•  Compulsões;•  Culpas;•  Dependências químicas e outras;•  Doenças;•  Fatores ambientais;•  Fatores genéticos;•  Fatores traumáticos;•  Fobias;•  Hábitos;•  Histerias;

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•  Humor;•  Manias;•  Medos;•  Obsessões compulsivas;•  Rotinas;•  Stress;•  Transtornos comportamentais;•  Transtornos de pânico;•  Transtornos de personalidade;•  Transtornos obsessivos compulsivos;•  Traumas emocionais;•  Traumas físicos;•  Traumas psicológicos, entre outros;•  Uso contínuo de medicamentos;•  Uso de drogas.

Como podem esses fatores desencadear um desequilíbrio emocional que

 possibilite que o trabalhador se acidente? Estudos realizados em indústrias demonstram que o stress

contínuo, pressões para que seja concluída a tarefa ou reduções de custo, inclusive com a

  possibilidade de demissões coletivas podem ser fatores que rompam o equilíbrio emocional dos

trabalhadores.

Inúmeros são os processos de motivação de pessoas e mesmo animais,

empregados de acordo com as espécies e os fins a que se propõem. Há motivações, ou a

criação de climas motivacionais para a guerra, como os kamikazes japoneses que

lançavam seus aviões lotados de munição contra os navios americanos, ou os terroristas

que se auto explodem com enormes cargas de dinamite para atingir populações ou

 prédios públicos, motivações para a paz, como Gandhi, motivações para o trabalho e

mesmo motivações para uma partida de futebol.

O trabalhador pode ter ou não uma adequada percepção de que se

realizar suas atividades seguindo orientações pré-estabelecidas pode alcançar como

resultado, a conclusão de suas tarefas, sem ter sofrido acidentes. Qual será esse tipo deestímulo ou motivação? Poderá o trabalhador buscar alterar suas rotinas, conceitos e

métodos para atingir alvos os quais não são perfeitamente identificados?

Deve-se estabelecer como premissa que se reconhece que os estímulos

somente devem ocorrer quando a cultura das pessoas ainda não é suficientemente

estruturada para que essas possam espontaneamente realizar suas tarefas de maneira

segura sem que seja necessário nenhum tipo de estímulo, incluindo-se aqui um dos mais

importantes: “o muito obrigado”.

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  Não se deve generalizar que as premiações devem ser eleitas como

  prioritárias em detrimento das obrigações dos trabalhadores, aqui implicitamente

denominados “valores”. Devolver-se uma carteira de dinheiro recheada de dinheiro não

é razão para premiações, pois se trata de uma obrigação. Nas atividades de Segurança,

Meio Ambiente e Saúde, doravante, SMS, inúmeras são as obrigações estabelecidas para os trabalhadores, a fim de que cumpram com segurança suas atividades. Antes de

mais nada, devem conhecer os procedimentos, processos, estar inteirados de suas

obrigações, entre outros. Porém, mesmo que saibam efetivamente todas essas questões,

em alguns momentos, e sob determinadas circunstâncias, ficam mais expostos a serem

vitimados por acidentes. São os fatores estressores, o ambiente, falhas ocorridas com os

equipamentos, eventuais distrações pelos motivos mais variados possíveis, e mesmo por 

razões intencionais, algumas vezes motivadas mais por insatisfações pessoais ou não doque pela simples intenção de descumprir as ordens recebidas. Neste caso estar-se-á

falando de orientações recebidas, de abordagens feitas pela fiscalização da empresa,

entre outras causas.5 

Foto 5: Arquivo pessoal de AFANP

Em uma situação aparentemente crítica para muitos, um operário sozinho prepara

as ferragens de uma caixa separadora de água e óleo, despreocupado com os riscos que corre. Sua

descida ao local se deu por uma pequena escada de madeira. Ele se encontra em pé sobre tábuas

 presas à própria ferragem por “pernas de madeira” de 3”X3”. Nem ele e nem seu encarregado estão

5 Navarro: Mudando culturas de SMS: prevenção, motivação ou sinergia de ações?

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muito preocupados com as questões de riscos. Ao ser entrevistado o trabalhador informa que estava

concluindo uma tarefa e que não havia risco qualquer para ele. Será?

Foto 6: Arquivo pessoal de AFANP

Este carpinteiro, a quinze metros de altura, conclui o fechamento da forma de uma

coluna, na extremidade de um prédio. Sua preocupação no momento é concluir a atividade para a

concretagem que ocorrerá à tarde. Nesse momento, sequer utilizava cinto de segurança preso a algoque suportasse sua queda. Nesse caso, a preocupação com o fim da tarefa suplantava qualquer medo

de queda. Quando questionado informou que fazia isso com freqüência e que não tinha medo de

altura

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Foto 7: Arquivo pessoal de AFANP

 Nesta foto o trabalhador monta uma torre de andaime em uma calçada, em rua

movimentada de veículos e pedestres, para a realização de reparos na fachada de uma edificação.

Ao ser questionado sobre sua segurança informa que o encarregado não forneceu EPIs e que ele já

estava acostumado a realizar esses serviços. Não usava calçados porque atrapalhava a escalada.

Foto 8 – Arquivo pessoal de AFANP

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A foto 8 representa a própria incoerência das questões de SMS. Nessa, dois

trabalhadores, empregando cintos de segurança, com cordas nas proximidades, resolvem

improvisar. Um deles segura uma escada em um beiral enquanto o outro sobe para pregar um

sarrafo em uma forma. Questionados alegaram que a atividade durou pouco tempo, ou seja,um

serviço rápido.

CONCLUSÃO

Outros exemplos poderiam ser apresentados sobre o mesmo tema. A simples

identificação dos riscos não impedirá que os acidentes continuem ocorrendo. Há que se abordar a

questão de frente, e energia, pois para se romper uma cultura que valoriza o trabalhador mais rápidoou mais produtivo, independentemente desse estar seguro ou não é tarefa das mais fáceis.

Ouvidos alguns trabalhadores, a grande maioria disse que o uso de EPIs

atrapalhava mais do que protegia, na execução de suas tarefas. Por outro lado, as empresas

  preocupam-se mais com aqueles trabalhadores “mais rápidos”. Um dos entrevistados disse que

havia sido demitido do emprego anterior porque havia cobrado o fornecimento dos EPIs.

Vive-se em um ambiente onde a cultura reinante é a da facilidade, em todos os

aspectos. As empresas, pressionadas por orçamentos cada vez menores busca reduzir seus custos a

qualquer custo. Especialmente quando se volta para as questões de SMS – Segurança, Meio

Ambiente e Saúde, existem empresas que reduzem as exigências quanto a exames admissionais, não

fornece os EPIs necessários, ou utiliza os mais baratos, pois poucos são os contratos em que as

exigências de atendimento à legislação de SMS são explícitas.

A mudança da Cultura nas Organizações e mesmo nos trabalhadores requer 

conhecimento, experiência, motivação para a mudança e vontade. A Cultura, longe de ser umempecilho para o desenvolvimento das atividades, vai ao encontro da política de padronização de

8/6/2019 Identificação dos riscos de uma construção civil

http://slidepdf.com/reader/full/identificacao-dos-riscos-de-uma-construcao-civil 17/17

atividades, bem como da mudança da imagem. Grandes empresas hoje em dia, com ações

negociadas em Bolsa de Valores, são percebidas por seus acionistas, inclusive pelo fato das mesmas

serem empresas que respeitam as legislações, não apresentam acidentes do trabalho ou acidentes

ambientais. São empresas que procuram trilhar o caminho da Sustentabilidade Sócio-Ambiental.

Para isso, a Cultura deve se transformar em Valor e não uma simples prioridade. Na prioridade pode se alterar as questões.

Assim, identificar-se riscos pra que? Porque a vida humana não tem preço. Todos

os envolvidos nos processos de fiscalização das atividades devem estar atentos não somente aocumprimento da legislação, mas sim, da assimilação da mesma pela empresa e pelos empregados.

Deve-se investir na Cultura e na Percepção dos trabalhadores. Esse é o caminho da auto-

  preservação. Quando esses forem os primeiros a querer se proteger as empresas talvez possam

adotar outras medidas de prevenção.