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Congresso PATRIMÓNIO 2010 1 1 INTRODUÇÃO A reabilitação do património edificado constitui uma tarefa nem sempre fácil e que se reveste de inúmeras particularidades. Desde logo, envolve o respeito por cartas e recomendações internacionais (ICOMOS, 2004). Neste contexto, são várias as etapas que devem fazer parte duma intervenção desta natureza. A presente comunicação pretende realçar a importância da fase de caracterização das estruturas. Num processo de intervenção em património edificado, o conhecimento das características mecânicas e materiais reveste-se de elevada importância, uma vez que, neste tipo de operações é essencial a avaliação do seu desempenho face às condições de funcionamento actuais e futuras. Para além dos elementos estruturais se poderem encontrar degradados, ou apresentarem alterações materiais e (ou) geométricas, verificam-se muitos casos onde as intervenções de reabilitação implicam a alteração da distribuição e valor das cargas instaladas, ou mesmo do funcionamento estrutural. Em qualquer destas situações torna-se fundamental o conhecimento das características mecânicas e materiais dos elementos Identificação dinâmica de estruturas Valter Lopes, João Guedes, António Arêde, João Milheiro Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal Esmeralda Paupério Instituto da Construção – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal Aníbal Costa Universidade de Aveiro – Departamento de Engenharia Civil, Aveiro, Portugal RESUMO: A identificação dinâmica de estruturas constitui uma das técnicas actualmente mais utilizadas com vista à caracterização mecânica in situ de estruturas. Na presente comunicação são apresentados os principais detalhes da identificação dinâmica, nomeadamente do vulgarmente designado como problema de identificação de sistemas, onde se pressupõe o conhecimento da excitação e da resposta dinâmica de uma estrutura, determinando-se as suas propriedades. Dentro do problema de identificação de sistemas é dado especial destaque aos casos em que não é utilizada qualquer fonte de excitação artificial, recorrendo-se apenas à vibração resultante do ruído ambiental. De forma a ilustrar as principais particularidades destes ensaios, são apresentados alguns casos de identificação dinâmica de estruturas, realizados pelo Núcleo de Conservação e Reabilitação d’Edifícios e Património (NCREP) do Instituto da Construção (IC) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), nomeadamente de chaminés, torres e edifícios históricos em alvenaria, e edifícios em betão armado. Em cada um dos casos apresentados são salientadas as principais vantagens destes ensaios, destacando-se o seu carácter não destrutivo, a capacidade de caracterização do comportamento dinâmico e de determinação das características mecânicas da estrutura, de uma forma global, por comparação com modelos numéricos em regime elástico. Salienta-se ainda o potencial desta técnica na detecção de defeitos nas estruturas.

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Congresso PATRIMÓNIO 2010 1

1 INTRODUÇÃO

A reabilitação do património edificado constitui uma tarefa nem sempre fácil e que se reveste de inúmeras particularidades. Desde logo, envolve o respeito por cartas e recomendações internacionais (ICOMOS, 2004). Neste contexto, são várias as etapas que devem fazer parte duma intervenção desta natureza. A presente comunicação pretende realçar a importância da fase de caracterização das estruturas.

Num processo de intervenção em património edificado, o conhecimento das características mecânicas e materiais reveste-se de elevada importância, uma vez que, neste tipo de operações é essencial a avaliação do seu desempenho face às condições de funcionamento actuais e futuras. Para além dos elementos estruturais se poderem encontrar degradados, ou apresentarem alterações materiais e (ou) geométricas, verificam-se muitos casos onde as intervenções de reabilitação implicam a alteração da distribuição e valor das cargas instaladas, ou mesmo do funcionamento estrutural. Em qualquer destas situações torna-se fundamental o conhecimento das características mecânicas e materiais dos elementos

Identificação dinâmica de estruturas

Valter Lopes, João Guedes, António Arêde, João Milheiro Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal

Esmeralda Paupério Instituto da Construção – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal

Aníbal Costa Universidade de Aveiro – Departamento de Engenharia Civil, Aveiro, Portugal

RESUMO: A identificação dinâmica de estruturas constitui uma das técnicas actualmente mais utilizadas com vista à caracterização mecânica in situ de estruturas. Na presente comunicação são apresentados os principais detalhes da identificação dinâmica, nomeadamente do vulgarmente designado como problema de identificação de sistemas, onde se pressupõe o conhecimento da excitação e da resposta dinâmica de uma estrutura, determinando-se as suas propriedades. Dentro do problema de identificação de sistemas é dado especial destaque aos casos em que não é utilizada qualquer fonte de excitação artificial, recorrendo-se apenas à vibração resultante do ruído ambiental. De forma a ilustrar as principais particularidades destes ensaios, são apresentados alguns casos de identificação dinâmica de estruturas, realizados pelo Núcleo de Conservação e Reabilitação d’Edifícios e Património (NCREP) do Instituto da Construção (IC) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), nomeadamente de chaminés, torres e edifícios históricos em alvenaria, e edifícios em betão armado. Em cada um dos casos apresentados são salientadas as principais vantagens destes ensaios, destacando-se o seu carácter não destrutivo, a capacidade de caracterização do comportamento dinâmico e de determinação das características mecânicas da estrutura, de uma forma global, por comparação com modelos numéricos em regime elástico. Salienta-se ainda o potencial desta técnica na detecção de defeitos nas estruturas.

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estruturais envolvidos, de modo a permitir a tomada de decisões responsáveis, sustentadas, quer do ponto de vista da segurança estrutural, quer do ponto de vista da salvaguarda do património.

A ausência de códigos que regulem as intervenções de reabilitação, bem como o crescente abandono dos saberes e técnicas tradicionais de construção, tem tido como consequência, a realização de frequentes intervenções desadequadas, desrespeitando as recomendações das cartas internacionais (ICOMOS, 2004).

Contudo, actualmente existem diversos mecanismos de avaliação destas características, quer in situ, quer em laboratório, que, de uma forma eficaz, permitem obter informação útil, passível de ser utilizada com um grau de confiança elevado. De facto, são vários os meios disponíveis para a avaliação das propriedades materiais e (ou) mecânicas das estruturas existentes, existindo desde ensaios locais, como os ensaios sónicos, macacos planos, carotagem, entre outros, até aos ensaios globais, como os ensaios de carga ou os ensaios de identificação dinâmica. A presente comunicação focar-se-á no caso dos ensaios de identificação dinâmica de estruturas, como meio de caracterização material/mecânica global de estruturas, realçando-se as vantagens associadas ao seu uso, bem como a forma como estes ensaios e os resultados que providenciam podem auxiliar no conhecimento das estruturas existentes.

2 IDENTIFICAÇÃO DINÂMICA IN SITU

2.1 Noções Gerais Todas as estruturas possuem características de rigidez, massa e amortecimento que determinam qual o seu comportamento face a acções dinâmicas. O seu conhecimento permite determinar as características modais das estruturas, sejam elas as frequências próprias de vibração ou as deformadas modais associadas a cada frequência. De igual forma, e com o auxílio de modelos numéricos, o seu conhecimento permite efectuar a avaliação da resposta das estruturas quando sujeitas a acções conhecidas, de carácter estático ou dinâmico.

Assim, os problemas desta natureza, onde se mobiliza o comportamento dinâmico das estruturas, podem resumir-se de uma forma algo simplista a relações excitação-resposta (Caetano, 1992). Face a estas relações, podem existir três tipos de problemas:

• O problema directo, que consiste em caracterizar a resposta, conhecendo as propriedades da excitação e as características do sistema;

• O problema inverso, que consiste em caracterizar a excitação, conhecendo as características do sistema e da resposta;

• O problema da identificação de sistemas, que consiste em caracterizar as propriedades do sistema, conhecendo a excitação e a resposta.

Na presente comunicação apenas será abordado e detalhado o problema da identificação de sistemas, já que neste caso apenas se pretende determinar as características dinâmicas/mecânicas das estruturas, por via de ensaios dinâmicos in situ.

Considere-se a equação (1) como representativa das relações excitação-resposta, sendo X a excitação, Y a resposta e H a função de transferência que contém as informações relativas às características dinâmicas do sistema.

XHY ⋅= 2 (1)

Uma vez conhecida a excitação ( X ) e a resposta (Y ), torna-se possível determinar as características dinâmicas do sistema ( H ), bem como as frequências próprias de vibração e as correspondentes deformadas modais, e os coeficientes de amortecimento modal. Para que tal

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possa ser possível é necessário excitar a estrutura e registar a sua resposta, havendo para isso diferentes formas de o fazer.

2.2 Excitação Forçada Uma das formas de excitar as estruturas com vista à realização dos ensaios de identificação dinâmica consiste na imposição de uma vibração. Este modo de excitação é particularmente interessante quando se pretendem ensaiar estruturas de elevada rigidez. Existem várias formas de efectuar a vibração forçada de uma estrutura, recorrendo a vibradores (mecânicos ou eléctricos) fixos à estrutura, utilizando martelos de impulsos, ou ainda com recurso a explosões controladas.

A indução de vibração com recurso a vibradores apresenta algumas vantagens importantes, nomeadamente a possibilidade de se conhecer e (ou) de se definir as características da excitação, dentro das limitações dos equipamentos. Contudo, os custos associados à aquisição, transporte e utilização destes equipamentos são elevados, levando a que, muitas vezes, não se opte pela sua utilização.

Os martelos de impulsos apresentam vantagens semelhantes às dos vibradores, nomeadamente a possibilidade de conhecer com bastante rigor as características da excitação devido à presença de um transdutor de força na ponta, embora neste caso o tipo de excitação seja diferente (do tipo impulsiva). Contudo, as principais desvantagens deste meio de excitação residem na impossibilidade da sua aplicação em estruturas de grande porte, e na dificuldade de “normalizar” o impulso, uma vez que este é aplicado manualmente.

O uso de explosivos consiste numa forma mais expedita de induzir vibrações nas estruturas, e é utilizado em condições em que a montagem e o uso de outros mecanismos se torna difícil. De facto, a facilidade de execução do ensaio nestas condições, face ao uso dos excitadores anteriormente apresentados, constitui uma das principais vantagens da sua utilização. Contudo, o conhecimento das características da excitação é, nestes casos, mais difícil, embora possível. Nas figuras seguintes (Figuras 1 e 2) é ilustrado o caso prático do Mosteiro da Serra do Pilar (Almeida, 2000), onde foi utilizada a excitação com recurso a explosivos. Quando adoptado, o uso dos explosivos tem de obedecer a alguns cuidados, nomeadamente a escolha da carga e a devida protecção das zonas onde se procede à sua colocação (Figura 2).

Figura 1. Vista geral da igreja do Mosteiro da Serra do Pilar.

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Figura 2. Preparação da detonação dos explosivos.

2.3 Vibração Ambiental Uma vez que actualmente existem sensores com sensibilidade suficiente para registar as respostas das estruturas quando sujeitas a excitações ambientais, é habitual a realização de ensaios de identificação dinâmica sem recorrer a nenhum meio de excitação forçada. Assim, as acções do vento, do tráfego rodoviário ou ferroviário, do funcionamento de equipamentos, de ondas marítimas ou quaisquer outras fontes presentes no local são responsáveis pela excitação das estruturas (Caetano, 1992). Desta forma é reforçado o carácter totalmente não destrutivo destes ensaios, uma vez que apenas se recorre à fixação de sensores que registam a resposta da estrutura, sem qualquer tipo de intrusão, salvaguardando completamente a sua integridade.

O uso da vibração ambiental apresenta vantagens que se sobrepõem às expostas anteriormente para os casos de vibração forçada, o que faz com que seja usada com mais frequência em ensaios de identificação dinâmica. Desde logo, realçam-se as vantagens de ordem económica associadas ao uso da vibração ambiental. De facto, qualquer que seja o meio de vibração forçada utilizado, o seu custo é inevitavelmente superior. A facilidade de execução de ensaios de identificação dinâmica com recurso à vibração ambiental constitui, também, uma enorme vantagem face ao uso de excitadores. Em muitos casos, a logística envolvida na montagem e operação dos excitadores torna estes ensaios inviáveis, pelo que a sua utilização é, actualmente, diminuta.

Outra das vantagens do uso da vibração ambiental reside no facto de, ao contrário da vibração forçada, não ser necessário conhecer as características da excitação. Atendendo às características aleatórias e independentes das acções envolvidas num ensaio de vibração ambiental, é usual admitir que a excitação da estrutura nestas condições é do tipo aleatório puro, ou seja, um processo de banda larga, também designado de ruído branco. Um ruído branco corresponde a um sinal com conteúdo energético semelhante para todas as frequências, ou seja, todas as frequências próprias da estrutura são excitadas de igual forma. Assim, a excitação X , exposta na expressão (1) assume um valor constante, obtendo-se então a equação (2).

constanteHY ⋅= 2 (2)

Assim, as propriedades da função de transferência H podem ser aplicadas à resposta Y obtida num ensaio de vibração ambiental. Desta forma, os picos da amplitude de H serão também os picos da resposta Y , pelo que a identificação das frequências próprias da estrutura em análise pode ser efectuada através da sua análise.

Os ensaios de identificação dinâmica realizados pelo NCREP são usualmente efectuados com recurso à vibração ambiental, dadas as vantagens que lhes estão associadas. Por essa razão, os casos práticos que adiante se mostrarão correspondem a ensaios realizados segundo essa técnica de excitação.

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2.4 Aquisição de Dados O registo da resposta dinâmica da estrutura assume-se como a fase fundamental de um ensaio desta natureza. O sucesso da identificação dinâmica de estruturas depende em grande parte da qualidade dos registos efectuados. Caso se efectuem registos de vibrações com erros, dificilmente se consegue proceder à sua correcção em fase de pós-processamento. Torna-se, portanto, essencial realizar um planeamento cuidado dos ensaios, definindo-se o equipamento a utilizar, o seu posicionamento e todos os restantes detalhes dos setups de ensaio.

A aquisição de dados num ensaio de identificação dinâmica, em particular recorrendo à vibração ambiental, é feita, essencialmente, registando a resposta dinâmica da estrutura ao longo de um intervalo de tempo finito e pré-definido (Neves, 2004) de acordo com a equação (3), onde T representa o tempo de aquisição em segundos, e minf o valor da menor frequência da estrutura.

min1000 fT ≥ (3)

A resposta pode ser registada em termos de acelerações (o caso mais comum – Figura 3), velocidades ou deslocamentos.

(a)

-2.00E-03

-1.50E-03

-1.00E-03

-5.00E-04

0.00E+00

5.00E-04

1.00E-03

1.50E-03

2.00E-03

t (s)

a (g

)

(b)

Figura 3. Aquisição de dados: (a) Acelerómetros uniaxiais fixos à estrutura; (b) Registo de acelerações em função do tempo.

De modo a obter resultados mais detalhados, é aconselhável que estes registos sejam

efectuados simultaneamente em vários pontos da estrutura, de modo a que as leituras se possam relacionar entre si e assim seja traçado o perfil de deslocamentos das deformadas modais mais rigoroso (Figura 4). O posicionamento dos pontos de leitura deve ser escolhido de modo a evitar zonas de deslocamento modal nulo.

Figura 4. Pontos de leitura numa face de uma chaminé e traçado do 1º modo de vibração.

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2.5 Processamento de Dados e Obtenção de Resultados Nos problemas de identificação modal de estruturas, as grandezas medidas e registadas, sejam elas deslocamentos, velocidades ou acelerações, apresentam uma continuidade temporal, constituindo assim registos analógicos. O desenvolvimento tecnológico registado nos últimos anos fez com que proliferassem os sistemas digitais em diversas áreas da sociedade. Os sistemas digitais permitem, acima de tudo, uma maior capacidade de armazenamento de informação, um custo associado relativamente baixo e uma maior rapidez de manipulação da informação registada. Todas estas vantagens conduziram à sua rápida e generalizada implementação. O caso dos registos temporais de deslocamentos, velocidades ou acelerações de estruturas não é excepção, existindo hoje em dia grande aceitação destas tecnologias. Contudo, o uso destas técnicas implica o conhecimento dos erros associados e das formas de os tratar. A aplicação de técnicas digitais de processamento de sinal permite eliminar muitos dos erros existentes, possibilitando ao mesmo tempo a extracção dos parâmetros pretendidos.

Existem erros recorrentes, tipificados e bastante estudados (Caetano, 1992), cujo seu tratamento é possível e até, hoje em dia, relativamente simples. Salientam-se sobretudo os erros de “leakage” e “aliasing” como aqueles mais comuns, cujo procedimento usualmente adoptado pelo NCREP (Lopes, 2009) permite contornar, recorrendo essencialmente à decimação e filtragem dos sinais.

Após o tratamento dos dados recolhidos, é feita a identificação dinâmica propriamente dita, determinando-se as frequências próprias e as correspondentes deformadas e coeficientes de amortecimento modais. O método habitualmente utilizado no âmbito dos trabalhos desenvolvidos pelo NCREP trata-se do Método Avançado de Decomposição no Domínio da Frequência (Brincker et al. 2001), actualmente implementado no software ARTeMIS (SVS, 2006).

2.6 Resultados da Identificação Dinâmica Através dos ensaios de identificação dinâmica, em particular quando é usado o Método Avançado de Decomposição no Domínio da Frequência, são obtidas as frequências próprias e correspondentes deformadas e coeficientes de amortecimento modais. Estes dados constituem, por si só, um valioso conjunto de informações sobre a estrutura, uma vez que se reportam às condições efectivas, in situ, da estrutura, o que significa que qualquer defeito, dano ou mesmo um estado de degradação generalizado, têm repercussões nos resultados obtidos (valores de frequências próprias e (ou) deformadas modais). Assim, os parâmetros avaliados podem desde logo apresentar particularidades ou mesmo anomalias que permitam concluir sobre o estado e funcionamento da estrutura, como adiante se mostrará nos exemplos práticos de aplicação.

Embora os resultados dos ensaios de identificação dinâmica providenciem informações úteis, a abordagem mais comum a este tipo de ensaio consiste em complementá-lo com uma modelação numérica da estrutura. Nesses casos, o modelo numérico é utilizado para reproduzir o ensaio, através duma análise modal numérica. Os resultados numéricos (frequências próprias e deformadas modais) são então ajustados aos obtidos experimentalmente, através do ajuste das propriedades mecânicas (em particular do módulo de elasticidade), num processo iterativo. Desta forma é possível determinar o valor do módulo de elasticidade global da estrutura, ou mesmo de várias zonas da estrutura com características diferentes, em regime elástico, correspondendo às condições in situ.

Esta abordagem permite não só determinar o valor do módulo de elasticidade global, como possibilita ainda que o modelo numérico desenvolvido fique devidamente calibrado, ainda que em regime elástico, em correspondência com as condições in situ da estrutura, podendo então ser utilizado com confiança para a avaliação de segurança da estrutura.

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3 EXEMPLOS PRÁTICOS DE APLICAÇÃO

De forma a ilustrar as potencialidades dos ensaios de identificação dinâmica e os resultados que se retiram dos mesmos, são apresentados alguns casos práticos, onde estes ensaios foram realizados, salientando-se ao longo da sua exposição as suas principais vantagens e limitações, bem como as particularidades de cada caso. Realça-se que em todos os casos que se apresentam foi utilizada a vibração ambiental como fonte de excitação. Em virtude das vantagens que apresenta, actualmente, apenas em casos muito pontuais o NCREP recorre à vibração forçada neste tipo de ensaios.

3.1 Chaminés em Alvenaria – Chaminé de Ermesinde e Chaminé da Ribeira Grande Estruturas como as chaminés constituem bons exemplos ilustrativos das potencialidades destes ensaios, em particular quando se recorre à vibração ambiental. De facto, as chaminés são estruturas muito esbeltas e flexíveis, o que faz com que a sua resposta dinâmica face às acções ambientais seja mais acentuada do que em casos de estruturas mais rígidas.

As duas chaminés ensaiadas, apesar das semelhanças, apresentam algumas particularidades que as distinguem. O primeiro caso trata-se de uma chaminé em alvenaria de tijolo maciço, troncocónica, situada em Ermesinde, nos arredores da cidade do Porto (Figura 5). Datada do início do século XX, apresenta uma altura total de cerca de 40m e com espessura variável (de 0.23m no topo a 0.83m na base), esta chaminé constitui um típico exemplar de uma chaminé de arquitectura industrial (Lopes, 2009). Inicialmente parte de um complexo industrial, entretanto desactivado, a chaminé de Ermesinde encontra-se actualmente inserida num espaço cultural e de lazer que resultou da requalificação da antiga fábrica.

O segundo caso trata-se de uma chaminé em alvenaria de basalto, troncocónica, com cerca de 30m de altura e espessura variável (de 0.65m no topo a 1.30m na base), situada na Ribeira Grande (Costa et al, 2009b), na ilha de São Miguel, nos Açores (Figura 6). Esta chaminé encontra-se inserida num complexo industrial desactivado, datado do século XIX (IAC, 2009), que será alvo de requalificação com vista a albergar o futuro Centro de Arte Contemporânea do Açores.

Figura 5. Chaminé de Ermesinde. Figura 6. Chaminé da Ribeira Grande. Em ambos os casos a solicitação efectuada ao IC-FEUP (NCREP) partiu das respectivas

autarquias com o objectivo de avaliar o seu estado de degradação, bem com proceder a uma

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avaliação de segurança estrutural face às acções regulamentares. No caso da chaminé de Ermesinde, a solicitação foi motivada pelos sinais de degradação material que a estrutura apresentava; no caso da chaminé da Ribeira Grande, um vez que o complexo em que se inseria estava em vias de requalificação, e visto se inserir numa zona de elevado risco sísmico, a avaliação do desempenho desta estrutura impunha-se.

A abordagem adoptada, em ambos os casos, foi semelhante, tendo-se realizado os ensaios de identificação dinâmica e recolhido os resultados através do Método Avançado de Decomposição no Domínio da Frequência, usando o software ARTeMIS (SVS, 2006). Posteriormente, foram calibrados os respectivos modelos numéricos de elementos finitos que permitiram efectuar a avaliação de segurança de ambas as chaminés.

Os ensaios foram realizados com recurso a 4 acelerómetros uniaxiais, com sensibilidade de 1000mV/g, intervalo de leitura de frequências entre 0.5Hz e 2000Hz e gama de acelerações entre -5g e 5g. Em ambos os casos, os 4 acelerómetros foram utilizados em diferentes setups, de modo a conseguir caracterizar a resposta dinâmica das chaminés em mais do que apenas 4 pontos. Para tal apenas é necessário que exista um ponto de leitura comum em cada setup (no caso, com 2 acelerómetros), para que, através dele, todas as restantes leituras se possam relacionar (Figura 7). Refira-se que, em qualquer dos casos, a altura das chaminés dificultou bastante o acesso ao seu topo e, consequentemente a montagem dos acelerómetros, que apenas foi conseguida com o auxílio de uma grua.

(a)

(b)

Figura 7. Pontos de leitura adoptados: (a) Chaminé de Ermesinde; (b) Chaminé da Ribeira Grande.

Uma vez que apresentava uma altura menor e existiam maiores limitações logísticas,

apenas foram feitas leituras em 4 níveis no caso da chaminé da Ribeira Grande, ao invés dos 5 níveis adoptados no caso da chaminé de Ermesinde.

A orientação dos acelerómetros foi definida de forma a captar os modos de vibração de flexão, de torção e eventuais modos de expansão, considerando em cada extremidade da chaminé dois sensores perpendiculares entre si (Figura 7). Não foram previstos acelerómetros orientados na direcção vertical, já que a influência destes modos é reduzida relativamente aos restantes, sendo que a sua consideração no ensaio implicaria, inevitavelmente, um maior tempo de montagem de equipamento e aquisição de dados, que se reflectiria nos restantes setups.

Os resultados dos ensaios tiveram níveis de sucesso diferentes. No caso da chaminé de Ermesinde, foram identificados experimentalmente 17 modos de vibração (Figura 8), o que é

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manifestamente positivo. Já no caso da chaminé da Ribeira Grande, apenas foi possível identificar experimentalmente 5 modos de vibração, o que, apesar de manifestamente inferior ao caso anterior, consiste num número de modos que permite retirar as principais conclusões pretendidas nestes casos. Na origem desta diferença estarão, essencialmente, dois motivos: por um lado, o facto de apenas se terem considerado 4 níveis de leitura no ensaio da chaminé da Ribeira Grande, por outro lado a chaminé de Ermesinde ser consideravelmente mais esbelta, logo mais flexível, não só pela sua altura ser superior, mas também pela sua espessura ser inferior (0.83m na base face aos 1.30m da chaminé da Ribeira Grande).

Figura 8. Picos de frequência dos modos identificados no ensaio da chaminé de Ermesinde.

Posteriormente, após a identificação das frequências próprias, deformadas e coeficientes de

amortecimento modais, estes resultados foram utilizados para calibrar os modelos de elementos finitos de cada uma das chaminés.

A calibração dos modelos numéricos foi feita, tal como previamente referido, ajustando as características materiais desconhecidas de modo a que os resultados numéricos da análise modal da chaminé se aproximem o mais possível dos resultados obtidos experimentalmente in situ. A aproximação de ambos os resultados foi medida com base no erro em relação às frequências, e ainda através de um parâmetro MAC (Allemang e Brown, 1982), dado pela seguinte equação:

( )( ) ( )k

Tkj

Tj

kTjMAC

ϕϕϕϕϕϕ

⋅⋅⋅⋅

= ~~~ 2

(4)

onde kϕ corresponde ao vector da deformada modal numérica e jϕ~ corresponde ao vector da deformada modal experimental. Com vista à maximização do MAC e à minimização do erro em frequências no maior número de modos possível, são testados vários valores para as características mecânicas (nos casos, apenas o valor do módulo de elasticidade E), num processo iterativo de tentativa e erro até se atingir uma convergência satisfatória.

No caso particular da chaminé de Ermesinde, uma vez que foram detectados alguns danos na inspecção visual da estrutura, foram considerados diferentes materiais com características mecânicas distintas, em correspondência com a hierarquia dos diferentes estados de degradação identificados, conduzindo à obtenção de tantos valores de módulo de elasticidade quantos os materiais considerados, incluindo algumas fissuras (Figura 9). Destaca-se assim o papel fundamental, não só de ensaios desta natureza, mas também da inspecção visual rigorosa das estruturas, cujos registos podem ser complementados com vista à optimização do resultado final.

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N O S EMATERIAL AMATERIAL B

MATERIAL C

MATERIAL D

MATERIAL EMATERIAL F

(a)

(b)

Figura 9. Calibração do modelo numérico da chaminé de Ermesinde: (a) Registo de danos; (b) Diferentes zonas do modelo numérico desenvolvido com o software Cast3M (CEA, 2003).

Uma vez determinados os vários valores de módulo de elasticidade da chaminé de

Ermesinde, bem como o módulo de elasticidade global da chaminé da Ribeira Grande, ambos expostos na Tabela 1, foram efectuadas as verificações de segurança regulamentar necessárias, recorrendo aos modelos numéricos devidamente calibrados para as condições in situ de ambas as estruturas.

Tabela 1. Valores obtidos para o módulo de elasticidade

Chaminé de Ermesinde Chaminé da Ribeira Grande Material E (GPa) Material E (GPa)

A 1.80 B 1.60 C 1.80 D 1.00 E 1.40 F 0.60

Fissuras 0.30

Único 3.55

3.2 Torre do Relógio de Caminha A Torre do Relógio de Caminha (Figura 10), datada do séc. XIII, é a única torre intacta que resta do castelo medieval que envolvia o burgo de Caminha (IHRU, 2008). Trata-se de uma torre ameada, com 3 pisos (Figura 11), de planta regular com (7.8x7.0)m2 em cantaria de granito e com uma altura de cerca de 17m. A sua estrutura é constituída por paredes portantes em cantaria de granito, de 2 folhas com enchimento, e com uma espessura total de aproximadamente 2.0m. A cobertura da torre apresenta uma forma piramidal, de base quadrada, e é construída em cantaria simples de granito com 0.30m de espessura. A cobertura está truncada no topo por uma superfície plana em lajedo de pedra sobre o qual encastra a estrutura em ferro forjado que sustenta o sino do relógio (Figura 12).

A estrutura do piso 1 é em laje de betão armado e a do piso 2 em estrutura de madeira. Existe ainda um meio-piso, de estrutura semelhante à do piso 2, situado à cota de acesso ao caminho de ronda, onde se localiza o maquinismo do relógio. A comunicação vertical entre pisos é efectuada por escadas de madeira.

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Figura 10. Vista geral da Torre do Relógio de Caminha.

Figura 11. Localização dos pisos da Torre.

Figura 12. Sino localizado no topo da Torre.

No âmbito da empreitada de "Requalificação e Valorização da Torre do Relógio: criação do

Núcleo Museológico do Centro Histórico de Caminha", foram realizados alguns ensaios não destrutivos com vista à a avaliação do estado da estrutura da Torre e à criação de um registo do estado de conservação da torre para futura comparação (Miranda et al, 2008). A caracterização das propriedades mecânicas, nomeadamente do módulo de elasticidade, foi efectuada com recurso a ensaios de identificação dinâmica.

A abordagem adoptada neste caso foi, em parte, semelhante à utilizada nos casos das chaminés apresentadas anteriormente. Também neste caso foram recolhidos os resultados do ensaio através do Método Avançado de Decomposição no Domínio da Frequência, tendo-se posteriormente calibrado um modelo numérico de elementos finitos. Contudo, neste caso, o processo terminou na determinação das propriedades mecânicas da estrutura da Torre, uma vez que a estrutura não apresentava quaisquer anomalias que justificassem o avanço do estudo.

De forma a identificar o maior número de modos possível, foi adoptado o esquema para colocação dos acelerómetros ilustrado na Figura 13. A colocação de 2 acelerómetros perpendiculares em cada vértice da secção da torre (assinalados a azul na Figura 13) permitiria caracterizar completamente o deslocamento destes pontos na direcção horizontal. A colocação de acelerómetros a meio de cada uma das fachadas na direcção perpendicular às paredes (assinalados a vermelho na Figura 13) permitiria, juntamente com os restantes sensores, caracterizar qualquer movimento de flexão das paredes para fora do seu plano. Também neste caso, não foram previstos acelerómetros posicionados na direcção vertical, já que se esperava que a influência destes deslocamentos nos principais modos de vibração da torre fosse reduzida.

O posicionamento dos acelerómetros em altura foi definido com base nas condicionantes encontradas no local. Desta forma, os acelerómetros foram colocados no interior da estrutura (ver Figura 13) em três níveis: piso 1, piso 2 e piso 3 (Figura 14). Foi ainda colocado um par de acelerómetros no topo da cobertura da torre (Figura 14).

Os ensaios foram realizados com recurso a 4 acelerómetros uniaxiais, os mesmos utilizados nos casos anteriormente expostos. Os 4 acelerómetros foram utilizados em diferentes setups, de acordo com a Figura 14, de modo a conseguir caracterizar a resposta dinâmica da Torre em mais do que apenas 4 pontos. Os pontos de leitura fixos encontram-se assinalados a azul na Figura 14.

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Figura 13. Esquema de colocação dos acelerómetros, por piso.

Figura 14. Pontos de leitura adoptados.

Após efectuadas as leituras, foram recolhidos os dados e interpretados os resultados. Foram

identificados no total 28 picos (Figura 15). Contudo, nem todos os picos seleccionados corresponderam a modos de vibração da estrutura; de todos, apenas cerca de 10 corresponderam efectivamente a modos de vibração da Torre. Os restantes picos de frequência foram o resultado da presença do sino e da sua estrutura de sustentação no topo da Torre, estrutura essa muito flexível face à elevada rigidez da Torre. Também o facto de o sino tocar regularmente durante as leituras efectuadas poderá ter contribuído para o aparecimento dos referidos picos.

Figura 15. Picos de frequência dos modos identificados no ensaio da Torre do Relógio de Caminha. Com base nos resultados da identificação dinâmica considerados válidos, foi feita a

calibração do modelo numérico de elementos finitos da Torre (Figura 16). Tal como no caso das chaminés, a calibração foi feita ajustando quer os valores das frequências próprias, quer os traçados das deformadas modais com o auxílio do parâmetro MAC.

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Figura 16. Modelo numérico de elementos finitos da Torre do Relógio de Caminha, desenvolvido no software Cast3M.

Dado que a Torre se encontra inserida num quarteirão onde existem edifícios que lhe são

contíguos (ver Figura 10), as ligações a esses edifícios tiveram de ser tomadas em consideração no modelo numérico desenvolvido, uma vez que desempenham um papel fundamental no travamento da Torre e, em particular, no seu comportamento dinâmico. Assim, foram considerados na modelação alguns troços de paredes pertencentes aos edifícios adjacentes à torre (ilustradas a verde na Figura 16). Com base nesse modelo foi feita a calibração do módulo de elasticidade global da alvenaria da Torre, bem como das paredes dos edifícios vizinhos. Os valores obtidos encontram-se expostos na Tabela 2.

Tabela 2. Valores obtidos para o módulo de elasticidade

Material E (GPa) Alvenaria da Torre 1.40

Alvenaria das paredes vizinhas 2.00 Os valores obtidos, nomeadamente para a alvenaria da Torre, encontram-se dentro da gama

habitualmente verificada em estruturas deste tipo. Este resultado, juntamente com as observações feitas e com os resultados de outros ensaios realizados (nomeadamente ensaios sónicos), indicia tratar-se de uma cantaria com resistência moderada, indicando tratar-se, muito provavelmente, de uma alvenaria de duas folhas com material de enchimento pouco coeso. Para além destas conclusões, os valores avaliados poderão permitir, no futuro, efectuar um estudo comparativo, monitorizando assim a evolução do estado de conservação da Torre do Relógio de Caminha.

3.3 Palácio de Valadares O Palácio de Valadares (Figura 17), antiga Escola Secundária Veiga Beirão situa-se no Largo do Carmo, Lisboa, e é um edifício de grande dimensão que sofreu alterações significativas ao longo dos séculos, tendo sido reconstruído após o sismo de 1755. Trata-se, portanto, de um excelente exemplar da construção pombalina, constituído por paredes resistentes exteriores de alvenaria de pedra e paredes interiores de frontal (Figura 18). Os pavimentos dos pisos inferiores são executados em abóbada de tijolo e nos pisos superiores em madeira, tal como as coberturas, também de madeira.

No âmbito do projecto reabilitação do edifício, cuja coordenação está a cargo da Arq. Teresa Nunes da Ponte, responsável pelo projecto de arquitectura, e que tinha como objectivo principal dotá-lo das condições necessárias para que pudesse receber um espaço museológico,

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e simultaneamente, garantir uma melhoria do seu comportamento sísmico, foi feita uma inspecção e uma avaliação das suas estruturas (Costa et al, 2009a). Nesse sentido foi feito um diagnóstico com o objectivo de compreender quais os fenómenos que contribuíram para a degradação da estrutura, e qual o seu comportamento actual, avaliando a sua resposta e vulnerabilidade às novas solicitações regulamentares, quer estáticas, quer sísmicas.

Figura 17. Vista da fachada principal do Palácio de Valadares.

Figura 18. Parede interior de frontal.

Com o objectivo de auxiliar as acções de inspecção e diagnóstico da estrutura e,

posteriormente, a realização das acções de reabilitação e eventual reforço (fase actualmente em curso), foram efectuados ensaios de identificação dinâmica das duas fachadas principais do corpo principal do Palácio de Valadares (Figura 19).

Figura 19. Planta do 1º piso do Palácio de Valadares, com indicação das fachadas ensaiadas. Estes ensaios visaram caracterizar o comportamento das fachadas fora do seu plano, com

vista a avaliar as condições de funcionamento conjunto das paredes exteriores, interiores e pavimentos. Numa fase posterior deste trabalho, servirão para calibrar um modelo numérico de elementos finitos, com vista à avaliação da segurança sísmica do Palácio.

Os ensaios foram realizados em colaboração com Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), com o apoio do Eng. Alfredo Campos Costa. Foram utilizados 32 acelerómetros uniaxiais, semelhantes aos utilizados nos casos expostos anteriormente, dispostos em diferentes setups, de acordo com a Figura 20. Os 6 pontos de leitura fixos encontram-se assinalados a azul na Figura 20.

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Figura 20. Pontos de leitura adoptados. O procedimento adoptado para o tratamento dos resultados foi semelhante aos casos

expostos anteriormente, tendo-se utilizado o software ARTeMIS e o Método Avançado de Decomposição no Domínio da Frequência. Foram identificados no total 25 picos, sendo que cerca de 20 deles aparentam corresponder a modos de vibração reais, alguns globais, outros locais.

A análise dos resultados, em particular das deformadas modais, permitiu retirar algumas conclusões preliminares interessantes. Desde logo, torna-se interessante constatar que o 1º modo de vibração da estrutura corresponde ao modo da parede da fachada principal, na zona do ginásio, com pé-direito duplo (Figura 21), indiciando tratar-se duma zona mais flexível, eventualmente a precisar de melhor travamento.

Figura 21. Primeiro modo de vibração. Outra conclusão importante consiste na constatação de que as fachadas ensaiadas

responderam em fase para os modos de ordem inferior, o que significa que os pavimentos e as paredes de frontal se encontram a desempenhar eficazmente a ligação entre ambas a paredes exteriores (Figuras 22 e 23). Esta conclusão, juntamente com as observações feitas na inspecção da estrutura, confirma o bom estado da estrutura interior de madeira, dando claros indícios da viabilidade da sua manutenção.

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(a)

(b)

Figura 22. Segundo modo de vibração da estrutura: (a) Perspectiva; (b) Vista de cima.

(a)

(b)

Figura 23. Terceiro modo de vibração da estrutura: (a) Perspectiva; (b) Vista de cima.

Contudo, e dada a diferença entre as solicitações ambiental e sísmica, as ligações das peças

de madeira às paredes de fachada merecerão especial cuidado, de modo a garantir que são mobilizadas, mesmo com níveis de acção superiores. De facto, outra das conclusões retiradas prende-se com o comportamento algo anómalo de uma parte da fachada principal, na zona mais a Sul (Figura 24).

(a)

(b)

(c)

(d)

Figura 24. Indícios de má ligação dos pisos: (a) 4º modo; (b) 7º modo; (c) 9º modo; (d) 11º modo.

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Foram identificados alguns modos locais dessa zona, juntamente com alguns deslocamentos elevados em modos mais globais (Figura 24). Estes resultados podem indiciar que a ligação da estrutura de madeira à fachada nessa zona poderá ser deficiente, pelo que na fase seguinte do trabalho de reabilitação do Palácio de Valadares será dada especial atenção a esses elementos.

Os resultados obtidos serão futuramente utilizados para calibrar um modelo numérico de elementos finitos, tal como foi já referido, à semelhança do que foi efectuado para os casos anteriormente expostos. Ainda assim, nesta fase do trabalho, a identificação dinâmica revelou-se já bastante útil, providenciando informações relevantes sobre o comportamento da estrutura, dando inclusivamente indicações sobre o estado de alguns elementos estruturais.

3.4 Edifícios em Betão Armado – Bloco de Costa Cabral e Edifício Parnaso De modo a demonstrar a versatilidade dos ensaios de identificação dinâmica, apresentam-se dois casos de edifícios em betão armado. Tratam-se de dois excelentes exemplares da arquitectura moderna portuguesa de meados do século XX, ambos da escola portuense.

O primeiro caso trata-se do Bloco de Costa Cabral (Figura 25), um edifício de habitação situado no Porto, datado de 1953 e da autoria do Arq. Viana de Lima. Este edifício constitui um dos mais emblemáticos exemplares da arquitectura moderna na cidade do Porto, sendo de realçar a sua pala de entrada (Figura 25). O Bloco de Costa Cabral apresenta uma implantação rectangular de (37.22x16.35)m2, com um desenvolvimento em altura de 24.80m a que correspondem uma cave, rés-do-chão e 6 pisos.

Figura 25. Bloco de Costa Cabral. O segundo caso trata-se do Edifício Parnaso (1954-1956), também situado na cidade do

Porto, é da autoria do Arq. José Carlos Loureiro (Figura 26). O edifício reúne um programa complexo, de apartamentos, comércio, equipamento cultural e ainda a escola de música

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“Parnaso” (Fernandes e Cannatá, 2002), que se organizam em três blocos. O estudo que aqui se expõe apenas respeita ao bloco de habitações (Figura 26).

O bloco de habitações do edifício Parnaso apresenta uma implantação rectangular com uma área de (26.20x9.90)m2 e um desenvolvimento em altura de 18m correspondentes aos seis pisos. Através do sexto piso é possível aceder à cobertura através duma escada exterior, onde existe um terraço ajardinado.

Figura 26. Edifício Parnaso. Ambos os edifícios foram estudados num contexto mais académico que os restantes casos

apresentados, tendo dado origem a uma tese de Mestrado (Milheiro, 2008). Pretendia-se então estudar o comportamento sísmico de edifícios de estrutura porticada de betão armado, típicos da década de 50, projectados e construídos antes de existir uma regulamentação anti-sísmica em vigor. A particularidade deste estudo prendia-se com a intenção de aferir qual a influência das paredes divisórias de alvenaria de tijolo no comportamento sísmico das referidas estruturas.

Os ensaios foram realizados com recurso a 2 sismógrafos (Figura 27), cada um deles munido de um acelerómetro triaxial, responsável pelas leituras das acelerações, utilizando uma frequência de amostragem de 250 Hz e uma gama de acelerações entre -2g a 2g.

Figura 27. Exemplo de um dos sismógrafos utilizados.

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Foram realizadas leituras em 10 pontos no Bloco de Costa Cabral e 8 no Edifício Parnaso, sendo que um deles correspondeu a um ponto fixo de leitura, de modo a poder relacionar os restantes. No caso do bloco de Costa Cabral, foram identificados experimentalmente 6 modos de vibração; no caso do Edifício Parnaso identificaram-se 5 modos de vibração.

Uma vez que as propriedades mecânicas do betão são, em geral, conhecidas, e dado que neste caso se conheciam as características dos painéis de enchimento de alvenaria (Rodrigues, 2005), os modelos numéricos desenvolvidos para cada um dos edifícios foram utilizados para avaliar a influência da consideração dos painéis de alvenaria, comparando-se a resposta dinâmica experimental com a numérica, considerando ou não a alvenaria. Em ambos os casos foram apenas comparadas as 2 primeiras frequências próprias (Figura 28).

Figura 28. Deformada do 2º modo de vibração (longitudinal) do Edifício Parnaso. A comparação das frequências experimentais e numéricas encontra-se exposta na Tabela 3,

para o Bloco de Costa Cabral, e na Tabela 4, para o Edifício Parnaso.

Tabela 3. Frequências experimentais e numéricas do Bloco de Costa Cabral Frequências Numéricas (Hz)

Direcção Frequência Experimental (Hz) Com Alvenaria Sem Alvenaria Transversal 2.178 2.207 1.344

Longitudinal 2.344 2.361 0.796

Tabela 4. Frequências experimentais e numéricas do Edifício Parnaso Frequências Numéricas (Hz)

Direcção Frequência Experimental (Hz) Com Alvenaria Sem Alvenaria Transversal 2.913 2.964 0.680

Longitudinal 3.864 3.818 0.933 A análise das tabelas anteriores permite comprovar a importância da consideração dos

painéis de enchimento de alvenaria na análise sísmica de edifícios desta natureza, uma vez que as diferenças das frequências próprias são significativas. Salienta-se assim o papel dos ensaios de identificação dinâmica, que permitiram comprovar de uma forma clara as diferenças existentes entre os dois cenários.

4 CONCLUSÕES

Actualmente, dados os meios existentes ao dispor dos vários técnicos envolvidos na reabilitação do património edificado, reúnem-se as condições para intervenções responsáveis, sustentadas, no respeito das cartas e recomendações internacionais. Os ensaios de identificação dinâmica assumem-se como uma das técnicas de caracterização material/mecânica mais atraentes e, consequentemente, muito utilizadas actualmente. Estes ensaios permitem caracterizar as estruturas existentes de uma forma totalmente não destrutiva, sendo essa uma das suas principais vantagens. O facto de ser possível recorrer à

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vibração ambiental para a realização dos ensaios contribui de forma fundamental para o seu carácter não destrutivo, ao mesmo tempo que os torna economicamente vantajosos.

Através da exposição de alguns casos práticos de aplicação, foram apresentados os principais procedimentos inerentes à realização destes ensaios. Os casos apresentados foram escolhidos de modo a mostrar a versatilidade destes ensaios, quer em termos do tipo de construção a caracterizar, quer no que respeita às diferentes abordagens possíveis de adoptar e os respectivos resultados obtidos em cada caso.

No caso de estruturas muito flexíveis, como chaminés, os ensaios de identificação dinâmica são particularmente adequados, sendo possível identificar uma quantidade considerável de modos de vibração. Contudo, nestes casos o acesso a toda a altura da estrutura é fundamental e dificultado pela sua geometria.

O recurso a modelos numéricos é, geralmente, associado à realização destes ensaios, permitindo assim determinar as propriedades mecânicas da estrutura (ou de várias zonas da estrutura) em correspondência com as condições in situ. Essa determinação é efectuada através do ajuste da resposta dinâmica numérica à obtida experimentalmente, fazendo variar o valor das propriedades a determinar até ser atingida a convergência pretendida.

No caso de não se recorrer ao suporte que os modelos numéricos podem dar, os resultados dos ensaios de identificação dinâmica podem ser, ainda assim, uma preciosa ajuda à tomada de decisões. O caso apresentado referente ao Palácio de Valadares é disso exemplo, uma vez que os resultados obtidos, reportando-se às condições in situ, mostraram alguns eventuais defeitos pontuais nas ligações de alguns elementos estruturais. Os mesmos resultados mostraram ainda o bom funcionamento global da estrutura, com as paredes das fachadas principais deformando-se em fase nos primeiros modos de vibração da estrutura, evidenciando a ligação efectiva da estrutura interior de madeira às paredes de alvenaria das fachadas.

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