identidade organizacional - scieloorganização, recursos humanos e planejamento identidade...

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Organização, Recursos Humanos e Planejamento IDENTIDADE ORGANIZACIONAL Miguel P. Caldas Mestre e Doutorando em Administração de Empresas na EAESP/FGV. Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV e consultor de empresas. E-mail: [email protected] Thomaz Wood Jr. Mestre e Doutorando em Administração de Empresas na EAESP/FGV. Professor do Departamento de Produção, Logística e de Operações Industriais da EAESP/FGV e consultor de empresas. E-mail: [email protected] RESUMO: Neste artigo teórico, os autores revisitam o conceito de identidade, advogando o melhor entendimento de sua complexidade e sua utilização mais abrangente na análise organizacional. Enquanto exploram as origens do conceito e os caminhos de sua evolução por vários campos do conhecimento, os autores desenvolvem um quadro conceitual de referência, que diferencia as muitas abordagens existentes sobre identidade, a partir de duas dimensões básicas: dimensão do objeto focal e dimensão da observação. A primeira distingue o objeto sobre o qual o conceito é aplicado (ex.: indivíduo, grupo, organização etc.); a segunda distingue as formas pelas quais a identidade é observada (do interiormente observado - self - até o externamente observado - imagem). A sobreposição dessas duas dimensões define diversos quadrantes, onde se podem distinguir as diferentes aborda- gens existentes sobre identidade. Enfim, o modelo é expandido com uma terceira dimensão (da definição de identidade), que põe em debate os alicerces do próprio conceito: a idéia de algo central, distintivo e duradouro. ABSTRACT: In this theoretical article, the authors revisit the concept of identity, proposing the better understanding of its complexity, as wel/ as its broa der use in organizational analysis. While exploring the origins of the concept and the trends of its evolution through several fields of knowledge, the authors develop a conceptual framework, which differentiates the many existing perspectives on identity based on two key dimensions: the focal object dimension and the observation dimension. The former distinguishes the object to which the concept is applied (e.g., an individual, a group, an organization etc.); the tetter differentiates how identity is observed (from the innerly observed - self - to the external/y observed - image). The combination of these two dimensions defines several quadrants, in which it is possible to portrait the different existing perspectives on identity. At last, the model is expanded with a third dimension (the identity definition), which debates the basic foundations of the concept: of this being something central, distinctive and enduring. KEY WORDS: identity, organizational identity, organizational change, self, self-concept, virtual organization. PALAVRAS-CHAVE: identidade, identidade organizacional, mudança organizacional, self, auto-conceito, organização virtual. 6 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 1, p. 6-17 Jan./Mar. 1997

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Page 1: IDENTIDADE ORGANIZACIONAL - SciELOOrganização, Recursos Humanos e Planejamento IDENTIDADE ORGANIZACIONAL Miguel P. Caldas Mestre e Doutorando em Administração de Empresas na EAESP/FGV

Organização, Recursos Humanos e Planejamento

IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

Miguel P. CaldasMestre e Doutorando em Administração de Empresas na

EAESP/FGV. Professor do Departamento de AdministraçãoGeral e Recursos Humanos da EAESP/FGV e consultor de

empresas.E-mail: [email protected]

Thomaz Wood Jr.Mestre e Doutorando em Administração de Empresas na

EAESP/FGV. Professor do Departamento de Produção,Logística e de Operações Industriais da EAESP/FGV e

consultor de empresas.E-mail: [email protected]

RESUMO: Neste artigo teórico, os autores revisitam o conceito de identidade, advogando o melhor entendimentode sua complexidade e sua utilização mais abrangente na análise organizacional. Enquanto exploram as origensdo conceito e os caminhos de sua evolução por vários campos do conhecimento, os autores desenvolvem umquadro conceitual de referência, que diferencia as muitas abordagens existentes sobre identidade, a partir de duasdimensões básicas: dimensão do objeto focal e dimensão da observação. A primeira distingue o objeto sobre oqual o conceito é aplicado (ex.: indivíduo, grupo, organização etc.); a segunda distingue as formas pelas quais aidentidade é observada (do interiormente observado - self - até o externamente observado - imagem). Asobreposição dessas duas dimensões define diversos quadrantes, onde se podem distinguir as diferentes aborda-gens existentes sobre identidade. Enfim, o modelo é expandido com uma terceira dimensão (da definição deidentidade), que põe em debate os alicerces do próprio conceito: a idéia de algo central, distintivo e duradouro.

ABSTRACT: In this theoretical article, the authors revisit the concept of identity, proposing the better understandingof its complexity, as wel/ as its broa der use in organizational analysis. While exploring the origins of the concept andthe trends of its evolution through several fields of knowledge, the authors develop a conceptual framework, whichdifferentiates the many existing perspectives on identity based on two key dimensions: the focal object dimensionand the observation dimension. The former distinguishes the object to which the concept is applied (e.g., anindividual, a group, an organization etc.); the tetter differentiates how identity is observed (from the innerly observed- self - to the external/y observed - image). The combination of these two dimensions defines several quadrants,in which it is possible to portrait the different existing perspectives on identity. At last, the model is expanded witha third dimension (the identity definition), which debates the basic foundations of the concept: of this being somethingcentral, distinctive and enduring.

KEY WORDS: identity, organizational identity, organizational change, self, self-concept, virtual organization.

PALAVRAS-CHAVE: identidade, identidade organizacional, mudança organizacional, self, auto-conceito,organização virtual.

6 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 1, p. 6-17 Jan./Mar. 1997

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IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

A RJ&M Autopeças (nome fictício) é umaempresa brasileira do setor automobilístico.Fundada há quarenta anos, conserva muitascaracterísticas de empresa tradicional e fami-liar: processo decisório centralizado, estruturahierarquizada e forte presença dos donos. Comas mudanças ocorridas na economia e no setorautomobilístico no início dos anos noventa, aRJ&M passou a sentir sua posição competitivaameaçada. Em 1994, a RJ&M contratou umaempresa de consultoria para mudar seu modelode negócios e implementar um processo maismoderno de gestão. O projeto de mudança foidividido em três fases: diagnóstico estratégicoe organizacional, redesenho do modelo organi-zacional e implantação.

Vejamos três cenas ocorridas durante o pro-cesso de mudança:

• Cena 1 - durante o diagnóstico. Em umareunião com proprietários e diretores daempresa, a equipe de consultoria apresen-ta os resultados de uma pesquisa de opi-nião, realizada cem clientes e fornecedo-res da RJ&M. Para surpresa da maioriados presentes, que viam sua empresa comomodelo de sucesso, os resultados são ne-gativos. Muitos clientes reclamam do aten-dimento e fornecedores vêem a RJ&Mcomo pouco eficiente e desatenta a oportu-nidades de melhoria. Como um todo, odiagnóstico é dissonante da visão dominan-te e gera um sentimento de desagrado naspessoas. No entanto, depois do mal-estarinicial, o diagnóstico ajuda os executivosa alterarem sua percepção sobre a empresa,reforçando o consenso em tomo da neces-sidade de mudar.• Cena 2 - durante o redesenho. São reali-zadas reuniões individuais com os geren-tes. O objetivo é desenvolver a nova estru-tura organizacional. Visando sistematizaro trabalho, cada gerente é estimulado aidentificar seus clientes internos e exter-nos, os produtos e serviços fornecidos aesses clientes e suas expectativas em rela-ção a esses produtos e serviços. Sugere-setambém que descrevam qual a razão de serde sua área, na forma de uma declaraçãode missão. Para surpresa dos consultores,esta última é a parte mais difícil do traba-lho e poucos gerentes conseguem descre-ver algo supostamente simples e objetivoquanto à razão da existência da sua áreapara a organização. A solução encontrada

é marcar reuniões específicas para discutiro tema e ajudar os gerentes a melhor com-preenderem seu novo papel. Só assim épossível dar continuidade ao desenvolvi-mento da nova estrutura organizacional.• Cena 3 - durante a implantação. Na fasede implantação, cada gerente assume opapel de condutor do processo de mudan-ça na sua área. Entretanto, dois deles co-meçam a mostrar sinais de estresse dianteda dificuldade de adaptar-se à nova reali-dade. Embora declarem compreender seunovo papel, não se vêem em condições deexercê-lo. As justificativas são variadas:falta de tempo para exercer novas funções,capacitação insuficiente, perfil inadequa-do etc.Um ponto comum nessas três cenas é a pre-

sença da questão da identidade.Na primeira cena, a identidade organi-

zacional aparece em diversas dimensões: pri-meiro, surge na forma pela qual a organiza-ção é percebida pelo meio, na sua imagempara clientes e fornecedores. Surge novamen-te permeando a forma pela qual a organiza-ção, representada por seus executivos, perce-be a si mesma - autopercepção. Fica aí cla-ra a interação entre diversas dimensões, com-pondo um ciclo de mudança: o "como souvisto" ajudando a modificar o "como mevejo". Este último, em um segundo momen-to, gerando mudanças que vão alterar o "comosou" que, finalmente, deve alterar o "comosou visto", completando um ciclo.

Na segunda cena, é a identidade do grupoque aparece, expressa pela dificuldade dos ge-rentes em redefinir seu papel e o dos seus lide-rados no novo modelo organizacional. Ficaevidente para os consultores a ruptura que asmudanças ambientais e o processo de mudan-ça organizacional trazem para esse grupo.Como a discussão que se segue aborda essestemas, explorando a questão da identidade,consegue-se rearticular o processo. O trabalhoresulta em profundo questionamento quanto àrazão de ser de cada um e gera novas identi-dades organizacionais para muitos gerentes emuitas áreas.

Na terceira cena, o que se percebe é umainteração conflituosa entre a nova identidadeda função ou da área, definida na etapa ante-rior (de redesenho organizacional), e a identi-dade individual. Os dois gerentes menciona-dos não conseguem reposicionar-se pessoal-

© 1997, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 7

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1. Ver NKOMO. S. & COX,Jr.1 Diverse iden-tities in organizations. In: CLEGG, S., HARDY,C. & NORD,W. (Orgs.), Handbook of Orga·nization Studies. London: Sage, 1996, p, 338·356.

2. Em um trabalho recente, um frameworkinicial nesse sentido foi proposto por Wood eCaldaspara analisar processos radicais de mu-dança: ver WOOD Jr.. 1, CALDAS, M.P. Quemtem medo de eletrochoque? Identidade, tera-pias convulsivas e mudança organizacional.!/Af·Revista de Administração de fTrVJresas,v. 35, n.5, p. 13,21, 1995. Neste trabalho, nospropomos a desenvolver conceitualmente ummodelo mais abrangente.

3. Ver RODRIGUES,S. B. Corporate cultureand identity: De·institutionalization in a Brazll-ian telecommunications company. Anais do11' fNANPAD, v. f O (RH.), p. 345·365. Sal·vador, BA, 1993.

4. Ver COPI, I. M. & COHEN,C. Introductionto logic (8th ed.). New York: Macmillan, 1990.

5. Ver WHITEHEAD, A. N. & RUSSELL, B.Principia Mathemltica (2nded.). Cambridge:Cambridge University Press, 1927.

6. Ver KAHN, C. H. The stt and thought ofHeraclitus: An edition Of the fragments withtranslation and commentary. Cambridge:Cambridge University Press, 1979.

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mente para o novo papel que o modelo organi-zacionallhes confere. O resultado aparece naforma de estresse e resistência à mudança.

Essas três cenas ilustram algumas das mui-tas possibilidades de utilização do conceito deidentidade na análise organizacional. Tambémpermitem perceber como as várias formas deidentidade articulam-se. A imagem externada organização, alterando sua auto-imagem eoriginando ou catalisando mudanças. Essasmudanças alterando e afetando a percepção dosgrupos, gerando dificuldades e frustrações emâmbito funcional e individual e gerando ou-tras mudanças. Uma dinâmica complexa, ca-racterizada por ações simultâneas dos váriosatores organizacionais, definindo e redefinin-do continuamente percepções e realidades.

Situações como essas, onde atores orga-nizacionais - sejam indivíduos, grupos, oua própria organização - questionam profun-damente o que são, acontecem todos os dias.Processos organizacionais - como fusões,aquisições e reestruturações - são eventosestreitamente ligados a questionamentos des-sa natureza. Em contextos de mudanças am-plas e complexas, como o da RJ&M, trans-formações no nível macro provocam questio-namentos e reconceituações em cadeia, donível organizacional ao individual, Uma vezque todas essas situações parecem tomar-secada dia mais comuns nas organizações, aidéia de identidade organizacional toma-seum conceito valioso.

Por outro lado, a utilização da noção deidentidade não é simples. A maior dificulda-de que se apresenta ao pesquisador é justamen-te sua complexidade e amplitude de sentidos.Estes variam nos diversos campos teóricos queempregam o termo e mesmo entre correntesdentro de cada um desses campos. Além dis-so, são raros os trabalhos que se preocupamem desenvolver tipologias' e quadros de refe-rência.? No Brasil, poucos sequer têm aborda-do o tema.' Nosso propósito neste trabalho épreencher esse vazio. Para tanto, revisaremosdiversas abordagens baseadas na idéia de iden-tidade, com ênfase no conceito de identidadeorganizacional. Acreditamos que nossa prin-cipal contribuição é o desenvolvimento de umquadro conceitual que, esperamos, tome tra-tável o conceito de identidade no estudo de fe-nômenos organizacionais.

O restante do artigo está estruturado da se-guinte forma:

• na próxima seção, abordaremos as ori-gens do conceito de identidade;• em seguida, na terceira seção, proporemosum primeiro quadro conceitual para ma-pear as abordagens existentes sobre identi-dade, desenvolvido a partir de duas dimen-sões fundamentais: a dimensão do objetofocal (a quem o conceito é aplicado) e adimensão da observação (a perspectiva apartir da qual o conceito é aplicado);• na quarta seção, ampliaremos o quadroconceitual, dotando-o de uma terceira di-mensão, a qual denominamos dimensão dadefinição de identidade. Tal dimensão con-fere profundidade ao quadro, relacionan-do-se a algumas discussões contemporâ-neas fundamentais sobre a questão de identi-dade;e• na seção final realizaremos um sumáriodo trabalho e procuraremos indicar dire-ções para futuras pesquisas.

ORIGENS DO CONCEITO DEIDENTIDADE

O uso popular dos conceitos de identida-de e de self tem fortes raízes no pensamentoclássico. O emprego original do termo iden-tidade como uma propriedade é tão antigoquanto a lógica, a álgebra, e a filosofia.' O"princípio da identidade", por exemplo, é umdos axiomas da lógica. Segundo ele, dadauma entidade, ela é idêntica a si mesma; ouseja, para qualquer x, x é sempre igual a x,Na álgebra, diz-se existir identidade quandoduas expressões são representadas pelo mes-mo número." O uso popular do termo relacio-na-se também à filosofia clássica, que traz anoção de identidade associada à idéia de per-manência, singularidade e unicidade do queconstitui a realidade das coisas. Tal conceitoé atribuído a Heráclito, que viveu entre osséculos VI e V a.C. É seu o famoso argumen-to de que um indivíduo pode, e ao mesmo tem-po não pode, entrar duas vezes no mesmo rio,porque apesar de todos os seus constituintesmateriais terem sofrido uma transformação,de certa forma o rio ainda é o mesmo, O in-teresse de Heráclito pela idéia de unicidadegerou um conceito de identidade que influen-ciou centenas de gerações depois dele." Des-sas duas origens principais - lógica e filoso-fia clássicas - a idéia de identidade tomou-seuniversal, ganhando novos significados ao lon-

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IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

Á noção psicenstitlr»de Idrntidsdr Indivi-duaI tomou o sentidode unicidudr t' con-tinuutsttr. de umprocesso localizadoJlO individuo. poremintlur n cis do petoseu meio t' prt» suacultura.

go do tempo. Sua aplicação difundiu-se tãoamplamente, e sua utilização atingiu áreas tãodiversas, que esses diferentes significados,hoje, pouco têm a ver uns com os outros.

Fora do campo da lógica, a idéia de iden-tidade foi inicialmente aplicada a algo des-crevendo o indivíduo ou a ele limitado. Hoje,porém, muitos campos do conhecimento,fora dos limites das ciências sociais? e den-tro deles - como é o caso atualmente daanálise organizacional - têm aplicado oconceito de identidade aoutros objetos, como gru-pos sociais ou religiosos,nações, a espécie huma-na etc.

A noção psicanalíticade identidade individualfoi provavelmente a pri-meira e mais influenteutilização do conceito nasciências sociais. Freud,por exemplo, usou a ex-pressão "identidade inte-rior" para descrever a ra-zão pela qual tinha sidotão atraído ao Judaísmo:"O que me ligou ao Ju-daísmo não foi (e me en-vergonho de admitir) nemfé nem orgulho patriota,uma vez que eu sempre fui um incrédulo efui criado sem qualquer pensamento religio-so (...). Porém, muitas outras coisas perma-neceram para fazer a atração ao Judaísmo eaos judeus irresistível - muitas forças emo-cionais obscuras, que eram mais poderosasquanto menos podiam ser expressas em pa-lavras, assim como uma clara consciênciade identidade interior, a segura privacidadede uma construção mental comum" .8

Embora se afirme que essa foi a única oca-sião em que Freud usou o termo identidade deforma mais do que casual," a idéia de tais "obs-curas forças emocionais" e sua relação com oego tomaram-se pontos de partida para diver-sos usos futuros do termo.

Uma vez que a relação entre os concei-tos de identidade, self e ego parece ser mui-to importante para utilizações posteriores daidéia de identidade, é útil clarificar seus sig-nificados.

Os termos "identidade" e self serão usadosaqui com significados similares (exceção feita

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ao conceito jungiano de self). Entretanto, de-vemos deixar claro que essas duas idéias nãosão iguais. O termo "identidade" deriva dosvocábulos latinos idem e identitas (ambos sig-nificando "o mesmo") e do vocábulo entitas(entidade). Ao combinar essas raízes, identi-dade poderia então significar "a mesma enti-dade". Alguns autores já sugeriram que a pa-lavra pode também estar associada a outro vo-cábulo latino, identidem, significando "repe-tidamente", "uma e outra vez".'? Já a origem

da palavra selfnão é tãoclara. Presume-se, comfreqüência, que ela éuma composição ligadaao prenômio indo-euro-peu se-, significando "oeu de cada um". li A par-tir desses significados,parece ser possível suge-rir que, enquanto iden-tidade refere-se a umconteúdo ou proprieda-de, o selfpode represen-tar a entidade que a in-corpora. Por sua vez,ego, o vocábulo latinoequivalente a "eu", é de-finido como a concepçãoque a pessoa faz de simesma. Na psicanálise,

ego é algo que se mantém razoavelmente está-vel durante a vida e relaciona-se a uma série defunções da personalidade que permitem ao in-divíduo lidar com a realidade. 12 Freud usou oconceito de ego como um dos agentes em seumodelo da psique, para referir-se a um meioconsciente e racional que seria, por um lado,forçado pelos impulsos do id e, por outro, repri-mido pelo controle do superego .13 Depois deFreud, o conceito de ego foi expandido, dentroe além dos limites da psicanálise."

A noção psicanalítica resultante do conceitode identidade foi amplamente popularizada porteóricos do campo hoje conhecido como Psi-cologia Diferencial, em particular por ErikErikson. Psicanalista influente, Erikson in-troduziu e divulgou, nas ciências compor-tamentais, o termo "crise de identidade".Trabalhando em uma clínica de reabilitação,durante a Segunda Guerra Mundial, Eriksone seus colegas observaram o seguinte: "Amaioria de nossos pacientes (...) tinha perdi-do, pelas exigências da guerra, um sentido de

7. Ver CARR. B. Metaphysics: An tntroauc-tioo. Basingstoke: Macmillan. 1987.

8. Ver FREUD, S. Address lo lhe Society ofB'nai B'rilh. TheS/andardEdition of the Com-plete Psychalogical ~rks of SigmundFreud,v.20, p. 273-274. London: Hogarth Press, 1959[1926J.

9. Ver ERIKSON,E. Identitr, youth and cttsis.New York: W W Norton & Company, 1968, p,21.

10. Ver ONIONS,C.1(Ed.) TheOxtord üctto-nary af English Etymolagy.Oxford: Oxford Uni-versity Press, 1979.

11. Ver BARNHARl, R. K. (Ed.) The 8amhartD/ctianary af Etymolagy.New York: H. W Wil-son Company, 1988.

12. Ver LAPSLEY,D. K. & POWER, FC C. (Eds.)Selt, Ego, and Identity: Integrative ap-proaches. New Yark: Springer-Verlag, 1988.

13. Ver FREUD,S. lhe Ego and lhe Id. TheMajor ~rks af SigmundFreud. Chicago: WiI-liam BenlonIBrilannica Inc., 1952 [1923J.

14. Exemplos dessa expansão incluem FREUD,A. TheEgoand the Mechanisms af Defense.New York: Inlernational Universilies Press,1967;ERIKSON,E. Op. cit.; ERICKSON,E. Iden-tity and ttie life cycte. New York: W.W.Norton&Company, 1980.

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15. Ver ERIKSON. E. Op. cit., 1968. p. 17-19.

16. Ver WOOLEY.T. Sei! idenlity: lhe neglecledresource. Paper apresentado na XIII SCOS-Standing Conference on Organizational Sym-bofism Turku. Finlândia. 1995 e OIAMOND.M. A. TheUnconscious Ufe of Organizations:Interpreting organizational identity.Westporl: Quorum Books, 1993.

17. ERIKSON. E. Op. cit., 1980, p. 109.

18. WOOLEY, T. Op. cit.

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unicidade pessoal e de continuidade históri-ca. Eles tinham sido privados daquele con-trole central sobre si mesmos pelo qual, noesquema psicanalítico, somente o 'agente in-terior' do ego poderia ser responsabilizado.Portanto, nós falávamos da perda da 'identi-dade do ego'. "15

Assim, a noção psicanalítica de identida-de individual tomou o sentido de unicidade econtinuidade, de um processo localizado noindivíduo, porém influenciado pelo seu meioe pela sua cultura. 16 Colocado de outra ma-neira, o conceito mais popularizado de iden-tidade define-a como uma classificação do se lfque expressa o indivíduo como reconhecida-mente diferente dos demais, e como similar amembros da mesma classe. 17

Parece ter sido esse o sentido de identida-de individual que foi mais utilizado para ex-plicar processos e elucidar características deoutros objetos, em outroscampos das ciências hu-manas além da Psicolo-gia. Dessa forma, tornou-se usual aplicar o termoidentidade a entidadesplurais, como grupos ét-nicos, organizações, na-ções etc.

Entretanto, cada cam-po científico, escola depensamento e perspectivaintelectual tem-se apro-priado da idéia de identi-dade à sua maneira, pro-curando definir o concei-to segundo seus própriosobjetivos e interesses."Cada uma dessas trilhas de análise gerou seuspróprios seguidores que, por sua vez, criaram- inclusive na análise das organizações -definições de identidade relativamente distin-tas entre si. A seguir, procuraremos tomar oconceito de identidade mais tratável, buscan-do viabilizar seu uso na análise das organiza-ções.

fornecer um instrumento didático para ma-pear as principais correntes existentes no es-tudo da identidade.

As duas dimensões básicasA primeira dimensão - dimensão do ob-

jeto focal - distingue as perspectivas exis-tentes sobre identidade através da diferencia-ção do objeto sobre o qual o conceito é utili-zado. Além do objeto indivíduo (o foco maispopular), outras entidades também podem"possuir identidade". Essa primeira dimen-são diferencia as abordagens que enfocamidentidade do indivíduo, do grupo, da orga-nização, da humanidade etc. É convenientenotar que os objetos focais assinalados nessadimensão - imaginada como continuum -não são completamente separados, havendoentre eles interações e interpenetrações.

A segunda dimensão - dimensão da ob-servação - distingueconceitos de identidadeformulados a partir dediferentes pontos de ob-servação. Qualquer queseja o objeto analisado,sua identidade pode serobservada interna ouexternamente. Tome-mos como exemplo aidentidade individual:em um extremo, pode-ríamos referir-nos a esseobjeto focal a partir dealgo que apontaria paraaquilo que, na pessoa,define a linha divisóriaentre o eu e o não-eu:

seu self. No outro extremo estaria a noçãoque os outros têm do que a pessoa é: sua ima-gem. Entre esses dois extremos estaria a ex-pressão exterior da pessoa: seu comportamen-to e a percepção da pessoa sobre si mesma:sua autopercepção.

note. a idr nriaedrindi; Iauu! ~ trrqtirn-trmrntr vista COJllO

{///J cabide de perso-nagens. UJIl vazio

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DESENVOLVIMENTO DE UMPRIMEIRO QUADRO CONCEITUAL

Nesta seção, propomos um quadro concei-tual desenvolvido a partir da sobreposição deduas dimensões: a dimensão do objeto focale a dimensão da observação. O objetivo é

Um primeiro quadro conceitualA combinação dessas duas dimensões re-

sulta em um plano - ou quadro conceitual -onde é possível localizar as diversas aborda-gens do conceito de identidade. Neste traba-lho, o quadro conceitual (ver figura 1) resul-tou da combinação de quatro objetos focais -indivíduo, grupo, organização e humanidade- e quatro níveis de observação - identida-

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IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

de interior (ou self), comportamento, autoper-cepção e imagem.

As células resultantes dessa sobreposiçãodistinguem, por exemplo, a perspectiva queenfoca identidade como a imagem que umapessoa tem no seu grupo (indivíduo como ob-jeto focal, identidade observada externamen-te), daquela que entende como identidade oautoconceito organizacional (organizaçãocomo objeto focal, identidade observada porautopercepção ).

É conveniente lembrar que o estudo daidentidade é dinâmico e complexo e que o qua-dro conceitual apresentado é um recurso didá-tico com certas limitações. Sua apresentação,por exemplo, pode transmitir a idéia de espa-ços - ou células - bem delimitados, comfronteiras claras e conteúdo teórico sólido.Entretanto, muitos deles interpenetram-se, en-quanto outros espaços estão praticamente inex-plorados. Além disso, à medida que o concei-to de identidade foi-se expandindo de um cam-po científico a outro, a diversidade teórica au-mentou, originando ora transposições diretasde conceitos, ora conceitos distintos.

No decorrer do texto, percorreremos o qua-dro conceitual abordando: (1) a evolução histó-

rica do estudo do conceito de identidade; (2)as interligações entre quadrantes; e (3) as áreas- e células - ainda não preenchidas porteoria.

Evolução do estudo da identidadePara melhor analisar como evoluiu ao lon-

go do tempo o estudo da identidade, agrupa-mos - áreas hachuradas ou "nebulosas" -as células mais povoadas, reunindo contri-buições que, apesar de distintas, contêm mui-tos pontos em comum. É conveniente lem-brar que a formação desses agrupamentostambém foi fruto dos objetivos deste estudo,havendo, portanto, certo grau de arbitrarie-dade. Dessa forma, o espectro resultante énecessariamente incompleto, mas didatica-mente poderoso, à medida que indica as gran-des tendências que existem em tomo da idéiade identidade, bem como as ligações concei-tuais entre essas tendências. Ao percorrer essecaminho evolutivo, o quadro parece ganharmais dinamismo e coerência.

O primeiro agrupamento (ver área <D nafigura 1) reúne os estudos pioneiros de identida-de individual de Erikson - já mencionados -com sua origem psicanalítica e, em especial,

Figura 1 Identidade - quadro conceitual inicial proposto

Indivíduo Grupo

Dimensão do Objeto

HumanidadeOrganização

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19. Apesar de o trabalho de Erikson não ter delato originado todas as perspectivas sobreidentidade individual que há em outros cam-pos do conhecimento (muitas outrasabordagens existiam antes da sua, porexemplo, em Psicologia Social), apopularização da sua pesquisa delinitivamentedeu novo fôlego e chamou a atenção para oconceito de identidade em diversas disciplinasdentro das ciências sociais.

20. Ver STRAUSS,A. Mirrars and Masks: Tl7esearch foridentity. Glencoe,IL:The FreePress,1959 e GOFFMAN,E. Asy/ums:Essayson thesocial situation of mental patients and otherinmates. New York: Anchor Books, 1961.GOFFMAN,E. Slig",,: Notes on the ""nage-ment of the spoiled identity. Hardmon: Pen-guin, 1968.

21. Ver GECAS,V. The self-concepl. AnnualReview of Sociology, v. 8, p. 1-33, 1982;TAJFEL, H. Social psychology of intergrouprelations. In: ROSENWEIG, M. R. & POR-TER, L. W (Eds.), Annual Review of Psychol-ogy,v. 33, p. 1-39. Paio Alto: Annual Revi,ws,1982; TAJFEL,H. & TURNER,J.C. The socialidentity theory of intergroup behavior. In:WORCHEL,S. & AUSTIN, W. G. (Eds.), Psy-chology ot Intergroup Relations, v. 2, p, 7-24. Chicago: Nelson-Hall Publishers, 1985.

22. Ver BROWN, R. & WILLlAMS, J. Groupidentification: the same thing to ali pscple?Human Relations, v. 37, p. 547-564, 1984;O'REILLY,C. & CHATMAN, J. Organizationalcommitment and psychological attachment.Joumal of Applied Psychology, v. 71, p. 49-65, 1986; CHATMAN,J. Matching people andorganizations. Administrative Seience Ouar-ter/y, v. 36, p. 455-484, 1991.

23. Ver KRAMER,R. M. & BREWER,M. B. Ef-fects of group identity on resource use in asimulated common dilemma. Joumal of Per-sonality and Social Psychology, v. 46, p.1044-1057,1984.

24. Ver ALBERT,S. & WHETTEN,D. A. Organi-zational identity. In: CUMMINGS,L. L. & STAWB. M. (Eds.), Ilesearch in OrganiZEtional8e-havior, v. 7, p. 263-295. Greenwich, CT: JAIPress, 1985.

25. Ver ALBERT,S. & WHETTEN,D. A. Op. cit.,p.265.

26. Ver WHETIEN, D. If it isn't 'core, endur-ing, and distinctive' it ísn't identity. Paperapresentado em simpósio sobre identidadeorganizacional (Beyond 'central, enduring, anddistinctive': Reconceptualizing organizationalidentity, MOC/OB Divisions), durante asreuniões anuais da Academy of Management.Vancouver, B.C. (Canadá), 1995.

27. Ver HATCH,M. J. & SCHULTZ,M. Fromtribes to texts: Cultural impressions of imageand identity. Paper apresentado na XIII SCOS- Standing Conference on OrganizationalSymbolism. Turku, Finlândia,1995; WHETIEN,D. & GREGERSEN,H. Social identity and char-acteristics of group categories and boundaries.Paper apresentado na XIII SCOS- StandingConference on Organizational Symbolism.Turku, Finlândia, 1995; ALBERT, S. &WHETIEN, D. A. Managing organizations witha dual or hybrid identity. Paper apresentadoem simpósio sobre identidade organizacional(Managing Organizational Identities and Im-age, MOC/OMTDivisions), durante as reuniõesanuais da Academy of Managemenl.Vancouver, B.C. (Canadá), 1995.

28. Ver HATCH,M. J. The dynamics of orga-nizational culture. Acade,"! of ManagementIleview, v. 18, p. 657-693, 1993.

29. Ver DUTION, J. E. & DUKERICH, J. M.Keeping an eye on the mirror: the role of im-age and identity in organizational adaptation.Acade,"! of Management Journal, v. 34, p.366-375, 1991; DUTION, J. E., DUKERICH,J.M., HARQUAIL, C. V. Organizational imagesand member identification. AdministrativeSeience Ouarter/y, v. 39, p. 239-263, 1994.

12

com a influência do conceito Freudiano de ego.A partir desse primeiro agrupamento, cuja "ne-bulosa" abrange espaços dos quadrantes de iden-tidade individual - self - e de identidade in-dividual expressa - comportamento - o con-ceito de identidade expandiu-se para diversoscampos do conhecimento, especialmente pelapopularização do trabalho de Erikson duranteos anos 70.19

O segundo agrupamento (ver área @, nafigura 1) abrange diversos estudos clássicos econtemporâneos em Psicologia Social que (a)referem-se à identidade como autoconceito (ouself-concept, isto é, o conceito que uma entida-de - um grupo, por exemplo - ou que umapessoa faz de si mesma); ou (b) relacionam iden-tidade individual e identidade grupal, em es-pecial através do conceito de "identificação".Neste segundo agrupamento, como um todo,tanto os estudos clássicos," quanto os contem-porâneos 21 tendem a entender identidade comoum fenômeno social, que deriva dos significa-dos que indivíduos atribuem à sua interação commúltiplos grupos sociais durante as suas vidas,

Na linha de pesquisa que lida com identi-ficação, diversos estudos sustentam que umaparte significativa da identidade do indivíduoé definida pelo grupo ao qual ele pertence; ouseja, a forma e o nível do sentido de pertenci-mento do indivíduo a um grupo social moldaseu autoconceito. Seguindo esse tipo de racio-cínio, mas em uma outra vertente derivada daraiz da Psicologia Social, alguns autores argu-mentam que a identidade do indivíduo tam-bém está relacionada ao grau de identificaçãoque os membros têm com a organização, 22 Porfim, outros estudiosos argumentam que a iden-tidade é um atributo que não só indivíduos pos-suem, mas também grupos podem possuir."

O que todos esses autores e perspectivas têmem comum é o fato de entenderem identidadecomo um atributo sócio-cognitivo. Isso signifi-ca ao menos duas coisas: primeiro, que para eles,identidade não é apenas um atributo exclusivoe inato ao indivíduo: o grupo também passa aser percebido como objeto focal; e segundo, aidentidade passa a ser vista reflexivamente: podereferir-se também à forma do objeto focal ver asi mesmo. Como um todo, as diversas ramifi-cações desse agrupamento formam um dos cam-pos mais influentes no estudo de identidade.

O terceiro agrupamento (ver área al na fi-gura 1) deriva em grande parte do primeiro -ou seja, do conceito de identidade individual-

mas não ficou indiferente às conotações de iden-tidade usadas na Psicologia Social em anos re-centes. Esse grupo reúne as concepções maisclássicas de identidade que surgiram no âmbitoorganizacional, a partir do trabalho pioneiro deAlbert & Whetten." A partir das noções deErikson sobre identidade individual e dos pri-meiros trabalhos sobre cultura e simbolismo or-ganizacional, esses autores sugeriram que or-ganizações também possuem uma identidade,ou um "caráter central". Albert e Whetten pro-põem três critérios - hoje muito populares naliteratura - para definir a identidade de umaorganizacão. Assim, a identidade organizacio-nal compreenderia as crenças partilhadas pelosmembros sobre o que é (a) central, (b) distinti-vo, e (c) duradouro na organização. O critériode centralidade aponta as características vistascomo a essência da organização. O critério dedistintividade aponta os elementos que distin-guiriam uma organização das outras com asquais poderia ser comparada. Por fim, o crité-rio de continuidade temporal ressalta as carac-terísticas estáveis no tempo. Esses três critériosseriam, segundo os autores, "cada um necessá-rio e, como um conjunto, suficientes" para defi-nir "identidade organizacional" como conceitocientífico. 25

Ainda nesse terceiro agrupamento, podem-se encontrar trabalhos mais recentes que pro-curam rever o conceito tradicional de identi-dade organizacional," apresentar modelos al-ternativos ou complementares," ou ainda di-ferenciar a idéia de identidade organizacionalde outros conceitos, como o de cultura organi-zacional. 28 O que caracteriza mais claramenteesse agrupamento é o vínculo do conceito deidentidade com o campo organizacional que,pela influência de Albert e Whetten, ocorreuprincipalmente nas duas células do quadro con-ceitual mais ligadas a self e comportamento(organizacionais) ,

O quarto agrupamento (ver área ® na fi-gura 1) tem origem em estudos de identidadeorganizacional, realizados desde o final dosanos 80 e início dos anos 90, a partir de con-ceitos de Psicologia Social. Esse quarto agru-pamento tem uma clara ligação com o segun-do agrupamento aqui mencionado, As corren-tes nessa nova "nebulosa" têm em comum aidéia de identidade organizacional como umafunção da forma pela qual a organização per-cebe a si mesma. Autores nessa linha de pes-quisa têm tido grande influência no campo."

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IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

Esse quarto agrupamento tem-se tornadocada vez mais relevante também por ter esta-belecido uma ligação entre os estudos de iden-tidade no terreno organizacional e no campoda Psicologia Social. Como fruto dessa liga-ção, surgiram pesquisas que abrangem con-ceitos de identidade individual, grupal e or-ganizacional. Essas pesquisas incluem: (1)a discussão da relacão entre identificação or-ganizacional e autoconceito individuali" e(2) a análise da relação entre imagem do gru-po ou da organização com a identificaçãodo indivíduo no grupo:"

Recentemente, dois outros campos de pes-quisa têm sido desenvolvidos paralelamentea esse quarto agrupamento. Eles são impor-tantes para sinalizar futuras direções de pes-quisa do conceito deidentidade no campo or-ganizacional e estão aquiidentificados como oquinto e o sexto agrupa-mentos.

O quinto agrupa-mento (ver área @ na fi-gura 1) discute o concei-to de identidade organi-zacional de forma muitomais instrumental, den-tro da esfera da chamada"imagem corporativa".Nesse grupo, o foco depesquisa é a compreen-são de como as organiza-ções administram a suaimagem externa e comotal imagem afeta-as. 32

Ainda nesse agrupa-mento, alguns outros autores analisam demodo crítico a manipulação da imagem e daidentidade corporativa pelas empresas."Como veremos na próxima seção, diversos de-les realizam essa crítica a partir de idéias dosteóricos pós-modernistas.

O sexto agrupamento (ver área @ na fi-gura 1) compreende as pesquisas que discu-tem, dentro e fora da área organizacional,conceitos de identidade em nível macro, sejade nações" - como objeto focal - ou dahumanidade.v Neste grupo, uma tendênciade pesquisa, também influenciada por idéiaspós-modernas, parece levar a questionamen-tos sobre a efetiva existência e sobre a natu-reza de um selj humano.

A análise da evolução dessas diversas cor-rentes pode demonstrar a utilidade didáticado quadro conceitual inicial. Este permitetambém distinguir perspectivas de identida-de que já existem em campos distintos e quepoderiam ser confundidas em uma análisemais superficial. Enfim, permite identificaros padrões evolutivos do estudo acerca deidentidade e os campos de pesquisa a seremexplorados. Através do quadro pode-se ob-servar, por exemplo, como a pesquisa sobreidentidade tem caminhado no sentido do in-dividual para o coletivo, e do ponto de ob-servação interno para o externo. Nesse mo-vimento, muitas células permanecem inexplo-radas, como a discussão de uma identidadeinterior no âmbito do grupo e da organiza-

ção, ou a questão daimagem do grupo e doindivíduo (apesar daexistência do trabalhoclássico de Goffman "neste sentido).

Neste ponto do tra-balho, consideramosoportuno retornar àquestão das limitaçõesdo quadro conceitual. Aprimeira dessas limita-ções é que algumasperspecti vas inteirasnão podem ser bem re-presentadas no modelo.A noção Jungiana deself, por exemplo, per-meia diversas células nonível da identidade ob-servada internamente,

alternando-se ora ligada ao objeto indivíduo(aproximando-se aí dos conceitos deselje egoFreudiano), ora relacionada ao objeto huma-nidade (aproximando-se do selj humano").

A segunda limitação está na própria na-tureza dos agrupamentos. Embora, como as-sinalamos anteriormente, esses agrupamen-tos reúnam abordagens e vertentes afins, nãopodemos deixar de notar os antagonismosintra-agrupamentos, próprios de um campodiverso e fragmentado como é este da identi-dade. A terceira e mais importante limita-ção, relacionada ao pressuposto básico do qua-dro - ou seja, à própria definição de identi-dade - será tratada na seção seguinte.

A rmergéncis do

conceito de identidn-de está associadanão só ao drsspere-cimento da socieda-de leudal. mas tam-bém à comodluzaçàodos srntimrntos e àutilitarização do srrhumuno trazidospelo cspitntlsmo.

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30. Ver KRAMER,R. M. Organizational identifi·cation and cooperation. In: MURNIGHAN, K.(Ed.) Social psychology in organizations: M·vances in theory and practice. EnglewoodCliffs, NJ: Prentice·Hall, 1993; O'REILLY &CHATMAN,Op. cit., ASHFORTH,B. E. & MAEL,F Social identity theory and the organization.Academy of Management Review,v.14, p. 20·39, 1989.

31. Ver DUnON, J. E., DUKERICH, J. M.,HARQUAIL, C. V. Op, cit., ELSBACH, K. D. &KRAMER, R. M. Cognitive strateçies for man-aging organizational identity: a study of busi-ness school responses to the Business Weekrankings. Paper apresentado durante asreuniões anuais daAcademy of Management.Dallas, TX, 1994; KRAMER, R.M. Op. cit.

32. Ver BLASICK,J. The communication of or-ganizational identity: a souree of compet~ive ad-vantage. Paper apresentado durante asreuniões anuais da Academy of Management.Cincinnati,OH,1996; FOMBRUN,C.& SHANLEY,M. What's in a name ? Reputation building andcorporate strategy. Academy of ManagementJournal, v. 33, p. 233-258, 1990; GARBETT,T.How to build a corporation's identity andproject its im/ge. Lexington, MA: D.C. Healthand Company, 1988.

33. Ver ALVESSON, M. Organization: Fromsubstance to image? Organization S/udies, v.11, n.3, p. 373-394, 1990; GIOIA, D. &SCHULTZ,M. Adaptive instability: the ímerre-lationship between identity and image in orga-nizations. Paper apresentado em simpósiosobre identidade organizacional (ManagingOrganizational Identities and Image, MOC/OMTDivisions), durante as reuniões anuais daAcademy of Management. Vancouver, B.C.(Canadá), 1995; HATCH,M.J. & SCHULTZ,M.Op, cit., 1995.

34. Ver HOFSTEDE, G. Culture 's Conse-quences: International differences in work-related values. Beverly Hills, CA: Sage, 1980;HOFSTEDE,G. Measuring organizational cul-tures: A qualitative and quantitative studyacross twenty cases. Administrative SeienceDuatterly, v. 35, n. 2, p. 286, 1990.

35. Ver BRONOWSKI,J. Theidentity of tten.Garden City, NY: Doubleday, 1972.Business Week. The virtual corporation. Feb-ruary 8, p. 36-41, 1993.

36. GOFFMAN,E. Op. cit., 1968.

37. Ver JUNG, C. G. Aion: researches into thephenomenology of the Self. In: Collected~rks, v. 9, Part 11, p. 1-42. Princeton, NJ:Princeton University Press, 1959; JUNG, C. G.The strueture and dynamies ot the psyehe. In:Collected ~rks, v. 8, p. 283-342. Princeton,NJ: Princeton University Press, 1960.

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AMPLIANDO O QUADROCONCEITUAL

Na seção anterior desenvolvemos um qua-dro conceitual a partir de duas dimensões: adimensão do objeto e a dimensão do obser-vador. Nele localizamos diversas contribui-ções teóricas. Pudemos, assim, analisar dife-rentes vertentes de estudo dentro do campo eexplorar algumas ligações entre elas. Preten-demos agora ampliar e aprofundar a discus-são sobre o conceito de identidade a partir doquestionamento do pressuposto básico quenorteou a construção do quadro conceitual ini-cial. Esse pressuposto é essencial porque fun-damenta ou norteia todas as outras definiçõesconstantes do quadro, e diz respeito à próprianoção de identidade como algo central, dis-tintivo e duradouro.

Parece-nos natural, e até obrigatório, in-cluir aqui esse questionamento, em função desua presença explícita ou implícita em mui-tos debates contemporâneos. A existência deuma identidade individual, por exemplo, éobjeto constante de análise em PsicologiaSocial e em Estudos Culturais, especialmen-te entre pensadores pós-modernistas. Do ladoorganizacional, é a tendência de quebra defronteiras, ou virtualização, que impõe o de-bate. A questão que se coloca aqui é a se-guinte: será a noção de identidade como algocentral, distintivo e duradouro compatível

com as novas configurações organizacionais?Para discutir estas questões, introduzire-

mos um terceiro eixo no quadro conceitual: oeixo da definição de identidade. Em segui-da, tomaremos dois epi-quadrantes do qua-dro anterior: o da identidade individual e oda identidade organizacional, e realizaremosuma análise das implicações dessa nova pers-pectiva sobre os conceitos.

A dimensão da definição de identidadeO objetivo da inclusão desse terceiro eixo

é dotar nosso quadro conceitual de uma di-mensão epistemológica e ontológica adicio-nal. Esse terceiro eixo é um eixo triplo, poisparte dos três parâmetros de definição deidentidade - o ser central, distintivo e dura-douro - e dos seus opostos - o poder serfragmentado, não distintivo e efêmero (verfigura 2).

A figura 2 representa o quadro conceitualdesenvolvido nesta parte do trabalho como umplano que se desloca ao longo do terceiro eixo.A posição relativa do quadro ou de cada célu-la no eixo é o objeto da discussão que realiza-remos a seguir.

É importante observar que, embora na dis-cussão que se segue apliquemo-lo a apenasdois objetos focais - o da identidade indivi-dual e o da identidade organizacional- esseterceiro eixo é válido para qualquer um dosdemais quadrantes. Assim, se tomarmos, por

Figura 2 Quadro conceitual ampliado

Dimensão daobservação

/-------------------

Dimensão dadefinição deidentidade

identidade central versusfragmentadaidentidade distintiva versusnão distintivaidentidade duradoura versus efêmera

Dimensão doobjeto focal

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IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

As organizações estãodeixando de ser siste-mas relativamente fe-chados para torna-rem-se sistemss cada

vez mal" abertos.suss Ironteirns estãose tornando mais emais permeáveis e.em muitos casos. di-fíceis de identificar.

exemplo, a célula da imagem individual, po-deríamos discutir sobre sua centralidade oufragmentação, sua distintividade ou indistin-tividade e sobre sua durabilidade ou volati-lida de , O mesmo valepara a autopercepção in-dividual, o comporta-mento organizacional, aimagem do grupo etc,

A identidadeindividual e oespírito da época

A trajetória humana éum contínuo repensar-se,O ser humano já foi defi-nido como uma sombra,um sopro divino ou umaalma habitando um cor-po, Na Idade Média, oconceito de identidadeindividual não existia e aordem do universo erauma dádiva de Deus."Com o Cartesianismo e oIluminismo, essas formu-lações cederam lugar à visão do homem comoser racional, 39 Essa nova era trouxe também,implicitamente, a crença na possibilidade deconstrução de uma identidade autônoma.

Hoje, contudo, essa crença está abalada ea identidade individual é freqüentemente vistacomo um cabide de personagens, um vaziopreenchido pelo bombardeio de imagens pro-duzidas pela cultura de massa. A identidadenão é mais vista exclusivamente como umaentidade autônoma, estática e duradoura,mas como um processo de construção, umaatividade humana, mediada pelo uso da lin-guagem e ligada à socialização do indivíduopor meio da interação simbólica com seumeio. Nessa perspectiva, a origem da identi-dade individual está na comunidade, nos ar-tefatos culturais e instituições que a comuni-dade propicia." Dessa forma, durante a exis-tência de um indivíduo, a identidade pode seradquirida e perdida, passando por períodosde autenticidade e falsidade.

Berger" realiza uma interessante análiseda obra de Robert Musil Der Mann ohneEingenshaften (O Homem sem Qualidades),acompanhando a trajetória dos personagensprincipais sob o prisma da tentativa de cons-trução da identidade em um mundo em trans-

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formação. A conclusão é que a identidademoderna é múltipla: um self que correspon-de a um contexto social-plural. Na sua obra,Musil declara que cada indivíduo contém,

no mínimo, nove perso-nagens ligados a: voca-ção, nação, estado,classe social, contextogeográfico, sexualida-de, consciente, incons-ciente e vida privada.Musil também afirmaque pode haver um déci-mo personagem, ligado àcapacidade humana paragerar utopias e atingirum sonho de um selfres-taurado à unidade.

A análise de Bergermostra que a identida-de autônoma, se algumavez chegou a existir, foiapenas como possibili-dade teórica. Na reali-dade, a emergência doconceito de identidade

está associada não só ao desaparecimento dasociedade feudal, mas também à comoditiza-ção dos sentimentos e à utilitarização do serhumano, trazidos pelo capitalismo. Assim,se um selfverdadeiro for realmente possível,somente poderemos atingi-lo através de umenorme esforço de autodesenvolvimento.

Fronteiras, virtualidade e identidadeorganizacional

A maioria das teorias em Estudos Orga-nizacionais pressupõem organizações comoentidades distintas, com ativos mensuráveis,prédios, estruturas definidas, mão-de-obrafixa e fronteiras claras." Enquanto isso, nomundo real, multiplicam-se terceirizações,contratações de mão-de-obra temporária, par-cerias com fornecedores e clientes, assimcomo alianças com concorrentes. As organi-zações estão deixando de ser sistemas relati-vamente fechados para tornarem-se sistemascada vez mais abertos. Suas fronteiras estãose tornando mais e mais permeáveis e, emmuitos casos, difíceis de identificar."

Ashkenas, Ulrich, Jick & Kerr 44 argumen-tam que as fronteiras organizacionais estão sen-do quebradas em quatro níveis: (1) vertical- com o enfraquecimento das hierarquias;

38. Ver DOWD. J. J. Soeial Psychology in apostrnodern age: a discipline without a sub·ject. Departmenl 01 Sociology, University 01Georgia, Athens, GA, 1992.

39. Ver WEIGERT,A. J., TEIGTE,J. S. & TEIGTE,O. W. Soeiety and identity: toward a socio-lagical psycholagy. Cambridge, England: eam-bridge University Press, 1986.

40. Ver FRANKS, D. The sell in evolulionaryperspective. S/udies in Symbolic Interaclion,Supplemenl 1, p, 29,61, 1985; WEtGERT,A. J.et ai., op. cil.

41. Ver BERGER, P. Robert Musil and lhe sal-vage 01lhe sei!. Pat1isanReview,v.lI, p. 638·650,1984.

42. Ver THORNTON, P. H. & TUMA, N. B. Theproblem 01 boundaries in conlemporary re-search on organizalions. Academy ot Manage'ment Proceedings. Vancouver, B. C. (Canadá),1995.

43. Ver STRATI, A. Aeslhelics and organiza·tions wrthoul walls. S/udies in Culture, Oroa·nizations and socteues; v.l, n. 1, p. 83-105,1995.

44. Ver ASHKENAS, R., ULRICH, D., JICK, T. &KERR, S. The boundaryless organization:8reaking tne chains of organizational sttuc-ture. San Francisco: Jossey-Bass, 1995.

15

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45. Ver BUSINESS~EK. The virtual corpora-tion. February 8, p. 36,41, 1993; GRENIER,R. & METES, G. Going virtual: moving youroraanization into the 21st. century. UpperSaddle River, New Jersey: Prentice·Hall, 1995;ASHKENAS,R., ULRICH, D., JICK, T. & KERR,S. oo. cit.

46. Ver HATCH, M. J. & SCHULTZ, M. An ín-terdisciplinary framework for studying orca-nizational culture, identity and image inpostindustrial orçanizations. Paperapresentado durante as reuniões anuais daAcademy of Management. Cincinnali, OH,1996; STRATI,A. Op. cit.; CLANCY,T. The vir-tual corporation, telecommuting and the con-cept of team. Acaderrr; of Management Ex·ecutive, v. 8, n. 2, p. 7,10, 1994.

47. Ver HATCH,M. J. & SCHULTZ,M. Op. cit.,1995.

48. Ver MANTOVANI, G. Virtual reality as acommunication environment: consensual hat-lucination, ficlion, and possible selves. Hu·man Relations, v. 48, n. 6, p. 669,683, 1995.

49. Ver HEDBERG,B. lmaginary organiza·tions. Slockholm: Stockholm University (In-ternal Document), 1994.

16

pc/o tato de transitarpor diferentes níveis edimrnsôrs de eniitis«.o conceito de idrnti-dadr proporciona I]()-

vns perspectivas ilO

rntr ndimr nt o deqursrões nüo totnt-mente rsctarrriaespor ebordagens comocutturn, clima. com-por/ame/l/o e mtutan-fa organizacional.

(2) horizontal - com o foco nos processos;(3) externo - com a aproximação com for-necedores e clientes; e (4) geográfico - coma expansão mundial dos negócios.

As implicações desse quadro de transfor-mações têm sido objeto de reflexão apenasrecentemente, tanto para executivos e geren-tes," quanto para teóricos organizacionais."Algumas vertentes do campo da Cultura Or-ganizacional, por exemplo, costumam trataro objeto de estudo orga-nização como a Antropo-logia do século passadotratava as tribos primiti-vas, ou seja, como um sis-tema fechado, com iden-tidade e fronteiras defini-das. Nossa realidade, aocontrário, mostra o fimdas fronteiras entre rela-ções internas e externas.As tribos organizacio-nais tomaram-se entida-des fragmentadas; sua coe-rência foi despedaçada esubstituída por uma mul-tiplicidade de significa-dos e interpretações."

Enfim, continua fa-zendo sentido falar emidentidade organizacio-nal nesse contexto? Vi-sando responder essaquestão, gostaríamos defocalizar mais detalhadamente o conceito deorganização virtual, um tipo de organizaçãosem fronteiras.

Para entender o fenômeno emergente dasorganizações virtuais, é necessário desenvol-ver um novo vocabulário e um novo corpoconceituaL Então, começaremos por clarifi-car o termo realidade virtual, uma idéia quesurgiu e foi popularizada na década de oiten-ta. A realidade virtual relaciona-se à possi-bilidade de o computador criar imagens ani-madas em tempo reaL Segundo Mantovani,"a simples existência do termo obriga-nos arever o que consideramos como realidade. Arealidade virtual é um paradoxo em termosde experiência sensoriaL Ela cria um espaçode interação onde a presença física é evidentemas as identidades são evasivas e efêmeras.Essa interação é realizada por projeções, si-mulacros criados e condicionados por mídia

eletrônica. No ciberespaço, uma pessoa podeconstruir novos papéis, identidades ficcionais,Assim como a realidade virtual é um palcopara a atuação dos atores individuais, a orga-nização virtual é um palco para a interaçãodos atores organizacionais.

Segundo Hedberg," uma organização vir-tual - ou imagética - ocorre onde impor-tantes valores, atores e processos existem efuncionam fora da terra firme da jurisdição

da empresa. Eles vivemuma meia-vida, umaquase miragem entre oreal e o não reaL Porisso o termo organizaçãoimagética. Essas orga-nizações identificamoportunidades de mer-cado e mobilizam rapi-damente recursos, utili-zando alianças temporá-rias, combinando com-petências independente-mente de fronteiras eempregando maciça-mente a tecnologia deinformações.

Então, que conclu-sões poderíamos tirar detodas essas tendências?Talvez seja mais pró-prio repensar as ques-tões, pois as categoriasnelas mencionadas fo-

ram criadas para um modelo de organizaçãoe uma forma de análise organizacional em ex-tinção. Especificamente quanto ao conceitode identidade organizacional, se essa tendên-cia - que envolve tanto alianças entre cor-porações como tendências virtualizantes in-tracorporações e entre pequenas empresas etrabalhadores individuais (teletrabalho) - érealmente importante, há necessidade de re-pensar-se completamente o conceito.

Em organizações virtuais, a identidade sópode ser vista como algo fragmentado, nãodistintivo e efêmero. Por outro lado, não po-demos esquecer que essa é uma categoria ideal.Assim, a maioria das empresas que passampor processos de virtualização está em esta-dos intermediários; ou seja, localizam-se,quanto ao nosso terceiro eixo, em posições detensão entre os extremos.

Finalmente, é interessante estabelecer uma

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IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

nova analogia, entre a discussão realizadaquanto à identidade individual e as mudan-ças observadas quanto à identidade organi-zacional. Provavelmente, as organizações,tais como os indivíduos, necessitem de algocomo a identidade, não por ser-lhes esta umacaracterística inerente ou natural, mas por-que o mercado exige a expressão de uma. Por-tanto, tanto no plano organizacional como noindividual, a questão talvez seja mais de ima-gem, estilo e retórica, do que de valores, prin-cípios e características centrais."

COMENTÁRIOS FINAIS

o presente trabalho partiu do interesse dosautores pelo tema da identidade organizacio-nal e pela sua aplicação na análise das orga-nizações, em especial na compreensão de pro-cessos de mudança organizacional.

Inicialmente, vimos como o conceito deidentidade remonta às origens da lógica e dafilosofia clássica. Vimos também como, apartir dessa origem, o conceito foi fragmen-tado em diferentes correntes em diferentescampos do conhecimento, cada um tomandoo conceito à sua conveniência.

Para mapear esse terreno de alta comple-xidade e viabilizar o uso do conceito de iden-tidade na análise de fenômenos organizacio-nais, propusemos um quadro conceitual, su-gerindo que o conceito de identidade deve serentendido à luz de duas dimensões: uma di-mensão do objeto focal (identidade de quem?)e uma dimensão da observação (identidadeobservada a partir do quê?). Mostramos, nes-se primeiro quadro conceitual, algumas dascontribuições mais significativas sobre otema, explorando suas interligações.

Em seguida, acrescentamos ao quadroconceitual uma nova dimensão, a da defini-ção de identidade. A partir dessa dimensão,que questiona a próprio conceito de identi-dade, pudemos discutir a centralidade, a dis-

RAE • v. 37 • n. 1 • Jan./Mar. 1997

tintividade e a durabilidade da identidade in-dividual e da identidade organizacional.

O trajeto realizado mostra que o conceitode identidade, entendido de forma complexae integrada, é fundamental para a compreen-são de fenômenos organizacionais. Pelo fatode transitar por diferentes níveis e dimen-sões de análise, ele proporciona novas pers-pectivas ao entendimento de questões não to-talmente esclarecidas por abordagens comocultura, clima, comportamento e mudança or-ganizacional.

Caminhos para futuras pesquisasConforme mencionado, apesar da vasta li-

teratura sobre o tema identidade, são raras asabordagens integradoras. Dentro de um do-mínio inexplorado, os caminhos para pesqui-sa estão abertos ao teórico interessado. En-tre os vários desdobramentos do presente es-tudo, consideramos os seguintes especialmen-te interessantes e atrativos:

explorar as lacunas - conceitos aindainexplorados de identidade - apontadasno quadro conceitual, visando torná-lomais útil para o estudo dos fenômenos or-ganizacionais;

• investigar processos de mudança organi-zacional, como o da RJ&M, utilizando oquadro conceitual desenvolvido como re-curso analítico e explorando em profun-didade a interação entre os diversos ní-veis de identidade; einvestigar o processo de construção cole-tiva da identidade individual e da identi-dade organizacional, a partir do quadroconceitual expandido com a terceira di-mensão.

Nossa expectativa é de que o presente tra-balho estimule teóricos e pesquisadores dasorganizações a aprofundar conhecimentos so-bre o tema da identidade na análise das orga-nizações. D 50. ALVESSON, M. Op, cít,

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