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Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 11

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c11

CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA NA ETIÓPIA

Construction of a hydroelectric power plant in Ethiopia

OTACILIO PEÇANHA FILHO – [email protected]

FGV Management e FGV Online – Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Submissão: 31/08/2015 | Aprovação: 06/09/2016

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Resumo

O caso trata das negociações entre os governos da Etiópia, Egito e Sudão, a respeito dos possíveis

impactos da construção em território etíope da hidrelétrica Grand Ethiopian Renaissance Dam

(GERD). O governo sudanês e o governo egípcio, sobretudo esse último, temem pelas possíveis

consequências negativas da obra em seus países.

Palavras-chave: negociação, relações internacionais, impactos ambientais

Abstract

The case focuses on the negotiations between the governments of Ethiopia, Egypt and Sudan on

possible impacts of the construction of the Grand Ethiopian Renaissance Dam (GERD) on Ethiopian

territory. The Sudanese and Egyptian governments, especially the latter, fear for possible negative

consequences of the plant in their countries.

Keywords: negotiation, international relations, environmental impacts

Introdução

Ahmed preparou-se para mais uma negociação. Na condição de representante do governo

etíope, o experiente negociador buscou moedas de troca que fizeram parte do núcleo da

argumentação e das propostas que apresentou aos negociadores egípcios e sudaneses na transação

que aconteceu em Cartum, capital do Sudão, na segunda quinzena de março de 2015.

No dia 2 de abril de 2011 o governo etíope surpreendeu os países vizinhos ao anunciar o

início imediato da construção da hidrelétrica denominada Grand Ethiopian Renaissance Dam

(GERD) (Anexo 1), projeto de US$ 4,8 bilhões, com capacidade para gerar seis mil MW no rio Nilo

Azul, o principal afluente do rio Nilo, e com previsão para começar a operar em 2017. Trata-se da

maior hidrelétrica do continente africano, com papel relevante na região, uma vez que 70% da

população da África subsaariana não têm acesso à eletricidade. Vale lembrar que 85% das águas do

rio Nilo têm origem na Etiópia.

Após a grande barragem da hidrelétrica, a cerca de 60 km da fronteira da Etiópia com o

Sudão, o rio Nilo Azul segue até Cartum, onde se une ao rio Nilo Branco, dando origem ao rio Nilo,

que segue para o Egito e deságua no mar Mediterrâneo.

Os governos do Sudão e do Egito, sobretudo esse último, e várias ONGs com atuação ligada

aos impactos da construção de hidrelétricas divergiram do governo etíope quanto aos impactos e

riscos do empreendimento. Uma das preocupações dizia respeito à vazão do rio Nilo durante o

período de enchimento do reservatório da hidrelétrica. A provável redução da vazão do rio afetaria

atividades como agricultura, geração de eletricidade e suprimento de água para consumo humano.

A Etiópia afirmou que concluiria a obra e tinha interesse em manter um clima de boa

vizinhança com o Sudão e o Egito, uma vez que o país passava por um momento de crescimento

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2 CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA NA ETIÓPIA

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econômico vigoroso e pretendia incrementar os negócios com os países vizinhos. Alianças regionais

são importantes também do ponto de vista da segurança.

Os egípcios chegaram a admitir uma ação militar para destruir o que já estava construído da

hidrelétrica, mas tal opção foi descartada. Os sudaneses estavam mais propensos a um acordo com os

etíopes, pois compreendiam que o empreendimento poderia gerar benefícios para o seu país.

Ancestrais, fome e boom econômico

Segunda nação mais populosa da África, com cerca de 94 milhões de habitantes, a Etiópia

está localizada em uma das áreas mais antigas de ocupação humana do planeta. Contrariamente à

noção que se tem sobre temperaturas no continente africano, Adis Abeba, a capital etíope situada a

2.440 m de altitude, apresenta temperaturas que variam de 4º a 26º C em média. Mais de 60% da

população é adepta do cristianismo (na sua maioria, ortodoxo), e um terço segue a religião

mulçumana.

O país alternou períodos de influência britânica, italiana e soviética, tendo sido ocupado em

algumas ocasiões. A ocupação italiana mais recente estendeu-se de 1936 a 1941, e os soviéticos

marcaram forte presença a partir de meados da década de 1970, quando uma junta militar marxista-

leninista estabeleceu um estado unipartidário.

O imperador Haile Selassie, que reinou de 1934 a 1974, é a grande figura histórica do país.

Em 1935, foi eleito o Homem do Ano pela revista Time. A República Federal Democrática da

Etiópia foi proclamada em 1995 e, atualmente, adota o regime parlamentarista.

A década de 1980 testemunhou intensos períodos de fome na Etiópia, afetando oito milhões

de pessoas e levando cerca de um milhão à morte. Imagens fortes de crianças desnutridas, algumas

no colo das mães e outras deitadas em locais improvisados, chocaram milhões de pessoas ao redor

do mundo na ocasião.

A atividade agrícola responde por cerca de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) da Etiópia, e

o café destaca-se entre os itens de exportação do país. A atividade industrial é incipiente, e o país

luta contra as mazelas do subdesenvolvimento. Por outro lado, vem apresentando índices invejáveis

de crescimento anual do PIB nos últimos anos e já é considerado o “leão africano”, em alusão aos

tigres asiáticos que chamaram a atenção do mundo em anos recentes, pelo seu crescimento

econômico.

Antes observada apenas pelos amantes das corridas de rua, pelos seguidores do movimento

rastafári e pelos apreciadores de um café de excelente qualidade, a Etiópia vem também chamando a

atenção dos economistas, admirados com um crescimento econômico vigoroso que vem encantando

a muitos (Anexo 2). De qualquer forma, muito ainda se está por fazer no país, a exemplo da

expansão do setor de telecomunicações, extremamente precário mesmo se comparado com outros

países do continente africano (Anexo 3).

Alguns críticos apontam abusos dos direitos humanos e a falta de uma autêntica democracia,

além de tratamento diferenciado dado pelo governo aos partidários do regime. No entanto, é inegável

que a Etiópia é uma ilha de relativa tranquilidade numa região de constantes conflitos, como os que

acontecem nos seus vizinhos Quênia, Sudão, Sudão do Sul e Somália.

A difícil arte de compartilhar

Rios que percorrem mais de um país seguem o seu curso independentemente da bandeira que

tremula em algum ponto de suas margens ou do idioma ali falado pelos ribeirinhos. Rios são fontes

de riqueza para os povos cujas terras são por eles banhadas, independentemente de suas

nacionalidades. São sensíveis às interferências humanas, de modo que intervenções devem ser

pactuadas pelos povos ou nações que deles se beneficiam.

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É de se esperar que países que desfrutam das benesses de determinado rio sejam capazes de

atuar em harmonia quando resolvem interferir no seu curso, na sua vazão e na regularidade e na

qualidade da sua água, para citar alguns tópicos. Por outro lado, indivíduos, grupos, organizações e

nações costumam mover-se de acordo com os seus interesses. Sobretudo quando determinado

movimento ou ação promete alterar substancialmente o seu nível de satisfação, utilidade ou bem-

estar.

Os dirigentes etíopes vislumbraram uma oportunidade de crescimento econômico e social a

partir da construção da grande hidrelétrica, que gerará energia para consumo no país e excedente

para comercialização com os países vizinhos. Energia elétrica é um insumo de vital importância, e a

carência de tal insumo na África subsaariana é notável.

Os recursos para a construção da hidrelétrica não estavam disponíveis, mas um grande

esforço foi solicitado de cada cidadão etíope, e acreditou-se que fontes de financiamento surgiriam a

partir da expectativa de retorno do empreendimento. Cada trabalhador na obra doa um doze avos de

seu salário mensal, e os funcionários do governo, além do cidadão comum, são estimulados a

adquirir títulos vinculados ao empreendimento. A construção da hidrelétrica virou uma questão de

honra para o governo etíope, e busca-se que cada cidadão do país pense da mesma forma.

A ocasião em que o governo etíope anunciou a decisão de construir a hidrelétrica, em abril de

2011, coincidiu com um período de turbulência social no Egito – o presidente Hosni Mubarak havia

renunciado em fevereiro do mesmo ano – em decorrência da Primavera Árabe deflagrada no ano

anterior na Tunísia. O Egito seria o primeiro a se opor à obra, por sentir-se ameaçado quanto ao uso

que faz da água do rio Nilo para irrigação, geração de eletricidade e consumo humano.

Iniciar uma discussão com o Sudão e o Egito sobre a construção da hidrelétrica, certamente,

levaria à postergação do início da obra. Estudos aprofundados, realizados por entidades neutras,

seriam exigidos, e os impactos observados seriam avaliados. Alternativas seriam consideradas e

pressões políticas seriam exercidas. O governo etíope não quis correr o risco. Anunciou

unilateralmente a sua decisão, acreditando que seria capaz de contornar os problemas que surgissem.

Enfim, apostou que seria capaz de negociar sem abrir mão do seu interesse maior: levar a cabo a

construção da hidrelétrica.

A tarefa de liderar a negociação com os países vizinhos foi dada pelo governo etíope a

Ahmed, exímio negociador nascido e criado no país, que já enfrentou várias situações difíceis à mesa

de negociação. Ahmed construiu a reputação de um negociador gentil com os seus interlocutores e

firme na defesa dos seus interesses, capaz de elaborar excelentes argumentações e fazer uso da

criatividade para gerar opções de ganhos mútuos. Mais que isso, Ahmed é considerado, por todos

que já negociaram com ele, uma pessoa confiável.

A negociação

Ahmed sabia das dificuldades que havia enfrentado nas diversas rodadas de negociação com

os egípcios e sudaneses, todas infrutíferas quanto à celebração de um acordo que estabelecesse os

pontos a serem respeitados durante e após a construção da hidrelétrica para que o Sudão e o Egito

não fossem prejudicados. Eventuais compensações para esses países poderiam fazer parte do acordo.

Ahmed é bastante respeitado por seus pares e por aqueles com quem negocia, mas percebia

certa pressão de todos os lados para que um acordo fosse alcançado. Passados praticamente quatro

anos desde o anúncio do empreendimento, não havia mais espaço para prolongar discussões. Era

chegada a hora de ultimar esforços, de todas as partes, para dar um fim ao estresse causado pelo

problema.

Uma base de entendimento comum entre os três países sobre o problema precisava ser

construída nessa rodada de negociação, e Ahmed tinha consciência de que a partir de tal base o

acordo seria elaborado. Ahmed também considerava que interesses dos povos do Sudão e do Egito

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deveriam ser contemplados no acordo, mesmo que, eventualmente, não na sua totalidade. Sabia,

ainda, que a Etiópia teria que ceder em alguns pontos. Enfim, Ahmed tinha relativa autonomia como

representante de seu país e, juntamente, com os membros de sua equipe negociadora, não pouparia

esforços para chegar a um acordo a ser posteriormente ratificado pelas autoridades máximas dos

governos etíope, egípcio e sudanês.

Na segunda quinzena de março de 2015, Ahmed finalizou os preparativos e definiu a

estratégia que adotaria para, juntamente com a equipe que coordena, sentar-se à mesa com as equipes

de negociadores egípcios e sudaneses. O objetivo era claro: selar um acordo que contemplasse os

interesses das partes e encerrar as discussões sobre a construção da GERD, a oitava maior

hidrelétrica do planeta.

Ahmed dedicou-se com afinco à fase de planejamento da negociação e tinha consciência de

que a grande dificuldade que teria pela frente seria com os negociadores egípcios. O Nilo é a única

fonte de água para 40 milhões de pessoas que vivem da atividade agrícola e necessitam de água para

irrigar as suas lavouras no Egito. A população está concentrada às margens do Nilo, praticamente a

única área não desértica do país. Ahmed compreendia a apreensão do povo egípcio e trabalhava para

encontrar caminhos que conduzissem a um acordo satisfatório para as partes.

A história dos acordos sobre o uso da água do Nilo remonta ao período colonial, quando, em

1929, o Reino Unido e o Egito estabeleceram que coubessem ao Egito 48 bilhões de metros cúbicos

por ano e, ao Sudão, quatro bilhões de metros cúbicos por ano. Em 1959, Egito e Sudão alteraram

para 55,5 bilhões de metros cúbicos por ano e 18,5 bilhões de metros cúbicos por ano,

respectivamente. Ambos os acordos excluíram todas as outras nações ribeirinhas. Maior rio do

planeta, o Nilo é banhado por 11 países. Mais recentemente, outros acordos abordaram a questão,

como o Nile Basin Initiative, de 1999, e o Entebe Agreement, de 2010, este celebrado entre Etiópia,

Quênia, Uganda, Ruanda e Tanzânia. A construção da GERD reacendeu a explosiva questão do uso

equitativo das águas do Nilo.

O Egito tem uma preocupação no curto prazo que diz respeito ao enchimento do reservatório

da GERD. O lago que será formado armazenará uma quantidade de água equivalente à vazão anual

do Nilo Azul ao deixar a Etiópia rumo ao Sudão. Outra preocupação é que a GERD permitirá que o

Sudão aumente significativamente a quantidade de água que o país utiliza para irrigação.

A vazão do Nilo Azul no Sudão só tem proporções significativas durante poucas semanas no

ano, após o período de chuvas nos altiplanos etíopes. O reservatório da pequena hidrelétrica

existente em solo sudanês só possibilita o uso da água para irrigação durante poucos meses do ano.

A GERD regularizará o fluxo de água do Nilo Azul, favorecendo os agricultores sudaneses, que,

talvez, possam irrigar as suas lavouras 365 dias por ano. Isso poderá significar menos água para

irrigar as lavouras no Egito e menos água para movimentar as turbinas que geram hidroeletricidade

para as cidades egípcias.

Ahmed sabia que era difícil prever com exatidão o impacto da GERD para o Egito, embora

acreditasse que a regularização da vazão do Nilo seria benéfica para todos. Sabia, também, que era

legítimo o direito de seu país utilizar os seus recursos naturais, em conformidade com a legislação

internacional, e sem causar danos às demais nações banhadas pelo Nilo e seus afluentes. A questão

que se apresentava era como elaborar uma estratégia para a negociação que aconteceria na segunda

quinzena de março de 2015, de modo a chegar a um acordo que garantisse a continuidade e

finalização da obra da hidrelétrica e apresentasse soluções para mitigar ou eliminar eventuais

problemas decorrentes da obra, antes que a construção fosse finalizada e a GERD começasse a

operar.

Em outras palavras, como seria possível para Ahmed agir com absoluta retidão moral, como

sempre foi a sua prática, lutando pelos interesses de seu país e, simultaneamente, respeitando os

interesses das nações vizinhas, na busca por um acordo justo e duradouro?

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Anexo 1

Grand Ethiopian Renaissance Dam – Localização

Fonte: Wikimedia Commons

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Anexo 2

Etiópia – PIB: Taxa de crescimento anual

Fonte: http://pt.tradingeconomics.com

Anexo 3

Linhas de telefonia móvel e usuários de internet em 2013

Fonte: http://www.economist.com

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Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 12

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DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c12

CORPORATE SOCIAL RESPONSIBILITY AND STRATEGY IN THE AEROSPACE

INDUSTRY: THE CASE OF CSeries AT BOMBARDIER

Responsabilidade social corportativa e estratégia na indústria aeroespacial: o caso do Cseries

na Bombardier

DIEGO ANTONIO MARCONATTO – [email protected]

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo, RS, Brasil

LUCIANO BARIN CRUZ – [email protected]

HEC Montréal – Montreal, Canadá

Submissão: 17/12/2015 | Aprovação: 03/07/2016

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Abstract

This real-life case addresses the relationship between Corporate Social Responsibility (CSR) and

competition in the setting of a global company. It focuses on how a corporation may manage its CSR

policies in order to gain competitive advantage in a cutthroat market. In order to illustrate this reality,

we present the strategic dilemma from the point of view of the CSR manager of Bombardier – a

Canadian multinacional company that manufactures aircrafts and trains – regarding the decision of

whether to adopt a competitive or a collaborative approach towards the main competitors in the

aerospace industry.

Keywords: CSR, shared value, competition, collaboration, multinational company

Resumo

Esse caso real aborda a relação entre responsabilidade social corporativa (RSC) e competição no

contexto de uma companhia global. O caso foca em como uma corporação pode gerenciar suas

políticas de RSC de modo a ganhar vantagem competitiva em um mercado altamente concorrencial.

Para ilustrar essa realidade, apresentamos um dilema estratégico enfrentado pelo gerente de RSC da

Bombardier – uma multinacional canadense fabricante de aeronaves e trens –, em relação à escolha

entre uma abordagem competitiva ou colaborativa junto aos principais concorrentes da indústria

aeroespacial.

Palavas-chave: RSC, valor compartilhado, competição, colaboração, companhia multinacional

Introduction

It was seven AM on a mild summer morning in June, 2015. At the Headquarters of

Bombardier in Montreal, Kent McDonald1, general manager of the Bombardier Aerospace CSR team,

awaited his team for an important meeting. The day before Bombardier had announced publicly the

first-ever Environmental Product Declaration (EPD) in the aerospace industry, something that would

certainly change the way the aircraft industry reported and communicated the environmental impacts

of its products.

The purpose of an EPD is to help stakeholders (e.g. clients, communities, regulatory agencies

etc.) to understand the environmental impacts of each new aircraft released on the market. The

CSeries – the new family of Bombardier aircrafts – provided a platform for the company’s release of

1 All names cited in this case study are fictitious.

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THE CASE OF CSeries AT BOMPARDIER

Diego Antonio Marconatto, Luciano Barin Cruz

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the EPD. With a competitive environmental scorecard, the CSeries models – CS100 and CS300 –

had been designed to enter the fast-growing 100- to 149-seat market to become an alternative source

of competitiveness and profitability for Bombardier.

Before the issuance of an EPD, however, Bombardier had to develop and approve a Product

Category Rule (PCR). A PCR defines what and how information is reported in the EPDs of a certain

product category. The PCR is a critical tool in the development of an EPD as it enables transparency

and comparability between the environmental performances of different competitors’ products. More

broadly, the PCR would set a new environmental standard to be followed by Bombardier, as well as

influencing other aircraft manufacturers. In the case of the CSeries, this first PCR is valid for 4 years.

To develop a PCR, Bombardier could do it alone, which would make the process faster, thus

allowing the release of an EPD in tandem with the launch of the CSeries. The alternative would be to

develop it in cooperation with other major players in the industry. Kent and his team were convinced

that this PCR would move the whole industry together toward new environmental standards and

would benefit a variety of stakeholders in the long term. Although collaboration on critical issues

could create a more proactive, transparent and attractive sector in terms of environmental

responsibility, stimulating innovation and growth among competitors, such collaboration among

competitors could take more time and effort, as each player dealt with different technologies,

expectations and goals. As time was a crucial factor for Bombardier to release an EPD together with

the launch of the CSeries, Bombardier decided to launch a first PCR alone. The situation demanded

special ability and sensitivity from Kent and his team. Now Bombardier is the only airplane

manufacturer with this feature in the industry. Kent and his team know that competitors will try to

develop something better than the CSeries in terms of environmental performance in the coming

years and eventually also release EPDs based on their own PCRs. How should Kent and his team

approach this matter? Is competition around environmental performance the best scenario for

Bombardier? And for the whole industry? Should cooperation be encouraged for the release of an

industry-led new PCR in four years? What Kent’s team should do to become a leader in a

cooperation scenario?

Back on that mild day in June of 2015, Kent sees the first member of his team arriving for the

meeting. He opens his notebook knowing that the EPD has critical implications for the future of the

aircraft industry, with respect to both environmental impact, cooperation and/or competition.

Bombardier and Corporate Social Responsibility (CSR)

Founded in 1942 by a young mechanic, Bombardier has become the only company in the

world to manufacture both trains and aircrafts. With more than 71,000 employees and US$16.8

billion in revenues in 2012, this global business is headquartered in Montreal, Canada (see other

facts and statistics in appendix 1). Its operation is concentrated in North America and Europe, but it

has sites and employees all over the world.

Bombardier claims that its role as a creator of solutions for public mobility will become

increasingly important as the demand for transportation solutions intensifies in the decades to come.

Current estimates project that by 2025 the world’s top 600 cities will have more than 2 billion

inhabitants and account for 60% of the world’s gross domestic product. Experts also predict that by

2050, 64.1% of the developing world and 85.9% of the developed world will be urbanized.

Effectively implementing transportation solutions will be critical to addressing urban sprawl and

pollution, while at the same time ensuring the prosperity and productivity of these cities. Mass

urbanization is just one trend affecting transportation demand2.

2 Other factors having an impact include: globalization and the continued increase in business and leisure travel;

environmental impact (including climate change); space scarcity and congestion, especially in urban areas; the possibility

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It has not taken long for Bombardier Aerospace to realize the necessity of fully embracing

this new reality. In 2007, Bombardier became a signatory to the United Nations Global Compact

(2014), the world’s largest corporate citizenship initiative supporting 10 principles in the areas of

human rights, labor standards, environment and anti-corruption. Signing the United Nations Global

Compact and adopting the 10 principles of social responsibility formalized the commitment of the

company to be a good corporate citizen, a major milestone for the organization and a continuation of

the founder’s vision. Bombardier has also subscribed to a series of other international and industrial

standards, commitments and declarations, such as the Air Transport Action Group (ATAG)

declaration (Aviation Industry Commitment to Action on Climate Change – see appendix 2), the

General Aviation Manufacturers Association (GAMA) and International Business Aviation Council

(IBAC) declaration (Business Aviation Commitment on Climate Change), le Union International des

Transports Public (UITP) Charter on Sustainable Development (see appendix 3), and the

International Network for Environmental Management (INEM) Charter (German Association of

Environmental Management Code).

Indeed, CSR has become important to how Bombardier thinks about and conducts its

business. However, whereas the company has a history of initiatives towards society and

environmental stewardship, a comprehensive CSR framework had been lacking. In the mid-2010s,

Bombardier started to design a CSR approach which would soon integrate the company’s

competitive foundation.

“We have always understood that we cannot be profitable nor create

great products if we do not operate in a way that respects our

employees, our suppliers, our partners, and our environment”.

(Bombardier, 2014a).

Bombardier has embedded its CSR policies in its corporate strategy in the form of three

stated priorities: delivering innovation, managing responsibly and supporting communities. This

three-sided mandate has coalesced into the CSR mission as stated by the company:

“As the world’s only manufacturer of both planes and trains, we

provide the transportation solutions of tomorrow that drive value by

addressing mobility needs, while respecting planet and people. By

conducting our business in collaboration with and to the benefit of our

stakeholders, we create the conditions for engaged talent, constant

innovation, and eco-efficient products and services that shape The

Evolution of Mobility. This is how we move forward, responsibly”.

(Bombardier, 2014b)

These three priorities serve as guidelines to the development of projects in specific areas

related to the company value chain. Particularly, Bombardier organizes its CSR projects and

activities around six main pillars: products and services, governance, operations, supply chain,

responsible citizenship, employees. Acting through these, Bombardier claims that it strives to

produce shared value for both business and society. Each pillar is addressed through multiple

initiatives designed to enhance the competitiveness of the company while creating meaningful value

for society.

of stricter government regulations on CO2 emissions; resource scarcity and the growing need for the recyclability of

materials; aging aircraft fleets and rail infrastructure; energy price pressures and calls for greater energy efficiency.

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The six CSR pillars

Since the creation of the six CSR pillars, Bombardier has conceptualized the production of

aircrafts and trains under a product responsibility strategy tailored to the specifics of the industry.

The process starts with the design of the products, involves Bombardier’s supply chain,

manufacturing and testing, product use and maintenance and finishes in the end-of-life of all vehicles.

Environmental impact reduction and safety aspects of each step are considered.

The actions on governance involve risk management, the development and application of a

code of ethics, and compliance with the Human Rights charter. Bombardier has designed policies for

employees that are inclusive, egalitarian and sensitive to local aspects and conditions. All the

recruitment, engagement and development phases of human resources are considered. For instance,

Bombardier has engaged with universities and governments from around the globe to help train and

develop the talents needed by their operation.

Operations have been designed to enhance the security of employees and the environmental-

responsibility of Bombardier. The health, safety and environmental (HSE) policies of the company

have been prepared in compliance with international standards such as EMAS, ISO 14.001 and

OSHAS 18.001. Among other long-term goals, Bombardier aims to achieve zero occupational illness

and carbon-neutral operations.

That its supply chain should reflect its CSR mission is also part of Bombardier’s efforts.

Through its Supplier Code of Conduct, based on the principles of the United Nations Global

Compact, the aerospace and transport company has outlined its expectations for suppliers with

respect to legal compliance, labor, health and safety, environment, anti-corruption, ethics, and

governance. They are selected, eventually spot-checked and have their performance tracked

according to the same expectations (see appendix 4). In doing so, Bombardier tries to guarantee the

accordance of its supply chain with local laws and international standards.

Finally, Bombardier works to meet their mandate of responsible citizenship by engaging with

local communities. For example, in 2012, the company gave US$6 million to a program called “3Es”:

education, environment and entrepreneurship. The 3Es strategy was created to provide shared value

for local populations and businesses. By investing in education, Bombardier supports the creation of

learning opportunities which are expected to strengthen communities in addition to developing a

sustainable workforce for the transportation industry. Other forms of community participation have

involved a formal employee volunteering program and partnering with pro-environment and society

NGOs.

CSR and business opportunities

The environmental issues were the ones that, back in 2014, had the most obvious impact on

its competitive context and relationships with Bombardier’s stakeholders. It is known widely that the

transport sector is a major contributor of CO2 gas emissions, one of the main factors responsible for

climate change. According to EPA (United States Environmental Protection Agency, 2014) in the

United States transportation accounted for 28% of all greenhouse gas emissions in 2011, which

makes it the second largest contributor, after only the electricity sector. In this sense, it is no

coincidence that Bombardier’s stakeholders have considered respect for the environment among its

top priorities.

Around 2010, the company conducted a formal assessment with external stakeholders

(customers, suppliers, industry initiatives, labor unions, non-governmental organizations,

sponsorship recipients, regulators, and investors) in order to identify the most critical issues they

would have to address in the future. The outcome of this consultation was the CSR materiality

matrix (see Table 1). This matrix has allowed Bombardier to visualize its most pressing issues in

relation to those of its stakeholders. Product eco-design, compliance with regulations (which include

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pro-environment requirements), GHG and other emissions during operations, and impact on

biodiversity turned out to be of highest importance to these publics.

Instead of an undesirable cost to be borne, the Canadian company foresaw in the increasing

environmental demands, a business opportunity to be capitalized on. Its efforts to innovate could be

applied to meeting the righteous expectations of its stakeholders concerning the protection of the

planet while taking the lead in terms of environmental performance.

Kent and his team began to involve diverse internal publics and management layers in deep

strategic discussions about how to transform such an opportunity into business differentiation. Many

rounds of conversation, analysis and brainstorming resulted in the strategic decision to keep

investing in the development of groundbreaking green technologies and products. That is why

Bombardier continued to focus on creating products that address these needs while reaching new

levels of environmental responsibility, through initiatives such as exploring the use of alternative

fuels and working towards the long-term goal to manufacture 100% recoverable products. The idea

is that after some years, Bombardier had the ability to provide alternative pro-environment options to

its customers.

The CSeries family of aircrafts appeared as a hope of a new phase for the company by

embodying the idea of CSR as a proactive business mechanism, a generator of shared value for

business and society and a driver of innovation.

Table 1. Bombardier CSR Materiality Matrix

Imp

ort

ance

for

Sta

keh

old

ers

H

i

g

h

Ethical employment

policies Work environment, health and safety Product health, safety and security

Ethical business

practices and policies

Transparency and disclosure Procurement practices

Product eco-design and innovation

Supplier compliance with law Product compliance with regulations

Product performance

M

e

d

i

u

m

Use of conflict

materials Customer relations and satisfaction Anti-corruption measures

Remuneration Energy consumption during operations Regulatory compliance

Community

involvement

Socioeconomic contribution Suppliers’ practices

Operations’ impact on neighboring

communities

Training, education and talent

management

Other emissions during operations

Financial performance

GHG emissions during operations

Diversity and equal opportunity

Labour – management relations

Employee engagement & enablement

Water use during operations

Impact on biodiversity

Employment practices

L

o

w

Complaints and

grievance mechanisms

in place

Low Medium High

Current or Potential Impact on Bombardier

Source. Bombardier. http://csr.bombardier.com/en/csr-approach

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The CSeries

With a growing need for rapid transportation between major cities, larger aircrafts have

become a necessity. However, when seats are not filled on flights between smaller cities, profits

decrease and unnecessary fuel is burned, leading to excessive amounts of carbon emissions per

passenger. As risky as any other new product project, the CSeries nevertheless presented a new niche

opportunity to connect smaller cities to one another.

The CSeries program was kicked off in 2008 and their planes started to fly in 2015. These

models fly for short and long ranges and target the 100- to 149-seat market, which had been growing

rapidly in recent years. The CSeries family of products comprises two different models: the CS100

(110-seat) and the CS300 (135-seat), both of which compete with different aircrafts from Boeing,

Airbus, Embraer, Comac and ATR. Compared to the averages for their competitors’ in-production

aircrafts for that year, the CSeries models provided economic and environmental advantages, as

outlined in Table 2.

The combination of these characteristics gave the CSeries aircrafts a competitive scorecard

which promised to allow Bombardier to set the bar higher for other aircraft manufacturers with

regard to environmental requirements.

Table 2. Economic and Environmental Advantages of the CSeries Family of Aircrafts

Economic advantages Environmental advantages

20% fuel burn advantage 20% CO2 emission advantage (up to 120,000

tons CO2 emission savings per aircraft).

15% cash operating cost advantage 50% lower NOx* emissions relative to

CAEP6** Emission Standards (Jan 2008).

25% direct maintenance cost advantage

Advanced technology: Lower

component cost, fewer system tasks.

Advanced engine: Fewer parts,

lower life-limited parts (LLP) costs.

Enhanced systems monitoring:

Reduced line maintenance.

Advanced materials: Fewer fatigue

and corrosion inspections.

Aircraft exterior paint is chromate free and

helps to reduce the aircraft weight.

Well-suited for the hot temperatures and

high altitude conditions found in many

rapid-growth economies.

Approximately 90% of cadmium-plated

hardware eliminated.

The aircraft is about 75% recyclable.

Suppliers encouraged to be ISO 14.001-

certified.

Manufacturing facilities are designed and built

to LEED standards.

(*) Mono-nitrogen oxides NO and NO2: polluting gases; (**) Committee on Aviation

Environmental Protection.

Source. Bombardier. http://CSeries.com/

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Building an Environmental Product Declaration (EPD) through a new Product Category Rule

(PCR)

According to Kent, by using the CSeries as its flagship, Bombardier expected to move the

aerospace industry beyond current regulations in terms of environmental performance and

transparency. To do so, the company planned to issue an Environmental Product Declaration (EPD),

the first-ever in this industry, by the time of the CSeries release. In general, an EPD summarizes and

communicates the environmental impact of products at all lifecycle phases. Applying the ISO 14021

or 14025 standard and the guiding principles of the international EPD® system ensures

standardization and transparency. These declarations also facilitate dialogue with customers by

providing verified and comparable information. Bombardier has also partnered with suppliers to

provide input on the lifecycle attributes captured in the EPDs such as:

Resource (raw material) use.

Recyclability of maintained parts and at end of life.

Energy and fuel efficiency.

Water consumption.

Greenhouse gases, noise and other emissions.

In order to allow their customers and engineers to benchmark their products against those of

other companies, in 1999 Bombardier transportation division released an industry-first EPD. The

CSeries was the first attempt by the aerospace division to meet the company’s goals of ensuring that

all Bombardier’s products have EPDs.

For the sake of clarity, there are three types of EPD. Type I refers to an environmental label

attesting to a specific characteristic of a product. Type II refers to an environmental self-declaration

about commitments assumed by an organization. Type III requires the development of a PCR which,

in turn, can be prepared by Bombardier alone or in collaboration with other partners in the same

industry.

Bombardier prepared an EPD type III for the CSeries – the EPD represents the final stage in

the process of communicating the environmental impacts of the product to customers (see Figure 1).

The first stage involved the completion of a life-cycle analysis (LCA) to understand the full

environmental implications of the aircraft throughout its lifetime. This included design, supply chain,

manufacturing, operation of the aircraft, maintenance and the recyclability of the aircraft at the end

of its life.

The CSeries LCA was led by Amrita Krishna, part of Kent’s team. She started to work with

all CSeries suppliers in 2010 to map the environmental impact of the aircraft’s lifecycle and to find

ways to minimize it. Each and every supplier had to produce reports about the manufacturing

process of their corresponding pieces – from the raw materials used to the industrial waste generated,

to the energy and water used in the manufacturing of each of the CSeries components.

The LCA had to be conducted according to the Product Category Rule (PCR). The PCR

document had a twofold purpose: first, it had the ambition to establish how the entire industry should

conduct their EPDs and LCAs; second, the standardization would allow costumers and other

stakeholders to make fair comparisons of the environmental impact of products.

The situation was delicate because it was the first time an EPD had been conducted in the

industry and thus would have implications for the competition. The Bombardier CSeries had a

competitive environmental performance record, which would be highlighted by an EPD. At the same

time, Kent believed that this EPD could push the whole industry to improve its environmental

standards.

In addition, at the same time that Bombardier planned to publish its PCR, the European

Union (EU) Commission was looking at developing a policy that would make EPDs for products

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compulsory (European Comission, 2014) . This coincidence could be another factor influencing

Bombardier’s competitors’ perceptions of the project.

Figure 1. The components of the Environmental Product Declaration (EPD)

Decisive coming days…

09:00 in the morning. The whole team is in the room and Kent can start the meeting. He

drinks a last cup of coffee and starts the talk. The first PCR has set the rules for how Bombardier

Aerospace reports information in its EPDs, and time was a key issue for the decision of developing it

alone.

However, should Bombardier consider the next PCR as an opportunity to establish

collaboration among the main players in the industry around environmental responsibility? The next

four years will be decisive for the industry and Bombardier needs to decide the best positioning to

adopt.

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Sources:

Bombardier. 2014a. Managing Responsibly. Retrieved March 05, 2014, from

http://csr.bombardier.com/en.

Bombardier. 2014b. Bombardier CSR. Retrieved March 05, 2014, from

http://csr.bombardier.com/pdf/en/EDL_Bombardier_ENGLISH-mapL.pdf

European Commission. 2014. Environment. Retrieved March 17, 2014, from

http://ec.europa.eu/environment/eussd/smgp/index.htm

United Nations Global Compact. 2014. Retrieved March 04, 2014, from

https://www.unglobalcompact.org/

United States Environmental Protection Agency. 2014. Sources of Greenhouse Gas Emissions.

Retrieved March 10, 2014, from

http://www.epa.gov/climatechange/ghgemissions/sources/transportation.html

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Appendix 1

(*) 2012; billions of dollars

Bombardier Aerospace and Transportation Businesses

Source: www.bombardier.com

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Appendix 2

Source: Air Transport Action Group (ATAG). http://www.atag.org/our-activities/climate-change.html

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Appendix 3

Source: UITP Charter on Sustainable Development. https://www.post.ch/en/post-startseite/post-konzern/post-

engagement/post-engagement-nachhaltigkeit/post-nachhaltigkeit-partnerschaften/post-uitp-charter.pdf.

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Appendix 4

Integrating CSR into the Bombardier Procurement Processes

Source: Bombardier. http://csr.bombardier.com/pdf/report/CSR2011_Report_en.pdf.

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Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 13

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c13

GESTÃO CORPORATIVA, RELACIONAMENTO COM STAKEHOLDERS E ÉTICA: O

DILEMA DE GRAÇA

Corporate management, relationship with stakeholders and ethics: Graça’s dilemma

JORGE RAMÓN D’ACOSTA RIVERA – [email protected]

Centro Universitário FEI – São Paulo, SP, Brasil

EDMILSON ALVES DE MORAES – [email protected]

Centro Universitário FEI – São Paulo, SP, Brasil

Submissão: 16/02/2016 | Aprovação: 04/08/2016

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Resumo

No contexto da campanha presidencial de 2014, e do escândalo de corrupção envolvendo a

Petrobras, o caso apresenta o dilema de sua presidenta Graça Foster diante da dificuldade de obter o

parecer de auditores independentes para a publicação do balanço.

Palavras-chave: governança corporativa, teoria da agência, corrupção, Petrobras

Abstract

In the context of Brazil’s presidential campaign of 2014 and the corruption scandal involving

Petrobras, the case presents the dilemma of the company’s president, Graça Foster, in view of the

difficulty of obtaining the independent auditors' report for the publication of the balance sheet.

Keywords: corporate governance, agency theory, corruption, Petrobras

Brasil, final de outubro de 2014

Em meio à crise deflagrada pelo acúmulo de denúncias sobre a gestão da Petrobras, sua

presidenta, Maria das Graças Silva Foster, precisava tomar decisões para publicar o balanço da

companhia. Todavia, o reconhecimento dos prejuízos causados pela corrupção à estatal, poderia

comprometer o projeto de reeleição da presidenta Dilma Rousseff, de quem era pessoa de confiança.

Ela sabia que as melhores práticas de governança corporativa exigem transparência, equidade,

responsabilidade corporativa e prestação de contas (accountability). O atraso da publicação, como

consequência, poderia gerar grandes prejuízos para a companhia, e era preciso que esse balanço

tivesse a assinatura de uma empresa de auditoria independente. Sabia também que, se esses prejuízos

não fossem reconhecidos, não conseguiria a assinatura dos auditores independentes. Se isso

demorasse, traria consequências imediatas sobre os custos de financiamento para a companhia.

Diante dessa circunstância, na solidão de seu escritório, ela devia estar se perguntando a

respeito de sua trajetória profissional, de seu nebuloso futuro, e pensando, ainda, sobre a confiança

que a presidenta Dilma depositava nela, quais seriam os futuros caminhos da companhia, e, afinal de

contas, a quem pertencia a companhia?

A relação com a presidenta Dilma

A história da indicação de Graça para a presidência da Petrobras tem início com a

aproximação entre ela e Dilma Rousseff no começo dos anos 2000 quando ela era gerente da Gasbol

(Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil) e Dilma Secretária de energia do Rio Grande do

Sul. As duas se tornaram realmente próximas quando Dilma a convidou, em 2003, para ser secretária

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de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia, cargo no qual ela permaneceu até 2005. No ano

seguinte, Graça Foster voltou à estatal para assumir a presidência da BR Distribuidora e, em 2007, a

diretoria de Gás e Energia. Foi escolhida por Dilma para ser a primeira mulher presidente da

companhia em 2012.1

Pelo que pode ser inferido, a partir do que se tornou público e das reiteradas manifestações da

presidenta em relação a Graça Foster, é possível que a semelhança de estilos tenha gerado uma

identificação que se transformou em confiança, do lado de Dilma Rousseff, e em uma fidelidade a

toda prova, por parte de Graça para com a presidenta, o que só tornava a sua decisão, quanto à

publicação do balanço, mais difícil, especialmente diante do contexto da campanha eleitoral, que era

vivido no final daquele ano.

Diante da urgência da decisão a ser tomada, é provável que Graça rememorasse fatos

marcantes ao longo de sua carreira que poderiam auxiliá-la a organizar sua reflexão.

Governança e a lei Sarbanes-Oxley

Graça, com certeza, lembrava-se dos escândalos financeiros que levaram à falência grandes

empresas norte-americanas, como a Enron, a WorldCom e a Tyco, entre outras. Nessa época, em

2001, ela gerenciava a Gasbol. Houve analistas que compararam o efeito dessas falências à

derrubada das torres gêmeas em Nova Iorque. O impacto desses acontecimentos abalou de modo

indelével os marcos de referência da sociedade capitalista, no alvorecer do século 21.

Algo implodiu no sistema de crenças diante da imagem inverossímil do atentado contra as

torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001. Pouco depois, no mesmo ano, alguns dos

pilares mais altos do capitalismo ocidental ruíram diante da incredulidade de funcionários,

investidores e governos.

A falência da Enron no final de 2001 foi o início de uma série de escândalos. Durante um ano,

o país foi inundado por histórias terríveis de fraudes e corrupção, de executivos ludibriando

investidores para fazer milhões de dólares para si mesmos em algumas das empresas mais confiáveis

dos Estados Unidos, como WorldCom, Tyco, Adelphia, Quest, Global Crossing e Martha Stewart.2

O caso da Enron mostrou que a estrutura de incentivos que motivava os dirigentes dessas

companhias gerava muito menos poder de controle contra o abuso do que muitos observadores

podiam acreditar (Bratton, 2002) e provocou a dissolução da Arthur Andersen, uma das cinco

maiores empresas de auditoria do mundo, que, na época, validou os demonstrativos financeiros dessa

empresa.

A introdução das práticas de governança corporativa e a assinatura, em 30 de julho de 2002,

da lei estadunidense que ficou conhecida como Sarbanes-Oxley (SOX) objetivaram exatamente

evitar o esvaziamento dos investimentos financeiros, e a fuga dos investidores, causados pela

desconfiança gerada a respeito da governança das empresas. Essa lei tem como objetivo definir

procedimentos de auditoria que possam garantir a confiabilidade das informações e gerenciar as

operações de modo a identificar e gerenciar os riscos dos negócios e evitar fraudes ou permitir sua

rápida identificação para assegurar a transparência na gestão dos negócios. Entre outras coisas, a lei

obriga a uma avaliação anual dos controles internos e dos procedimentos utilizados para elaborar os

relatórios financeiros; ela também demanda que os mais altos executivos da corporação, bem como

seus auditores, certifiquem a exatidão dos demonstrativos e informações liberadas ao mercado.

Ainda mais, ela proíbe que firmas de auditoria/contabilidade prestem serviços de consultoria para

seus clientes e estabelece princípios éticos para executivos de finanças e analistas de risco.

Essa lei norte-americana afeta empresas brasileiras que mantêm american depositary

receipts (ADRs) negociadas na bolsa de Nova Iorque, como: Petrobras, CBD, Natura, Gerdau e

1 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150204_dilma_foster_ms (acessado em 24/7/2015) 2 http://www3.estadao.com.br/investimentos/financas/2006/jan/30/34.htm (acessado em 24/07/2015)

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outras.

A Operação Lava Jato em outubro de 2014

A pressão sobre Graça Foster se acentuava, à medida que se aproximavam as eleições, que

acirravam o debate político e colocavam a Petrobras no centro do noticiário. A Operação Lava

Jato, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 17 de março de 2014, desmontou um esquema de

lavagem de dinheiro e de evasão de divisas que movimentou algumas centenas de milhões de reais.

As investigações indicam a existência de um grupo brasileiro especializado no mercado ilegal de

câmbio. No centro das investigações, estão funcionários do primeiro escalão da Petrobras, a maior

empresa estatal do Brasil. A PF apontou o pagamento de propina envolvendo executivos de

empresas, especialmente empreiteiras, que assinaram contratos com a companhia de petróleo e

políticos. Entre os crimes cometidos, aponta a investigação, estão sonegação fiscal, movimentação

ilegal de dinheiro, evasão de divisas, desvio de recursos públicos e corrupção de agentes públicos.

De acordo com as investigações da PF, existe uma suposta ligação entre o ex-diretor da Petrobras

Paulo Roberto Costa com o esquema de lavagem de dinheiro operado pelo doleiro Alberto Youssef.

Costa foi preso pela Polícia Federal em 20 de março enquanto destruía documentos que poderiam ter

relação com o inquérito. Em depoimento à Justiça Federal, em outubro, Costa revelou o pagamento

de propina na Petrobras. Segundo o ex-executivo da companhia, o dinheiro era cobrado de

fornecedores da estatal e redirecionado a três partidos: PT, PMDB e PP. As legendas teriam utilizado

o dinheiro na campanha de 2010. Os partidos negam que isso tenha ocorrido. Em outubro, como

decidiu colaborar com a investigação, Costa conseguiu um acordo de delação premiada homologado

pela Justiça. Este tipo de acerto pode ajudar na redução de sua pena em caso de condenação pela

Justiça. O mesmo tipo de acordo é negociado pelos advogados de Alberto Youssef, que tem dado

uma série de depoimentos à Justiça Federal e contribuído com informações sobre os envolvidos no

esquema dentro de partidos.3

24 de outubro de 2014

Para aumentar a tensão sobre a Maria das Graças Foster, em 24 de outubro, uma sexta-feira a

apenas dois dias do segundo turno da eleição, a revista Veja antecipou sua edição de domingo para

sexta-feira e estampou na capa a manchete “ELES SABIAM DE TUDO”, referindo-se ao

conhecimento que a Presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, teriam sobre o esquema de corrupção

na Petrobras. Quatro dias depois, no dia 28, a imprensa informou que o executivo Julio Camargo

diretor da Toyo Setal, empresa fornecedora da Petrobras, tinha fechado um acordo de delação

premiada com os procuradores da operação Lava Jato.

O problema do principal-agente

A prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, criou

constrangimento para a companhia. Maria das Graças Foster disse que “Aconteceu um grande

constrangimento para a Petrobras com a prisão do ex-diretor Paulo Roberto. Todos os contratos

relacionados à eventual participação do Paulo estão sendo avaliados, todas as interfaces estão sendo

apuradas”. Ela também afirmou que a empresa não pode ser medida pelos atos de “apenas uma

pessoa”. Paulo Roberto Costa tinha sido preso há três semanas, durante a operação Lava Jato, da

Polícia Federal. Ele é acusado de receber propina de contratos da companhia, além de ter atuado em

parceria com uma quadrilha acusada de lavagem de dinheiro público. Costa chegou a receber um

carro de presente do doleiro Alberto Youssef.

Diante dessas constatações, impunha-se para todo dirigente uma reflexão crítica e o exame

3 http: //ultimosegundo.ig.com.br/politica/operacao-lava-jato/ (acessado em 25/7/2015)

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dos valores e das práticas corporativas. Por um lado, seria necessário identificar e explicitar quais

são os valores e pressupostos que legitimavam o funcionamento da organização dentro de seu

contexto social; por outro, identificar quais os valores subjacentes às práticas organizacionais que

conduziam a tais tipos de escândalos.

Certamente, a presidente Graça Foster conhecia o chamado “Problema do principal-agente”

(onde uma parte, chamada de agente, age no interesse da outra parte, chamada de principal), aquele

em que o agente pode ter um incentivo ou tendência de agir inapropriadamente do ponto de vista do

principal, se os interesses do agente e do principal não estiverem alinhados. Talvez ela também

soubesse que a intuição de Adam Smith antecipou esse tipo de problema já em 1776 na sua obra “A

Riqueza das Nações”:

Dos diretores de sociedades anônimas [joint-stock-companies], que são gestores do dinheiro

alheio mais que do seu próprio, não se pode bem esperar que velem sobre esse dinheiro com

a mesma vigilância ansiosa com a qual os sócios de uma sociedade privada [private

copartnery] frequentemente vigiam o seu próprio.

É sabido hoje que a “riqueza” (valor em bolsa) de algumas grandes organizações é maior que

a “riqueza” (produto interno bruto) de muitas nações, por isso, o exame dos valores que

fundamentam as práticas dessas firmas e legitimam sua operação torna-se essencial, uma vez que o

impacto de suas ações pode ser devastador. Compreender a estrutura e os procedimentos de controle

é muito importante, uma vez que isso pode demonstrar a possibilidade de um problema de agência

na gestão da firma, entre a gerência e os acionistas, pois a primeira pode não estar cuidando dos

interesses desses últimos. Isso também pode ocorrer quando existe um acionista majoritário que

exerce influência sobre a gerência de uma companhia, que passa a preservar os interesses dos

controladores em detrimento, dessa vez, dos acionistas minoritários, como é o caso do controle

artificial do preço da gasolina.

O preço da gasolina

Não bastassem os problemas da Lava Jato, Maria das Graças Foster teve que enfrentar outro

problema: para reduzir o impacto sobre a inflação o preço da gasolina vinha sendo controlado já

havia algum tempo. Ao manter os preços artificialmente controlados, a companhia subsidiava a

diferença, e isso se refletiu no resultado da Petrobras. Alguns analistas avaliavam que, desde 2010,

as cotações internas estavam abaixo do custo internacional do petróleo o que provocou prejuízos

sucessivos à área de abastecimento da companhia. Eles acreditavam que esse prejuízo já superava o

valor de R$ 55 bilhões. Mesmo para uma empresa da dimensão da Petrobras, esses valores tiveram

um impacto considerável, o que provocou críticas de diversos setores. O estatuto social da Petrobras

estabelece que o capital social da empresa será composto por ações ordinárias, com direito a voto, e

ações preferenciais sem esse direito e que o controle da União será exercido mediante a propriedade

e posse de, no mínimo, 50%, mais uma ação, do capital votante da sociedade. No encerramento do

exercício de 2013, a União, como principal acionista, detinha 28,7% do capital social e 50,3% das

ações ordinárias.

Embora o acionista controlador seja a União, é fundamental levar em consideração a saúde

financeira da organização e suas perspectivas de crescimento. Não pode ser esquecido, também, que

trabalhadores foram incentivados a aplicar o fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) em

ações da companhia e que sua desvalorização causou prejuízos a esses trabalhadores e, ainda, que a

ações são negociadas na Bolsa de Nova Iorque, o que implica os controles e procedimentos rigorosos

previstos na lei Sarbanes-Oxley de 2002. A presidenta da Petrobras tinha uma sensibilidade aguda

sobre esse problema, afinal ela respondia pela companhia; isso a colocou em rota de colisão com o

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5 GESTÃO CORPORATIVA, RELACIONAMENTO COM STAKEHOLDERS E ÉTICA: O DILEMA DE GRAÇA

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ministro da Fazenda, Guido Mantega, que presidia o Conselho de Administração da companhia, e

diante de um dilema sobre a fidelidade que devia à presidenta Dilma.

Valores, ética e legitimidade

Graça devia saber, no entanto, que a reconstrução da confiança passava não apenas pela

regulamentação e monitoração de práticas contábeis e de gestão, mas requeria a compreensão

abrangente do comportamento organizacional e o conhecimento dos processos pelos quais, as partes

interessadas (Estado, Petrobras, fornecedores e sociedade) se relacionavam. Diante dos fatos

relatados, podia-se adotar duas perspectivas. A primeira, interpretar que os acontecimentos foram

fatos isolados e que as medidas de controle estabelecidas seriam suficientes para recuperar a ordem

institucional. A segunda, examinar os fatos como interligados a um conjunto de práticas que quando

analisadas em profundidade, podiam revelar valores (ou a falta deles) implícitos (não declarados)

disseminados que explicariam (sem nunca justificar) os comportamentos observados dos dirigentes

da companhia.

Talvez a Maria das Graças Foster também soubesse que para atravessar fases de incerteza,

não bastava apenas uma estratégia, seria preciso restaurar um conjunto mínimo de valores. Valores

que tivessem o poder de um campo de força e atuassem como guias e diretrizes. A companhia

encontrava-se num ambiente turbulento, turbulência que resultava da complexidade e das

características das múltiplas relações entre todas as partes interessadas. Quando os valores são

suportados por todos os membros de um grupo, ou uma comunidade, eles são a base para responder

de modo eficaz a situações de crise, já que eles fornecem mecanismos de controle e de orientação

geral e restauram a legitimidade da instituição.

A crença na legitimidade da instituição e de seu quadro dirigente aparecia como requisito

imperativo, na situação da Petrobras. Os valores que sustentavam essa crença na legitimidade

adquiriam especial importância diante de crises provocadas por “atentados” à ordem institucional,

como foram a falência da Enron e os fatos ocorridos na Petrobras. A operação de grandes

corporações, dentro de um contexto de responsabilidade social corporativa exige que pautem suas

atividades dando suporte aos valores e crenças do grupo social onde operam para a obtenção da

legitimidade. Atualmente, as organizações competem não apenas por recursos e clientes, mas

também por influência política e legitimação institucional; isso define uma relação adicional e

diferente das relações simples de fornecimento de bens e serviços entre as organizações e seus

stakeholders.

Como presidenta, parte de sua função consistia em conseguir que a companhia reconstruísse

uma rede de relações de confiança com as demais partes interessadas: clientes, investidores,

funcionários, fornecedores, governo e sociedade, e, dessa forma, desenvolvesse “ativos” não

tangíveis, difíceis de reproduzir, que podiam constituir-se em fatores de vantagem competitiva. A

preservação da companhia requeria uma resposta às questões sobre a natureza ética de suas

operações. Quando a sociedade civil requisita das corporações responsabilidade social e

desenvolvimento sustentável para sua operação, é importante levar em conta a influência dos valores

e práticas dessas organizações sobre as relações que elas mantêm com seu ambiente.

O tempo está se esgotando

Graça sabia que tinha pouco tempo e havia muita coisa em jogo: uma eleição, a saúde da

maior companhia do Brasil e, provavelmente, seu futuro pessoal. Que decisão você tomaria se

estivesse no lugar da Graça?

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Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 14

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c14

UBER: UMA INOVAÇÃO COM POTENCIAL INFINITO PARA POLÊMICAS

Uber: an innovation with an infinite potential for controversy

STEFANIA DARGAINS – [email protected]

Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro, Brasil

Submissão: 18/02/2016 | Aprovação: 04/08/2016

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Resumo

O caso discorre sobre uma mudança disruptiva promovida por uma startup do Vale do Silício que,

em menos de cinco anos de existência, se tornou uma das plataformas mais emblemáticas de

negócios digitais, com valor de mercado estimado em US$ 62,5 bilhões, no final do primeiro

semestre de 2016.

Palavras-chave: mudança organizacional, inovação, negócios digitais

Abstract

The case focuses on a disruptive change promoted by a Silicon Valley startup that, in less than five

years, has become one of the most iconic digital business platforms, achieving an estimated market

value of $ 62.5 billion by the end of the first half of 2016.

Keywords: organizational change, innovation, digital business

Táxi é uma das poucas palavras cuja grafia ou pronúncia são semelhantes em diversas línguas.

Em francês, escreve-se da mesma maneira que em português, no entanto é oxítona: taxi. Em turco,

escreve-se taksi, no Japão, fala-se takushi – representação fonética dos caracteres do alfabeto japonês.

Seja em Paris, Istambul, Tóquio ou no Rio de Janeiro, a palavra táxi tem o mesmo significado

– carro com motorista que cobra bandeira e quilometragem, utilizado para transportar passageiros.

Entretanto, nas maiores cidades do mundo, o Uber – um aplicativo (app) gratuito de celular, cuja

proposta é conectar passageiros aos motoristas, surge como um nome que subleva o sentido dessa

palavra.

Na manhã de sexta-feira, dia 24 de julho de 2015, a cidade do Rio de Janeiro viveu os

transtornos de um trânsito caótico, ocasionado pela manifestação dos motoristas de táxis contra o

Uber.

Do seu gabinete, em que vislumbrava a cidade do alto, Eduardo Paes, notório prefeito digital,

imaginava as várias possibilidades de enfrentar tal situação. Ele precisava entender as

transformações que tecnologias como o Uber trariam para a cidade. E, uma vez entendidas, como

deveria lidar com elas. Em suma, ele queria saber se, no médio e longo prazos, o estabelecimento da

Uber na cidade traria mais benefícios ou problemas para o Rio de Janeiro.

Um prefeito digital

Sob a pressão dos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro, o prefeito foi contatado pela

GloboNews para se posicionar sobre o caso.

Num primeiro momento, Paes gostou do convite. Aficionado por tecnologia, ele tem o

costume de usar o aplicativo WhatsApp para falar com sua equipe, e o Waze para monitorar o

trânsito da cidade, em tempo real. Numa entrevista dada em 2012, ele confessou que, desde moleque,

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economizava dinheiro para comprar o computador de última geração. "Não tem mulher que é tarada

por sapato? A minha tara é a tecnologia."

Em julho de 2013, por exemplo, ele estabeleceu parceria com os desenvolvedores do Waze.

Comprado pelo Google, o Waze hoje compartilha dados com a prefeitura carioca para facilitar o

monitoramento das ruas. O app complementa as imagens capturadas pelas quase 580 câmeras da

cidade e os incidentes reportados pelos mais de 7.500 guardas municipais, a maioria munida de

celulares com GPS. As informações alimentam, ainda, o Centro de Operações, quartel-general de

dados da prefeitura, construído em 2010, em parceria com a IBM. De lá, é possível monitorar a

cidade e reagir mais rapidamente a diferentes situações, seja um imprevisto no trânsito, seja um

desastre ambiental.

De volta à questão do Uber, Paes lembrou-se do episódio ocorrido em fevereiro de 2015,

quando foi alvo de uma enxurrada de "memes"¹ nas redes sociais, que ironizavam o esquema

especial da prefeitura para um temporal que não aconteceu. Percebeu, então, que necessitava de

algum tempo para obter informações detalhadas sobre o aplicativo. Afinal, o Rio tem o terceiro pior

trânsito do mundo, só perdendo para Moscou, Rússia e Istambul – segundo levantamento da

TomTom, empresa holandesa de tecnologia ͯ. Além do mais, ele sabia que precisava ouvir os

principais envolvidos, pois sua popularidade estava em jogo.

Reações dos diferentes atores

Os taxistas estão convencidos de que o serviço disponibilizado pela empresa que administra o

app é ilegal e clandestino. De acordo com a categoria, o aplicativo gratuito oferece "caronas pagas"

em carros particulares. Pedro Pedrosa, taxista há mais de 15 anos, argumentou que "a prefeitura

costuma aplicar uma fiscalização rigorosa à categoria, enquanto esse aplicativo, que considero um

pirata alienígena, está atrapalhando nosso trabalho em todo canto do mundo". Ele garantiu que as

corridas estão se reduzindo, no mínimo, em 40%, principalmente no período da noite.

Picianni, secretário municipal de transportes do Rio, apoiou os taxistas, dizendo que não

regulamentaria o Uber ou qualquer outro aplicativo de transporte de passageiros, uma vez que já

tinham sido concedidas 33 mil autonomias para motoristas de táxis cariocas, incluindo os serviços

executivos.

De acordo com Pedro Augusto, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), da

FGV Direito Rio, nessas ocasiões, quando surge um novo concorrente que altera as dinâmicas de um

mercado estabelecido, reações negativas por parte de quem nele atuava costumam ser naturais.

Em resposta aos protestos, Fabio Sabba, porta-voz da Uber Brasil, disse que a polarização de

táxis contra a Uber não faz sentido, afinal as pessoas têm que ter o direito de escolher como querem

transitar pela cidade. Ele alegou, ainda, que seus parceiros – como os motoristas particulares da Uber

são chamados – devem ter seus direitos constitucionais de trabalhar preservados, uma vez que o

município ainda não instituiu regulamentação para o serviço.

Em nota, acompanhada da hashtag #orionaopara, a empresa reagiu imediatamente. Ofereceu

aos cariocas duas viagens gratuitas no valor de até R$ 50,00 para corridas realizadas entre as 7 e 19

horas desse dia, arcando com os custos da iniciativa, o que explicaria o aumento da procura pelo

aplicativo, como aconteceu na ocasião de seu lançamento, em São Francisco, cinco anos antes.

Ao mesmo tempo, nas ruas e nas redes sociais, os passageiros manifestaram simpatia e apoio

ao aplicativo. Patrícia Valente, 38 anos, professora de marketing e comunicação, defende a liberdade

de escolha por parte do cidadão. Ela acredita que há espaço para ambos os serviços conviverem

pacificamente – táxi e "carona paga". "Não se resolve o problema matando o concorrente, o ideal é

que se lute pela regulamentação do serviço."

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Uma história de sucesso polêmica

Reza a lenda que tudo começou em 2008, numa noite de nevasca em Paris. Travis Kalanick,

um empresário com formação em ciência da computação e matemática que havia trabalhado por 15

anos em várias startups, e o amigo Garrett Camp estavam na cidade participando de um evento de

tecnologia. Na saída, não conseguiam achar um táxi. Na ocasião, tiveram uma ideia sobre um serviço

que permitisse chamar um carro com apenas um toque na tela do celular. Ambos tinham acabado de

vender suas startups. Kalanick faturou 20 milhões de dólares com a RedSwoosh, um serviço de

compartilhamento de arquivos on-line. Camp ganhou 75 milhões de dólares na venda do site de

busca StumbleUpon para o eBay.

De volta à Califórnia, os amigos sabiam que, da ideia até a primeira transação comercial,

teriam que percorrer um longo caminho. Inicialmente, pensaram num modelo voltado para oferecer

um serviço semelhante ao táxi de luxo. Em março de 2009, fundaram uma empresa chamada

UberCab, com um investimento de US$ 200.00, mas o aplicativo só foi oficialmente lançado em

junho de 2010.

Era o verão de 2010; na ocasião, a cidade de São Francisco contava com um contingente

considerável de motoristas executivos e taxistas brasileiros. Por mais inusitado que parecesse, essa

rede de contatos da comunidade brasileira foi essencial à decolagem do Uber. Na ocasião, o próprio

Kalanick, em entrevista à revista Exame, teria dito que a maior parte dos primeiros motoristas

parceiros da Uber era brasileiros. "Que ironia do destino!", pensou Paes.

Para iniciar a operação, o primeiro problema enfrentado foi convencer os motoristas que já

ofereciam esse serviço, geralmente em parceria com hotéis, a adotar o aplicativo. Outra dificuldade a

ser enfrentada seria a divulgação do serviço para os usuários de táxis convencionais. Nesse caso, a

visibilidade da empresa pelos passageiros ocorreu quase por acaso, quando a secretaria de

transportes de São Francisco implicou com o serviço e com o nome da empresa, na época, UberCab.

A disputa trouxe exposição ao aplicativo na imprensa e chamou a atenção dos fundos de capital de

risco, propiciando o início da expansão da empresa nos EUA, e depois no mundo.

No início de 2011, a empresa recebeu US$ 11 milhões, captados por benchmark capital,

founder collective e first round capital. Em dezembro do mesmo ano, foram aportados mais US$ 32

milhões ao capital da empresa, obtidos por Menlo Ventures, Jeff Bezos, Goldman Sachs e

Benchmark.

Em março de 2012, o serviço Uber já estava sendo disponibilizado em Chicago, Nova Iorque,

Boston, San Francisco, Paris, Seattle, Washington DC e testado em Los Angeles e Toronto. Desde

então, a empresa tem experimentado rápida proliferação de usuários.

Polêmica, controvérsia e disputas são a tônica desta história, e constituíram o DNA da Uber,

melhor dizendo: "postura de Uber", como prefere chamar Kalanick, CEO da empresa.

A indústria do táxi no Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, grande parte das empresas que atuam no negócio de táxis é familiar. Na

prefeitura, existem 15 empresas registradas na cidade, mas apenas três grupos controlam 55,8% dos

táxis dessas companhias. De fato, essas empresas têm atuado no mercado como companhias de

“locação de automóveis sem condutor”, assim, elas alugam seus veículos aos taxistas, que trabalham

como auxiliares. Portanto, essas empresas não são donas das autonomias (licenças para conduzir

táxis).

Em 1977, um decreto do governador Marcos Tamoyo limitou a frota a 100 táxis por empresa

e fixou o limite de um táxi para 700 habitantes, proibindo a concessão de novas licenças até atingir

essa cifra. Em 2012, a Lei Municipal n. 5.492 não permitiu que o número de companhias e a frota

fossem ampliados, entretanto, de acordo com estatísticas mais recentes, a cidade tem um táxi para

cada 200 habitantes. Um decreto de 2013, do atual prefeito, autorizou apenas a renovação dos carros.

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Estima-se que o Rio tenha aproximadamente 32 mil motoristas autônomos, entre os quais

25.500 trabalham como taxistas auxiliares. Desse montante, quase 2 mil atuam nas 15 empresas. A

prefeitura costuma realizar fiscalização apenas nas ruas, não há controle nas garagens para verificar

se as companhias estão respeitando o limite autorizado. O Sindicato dos Motoristas de Empresas e

Auxiliares de Táxi do Estado tem calculado que essas empresas juntas devem movimentar,

mensalmente, R$ 7,3 milhões. Esse valor foi estimado, considerando que elas costumam cobrar dos

taxistas o valor de R$ 200,00 por dia de trabalho. Desse modo, muitos taxistas chegam a trabalhar

mais de 12 horas por dia para conseguir pagar a diária.

O jeito Uber de ser Ocupando um andar inteiro de um prédio na Market Street, localizado numa das principais

vias de São Francisco, instalada num escritório moderno, a Uber dispõe de espaços para reunião sem

portas nem paredes. Os funcionários têm mesas projetadas que permitem erguer o monitor e o

teclado para trabalhar em pé. "Claro!!! Porque ficar sentado é o 'novo fumar' para os nerds", notou

Paes.

Bem-estar e descontração são premissas fundamentais nas empresas de tecnologia do Vale do

Silício para estimular a criatividade. Na Uber, todos os funcionários têm almoço gratuito. Bebidas

saudáveis e barras de cereais estão à disposição a qualquer hora, na cozinha. Os mimos não param

por aí: uma torneira de chope, a Uber Beer, embala o happy hour do time.

No Brasil, o escritório do Rio de Janeiro foi aberto em maio de 2015, instalado num prédio

com vista espetacular para a praia de Ipanema. Felippo, que tem 30 anos, mas cara de quem saiu da

universidade, comanda uma equipe de 10 pessoas no escritório do Rio. O diretor de comunicação da

empresa, Fábio Sabba, costuma dizer, em tom de brincadeira, que eles têm uma vida cheia de

obstáculos, mas todos costumam conversar sobre tudo que é pertinente ao Uber. A idade média da

equipe não passa de 30 anos, todos com background parecido: ótimos títulos acadêmicos; são

experientes e, quando não chegam direto da universidade, vêm de outras empresas de tecnologia.

Felippo fundou uma empresa aos 20 anos; Letícia Mazon, 28 anos, veio da prefeitura de São Paulo e

trabalha com Fábio na comunicação; Daniel Mangabeira, diretor de políticas públicas, passou pela

Global Health Strategies, pela UK Trade and Investment e trabalhou para o governo britânico. Todos

conhecem a legislação de transportes e os mínimos desdobramentos do que está acontecendo com o

serviço, mundo afora. Mesmo nos finais de semana, conectam-se pelo WhatsApp para trocar ideias e

informações.

Avaliada como uma das startups mais bem-sucedidas do globo, em junho de 2016, o valor de

mercado da Uber foi estimado em US$ 62,5 bilhões. A empresa tem milhares de funcionários,

dezenas de milhares de motoristas parceiros e já conquistou mais de 300 cidades, em 58 países.

Kalanick é o rosto da empresa, ele costuma estar presente nas festas de lançamento. O CEO

tem lutado e se envolvido, publicamente, nas questões legais enfrentadas pela empresa, usando cada

oportunidade para mostrar a marca Uber ao público. Além disso, a Uber tem recebido apoio de

celebridades, que estão ajudando a construir a imagem do "motorista particular on-demand", mais

acessível.

Liderada por uma equipe de gestores jovens com ambições de crescimento global, o modelo

combativo adotado pela Uber tem causado conflitos com governos, violações de privacidades de

dados e ameaças reais à segurança de seus motoristas. Tantos problemas têm colocado a reputação

da empresa em risco. Uma boa reputação pode trazer uma série de benefícios; uma má reputação, por

outro lado, pode levar a perda de clientes, funcionários desmotivados e desengajados, e, pior, a

insatisfação dos acionistas.

Além disso, o modelo de negócio da Uber é visível e fácil de ser copiado. Os investidores,

responsáveis pela valorização bilionária da empresa, costumam ser sensíveis a qualquer interrupção

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de desempenho no crescimento. Ah, e seus empregados – particularmente os seus funcionários mais

valiosos – costumam ter outras alternativas de emprego. Com tudo isso, esses jovens gestores estão

concluindo que a última coisa que precisam enfrentar são conflitos de qualquer ordem.

Em fevereiro de 2015, Derek van Bever, conferencista sênior da Harvard Business Review

(HBS), falou sobre a aparente mudança na cultura e estratégia da Uber. "O fato é que todos estão

surpresos com a atitude conciliatória da empresa, pronta para colaborar com os governos locais,

informando o número de carros que estão conseguindo retirar das ruas, calculando sua contribuição

para sustentabilidade da cidade, e desenvolvendo ações para assegurar a privacidade dos dados dos

motoristas."

Ao saber desses fatos, Paes teve dúvidas sobre a conduta dos gestores da Uber. Até então, a

estratégia adotada pela empresa testou os limites da legislação que regulamentava os serviços de

transporte nas principais cidades onde se instalou. Será que eles realmente conseguiriam abraçar

novos valores e habilidades?

Nem tudo gira em torno do smartphone

Desde o início, a Uber não queria ser vista como um táxi ou uma típica empresa de serviço de

transporte particular. Usou uma "estratégia de entrada barulhenta" e a descontinuidade tecnológica

para encontrar um nicho num mercado mundial bilionário. Reconheceu a crescente frustração que

muitos clientes tinham com a indústria de táxi e percebeu a incompetência técnica das empresas

então estabelecidas.

Além disso, entendeu o crescente mercado de consumidores que tem usado smartphones e

aplicou as habilidades e capacidades de inovação tecnológica de seus funcionários para desafiar uma

indústria de transporte estagnada, o que deixou as empresas estabelecidas vulneráveis à experiência

Uber.

Mais do que aplicativo móvel que utiliza o serviço de geolocalização disponibilizado pelos

smartphones de passageiros e motoristas, a plataforma criada pela Uber pretendeu atender um novo

modelo organizacional, baseado na economia compartilhada. Trata-se de um modelo híbrido,

empresa-mercado, concebido para fornecer serviços de marca, sem realmente empregar os

prestadores ou possuir os ativos utilizados na prestação desses serviços. O modelo de negócio da

Uber quase se parece com uma franquia digital, embora envolva uma delegação muito maior de

propriedade e controle por parte dos fornecedores. Assim, a Uber não conta com frota própria nem

motoristas contratados. Os motoristas são chamados de parceiros e dirigem seus próprios veículos,

que precisam ser relativamente novos e padronizados por modelos. Normalmente são estudantes,

aposentados e profissionais autônomos que usam a plataforma para complementar a renda. Depois

de cadastrados, os parceiros recebem um treinamento de algumas horas e estão qualificados para

aceitar corridas.

Antes de solicitar a primeira viagem, o passageiro deve fazer o download do app,

gratuitamente, preenchendo um cadastro com informações pessoais e de pagamento, depois basta

usar o aplicativo para pedir um carro. Por meio da localização do GPS, o Uber encontra e aciona o

motorista mais próximo, que também está utilizando o app no seu smartphone. A cobrança é feita

automaticamente, uma vez que as informações do cartão de crédito do passageiro foram registradas

quando ele realizou o cadastramento. O modelo de remuneração praticado pela empresa varia de

cidade para cidade, além de considerar as diferentes modalidades de serviços oferecidos. Por

exemplo, hoje, na cidade do Rio de Janeiro, a Uber fica com 25% do valor da corrida realizada no

Uber X e 20% no Uber Black, e os motoristas, com 75% ou 80%, dependendo do carro

disponibilizado. Tanto o motorista quanto o passageiro são avaliados após cada corrida, o que

institui um ranking de qualidade.

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Desse modo, a tecnologia embutida na plataforma pode ser dividida em dois componentes: a

tecnologia app para os consumidores e a tecnologia de cálculo da demanda para a empresa. A

tecnologia do app usa o GPS do passageiro para exibir um mapa de todos os carros Uber disponíveis

na área. A Uber calcula o motorista mais próximo e traça o seu tempo de chegada.

A empresa emprega algoritmos de previsão e mapas do tráfego em tempo real, para prever a

demanda esperada, em diferentes momentos do dia. Analisa quantas vezes o aplicativo é aberto e

onde os usuários estão localizados, para gerenciar o fornecimento de carros e a demanda. Outra

função do gerenciamento, chamada pela empresa de "visão de Deus", exibe, em tempo real, todos os

motoristas Uber ativos e as solicitações pendentes dos usuários, para assegurar a qualidade do

serviço. Além disso, criou um grupo altamente especializado que inclui um físico nuclear, um

neurocirurgião computacional e um especialista em inteligência artificial com a função de prever a

demanda para os motoristas, adequar a oferta com a demanda e, em seguida, posicionar os carros

onde a demanda acontecerá. Todo o departamento de matemática tem como foco minimizar os

tempos de atendimento aos passageiros e maximizar a utilização dos carros.

Mas as ambições da Uber não param por aí. Uma das inovações da empresa foi o

estabelecimento do preço dinâmico. Em horários de pico, chamar um carro num local de demanda

intensa pode custar muito mais caro. Com essa iniciativa, a empresa tem conseguido estimular os

motoristas a realizar corridas. Por outro lado, nessas ocasiões, as implicações negativas da

precificação dinâmica são ampliadas, quando passageiros insatisfeitos reclamam nas mídias sociais

sobre as tarifas abusivas. Atenta à insatisfação de seus clientes, recentemente, a empresa propôs um

valor de preço máximo a ser cobrado quando o preço dinâmico estiver ativo. Desse modo, em

ocasiões de alta demanda, o aplicativo informa, previamente, o valor máximo a ser cobrado pela

viagem para que o passageiro avalie se concorda com a tarifa majorada.

A empresa também tem acumulado nos seus servidores informações sobre horários de pico,

padrões de tráfego e de demanda, que poderão ser utilizadas na oferta de serviços logísticos.

E, pensando num futuro não muito distante, está investindo no desenvolvimento de carros

autônomos, em parceria com a Universidade Carnegie Mellon.

"Nossa!", gritou Paes, "Se os taxistas estão reclamando da Uber agora, nem imagino o que farão

daqui a 10 anos".

Um novo paradigma econômico

Após décadas de exaltação do consumo, um novo comportamento tem sido observado. Questões

climáticas têm exigido eficiência no uso de recursos com economia de matérias-primas, utilizando

fontes de energia limpa e autossustentáveis. As pessoas que já tiveram acesso aos bens por um longo

período e perceberam que a felicidade não está na posse deles buscam, agora, resgatar o sentimento

de comunidade, em detrimento da relação pessoa-coisa. Comportamentos como esses têm originado

a chamada economia do compartilhamento – uma evolução do consumo colaborativo que tem

motivado negócios disruptivos e, ao mesmo tempo, ameaçado as empresas que trabalham nos

moldes tradicionais. Tais mudanças vêm impactando alguns setores tradicionais, como o de hotelaria,

com o Airbnb, e o de táxi, com o Uber.

Do mesmo modo que a economia compartilhada traz ameaças, também propicia

oportunidades. Segundo projeções da consultoria PwC, esse novo modelo pode chegar a faturar

cerca de US$ 335 bilhões até 2025. Para Tomás de Lara, do Ouishare, comunidade global de

promoção da economia colaborativa, "O capitalismo está sofrendo uma transição para um modelo

mais consciente, que tem em seu cerne o conceito da sustentabilidade e da relação de respeito.

Muitas empresas vão se adaptar ao entender o espírito do momento, em que a reputação se torna

mais importante que o crédito".

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Nos países pós-industriais com IDH elevadíssimo, como a Alemanha, as plataformas para

compartilhamento de carros, bicicletas e outros bens têm se tornado comuns. Nesses lugares, onde a

maior parte da população já teve acesso a todos os bens, tem sido mais simples a mudança de

paradigma. No Brasil, os bancos Bradesco e Itaú investiram em plataformas de compartilhamento de

bicicletas.

A Coursera, iniciativa da Universidade Stanford, fundada pelos professores de ciência da

computação Andrew Ng e Daphne Koller, permitiu que alunos de todo o mundo tivessem acesso

gratuito à educação de qualidade, por meio de aulas ministradas virtualmente. A plataforma

estabeleceu parcerias com várias universidades de referência, além de contar com a colaboração de

usuários, que legendam voluntariamente os vídeos para as diversas línguas faladas pelos alunos, ou

mesmo estudam em conjunto. Em janeiro de 2014, já haviam sido feitos mais de 22 milhões de

inscrições na plataforma, incluindo estudantes de 190 países. A rentabilização tem se dado por meio

de doações e da venda de certificados de conclusão de curso. Desse modo, as universidades ganham

ao alcançar estudantes que nunca teriam acesso às suas aulas.

A transformação digital parece ser um caminho sem volta. Compartilhar bicicletas, carros e

até conhecimento são reivindicações genuínas de uma sociedade cada vez mais conectada,

colaborativa e com um sentimento de sustentabilidade maior.

Prós e contras

Paes percebeu que seria impossível olhar a questão apenas sob uma perspectiva econômica,

ou mesmo legal. O fenômeno Uber pareceu-lhe mais abrangente do que uma simples disputa entre os

interesses da empresa e dos taxistas. Nesse caso, seria preciso considerar outros atores, como os

usuários de táxi, os passageiros de outras modalidades de transporte público, o poder público e,

principalmente, os usuários e os motoristas que utilizam a plataforma.

Embora tanto o Uber quanto o táxi utilizem carros para transportar pessoas, a maneira como

fazem isso é distinta, com vantagens e desvantagens observadas em cada serviço.

O táxi está previsto em lei, que vigora desde 1969. Por ser novidade, o serviço oferecido pelo

Uber ainda não foi regulamentado. Para motoristas de táxis, sindicatos e autoridades das cidades do

Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, o serviço viola a legislação vigente. Para

especialistas em direito do consumidor, tem sido uma questão de interpretação da lei.

No exterior, a Uber tem sido alvo de processos judiciais e chegou a ser proibida na Espanha,

França e Alemanha. As autoridades desses países contestam, de modo geral, como os motoristas são

pagos, o modelo de cobrança dos passageiros, a segurança e a responsabilidade da plataforma e,

principalmente, a concorrência com os taxistas, uma vez que os motoristas da Uber não arcam com

os custos de licenciamentos requeridos para atuar como transporte público de uso privado.

A Secretaria Municipal de Transportes do Rio informou que todos os táxis passam por

vistorias, em que são verificadas as condições do veículo, além da sua documentação e a dos taxistas.

Entretanto, nas capitais brasileiras, o número de motoristas de táxi costuma ser o dobro do de alvarás,

o que comprova o compartilhamento das permissões. Além disso, uma média de cinco pessoas por

dia procura a Secretaria reclamando de itens que vão de cobrança indevida a mau comportamento

dos motoristas. De 1º de janeiro a 15 de junho de 2015, a secretaria recebeu 926 queixas de usuários.

As reclamações mais comuns costumam ser de taxistas que recusam corridas, não param quando

solicitados, ignorando filas de passageiros nas calçadas, ou que dirigem e falam ao celular ao mesmo

tempo ͯ ͮͮ ͮ.

Os motoristas cadastrados no Uber não precisam adquirir nenhum tipo de licença nem pagar

pelo uso de um ponto físico. Isso tende a inibir a corrupção e a formação de grupos que se

beneficiam atuando como intermediários. Os candidatos a motoristas do Uber, antes de serem aceitos,

precisam comprovar que não têm antecedentes criminais. Também aprendem práticas de direção

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Stefania Dargains

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segura e boas maneiras, como abrir e fechar as portas para os passageiros, perguntar se o som ou o

ar-condicionado incomodam, não falar demais e manter o carro limpo. Porém, em 24 de fevereiro

deste ano, uma passageira em Nova Deli foi estuprada por um motorista do serviço; logo após, a

ferramenta começou a ser banida em diversos países.

Para impedir a atuação da Uber no Brasil, a prefeitura do Rio se apoia na Lei n. 12.468/2011,

que determina ser de atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor

para o transporte público individual remunerado de passageiros. Mas, na primeira semana de agosto

deste ano, a comissão de trânsito da OAB-RJ informou à Câmara Municipal parecer final, admitindo

que o trabalho dos motoristas do Uber é garantido na Constituição. De acordo com Armando de

Souza, presidente da comissão, o artigo 1º da Constituição diz que os valores sociais do trabalho e da

livre-iniciativa são garantidos ao cidadão. E o inciso 13 do artigo 5º instituiu que é livre o exercício

de qualquer trabalho ou ofício, se forem atendidas as qualidades profissionais que a lei estabelece.

Em agosto deste ano, o Ministério Público do Rio de Janeiro negou pedido da prefeitura para

iniciar ação contra a atividade da empresa no Estado. Em Brasília, o Conselho Administrativo de

Defesa Econômica (CADE) está analisando duas representações, uma contra e outra a favor da Uber.

Sobre a relação da Uber com seus fornecedores relevantes (os motoristas parceiros), Arun

Sundararajan, professor na NYU Stern School of Business, comentou que "a empresa tem mantido

sua plataforma distante de seus parceiros, mudanças de preços têm sido implementadas de forma

centralizada e anunciadas unilateralmente, sem consultá-los. Em abril deste ano, os motoristas Uber

tentaram fazer uma greve coordenada em várias cidades, opondo-se ao aumento das taxas de

comissão e taxas de equipamentos. Além disso, a Uber tem concedido empréstimos aos motoristas

para compra de automóveis, mas eles têm tido dificuldades para reembolsá-los. Os pagamentos são

autodeduzidos dos lucros dos motoristas". De acordo com o professor, trata-se de uma gestão que

tem bloqueado esses motoristas em sua própria plataforma, estabelecendo uma cultura de controle.

Sundararajan foi usuário Uber por quase dois anos, e disse ter gasto milhares de dólares com

o serviço. Segundo ele, em 2013, seus motoristas eram felizes e otimistas, diziam como a plataforma

tinha lhes dado poder, libertando-os do favorecimento de despachantes nos pontos e nas

estações. Dois anos depois, seus motoristas raramente se colocavam como microempresários

capacitados; em vez disso, pareciam cansados, pessimistas e com medo de avaliações negativas; de

alguma forma, reminiscentes de uma força de trabalho sob vigilância.

Avaliando as opções

Parece que o Uber se transformou num dilema global para nosso prefeito digital. Diante dessa

mudança disruptora, ao ponderar sobre as informações levantadas e implicações para os principais

afetados pelo aplicativo, o prefeito deveria incentivar ou combater a atuação da Uber na cidade do

Rio de Janeiro?

Page 34: FGV EAESP - GVcasos . 2ª Edição 2016

Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 15

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c15

MUMBUCA: A PRIMEIRA MOEDA SOCIAL DIGITAL DO BRASIL

Mumbuca: the first digital social currency in Brazil

ADRIAN KEMMER CERNEV – [email protected]

Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,

Brasil

BRUNA AUAD PROENÇA – [email protected]

Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,

Brasil

Submissão: 12/05/2016 | Aprovação: 19/09/2016

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Resumo

Este caso tem como contexto a criação do banco comunitário e de sua moeda social, mumbuca, na

municipalidade de Maricá-RJ. A mumbuca foi a primeira moeda social inteiramente digital criada no

País. O caso aborda questões relacionadas a governança do projeto, modelos de negócio,

replicabilidade de modelo e transferência de know-how, tecnologia da informação, inovações sociais

e geração de valor. Essas e outras questões são discutidas à luz de conceitos como economia

solidária, impacto social, inserção financeira e desenvolvimento local. O caso intenciona também

discutir a introdução de inovações tecnológicas como mobile payments e mobile money.

Palavras-chave: tecnologia de informação e comunicação, moeda social, microfinanças

Abstract

The context of this case is the creation of the community bank and its social currency, Mumbuca, in

the municipality of Maricá-RJ, Brazil. The Mumbuca was the first entirely digital social currency

created in the country. The case addresses issues related to project governance, business models,

replicability and know-how transfer, information technology, social innovation and value creation.

These and other issues are discussed in the light of concepts such as solidary economy, social

impact, financial inclusion and local development. The case also aims to discuss the introduction of

technological innovations such as mobile payments and mobile money.

Keywords: information and communication technology, social currency, microfinance

Introdução

Joaquim Melo acordou inquieto. Não sabia dizer ao certo se estava ansioso ou animado com

a reunião que aconteceria mais tarde, naquele mesmo dia, na prefeitura da cidade de Maricá.

Reuniões quinzenais já eram rotina do projeto, mas, naquela primeira semana de agosto de 2014,

seria decidido o futuro do Banco Comunitário Mumbuca.

Melo é educador popular, líder comunitário e teve sua trajetória marcada pela criação do

primeiro banco comunitário brasileiro, o Banco Palmas, localizado na periferia da cidade de

Fortaleza. Imbuído de princípios de economia solidária, Melo buscou e criou alternativas locais que

garantissem o acesso da população de baixa renda a serviços financeiros. Com sua ajuda, os

conceitos de banco comunitário e moeda social se expandiram pelo território brasileiro, alcançando

populações que antes não tinham recursos e mecanismos para participar da economia local.

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Por demanda da prefeitura da cidade de Maricá, no estado do Rio de Janeiro, Melo se dedica

há dois anos quase que integralmente ao projeto de criação do Banco Comunitário Mumbuca, com

estabelecimento da primeira moeda social digital do País. O projeto tem sido desafiador, e muitas

decisões estratégicas ainda precisam ser tomadas, as quais moldarão seu futuro e o próprio benefício

entregue àquela população de baixa renda. Ao mesmo tempo, outros projetos e atividades também

requerem seu envolvimento e dedicação.

Impasses da inclusão financeira

Um entre os vários fatores que contribuem para o aprofundamento da pobreza de uma

sociedade é a falta de ou acesso limitado da sua população mais pobre ao sistema financeiro formal.

Os serviços financeiros tradicionais muitas vezes são caros e não atendem as reais necessidades

dessa população, e isso acaba por incentivar o surgimento de alternativas financeiras diversas,

formais e informais.

Segundo dados do IBGE, a população economicamente ativa (PEA) em 2014 era de

aproximadamente 110 milhões de brasileiros, ou seja, mais da metade de toda a população nacional.

No mesmo período, o número de contas bancárias ativas, com CPF único, ou seja, de brasileiros com

acesso a contas bancárias no País, era de aproximadamente 65 milhões. Apesar de não se poder fazer

uma comparação direta entre esses números, por existirem pessoas não economicamente ativas que

possuem contas-correntes, entende-se que uma parcela significativa da PEA, representando milhões

de brasileiros, não possuía acesso a contas bancárias ou a qualquer serviço financeiro formal.

Um desafio a superar em relação à inclusão financeira é o acesso aos serviços financeiros

básicos, incluindo desde contas-correntes até crédito produtivo. Muitos pequenos produtores não

conseguem acesso a linhas de crédito, por apresentarem renda insuficiente ou mesmo não terem

histórico para tomada de decisão. Afinal, nem ao menos têm uma conta-corrente em um banco!

Tal dificuldade impede que o indivíduo seja um agente direto na economia local. De fato, se

tivesse acesso a crédito, ele poderia exercer o duplo papel de produtor e consumidor, claramente

contribuindo para impulsionar a economia e reduzir a pobreza local.

Portanto, o crédito produtivo para o público de baixa renda não deve ser entendido

meramente como mais um produto financeiro no portfólio dos agentes tradicionais, porém um

instrumento capaz de promover o desenvolvimento econômico.

Microcrédito e inclusão financeira

Microcrédito pode ser orientado para consumo ou para atividades produtivas. O microcrédito

produtivo permite que o público, muitas vezes de baixa renda, inicie atividades que gerem renda, daí

sua importância para o desenvolvimento. Segundo o Banco Central do Brasil, a indústria de

microfinanças praticamente não existia até 1994.

“Microcrédito é a concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos

empreendedores informais e microempresas sem acesso ao sistema financeiro

tradicional, principalmente por não terem como oferecer garantias reais. É um

crédito destinado à produção (capital de giro e investimento) e é concedido

com o uso de metodologia específica.”1

O microcrédito pode ser considerado uma forma de democratizar o acesso ao sistema

financeiro, na medida em que possibilita a microempreendedores transformar em realidade seus

próprios negócios, sendo uma ferramenta importante em várias dimensões do desenvolvimento. Para

receber o microcrédito, empreendedores e empreendimentos passam por avaliações,

1 Barone, F. et. al. (2002). Introdução ao microcrédito. Recuperado de Banco Central do Brasil:

www.bcb.gov.br/htms/public/microcredito/microcredito.pdf

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acompanhamento e sistemas de garantias para evitar inadimplências, promover a sustentabilidade e

aprimorar seu funcionamento.

A resposta esperada é que muitos cidadãos, até então financeira e economicamente excluídos,

passem a fazer parte da economia local. O Banco Central, em seu Relatório de Inclusão Financeira,

define inclusão financeira como “o processo de efetivo acesso e uso pela população de serviços

financeiros adequados às suas necessidades, contribuindo para sua qualidade de vida” (p. 15).

O que é um banco comunitário

Um banco comunitário é uma organização local que tem por objetivo promover o

desenvolvimento do seu território de atuação, geralmente de baixa renda, por meio de instrumentos e

serviços financeiros, incentivando a produção e o consumo local, assim como a manutenção da

riqueza ali existente em contínua circulação na comunidade.

“Bancos Comunitários são serviços financeiros solidários, em rede, de

natureza associativa e comunitária, voltados para a geração de trabalho e renda

na perspectiva de reorganização das economias locais, tendo por base os

princípios da Economia Solidária. . . Baseia-se no apoio às iniciativas da

economia popular e solidária em seus diversos âmbitos, como: de pequenos

empreendimentos produtivos, de prestação de serviços, de apoio à

comercialização e o vasto campo das pequenas economias populares.”2

O banco comunitário geralmente emerge em uma comunidade insatisfeita com suas

condições sociais, econômicas e/ou financeiras, e que passa a exigir mudanças por parte dos diversos

atores sociais, inclusive governos, na forma de ações e iniciativas que a ajudem a melhorar as

condições de vida dos seus integrantes. Portanto, é a partir da movimentação e cooperação interna

em uma comunidade que um banco de caráter predominantemente social pode emergir. Assim

nasceu, no estado do Ceará, o Banco Palmas, o primeiro banco comunitário do Brasil. Por exigência

do Banco Central do Brasil, o “Banco Palmas” foi proibido de usar a denominação “banco”, por não

fazer parte do sistema bancário formal, sendo, então, constituído juridicamente como Instituto

Palmas. Todavia é conhecido nacional e internacionalmente da forma como é apresentado neste caso.

Para consolidar um projeto dessa natureza, é fundamental ter pessoas capazes e

compromissadas com a mudança social. Porém, essa condição não é suficiente; é preciso também

haver disponibilidade de recursos financeiros para colocar em prática e manter o projeto. Além disso,

faz-se necessária a transferência da metodologia e de instrumentos de gestão para um novo banco

comunitário, algo que a Rede Brasileira de Bancos Comunitários – outra iniciativa com participação

do Banco Palmas – tem por objetivo realizar.

Um banco comunitário opera sob os princípios da economia solidária, incluindo autogestão,

cooperação, consumo solidário e valorização das pessoas.

Moeda social

A moeda social é uma alternativa local à moeda oficial, e tem sido empregada como uma

estratégia bem-sucedida pelos bancos comunitários. Como o próprio nome diz, ela tem caráter social

e busca fomentar a economia em determinada localidade, incentivando o consumo solidário. A

lógica é simples: o uso da moeda social reforçaria comportamentos desejados, como o consumo local

e a manutenção da riqueza em circulação dentro do território de uma comunidade.

2 Instituto Palmas. (2016). O que é um banco comunitário. Recuperado de Instituto Banco Palmas:

http://www.institutobancopalmas.org/o-que-e-um-banco-comunitario/

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A primeira moeda social no Brasil foi o “palma”, criada pelo Banco Palmas e aceita apenas

no Conjunto Palmeira, território de atuação desse banco comunitário. Atualmente, existem mais de

100 moedas sociais em circulação no Brasil. Segundo o próprio Banco Palmas:

“Moeda Social Local Circulante, também chamada de circulante local, é uma moeda,

complementar ao Real (Moeda Nacional – R$), criada pelo Banco Comunitário. O circulante

local objetiva fazer com que o ‘dinheiro’ circule na própria comunidade, ampliando o poder

de comercialização local, aumentando a riqueza circulante na comunidade, gerando trabalho

e renda. Desta forma a Moeda Social torna-se componente essencial nas estratégias dos

bancos comunitários. Os créditos em “reais” podem ajudar no crescimento econômico do

bairro ou município gerando novas riquezas. Mas são as moedas sociais que asseguram o

desenvolvimento ao favorecer que essa riqueza gerada circule na própria comunidade.”3

Criação do Banco Palmas

O Conjunto Palmeira é uma comunidade de cerca de 30 mil habitantes localizada em

Fortaleza-CE, que concentra uma população de baixa renda. No final dos anos 1990, essa população,

insatisfeita com a falta de acesso aos serviços públicos, passou a organizar protestos para pressionar

o governo a fornecer serviços básicos como água, energia e asfaltamento de ruas. O aparente sucesso

dos protestos promoveu, efetivamente, o acesso da população local aos serviços básicos, entretanto

compensado por um contraponto imprevisto: o custo de vida aumentou. De fato, muitas famílias não

tiveram condições financeiras de arcar com os novos custos, sendo forçados a vender suas casas,

abandonar a comunidade e procurar outro lugar para viver.

Em razão do nível crítico de deterioração econômica que a comunidade local

progressivamente atingiu, a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira (ASMOCONP)

redefiniu suas prioridades e começou a buscar estratégias alternativas que levassem à redução dos

riscos sociais que estavam sendo enfrentados. A ideia do microcrédito passou a ser a principal

prioridade, pois viu-se nela uma possibilidade efetiva de fomentar a economia local e contribuir para

a melhoria do nível de vida dos trabalhadores e moradores do Conjunto Palmeira. Assim, o Banco

Palmas foi criado para gerenciar, junto com a ASMOCONP, a nova operação financeira, esta

consistindo na operação de microcrédito.

Em janeiro de 1998, o Banco Palmas recebeu doações de duas ONGs e iniciou suas

operações de microcrédito, dispondo de um capital inicial de R$ 30 mil. Entretanto, as condições

locais, caracterizadas, por exemplo, pela falta de qualificação profissional dos moradores, levaram o

banco a adotar ações de desenvolvimento que alimentassem as atividades produtivas.

Ao contrário de outras metodologias de microcrédito, que focam resultados individuais, o

Banco Palmas criou uma vertente voltada para a geração de renda e desenvolvimento social em uma

base territorial. O foco principal foi o fomento à integração de produtores e consumidores locais,

garantindo que a geração de emprego e o crescimento socioeconômico se restringissem à

comunidade onde o projeto estava sendo implementado.

De modo a garantir que os benefícios econômicos ficassem restritos ao Conjunto Palmeira,

uma característica crucial do modelo de microcrédito do Banco Palmas foi a instituição da moeda

social, com valor definido em paridade com o real, ou seja, cada moeda social palma equivalente a

um real. Essa moeda passou a ser aceita pelos comerciantes e demais estabelecimentos registrados da

localidade, contando com esforços de comunicação e convencimento por parte de todos os

envolvidos com o projeto.

3 Instituto Palmas. (2007). Moeda social. Recuperado de Instituto Banco Palmas:

www.bancopalmas.org.br/oktiva.net/1235/nota/54083

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Enquanto a moeda nacional é aceita em qualquer região do País, a moeda social é aceita

apenas em uma determinada localidade. Dessa forma, a moeda faz prosperar economicamente a

comunidade em que circula, visto que estimula o comércio local ao evitar que os seus moradores

realizem a aquisição de mercadorias e serviços fora daquele território, ou ao menos que minimizem

tais compras. De fato, em muitas comunidades pobres, é bastante comum que os cidadãos saiam dali

para comprar mercadorias em regiões vizinhas, seja em razão do menor custo ou pelo fato de

receberem pagamentos fora do bairro e “virem comprando” desde então, seja por não encontrarem a

mesma disponibilidade no comércio local. Claramente, a oferta de microcrédito e a presença da

moeda social auxiliam o crescimento e fortalecimento da economia local.

O modelo de banco comunitário, desenvolvido pelo Banco Palmas, foi inovador ao articular

ambas as estratégias de inserção financeira: microcrédito e moeda social.

Replicação do modelo

O Instituto Palmas foi criado como uma organização para disseminar o conhecimento e as

práticas do banco comunitário, ao mesmo tempo servindo de instrumento para o estabelecimento

legal de parcerias com outras instituições. Nesse sentido, o Instituto Palmas realiza parcerias com

governos e bancos comerciais de modo a replicar seu modelo de inclusão financeira.

Em 2005, firmou-se uma parceria com a Secretaria Nacional para Economias Solidárias

(Senaes) e, em 2006, outra, com o Banco do Brasil. Isso permitiu a disseminação do modelo de

banco comunitário para outros distritos e municípios, alcançando a marca de 13 novos bancos

comunitários já no final de 2006 e, assim, multiplicando as operações de microcrédito.

Em maio de 2013, o Instituto Palmas participou da criação da Rede Brasileira de Bancos

Comunitários, cujo objetivo era replicar o modelo de banco comunitário para outras localidades no

País. De acordo com a rede, foram movimentados R$ 18 milhões em crédito produtivo e R$ 600 mil

por meio de moedas sociais somente no ano de 2013. Naquele ano, já existiam mais de 100 bancos

comunitários em todo o Brasil.

Criação do banco comunitário em Maricá-RJ

Maricá situa-se no litoral do estado do Rio de Janeiro, a 63 km da capital, possui um território

aproximado de 362 km2 e mais de 140 mil habitantes. Nunca teve um banco comunitário e, portanto,

experiência com moeda social no município. Em razão de ser uma localidade inserida na região de

exploração de petróleo, o município passou a receber os respectivos royalties, e o governo local

optou por uma utilização de modo a fomentar o desenvolvimento econômico daquela localidade.

O modelo de atuação baseado em economia solidária, propagado pelo Instituto Palmas,

pareceu ser uma opção eficaz para beneficiar famílias de baixa renda, e, assim, o governo local

decidiu buscar um parceiro para auxiliar na implantação de um banco comunitário no município.

Após licitação pública, foi firmado um contrato entre a municipalidade de Maricá e o próprio

Instituto Palmas, dando início, então, às atividades do Banco Mumbuca.

Diferentemente do observado no Conjunto Palmeira, em que a população local insatisfeita

provocou a criação de um banco comunitário, verifica-se em Maricá uma diferença significativa no

modo como se deu o surgimento desse novo banco comunitário: a iniciativa partiu da própria

prefeitura local.

A decisão foi de criar uma moeda social local, viabilizada na forma de um cartão magnético

de débito, e fomentar a política de incentivo e desenvolvimento por meio tanto da transferência de

renda condicionada para beneficiários de baixa renda quanto pela posterior oferta de microcrédito

produtivo para empreendedores locais. Dessa forma, tanto o lado do consumo quanto o lado da

oferta seriam abrangidos por essa mesma política pública. A moeda social digital recebeu, então, o

mesmo nome do banco, mumbuca (vide Anexo 1). Curioso notar que, até o momento em que este

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caso foi redigido, o Banco Mumbuca não possuía logotipo próprio, sendo veiculadas as marcas da

prefeitura e do instituto gestor.

A prefeitura de Maricá estimava que 13 mil famílias viviam em situação de pobreza no

município e, até junho de 2014, um total de 7.576 cartões já havia sido distribuído com o objetivo de

combate a essa condição. A meta era alcançar 20 mil cartões distribuídos, ou seja, famílias elegíveis

até 2016. O critério para receber esse benefício era ter uma renda familiar de até um salário mínimo.

Com relação à concessão de microcrédito produtivo, existia grande interesse da prefeitura de

Maricá em antecipar a oferta desse serviço ainda no início do segundo semestre de 2014. Contudo,

tal decisão enfrentaria desafios técnicos e operacionais sob gestão do Instituto Palmas, como: a

transferência e adequação da metodologia de concessão de crédito de um banco comunitário local

para o contexto municipal mais abrangente do Banco Mumbuca; a qualificação de uma equipe

técnica para novas atividades financeiras; a identificação e capacitação de possíveis líderes

comunitários para assumir a gestão do banco de abrangência municipal; entre outros.

Tais desafios parecem ser paradoxais, uma vez que a força do “comunitário” está justamente

em se conhecer suficientemente os membros da comunidade de tal forma a se ter condições de tomar

as melhores decisões considerando o indivíduo no contexto local. Contudo, ao transpor essa

dimensão para o “municipal”, perde-se conhecimento aprofundado do indivíduo na comunidade, que

é parte importante da metodologia de um banco com caráter comunitário.

Sob outra perspectiva, o caso de Maricá representou um modelo de banco comunitário

inédito, integrando um novo tipo de moeda social totalmente baseado no dinheiro digital, ao

contrário de outras moedas sociais, baseadas em papel-moeda, que apresentam problemas inerentes

ao meio físico, como desgaste, falsificação, custos de produção e substituição, e outros.

A inserção do dinheiro digital foi uma escolha inovadora com aceitação relativamente rápida

em Maricá, uma vez que a transferência de dinheiro via cartões já existe em outros meios e

iniciativas, como no pagamento do Programa Bolsa Família, também orientado para a população de

baixa renda.

Como funciona

A atuação do banco comunitário com o apoio do município fez do Mumbuca um caso

original. A inserção de uma moeda social digital é, também, única e inovadora, constituindo-se em

instrumento de grande dinamismo e potencial para promover a mudança desejada naquela localidade.

Uma importante parcela da população recebe o cartão Mumbuca, que, na prática, é um cartão

de débito pré-pago no qual é depositado mensalmente um crédito de 70 mumbucas, equivalentes a

exatos R$ 70,00. Está previsto um aumento desse valor para 140 mumbucas em um futuro próximo.

O cartão pode ser usado somente nos locais comerciais registrados dentro do município. Para esse

esquema funcionar a contento, é necessária uma infraestrutura para a disponibilização e leitura dos

cartões, bem como a ativa participação do governo da cidade, responsável por injetar o dinheiro no

sistema. Além disso, é muito recomendável que os beneficiários também tenham acesso a cursos e

atividades ligadas à educação financeira e inclusão social, oferecidos pela prefeitura e pelo banco

comunitário.

Uma vez credenciados, os empreendimentos recebem uma máquina de captura de transações

por cartão (POS) para registro das compras realizadas com mumbucas e, ao final do mês, aos

comerciantes é pago o valor referente à entrada de caixa em moeda social digital. Desse total, 3%

são descontados para custeio do sistema, tal como praticado na gestão de cartões de crédito e débito

tradicionais. O comerciante não paga pelo credenciamento ou instalação do primeiro POS. Caso o

comerciante precise de uma segunda máquina, o valor cobrado por ela é de R$ 35,00 mensais. Até

meados de 2014, já estavam credenciados 104 estabelecimentos no município, entre eles mercados,

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farmácias, peixarias, distribuidoras de água e gás, e materiais de construção. Existe a expectativa de

aumentar ainda mais essa rede de comerciantes credenciados.

Essa rede de POS é exclusiva para o projeto Mumbuca, ou seja, não permite passar outros

cartões de crédito ou débito. Da mesma forma, o cartão Mumbuca não é aceito nas redes tradicionais

de captura de transações comerciais, tais como Cielo, Rede e GetNet.

Na topologia dessa moeda social digital, existe uma empresa “adquirente” que administra a

rede de captura de transações por cartões (POS) e sistemas de informação da moeda mumbuca. Essa

empresa, de médio porte, está sediada em Brasília-DF, tem escritório e equipe técnica na cidade do

Rio de Janeiro e é responsável pelo cadastramento de novos estabelecimentos comerciais no

município. Na prática, tal empresa detém e opera todas as informações necessárias para a gestão da

moeda social, repassando-as periodicamente para o Banco Mumbuca. O envolvimento da empresa

“adquirente” ocorreu anteriormente à contratação do gestor Instituto Palmas nesse projeto.

Possíveis problemas

Um dos possíveis problemas enfrentados pelo projeto está na sua aceitação pela população

local, principalmente por novos comerciantes. Alguns comerciantes se declararam céticos com

relação à perenidade dessa iniciativa. Outros a criticam por ter suposta conotação político-

assistencialista.

Alguns donos de estabelecimentos já cadastrados reclamam da demora para o dinheiro ser

depositado em conta-corrente, pois, para os beneficiários, o Mumbuca funciona como um cartão de

débito, contudo, para os comerciantes, seria equivalente a um cartão de crédito. Portanto, um atraso

nesse recebimento atrapalharia o fluxo de caixa e os pagamentos do estabelecimento, que, em sua

maioria, são de pequeno e médio portes. Inicialmente, o prazo para recebimento era de 30 dias.

Posteriormente, foi aventada a redução desse prazo para 15 ou mesmo 7 dias, contudo essa redução

ainda não foi efetivada, em função das restrições contratuais entre os agentes desse ecossistema.

Problemas tecnológicos decorrentes do mau funcionamento de algumas máquinas de captura

de transações por cartão (POS), e eventual necessidade de troca de cartões dos beneficiários, também

podem ocorrer na operação cotidiana. Quando há necessidade de troca do POS, a responsável pela

troca é a empresa adquirente. Quando o cartão do beneficiário apresenta problemas, o Banco

Mumbuca deve providenciar a troca.

Por vezes, o problema técnico está relacionado com a instabilidade da rede de

telecomunicações de dados móvel (conexões de dados via GPRS ou EDGE) no POS, porém nem o

comerciante nem o beneficiário conseguem determinar a origem do problema, remetendo-o

erroneamente para o Banco Mumbuca como POS ou cartão danificado, ou simplesmente como

“problema no sistema”.

Do ponto de vista econômico, verifica-se que a moeda social mumbuca tem um ciclo de vida

bastante curto. Desde a injeção de recursos pela prefeitura e recebimento por parte dos beneficiários,

a moeda segue diretamente até o comércio local, quando é “resgatada” na consolidação das vendas

do período pelo comerciante. O pagamento aos comerciantes é feito via depósito na conta-corrente

em um banco tradicional, ou seja, em moeda nacional (real). Em outras palavras, a moeda social não

circula continuamente, mas tem apenas um único ciclo de vida.

Apesar da boa receptividade e rápida adoção do cartão Mumbuca por parte dos beneficiários,

foram registrados muitos casos de cancelamento automático do cartão por questões de segurança,

ocasionados quando os usuários utilizavam os serviços de consulta e alteração de senha via website.

Em outras palavras: em busca de informações sobre seus gastos e saldos, ou procurando aprimorar a

segurança das suas compras, o sistema acabava por bloquear cartões daqueles beneficiários, sendo

necessária uma relativamente demorada remissão. Aparentemente, o problema estava no próprio

sistema on-line, que ensejou a troca de algumas centenas de cartões, sendo posteriormente

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contornado. Todavia, isso acarretou uma percepção negativa de segurança e, principalmente,

confiança em todo o sistema eletrônico por parte daqueles e de outros usuários que souberam do

problema.

Possíveis desdobramentos

A prefeitura de Maricá demonstra expressivo interesse na evolução do projeto Mumbuca,

demandando continuamente o incremento ou a antecipação de novos serviços com benefício para a

população do município. Entre os projetos atualmente idealizados pela prefeitura, estão o “bolsa

peixe” e o “material escolar”, ambos a serem implementados na mesma plataforma tecnológica do

cartão Mumbuca. O primeiro envolveria a comercialização de pescados sem intermediários de

pescadores para os beneficiários de baixa renda, ajustando um preço competitivo para ambas as

partes por eliminar intermediários; o segundo envolveria o pagamento de um valor suficiente para

aquisição do material escolar pelo aluno da rede escolar no comércio do próprio município,

novamente com a intenção de manter os recursos em circulação naquela localidade.

Apesar de ser a primeira moeda social digital, de fato, o Mumbuca inicia sua operação como

uma bolsa concedida pela prefeitura local para beneficiários de baixa renda, via cartões magnéticos

ainda sem a tecnologia de chip. Essa decisão tecnológica implica uma construção topológica

específica, com o estabelecimento de uma rede com máquinas de captura de transações por cartão

(POS), gerida por uma empresa adquirente terceirizada. Sabendo-se que expressiva parcela da

população brasileira já possui acesso à telefonia móvel, incluindo o público de baixa renda, um

modelo alternativo poderia considerar a gestão da mesma moeda social digital via redes de

telecomunicações móveis e celulares dos próprios usuários – o chamado mobile money.

O próprio Banco Palmas criou e promove o Palmas E-Dinheiro, plataforma de mobile

payments & money que funciona em qualquer telefone celular, com ou sem acesso à internet e sem

restrição de operadora. A plataforma pode ser usada para diversas finalidades, entre elas: pagamento

na rede comercial local, pagamento de contas e de serviços públicos, como transporte coletivo. O E-

Dinheiro iniciou sua operação no Conjunto Palmeira, em Fortaleza, mas já foi implantado em outros

bancos comunitários no País (Cernev, 2015).

Um modelo tecnológico alternativo poderia simplificar a atual topologia do projeto ao

eliminar a rede de POS, sua manutenção e até mesmo a empresa adquirente terceirizada (e custos

associados), todavia poderia aumentar a complexidade tecnológica e magnitude do projeto para os

atuais gestores. Além disso, inovações tecnológicas complexas envolvendo serviços financeiros

podem, eventualmente, ter um processo de adoção pelos usuários menos rápido do que por meio dos

conhecidos cartões magnéticos. Por outro lado, casos de sucesso de mobile payments, especialmente

em países pobres da África – tal como o serviço M-Pesa no Quênia –, comumente alertam para a

existência de grandes oportunidades envolvendo tecnologia e melhoria da qualidade de vida das

populações atendidas.

Decidindo os próximos passos

A reunião daquela semana na prefeitura estava marcada para o período da tarde, porém Melo

foi informado logo cedo de que ela seria antecipada para o fim da manhã, de modo a garantir que

todas as decisões importantes pudessem ser tomadas durante esse dia. Aliás, seria um longo dia, pois

haveria muito a ser discutido.

Em pauta, estavam questões concernentes à perenidade do projeto, com definições

estratégicas para a moeda social e para o banco comunitário. Como encomenda, foi solicitado a Melo

que apresentasse soluções para as principais questões críticas do projeto.

Uma questão crítica dizia respeito à governança do Banco Mumbuca quando o Instituto

Palmas, atualmente gestor contratado, finalizasse seu contrato com a prefeitura. Como se daria, então,

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a governança do banco comunitário, geralmente assumida por lideranças comunitárias locais, mas

que, em Maricá, sequer foram identificadas?

Outra questão dizia respeito aos novos serviços a serem promovidos pelo banco, incluindo a

concessão de crédito a produtores locais, assim como os respectivos aportes da prefeitura, com vistas

ao crescimento da economia local. Deveria o Banco Mumbuca replicar o modelo bem-sucedido de

empréstimos do Banco Palmas, baseado na economia solidária local, com foco no indivíduo em sua

comunidade? Seria esse modelo comunitário o mais adequado em um contexto municipal mais

amplo?

Sabendo que acontecem alguns problemas na operação, que medidas devem ser tomadas para

garantir a funcionalidade do sistema, prevendo uma escala ainda maior de beneficiários? Como a

topologia baseada em cartões poderia ser aprimorada? Seria a transição para um modelo de mobile

money uma alternativa viável para a moeda social mumbuca? Seria o caso de inovar já e

continuamente, antes mesmo de consolidar etapas anteriores?

São, de fato, múltiplas dimensões, as quais remetem a uma questão central: Como deve ser o

modelo de atuação do Banco Mumbuca daqui para a frente? E, considerando que em breve haverá

novas eleições, as decisões pendentes podem ser ainda mais críticas, por envolverem a agenda

política.

Carregando consigo o costumeiro otimismo e boa-vontade, Melo seguiu para a reunião

disposto a obter as definições necessárias para garantir o próximo salto nesse projeto.

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Anexo 1

Uso da moeda mumbuca e POS em estabelecimentos locais

Fonte: Instituto Palmas.

Anexo 2

Plataforma Palmas E-Dinheiro

Fonte: Instituto Palmas.

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Anexo 3

Mapa da rede de bancos comunitários no Brasil

Em 2014, a Rede Brasileira de Bancos Comunitários totalizava 103 bancos comunitários no Brasil.

Fonte: Instituto Palmas.

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Anexo 4

Algumas moedas sociais em circulação

Abaixo são apresentadas algumas moedas sociais em circulação no Brasil. Todas elas existem na

forma de papel-moeda, visto que a primeira moeda social criada exclusivamente na forma de cartão

digital é o mumbuca.

Fonte:

Terra

Economia.

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Anexo 5

Contexto em 2014

2014 foi um ano de eleições para presidente da República, governador, senador, deputados

federais e estaduais. Verificou-se grande agitação e tensão política, com polarizações diversas,

inclusive com relação a programas e iniciativas de caráter social.

Nesse ano, o Programa Bolsa Família beneficiou mensalmente cerca de 14 milhões de

famílias em todo o País. A cada família, em média quatro pessoas eram beneficiadas, o que permite

afirmar que esse programa alcançava 56 milhões de brasileiros.

Após vários anos de crescimento econômico continuado, amparado pelas exportações de

commodities para a China, a economia chinesa desacelerou, influenciando a forte freada de outras

economias, inclusive a brasileira. Ajustes foram feitos em muitos países, porém foram postergados

em outros.

As ações da Petrobras fecharam o ano de 2014 em queda de 37,6% (ações preferenciais) e de

37,9% (ações ordinárias), e a empresa perdeu R$ 87,18 bilhões em valor de mercado, caindo de

R$ 214,69 bilhões para R$ 127,51 bilhões. Os royalties do petróleo pagos aos municípios foram,

consequentemente, impactados por esses resultados.

A cotação do dólar comercial iniciou o ano em R$ 2,40 e finalizou em R$ 2,66.

O País encerrou o ano de 2014 com 280,7 milhões de celulares ativos, com uma densidade de

137 celulares por 100 habitantes. Todos as municipalidades já estavam cobertas com tecnologia

celular por voz e dados, contudo isso não significa que em todos os locais havia disponibilidade de

sinal das operadoras de telecomunicações. As redes 4G de dados já estavam em implantação em todo

o País.

A oferta de aparelhos smartphones era grande, com grande diversidade de recursos e preços,

alguns relativamente baratos no mercado brasileiro, sendo comumente comercializados em múltiplas

prestações para os consumidores.

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Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 16

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c16

SENSO E CONTRASSENSO NO PAPEL DO LÍDER

Sense and countersense in the leader’s role

VÂNIA MARIA JORGE NASSIF – [email protected]

Universidade Nove de Julho – São Paulo, SP, Brasil

TALES ANDREASSI – [email protected]

Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,

Brasil

Submissão: 13/06/2016 | Aprovação: 27/08/2016

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Resumo

Maria Cláudia, proprietária da de uma escola de idiomas, enfrenta um problema decorrente da

contaminação de vírus no site da escola, que poderia causar constrangimentos entre grupos de

alunos, professores e mercado em geral. Ela associa o problema à recente contratação de um

professor, que poderia estar envolvido por apresentar comportamentos não usuais na escola. Após

averiguar a situação e constatar o envolvimento do professor, precisa decidir se o demite

silenciosamente, se o demite e torna pública a situação ou se monitora os computadores da escola e

resolve o problema.

Palavras-chave: líder, estilos de liderança, comportamento, empreendedorismo

Abstract

Maria Cláudia, owner of a language school, faces a problem related to a virus contamination on the

school website. She associates the problem to the recent hiring a teacher, who could be involved due

to its unusual behavior at the school. After checking out the situation and being sure of the

involvement of the teacher, she must decide between firing the teacher silently, firing him and

rendering the issue public, or simply monitoring the school computers and thus solving the problem.

Keywords: leader, leadership styles, behavior, entrepreneurship

O começo do empreendimento No ano de 2005, Gabriel Spinelli Salaro trabalhava em uma escola de franquia como

professor de espanhol. Cansado de uma metodologia engessada para ensinar idiomas, decidiu dar

aulas particulares em seu apartamento. Transformou o seu quarto em uma sala de aula, equipado

com carteiras, televisão e aparelho de DVD, além de uma DVDteca com quase 500 títulos de filmes

e livros para emprestar aos alunos. Como ainda não dispunha de computador e internet, já que era

algo não tão acessível na época, passou a comprar livros de vocabulário, observando a demanda e

necessidades dos alunos.

Gabriel já demonstrava um espírito empreendedor, por diferentes ações, sempre buscando

novas oportunidades, querendo algo original e inovador. Tinha uma inquietação em relação ao

processo de aprendizagem de línguas, acreditando que era possível aprender idiomas de maneira

mais dinâmica e divertida, saindo dos modelos e metodologias tradicionais oferecidos na época.

Queria um ensino de idiomas que motivasse os alunos e que pudesse agregar no seu dia a dia.

Veio, então, a ideia de montar uma escola de idiomas com ênfase no vocabulário técnico,

pois a necessidade mais urgente era por vocabulário de áreas específicas, como direito, secretariado,

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engenharia, logística, turismo, hotelaria, entre outras. Gabriel já lecionava espanhol, francês e

italiano, necessitando de alguém que pudesse suprir a lacuna do inglês. Atendendo ao convite de

Gabriel, Maria Cláudia virou sua sócia.

Nesse meio-tempo, Gabriel estava pensando em um nome diferente para a escola, já que

teria os quatro idiomas, além das aulas de português para estrangeiros. Então, decidiu escolher uma

palavra do idioma esperanto, língua universal, criada em 1887 por Ludwig Lazarus Zamenhof (1859-

1917), oculista e filósofo polonês. A intenção desse filósofo era gerar maior entendimento entre os

povos, e a adoção de uma língua única pela humanidade seria uma solução para a desarmonia entre

as nações. Então surge a palavra “Saluton”, que significa “Olá” em esperanto. E assim, em 2007,

nascia a Escola de Idiomas Saluton.

A criação da Saluton: uma conquista e seu diferencial

Com a necessidade de ter uma pessoa que entrasse como sócia, e a proximidade e

envolvimento visando ao estabelecimento de uma parceria, decidiram formar uma sociedade.

Contudo, os laços entre Gabriel e Maria Cláudia foram se estreitando e, assim por acaso, ou

pelo destino, os dois se apaixonaram e se casaram.

A Saluton começou em um endereço prestigiado no bairro do Gonzaga, Santos, em uma casa

com quatro salas, recepção e equipamentos para dar apoio às aulas. Receberam, inicialmente, seis

alunos, e isso foi o suficiente para dar início à escola. Com o desenrolar de um pequeno negócio

começando, visualizaram a necessidade de dar-lhe um caráter mais profissional, já que a escola

estava crescendo com o boca a boca. O primeiro passo foi contratar uma agência de publicidade para

criar o logotipo, cartão de visita, materiais de papelaria e desenvolver o primeiro folder.

Como a situação financeira ainda não estava consolidada, Maria Cláudia resolveu vender sua

moto Honda Bis, além de dispor de um dinheiro que havia economizado ao longo dos anos, para

arcar com esses primeiros investimentos. Gabriel, sempre muito organizado, deu início ao

planejamento da escola, começando pela secretaria, administração e coordenação da metodologia

dos cursos. O foco principal era dar aulas particulares ou em grupo in-company.

Criaram a missão da escola, que passou a seguir o lema de ensinar línguas de maneira

dinâmica e divertida. O objetivo da escola era o de ensinar algo a mais que um idioma. Ou seja,

oferecer o idioma no contexto do dia a dia, por meio de um vocabulário técnico dentro da área

profissional do aluno. Aos poucos, a Saluton foi crescendo, passando dos seis alunos, em 2007, para

40 alunos, em 2008. E assim foram...

Os insights de uma empreendedora em busca de crescimento

Em 2009, por uma iniciativa e liderança de Maria Cláudia, a Saluton se inscreveu em um

projeto do grupo Pequenas Empresas, Grandes Negócios, chamado Extreme Makeover. Esse projeto

escolhia anualmente, entre os inscritos, três empresas no Brasil que ganhariam suporte tecnológico e

financeiro de duas grandes empresas, como o Itaú e Microsoft, e nesse ano a Saluton foi uma das

escolhidas.

Ao longo de quase oito meses, após ter sido contemplada com o prêmio, a Saluton se

reestruturou, modernizou seus equipamentos, tecnologia, processos, e alinhou seu financeiro.

Passaram a ter cobrança eletrônica, foram pioneiros em receber o Windows 7, além de aprenderem,

por meio de cursos e treinamentos oferecidos, a trabalhar melhor todo o processo de gestão da escola.

Como resultado, estiveram presentes em seis edições da Revista PEGN, no Programa PEGN da Rede

Globo, blogs da Microsoft, conquistando muitos novos alunos.

Em 2010, sempre em busca de conhecimento, Maria Cláudia inscreveu-se em um programa

do Rotary Internacional chamado Group Study Exchange (GSE) e foi selecionada para ir para Hong

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Kong estudar como os chineses ensinam inglês em universidades e escolas. Por 45 dias, dedicou-se

às atividades e trouxe para o Brasil o que havia de mais moderno em termos de ensino de idiomas.

Em 2011, foi a vez de Gabriel ir para a Espanha, e lá conquistou dois diplomas internacionais,

um de espanhol nos negócios e outro de espanhol no turismo. É o primeiro e único brasileiro, até o

presente momento, a ter esses dois certificados internacionais, fornecidos pela Universidade de

Granada.

Comportamentos de liderança de Maria Cláudia

Maria Cláudia acredita que um líder não tem um único estilo de liderança. Para cada situação,

procura se comportar da melhor maneira possível, e busca que as decisões assumidas levem à

resolução dos problemas. Defende que a comunicação é essencial e se preocupa muito em achar as

palavras certas e as atitudes corretas para cada situação.

Acredita que as atitudes, a postura e a comunicação são fundamentais e que vão diferenciar

um líder de um não líder. Procura agir de maneira a conquistar a confiança das pessoas. Mas acredita,

também, que há episódios que a fazem se comportar de maneira diferente, e isso pode causar

estranheza nos liderados, pois cada cena vivida pode transformar seu estilo costumeiro de liderança.

A cada dia que passa, vivencia diferentes episódios que a fazem ter ações específicas para cada

situação, e, por conta disso, afirma que um líder precisa desenvolver diferentes estilos de liderança.

Mas eis uma dúvida: se eu alterar meu estilo de liderança em função da situação vivenciada,

as pessoas podem interpretar mal? Podem achar que Maria Cláudia tem "duas caras"? Como explicar

isso para os liderados?

Algumas lições de liderança

Desde que assumiu a gestão da Escola de Idiomas Saluton, Maria Cláudia procura se

relacionar com seus colaboradores (funcionários e professores), como também com os alunos, de

maneira colaborativa e participativa. Para tanto, valoriza o diálogo, o bom relacionamento, a

transparência, procura traduzir coisas complexas em situações simples, desenvolver as ações com

criatividade. Mas considera que isso nem sempre é fácil, pois lidar com pessoas é uma arte. Afirma

que, para desenvolver uma boa gestão e ser reconhecida como líder, precisa, além de ordenar,

controlar e visualizar o futuro, saber cultivar e coordenar as pessoas para, então, ganhar confiança.

Esse repertório de conduta de Maria Cláudia é convergente com os princípios da liderança

participativa. O dia a dia dessa líder é organizado por uma agenda controlada pela sua secretária no

Outlook. Por meio dela, faz os agendamentos das aulas, reposições, reuniões, aulas experimentais,

além de visitas a empresas, palestras e outros compromissos. Esse tipo de controle resolveu parte de

suas ações, pois, até 2009, tudo era feito por meio de um livro de controle. Sentiu a necessidade de

implantar esse sistema, pois estava vivenciando situações conflituosas e constrangedoras, com

sobreposição de atividades.

A implantação do sistema eletrônico facilitou não apenas sua agenda, mas também a dos

professores, simplificando a reposição de aulas, novos agendamentos, reuniões, sempre com o

intuito de atender as necessidades dos alunos. Vale a pena ressaltar que a implantação do

gerenciamento on-line não foi uma ação óbvia, como na atualidade. Na época de sua implantação,

foi uma ideia inovadora e, para que a ideia fosse adiante, era preciso contar com a presença de uma

líder diretiva e determinada, preocupada com a qualidade dos atendimentos, mas, sobretudo, voltada

à atenção de seus colaboradores.

Essa mudança, que hoje parece ser simples, na época exigiu de Maria Cláudia muita atenção,

pois, no início, mais parecia um controle do que uma ação facilitadora. Após a implantação, os

professores levaram um bom tempo para assimilar a nova prática, pois não tinham o costume de,

rotineiramente, verificar suas agendas on-line.

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Maria Cláudia afirma que precisou de muita conversa e realizar treinamentos até tornar essa

rotina uma cultura da escola. Para que esse comportamento se tornasse uma tarefa natural para todos,

foi preciso trabalhar muito com o emocional das pessoas. Esse sistema, que intitulou “Dito e Feito”,

além de organizar dia e hora das aulas, ajuda a controlar o conteúdo das aulas e o que cada aluno ou

turma já aprendeu. Maria Cláudia afirma que esse é ainda um aspecto de difícil controle, pois nem

todos os professores realizam essa tarefa no momento em que finalizam suas aulas, e há a

necessidade de uma supervisão direta para que todo o conteúdo esteja no sistema, cuja proposta é

socializar as mesmas informações para todos os professores. Ao se descuidar dessas ações

administrativas, pode-se desencadear uma série de problemas na escola, mesmo quando há pessoas

que a operacionalizam. Assim, sua postura de explicar e reexplicar nunca cessa.

O dia a dia de Maria Cláudia não gira em torno do “Dito e Feito”, já que compartilha essa

tarefa com a secretária da escola, e nem sempre a liderança participativa é a mais indicada para a

ocasião. Há situações em que precisa ser bem autocrática e autoritária, principalmente quando alguns

colaboradores dificultam o atendimento de algo relevante para o bom andamento da escola. Maria

Cláudia alega que alguns dos motivos que a levam a exercer a liderança autocrática são decorrentes

da pressa de seus colaboradores em encerrar o expediente mais cedo, pois, para cumprirem as

atividades, eles precisam preencher o “Dito e Feito”, e isso os faz perder alguns minutos. Mas a líder

tem como lema para essas situações: "Pessoal, a busca da eficiência deve ser constante, então vamos

buscar a todo custo, ou faz ou faz...”, e ressalta: “Não existe time de uma só pessoa”.

Esse não é o estilo de liderança preferido de Maria Cláudia, mas, quando tem que exercê-lo, o

faz sem hesitar. Considera que essa é uma etapa de sucesso no processo administrativo, com adesão

de 85% dos colaboradores. Os 15% que faltam, e que ainda não entraram no padrão, causando

diferentes problemas, monitora individualmente, pois quer a qualquer custo preservar a imagem de

uma escola organizada.

Estar líder é desenvolver a capacidade de convencimento e de diálogo. Para

isso, é preciso estar aberta e saber dominar o diálogo. Procuro chegar a

acordos sempre que possível, até dos mais problemáticos, porque considero

que tenho o que em inglês chamam de fair play – jogo de cintura para

convencer, persuadir e chegar a negociações win-win, onde todos ganham e

saem satisfeitos.

Maria Cláudia acredita que é pelo diálogo aberto e franco que conquistamos a confiança das

pessoas. O segredo está em nunca usar meias palavras e sempre tentar achar a melhor forma de

expressão com educação e respeito, mas com firmeza. Assim, crê que a pessoa que a ouve não vai

dizer que ela não tentou todos os caminhos antes de uma saída final, e completa:

Levo comigo uma passagem bíblica, não que eu seja muito religiosa, mas essa

passagem sempre me guiou na hora em que tive que conversar com minha

equipe: O que faz mal não é o que entra pela boca, mas o que sai dela... E até

agora tem dado certo.

Uma situação, várias alternativas: O que fazer?

A palavra-chave é confiança. Maria Cláudia afirma que, independentemente da alternativa

assumida, principalmente quando a mesma é conflituosa, se o líder passa confiança, sempre encontra

adeptos. Mas todo cuidado é pouco, pois cada pessoa tem uma maneira diferente de interpretar a

mesma situação. Assim, procura estar à frente do negócio sempre inspirando pessoas e, para isso,

precisa sentir que o grupo confia nela. Argumenta que a confiança é um componente fundamental da

liderança. Assim, agir com ética, de modo transparente, consistente entre seu discurso e suas ações e

demonstrando lealdade, ajuda a sustentar seus argumentos e suas atitudes.

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Sempre que tem que tomar uma decisão, procura se colocar no lugar do outro para sentir a

situação, entender melhor as dificuldades e, assim, conseguir encontrar alternativas justas, porém

nem sempre agradáveis para o grupo, mas que tragam um resultado adequado e eficaz para a escola.

Relata um exemplo ocorrido no início de agosto de 2012, ilustrando uma decisão tomada em

relação à mudança do local da escola para outro endereço. A princípio, os professores ficaram

resistentes. Não estava claro para o grupo o motivo da mudança, e esse episódio começou a gerar um

desconforto e muito ti-ti-ti, levando o grupo a pensar em possíveis cortes de pessoal ou outra

situação similar. No entanto, a situação era mais simples do que parecia, pois o imóvel que

ocupavam tinha se tornado obsoleto, já que 95% dos alunos da escola eram e são in-company e on-

line.

Tomar a decisão da mudança não foi fácil, por vários motivos. Por outro lado, como afirma

Maria Cláudia, “o líder aprende todos os dias”, e foi buscar ajuda sobre o que fazer e como fazer. Por

meio das orientações recebidas e com um planejamento focado, a decisão de mudar de prédio e de

endereço lhe trouxe segurança e tranquilidade. Tomada essa decisão, era preciso “apagar o fogo”

entre os colaboradores. Foi então que, mais uma vez, liderou o grupo com simplicidade, participando

a todos a decisão, explicando os reais motivos, desfazendo comunicações deturpadas e acolhendo

sugestões o tempo todo. Por ter agido com transparência e clareza, mas determinada, conquistou

adesão dos colaboradores, além de contar com a ajuda de todos na transição do local.

O início de tudo!

Maria Cláudia é uma das integrantes de um grupo de professores da Georgia State University

em Atlanta – USA, que tem por objetivo contribuir com o desenvolvimento do método de ensino da

língua inglesa e da dinâmica a ser oferecida nos cursos técnicos de idiomas, fomentado pelo projeto

Ciências sem Fronteiras do governo brasileiro. Sempre que há demanda, ela viaja para se reunir com

o grupo e trazer os resultados para o Brasil.

A situação

Quando voltou de uma dessas viagens, a Saluton, empresa de idiomas de sua propriedade

juntamente com Gabriel, seu esposo, tinha aumentado o número de alunos consideravelmente e

precisava contratar um novo professor. A expectativa era contratar um docente com expertise em

aulas de inglês para negócios e para reuniões e apresentações em empresas. Iniciou a busca pelo

profissional por meio de seu network e recebeu a indicação de um professor que havia se desligado

de uma escola de grande porte.

Contatou o professor, que se mostrou interessado pela vaga. Maria Cláudia nem acreditou no

profissional que estava entrevistando, pois havia encontrado um perfil muito adequado, disponível

para assumir o posto de trabalho, preenchendo todos os requisitos da vaga. Contratou imediatamente

o professor!

Dada a urgência de ter o professor atuando, não fez nenhuma pesquisa sobre ele, se

contentado apenas com a indicação recebida. Contratou o profissional “a peso de ouro” e, logo nos

primeiros seis meses, já recebia feedbacks positivos dos alunos, criando, inclusive, uma situação

muito difícil para a escola, pois os alunos só queriam ter aulas com ele, gerando ciúmes no grupo de

professores. Os alunos argumentavam que suas aulas eram inteligentes, inéditas e criativas. Essa

situação causou um enorme estresse na equipe, pois a ideia que ia se formando era a de que a Saluton

só queria passar as aulas para o professor recém-contratado e não mais para os outros, chegando a ter

até um pedido de demissão de um dos professores enciumados.

Após esse período de euforia dos alunos, situação razoavelmente contornada com os demais

colaboradores, o professor contratado já estava mais ambientado na escola. No entanto, Maria

Cláudia começou a estranhar o fato de que ele ficava horas fechado na sala em frente ao computador.

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Ao ser questionado, argumentava que estava pesquisando e preparando aulas criativas e inéditas.

Como os resultados que apresentava eram excelentes, não havia como contra-argumentar.

Mas uma nova situação surgiu no contexto: havia um excesso de pedidos para o setor de TI

relativo a consertos e manutenções nos computadores, com a justificativa de terem sido infectados

por muitos vírus que estavam colocando em risco o sistema da escola. Então o responsável pelo TI

ligou para Maria Cláudia e perguntou se ela tinha informações sobre se alguém estava utilizando

inadequadamente o sistema em páginas de internet, o que poderia trazer vírus de alto calibre para o

sistema.

Maria Cláudia ficou muito preocupada com a situação, pois poderia comprometer todas as

aulas, controles administrativos, relacionamento com os alunos e professores, além de todo o

conteúdo que havia sido criado e desenvolvido no site da escola, resultado de anos de pesquisa e

dedicação da proprietária da escola.

Assim, começou a observar e procurar a origem do problema. Após uma profunda pesquisa

realizada no servidor e nos computadores, contando com o apoio da equipe e dos funcionários do

administrativo, veio a inacreditável constatação de que o professor contratado estava acessando

conteúdos impróprios nos computadores da escola. Não apenas acessando, mas também estava

usando o servidor para armazenar tais conteúdos.

Maria Cláudia viu-se em apuros, pois estava correndo um grande risco de esses conteúdos

chegarem aos alunos e professores ao acessarem o conteúdo da Saluton. Ficou imaginando que

poderia ser processada, pois sua escola não deveria, de maneira alguma, deixar vazar esse tipo de

conteúdo impróprio. Seu temor era de que algum aluno tivesse acesso a tal conteúdo, podendo gerar

um grande escândalo e destruir a reputação e imagem da escola.

Mas o dilema surge na medida em que uma simples demissão não resolveria o problema, pois

como explicaria para os alunos o desligamento do professor mais amado e animado da escola? Tinha

dúvidas sobre se conseguiria provar tal comportamento na Justiça. E se explodisse um escândalo?

Como isso poderia repercutir na mídia, com alunos, pais de alunos e escolas concorrentes? Qual

seria a melhor saída: demitir ou ficar com o professor, que trazia muito lucro para a escola, além de

uma grande quantidade de novos alunos?

O dilema levou-a a perder noites de sono, tomar calmantes, pois, sempre que Maria Cláudia

encontrava com o professor, ficava a cada dia mais difícil ignorar a inexistência de uma situação tão

grave. Difícil também contornar a situação com os alunos para que não percebessem e descobrissem

o episódio.

Questões

De acordo com o cenário apresentado no caso da Escola de Idiomas Saluton, Maria Cláudia

tinha três alternativas: a) demitir o professor silenciosamente; b) demitir e processar o professor,

tornando a situação pública, ou c) continuar com o professor e monitorar os computadores.

Com base nas características, perfil e histórico da Maria Cláudia, ressaltadas ao longo do

caso, qual seria a melhor decisão para lidar com a questão do professor que utiliza os computadores

da escola para outros propósitos? E o que você, como líder e gestor de uma escola, teria como

opções possíveis?

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7 SENSO E CONTRASSENSO NO PAPEL DO LÍDER

Tales Andreassi, Vânia Maria Jorge Nassif

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Anexo 1

Reunião do Prêmio Extreme Makeover do projeto do grupo Pequenas Empresas,

Grandes Negócios

Fonte: Cedida pela protagonista

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Tales Andreassi, Vânia Maria Jorge Nassif

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Anexo 2

Treinamento de equipe

Fonte: Cedida pela protagonista

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Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 17

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c17

WE COMMERCE?

ISABELA CARVALHO MORAIS – [email protected]

Universidade Federal de Ouro Preto – Ouro Preto, MG, Brasil

ALANA DEUSILAN SESTER PEREIRA – [email protected]

Universidade Federal de Ouro Preto – Ouro Preto, MG, Brasil

MARIA ALEXANDRA VIEGAS CORTEZ DA CUNHA – [email protected]

Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,

Brasil

Submissão: 21/06/2016 | Aprovação: 04/08/2016

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Resumo

Paulo é o CEO de uma startup de e-commerce brasileira. Ele tem que lidar com uma situação difícil

relacionada a uma proposta de compra da Mine. A empresa sob sua liderança está em crescimento e

recebe ofertas que parecem irrecusáveis. Mas, como todo processo de fusão e aquisição, a

oportunidade apresenta-se com fatores positivos e negativos. Este caso de ensino traz os prós e

contras e as análises feitas pelo CEO para tomar essa importante decisão para o futuro de sua

empresa.

Palavras-chave: empreendedorismo, startup, fusão, aquisição, estratégia

Abstract

Paulo is the CEO of a Brazilian e-commerce startup. He has to deal with a difficult situation related

to a proposal for selling Mine. The company, under his leadership, is growing and received offers

that seems to be irrefutable. But, like any process of merger and acquisition, the opportunity presents

itself with positive and negative factors This case presents the pros and cons and analyzes made by

the CEO to make this important decision for the future of your company.

Keywords: entrepreneurship, startup, merger, acquisition, strategy

Apresentação e histórico da empresa Sexta-feira à noite, um dia aparentemente tranquilo, em um café no bairro paulistano da Vila

Madalena, Paulo chega para um encontro com sua esposa, falando ao telefone, esbaforido, ainda sem

saber o que pensar e como apresentar a notícia aos seus acionistas. Com 30 anos, ele é o CEO de

uma startup, a Mine. Aquele telefonema pode mudar sua vida e o destino de seu negócio. O

presidente de uma grande empresa, líder em software de gestão para o varejo, Francisco, propõe a

compra da Mine e convida os acionistas para uma reunião no início da semana seguinte para

apresentar valores e interesses.

A empresa Mine foi criada em 2010 por mestrandos e professores universitários de ciência da

computação em uma universidade pública brasileira. A Mine nasceu a partir do desenvolvimento de

um algoritmo para uma competição em uma revista de programação. Apesar de não ganharem a

competição, os alunos sentiram-se motivados a desenvolver a ideia e transformar o algoritmo

comparador de preços em um produto mais robusto, que incluía outras lojas da região, além das

cinco apresentadas no desafio. A ideia dos alunos ganhou força a partir do apoio dos professores que

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enxergaram o potencial do projeto e decidiram investir no desenvolvimento de um produto para

entrada no mercado. Esse produto não era mais um comparador de preços, devido à dificuldade de

competir com empresas grandes do mercado de e-commerce, como o Buscapé, e, sim, um sistema de

buscas on-line. Depois dos professores, uma nova empresa entra na jogada, a Roda Finanças, que,

além de trazer o capital necessário para a formatação do produto (buscador) em si, ainda consegue

conquistar o primeiro grande cliente. Essa empresa entrou com certo capital financeiro, mas,

principalmente, com capital intelectual e uma rede de contatos poderosa. Além disso, houve a

compra de participação, por sócios da Roda Finanças, que injetaram recursos na empresa e passaram

a compor o quadro de funcionários da startup.

A partir daí, com a conquista do primeiro grande cliente, uma loja de eletrodomésticos da

região que instalou o sistema de buscas em seu site, os ganhos se fortaleceram. Os resultados foram

surpreendentes, e o sistema de buscas teve um aumento exponencial no tráfego, logo que o sistema

foi instalado na loja. Com o cliente, surgiram, também, a necessidade de ampliação do negócio e o

entendimento de que a região em que estavam atuando não seria capaz de fazer com que a empresa

crescesse por muito tempo. A decisão que tomaram, então, foi a de estruturação do negócio, a partir

da necessidade de sair do mundo técnico de programação e buscar pessoas que tivessem habilidade

de gestão. Nesse momento, tiveram contato com um grupo de investidores com foco em startups de

tecnologia. A empresa cresceu e uniu-se a outros nove sócios, jovens empreendedores que

propuseram o investimento com capital financeiro, intelectual e ampliação da rede de contatos.

Assim, a primeira proposta ousada foi a apresentação do produto para uma das maiores empresas de

comércio eletrônico da América Latina. A aceitação foi surpreendente e imediata. Eles ganhavam

um cliente importante e, com ele, surgia a necessidade de mapear o mercado nas diversas áreas de e-

commerce. A intenção era entrar em universos diferentes como beleza, moda, viagens, entre outros,

para ampliar a abrangência do produto.

O produto evoluiu. E, com ele, veio a necessidade de ampliação da empresa e busca de

talentos que entendessem dos diferentes mercados nos quais a startup queria atuar. Em 2013, quatro

novos sócios entraram na jogada. Nesse momento, o portfólio da empresa, que era de menos de

cinco clientes, subiu para dezenas, em apenas um ano. Um salto significativo que trouxe consigo a

necessidade de crescer ainda mais. O produto ganhou mais funcionalidades e a empresa, um

portfólio maior para oferecer aos seus clientes. Agora, o algoritmo avaliava o histórico de navegação

do usuário do site e as tendências. Para ganhar mercado, foi possível oferecer também relatórios

sobre as buscas realizadas e o serviço de recomendação. O modelo de negócio mudou! A inovação

também estava na forma de obter a receita. O cliente pagava por uma assinatura, e eles ainda

ofertavam vitrines de recomendação. Ou seja, a empresa passou a se posicionar mais fortemente

como solução de personalização, uma vez que o usuário passava a ser surpreendido com as opções

de escolha direcionadas ao que ele procurava e a empresa, a cliente da startup, aumentava seu

potencial de vendas.

Em relação à concorrência, o momento de transição foi de tranquilidade. A robustez do

produto, integrando busca, recomendação e mobilidade, fez com que a empresa navegasse em um

ambiente com poucos oponentes. Todavia, os sócios visualizam a necessidade de aumentar ainda

mais a oferta de produtos, e o caminho desenhado foi a busca por um novo segmento de clientes, as

empresas menores. Toda essa estrutura e mentalidade visionária, sem medo de correr riscos e

priorizando a flexibilidade, fez com que a empresa atingisse marcas surpreendentes no mercado.

No fim do ano de 2015, a startup contava com mais de 50 funcionários distribuídos em três

escritórios pelo Brasil: Rio de Janeiro, São Paulo e Manaus. A estrutura já indicava as características

de inovação da empresa, trabalhando em espaços de coworking, localizados próximo aos clientes, em

pontos estratégicos das cidades. A empresa viu-se em um cenário favorável de crescimento e buscou

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fortalecer sua estratégia de manutenção de seus valores e garantia de um ambiente de trabalho que

estimulasse a criatividade e a inovação de seus funcionários.

Apresentação do sócio

O corpo de sócios tem formação diversa, os jovens vêm de diferentes regiões do País e com

formações que se complementam. Paulo, o CEO, tem uma formação inspiradora. Estudou grande

parte da sua vida no sistema público de ensino, formando-se engenheiro de produção em 2006. A

partir de sua formação, a carreira decolou. O estágio em uma empresa de consultoria garantiu o

primeiro emprego como consultor de negócios. As relações estabelecidas e o trabalho desenvolvido

garantiram uma proposta para coordenar a área de novos negócios de uma grande empresa do setor

de e-commerce. A aquisição da empresa por outra grande competidora do ramo veio com uma

promoção na sua carreira. O então coordenador passou a gerente de tesouraria e, aos 28 anos, Paulo

tornou-se diretor de marketing. O trabalho nessa diretoria teve um desempenho surpreendente, e ele

assumiu uma outra cadeira, em busca da melhoria de resultados. Em 2011, Paulo teve a missão de

conhecer melhor o cliente do site a partir da captura e do processamento das informações de

navegação. Ele acabou se apaixonando pelo tema, contratou várias ferramentas de mercado, investiu

um bom dinheiro, mas não conseguiu efetivamente gerar um ativo tecnológico relevante. Porém,

nesse período, a existência da oportunidade ficou clara, e Paulo resolveu ir em busca de um bom

time de tecnologia para transformar em produto os problemas do varejo que ele enfrentava como

executivo nessa empresa.

Nessa época, parte dos fundadores da Mine já havia empreendido anteriormente em uma

empresa que nasceu em uma universidade pública e foi vendida para a maior empresa de busca do

mundo em 2005. Como Paulo se formou na mesma universidade em que surgiu essa empresa, ele

conhecia a história e foi atrás dos sócios, no final de 2012. Após quase um ano de negociação, ele

acabou entrando também como sócio da Mine. Isso foi em março de 2013. No fim desse mesmo ano,

ele assumiu como CEO. Além do ótimo desempenho dos sócios, pesou muito, em sua decisão para

assumir uma posição de tanta importância, o alinhamento de visão de futuro e a abordagem científica

para a solução de problemas do varejo. A Mine estava formada por um time jovem, muito próximo

da academia e com alta capacidade de crescimento sem perda de qualidade, alinhado com a ambição

de construção de uma empresa de tecnologia relevante no varejo brasileiro.

Situação atual do mercado e da empresa Apesar das altas taxas de crescimento do e-commerce brasileiro, este ainda é um mercado

extremamente concentrado, com mais de 70% nas mãos de pouco mais de 10 players e que ainda

representa uma fração pequena do varejo físico (algo em torno de 4%). A empresa finalizou o ano de

2014 com uma operação rentável, com dezenas de clientes do mercado de varejo. Com essa visão, no

fim de 2014 e meados de 2015, a empresa tornou-se responsável por 30% do faturamento do varejo

on-line brasileiro.

O grande objetivo estratégico da Mine é de crescimento rápido, pautado no oferecimento de

mais produtos inovadores. Porém, para que conseguissem manter as altas taxas de crescimento que

tinham até então, precisariam buscar novos mercados. Foi então, que apesar de não terem essa

expertise, passaram a olhar mais fortemente para o varejo físico, e ficou clara a oportunidade de

criarem produtos que integrassem e personalizassem a experiência de compra on-line e off-line,

buscando endereçar a missão de todo varejista de se tornar verdadeiramente omnichannel. A Mine

sabia que deveria buscar novos planos de ação para conseguir alcançar esse objetivo, considerado

por eles ousado. Todo esse processo mantinha a empresa e os sócios de olho no mercado e sempre

pensando na melhor configuração que garantisse um crescimento saudável para todos.

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Processo de aquisição

Os bons ventos e a capacidade da startup de se adaptar ao mercado fizeram com que

surgissem propostas de compra e situações que levavam os sócios a analisar oportunidades de

crescimento e mudança. Algumas oportunidades de fundos de investimento surgiram. Mas, para a

Mine, sempre pesava a busca de sócios que agregassem expertise e complementassem o negócio.

Dinheiro pelo dinheiro nunca foi o objetivo da empresa. A ideia cresceu sozinha. Desde seu

nascimento, em 2011, e após o aporte inicial de dinheiro e capital intelectual da Roda Finanças,

conseguiram crescer e financiar a si próprios, sem necessidade de injeção de capital de terceiros.

Nesse contexto, a empresa deparou-se com a Varesoft, empresa líder em software de gestão

para o varejo. Rapidamente, as duas começaram a analisar um futuro juntas e quais seriam as

oportunidades a partir dessa união. Junto à proposta da Varesoft, também veio a proposta de um

outro varejista, um cliente da startup. As propostas eram tentadoras e distintas em vários aspectos.

Todavia, Paulo, seus amigos e familiares sabiam que a diferença de cultura organizacional pesava na

decisão, além do fato de saírem do mercado com a venda, dado que deixariam de prestar serviço para

todo o mercado e ficariam restritos à atuação do varejista que os comprasse. Isso tudo fez com que

ele descartasse a possibilidade de venda para essa empresa, optando por analisar outras

oportunidades.

Na Mine, vender não era um desejo dos sócios. Paulo sempre pesava a complementariedade

de ativos e o alinhamento de visão em suas conversas. Com as propostas, ele começou, junto aos

outros sócios, a idealizar a ideia de venda, mas era preciso levar em conta vários fatores já

consolidados na startup. Para eles, esses valores garantiam o sucesso alcançado até então. Era

preciso alinhamento, empatia e vontade de trabalhar juntos. Essas características não eram tão

evidentes na empresa varejista (cliente da startup), o que fez com que Paulo focasse sua decisão na

venda ou não para a Varesoft. A questão cultural era muito importante para o CEO, que pensava

muito em como seria a vida de sua empresa e de seus funcionários se ela fosse vendida. O clima

amistoso e o ambiente acolhedor que ele construiu na Mine não poderiam ser destruídos de uma hora

para outra, e carregar a responsabilidade da decisão estava pesando muito para o presidente. Além

disso, os sócios sabiam que, nesse momento, se a situação da empresa estava ótima, era o resultado

de ser um negócio construído pela paixão dos empreendedores, pelo suor de muito trabalho e

dedicação e, com isso, os sócios criaram um apego e um carinho muito especial por cada detalhe da

empresa. Sabiam que muitos desafios já tinham sido vencidos.

Pesava também na decisão o contexto econômico brasileiro, no final de 2014, e a

responsabilidade crescente como sócio perante as dezenas de empregados e suas famílias, que vivem

no entorno da Mine. Todo o processo de negociação e propostas era difícil para Paulo, que sempre

passava longas tardes em discussões acaloradas com seus sócios e familiares sobre o tema. A parte

mais difícil na condução de todo o processo de fusão e aquisição (M&A) é a necessária divisão

mental para gerir a operação e, ao mesmo tempo, tocar a negociação. O processo decisório, em geral,

é muito sigiloso, o que o torna solitário, em alguma medida. E Paulo, por ser muito comunicativo,

sofria com a dificuldade de lidar com o sigilo e as imposições ditadas pelas empresas que faziam as

propostas, ainda mais em um ambiente onde todos estavam acostumados a agir com total

transparência. Todos os funcionários sabiam da maior parte do que se passava ali na Mine; as

decisões, normalmente, eram públicas entre os funcionários, e Paulo gostava de envolvê-los ao

máximo nas principais decisões, fazendo, assim, uma gestão participativa.

Para aguçar ainda mais as discussões e tornar o processo decisório mais complicado, Paulo

tinha que lidar com um intrigante pressentimento que dificultaria suas análises. No café com sua

esposa, Paulo disse-lhe que estava com uma forte suspeita de que a Varesoft, a empresa que fez a

proposta mais tentadora e que estava com a negociação mais avançada sobre o processo de M&A,

iria adquirir também a sua grande rival e competidora até então, a Inovec. Uma empresa fundada há

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pouco mais de seis anos, cujos principais produtos eram também a busca e a recomendação, com

raízes também acadêmicas e perfil dos fundadores muito parecido com o dos da Mine.

A suspeita da compra da sua maior concorrente deixou Paulo com os nervos à flor da pele.

Ele dizia para sua esposa: “Joana, você não está entendendo... É como se a CBF decidisse comprar

dois times rivais. É colocar Atlético e Cruzeiro, Corinthians e São Paulo ou Grêmio e Internacional

em um mesmo ambiente, e ainda pedissem que entrassem em acordos diários. Como se, a partir de

amanhã, os dois rivais tivessem o mesmo objetivo”. A preocupação maior de Paulo estava

relacionada ao clima organizacional que seria criado. A venda colocaria a Mine em uma situação

nunca imaginada, um ambiente de trabalho totalmente novo e com expectativa de criação de um

clima insuportável, de total concorrência interna. A esposa de Paulo não entendia bem o motivo de

tanta preocupação, dado que era apenas uma suspeita e nada estava comprovado. Mas Paulo,

habituado ao mundo dos negócios e preocupado com as consequências da venda, criava e recriava

possíveis cenários e pensava nas piores realidades.

Por fim, a decisão de venda ainda trazia um ponto inevitável. Vender agora garantiria um

excelente valor oferecido, mas nutriria a dúvida sobre a possibilidade de valorização do negócio. O

ambiente atual estava confuso e cheio de incertezas econômicas que traziam instabilidade ao cenário.

Paulo tinha que lidar com o risco de venda no momento atual e eliminar a possibilidade de vender

por um valor mais alto no futuro. Ao mesmo tempo, as previsões não estavam otimistas, e a

economia poderia voltar a melhorar apenas três ou quatro anos mais tarde. O custo de oportunidade

era difícil de ser avaliado por ele, devido à quantidade de variáveis envolvidas e à incerteza do

mercado. Assim, voltando ao café na Vila Madalena, depois de uma acalorada conversa com sua

esposa, chegou o momento de tomar a decisão. Paulo precisava ir à empresa, mesmo ainda cheio de

questionamentos e preocupações, e anunciar o futuro da Mine. E agora? O que você faria no lugar de

Paulo? Vender ou não vender?

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Volume 6

Número 2

Jul/Dez 2016

Doc. 18

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

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DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv6n2c18

UM SHOW DE CACAU1

A show of cocoa

JOSÉ FRANCISCO REZENDE – [email protected]

UNGRANRIO - Universidade do Grande Rio – Rio de Janeiro, RJ, Brasil

SIMONE MELLO – [email protected]

UNIGRANRIO - Universidade do Grande Rio – Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Submissão: 10/10/2016 | Aprovação: 08/11/2016

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Resumo

O caso de ensino apresenta a trajetória de Alexandre Tadeu da Costa e da chocolateria Cacau Show.

Seu objetivo é levar os estudantes a identificar alternativas e tomar decisões sobre posicionamento

para continuidade do desenvolvimento de vantagens competitivas, sustentação de competência

logística e possíveis abordagens ao mercado externo.

Palavras-chave: Estratégia, empreendedorismo, vantagem competitiva, posicionamento. proposição

de valor

Abstract

This teaching case presents the trajectory of Alexandre Tadeu da Costa and of his chocolatier, Cacau

Show. Its aim is to lead students identify alternatives and make decisions about positioning for

competitive advantages development, logistics competence and possible approaches to foreign

markets.

Keywords: Strategy, entrepreneurship, competitive advantages, positioning, value proposition

Os primórdios

Assim que a repórter da revista de negócios de maior prestígio no país ligou seu microfone,

Alexandre iniciou sua narrativa, no tom entusiasmado de costume:

“Depois de comprar a minha primeira bicicleta aos 13 anos com o dinheiro que

ganhava calibrando pneus num posto de gasolina, resolvi que merecia coisa melhor.

Comecei, logo depois, a ajudar a minha mãe na venda de chocolates. Eu passava de

casa em casa, pegava os pedidos, enviava para a fábrica de chocolate e quando

chegava, eu colocava numa caixa (bem bonita) e novamente ia de casa em casa

entregando... e faturando. Isso tudo intercalando com os jogos de vôlei, a guitarra e,

é claro, o cuidado com a minha cabeleira (todo guitarrista tem que ter cabelo

grande). Aos 17 anos, reforcei o investimento com US$ 500, emprestado de um tio

e produzi em três dias, com 18 horas de trabalho diário, 2000 mil ovos de 50

gramas. E com o passar do tempo, de tanto que eu vendia (e faturava), consegui

pagar o empréstimo e ainda ganhei dos meus pais um maravilhoso Fusca branco

1978. Assim tudo começou.”

1 Os autores agradecem à FAPERJ Função Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro pelo fomento à

instalação do LABCIAI/UNIGRANRIO, Laboratório de Práticas e Artefatos de Gestão do Capital Intelectual e Ativos

Intangíveis, plataforma de estudos que possibilitou a preparação deste caso de ensino.

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A história da Cacau Show teve início em 1988, quando, aos 17 anos, Alexandre Tadeu da

Costa, presidente da empresa, decidiu revender chocolates de uma indústria. Na época, o desafio foi

honrar uma encomenda de dois mil ovos de chocolates de 50 gramas. O primeiro desafio de Costa

foi produzir ovos com tal peso, o que não era possível até então. A partir desta restrição, ele resolveu

produzir os chocolates encomendados por conta própria. Comprou a matéria-prima e contratou uma

senhora que fazia chocolate caseiro; após três longos dias de trabalho, o pedido foi entregue. O lucro

tornou-se o capital inicial para que o jovem criasse a Cacau Show, hoje uma empresa em franco

crescimento e em processo de internacionalização.

A trajetória

Alexandre Tadeu da Costa é o filho mais novo de um casal empreendedor. Sua família era

muito humilde: pai tecelão e mãe vendedora porta a porta. Enquanto o menino era criança, a mãe

revendia produtos por catálogos (Avon e Tupperware), função na qual o caçula era seu auxiliar.

Com resultados que lhe deram destaque, a mãe de Alexandre logo foi promovida a

supervisora, ficando responsável por outras revendedoras. Vendo oportunidades de negócio

expandiu as vendas para outras marcas de produtos e com o progresso, a família montou um

escritório, distribuindo produtos de diferentes empresas.

Alexandre sempre valorizou o trabalho com muita disciplina. Aos 13 anos, calibrava pneus

num posto de gasolina às sextas-feiras – e desta forma, comprou sua primeira bicicleta. Aos 14,

quando sua mãe estabeleceu a “primeira” Cacau Show, pegava os pedidos com as vendedoras porta a

porta, passava ao fabricante e providenciava a embalagem e a entrega. Em dado momento, seus pais

resolveram descontinuar o negócio de chocolate.

Aos 17 anos, Alexandre decidiu reativar o negócio das vendas de chocolates por catálogo

(chamado de Cacau Show), para o qual seu tio emprestou-lhe US$ 500, valor necessário à aquisição

da matéria-prima. Era o início do sonho. Em sua primeira incursão por conta própria visitou clientes

de pequenos estabelecimentos comerciais e vendeu, em poucos dias, 2.000 ovos de Páscoa (500g,

200g e 50g conforme anunciado nos catálogos).

Alexandre tratou de fazer um acordo com um pequeno fabricante de chocolates para vender

seus produtos, mas esqueceu de confirmar os tamanhos dos ovos. Ao retornar à fábrica de chocolates

com o pedido descobriu que cometera um engano ao oferecer ovos de 50 gramas que a empresa não

fabricava e não teria condições de fabricá-los.

Com receio de que isso comprometesse seu nome no ramo, saiu em busca de uma solução

para o problema, praticamente às vésperas da Páscoa. Seu objetivo era encontrar alguém que pudesse

fabricar esses ovos a tempo.

Depois de muitas negativas, em uma distribuidora encontrou uma senhora, D. Cleuza, que

comprava matéria-prima para fazer ovos de chocolate e ofereceu-lhe não só sua residência, mas

também ajuda para fabricar os ovos de 50 gramas junto com Alexandre.

Após muitas horas de trabalho intenso, os pedidos foram entregues no prazo determinado.

Neste momento, ganhou de seus pais um Fusca 1978 que ajudou o negócio facilitando sua

movimentação para a compra de matéria-prima de manhã e venda do chocolate à tarde para as

padarias.

Esta primeira dificuldade do jovem o levou a concluir que havia um nicho de mercado

inexplorado: chocolates artesanais na cidade de São Paulo. Desse modo, a pequena empresa

preencheu um espaço de mercado carente de ofertas com forças competitivas diferenciadas.

Foi assim que, em 1989, Alexandre deu início à sua empresa de chocolates recheados – a Cacau

Show:

“O grande pulo do gato foi o que descobri quando comprei as barras para fazer os 2

mil ovos: a diferença de preço entre 1 quilo de chocolate e 1 quilo de bombom fino

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feito dele era de mais de 10 vezes – ou seja, o que se comprava por 10 conseguia-

se vender por 100. Logo vi que era uma margem grande demais e que, se eu

comprasse por 10 e vendesse por 20, ainda seria um ótimo negócio. Foi o que fiz,

numa salinha 3 por 4 metros, dentro da empresa dos meus pais.”

Nas últimas décadas, Alexandre Costa fez do chocolate o principal ingrediente de uma

trajetória de crescimento inspiradora para qualquer empreendedor.

Visando não ficar dependente da demanda sazonal única ao ano, como é o caso da Páscoa,

Alexandre buscou desenvolver outros produtos além daqueles oferecidos no período. O Cerejão, seu

primeiro produto vendido ao longo do ano, contava com um recheio mais barato do que a massa de

chocolate, podendo ser oferecido ao mercado consumidor com um valor mais acessível.

Inicialmente, a distribuição foi realizada em padarias e mercadinhos do próprio bairro onde

era instalada a então sede da empresa: na Casa Verde. Era o próprio Alexandre quem levava os potes

com os bombons para os balcões dos estabelecimentos e aguardava então, na fila, para ser atendido.

Uma etiqueta com letras em vermelho indicava o preço tentador dos bombons Cerejão. Enquanto

aguardava ser atendido pelo dono do estabelecimento, diversas unidades eram vendidas aos

fregueses. A compra por impulso era quase inevitável.

Para a manutenção e expansão de sua clientela na venda direta, ele buscou alternativas como,

por exemplo, amostras gratuitas deixadas nas casas, acompanhadas de catálogos e carta de

apresentação do produto. Na carta, comunicava que estaria ali no próximo dia, caso houvesse

interesse na compra de outras unidades do bombom. Mas a venda direta trazia dificuldades com

relação ao fluxo de caixa e à manutenção de estoques, já que a empresa tinha pequeno capital de giro.

Um fator relevante na história da empresa foi a experiência de Alexandre como vendedor que

frequentava todas as lojas e que passou a conhecer o mercado, o perfil dos compradores de

chocolates recheados, quais as dificuldades e oportunidades do negócio. Tal conhecimento

contribuiu para a elaboração efetiva do planejamento, assim como para desenvolver um programa de

treinamento/capacitação da força de vendas que atuava diariamente nas ruas.

Além da experiência com as vendas, também foi preciso buscar informações técnicas sobre o

produto: como fabricar, conservar, embalar, e assim por diante. Nesta busca de aperfeiçoamento da

qualidade, fez cursos de vários tipos, desde aqueles oferecidos por grandes fornecedores e

revendedores de chocolate em barra, até cursos tipicamente voltados para donas de casa.

Em 1990, com dois anos de existência, a Cacau Show fechou contrato com a primeira grande

rede nacional de varejo, as Lojas Brasileiras. Neste mesmo período, ingressou na Associação

Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Balas e Derivados (Abicab), que é responsável por

agregar as principais empresas e indústrias brasileiras do setor, promovendo produtos, trabalhando

em conjunto a agências regulamentadoras (com ações como controle de padrões de qualidade, por

exemplo), entre outras atividades.

Alexandre planejou para 1996 o aumento da capacidade de produção, redução dos custos

fixos, automatização da produção, padronização dos produtos, resultando em um aumento de

faturamento. Sua postura pragmática fez com que percebesse as dificuldades e crises como fatos

normais, pelos quais, qualquer empresa, independentemente de seu porte, passa. Neste mesmo ano, o

empreendedor entendeu que embora soubesse onde queria chegar e como consegui-lo, deveria

delegar tarefas rotineiras, o que resultou em uma estrutura administrativa ágil e enxuta.

Para administrar a Cacau Show, ele se inspira em outros negócios que crescem rápido e

prezam pela eficiência na operação - como as empresas administradas pelo GP Investimentos.

"Quero criar uma AmBev do chocolate, enxuta e muito lucrativa..."

Em 2003, a Cacau Show iniciou a utilização de franquias na expansão da sua cobertura de

mercado, dando maior visibilidade à marca. Com as franquias, Alexandre encontrou o modelo mais

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4 UM SHOW DE CACAU

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adequado para acelerar o ritmo de expansão, especialmente num momento em que esse canal de

vendas vem se mostrando uma boa alternativa para atingir os ganhos de escala necessários para

manter os preços dos produtos acessíveis a uma classe C que ganha cada vez mais poder de consumo.

“As franquias nos deram visibilidade até que a marca estourou, três anos atrás. O

pulo foi por acaso. Já tínhamos duas marcas em 2003: a Cacau Show, de venda

porta a porta, e a Gardner, que criamos para varejo em geral, para a vendedora por

catálogo não achar que havia competição direta. Uns clientes nossos em Piracicaba,

interior paulista – o casal João e Regina Caldas –, trabalhavam com ambas: ele

vendia Gardner; ela, Cacau Show. Na Páscoa de 2002, compraram tanto chocolate

que a família teve de sair do apartamento para a mercadoria entrar. Fui lá e propus

alugarmos um local para ser a loja deles na frente e o depósito nos fundos. Sugeri

que, para compensar o novo custo fixo, os filhos deles trabalhassem no negócio,

como aconteceu na minha família. Estruturando isso, eu diria que tenho uma

filosofia de controle de custos. Daí nasceu a primeira loja, depois eles fizeram a

segunda, a terceira, e outros distribuidores vieram... E a gente descobriu o canal

três em um, que era, na mesma loja, o camarada poder vender direto ao

consumidor, atender a vendedora por catálogo e ser distribuidor para o varejo.”.

Quando a Cacau Show surgiu, a principal referência era a rede de lojas Kopenhagen, criada

em São Paulo no final da década de 20. Com chocolates que chegam a custar um quinto dos produtos

semelhantes na concorrência, a Cacau Show conseguiu atrair uma massa de consumidores,

principalmente na classe C, que estava fora do radar da Kopenhagen.

Em 2008, ano em que foram abertas quase 300 lojas, as receitas da Cacau Show superaram

pela primeira vez as da Kopenhagen, que faturou 154 milhões de reais com suas 250 lojas.

Atualmente, a Cacau Show conta com 1100 lojas que comercializam em torno de 14 mil

toneladas do chocolate ao ano. Em 2011, a receita da empresa chegou a R$ 1,2 bilhão contabilizando

o movimento das lojas, se posicionando como uma das maiores redes especializadas em chocolate do

Brasil.

Para sustentar a expansão, a empresa possui quatro fábricas, entre elas a de Itapevi – vizinha

de São Paulo – que abrange 40 mil metros quadrados de área construída e não produz somente para

atender sua marca própria, mas também para terceiros, como marcas próprias de supermercados,

com o nome IBAC – Indústria Brasileira de Alimentos de Chocolate.

Buscando atender os consumidores cada vez mais exigentes na hora da compra, em setembro

de 2011 Costa se associou a dois produtores de cacau da região do Espírito Santo, Paulo Gonçalves e

Luciano França, na compra de três fazendas – a Dedo de Deus, a Ceará e a São José que juntas

ocupam uma área de 1.216 hectares e valem, segundo especialistas, aproximadamente R$ 7 milhões.

Conforme afirma Costa:

"Como o produtor de cacau não conhece nada de chocolate e o chocolateiro não

conhece nada de cacau, o que eles fizeram foi integrar esses dois mundos.”

Essa nova empreitada será extremamente útil, já que a procura por chocolates com maior

concentração de cacau está virando uma forte tendência no Brasil. Segundo Costa: “houve uma

mudança do perfil do consumidor brasileiro que antes estava acostumado a comer um produto

simples com apenas 15% de massa de cacau – caso do chocolate ao leite, o que gerava,

consequentemente, um entrave na produção de uma amêndoa de melhor qualidade e um produto

final mais sofisticado. Agora, vamos ter uma produção própria de matéria-prima capaz de atender a

esse mercado emergente.”

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“Isso, que já é 10% do nosso negócio, faz sentido pela nossa capacidade produtiva,

que agora é muito grande.”

Ainda há muito potencial para crescimento no Brasil. Enquanto o consumo anual de

chocolate na Europa é de 12 quilos per capita, o do País é de 2 quilos.

A Cacau Show está preparada para investir na internacionalização. Alexandre tem visitado a

Bélgica conhecendo empresas para que possa investir na aquisição que vai garantir a sua atuação

internacional, levando a flexibilidade da Cacau Show para o mercado europeu. Mas este

investimento não será feito com endividamento. Contrário a isso, Alexandre, que detém 97,5% do

capital da empresa, não pretende ir ao mercado captar, mas fazer a expansão com recursos próprios.

“Eu nunca cresço me endividando; sempre reinvisto capital próprio. Meu “barato”

é fazer chocolate, então eu me distanciar disso está fora de cogitação. Vejo a

abertura de capital com bons olhos, principalmente para perenizar o negócio, só

que traz mais complexidade. Estamos acompanhando experiências que incluem

canal proprietário de franquias.”

A marca Cacau Show atingiu o índice de 96% de reconhecimento e é top of mind da categoria

“lojas de chocolate” pelo Datafolha. Este resultado é fruto de um trabalho que não engloba somente

publicidade, apesar de a empresa hoje estar entre os 100 maiores anunciantes do Brasil, mas também

o investimento em qualidade de chocolate e em design (ganhou oito prêmios de design entre 2010 e

2011), assim como com o trabalho via redes sociais e pontos de vendas com intenso treinamento dos

vendedores.

“Construção de marca, na minha visão, é coerência. Ano após ano, mostramos para

o consumidor o que a gente é e quer ser: uma empresa com produtos de alma

artesanal feitos em larga escala e com a proposta de ser feliz, alto astral e

democrática. Está no nome: temos de oferecer cacau e show, que é a experiência

do consumidor-show no ponto de venda, show no design, show em produtos

inovadores... Somos a empresa que mais lança chocolates novos – disparado. A

gente põe no mercado 100 novos produtos por ano – uma renovação de metade do

meu portfólio de 200 –, enquanto a maioria lança três, se tanto. O bacana é que a

gente está passando da fase de ir atrás das tendências da Europa ou dos Estados

Unidos para a de criar tendências. Tenho visto coisas fora que a gente já fez há um

tempo, como ter embalagens desenhadas por artistas ou fazer sticks salgados

cobertos de chocolate.”

Seu produto tem qualidade para atender ao nível de exigência da classe A, mas com preços

competitivos para as classes B e C. Alexandre afirma que a Cacau Show resolveu o dilema entre

produtos para consumo e para presentes:

“Se um chocolate é caro demais, ele é comprado só para presente, o que é um

problema, porque não dá ticket médio ao lojista.”

Com isso, a empresa identificou o seguinte mix de vendas: classe C compra Cacau Show

65% para presente e 35% para consumo; classe B compra os produtos da empresa com intenções

meio a meio e classe A compra 65% para consumo e 35% para presente.

A empresa adota práticas trabalhistas modernas, com relacionamento de respeito e

afetividade para com a equipe. O refeitório da empresa, onde todos fazem as refeições juntos, tem

fotos dos filhos dos empregados. As reuniões possibilitam que todos falem sobre os problemas da

empresa que tem ainda alguns rituais que fortalecem a união da equipe, como por exemplo, o almoço

de Sexta-Feira Santa no qual o próprio Alexandre cozinha para todos.

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Uma vez por mês, Alexandre leva o violão para sua fábrica, projetada para transpirar

modernidade, repleta de vidros e de verde, e se diverte tocando rock nacional com os funcionários.

Em 2011, foi iniciado um programa de distribuição de bônus por resultados, chamado de

“Excelência Show”. Segundo o próprio Alexandre que dentre todas as características citadas,

conhece cada funcionário pelo nome:

“a reunião mensal com violão não é açúcar puro, não. É para todo mundo falar na

minha cara o que está achando, o que está errado e o que não está dando certo."

Para os especialistas da área, Alexandre é o tradicional empreendedor que almeja ultrapassar

seus competidores de forma direta e objetiva, sem delongas e desperdícios. Autoconfiante ao

extremo, ele acredita que seu negócio e seu chocolate são os melhores do mundo. Alexandre

costuma dizer:

"A concorrência diz que eu sou agressivo, mas minha analista diz o contrário, que

sou muito bonzinho e preciso mudar".

Desbravadora de um nicho de mercado com crescente potencial de demanda, a Cacau Show

apresenta posicionamento estratégico diferenciado, o que proporciona à marca um apelo único.

A empresa continua inovando com um ritmo acelerado de lançamento de produtos a fim de

atender às expectativas do mercado. As iniciativas para manter uma estrutura enxuta que funciona

para atender ao faturamento, direcionando-se para os consumidores das classes A, B e C com uma

mesma proposição de valor, em vez de escolher somente um segmento, assim como a relativa

verticalização com produção e consumo são pontos marcantes no sucesso verificado na trajetória

desta empresa brasileira que iniciou sua história em um anexo de 12 metros quadrados e hoje conta

com 1.100 empregados que trabalham numa planta com 40 mil metros quadrados de área construída,

detendo 10% do mercado de ovos de Páscoa e entre 55 a 60% das vendas em lojas que

comercializam chocolates finos no Brasil.

Para garantir o preço baixo Alexandre realiza uma vigilância obsessiva sobre os custos. Para

lembrar a todos da importância de cortar custos, nas reuniões anuais de orçamento Costa mantém

sobre a mesa um facão com cabo de madeira e lâmina enferrujada, presente de um cortador de cacau

de Ilhéus.

O próprio time de executivos é um exemplo de seu esforço para manter a empresa com uma

estrutura enxuta. Abaixo dele há apenas dois diretores, um de operações e outro comercial. Costa

também cuida pessoalmente de cada negociação, desde a compra de máquinas até o acerto com

agências de publicidade. No ano passado, recusou-se a contratar uma construtora para gerenciar as

obras de expansão da fábrica de Itapevi, em São Paulo, com 36 000 metros quadrados de área e

capacidade de produção de 10 000 toneladas de chocolate por ano. Decidiu ele mesmo supervisionar

a construção.

“Economizamos 20% em uma obra orçada em 20 milhões de reais”.

Para manter as lojas abastecidas, a Cacau Show age com rapidez na entrega de produtos.

Desde 2005, a Cacau Show consegue atender a maioria dos franqueados em dois dias, enquanto os

concorrentes levam até duas semanas. Para tanto, opera um sistema em que os franqueados têm dia e

hora a cada semana para fazer pedidos, despachados por meio de uma frota terceirizada de até 40

caminhões. O rigor não permite concessões - nem à própria mãe, Vilma. Dona de uma franquia da

rede, ela costumava perder a data dos pedidos. Em 2008, Costa pediu que se desfizesse da loja.

“Minha mãe queria privilégios. Recomendei que passasse o negócio adiante e

desde então ela se aposentou”, diz.

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Para manter a concorrência à distância, Costa pretende acelerar o ritmo de lançamento,

buscando alcançar a marca de lançar até dez novidades a cada 15 dias. Para atingir essa meta, ele

pretende se valer de artifícios que vão de simples mudanças de embalagens a lançamentos de novos

sabores de produtos. Aumentar a renovação nas prateleiras faz com que o cliente volte à loja mais

vezes, afirma Costa.

Em 2009, o grupo CRM, que controla a Kopenhagen, montou a Brasil Cacau, uma franquia

para concorrer no mercado de Costa. Hoje a rede possui 50 lojas. “Queremos chegar a 500 até o final

de 2011”, afirma Renata Vichi, vice-presidente do grupo CRM. Para se destacar diante das

concorrentes, a Cacau Show também vem ampliando os investimentos em marketing. Em 2006, fez

o primeiro anúncio em televisão. Desde então, o orçamento da área (não revelado pela empresa)

dobrou a cada ano.

Alexandre, que abandonou o curso de Administração na FAAP no terceiro ano para se

dedicar a seu negócio, considera-se um autodidata. Conversa informalmente em média uma vez a

cada dois meses com três mentores - Lírio Parisotto, fundador da Videolar, Artur Grynbaum,

presidente do Boticário, e Pedro Passos, um dos controladores da Natura. Também busca referências

em empresas estrangeiras. A mais recente delas é a gigante espanhola do varejo de moda Zara:

“Quero ser a Zara do chocolate”, diz ele.

Nunca contratou conselheiros, nem consultores. Jamais teve sócios investidores - um amigo

de infância, com 2,5% de participação na empresa, é seu único parceiro. Desistiu de se tornar um

empreendedor apoiado pela Endeavor, ONG voltada para o estímulo a pequenas e médias empresas

com potencial de expansão, quando soube que teria de ceder 2% do capital da Cacau Show em troca

do apoio.

Os rumos

Sem dúvida, a dedicação e empenho do empreendedor revelaram-se atitudes importantes para

o sucesso do negócio, ajudando-o a superar desafios e conquistar espaço no tão competitivo mercado

do chocolate no Brasil.

Os novos ventos da concorrência mostram-se bastante agressivos: recentemente a Revista

Veja São Paulo convidou três especialistas para realizar um “teste cego” com o produto Nhá Benta e

outros com características semelhantes (marshmallow coberto por chocolate). Com a atribuição de

notas de 1 a 5 a cada um deles. O ranking foi liderado pelos produtos da Kopenhagen, Cacau Show e

Brasil Cacau, nessa ordem, e a diferença entre o primeiro e o terceiro colocado foi de apenas 0,33

pontos. “É significativa a evolução da qualidade do chocolate da Cacau Show, que é uma empresa

muito jovem”, diz Arnaldo Lorençato, editor de gastronomia da Veja São Paulo, que participou do

teste. “Ainda assim, fica difícil competir com um produto cujo fabricante tem tradição de mais de

oito décadas em selecionar bons ingredientes.”

No ramo dos chocolates, ser uma Zara ou ser uma Ambev parece embutir algumas escolhas

excludentes, mas o fato é que Alexandre atingiu, já em 2012, faturamento superior a 300 milhões de

Reais e uma rede franqueada com mais de 1.000 pontos de venda. Enquanto a Kopenhagen parece

não se importar com produtos eventualmente clonados pela Cacau Show, o desconforto de Costa

com a Brasil Cacau já resultou em processo judicial, depois transformado em acordo entre as partes.

Em sua casa, dedilhando na guitarra preferida da juventude sons dos Beatles e do Yes,

Alexandre costuma refletir sobre alguns dilemas importantes para o posicionamento futuro da Cacau

Show:

Chocolate fino é considerado mundo afora um produto premium. Como continuar criando

vantagem competitiva ao posicionar este produto com direcionamento para os públicos das

classes B e C?

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Operando com franquias, especialmente num mercado de dimensões continentais como o

Brasil, a logística é uma competência estratégica. Como garantir o abastecimento das lojas

evitando a falta de produtos, mas ao mesmo tempo, mantendo estoques fabris em níveis

baixos em função das características de perecibilidade e sazonalidade do produto?

Qual modelo de internacionalização uma empresa com nossa trajetória deveria adotar para

evitar perder seu modelo de negócios?

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APÊNDICE 1

A história do cacau

Origem

Os primeiros pés de cacau foram identificados na floresta amazônica, entre os rios Orenoco e

Amazonas, região que abrange vários países da América do Sul (Brasil, Colômbia, Bolívia, Equador,

Guiana, Peru e Venezuela). Correntes migratórias nativas levaram a planta para a América Central,

onde se desenvolveu a civilização Maia e, mais adiante, até o México, onde habitaram os Astecas.

Os Maias foram os primeiros a cultivar o cacau, que levaram quando imigraram para a península

Yucatán. Toda a realeza Asteca bebia grande quantidade de chocolate amargo misturando sementes

de cacau com vinho ou milho fermentado. Era servido em copos de ouro.

Para as civilizações astecas o cacau era uma planta muito importante que fazia parte das

cerimônias de casamentos, batizados e enterros. Os frutos do cacaueiro não eram somente símbolos

da vida e da fertilidade, mas também, um cobiçado bem material entre os povos pré-colombianos.

Para os astecas a bebida extraída do cacau recebia o nome de “tlaquetzalli” que significava coisa

preciosa. Dentre todos os habitantes das civilizações astecas os únicos que podiam degustar a

“bebida preciosa”, energética e tonificante de forma ilimitada sem nenhum tipo de censura eram os

nobres, os sacerdotes e os grandes guerreiros. Devido a sua imensa importância para os astecas, as

sementes de cacau serviam como dinheiro, dependendo da quantidade de sementes podia-se até

comprar um escravo com elas.

Em 1519, o espanhol Fernando Cortez durante uma viagem pelo continente americano teve contato

com o cacau e levou o produto para a Europa, onde inicialmente, a bebida de cacau não foi bem

aceita, mesmo sendo descoberta e considerada a bebida sagrada dos Astecas e dos Maias, mas

conseguiu sobreviver e ter uma repercussão mundial após dois momentos críticos: a extinção do

povo asteca e a morte de milhares de indígenas da América durante a colonização dos europeus.

Sabor adocicado

O sabor adocicado do cacau que nós conhecemos atualmente foi criado por um grupo de freiras

espanholas que habitaram a cidade asteca de Oaxaca localizada no sul mexicano, quando tiveram a

ideia extraordinária de unir dois produtos típicos da região numa mesma panela: sementes de cacau e

bagos de cana-de-açúcar. Esse novo sabor do cacau foi um sucesso que venceu as barreiras

resistentes à bebida. Todos queriam se deliciar e alguns chegavam até a constatar que a saborosa

mistura causava mudanças positivas de humor nas pessoas, chegando ao ponto de tal repercussão ser

criticada pela Companhia de Jesus – ordem religiosa a qual pertenciam os jesuítas – que estabeleceu

decreto condenando o consumo de derivados de cacau por parte de seus integrantes, ao considerar

que uma bebida tão deliciosa “só podia ser criação do demônio”.

Consolidação em grande escala na Europa

Mesmo já sendo aceito por alguns europeus, o cacau só foi reconhecido como produto de valor em

1585 quando uma frota zarpou da América em direção a Sevilha, na Espanha.

Apesar da resistência oficial da igreja católica, os conventos e mosteiros foram os principais centros

de produção de cacau no México, seguido da Europa. Desde sua primeira aparição na Europa até o

início das grandes produções, o modo de se preparar o cacau sofreu várias alterações contribuindo

para o surgimento da confraria do cacau.

Além de ser apreciado como bebida, o cacau era consumido na forma líquida como remédio

para diferentes problemas de saúde física e mental, especialmente por conter teobromina e a

fenilotinamina, dois estimulantes naturais, que ao serem consumidos promovem uma sensação

imediata de prazer em qualquer pessoa.

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Em 1615, a monarquia francesa foi a primeira a assumir publicamente o cacau como bebida

exclusiva da aristocracia, sendo considerada um símbolo de poder, riqueza e ostentação e, utilizada

como um tônico e estimulante. Mesmo com a Revolução e a derrubada do trono em 1789, o cacau

não perdeu sua importância, pois o soberano da época, Napoleão Bonaparte, era grande entusiasta da

bebida, principalmente antes das batalhas.

Cacau em barra

O químico holandês Coenrad van Houten em 1828 criou uma prensa hidráulica que conseguia extrair

a manteiga de cacau e transformar o restante da massa em pó. Com o pó era produzida uma bebida

com sabor diferente e mais saborosa do que a original que todos estavam habituados a consumir. A

manteiga misturada ao pó de cacau e um pouco de açúcar gerou a pasta de cacau que podia ser

manuseada para assumir vários formatos e após esfriar estava finalizada. Com isso, o cacau podia ser

consumido em duas formas: líquida e sólida.

O chocolate ao leite surgiu pelas mãos do inventor suíço Daniel Peter que junto com o

industrial alemão Henri Nestlé, desenvolveu em 1875 uma máquina que conseguia misturar a pasta

de cacau com o leite condensado em pó.

Indústria do chocolate

As primeiras firmas chocolateiras surgiram na Espanha, no fim do século XVI. Em 1659, Luiz XV,

liberou concessão a David Chaliou, oficial da rainha, para fabricar e vender por 19 anos o chocolate.

Assim nasceu a primeira fábrica francesa de chocolate. Em 1765, surge a primeira indústria de

chocolate dos Estados Unidos, a Cia Baker, que foi a primeira fábrica de chocolate com processos

mecânicos, em substituição aos processos artesanais. Em 1819, em Paris, foi construída por Pelletier

uma fábrica que utilizava o vapor no seu processo de fabricação.

O chocolate se popularizou na Europa durante a Revolução Industrial, pois com o surgimento

de novas tecnologias, o chocolate em barrinhas começou a ser fabricado em grande escala tornando o

produto mais acessível para a sociedade. Esse passo foi decisivo para a propagação do chocolate no

mundo, sendo que cada país acabou se especializando num determinado tipo de fabricação do

chocolate, dependendo de seus costumes e paladares do povo, conforme a seguir e Apêndice 2:

A Suíça, após a criação de Henri Nestlé, se especializou na fabricação do chocolate ao leite.

Os italianos criaram seu próprio chocolate, misturando vários tipos de amêndoas inventaram o

gianduia (mistura de chocolate com creme de avelã) e, após a derrota da Segunda Guerra

Mundial ocasionando a falta de alimentos na região, Pietro Ferrero inventou uma pasta que

continha cacau em pó, avelãs torradas, manteiga de cacau, açúcar e óleo vegetal, denominada

Nutella.

Na França, o farmacêutico Jean-Antonie Menier criou, sem querer, os notáveis pâtissiers

parisienses. No início, ele utilizava os ingredientes dos pâtissiers parisienses somente para

revestir as pílulas que fabricava, sendo que a situação mudou em 1853 quando seu filho Êmile-

Justin assumiu os negócios e com sua visão empreendedora transformou a Menier numa das mais

conceituadas fábricas de chocolate do país.

Os belgas competem diretamente com os franceses o título de melhores chocolateiros do mundo.

A marca Godiva é conhecida mundialmente junto com a francesa Valrhona como sinônimo de

chocolate fino.

Os Estados Unidos trabalham com produção em grande escala e possuem dois grandes

produtores mundiais: Milton Hershey e a Ghirardelli.

Apreciado no mundo todo e com uma enorme variedade de formas, o chocolate é um

alimento que soma impressionantes qualidades: grande valor energético, rápida metabolização, ótima

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digestibilidade. Seja em barras, tabletes ou líquido, o chocolate é um alimento indicado para várias

situações.

A indústria chocolateira no Brasil

Em 1746, o cacau chega ao Brasil, primeiramente pelo estado do Pará, consolidando-se

posteriormente no estado da Bahia.

No período entre 1905 e 1910, o Brasil liderou a produção mundial de cacau. Atualmente,

ocupa o 5º lugar, com a produção de 2009 estimada em 139 mil toneladas destinadas ao mercado

local (excluindo Páscoa e as exportações). O maior produtor atualmente de cacau é a Costa do

Marfim (África), com 1,332 milhões de toneladas.

O Brasil hoje é o quarto maior mercado consumidor de chocolate, estando atrás de Estados

Unidos, Alemanha e Reino Unido. Quando consideramos o consumo médio de chocolate por cada

brasileiro, verificamos que é de 2,4 kg por ano (incluindo Páscoa), isto corresponde à metade do que

um americano consome. No estado de São Paulo, por exemplo, o consumo chega a 3,8 kg por ano,

enquanto em alguns estados do Norte não chega a 1 kg. Motivos desse aumento significativo do

consumo de chocolate seriam o aumento da renda do povo brasileiro e o fácil acesso aos produtos.

Mesmo produzindo chocolates com qualidade equiparada aos melhores do mundo e com uma

diversidade de produtos/sabores, em 1972 o cenário do mercado brasileiro de chocolate não era

favorável para os produtores de cacau e nem para a indústria do chocolate. Para compreender este

cenário foram realizadas pesquisas que avaliaram o comportamento de compra e consumo do

brasileiro, com algumas conclusões:

O consumidor brasileiro considerava o chocolate uma simples guloseima consumida por crianças

e mulheres da classe A em momentos especiais. Além disso, existiam alguns rótulos pré-

estabelecidos sobre o produto: "engorda", "é quente", "dá espinhas", "ataca o fígado", "dá

alergia", "estraga os dentes" e entre outros.

As donas de casa consideravam o chocolate um produto supérfluo e sem importância para a sua

lista de compras mensais. Por isso, se sentiam culpadas e péssimas administradoras do lar em

adquiri-los.

Com o cenário negativo apresentado, foram realizadas campanhas nacionais, com objetivo de

incentivar o consumo do chocolate no País e mudar a imagem do produto junto aos consumidores

nacionais.

Após 11 anos, a produção do chocolate brasileiro cresceu de forma acelerada e expressiva:

163% - logo no começo da campanha, em 1973, a produção brasileira de chocolate era de 46.000

toneladas. No seu final, em 1983, era de 121.000 toneladas. Tais campanhas foram tão eficientes

que mesmo após o seu término, o consumo se manteve em alta. Hoje, o chocolate no Brasil é visto

pela população como um alimento moderno e estimulante.

Os principais competidores no mercado brasileiro estão dispostos a seguir no Quadro 1, em ordem

decrescente de participação, conforme ranking preparado pela empresa de pesquisas Nielsen. Juntos,

representam 94% de todo o mercado.

Quadro 1 – Competidores do Mercado de Chocolate no Brasil

KRAFT FOODS - Empresa americana criada em 1903, iniciou suas atividades vendendo

queijos para os comerciantes de Chicago dentro de uma charrete. A empresa está presente no

mercado brasileiro desde 1993 com a aquisição da Q-Refresko S.A. Em 1996, assumiu o

controle total da Indústria de Chocolates Lacta. Hoje, a Kraft Foods é o fabricante nº 1 de

chocolates no Brasil.

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NESTLÉ - Tem o nome de seu fundador, Henri Nestlé. No Brasil, se instalou em Araras,

interior do Estado de São Paulo, com sua primeira fábrica em 1921. De lá para cá são nove

décadas de uma história de sucesso.

GAROTO - Foi fundada em 1929, pelo imigrante alemão Henrique Meyerfreund. Passou

por forte processo de expansão. Em 1978 começou a exportar produtos acabados para vários

países do mundo. Ao longo do tempo, a Garoto conseguiu confirmar seu sucesso no

mercado, sendo considerada por alguns consumidores a marca nacional de chocolate mais

gostosa do Brasil.

ARCOR - Começou trajetória no país com a compra da Nechar Alimentos Ltda., fábrica de

balas do interior paulista. Já os chocolates foram lançados em 1995 com a linha Tortuguitas.

Em 1999, iniciou a produção nacional de chocolates, com a fábrica de Bragança.

HERSHEY´S - É a maior fabricante de chocolates dos Estados Unidos. Com atuação no

mercado brasileiro desde 1998, iniciou suas atividades no país através da importação dos

seus produtos, mas precisou se adaptar aos gostos do consumidor brasileiro. Para isso

comprou a divisão chocolates da Visconti em 2001, localizada em São Roque, SP.

NEUGEBAUER - Fundada em 1891 por alemães, os irmãos Franz e Max Neugebauer e o

sócio Fritz Gerhardt. É a fábrica de chocolates mais antiga do Brasil.

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APÊNDICE 2

O mercado de chocolate

O mercado mundial

O comércio de chocolate tem atraído um grande número de empreendedores; logo,

concorrentes. Mesmo com a acirrada concorrência, a fabricação artesanal e caseira vem oferecendo

muitas e boas oportunidades para o pequeno empreendedor. Em consequência, o mercado

consumidor de chocolate é crescente.

O mercado mundial do chocolate em 2011 está dimensionado em US$ 83,2 bilhões anuais,

com a previsão de atingir US$ 98,3 bilhões em 2016, conforme pesquisa publicada em maio de 2011

pelo Markets and Markets (M & M) - empresa norte americana de consultoria e pesquisa do mercado

global, sendo os dez maiores fabricantes:

Mars Inc. – muito famosa por um de seus produtos, os confetes de chocolate M&M’s, a

americana Mars Inc., uma das maiores empresas de capital fechado dos Estados Unidos; é a

maior produtora de chocolates e guloseimas do mundo, de acordo com a Candy Industry. Sua

receita líquida, em 2009 (últimos dados disponíveis), somou 16,5 bilhões de dólares.

Nestlé - tradicionalmente lembrada por seus chocolates, a Suíça não é o país com o maior

número de representantes na lista. A empresa de maior destaque é a gigante Nestlé, segundo a

Candy Industry. Em 2009, a receita líquida somou 11,393 bilhões de dólares. Com isso, a Nestlé

ocupou o segundo lugar no ranking dos maiores produtores mundiais de chocolate e doces.

Ferrero - conhecida dos brasileiros pelos bombons Ferrero Rocher, o grupo italiano Ferrero

ocupou a terceira posição no ranking da Candy Industry. Em 2009, sua receita foi de 8,997

bilhões de dólares.

Cadbury - em 2009, a britânica Cadbury era a quarta maior fabricante de chocolates e doces do

mundo, segundo a Candy Industry. Sua receita líquida era de 8,819 bilhões de dólares. A

Cadbury, porém, foi incorporada pela Kraft Foods em fevereiro de 2010, numa transação de 19,5

bilhões de dólares. A empresa tornou-se, então, uma das marcas da gigante americana.

Kraft Foods - antes de incorporar a Cadbury, a Kraft Foods era a quinta maior fabricante de

chocolates do mundo, segundo a Candy Industry. Em 2009, último ano antes da transação, a

Kraft obteve receita líquida de 8,3 bilhões de dólares. Entre seus produtos, estão o Toblerone e os

wafers da Nabisco.

Hershey - fundada em 1894, é um dos orgulhos dos americanos. Em 2009, segundo a Candy

Industry, a empresa gerou receita líquida de 5,319 bilhões de dólares. O desempenho a colocou

como a sexta maior produtora de doces e chocolates do mundo.

Perfetti Van Melle - a empresa foi criada em 2001, a partir da fusão da italiana Perfetti com a

holandesa Van Melle. Operando em 150 países, a companhia apresentou receita líquida de 2,882

bilhões de dólares no ano retrasado, de acordo com a Candy Industry. Com isso, obteve a sétima

posição no ranking dos maiores fabricantes de chocolates e doces do mundo.

Lindt & Sprungli - fundada em 1845. Conhecida por seus chocolates premium, a empresa

registrou receita líquida de 2,569 bilhões de dólares em 2009, segundo a Candy Industry. O

desempenho lhe confere o oitavo lugar no ranking das maiores fabricantes de doces e chocolates

do mundo.

Ezaki Glico - o Japão também tem seus representantes no topo dos maiores produtores de

chocolates e doces do mundo. Uma delas é a Ezaki Glico. Em 2009 (últimos dados disponíveis),

a empresa obteve receita líquida de 1,567 bilhão de dólares.

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14 UM SHOW DE CACAU

José Franciso Rezende, Simone Mello

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GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

Meiji Seika - a segunda representante japonesa na relação é a Meiji Seika, dona de marcas como

Hello Panda e Ya Ya, ambas fabricadas a partir de chocolate.

De acordo com a Candy Industry, a Meiji Seika fechou 2009 com receita líquida de 1,560 bilhão

de dólares. A cifra é décima maior da relação.

Estados Unidos da América

O mercado de chocolate dos EUA é maduro, diferenciado e exigente, o que o faz ser um

desafio para os profissionais de marketing de produtos de chocolate. Foi escrito pelo veterano

analista de mercado de chocolate Curtis Vreeland, um relatório, com o título Chocolat Market in the

U.S.: Trends and Opportunities in Premium Chocolat Gourmet Products, and Mass.

Nele é examinado o estado atual da indústria, como o mercado vai evoluir ao longo dos

próximos cinco anos e analisa os fatores que afetam o varejo miríade de chocolate e de consumo.

Hoje, os comerciantes de chocolate estão inspirando-se em outros segmentos da indústria de

alimentos e bebidas, em um esforço para impulsionar as vendas.

O mercado dos EUA para produtos de chocolate aumentou suas vendas em 3% em 2008 para

chegar a um recorde de US $ 17 bilhões em 2009, de acordo com o relatório citado acima. O

crescimento foi atribuído a 75% dos norte-americanos que compraram produtos de chocolate desde

2008 e os aumentos dos preços do fabricante que não se desanimou, consciente do orçamento das

famílias para comprar chocolate de qualidade como uma indulgência acessível.

A demanda global para o chocolate deve aumentar ao longo dos próximos anos. O mercado

capitaliza sobre a capacidade incrível de o chocolate se metamorfosear em uma série de produtos

adequados para a confeitaria, bebidas, restaurante, hospitalidade e indústrias de higiene pessoal. De

acordo com a Packaged Facts o mercado de chocolate EUA vai ultrapassar US $ 19 bilhões em 2014.

Alemanha

Dados da Associação Federal das Indústrias Confeiteiras Alemãs (BDSI, na sigla em alemão)

informam que aproximadamente 22,8 mil toneladas de ovos de páscoa foram produzidas para

abastecer o mercado em 2008. O advento da Páscoa representa grande movimentação na produção

de chocolates no país. Em torno de 74% da produção de ovos no país foi destinada ao mercado

interno, isso equivale a 16,8 mil toneladas. As seis mil toneladas restantes foram para fins de

exportação.

No ano passado, a indústria de chocolate faturou 431 milhões de euros durante o período,

sendo que, cada alemão gastou, em média, cinco euros em artigos relativos à Páscoa.

Ainda segundo a BDSI, em 2010, 90% do chocolate vendido nessa época foi da versão ao leite,

porém, a variante amarga, que representa 10% das vendas, está em amplo crescimento no mercado.

Reino Unido

Com sabor único e cremoso, e uma deliciosa textura, o chocolate de leite Cadbury Dairy Milk,

no início do século XX, teve um impacto imediato tornando-se líder de mercado no Reino Unido. Os

seus êxitos continuam até a presente data: Atualmente, Cadbury Dairy Milk continua a ser a marca

de chocolates mais vendida naquele país. A vasta família de produtos da marca Cadbury tem um

valor internacional que se aproxima de mil milhões de dólares.

O design e a imagem das diferentes variedades de CDM são exatamente iguais alterando- se

apenas, o idioma.

Brasil

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15 UM SHOW DE CACAU

José Franciso Rezende, Simone Mello

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GVcasos | São Paulo | V. 6 | n. 2 | jul-dez 2016 www.fgv.br/gvcasos

O Brasil perde apenas para os Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido no consumo do

chocolate. Atualmente, o ocupa, também, a 4ª posição no ranking mundial em produção de

chocolates, cerca de 305 mil toneladas/ano.

O tamanho do segmento varejista de consumo de chocolate (com exceção da Páscoa) –

segundo dados Nielsen – é de 139 mil toneladas de consumo de chocolates por ano, o que representa

um faturamento estimado em R$ 3,4 bilhões.

Com relação ao volume, o mercado teve um crescimento significativo nos últimos 10 anos,

que é demonstrado no aumento do consumo superior a 50%. Em 2008 atingiu-se uma estabilidade

de consumo referente a um aumento significativo do preço do cacau. Por outro lado, o faturamento

teve um crescimento superior a 65% no período, com uma substancial alteração no preço por

quilograma do chocolate, conforme Figuras 1, 2 e 3:

Figura 1

Evolução do volume consumido de chocolates

no Brasil (R$ bilhões)

Fonte: Nielsen/Euromonitor

Figura 2

Evolução do Faturamento de Chocolates

no Brasil (R$ bilhões)

Fonte: Nielsen/Euromonitor

Figura 3

Evolução do preço Médio do Chocolates no Brasil (R$ / Kg)

Fonte: Nielsen/Euromonitor