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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR VII CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO, INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Relações Internacionais no Centro de Educação Superior VII da Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICO: GEISON ALFREDO ARISI São José (SC), novembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR VII

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO,

INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Relações Internacionais no Centro de Educação Superior VII da Universidade do Vale do Itajaí.

ACADÊMICO: GEISON ALFREDO ARISI

São José (SC), novembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO,

INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação de conteúdo do Prof. André Vinícius Tschumi. ACADÊMICO: GEISON ALFREDO ARISI

São José (SC), novembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CAMPUS DE SÃO JOSÉ

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS

A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO,

INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO

GEISON ALFREDO ARISI:

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do Grau de Bacharel em Relações Internacionais no curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 30 de novembro de 2004

Prof. MSc. Roberto Di Sena Jr. Coordenador do Curso de Relações

Internacionais

Prof. MSc. Paulo Jonas Grando Coord. de Estágios e Monografias do Curso

de Relações Internacionais

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof. André Vinícius Tschumi – membro orientador

_______________________________________________________ Prof. Msc. Paulo Jonas Grando – membro examinador

_______________________________________________________

Prof. MSc. Marcelo Alves – membro examinador

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iii

DEDICATÓRIA

Dedico este texto:

Aos meus pais, pela preocupação em me proporcionar uma boa educação e por estarem sempre ao meu lado, principalmente nas horas que mais necessitei.

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iv

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais Gelso e Ana e aos meus irmãos Giordani e Fabielen,

pelo apoio, carinho, além das críticas e sugestões que foram tão bem vindas ao

desenvolvimento deste trabalho;

Agradeço à minha namorada Geisi pelo amor, carinho e paciência sempre

demonstrados;

Agradeço ao meu orientador de conteúdo pelas críticas, sugestões, enorme

dedicação e profissionalismo sempre presentes;

Agradeço ao coordenador de monografias pelo incentivo, orientações e

presteza em todos os momentos;

Agradeço a todos os professores pela oportunidade que me proporcionaram de

crescer em conhecimento;

Agradeço aos colegas e em especial os amigos Alexandre, Cássia, Jackson,

José Nelson, Juliano, Luiz Fernando, Nani e Rodrigo pela ajuda, companheirismo e lealdade;

Agradeço aos amigos “da rua” pela alegria, companheirismo e paciência;

Agradeço, finalmente, a todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta,

contribuíram para a realização desta pesquisa.

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v

“A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo

onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a

sobrevivência ou para a ruína, torna-se de suma importância

estudá-la com muito cuidado em todos os seus detalhes”.

SUN TZU

“A guerra não é destinada a ser ganha, é destinada a ser

contínua”.

GEORGE ORWELL

“Essas lutas infrutíferas, essas guerras ruinosas hão de passar, e

a paz máxima há de chegar”.

BAHÁ’U’LLÁH (monumento à paz no trapiche da Avenida

Beiramar Norte em Florianópolis)

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

LISTA DE ABREVIATURAS

LISTA DE QUADROS

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1

1 A GUERRA COMO UM FENÔMENO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS .......5

1.1 Conceito de Guerra e Porque ela Acontece ...................................................................6

1.2 O que Leva os Estados a Entrar em Guerra .................................................................10

1.3 Os Tipos de Guerra e Porque ela Muda as Relações Internacionais ...........................14

1.3.1 Os Tipos de Guerra .............................................................................................14

1.3.2 Impactos Causados pela Guerra no Cenário Internacional ................................24

1.4 A Relação da Guerra com as Políticas dos Estados nas Relações Internacionais .......28

2 A GUERRA NAS TEORIAS TRADICIONAIS DAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS ........................................................................................................33

2.1 O Idealismo e o Problema das Guerras ........................................................................34

2.1.1 Os Fundadores do Utopismo ...............................................................................35

2.1.2 Os Projetos de Paz do Século XVIII ...................................................................40

2.1.3 O Idealismo do Século XX .................................................................................43

2.2 A Guerra para os Realistas ..........................................................................................49

2.2.1 O Realismo antes do surgimento das teorias das Relações Internacionais .........51

2.2.2 O Realismo no Século XX ..................................................................................55

2.3 A Guerra para os Teóricos do Marxismo ....................................................................62

2.3.1 Marx ....................................................................................................................64

2.3.2 Lenin ...................................................................................................................66

2.3.3 Gramsci ...............................................................................................................67

3 A GUERRA NAS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS.........................................................................................................70

3.1 A Teoria da Dependência .............................................................................................71

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vii

3.1.1 A Guerra para os Teóricos da Dependência ........................................................73

3.2 A Teoria da Interdependência Complexa......................................................................75

3.2.1 A Guerra para os Teóricos da Interdependência .................................................79

3.3 A Teoria Neo-Realista .................................................................................................82

3.3.1 A Guerra para os Teóricos Neo-realistas ............................................................86

CONCLUSÃO ........................................................................................................................88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................92

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RESUMO

Vivemos num mundo onde a guerra fez parte da história de praticamente todas as

nações. As guerras determinaram diversas mudanças no cenário internacional, resultando em

mortes, desgraça, dor e sofrimento. Falando nestes resultados, lembramos as duas Guerras

Mundiais que assolaram o mundo, principalmente a Europa, no início do século XX. É a

partir daí que surge o interesse dos Estados em criar meios que visem abolir as guerras.

Contudo, cerca de sessenta anos depois do término da II Guerra Mundial, nos encontramos

em um mundo não tão diferente daquele, onde ainda existem guerras. Para tentar compreender

este mundo, surgem as teorias das relações internacionais. Portanto, decidimos apresentar de

que forma as principais teorias das relações internacionais explicam o problema das guerras

no cenário internacional. Escolhemos descrever seis teorias neste trabalho: idealista, realista,

marxista, dependentista, interdependentista e neo-realista. Ao desenvolver este trabalho,

verificamos que a teoria idealista trata a guerra como um fenômeno que pode ser evitado,

desde que as nações trabalhem em conjunto para isto. Já a teoria realista trata a guerra como

um instrumento que os chefes de Estado dispõem para alcançar o poder, o qual é o centro de

sua teoria. Para os marxistas, o capitalismo é o causador das guerras. Os dependentistas

defendem que somente os países ricos fazem guerras, sendo que os pobres não possuem

muitos recursos para tal. Para os interdependentistas, fazer guerra é muito custoso. Os neo-

realistas acreditam no equilíbrio de poder como principal ferramenta para evitar a guerra.

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ABSTRACT

We live in a world where the war were part of the history of almost every nation. The

wars determinated many changes on international scenery, resulting death, misfortune, pain

and suffering. Talking about these results, we remember the two World Wars that hited the

world, mainly Europe, in the beginning of the 20th century. It is from those wars that the

States started to be interested on creating ways to end the wars. However, about sixty years

after the end to the Second World War, we are found in a world not so different of that, where

wars still happen. Trying to understand this world, the teories of international relations came

out. So, we decided to study in how the main international teories explain the problem of wars

on international scenery. We chose to study six teories: idealism, realism, marxism,

dependentism, internependentism and new-realism. Developping this issue, we verified that

the idealism treats the war like something that can be avoided if the nations work together for

that. The realism trats the war like an instrument that the chiefs of State have to reach the

power, which is the center of their teory. For the marxists, the capitalism is who causes the

war. The dependentists defend that only the rich countries make wars, because the poor

countries cannot afford that. For the interdependentists, to make war is very expensive in a lot

of ways. The new-realists believe on the power balance as the main tool to avoid the war.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas

WTC – World Trade Center

OLP – Organização para a Libertação da Palestina

ONU – Organização das Nações Unidas

ONGs – Organizações Não-Governamentais

CEPAL – Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo

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LISTA DE QUADRO 1. Quadro Sinótico das Características Realistas e Interdependentistas ..................................77

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INTRODUÇÃO

O mundo sempre esteve diante de conflitos e guerras, alguns por motivos territoriais,

outros por motivos econômicos, outros políticos, outros por independência, outros por

motivos religiosos, alguns até por motivos pessoais dos governantes, e alguns por todos estes

motivos em conjunto. Todos estes conflitos trouxeram desgraça, pobreza, e muitas mortes aos

beligerantes.

Hoje, se percebe que o objetivo principal das grandes potências não foi o

internacionalismo, e sim o domínio do sistema de Estados. As grandes potências, uma após a

outra, não mediram esforços para chegar a este status quo1, esforços que só foram derrotados

por guerras, principalmente entre uma coalizão de forças e a grande potência. Como disse

certa vez o presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas: “A vida é uma seqüência

contínua de dominações...” (WHIGHT, 2002, p. 10).

Com o passar dos séculos, e principalmente a partir do século XX, após a II Guerra

Mundial, foram surgindo diversas teorias que poderiam explicar as Relações Internacionais.

Todas estas teorias tentam explicar, além de outros assuntos, a guerra de acordo com a sua

ideologia. O idealismo, por exemplo, acredita que a guerra pode ser evitada a partir do direito

internacional, a partir das Organizações Internacionais, como a Organização das Nações

Unidas; não acredita nos problemas que advém do dilema segurança/poder e crê no progresso

das nações sem a utilização da guerra, ou seja, acreditam que as nações podem se desenvolver

pacificamente. Já o pensamento realista baseia-se na busca pelo poder, através de qualquer

meio necessário, inclusive a guerra. Neste ramo de pensamento, excluem-se problemas sociais

ou econômicos. A guerra, para os realistas, seria um instrumento que os governantes têm para

almejar o poder absoluto. Além destas duas teorias, existem muitas outras que tratam

diferentemente do fenômeno guerra, conforme seus pensadores e o tempo histórico que foram

concebidas.

Diante da realidade das Relações Internacionais atuais e do perigo que o mundo inteiro

corre por causa dos conflitos armados, é de fundamental importância identificar a guerra

dentro das teorias das Relações Internacionais. Grandes generais e estudiosos da guerra dizem

que ela é fundamental para um Estado se concretizar e se manter. Maquiavel acreditava que a

guerra é inevitável para um país que almeja poder sobre outros, é um meio justificado pelos

1 Status quo, em latim, quer dizer “estado em que se encontra”, ou seja, para as Relações Internacionais, o status quo é estado em que se encontra o cenário internacional e suas relações de poder.

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seus fins. Diferentes países moldam suas políticas externas de acordo com as diferentes

teorias das Relações Internacionais e agem conforme estas teorias.

A guerra tratada pelas diferentes teorias das relações internacionais é um tema

importantíssimo para os estudiosos da matéria e para as Relações Internacionais brasileiras,

que vêm atuando com excelência no estabelecimento da paz, como ocorreu no Timor Leste e

está ocorrendo no Haiti, pois a paz só poderá ser alcançada através do conhecimento da guerra

e de que forma os diferentes países fazem sua política externa de acordo com as diferentes

teorias das relações internacionais. Portanto, fazer um estudo sobre como as teorias das

relações internacionais tratam o problema das guerras é de suma importância para os

estudantes de Relações Internacionais.

O tema desta pesquisa é a guerra interestatal tratada pelas principais teorias

tradicionais das Relações Internacionais, até década de 1950, e contemporâneas, a partir a

década de 1960. A partir deste tema iremos apontar as diferenças que cada teoria dá pra a

guerra, ou seja, como a guerra é apresentada pelas diferentes teorias das Relações

Internacionais?

Para responder a esta pergunta, temos diversas hipóteses a serem analisadas. Para os

idealistas os Estados são capazes de conviver pacificamente, criando Organizações

internacionais e respeitando as normas internacionais. Já os realistas pensam a guerra como

um instrumento que os chefes de Estado dispõem para alcançar o poder, o qual é o centro de

sua teoria. Os pensadores da teoria marxista acreditam que o capitalismo é o centro das

Relações Internacionais, e devido as características do capitalismo, os países podem entrar em

guerra, quando nestes, o capitalismo alcançar o seu último estágio. Para os teóricos da

interdependência, a guerra não seria travada mais entre Estados por si só, pois diversos

interesses além do âmbito estatal estariam em jogo, e sim entre coalizões, entre interações de

Estados e, desta mesma forma, os conflitos poderiam ser evitados através da

interdependência, pois cada Estado depende do outro para sobreviver. Para os teóricos neo-

realistas, o que determina a guerra e a paz é a distribuição do poder. Eles abordam, ainda, as

questões econômicas para explicar o fenômeno da guerra. Por fim, para os teóricos da

dependência os conflitos acontecem por causa da forte dependência econômica entre os

Estados. Os Estados centrais exercem um certo imperialismo nos Estados periféricos ou

dependentes, em incessante busca pela conservação de seu status quo. A guerra, ao contrário

dos pensadores realistas, acontece por motivos econômicos, além de motivos políticos.

Contudo, para verificar a coerência destas hipóteses, temos que estabelecer um

objetivo capaz de responder à pergunta acima. Tal objetivo seria apresentar de que forma as

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principais Teorias das Relações Internacionais explicam o problema das guerras no cenário

internacional. Para isto, dividiremos este trabalho em três objetivos específicos, quais sejam

compreender a guerra como fenômeno nas Relações Internacionais, identificar as principais

Teorias Tradicionais das Relações Internacionais e como elas tratam a guerra e identificar as

principais Teorias Contemporâneas das Relações Internacionais e como elas tratam a guerra.

Para desenvolver o trabalho, o método de abordagem a ser utilizado será o dedutivo,

através do qual parte-se do raciocínio maior (geral) para se atingir o particular. A forma mais

comum de dedução é o chamado silogismo ou dedução mediata. A dedução é uma forma de

raciocínio composta em geral por três proposições lógicas, ligadas entre si por exigências

formais de tal maneira que a terceira, denominada conclusão, é uma decorrência necessária

das duas precedentes, chamadas premissas.

Para se responder aos objetivos específicos dessa pesquisa, atingindo dessa forma o

objetivo geral, será feita a oposição e a conversão entre dois grupos de juízos: o conceito de

guerra e as Teorias das Relações Internacionais a serem estudadas. Ou seja, far-se-á um

silogismo, pois a ordenação lógica das afirmações de caráter geral (os juízos) levará,

obrigatoriamente, à conclusão obtida.

Esta monografia é um trabalho de pesquisa baseado em fontes secundárias como livros

sobre o tema e pesquisas na rede mundial de computadores. As fontes serão utilizadas com a

finalidade de auxiliar a produzir respostas ao problema e cumprir os objetivos que se propôs.

Nas bibliografias pesquisadas, serão estudados somente os conceitos que servirão para

este trabalho, ou seja, os aspectos de cada teoria das Relações Internacionais relacionados à

questão da guerra, visto que a guerra que será tratada neste trabalho é aquela que ocorre entre

Estados independentes.

Para se atingir o primeiro objetivo específico, será analisado o conceito de guerra, seus

tipos e suas conseqüências para as Relações Internacionais. Os dois objetivos específicos

seguintes serão atingidos a partir da apresentação de como os principais autores de cada

modelo teórico das Relações Internacionais tratam da guerra. Contudo, em cada uma delas,

deverá ser feito um breve histórico para fundamentá-las. Para tal, a técnica a ser utilizada será

a pesquisa documental indireta. Esta técnica de pesquisa abrange as fontes primárias (pesquisa

documental) e as fontes secundárias (pesquisa bibliográfica). Porém, neste trabalho será

utilizado somente a pesquisa bibliográfica, utilizando livros, principalmente, encontrados nas

bibliotecas da Universidade do Vale do Itajaí.

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Os principais conceitos utilizados no trabalho seriam os conceitos de guerra e das

principais Teorias das Relações Internacionais. O conceito de guerra, brevemente aqui

exposto, seria a

[...] luta durante certo lapso de tempo entre forças armadas de dois ou mais Estados, sob a direção dos respectivos Governos. Para Clausewitz, a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios, é ‘um ato de violência cujo fim é forçar o adversário a executar a nossa vontade’. (ACCIOLY e SILVA, 2000, p. 433)

Devemos lembrar que o conceito de guerra utilizado neste trabalho é o conflito

armado entre Estados independentes politicamente, deixando de lado as guerras internas,

como revoluções, e outros tipos de conflito, como o terrorismo.

Podemos dividir as Teorias das Relações Internacionais em duas etapas, as Teorias

Tradicionais e as Teorias Contemporâneas. Dentro das Teorias Tradicionais, poderíamos

incluir aquelas que surgiram até a década de 1950, como as Teorias do idealismo, realismo e

marxismo. Já dentro das Teorias Contemporâneas, a partir da década de 1960, podemos

incluir as Teorias da dependência, interdependência e neo-realismo.

Por fim, se faz necessário frisar que a escolha dos autores sobre os quais decidimos

falar nos capítulos 2 e 3 foi feita arbitrariamente. Existem dezenas, senão centenas de autores

que escrevem sobre as teorias das relações internacionais. Certamente, outras pesquisas na

mesma área iriam fazer uma divisão diferente das correntes e dos principais pensadores de

cada teoria. Logo, longe de procurar esgotar as discussões sobre tão vasto assunto, a

classificação feita neste trabalho objetiva apenas expor o tema dos capítulos 2 e 3 de forma

bastante didática, facilitando atingir os objetivos a que o trabalho se propõe.

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1 A GUERRA COMO UM FENÔMENO NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

Os conflitos armados sempre ocorreram na história da humanidade. As pessoas

sempre se mataram, as tribos sempre se enfrentaram e a violência é intrínseca do ser humano.

Fazendo-se política, os governantes de um determinado Estado, em busca de seus interesses,

encontram outros Estados que têm interesses contrários aos seus. A guerra, como afirma

Clausewitz, “é uma forma de se fazer política por outros meios”. Quando um Estado não

dispõe de argumentos ou técnicas diplomáticas, ou pacíficas, para conseguir satisfazer sua

própria vontade com relação a outro, ou seja, buscando seus interesses, ele utilizará a guerra

como um meio para conseguí-lo. A guerra sempre esteve presente na história da humanidade.

Muitos autores colocam que os períodos nos quais a guerra esteve presente são muito mais

longos que os períodos em que “reinou” a paz.

Neste capítulo será apresentado o conceito de Guerra que irá ser abordado neste

trabalho, estudando o porquê ela acontece no cenário internacional, utilizando-se diversos

exemplos de guerras. Serão identificados, ainda, os principais motivos pelos quais os Estados

decidem fazer a guerra, quais sejam, motivos econômicos, de segurança ou ideológicos.

Após, iremos identificar os tipos de guerra de acordo com concepções distintas, sendo

divididas quanto à abrangência, quanto à intensidade, quanto ao número de beligerantes,

quanto ao armamento, e outros tipos como guerras irregulares e guerras de dissuasão.

Também serão identificados os impactos causados pela guerra no cenário internacional,

fazendo-se um histórico das principais guerras e suas conseqüências para o cenário mundial e,

por fim, será apresentada a relação da guerra com a política dos Estados nas Relações

Internacionais.

Contudo, antes de começar a identificar a guerra, deve-se conhecer, brevemente o

conceito de Relações Internacionais que será utilizado neste trabalho. As Relações

Internacionais podem ser as relações que um Estado politicamente independente tem com

outro, através de embaixadas, consulados ou missões diplomáticas e entre estes e as

Organizações internacionais ou entre elas mesmas. Sabemos, todavia, que as relações entre

empresas multilaterais ou transnacionais, que possuem filiais no mundo inteiro, entre

Organizações Não-Governamentais (ONGs), ou as relações entre empresas com ONGs e com

os Estados, podem fazer parte das Relações Internacionais. Porém, neste trabalho, as relações

empresariais, ou seja, as que não fazem parte do escopo governamental, não serão tratadas

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como Relações Internacionais, mesmo porque a guerra pode somente acontecer entre Estados.

(FERNANDES, 1998, p. 16)

1.1 Conceito de Guerra e Porque Ela Acontece

Falar de guerra não é tão simples quanto parece, pode-se encontrar tem diferentes

conceitos sobre o assunto. Conforme manuais de direito internacional público, como Accioly

e Silva, 2000, pg 433, a guerra é “...luta durante certo lapso de tempo entre forças armadas de

dois ou mais Estados, sob a direção dos respectivos Governos”. Outros autores, como

Clausewitz, definem a guerra como a continuação da diplomacia por outros meios, é “um ato

de violência cujo fim é forçar o adversário a executar a nossa vontade”. Apesar de muitas

pessoas importantes no mundo atual, por exemplo George W. Bush, intitular conflitos

diversos como sendo guerra, por exemplo “guerra contra o terrorismo”, guerras

mercadológicas, guerras econômicas, entre outras, estas “guerras” não entram na definição

correta de guerra, pois guerra é, resumidamente, um conflito armado entre dois Estados

independentes.

Segundo Mello (1994 apud Tschumi, 2003, p.3):

a guerra [...] possui um elemento objetivo, a luta armada entre os Estados, e um subjetivo, a intenção de fazer guerra (animus belligerandi). A junção destes é que cria o estado de guerra, regulamentado pelas normas do Direito Internacional. A caracterização do elemento subjetivo é importante não apenas para demonstrar a vontade do Estado em fazer a guerra, mas também porque a guerra, ao contrário de outros atos de força mais limitados (como as represálias), criam direitos e deveres (de neutralidade) para terceiros Estados.

No direito internacional, a guerra pode ser legitimada segundo a Carta das Nações

Unidas, que regulamenta as “contramedidas” legais: as guerras de legítima defesa, individual

ou coletiva, e as medidas tomadas por iniciativa do Conselho de Segurança, quais sejam o

“emprego da força armada” (art. 41 da Carta) sob o comando do próprio órgão. Assim, as

guerras de agressão, aquelas em que um Estado ataca outro, por motivos mais diversos, são

consideradas ilegais, já as contramedidas, são consideradas legais. Os motivos da agressão

serão apresentados adiante. Já a legítima defesa, tanto individual, quanto coletiva, significa

que quando um Estado é atacado por outro ilegalmente, aquele tem o direito de se defender, e

para isso ele pode formar alianças enquanto o Conselho de Segurança não tiver tomado as

medidas para solucionar a questão.

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Acerca das causas das guerras, pode-se identificar certas causas, como sendo causas

simples de se analisar. Porém, a guerra não é um fenômeno tão simples, embora pareça. Suas

causas podem remontar décadas atrás, ou um emaranhado de questões que podem não ser de

conhecimento das pessoas. Muitos dizem que a I Guerra Mundial começou com o assassinado

do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando em Sarajevo, dia 28 de junho de 1914, porém,

as causas da Guerra tiveram origem muito antes.2

Alguns autores colocam que a guerra não é mais causada por decisões humanas, e sim

por circunstâncias como o capitalismo ou o equilíbrio de poder, como afirma Wight (2002, p.

134). A guerra faz parte da natureza intrínseca do homem. Desde que ele é conhecido como

tal, os conflitos e guerras acontecem. Hobbes diz que o homem em seu estado natural está

sujeito à disputas violentas com os seus iguais. Por esta razão, o homem delegou poderes a

um representante que seria o governante de seu Estado. O mesmo acontece com o Estado com

relação ao Sistema Internacional, pois este se encontra em uma fase de anarquia. Os Estados

“podem” fazer guerra livremente, desde que tenham poder militar para isto. “Os mais

importantes e consagrados estudiosos norte-americanos percebem o mundo como uma grande

arena, onde o que conta são as relações de poder.” (Bull, 2002, p. XVII)

O sistema de Estados pode ser visto como sendo de relações verticais, onde o poder

dos Estados é o determinante. Não existe um poder supremo que possa controlar um Estado

quando este tem a intenção de fazer a guerra, a não ser outro Estado com poder militar mais

forte que o primeiro. Por este motivo podemos afirmar que o sistema de Estados é um sistema

anárquico. Segundo Wight (2002, p.94) “[...] enquanto na política doméstica a luta pelo poder

é governada e circunscrita pelo molde das leis e das instituições, na política internacional a lei

e as instituições são governadas e circunscritas pela luta pelo poder.”

Neste sistema, quando um Estado almeja certos territórios, por razões de matérias-

primas, razões geopolíticas e, até mesmo, razões próprias do governante, ele pode fazer guerra

para conquistá-los, desde que tenha um poder bélico e uma atuação diplomática eficaz,

persuadindo os demais Estados a não imporem sanções em virtude da agressão militar

efetuada. O mesmo acontece quando um Estado decide fazer guerra por razões outras que a

conquista de território, ou seja, razões ideológicas ou de segurança. O Conselho de Segurança

da Organização das Nações Unidas (CSNU) é um órgão de caráter vinculativo, ou seja, suas

resoluções funcionam como regras, ou normas, para os Estados, porém não dispõe de um

2 Assim demonstra Henry Kissinger, principalmente nos capítulos 7 e 8 de Diplomacia das Grandes Potências. Sobre as causas da I Guerra ver item 1.2, páginas 10 e 11.

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exército próprio capaz de impedir a guerra. Um exemplo atual do sistema anárquico dos

Estados é a segunda Guerra do Golfo (2003). Mesmo com a grande maioria dos Estados

sendo contrária à guerra e o CSNU não tê-la aprovado, os Estados Unidos e a Inglaterra

iniciaram o ataque ao Iraque e invadiram aquele país. Este ato colocou em dúvida a

importância e necessidade do CSNU. Porém, provou-se que o sistema internacional é

anárquico quando o CSNU nem nenhum Estado conseguiu evitar a guerra ou deter os dois

países de invadir o Iraque, pois estes eram muito mais fortes, militarmente, do que todos os

outros países.

A anarquia do sistema de Estados é um importante argumento do porquê que a guerra

acontece, conforme demonstra Wight (1986 apud Bonanate, 2001, p. 150):

a causa fundamental da guerra não está nem nas rivalidades históricas, nem na paz injusta, nem nos ressentimentos nacionais, nem na corrida armamentista, nem na pobreza, nem na competição econômica pelos mercados e pelas matérias-primas, nem nas contradições do capitalismo, nem na agressividade do fascismo e do comunismo [...]. A causa fundamental da guerra reside na ausência de um governo internacional; em outras palavras, na anarquia dos Estados soberanos.

A ordem mundial esteve sempre presente na sociedade internacional (principalmente a

partir do século XVI em diante), podendo o sistema internacional estar sob um equilíbrio de

poder, onde dois ou mais Estados dispõem de um certo poder militar que pode ser comparado

uns com os outros, ou o Estado hegemônico não estar interessado em fazer guerra, o que é

mais difícil. Segundo Bull (2002, p.1) “...a ordem é uma característica que pode ou não existir

na política internacional, conforme o momento ou o lugar; ou que pode existir em grau maior

ou menor.” Com isto, podemos identificar que a guerra acontece por motivos, além do sistema

internacional anárquico, inerentes ao contexto histórico que ensejou o conflito. Dependendo

do contexto histórico, a guerra pode acontecer, principalmente, por motivos religiosos,

econômicos, de interesse político relacionado ao poder, como foi o caso da Guerra dos Cem

Anos, entre Inglaterra e França (entre 1337 a 1443).

Como dito anteriormente, a guerra pode remontar décadas antes de seu acontecimento,

pode derivar de uma disputa comercial, de uma disputa por poder hegemônico, de um

crescimento militar e tecnológico graduado, ou seja, a guerra não começa simplesmente com a

morte de um arquiduque em Sarajevo, como no caso da I Guerra Mundial, mas sim por causa

do crescimento do poder das nações, juntamente com a busca por espaço, seja ele físico ou

mercadológico.

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Antes de eclodir a Guerra do Peloponeso, a Liga de Delos crescia em poder, e Atenas

cobrava tributos altíssimos das outras cidades-Estado gregas e tinha o intuito de formar uma

“nação” grega sob seu controle, o que causava medo e apreensão por parte das outras cidades-

Estado, como Esparta. Quando Atenas atacou Corinto, que fazia parte da Liga do Peloponeso,

liderada por Esparta, rival de Atenas, a guerra do Peloponeso teve início. (TUCÍDIDES,

2001)

Na Idade Média, a Igreja era detentora de enorme poder político e “financeiro”, pois

possuía grande quantidade de riquezas, como ouro e outros bens, além de muitas terras.

Percebendo que os muçulmanos estavam ganhando adeptos na península balcânica e

crescendo cada vez mais, a Igreja Católica iniciou sua expansão através de guerras contra os

povos islâmicos, conhecidas como as Cruzadas3.

Nas décadas de 20 e 30 do século XX a Alemanha era considerada a causadora da I

Guerra Mundial, sofrendo, assim, duras punições econômicas e morais pelos aliados. Fora

criada a Liga das Nações para pôr um fim às guerras, mas ela se mostrou inapta, “dando as

costas” à Alemanha que aumentava seu poder militar, juntamente com sua tecnologia em

armamento. E foi então que, em busca de recuperar as perdas que teve na I Guerra Mundial,

entre outros motivos, teve início a II Guerra Mundial.

No início do século XXI, os Estados Unidos, maior potência mundial, está entrando

em uma crise econômica que pode acabar com sua hegemonia. O Euro, moeda da União

Européia, está tomando o lugar do dólar como moeda de troca no comércio internacional.4

Então em 2001, em um ataque terrorista, o centro econômico mundial é atingido por dois

aviões e as duas torres do World Trade Center (WTC) desmoronam. Inicia-se uma “guerra

contra o terrorismo”, onde os Estados Unidos atacam países do Oriente Médio em busca dos

líderes das facções terroristas. Em 2003, os Estados Unidos e a Inglaterra, através de seus

respectivos serviços secretos, “descobrem” que o Iraque, detentor de uma das maiores

reservas de petróleo do mundo, está produzindo bombas de destruição em massa, e que

Saddam Hussein, ditador do país, tem ligações com a Al-Qaeda, organização terrorista que

atacou o WTC5. Começa então a guerra contra o Iraque.

Como comentado nos quatro parágrafos anteriores, todas estas guerras tiveram

motivos diferentes relacionados às suas épocas e ao contexto histórico em que o mundo estava

3 As oito cruzadas oficiais ocorreram entre 1095 e 1270. 4 Este assunto é mais bem explicado e aprofundado por Hélio Contreiras, no artigo que escreveu para a revista IstoÉ, chamado Euro Ameaça Dólar, em 26.03.2003, ou buscar no endereço eletrônico <http://www.zaz.com.br/istoe/1747/economia/1747_euro_ameaca_dolar.htm> 5 Este assunto será respondido nas considerações finais, p. 88.

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inserido no momento que aconteceram os conflitos. Pôde-se verificar, então, que a anarquia

do sistema internacional e o contexto histórico de cada conflito são os motivos pelos quais as

guerras acontecem.

1.2 O Que Leva os Estados a Entrar em Guerra

Existem muitos motivos que levam os Estados a entrar em guerra. Estes motivos

podem ser econômicos (territoriais estão incluídos), ideológicos, de segurança e outros

difíceis de serem analisados, que são “razões de ordem psicológica como a vaidade, a busca

por vingança contra determinado grupo social ou país ou simplesmente o desejo de dominar e

ostentar poder”. (Tschumi, 2003)

Os motivos econômicos acontecem quando um Estado sente-se ameaçado

economicamente por outro ou quando almeja mercado ou território.

O Mar Cáspio é riquíssimo em gás natural, suas reservar são maiores que as reservas

dos Estados Unidos mais as do Mar do Norte. Para o escoamento deste gás, poderia ser feito

um gasoduto até o norte da Ásia, onde o mar do ártico é congelado por praticamente o ano

inteiro, ou poder-se-ia construir um gasoduto até o sul da Ásia, escoando-se o gás pelo

Oceano Índico, entre outras rotas, como pela Grande Estrada da Seda, indo em direção à

Europa. Como pelo norte é inviável, mesmo porque não se pode, economicamente, esperar o

mar descongelar, e pela Grande Estrada da Seda ser muito caro, o escoamento deve ser feito

pelo sul. Os Estados Unidos, maior potência mundial e que necessita de combustíveis como

este, decidiu construir o gasoduto rumo ao Oceano Índico. Ao sul do Mar Cáspio encontram-

se o Irã, de governo islamita xiita, o Afeganistão que, até 2002 era governado por

fundamentalistas islâmicos e, ao sul deste, o Paquistão, de governo pró-ocidente. Os Estados

Unidos, então, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, atacam e invadem o

Afeganistão, onde estaria escondido Osama Bin Laden em alguma caverna dentro do país,

desestruturando o governo local e colocando um governo pró-ocidente no poder. Assim, o

caminho Mar Cáspio - Oceano Índico estaria livre para os Estados Unidos construírem seu

gasoduto, passando pelo Afeganistão e pelo Paquistão.6

Para aumentar e sustentar o comércio, as nações podem investir em armamentos

pesados, como aconteceu antes da I Guerra Mundial. Norman Angell, em A Grande Ilusão,

coloca que quando dois ou mais Estados chegam a tal ponto de desenvolvimento

6 Fonte: <http://www.unb.br/informativos/a2002/conflitos.htm> acesso em: 20.08.2004.

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armamentista, a guerra entre eles é inevitável. Tomemos o caso da corrida armamentista entre

a Inglaterra e a Alemanha que resultou na I Guerra Mundial. A marinha inglesa foi sempre

hegemônica no mundo, garantindo o comércio mercantilista até o início da I Guerra Mundial.

Já os alemães, além de outros aspectos industriais, tinham uma população muito grande e

necessitavam de território para poder crescer. Então, começaram a investir na marinha para

contrapor-se ao poderio inglês daquela época e para poderem comercializar seus produtos no

mundo inteiro. Esta corrida armamentista estava levando estas duas potências para um final

bélico, o qual conhecemos como a I Guerra Mundial.

Os alemães, na I Guerra Mundial, buscavam, além de aumentar seu comércio,

aumentar seu território. Inúmeras guerras na história da humanidade ocorreram por questões

territoriais. Podemos dizer que muito mais guerras aconteceram por razões territoriais do que

por qualquer outra razão. Assim demonstra Bonanate (2001, p.111): “... a classe de conflitos

predominante era sempre ligada a questões territoriais, acompanhada de problemas

estratégicos (relacionados com a territorialidade)”. Na Europa, a partir do século XIV, com o

início do processo de formação dos Estados modernos, diversas guerras são travadas por estes

novos Estados com o intuito de expansão. O mesmo ocorre na América, principalmente a

partir da independência dos países americanos. Os Estados Unidos, recém independentes da

Inglaterra, investiram pesadamente na expansão para o oeste, construindo a importantíssima

ferrovia que ligaria o leste ao oeste da América do Norte. Junto com a ferrovia, guerras iam

sendo travadas contra as nações indígenas, contra os espanhóis do México, contra franceses e

ingleses, com o objetivo de formar um Estado americano que se estendesse do Oceano

Atlântico ao Oceano Pacífico.

Na Europa do século XIX, a Alemanha estava sendo unificada por Bismarck e a partir

de então, sua população aumentou rapidamente. Como a Alemanha era “recém nascida”, não

possuía colônias, como os principais países da Europa. A Alemanha crescia economicamente,

suas indústrias e população necessitavam de espaço físico para crescer, ou seja, necessitavam

de matéria-prima para indústria e território para agropecuária, assim pensava Guilherme II, rei

(ou Kaiser) da Alemanha, que, segundo Kissinger (2001, p. 181), era um governante “imaturo

e errático da mais poderosa nação da Europa”. A corrida armamentista na Alemanha havia

sido lançada, como visto anteriormente, e era somente questão de tempo para os alemães se

lançarem à busca por novos territórios. Dentre eles, estavam os territórios da Alsácia e

Lorena, anexados pela Alemanha em 1871, ricos em matérias-primas como o carvão. A

principal fonte que leva um Estado a querer expandir seu território são as matérias-primas de

um determinado território. Porém, questões geopolíticas também têm forte influência. Para os

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Alemães, na I Guerra Mundial, a questão geopolítica do Heartland era fundamental, pois,

estrategicamente, era um território rodeado de montanhas no centro da Europa e,

economicamente, havia também a busca por recursos naturais (matérias-primas) essenciais

para continuar mantendo o crescimento econômico do país.

Além dos motivos econômicos, porém não tão constantes, podemos encontrar os

motivos ideológicos. Dentre eles estão a religião e ideologias políticas e às vezes as duas

podem estar fundidas em uma só. As “guerras religiosas” ocuparam um grande período na

história da humanidade, principalmente durante os séculos XI a XIV. Os soberanos europeus

em nome de Deus e da Igreja Católica, lançaram as cruzadas, que eram “guerras santas”

contra os “infiéis”, ou seja, contra ou mouros, ou muçulmanos. Estes estavam em grande

expansão pelo norte da África, pelos Bálcãs e onde hoje é a Espanha. A Igreja católica,

naquela época, era detentora de enorme poder político. Então ela incitou a população,

inclusive reis, a realizar uma guerra santa contra todos os povos “bárbaros” que não

acreditavam na fé dos católicos.

Contudo, do outro lado, o mesmo acontecia. Os muçulmanos, desde um século após a

revelação a Muhammad por Alá, no século VII, começaram sua expansão. Durante o século

VIII, a religião muçulmana expandiu-se para o oriente, chegando ao sul da Ásia, à Indonésia e

regiões da China. No mesmo período a Jihad islâmica (como era chamada a guerra santa pelos

muçulmanos) expandiu-se também para o norte da África até a região ibérica na Europa. Os

livros sagrados das duas religiões aqui expostas permitem uma variada ramificação de

interpretações. E através de algumas interpretações, as pessoas acreditam que a sua fé é a que

deve imperar no mundo e todas as pessoas devem crer em seu Deus. Para os cristãos, aqueles

que não gozavam da mesma fé cristã, eram infiéis e seguidores do “demônio”. O mesmo

aconteceu com os muçulmanos. Contudo, devemos levar em conta que dentro de cada religião

existem diversas ramificações. Existem aqueles mais fundamentalistas, ou ortodoxos, que

levam o livro sagrado de sua crença muito a sério, a ponto de se fazer guerra, e existem

aqueles que são de uma determinada religião, porém convivem pacificamente com pessoas

que têm uma crença diferente.

As ideologias políticas podem, muitas vezes, caminhar junto com a ideologia

religiosa. Como exemplo podemos citar o islamismo. Em países como o Irã, o islamismo, que

é religião, figura como fonte das leis políticas que regem o Estado. Os direitos, os deveres e as

punições são todos espelhados nas leis do islamismo. Quando, em um Estado que é regido por

leis do islamismo, um governo fundamentalista sobe ao poder, o risco de guerra é

perigosamente alto. Como dito anteriormente, os fundamentalistas, não todos, costumam

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acreditar que somente sua crença é válida para se entrar no reino de Deus, e todos aqueles que

se opõem devem ser punidos.

Não podemos deixar de citar Israel, um Estado judeu, que desde 1947, quando da sua

criação pela Organização das Nações Unidas, vem discriminando e violando uma série de

direitos dos cidadãos muçulmanos. Logo após sua criação, em maio de 1948, Israel,

governado pela direita ortodoxa, lança um ataque contra os estados limítrofes (Egito, Líbano,

Síria, Iraque e Transjordânia), os quais são derrotados, havendo a chamada Diáspora

Palestina, quando os palestinos migram para os países vizinhos. Em 1956, Israel, França e

Inglaterra atacam o Egito, por causa da nacionalização do canal de Suez por este país, sendo

obrigados a se retirar por pressão dos Estados Unidos, 11 dias depois. Em 1967, Israel,

apoiado pelos Estados Unidos, inicia um ataque contra a frente árabe, formada por Egito,

Jordânia e Síria e apoiada por vários estados árabes. Esta guerra fora conhecida como a

Guerra dos Seis Dias, pois Israel aniquilou as forças armadas dos seus inimigos em seis dias.

Em outubro de 1973, ocorre o quarto conflito armado entre Israel e os países árabes vizinhos

(conhecida como guerra do Yom Kippur), iniciada com o ataque da Síria e do Egito às

posições israelenses no Sinai e nas Colinas de Golan, respondendo aos ataques aéreos

israelenses em busca das bases militares da Organização para Libertação da Palestina (OLP).

A guerra durou 19 dias e foi concluída com a intervenção das potências mundiais. Desde

então, Israel vem atacando os territórios palestinos e, ocasionalmente, matando civis,

relatando que estão cometendo “assassinatos selecionados”, ou seja, matando os líderes de

facções terroristas. Ainda, não se importando com os problemas que podem causar às famílias

palestinas, o Estado de Israel vem construindo um muro que atravessa assentamentos

palestinos, separando familiares, com a desculpa de que desta maneira estarão contendo os

terroristas. Por causa da ousadia e falta de preocupação com os palestinos, diversas guerras

aconteceram desde a sua criação, como citado acima. Assim começa a guerra ideológica.

Existem as ideologias políticas sem vínculo com a religião, como a democracia e o

comunismo. Durante o século XX, estas duas ideologias entraram em choque. Por um lado, os

Estados Unidos, levando consigo a democracia e, por outro, o comunismo sendo pregado pela

União Soviética. Neste período, conhecido como a Guerra Fria, diversas guerras aconteceram

por causa do conflito entre as duas ideologias. Na democracia, como o nome já diz, demo

“povo” e cracia “governo”, ou seja governo do povo, é este quem escolhe o seu representante,

e no Estado democrático, as pessoas são livres para exercer qualquer profissão e exercer o

comércio livremente, salvo aqueles proibidos por lei. Já no comunismo, teoricamente, as

pessoas não seriam donas de nenhum bem e ao mesmo tempo de todos. O governo tinha a

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posse de tudo e todas as pessoas usufruiriam tudo. E este foi o principal motivo que causou

tantas guerras após a II Guerra Mundial, como a guerra do Vietnã, da Coréia, a guerra do Irã

contra o Iraque, entre outras. Em todas estas guerras, ou os Estados Unidos ou a União

Soviética tentava fazer com que a forma de governo daqueles países se tornasse democrática

ou comunista. Portanto, os Estados que utilizam motivos ideológicos para fazer guerra,

buscam que o outro Estado simpatize com sua ideologia e utilizam a guerra como “um ato de

violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à sua vontade.” (Clausewitz, 2003. p.

7)

A guerra por motivo de segurança é aquela que um Estado utiliza “para resistir a

alguma ameaça interna a sua integridade ou independência” (Bull, 2002. p.222-223). A guerra

causada por motivo de segurança pode acontecer quando um Estado aumenta seu poder

militar, econômico ou político a tal ponto que os outros Estados se sentem ameaçados.

Podemos exemplificar as guerras que aconteceram por motivos de segurança como sendo,

segundo Bull, p. 223, as grandes guerras preventivas, como a do Peloponeso (entre 431 e 404

a.C.)7, a Guerra da Sucessão Espanhola (entre 1702 e 1713) e também a I Guerra Mundial (de

1914 a 1918). Durante o século XX, precisamente durante a Guerra Fria, se tivesse havido

uma guerra entre os Estados Unidos e a União Soviética, ela teria sido por motivos de

segurança. Os dois Estados estavam num conflito ideológico tão grande, que um pensava que

o outro poderia influenciar a população de seu país, ocorrendo assim, uma revolução

ideológica, e o seu país estaria à mercê da democracia ou do comunismo. Um dos dois países

poderia atacar o outro simplesmente por supor que se não o fizesse, o outro atacaria. Isto

quase aconteceu em 1962, quando houve a crise dos mísseis em Cuba. Este Estado, situado no

Golfo do México, estava instalando armas nucleares fornecidas pela União Soviética. Quando

o fato foi descoberto pelos Estados Unidos, o medo de uma guerra nuclear era total. Os

Estados Unidos poderiam ter atacado a União Soviética, ou mesmo Cuba, que era comunista,

porém a razão e o medo de uma destruição global imperaram e, depois de duas semanas de

tensão e negociações, a União Soviética retirou os mísseis de Cuba, após os EUA terem

concordado em retirar os mísseis Júpiter, direcionados para a URSS, de uma base na Turquia.

1.3 Os Tipos de Guerra e Porque ela Muda as Relações Internacionais.

7 Tucídides (apud Wight, 2002, p. 93): “acredito que a causa real [da guerra do Peloponeso], ainda que não admitida, tenha sido o crescimento do poder ateniense, que apavorou os lacedemônios e os forçou a entrar em guerra...”

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1.3.1 Os Tipos de Guerra

Foi apresentado o que é a guerra, porque ela acontece e os motivos que os Estados têm

para fazer a guerra e para entendê-la melhor, devemos identificar os tipos de guerra. Muitos

autores diferem sobre os tipos de guerra. Porém, iremos apresentar os principais, os mais

utilizados. Lembramos que o conceito de guerra utilizado neste trabalho é o conflito armado

entre Estados independentes. Por isso, iremos classificar as guerras de acordo com

concepções distintas quanto à abrangência, à intensidade, ao número de beligerantes, ao

armamento e outros tipos como guerras irregulares.

Segundo Aron (2002, p. 219):

A guerra é de todas as épocas e de todas as civilizações. Os homens sempre se mataram, empregando os instrumentos fornecidos pelo costume e a técnica disponível: com machados e canhões, flechas ou projéteis, explosivos químicos ou reações atômicas; de perto ou de longe; individualmente ou em massa; ao acaso ou de modo sistemático.

Existem diversas técnicas e maneiras de se fazer a guerra. Iremos apresentar as

principais.

a) Quanto à Abrangência

Neste tópico identificaremos as guerras de abrangência interna e de abrangência

externa. As guerras internas não estão enquadradas no conceito de guerra supracitado, pois

seriam guerras travadas por grupos de pessoas ou facções dentro de um Estado ou de uma

colônia pertencente a um Estado. Por este motivo, o assunto concernente às guerras internas

não será aprofundado. Porém tiveram grande importância na configuração do atual sistema de

Estados.

Guerras Internas

Neste tipo de guerra podemos incluir as guerras revolucionárias e as guerras de

independência. As guerras revolucionárias acontecem quando uma parcela da população de

um Estado está insatisfeita com os atos do governo daquele Estado. No século XIX a Europa

presenciou diversas revoluções, como demonstra Tschumi (2003, p.5):

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A começar pelas Guerras Napoleônicas, estágio final da Revolução Francesa. Novamente, em 1848, ocorreram revoluções generalizadas em diversos países europeus: França, Itália, Confederação Germânica, Suíça, Espanha, Dinamarca, Irlanda, Grécia e Inglaterra. Podemos citar ainda as revoluções ou movimentos nacionalistas que assolaram a Grécia, a Bélgica, a Bulgária, Itália, Alemanha e os Bálcãs (anexado, em parte, pela Aústria-Hungria do império Turco-Otomano).

As revoluções tiveram uma enorme importância para a história mundial e para a

formação e configuração dos Estados. Na Revolução Francesa (entre 1789 e 1799), criam-se

os ideais de liberdade, igualdade e prosperidade, que servem de alicerce para as democracias

que irão surgir na Europa (principalmente através das Guerras Napoleônicas) e no resto do

mundo ocidental, marcando o início da chamada Idade Contemporânea pelos historiadores.

Em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicam o manifesto comunista, que conclama o

proletariado de todo o mundo a se unir e tomar o poder. Com isso, aliado à crise econômica e

falta de liberdade civil na França, acontecem as Revoluções de 1848 naquele país. A onda

revolucionária atinge outras nações européias, como as descritas na citação acima, porém

todas são sufocadas.8

As guerras de independência, também tiveram uma enorme importância para a

formação e configuração dos Estados. A principal guerra de independência é a guerra travada

entre os colonos norte-americanos das 13 colônias e o Reino Unido pela independência dos

Estados Unidos, em 1776. Após sangrentas batalhas, uma comissão de cinco membros,

liderada por Thomas Jefferson, redige a Declaração de Independência, promulgada no dia 4

de julho de 1776. Em 1783, a Inglaterra reconhece a independência dos Estados Unidos da

América pelo Tratado de Versalhes. Esta guerra é muito importante para a história mundial,

pois em 1789, os 13 estados norte-americanos ratificam a primeira Constituição da história,

que serve de modelo para a maioria das repúblicas surgidas no mundo.9

Guerras Externas

As guerras externas são aquelas praticadas entre Estados independentes politicamente,

ou seja, entre Estados soberanos. Este tipo de guerra é o mais importante, pelos motivos e

causas apresentados até o momento neste trabalho. Dentro das guerras externas, podemos

incluir as guerras defensivas, de conquista e as guerras preventivas.

8 Fonte: <http://www.nossahistoria.com.br>, acesso em: 10.08.2004. 9 Fonte: <http://www.nossahistoria.com.br>, acesso em: 10.08.2004

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A guerra defensiva é aquela que um Estado não escolhe travar. Quando um Estado

decide atacar outro por motivos econômicos, ideológicos ou de segurança, aquele que é

atacado, no direito internacional, tem o direito de se defender. Acontece então a guerra

defensiva, que é legitimada pela Organização das Nações Unidas (ONU), através do art. 41 da

sua Carta. Um exemplo de guerra defensiva pode ser o ato de a França declarar guerra contra

a Alemanha após esta atacar seus territórios no início da I Guerra Mundial.

Contudo, segundo Hegel (1974 apud Bonanate, 2001, p. 84) “se o Estado se encontra

em perigo, assim como a sua autonomia, todos os cidadãos empenham-se em sua defesa. Se,

nessas circunstâncias, todo o Estado se ergue às armas e deixa a sua vida doméstica para lutar

no estrangeiro, a guerra de defesa transforma-se em guerra de conquista.”

A guerra de conquista acontece quando um Estado ataca outro, com o fim de

conquistá-lo, ou, segundo Clausewitz, “um ato cujo fim é forçar o adversário a submeter-se à

nossa vontade”. Na verdade, a guerra de conquista e a guerra defensiva acontecem na mesma

guerra, depende de que lado ela é analisada. Um exemplo de guerra de conquista pode ser o

mesmo exemplo utilizado em guerra defensiva, porém analisado do lado oposto. A Alemanha

decidindo atacar a França realiza uma guerra de conquista, já para a França, trata-se de uma

guerra defensiva. Neste mesmo estudo, podemos dizer “que a forma defensiva de guerra é em

si mesma mais forte do que a ofensiva” (Clausewitz, 2003, p. 467), pois segundo Bonanate

(2001, p. 82) “a maior de todas as provas é fornecida pela própria natureza da posição

defensiva, que tem como escopo ‘defender’, o que é certamente mais fácil do que

conquistar...”. Porém, isto somente acontecia até o início do século XX, pois com o avanço

das tecnologias nos armamentos, um avião de alta tecnologia pode aniquilar um exército.

Uma outra forma de guerra externa muito interessante é a guerra preventiva. Esta

guerra pode aparentar uma guerra de conquista pelo fato de um Estado decidir atacar outro.

Porém, o motivo principal que leva um Estado a fazer este tipo de guerra é a segurança. Na

guerra preventiva, o objetivo não é a conquista territorial, mas sim debilitar as forças

inimigas. Um Estado vê-se cercado de desvantagens com relação a outro e percebe que se ele

não agir, o outro pode fazê-lo, ou seja, se um Estado se sente ameaçado por outro, ele irá

atacar este para se prevenir. Desta maneira, a guerra pode, também, aparentar-se defensiva,

pois o Estado estará atacando o outro para se defender antes que o outro ataque. Porém, não é

necessário, somente, que o Estado esteja ameaçado militarmente por outro para justificar a

ocorrência de uma guerra preventiva. Ele pode, também, estar sofrendo sanções, ou barreiras,

que impeçam seu desenvolvimento econômico. Este foi o caso da Guerra dos Seis Dias (1967)

quando Israel e Estados Unidos atacam a frente árabe. O pretexto utilizado por estes dois

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países é a intensificação do terrorismo em Israel e o bloqueio do Golfo de Acaba pelo Egito,

vital para os navios israelenses.

b) Quanto à Intensidade

Neste tópico serão apresentadas as guerras quanto à intensidade. Elas podem ser

divididas em incidentes de breve guerra, guerras limitadas ou guerras totais. Se em um

incidente de breve guerra, um dos países envolvidos decide levar o conflito adiante, poderá,

então, acontecer uma guerra limitada, sendo que os objetivos dos países sejam o de realizar

uma guerra para resolver o conflito. Se nesta guerra limitada, um dos países decide se

apoderar do território inimigo, derrotando totalmente as suas forças, esta guerra será

caracterizada como uma guerra total.

Incidentes de Breve Guerra

Os incidentes de breve guerra podem ser caracterizados como ataques de menor

intensidade, ou seja, são conflitos que não chegam a alcançar o limiar de guerra. Estes

incidentes “ocorrem com freqüência nas relações entre os Estados. Patrulhas de fronteira de

países vizinhos podem trocar fogo; unidades navais podem disparar contra bandeiras

estrangeiras; aviões interceptores podem abater aeronaves de um outro Estado e assim por

diante.” (DINSTEIN, 2004, p. 15)

Estas guerras podem acontecer por diversos motivos, como um ataque acidental, um

ato de algum oficial inexperiente, tensões entre dois países, ataques contra bases militares de

países inimigos após o encerramento de algum conflito. Como exemplo deste último, sabemos

que após a Guerra do Golfo de 1991, os Estados Unidos bombardeiam, constantemente, bases

e instalações militares iraquianas, partindo de bases na Arábia Saudita.

Como exemplo de um incidente de breve guerra causado por um ataque acidental,

temos o caso do incidente com a Colômbia na Amazônia em 1949. Naquele ano, a Colômbia

e o Peru estavam em intensos conflitos na região Amazônica. No dia de comemorações da

Semana da Pátria colombiana, a marinha deste país inaugurava suas novas canhoneiras. Após

horas de festa, os marinheiros de uma das canhoneiras decidiram ir à “caça” dos navios

peruanos. Embriagados, em vez de subir o rio Solimões e ir em direção aos seus “inimigos”

peruanos, desceram o rio e entraram em território brasileiro. Após atravessar a fronteira,

encontraram, dentro da vasta neblina e escuridão do Amazonas, um navio tipo Gaiola,

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chamado Ajudante, com 120 pessoas. Os colombianos pensaram que haviam encontrado um

navio de guerra peruano e começaram a atirar e, em menos de cinco minutos, o navio

começou a afundar. Das 120 pessoas a bordo, somente 08 sobreviveram.10 Este fato foi

resolvido perante o alto comando dos dois países, porém nunca gerou um conflito maior.

Guerras Limitadas

As guerras limitadas acontecem quando o objetivo de um Estado, segundo Dinstein

(2004, p. 18), “pode ser confinado à derrota de alguns segmentos de aparato militar do

opositor, à conquista de determinadas regiões do território inimigo, à coação do governo

inimigo para alterar determinada política etc.”

Estas guerras são muito comuns de acontecer. As guerras de expansão do território dos

Estados Unidos, após sua independência (1783), contra os franceses e espanhóis podem ser

consideradas como guerras limitadas, pois o objetivo dos Estados Unidos era a aquisição de

alguns territórios da América do Norte.

Guerras Totais

O conceito de guerra total surgiu na Alemanha durante as I e II Guerras Mundiais para

justificar todas as violações do direito internacional contra militares e populações civis dos

países inimigos e contra os judeus e os ciganos alemães e não alemães. A guerra total diz

respeito à guerra travada não somente entre militares, mas sim contra a população, ou seja, a

população não estaria isenta de ataques militares.

A guerra total consiste na total aniquilação do exército inimigo e na aquisição total do

seu território. Segundo Dinstein (2004, p. 17) “[u]ma guerra é [...] total quando conduzida

com a total vitória em mente. A total vitória consiste na capitulação do inimigo, seguindo-se

da total derrota de suas Forças Armadas e/ou da conquista de seu território”.

Uma guerra pode ser total, ainda, quando os meios utilizados para conseguir seus

objetivos são totais. Segundo Dinstein (2004, p.18) “a guerra pode ser catalogada como total

quando a totalidade dos recursos (humanos e materiais) de um Estado beligerante é

mobilizada, de modo a assegurar a vitória a qualquer preço.”

10 Fonte: Revista Marítima Brasileira, Vol. 123, nº 08, 04/06, ed. Abril, junho de 2003.

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c) Quanto ao Número de Beligerantes

Neste tópico classificaremos as guerras quanto ao número de beligerantes, que podem

ser de dois tipos: guerras bilaterais ou guerras multilaterais.

Guerras Bilaterais

As guerras bilaterais são aquelas travadas entre dois Estados. Elas podem ser

conhecidas, também, como conflitos isolados, pois dificilmente modificam a ordem

internacional. Este tipo de guerra ocorre, principalmente, entre dois Estados que não são

potências mundiais, ou entre um Estado que o é contra outro mais fraco. Estes conflitos

podem pôr em risco a hegemonia de algum Estado dentro de uma região, como é o caso das

diversas guerras entre Paquistão e Índia, desde a criação do Paquistão em 1947. O conflito

entre Paquistão e Índia não é um conflito que possa modificar a ordem internacional, pois

mesmo que os dois países tenham armas nucleares, é difícil de se pensar que poderiam chegar

a utilizá-las, sendo que somente o cenário sul asiático seria modificado. Outro exemplo é a

Guerra Irã-Iraque (entre 1980 e 1988) , na qual, mesmo os Estado Unidos e a União Soviética

tendo participado indiretamente, não enviaram exército e nem participaram, oficialmente, da

guerra.

As guerras entre uma potência mundial contra outro Estado mais fraco, dificilmente

modificariam o cenário internacional de poder. Um caso conhecido é a Guerra da Coréia

(entre 1950 e 1953), na qual os Estados Unidos atacam a Coréia do Norte em 1950. Nesta

guerra, os Estados Unidos “vencem” os norte-coreanos, pois conquistaram seu objetivo, que

era expulsar os norte-coreanos da Coréia do Sul. Porém, por outro lado, os Estados Unidos

perdem a guerra, pois na tentativa de avançar pela Coréia do Norte, com o fim de derrotar o

comunismo daquele país, o exército estadunidense é derrotado e obrigado a voltar para a

Coréia do Sul. Portanto, verifica-se que mesmo perdendo a guerra (lembrando que os Estados

Unidos também perderam a Guerra do Vietnã, entre 1959 e 1973), eles continuaram como

potência mundial.

Guerras Multilaterais

As guerras multilaterais são aquelas travadas, normalmente, entre alianças de dois ou

mais Estados, ou entre uma Aliança contra um Estado. Este tipo de guerra acontece com

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menos intensidade do que as guerras bilaterais, porém são mais significativas para o sistema

internacional, pois podem modificá-lo.

Dentre as principais guerras multilaterais que aconteceram, podemos destacar a Guerra

do Peloponeso, na qual a Liga de Delos, liderada por Atenas, enfrentou a Liga do Peloponeso,

liderada por Esparta, a Guerra dos Trinta Anos, quando Richelieu enfrentou o Sacro Império

Romano e os Habsburgos, a I Guerra Mundial, quando a Tríplice Aliança enfrentou a Tríplice

Entente, a II Guerra Mundial, na qual os Aliados enfrentaram o Eixo, as guerras travadas pelo

Estado de Israel, principalmente a Guerra dos Seis Dias, quando aquele Estado enfrentou a

Liga Árabe. A maioria destas guerras alterou o sistema internacional e sua divisão de poder.

d) Quanto ao Armamento

Neste tópico será apresentada a guerra quanto ao armamento utilizado. Existem dois

tipos diferentes de guerra relacionadas ao tipo de armamento, as guerras convencionais e as

guerras de destruição em massa.

Guerras Convencionais

As guerras convencionais são aquelas travadas entre Estados que não utilizam armas

de destruição em massa, ou seja, que utilizam armamentos convencionais, como mísseis,

aviões, artilharia, infantaria, navios, etc. Todas as guerras existentes até hoje foram guerras

convencionais.

Este tipo de guerra parte do pressuposto de que a estrutura social dos Estados

conflitantes não será atingida, e se for, será insignificante, como somente alguns civis mortos.

Isto, teoricamente, pois como todos sabemos, nas I e II Guerras Mundiais houve milhares de

civis mortos. Então, nas guerras convencionais, a estrutura social acaba sendo atingida e o

conflito não é insignificante.

Guerras de Destruição em Massa

Já as guerras de destruição em massa partem de dois pressupostos conforme descritos

a seguir.

Primeiro, as nações devem utilizar armar de destruição em massa durante toda, ou a

maior parte da guerra. Isto nunca aconteceu na história da humanidade. O único caso de

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utilização de armas de destruição em massa em uma guerra partiu do mesmo país que faz a

guerra para impedir o uso de armas de destruição em massa, como no caso do Iraque em

2003, os Estados Unidos. Como é de conhecimento de todos, os Estados Unidos, ao final da II

Guerra Mundial, já sabendo que o Japão iria se render, jogaram a bomba atômica em Iroshima

e, dias depois, em Nagasaki, matando milhares de pessoas com a explosão e outras milhares,

nos anos seguintes por causa da radiação.

Segundo, as guerras de destruição em massa atingem tanto civis quanto militares em

uma guerra, o que torna os beligerantes mais atentos e cuidadosos com relação ao uso ou não

de armas de destruição em massa, principalmente armas nucleares, ou seja, os beligerantes

somente utilizariam este tipo de armamento em último caso, quando sua sobrevivência

realmente estivesse ameaçada. Segundo Bonanate (2001, p. 92), os Estados que se enfrentam

em uma guerra nuclear podem ter duas opções de ataque. Uma seria atacar as forças militares

do inimigo, destruindo um possível contra-ataque. Porém esta tática deve ser perfeita, senão o

Estado corre o risco de ser atacado também com bombas nucleares. Outra opção seria lançar

um ataque à estrutura social do inimigo, obtendo, desta maneira, mais um potencial de

chantagem altíssimo. Porém, de uma maneira ou de outra, o ataque deve ser preciso a ponto

de reduzir as chances de um contra-ataque a zero. Desta maneira, a guerra nuclear destruiria

grande parte da população civil dos dois países. Por este motivo, durante a Guerra Fria,

Estados Unidos e União Soviética não lançaram nenhum míssil nuclear, pois isto resultaria

em uma reação em cadeia e, provavelmente, grande parte do mundo sofreria com as

conseqüências desta guerra.

e) Outros Tipos de Guerra

Existem outras maneiras de se fazer a guerra, a dissuasão e as guerras irregulares, ou

guerra de guerrilha. A dissuasão e as guerras irregulares são formas de se fazer guerra

diferente das apresentadas até agora.

Dissuasão

A dissuasão é uma ameaça que algum Estado faz a outro para que este faça a sua

vontade, ou seja, “os [Estados] são dissuadidos de fazer alguma coisa pelo temor das

conseqüências possíveis, das punições previstas ou da execução de uma ameaça.” (ARON,

2002, p. 509 [grifos do próprio Aron]). Um Estado neutro pode utilizar a dissuasão para que

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outros Estados não o ataquem. Segundo Aron (2002, p.509-510), no início do século XX, a

Suíça dissuadiu os outros países a não a atacarem, armando-se e treinando seu exército,

fazendo com que, se algum Estado decidisse invadi-la, este ato seria altamente penoso para o

agressor. Desta maneira, a Suíça dissuadiu os outros países a não a atacarem, ou seja, fez com

que os outros Estados realizassem sua vontade, que era de permanecer neutra, na defensiva.

Existe, ainda, a dissuasão agressiva, que é aquela em que um Estado se arma tão

fortemente que os outros Estados não o impedem de realizar suas vontades. A Índia e o

Paquistão utilizam as bombas atômicas como forma de dissuasão. Estes dois países ameaçam

um ao outro com estas bombas, porém não chegam a utilizá-las em vias de fato. Outro

exemplo é o poder militar dos Estados Unidos. Este país, mesmo com a grande maioria de

países contrária à invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, efetuou sua vontade,

invadindo o Iraque, e nenhum país do mundo tentou impedir a invasão, auxiliando o Iraque.

Isto, porque o poderio militar estadunidense é tão grande que nenhum país pode se dar ao luxo

de fazer algo mais do que dizer “sou contra”. Com este tipo de dissuasão, os Estados Unidos,

se quiserem, podem invadir o Brasil a qualquer momento, sem que haja retaliação por parte de

nenhum outro Estado. Os Estados Unidos somente precisam procurar uma justificativa moral

capaz de legitimar o ataque perante o direito internacional, como fizeram com o Iraque,

quando disseram ao mundo inteiro que Saddam Hussein estava produzindo armas de

destruição em massa, e invadir o Brasil.

Como afirma Aron (2002, p. 511) “[o] problema essencial da dissuasão é ao mesmo

tempo psicológico e técnico.” Pois o Estado que está na defensiva deve ter a capacidade

técnica de impedir, psicologicamente, o Estado agressor de atacá-lo. Ao mesmo tempo, o

Estado agressor deve conseguir dissuadir os outros países para que estes não o impeçam de

realizar suas vontades, ou seja de atacar outro país.

Guerras Irregulares

As guerras irregulares são aquelas travadas não por exércitos regulares, ou seja, são

guerras de guerrilha que, segundo Schmitt (1981 apud Bonanate, 2001, p. 87) “trata-se da

irregularidade das tropas em combate, da sua singular mobilidade, da intensidade dos seus

envolvimentos ideológicos, do caráter telúrico de suas ações.” Estas são as características

decisivas da Guerrilla (diminutivo espanhol de “pequena guerra”). Neste tipo de guerra, o

envolvimento popular é altíssimo, pois os ideais que fundamentam o movimento guerrilheiro

são almejados por toda, ou grande parte da população. Como exemplo podemos ver a questão

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da Colômbia, através das Forças Revolucionárias daquele país, que utilizam o povo como

exército contra o exército regular colombiano. Outro exemplo é o caso da Guerra do Vietnã,

onde o exército estadunidense via-se perdido nas aldeias vietnamitas. Isto, porque após

aniquilar os guerrilheiros armados, sobrando somente mulheres e crianças nas aldeias, alguma

cesta carregada por alguma criança ou mulher explodia na frente do exército estadunidense.

Desta maneira, a guerra de guerrilha deixa o inimigo desnorteado, sem saber contra quem está

lutando.

Conforme St. Jorioz (apud Bonanate, 2001, p. 88)

Todo o sistema geral dessa guerra se reduz finalmente a levar o inimigo a destruir-se por si próprio; por conseguinte, depois de lhe haver tirado todos os meios de subsistência que lhe poderiam ser fornecidos pelo país, convém surpreendê-lo, e perturbá-lo em suas marchas; tirar proveito de algumas posições e do terreno que nos é favorável, contra as tropas; atrair a guerra o máximo possível para as montanhas, as selvas e os pântanos, obrigando o inimigo a se afastar o máximo de sua base, apresentando-se a ele de frente; e, quando ele acreditar que veio o momento de uma ação, abandoná-lo para atacá-lo de lado e pelas costas; persegui-lo, confundi-lo, e, por fim, quando estiver por sucumbir, atacá-lo por todos os lados.

Como visto na citação acima, a guerra de guerrilha é sempre travada em terreno

conhecido pela guerrilha. Portanto, quem faz guerra de guerrilha, pode-se dizer que é sempre

o defensor, pois este conhece suas florestas, suas montanhas, seus rios, pode fazer túneis pela

floresta sem o inimigo ao menos desconfiar (como aconteceu na Guerra do Vietnã), obtendo

enormes vantagens, escondendo-se e atacando quando o inimigo menos espera.

Este tipo de guerra pode não parecer, mais é muito importante, pois, historicamente,

deflagrou derrotas a Estados que ninguém imaginava que seriam derrotados. A guerrilha

espanhola conseguiu infligir a primeira derrota a Napoleão (1808-1813), trazendo sucessivas

derrotas ao exército francês até sua derrota final em Waterloo. A Guerra do Vietnã, já

mencionada acima, trouxe uma penosa derrota aos Estados Unidos, em termos psicológicos,

levando a população deste país a realizar protestos contrários à guerra, podendo, talvez, ter

impedido que seu país fizesse outras inúmeras guerras durante a o período da Guerra Fria.

1.3.2 Impactos Causados pela Guerra no Cenário Internacional

Conforme já comentado neste trabalho, a guerra faz parte da natureza intrínseca do

homem, ela sempre aconteceu e, provavelmente, sempre acontecerá. Conforme Tschumi

(2003, p. 4):

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Uma boa demonstração da influência da guerra no destino dos povos é que os acontecimentos que servem de parâmetro para delimitar a passagem entre as Idades Antiga para Média, Média para Moderna e Moderna para Contemporânea remetem a disputas marcadas por grandes conflitos. A guerra é o principal fator que determina as mudanças e as características do sistema internacional em qualquer tempo. A distinção entre paz e guerra pode servir como fundamento para o estudo da história de toda a civilização.

Como as guerras apresentadas neste trabalho são as guerras entre unidades políticas

independentes, ou seja, Estados, deixaremos de lado as batalhas que aconteceram antes da

Idade Antiga (3400 a.C. a 476 d.C), pois podemos considerar as cidades-Estado gregas como

unidades políticas independentes. Nesta época (entre os séculos V e I a.C.), não existia

qualquer regra que poderia impedir as guerras de acontecerem. Os Estados a faziam

“naturalmente”. “O século V a.C. marca o apogeu do poder e da cultura grega, considerado a

Idade do Ouro das artes, letras, ciências e filosofia da Grécia.” (TSCHUMI, 2003, p.5) Porém,

como a guerra é tão natural entre as cidades-Estados gregas, elas aconteciam em demasiado,

principalmente entre os séculos V e I a.C., fazendo com que aquelas cidades-Estados se

enfraquecessem. A Guerra do Peloponeso marca o início do período de decadência da Grécia,

pois através de tantos conflitos, as cidades-Estado se enfraqueceram, possibilitando o Império

Romano de se expandir e formar um sistema político que durou mais de cinco séculos.

Se formos comparar a situação de Esparta ao aliar-se com a Pérsia, que era inimiga,

para fortalecer-se e poder vencer a Liga de Delos, comandada por Atenas, podemos dizer que

esta atitude foi semelhante à atitude do cardeal Richelieu, católico, quando se aliou aos

Estados protestantes para combater o Sacro Império Romano e os Habsburgos, durante a

Guerra dos Trinta Anos, com o fim de proteger interesses nacionais franceses, atitude que

ficou conhecida como a raison d’ État.

Além de marcar o início da decadência da primeira grande civilização ocidental, a Guerra do Peloponeso é importante também porque demonstra a imutabilidade do sistema internacional, onde os Estados, no papel de principais atores, convivem em um ambiente anárquico, no qual a guerra ainda é um recurso importante, pois a preocupação primordial dos Estados é a manutenção da sua segurança. (TSCHUMI, 2003, p. 6).

No ano de 30 a.C. Roma conquista as últimas cidades-Estado gregas e, com a queda

da Macedônia como império hegemônico, torna-se a potência militar dominante. Deste modo,

a hegemonia do Império Romano torna-se o segundo grande sistema ocidental (de 30 a.C. a

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476 d.C.). Neste período, Roma caracteriza-se pela formação de uma vasta rede de leis e

regras, sendo o desenvolvimento das ciências jurídicas romanas o principal fenômeno

ocorrido naquela época. Neste período aparece a primeira concepção de guerra justa, que era

quando alguma região dentro do Império Romano deixava de pagar algum tributo, por

exemplo, o colégio de sacerdotes, ou o Senado, durante a República, decidiam se o tributo era

justo ou não e, se fosse, Roma poderia enviar o exército para “normalizar” a situação. Porém,

em todos os conflitos, os vencedores decidem o que é e o que não é justo, pois para eles, a

guerra que venceram e a maneira que a fizeram foi justa e o vencido sempre será o culpado

pela guerra ter acontecido. (TSCHUMI, 2003)

Com a queda do império romano do ocidente, em 476 d.C., e a ascensão da Igreja

Católica, a “guerra justa” passou a ser manipulada pelos homens da Igreja. Segundo São

Tomás de Aquino (apud Tschumi, 2003, p. 9) “os requisitos para qualificar a justiça da guerra

eram a autoridade do príncipe, a justiça indiscutível [um país atacado não poderia ter

cometido nenhuma ação capaz de legitimar a agressão sofrida] e a intenção lícita [evitar o mal

inútil].” Neste período foi adotada a doutrina Maniqueísta de bem e mal, onde o mal deveria

ser exterminado. Foi então que surgiram as Cruzadas e as guerras em defesa do Sacro Império

Romano. Porém, foi neste mesmo período que a guerra torna-se pública e regulamentada,

sendo uma atividade soberana, conduzida a partir da decisão de um governante.

O marco de ruptura entre a Idade Média e a Idade Moderna é a tomada de

Constantinopla pelo Império Turco-Otomano, em 1453, provocando mudanças significativas

nas relações de poder no Mediterrâneo. O bloqueio das rotas comerciais entre Europa e Ásia

pelos turcos gera grande prejuízo econômico, levando os europeus a procurar novos caminhos

para a Ásia pelo oceano Atlântico.11 A partir daí, começam as grandes navegações e os

“descobrimentos” das Américas. Durante a idade moderna surgem novas regras de como fazer

a guerra. No início da Idade Moderna, ocorreu a Guerra dos Trinta Anos (entre 1618 e 1648).

Com o final desta guerra, foi celebrado o Tratado de Vestfália (1648), que institui a liberdade

religiosa na Europa e o mútuo reconhecimento dos Estados “como poderes independentes,

livres para seguirem suas próprias políticas exteriores, concluírem tratados, trocarem

representantes diplomáticos e fazerem a guerra” (NARDIN apud Tschumi, 2003, p. 12). Com

isto, a diversidade religiosa deixa de ser um motivo de guerra na Europa, constituindo-se,

então, no marco inicial do sistema político europeu. Com o Tratado de Vestfália criou-se a

idéia de que os conflitos deveriam ser resolvidos pacificamente, através da arbitragem. Porém,

11 Fonte: <http://www.nossahistoria.com.br> acesso em: 10.08.2004.

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em 1667, Luís XIV dá início à expansão francesa pela Europa, provando que o interesse do

Estado está acima de qualquer lei ou tratado. Conforme afirma Tschumi (2003, p. 13)

A soberania ilimitada dos Estados, expressa através da ampla possibilidade do uso da força no plano externo, fez com que o princípio basilar do direito internacional dos séculos XVII a XIX fosse o par in parem not habet imperium (um igual não manda no seu igual), que na prática significa que partes com direitos iguais (como os Estados), não têm capacidade para julgar os seus semelhantes. Desta norma decorre no direito internacional moderno a regra da imunidade de jurisdição dos Estados no tocante aos atos de império.

Durante o período que compreende o final da Guerra dos Trinta Anos e a I Guerra

Mundial pode ser caracterizado pelo equilíbrio de poder. Neste “sistema”, os Estados formam

alianças de acordo com seus interesses e, também, para manter um equilíbrio de forças na

Europa. Com isso, se um Estado é muito forte, os outros se unem e, teoricamente, se igualam

militarmente a ele. Muitas vezes, o que ocorreu, foram pequenas guerras, pois quando um

Estado ficava muito forte, os outros o atacavam para que seu poder militar fosse reduzido,

havendo, desta forma, um equilíbrio de poder entre os Estados. Neste período, as guerras

eram travadas de acordo com o resultado entre riscos e ganhos. Se as possibilidades de ganhos

compensassem os riscos, a guerra era iminente.

Com o final da II Guerra Mundial, a sociedade internacional sentiu a necessidade de

“ilegalizar” a guerra. Porém, com a criação da Organização das Nações Unidas, a guerra é

regulamentada, através do artigo 41 da Carta. Portanto, a guerra não foi ilegalizada, como se

pretendia, mas criaram-se regras que permitem aos Estados fazer a guerra se ela for em

legítima defesa, de forma individual ou coletiva. Porém a Carta da ONU deixa margem para

diversas interpretações, podendo haver inúmeras justificativas para a guerra. Segundo

Tschumi (2003, ps. 16/17):

A mais recente delas é a doutrina da legítima defesa preventiva, utilizada pelos Estados Unidos e Reino Unido para legitimar a invasão no Iraque. Na realidade, independentemente da existência de lacunas na Carta da ONU capazes de justificar o uso da força, as grandes potências ao longo da história sempre forjaram, quando necessário, mecanismos para legitimar suas guerras.

Com a Guerra Fria, a guerra passou a ocorrer através dos “Estados satélites”, ou seja,

os Estados Unidos e a União Soviética não se enfrentavam diretamente, mas utilizavam outros

Estados para isso. Estas duas potências faziam guerras na Coréia, no Vietnã, no Afeganistão,

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também faziam com que dois Estados se enfrentassem, como no caso da Guerra Irã-Iraque.

Durante a Guerra Fria, os conflitos internacionais foram caracterizados desta maneira,

principalmente por causa da existência de armas nucleares. Então, pode-se dizer que a partir

da invenção das bombas atômicas, os Estados se sentem intimidados de fazer a guerra, pois

esta pode resultar na destruição completa da estrutura social do Estado.

1.4 A Relação da Guerra com as Políticas dos Estados nas Relações

Internacionais

Os Estados, sendo unidades políticas independentes, possuem objetivos internos e

externos diferentes uns dos outros. No atual sistema internacional de Estados, anárquico, os

objetivos externos podem ser alcançados de duas formas: pacíficas, através da diplomacia, das

boas relações com outros Estados e de órgãos de mediação de conflitos ou através de conflitos

armados, ou seja, através de guerras. Como visto no decorrer deste capítulo, as guerras

sempre aconteceram, seja entre cidades-Estado, entre unidades feudais, entre principados, ou

entre Estados, na sua concepção moderna. Segundo Aron (2002, p. 219):

A rivalidade entre as coletividades políticas não se inicia com o rompimento de tratados, nem se esgota com a conclusão de uma trégua. Contudo, qualquer que seja o objetivo a política externa – posse do solo, domínio sobre populações, triunfo de uma idéia -, este objetivo nunca é a guerra em si. [grifos do próprio Aron]

Aron afirma que a guerra em si nunca é o objetivo da política externa de um país, mas

ela é utilizada como um meio para se chegar a um determinado fim. Para Bonanate (2001)

alguns Estados estão mais propensos à guerra do que outros. Este autor afirma que Estados

com os mesmos tipos de governos não fazem guerra entre si, pois é contra sua natureza,

conforme Montesquieu (apud Bonanate, 2001, p. 145), “[é] contra a natureza das coisas que,

em uma constituição federativa, um Estado confederado conquiste outro [...]. É também

contra a natureza das coisas que uma república democrática conquiste cidades que não

desejam entrar na esfera de sua democracia.”

Muitos autores comentam que entre países democratas a guerra não acontece, de que

se a democracia fosse a forma de governo de todos os países, a paz seria perpétua,

extinguindo a guerra. Os países que na segunda metade do século XX foram ditatoriais, como

o Brasil, o Chile, e outros, não se envolveram em guerras, enquanto os Estados Unidos, país

onde a democracia é a forma de governo, fez diversas guerras, como a da Coréia, do Vietnã,

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do Golfo, entre outras. Contudo, todos estes países que os Estados Unidos entrou em guerra

são considerados “não-democráticos” pela maioria dos autores. Já a ex-União Soviética

combateu somente a guerra do Afeganistão (1979) e o primeiro conflito entre países

socialistas se deu em 1977, entre Vietnã e Camboja. (BONANATE, 2001, ps. 145-147)

Portanto, a forma de governo, na realidade, não quer dizer se o país é belicoso ou não.

Os Estados Unidos criam diversos conflitos, como o caso do Afeganistão em 2002 e da guerra

do Iraque em 2003, dizendo que seu objetivo é acabar com a ditadura daqueles países e

instalar a democracia para que haja paz. Porém, não há nexo em fazer uma guerra contra dois

países que estavam em paz com relação aos outros para instalar a democracia e, assim, a paz.

Para Morgenthau (2003), os Estados fazem da guerra uma alternativa da sua política

internacional para alcançar três objetivos: manter ou alcançar determinado status quo, por

motivos imperialistas ou para alcançar certo prestígio. Para este autor (p. 89), “a política do

status quo visa à manutenção da distribuição do poder que existe em um momento particular

na história.” Morgenthau afirma que o tratado de Paris de 1815 que cria a Santa Aliança ao

final das guerras napoleônicas e o tratado que cria a Liga nas Nações em 1919, ao final da I

Guerra Mundial, foram firmados para garantir a manutenção do status quo existente quando

da conclusão de referidas guerras.

No entanto, existem países que não se conformam com o status quo existente. A

Alemanha, por exemplo, com o final da I Guerra Mundial é submetida a duras punições pelo

Tratado de Versalhes. Era de seu interesse modificar o status quo e, para isso, a Alemanha, o

Japão e a Itália se retiraram da Liga das Nações, que, no seu art. 10, afirma que as nações

deveriam “respeitar e preservar contra agressões externas a integridade territorial e a

independência política existente de todos os membros da Liga”.

Em 1962, para modificar o status quo existente, a ex-União Soviética instala os

mísseis nucleares em Cuba, o que quase gerou um confronto nuclear entre aquele país e os

Estados Unidos. Porém, como já visto no final do item 1.2 deste capítulo, a ex-União

Soviética retirou os mísseis, contudo o status quo dos Estados Unidos foi reduzido, pois este

país retirou seus mísseis Júpiter instalados na Turquia e apontados para Moscou. Já em 1983,

para manter o status quo, os Estados unidos invadem Granada, que, segundo Morgenthau

(2003, p. 95) “era vista como um arsenal para ação militar controlada pelos cubanos e

assessores soviéticos”. Isto seria uma violação da Doutrina de Monroe, que nenhum país

americano poderia ter sua independência ameaçada por países não-americanos, ou seja, a ex-

União Soviética não poderia influenciar a independência política dos países americanos.

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A política do Equilíbrio de Poder, existente, principalmente, até o final da II Guerra

Mundial, pode ser um exemplo de política do status quo. Os países europeus faziam diversas

alianças entre si para manter um certo equilíbrio de poder na Europa. Às vezes, para manter

este Equilíbrio e, com isso, o status quo, era necessário que os países entrassem em guerra

contra um país que estava se sobressaindo com relação aos outros, militarmente. A exemplo

destas alianças, temos o emaranhado criado por Bismarck após a vitória contra a França e a

fundação do Império Germânico, em 1871, que para proteger a posição dominadora

conquistada pela Alemanha e para prevenir guerras de vingança por parte da França,

Bismarck firma uma aliança com a Áustria, em 1879, para a defesa mútua contra a Rússia.

Em 1894, a Rússia e a França firmam uma aliança defensiva contra a aliança Alemanha –

Áustria. A aliança de Bismarck, segundo Morgenthau (2003, p. 92) demonstra “[o] receio

mútuo de que a outra aliança estivesse manobrando no sentido de alterar o status quo,

enquanto professava mantê-lo”, o que acabou constituindo um “dos principais fatores que

vieram a produzir a conflagração geral da I Guerra Mundial.” Até o final da II Guerra

Mundial, o Japão era uma potência militar, o que acabou com o final da guerra, sendo que até

hoje este país tem as forças armadas insignificantes. Por outro lado, pacificamente, o Japão,

após esta guerra, conseguiu mudar o seu status quo depois de quase meio século, tornando-se

uma das maiores potências econômicas. Portanto, podemos verificar que para se alterar o

status quo a curto e médio prazo, a guerra é a única forma.

Muitos autores e observadores afirmam que as guerras dos Estados Unidos contra

Granada, e o processo de aquisição das Ilhas Virgens podem ser consideradas como uma

política imperialista. Este termo “imperialista” vem sendo muito utilizado, principalmente,

por aqueles que não concordam com a política externa dos outros. Aqueles que não

concordam com a política externa dos Estados Unidos, da Rússia ou de qualquer outro

Estado, classificam todos os seus atos como imperialistas.

Devemos, então, verificar os erros comuns que as pessoas fazem ao classificar certos

atos como imperialistas. Morgenthau afirma que nem toda política externa voltada para o

aumento do poder de certo país pode ser classificado como imperialismo. Também não se

pode classificar a política externa que vise a manutenção de um império existente como

política imperialista. O imperialismo seria, então, a política externa de um país que visa a

expansão de seu poder, tanto econômico, quanto cultural ou militar a um estágio de principal

potência de certa região. Esta região, segundo Morgenthau, depende do objetivo da política

externa do país, podendo ser um imperialismo mundial, continental ou uma preponderância

local. Segundo Morgenthau (2003, p. 112), o imperialismo pode ser entendido “como uma

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política concebida para subverter o status quo.” A política externa imperialista está

diretamente ligada à guerra no caso militar, mas não no imperialismo econômico e cultural.

O imperialismo militar consiste na conquista militar de outros territórios. Esta é a

maneira, segundo Morgenthau (2003, p. 121) “mais óbvia, mais antiga e também mais crua de

imperialismo”. Até o século XX, podemos dizer que este método de imperialismo foi o que

preponderou. O Império Romano pode ser um exemplo de imperialismo militar, pois através

de seus exércitos, suas legiões, os romanos conquistaram praticamente a Europa inteira, o

Oriente Médio e o norte da África. Napoleão foi outro que preferiu utilizar o imperialismo

militar para conquistar a Europa. Morgenthau afirma que se Napoleão tivesse utilizado o

imperialismo cultural, através da Revolução Francesa, ele poderia ter conquistado o mundo

inteiro. A principal vantagem do imperialismo militar, segundo Morgenthau (2003, p. 121)

“reside no fato de que as novas relações de poder resultantes da conquista militar só podem

ser alteradas [...] após uma outra guerra instigada pela nação derrotada”.

O imperialismo cultural é aquele no qual a política externa do país visa a propagação

da cultura de seu país. A Revolução Francesa foi intensamente difundida pelo mundo inteiro,

encorajando processos de independência e forneceu as bases para a democracia em diversos

países. Morgenthau (2003, p. 124) afirma que o imperialismo cultural “constitui a mais sutil e

a mais bem-sucedida das políticas imperialistas”. Ela visa o controle da mente dos homens.

Pode-se dizer que os Estados Unidos, através do cinema e programas de televisão, realizam

um imperialismo cultural. Podemos ver que na grande maioria dos filmes estadunidenses, na

parte mais comovente ou emocionante aparece uma bandeira ou algum símbolo dos Estados

Unidos. Com isso, as pessoas que assistem criam um certo sentimento por aquele país, e às

vezes confundem-se de sua nacionalidade, tendo uma maior emoção ao ouvir o hino nacional

dos Estados Unidos do que seu próprio hino nacional, identificando-se mais com um símbolo

estadunidense do que com um de seu país, se é que os conhece. Portanto, o imperialismo

cultural não objetiva a “conquista de território ou o domínio da vida econômica”, mas sim “o

controle das mentes dos homens”. (MORGENTHAU, 2003, p. 125)

O imperialismo econômico, segundo Morgenthau (2003, p. 122) “é menos invasivo e,

de modo geral, menos eficaz que a modalidade militar [ou a cultural], além de constituir um

produto dos tempos modernos [como a cultural], na qualidade de método racional de ganhar

poder.” Este método consiste não na conquista militar, física, de território, mas sim no

controle econômico de tal território. Como exemplo disto, a maioria dos países da América

Central e do Sul dependem quase que exclusivamente de suas exportações aos Estados

Unidos. Assim, este país controla os seus dependentes, pois se resolver deixar de comprar os

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produtos da América Latina, a economia destes países quebra. Morgenthau (2003, p. 123)

afirma que a natureza do imperialismo econômico é o “método indireto e discreto, mas eficaz,

de ganhar e manter o domínio sobre outras nações”.

Outra forma de política externa é a política do prestígio. Os Estados fazem uso da

guerra na sua política internacional para, além de manter ou alcançar certo status quo, ou por

motivos imperialistas, alcançar certo prestígio. A política do prestígio consiste, segundo

Morgenthau (2003, p. 148), em “convencer outras nações do poder que seu país realmente

possui – ou que ele acredita (ou deseja) que as demais nações suponham que ele detém.” Para

isto, um país pode convidar representantes dos outros países para assistir a uma parada

militar, mostrando seu arsenal, como fazia, principalmente, a ex-União Soviética durante a

Guerra Fria. Este país fazia grandes desfiles com os tanques e o mísseis nucleares para

mostrar aos Estados Unidos suas armas, tentando, desta maneira, intimidar este país. Muitos

afirmam que estes mísseis estavam sem as ogivas nucleares, que eram somente a carcaça,

porém isto servia para fazer com que os outros países acreditassem que eram mísseis reais.

Pode-se, também, fazer este tipo de política demonstrando suas armas na ativa. Os

Estados Unidos, em 1946, convidaram observadores de diversos países para assistir a dois

testes nucleares no Oceano Pacífico. Na ocasião, estes observadores ficaram abismados

quando uma frota de navios equivalente à marinha de um país pequeno foi destruída em

minutos. As grandes potências marítimas despachavam, periodicamente, esquadrões navais

para intimidar os povos do oriente. O mesmo fazem os Estados Unidos com relação à

América Latina. Algumas guerras também servem para demonstrar aos outros países o seu

poderio militar. Ao final da II Guerra Mundial, os Estados Unidos, mesmo sabendo da

rendição dos japoneses, bombardeiam Iroshima e Nagasaki com duas bombas atômicas. Isto

teve dois principais motivos: os Estados Unidos queriam uma rendição incondicional do

Japão e, também, o objetivo de, com as bombas atômicas, poupar a vida das tropas

estadunidenses, embora a vitória dos Estados Unidos estivesse praticamente assegurada. Além

disto, o objetivo era demonstrar aos soviéticos o poderio militar dos Estados Unidos, para

aumentar seu prestígio com relação aquele país.

Portanto, a guerra sempre esteve presente na história da humanidade. Todos os povos

já estiveram envolvidos em algum tipo de conflito, atrás de determinados objetivos, os quais

dependem de cada contexto histórico ao qual o conflito esteve ensejado. A guerra sempre foi

utilizada na política externa dos países, por motivos e objetivos diversos, porém, como já foi

comentado, o objetivo da política externa nunca foi a guerra em si, mas ela é utilizada como

um meio para se alcançar determinado fim.

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2 A GUERRA NAS TEORIAS TRADICIONAIS DAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

No capítulo anterior foi falado sobre a guerra em si. Para podermos identificar como

ela é tratada pelas principais teorias das Relações Internacionais, iremos apresentar, neste

capítulo, as principais teorias tradicionais das Relações Internacionais, ou seja, aquelas que

surgiram até a década de 1950. As três principais teorias são: a teoria idealista, a realista e a

marxista. Todas possuem uma lógica diferente para estudar as Relações Internacionais.

Até o início do século XX, não existiam teorias que pudessem explicar as Relações

Internacionais. Com o advento das duas Guerras Mundiais, procurou-se interpretar, explicar e

compreender as relações entre os Estados. Surgiram, então, as teorias das relações

internacionais. Segundo Borges de Macedo (2002, p.17) “[e]sta disciplina surge no entre-

guerras, com as pesquisas de diplomatas e estudiosos como E. Carr e Norman Angell, para

responder a uma pergunta bastante específica: por que há guerra?”. Estes dois estudiosos

foram fundamentais para o estudo das Relações Internacionais. Contudo, como veremos no

decorrer deste capítulo, as idéias dos dois diferem bastante. Edward Carr faz parte dos

teóricos realistas. Já Norman Angell pode ser considerado como idealista.

O pensamento idealista surge no final da Idade Média, com Marsílio de Pádua, que

está inconformado com o poder e as barbaridades da Igreja Católica. Contudo, a teoria

idealista, na ciência das Relações Internacionais, somente vai surgir com o advento da I

Guerra Mundial, para tentar criar meios de se abolir as atrocidades causadas pela guerra.

O realismo, assim como o idealismo, possui autores de tempos bastante anteriores ao

surgimento do estudo das Relações Internacionais. Já no final do século V a.C. podemos

encontrar pensadores realistas como Tucídides, que viam a guerra como um fenômeno normal

e inevitável. No século XX, para se contrapor aos pensamentos idealistas, que demonstraram

sua desconexão com a realidade do sistema internacional, em virtude da ocorrência das duas

Guerras Mundiais, surgem os teóricos realistas. Podemos identificar como “pai” da teoria

realista das relações internacionais Reinhold Niebuhr, que identifica o homem como um ser

egoísta de natureza belicosa.

O marxismo surgiu em 1848, com a publicação do folheto O Manifesto Comunista por

Marx e Engels. O marxismo, ao contrário do realismo e do idealismo, não é uma teoria

própria das relações internacionais. Porém, pode ser utilizado como base para a explicação e o

seu entendimento.

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2.1 O Idealismo e o Problema das Guerras

O idealismo, segundo Bedin (2000, p. 15) “pode ser interpretado como um conjunto

de princípios universais que defende a necessidade de estruturar o mundo buscando o

entendimento, através de condutas pacíficas, onde a confiança e a boa vontade sejam os

motores que movimentam a História”. Portanto, os pensadores idealistas surgiram com a idéia

de que o mundo poderia extinguir a guerra através da boa vontade dos Estados e da confiança

que uns têm nos outros e solucionando quaisquer conflitos que possam vir a ocorrer, não mais

por guerras, mas sim utilizando a mediação e a arbitragem.

Os idealistas acreditam na virtude da Sociedade das Nações, nos mecanismos da

arbitragem e no sistema de segurança coletiva como instrumentos capazes de garantir a paz e

a segurança internacional. Os pensadores idealistas são inspirados em princípios éticos e

morais, os quais pretendem transformar em normas jurídicas, criando, no âmbito

internacional, uma sociedade integrada, gestora da paz entre as nações. (BEDIN, 2000, p. 10)

A teoria idealista tem origem em um grupo de autores classificados neste trabalho

como utópicos. Esta corrente de pensamento surgiu com o livro de Thomas More, A Utopia, a

qual era uma ilha imaginária com sistemas sociais perfeitos. Na época dos pensadores

utópicos, no final do século XIII ao século XVI, os Estados modernos estavam no início de

sua estruturação. Então os utópicos pensavam que eles poderiam ser constituídos de sistemas

sociais perfeitos, onde a população pudesse viver em paz e em comum harmonia, o que, se

pensarmos em termos do Estado existente hoje, início do século XXI, torna-se algo muito

abstrato e distante da realidade.

No século XVIII, quando o Estado moderno na Europa já estava consolidado, surge

uma segunda corrente de pensadores que abordam os princípios idealistas. Em um sistema

internacional calcado na soberania absoluta dos Estados, a guerra tornou-se um monopólio

público, utilizado pelos estadistas como uma livre ferramenta de política externa. A falta de

restrições legais à guerra tornou a busca por segurança o objetivo principal da política exterior

dos Estados. Nessas circunstâncias, os teóricos idealistas propuseram medidas para

estabelecer a paz na Europa, a qual se encontrava em constantes guerras, e onde alguns países

eram governados a séculos por monarquias despóticas.

A base filosófica dos autores idealistas do século XVIII provém do Iluminismo. A luta

contra o absolutismo e as tentativas de conceder um caráter mais racional ao pensamento

científico inspiraram os projetos de autores como Saint-Pierre e Kant. Estes pensadores eram

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mais “realistas” do que os pensadores utópicos, ou seja, eles propuseram modelos teóricos

mais exeqüíveis que aqueles apresentados pelos utópicos. Isso se explica pelo fato de que o

sistema de Estados soberanos não sofreu significativas mudanças nesses últimos três séculos,

pelo menos no que diz respeito a total liberdade dos Estados para recorrer à guerra quando for

do seu interesse12. Logo, a maior parte dos mecanismos propostos pelos autores do século

XVIII para estabelecer a paz, como a segurança coletiva dos Estados, a crença nos tratados

internacionais e a manutenção de regimes democráticos, continuam em voga três séculos

depois.

Já no século XX, os pensadores idealistas procuraram desacreditar a guerra, apoiando

o fundamento de que ela era inútil, devido ao avançado estágio tecnológico e comercial que se

encontravam as nações. Aperfeiçoaram a teoria da segurança coletiva e a criação de uma

instituição internacional com poder coercitivo sobre os Estados. Pela primeira vez na história

suas idéias influenciaram a ordem internacional vigente, graças aos horrores provocados pela

I Guerra Mundial. Surgiu assim a Liga das Nações, no período do entre-guerras, e a

Organização das Nações Unidas, ao término da II Guerra Mundial.

De acordo com as idéias expostas acima, esse subitem será dividido em três partes. Na

primeira serão apresentados os fundadores do Utopismo, pois foram eles que deram a base

para o pensamento idealista. Apresentaremos também os principais pensadores idealistas do

século XVIII e seus projetos de paz, e, por fim, os mais importantes autores dessa corrente no

século XX. Essa estrutura permitirá compreender de forma clara a evolução do idealismo e

como ele trata a questão da guerra.

2.1.1 Os fundadores do Utopismo

O utopismo foi fundado no final do século XIII, com o Renascimento, sendo, ao

mesmo tempo produto e conceito impulsor renascentista. O conceito do termo utopia surgiu

com Thomas More, em 1515, quando esse escreveu um romance estatal, A Utopia,

influenciado pelas idéias de Erasmo de Roterdã. A palavra foi criada a partir do grego ou

topos – o país que não existe em lugar nenhum. O Utopismo surgiu com a idéia de modificar a

forma com que os Estados cuidavam de suas questões, quase sempre pautada pela violência.

12 Apesar dos recentes avanços existentes na seara do direito internacional, a ONU demonstrou ser totalmente ineficaz para conter os conflitos internacionais existentes durante a Guerra Fria. O capítulo VII da Carta da ONU dá claras amostras da sua total incompatibilidade com a diplomacia praticada atualmente. Caso os países legalistas obedecessem à Carta, a lógica da segurança coletiva os obrigava a defender militarmente o Iraque contra as agressões cometidas em 2003 pela coalizão de países liderada pelos Estados Unidos.

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Devido ao seu conceito de querer algo que está longe da realidade humana, e devido

aos acontecimentos históricos como as duas Guerras Mundiais, as guerras paralelas causadas

pela Guerra Fria e as guerras do final do século XX e início do XXI, o utopismo encontra-se

desacreditado: “uma expressão para desacreditar propostas que se encaminhem para um

projeto teórico, pragmático, conceitual ou artístico a ser implementado”.13

Deve-se destacar que o utopismo pode ser aplicado a diversos ramos da ciência, como

a filosofia, a política, a sociologia, etc, e não apenas nas relações internacionais. Iremos

apresentar neste subitem os principais autores do utopismo, os quais deram as bases para o

surgimento do idealismo, quais sejam Marsílio de Pádua, Erasmo de Roterdã e Thomas More.

2.1.1.1 Marsílio de Pádua

Marsílio de Pádua (1280 – 1343) era jurisconsulto e político italiano da Idade Média.

Por seus trabalhos, ficou conhecido como o precursor da Reforma14 e da democracia moderna.

“Defendia que a única realidade política era o Estado, baseado na soberania do povo e que o

clero teria de se subordinar às leis e normas ditadas pelos leigos”.15 Em 1324, quando estava

na França, Marsílio escreveu sua principal obra, O defensor da paz, mais conhecido pelo seu

nome em latim, Defensor Pacis. Por suas idéias e por ter defendido publicamente o imperador

Luís IV o Bávaro, foi excomungado pelo papa e declarado herético em 1326.

Marsílio de Pádua pode ser destacado como o primeiro grande pacifista da história,

formulando um conjunto de idéias capazes de eliminar a ocorrência de guerras. Durante sua

época, a Idade Média, a Igreja Católica era detentora de um poder superior aos reis. Por isto,

qualquer que fosse o motivo, a Igreja poderia instaurar inquéritos e mandar matar qualquer

pessoa, além de fazer guerras com outros povos, como foi o caso das Cruzadas.

Marsílio de Pádua, inconformado com o poder da Igreja sobre os reis, escreve, em O

defensor da paz, que o poder da Igreja deve limitar-se apenas a questões religiosas, de fé,

deixando que o soberano de cada Estado, ou reinado, tivesse o poder sobre as leis civis, sobre

o governo de cada país. Ou seja, Marsílio de Pádua clama que os direitos civis devem estar

sob o poder de pessoas ou instituições civis, e não do clero, devendo a Igreja subordinar-se ao

poder secular.

13 Fonte: <http://www.gradiva.com.br/chebabi.htm>, acesso em 16.10.2004. 14 Reformadores como Lutero e Martinho e defensores da igreja anglicana citaram Marsílio em seus trabalhos. 15 Fonte: <http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/MarsiPad.html>, acesso em: 13.10.2004.

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Em seu livro, Marsílio de Pádua demonstra sua crença de que é natural do homem

viver em paz, rejeitando aqueles que se opõem a tal modelo. O homem é “animado por um

desejo natural para a vida em comum, ou seja, é nas comunicações e nas trocas entre si que os

homens preenchem suas principais necessidades”. (BEDIN, 2000, p. 27)

Marsílio de Pádua desenvolve, em sua obra, a comunidade perfeita, a civitas, que,

segundo Bedin (2000, p. 27) “encontra-se estruturada como um organismo vivo, enquanto as

seis partes da cidade, inspiradas na Política, de Aristóteles, concorrem para assegurar o

desenvolvimento harmônico e o equilíbrio, condição essencial da paz: agricultura, artesanato,

governo, guerreiro, financeiros e padres”.

Marsílio é considerado um utópico, pois acredita em uma comunidade perfeita, onde o

povo ou o conjunto de cidadãos elegem seus governantes, através de voto e as partes da

cidade trabalham em conjunto, em cooperação para conseguirem tudo o que necessitam.

2.1.1.2 Erasmo de Roterdã

Erasmo de Roterdã (1466-1536) nasceu em Geert Geertsen, em Roterdã, na Holanda

do Sul, Países Baixos. Após a morte prematura de seus pais, pela Peste Negra, em 1483, a

educação de Erasmo ficou a cargo de uma série de mosteiros, a qual foi a melhor possível

para a sua época. Foi admitido no sacerdócio e fez a promessa de monge aos 25 anos de

idade, porém nunca trabalhou como padre. No decorrer de sua vida, escreveu diversas obras,

como A guerra e a queixa da paz, O elogio da loucura e glória de tolice, esta última foi

dedicada ao seu amigo Thomas More. Em suas obras, Erasmo aparece como fundador do

irenismo.

O irenismo, que, do grego eirenè quer dizer “paz”, significa “a atitude que professa o

repúdio por todo o tipo de beligerância e uma ilimitada confiança na eficácia do diálogo e do

recurso à arbitragem para a resolução dos conflitos que opõem os homens” (GUIMARÃES

PINTO apud Borges de Macedo, 2002, p. 24). Esta confiança ilimitada na eficácia da

arbitragem para resolução dos conflitos, faz com que Erasmo de Roterdã seja um utópico.

Esta escola surgiu em 1500, quando ele escreveu Dulce Bellum, que acabou se tornando uma

de suas principais obras, A guerra. Além desta, Erasmo escreveu a Queixa da paz a qual,

segundo Borges de Macedo (2002, p. 25) “é fruto da desilusão com a diplomacia de seu

tempo”.

Borges de Macedo (2002, p. 25) afirma, ainda, que em “[a]mbos os textos, Erasmo

procura caracterizar a guerra como algo anticristão e antinatural”. Ao contrário de Thomas

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Hobbes, que apresentaremos no subitem 2.2.1.3, Erasmo acredita que a natureza humana é

contrária à guerra. Afirma que o homem, ao contrário dos animais, que possuem garras,

peçonhas e chifres, nasceu sem nada que possa parecer ter sido dado para a luta ou para a

violência. Afirma, ainda, que quando criança, o homem depende inteiramente da proteção de

alguém, podendo beijar, abraçar, rir e chorar. Portanto, conforme Roterdã (apud Borges de

Macedo, 2002, p. 25) “[a] natureza [...] fez o homem inclinar-se para a benevolência, a

amizade e o amor, que são sentimentos voltados à boa harmonia”. Contudo, o homem, ao

contrário dos animais, é dotado de inteligência, totalmente capaz de criar as garras, as

peçonhas e os chifres que não lhes foi dado “naturalmente” como aos animais.

Erasmo afirma, ainda, que a razão também faz o ser humano ser pacífico. Conforme

Borges de Macedo (2002, p. 25),

para Erasmo, a razão é pressuposto da sociabilidade: “e não satisfeita com estas coisas, a natureza apenas ao homem concedeu o uso da linguagem e da razão, as quais é indisputável que sobremaneira servem para preparar e fomentar a benevolência, para que absolutamente nada entre os homens se resolva através da força. Inculcou nele o ódio pela solidão e o amor da convivência.”

Porém, Erasmo percebe que a guerra tomou o coração humano, e no texto A guerra ele

busca uma saída para explicar o seu acontecimento. Ele afirma que foram as Fúrias, as

Erínias que libertaram a guerra do inferno. Afirma, no mesmo texto, que foi o gosto pela

disputa que instaurou a guerra nos corações humanos. O mal se introduz aos poucos, que a

pessoa nem percebe como começou até estar inteiramente corrompida. “Portanto,

primeiramente a erudição insinuou-se como atividade idônea para refutar os hereges, que se

achavam aparelhados com as armas dos filósofos, dos poetas e dos oradores” (ROTERDÃ

apud Borges de Macedo, 2002, p. 26). Sob o pretexto de combater os hereges, surge o gosto

pela disputa e, com ele, a vaidade (Borges de Macedo, 2002, p. 26).

O mundo tem tão grande quantidade de bispos sérios e eruditos, tem tão grande quantidade de abades, tão grande quantidade de nobres, carregados de anos e de saber por uma longa experiência, tão grande quantidade de concílios, tão grande quantidade de assembléias, não embalde instituída pelos antigos: por que é que não se recorre à arbitragem para se resolverem as fúteis que quesílias dessa espécie que opõem os príncipes? (ROTERDÃ apud Borges de Macedo, 2002, p. 27).

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O autor sugere nesta citação que, para resolver os conflitos, o homem deve recorrer à

arbitragem em contrapartida à guerra, pois, como esta é irracional, nada melhor do que a

razão para acabar com ela.

2.1.1.3 Thomas More

Thomas More (1477-1535) era filho de juízes na Inglaterra. Ele nasceu e morreu em

Londres. Aos quinze anos se tornou pajem do arcebispo de Canterbury, John Morton. More

foi um pensador humanista, que acreditava na solução pacífica dos conflitos, bastando, para

isso, que o homem soubesse conduzir a razão e obedecer a natureza. Segundo Nassetti (apud

More, 2001, p. 116), “[t]oda a obra de Thomas More inseriu-se [...] dentro dos quadros do

pensamento renascentista, mais particularmente dentro das coordenadas do humanismo”.

Em 1490 foi terminar seus estudos em Oxford onde conheceu Desiderius Erasmo, ou

Erasmo de Roterdã, filósofo e teólogo de Roterdã, Holanda. Thomas More chegou à chanceler

da Inglaterra e, em uma de suas cartas para Erasmo, podemos verificar seu desprezo pela

política daquela época: "Não podes avaliar com que aversão me encontro nesses negócios de

príncipe, não há nada de mais odioso do que essa embaixada." More falava de sua missão

diplomática de resolver uma importante dissidência entre Henrique VIII, a quem chama de

invencível e dono de um gênio raro, e o príncipe Carlos da região de Castela.16

More como católico que era, não aceitou a nova religião criada por Henrique VIII, o

anglicanismo, que permitia o divórcio, pedindo demissão do cargo de chanceler da Inglaterra

em 1532. Em 1533, ofendeu uma das esposas de Henrique VIII, Ana Bolena, não assistindo

sua coroação e não prestando fidelidade aos seus descendentes, sendo condenado à prisão

perpétua e, depois, à morte, sendo decapitado em 1535.

More escreveu sua principal obra em 1516, chamada a Utopia, forma abreviada de De

optimo reipubicae statu deque nova insula Utopia (Sobre o melhor estado de uma república e

sobre a nova ilha Utopia). Neste livro, More faz diversas críticas à sociedade inglesa e

européia, ao mesmo tempo que apresenta a ilha Utopia como um lugar em que a sabedoria e a

felicidade do povo decorrem de um sistema social, legal e político perfeito, guiado pela razão.

More é classificado como utópico, além de ter sido ele quem criou o termo, por acreditar que

os sistemas de um Estado podem ser perfeitos.

16 Fonte: <http://www.consciencia.org/moderna/More.shtml>, acesso em: 12.10.2004.

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Na ilha Utopia as pessoas não possuem nada, porém são ricas. Tudo que é produzido

por todos é deixado no centro da cidade, onde os “chefes” das famílias apanham o que

necessitam. O luxo e a propriedade privada são condenados. Todas as pessoas trabalham e se

revezam na agricultura todos os anos. Utilizam o ouro como correntes para os escravos,

fazendo com que não haja litígios acerca deste produto, pois a causa de muitas guerras é o

ouro.

Para More, a guerra é repugnante, mas às vezes necessária em caso de ataque

estrangeiro. Se um utopiano for humilhado em território estrangeiro, exige-se punição dos

culpados e, caso isto não aconteça, é guerra para os agressores. Contudo, os utopianos são

pacíficos, preferindo contratar mercenários para a guerra. “Os utopianos detestam e

abominam a guerra como coisa brutal e selvagem, que contudo espécie alguma de animais

ferozes pratica tão freqüentemente como o homem. Contrariamente ao costume de quase

todas as nações, nada consideram mais vergonhoso que a glória conseguida na guerra”.

(MORE, 2001, p. 93)

More ergueu seu protesto, principalmente contra as injustiças da Inglaterra de

Henrique VIII. Ele ataca a monarquia e as instituições, bem como a vida de luxos inúteis em

cima do trabalho de outros. Escreveu sua obra inspirando-se em Platão, e diversos anarquistas

e comunistas se inspiraram em More.

2.1.2 Os projetos de paz do século XVIII

No século XVIII, a partir da ocorrência do iluminismo, surgiram diversos projetos de

paz. Os principais foram formulados pelo Abade de Saint-Pierre e por Immanuel Kant. Os

projetos destes dois autores decorrem da base filosófica do iluminismo, acreditando na luz da

razão para um mundo melhor. Seus projetos possuem uma base mais racional que as idéias

dos utópicos, pois no século XVIII as bases da sociedade internacional (o sistema de Estados

soberanos) já estava solidificada, o que permitiu a criação de propostas mais “executáveis” do

que nos séculos XIV a XVI.

Apresentaremos neste subitem os dois autores mencionados acima. Ambos criam

projetos de paz que visam aumentar a representatividade política da burguesia e a queda da

monarquia absolutista. Eles acreditam na segurança coletiva das nações para acabar com a

guerra.

2.1.2.1 Abade de Saint-Pierre

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Charles Irénée Castel de Saint-Pierre (1658-1743) – o Abade de Saint-Pierre – nasceu

na Baixa Normandia, que atualmente pertence à França. Por razões físicas, era inapto à

formação militar, sendo conduzido, aos seis anos de idade, a uma instituição eclesiástica onde

descobre sua vocação – benfeitor da humanidade. Ele era obcecado pelo interesse público,

descobrindo que somente a política e as normas jurídicas poderão garantir a segurança e a

paz. (SEITENFUS apud Saint-Pierre, 2003, p. XXIV)

A sua mais ilustre obra é conhecida como o Projeto para tornar perpétua a paz na

Europa. Este projeto é de grande importância, pois pela primeira vez, a idéia paneuropéia foi

apresentada de maneira sistêmica. Outro aspecto fundamental do Projeto é sua problemática

pacifista, pois Saint-Pierre apresenta uma sociedade européia como sendo a única garantia de

paz perpétua na Europa. (SEITENFUS apud Saint-Pierre, 2003, p. XXV).

Saint-Pierre confronta-se com a autocracia da monarquia de Luís XIV, o qual,

segundo Seitenfus (apud Saint-Pierre, 2003, p. XXVII) “manifesta desenfreada ambição e

pratica guerras de conquista colocando a fogo e a sangue a Europa”. Isto faz com que Saint-

Pierre seja expulso da Academia Francesa e preso quando da publicação da obra Polysynodie

(1718). Saint-Pierre manifesta seus sentimentos humanistas, sua bondade e seu bom caráter

nesta obra, além de uma marcante vontade de manutenção do status quo político e territorial

na Europa.

Para se alcançar a paz perpétua na Europa, o Abade afirma que os soberanos devem

respeitar os princípios fundadores do Projeto. No projeto, o Abade redige seu texto em forma

de artigos, demonstrando a importância do positivismo jurídico. Isto faz com que o sistema

proposto por Saint-Pierre “oriente-se pela racionalidade da ordem política, tanto interna

quanto externa”. (SEITENFUS apud Saint-Pierre, 2003, p. XXVII)

Segundo Seitenfus (apud Saint-Pierre, 2003, p. XXVII-XXXII), o núcleo central do

Projeto é composto por cinco artigos fundamentais, os quais serão, resumidamente, descritos

a seguir.

Primeiro, a partir da conclusão do Projeto, os signatários alcançariam uma aliança

perpétua que propiciaria a eles e a seus sucessores uma absoluta e total segurança contra as

desgraças das guerras externas e das guerras internas. A renda nacional teria um aumento

efetivo devido a redução das despesas com armamentos, além das leis e regulamentos internos

serem beneficiados de mudanças positivas, os tratados em vigor e as linhas de fronteira seriam

respeitados. Neste artigo, podemos verificar a preocupação do Abade em manter o status quo

nas relações de poder entre os Estados e no seu interior.

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Segundo, os signatários contribuem individualmente, segundo suas possibilidades,

para o financiamento dos custos coletivos da aliança. Esta é uma das idéias mais interessantes

do projeto, pois é uma forma de repartir os custos obedecendo à proporcionalidade das

riquezas de cada um dos Estados para assegurar o financiamento com a segurança coletiva.

Terceiro, os signatários comprometem-se a não lançar mão de meios bélicos para

resolver seus litígios presentes e futuros, e aceitam, em qualquer situação, a mediação e a

arbitragem dos aliados. Neste artigo, podemos verificar a preocupação de Saint-Pierre de que

somente criar uma situação de paz não é suficiente. É necessário que existam meios pacíficos

de se resolver os litígios, substituindo a tradicional utilização da força.

Quarto, todo e qualquer signatário da aliança que atentasse a sua solidez seria objeto

de ações coletivas. Neste artigo, Saint-Pierre prevê a aplicação de uma sanção aos Estados

que contrariarem o terceiro artigo. Ou seja, os Estados infratores serão objeto de medidas

coletivas coercitivas, de polícia. Esta polícia existiria para efeito de dissuasão, para que os

Estados não quebrem as regras, deixando de mediar seus conflitos pacificamente, utilizando a

força para tal.

Quinto, artigos suplementares poderiam ser adicionados aos atuais seguindo

negociações diplomáticas. Contudo, nenhum deles poderia modificar o conteúdo destes cinco

artigos fundamentais.

Conforme verificamos, Saint-Pierre acredita que a guerra pode ser extinguida criando-

se uma aliança entre os Estados europeus e fazendo, através de um tratado, com que estes

abdiquem da utilização da força para resolver seus litígios. Contudo, pudemos verificar que,

conforme o artigo quarto do Projeto, a força poderá, ainda, ser utilizada como forma de

dissuasão em caso de legítima defesa coletiva. O objetivo de usar a força de modo coletivo é o

de prevenir qualquer guerra de agressão e, portanto, manter a paz na Europa.

2.1.2.2 Immanuel Kant

Kant (1724-1804) nasceu onde hoje é conhecido como Kaliningrado, na atual Rússia

(antiga Prússia). Seus pais eram pietistas17 da Igreja Luterana, o que facilitou sua entrada na

escola pietista, onde estudou obras latinas por oito anos e meio, principalmente seu preferido,

Lucrécio. Em 1740 entrou para a Universidade de Königsberg, onde ficou por cinco anos,

sendo obrigado a deixar os estudos, por motivos financeiros e pela morte de seu pai, em 1746,

17 Pietista é uma subdenominação da Igreja Luterana, que requer dos fiéis vida simples e integral obediência à lei moral.

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e começar a trabalhar como tutor particular até voltar à universidade em 1755. Kant estudou

muito e escreveu diversas obras sobre matemática e física, tornando-se doutor em física.

Contudo, Kant ficou famoso como escritor e professor e passou a lecionar sobre diversas

matérias, como filosofia e religião, sendo proibido de lecionar esta última pelo rei Frederico

Guilherme II, da Prússia, pois seu ensino não era ortodoxo.

A principal obra de Kant, para as relações internacionais, foi À paz perpétua, escrita

em 1795. Esta obra, Kant dividiu em seis artigos preliminares e três artigos definitivos. Os

seis primeiros são leis proibitivas que tornam ilegal a guerra e preparam os Estados para a

paz. Estes seis primeiros artigos demonstram que Kant acreditava que a guerra estava mais

próxima da natureza humana do que a paz, pois se fosse o contrário, não era necessário

estabelecer leis proibindo a utilização da guerra. Contudo, o povo em geral é contra a guerra,

pois ela causa mortes, doença, destruição, etc. Portanto, a paz seria obtida de modo natural em

uma democracia, pois se é o povo que escolhe os seus governantes, eles seriam escolhidos por

defenderem a paz.

A proposta de Kant “defende a paz entre os povos através da transparência dos

tratados internacionais, objetivando colocar um termo às cláusulas secretas, e apoiando o

incremento das relações econômicas, sobretudo comerciais”. (Saint-Pierre, 2003, p. XXVI)

Na sua obra, Kant defende a existência de uma instituição supra-nacional e uma

constituição universal, para garantir a paz entre todos os Estados. Entretanto, nenhum país

teria o direito de interferir nos negócios internos de outro a não ser caso a res pública (coisa

pública) fosse ameaçada ou se houvesse uma guerra. Também expõe os empecilhos à paz

duradoura que com o passar do tempo só se tornaram mais sérios e difíceis de serem

eliminados, como o militarismo, os exércitos permanentes, o uso da espionagem, do

terrorismo e da traição como elementos de política externa e a interferência de grandes

potências nos assuntos internos e soberanos de outros países.18 Kant acredita que,

estabelecendo leis e utilizando a razão para cumpri-las, os Estados, através da democracia,

conseguiriam abolir estes empecilhos à paz e pôr um fim à ocorrência de guerras.

2.1.3 O idealismo no século XX

O idealismo no século XX é o conjunto de idéias, de teorias, que fariam com que as

relações entre os Estados fossem ideais, sem a necessidade de utilizar a guerra ou outras

18 http://port.pravda.ru/editorial/2003/10/11/3175.html. Acesso em: 11.10.2004.

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formas de coação através da violência. Os autores próprios da teoria do idealismo surgem no

século XX por decorrência, principalmente, da I Guerra Mundial, expondo idéias sobre como

extinguir a guerra. Em suas teses, os autores criaram sistemas internacionais que seriam

capazes de assegurar a paz mundial, ou “perpétua”, como afirmam alguns autores.

Outros demonstram como a guerra é ineficaz e economicamente inviável. Iremos

apresentar, como idealistas do século XX, os principais autores desta teoria, quais sejam

Norman Angell, Woodrow Wilson e Leonard Woolf. Lembramos, ainda, que Woodrow

Wilson não foi um pensador teórico e sim um estadista, o presidente dos Estados Unidos de

1913 a 1921 e Leonard Woolf era um pacifista e escritor do início do século XX.

2.1.3.1 Norman Angell

Ralph Norman Angell Lane nasceu em dezembro de 1872 em Lincolnshire, na

Inglaterra e morreu em 1967, aos 95 anos. Estudou em Londres, Paris e, por um curto período,

na Universidade de Genebra. Aos dezessete anos de idade, partiu para os Estados Unidos,

onde teve as profissões das mais variadas, desde agricultor até vaqueiro e, por fim, como

jornalista em vários diários. Voltou para Paris onde trabalhou como sub-editor de um diário

publicado em inglês. Em 1903, publicou seu primeiro livro, Patriotismo sobre três bandeiras:

uma defesa do racionalismo da política, que mostrava seu “objetivo de propor uma visão que

se afastasse das interpretações materialistas pela ênfase no papel das idéias, [além das]

gestões que tinha feito para impedir um conflito entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha”.

(PARADISO apud Angell, 2002, p. XXI)

Angell publicou seu mais famoso livro, A grande ilusão, apenas dois anos antes da I

Guerra Mundial. Por causa deste livro e de diversos trabalhos, como o de membro do Comitê

Executivo do Sindicato da Liga das Nações, foi agraciado com o Nobel da Paz, em 1933. Os

trabalhos de Angell, além de idealistas, tiveram grande valor para a fundamentação das obras

dos teóricos da “interdependência”, pois a essência da sua teoria é a incompatibilidade entre a

guerra e a busca da prosperidade. (GRIFFITHS, 2004, p. 86)

No livro supracitado, Angell nos demonstra, na primeira parte, que a guerra é

economicamente irracional, pois como a interdependência econômica dos Estados

industrializados havia se tornado tão grande, não era necessário o aumento de território para

fortalecer a economia. Angell afirma que, em se fazendo guerra, tanto para anexar territórios

de outros Estados, quanto para conseguir colônias, os gastos econômicos são extremamente

altos sem que haja um retorno equivalente.

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Na segunda parte de seu livro, Angell nos mostra que a guerra, além de ser

economicamente irracional, é contra a moral e a natureza humana. Um dos principais

discursos militaristas era a imutabilidade da natureza humana. Contudo, Angel “sustenta que

o problema não é mudar a condição dos homens, mas a sua conduta, a qual pode ser

modificada por reavaliações fundamentais em novas percepções, novas idéias e novas

instituições” (Angell, 2002, p. XXVI). Angell cita que com o passar dos séculos, o recurso à

utilização da força física foi perdendo espaço para o diálogo e para a moral dos indivíduos.

Como exemplo, cita Angell (2002, p. XXVI), “o desaparecimento da antropofagia, dos

sacrifícios humanos, da escravidão, da queima de hereges, dos tormentos judiciais, do duelo”

os quais não se encontram presentes, ou se encontram muito raramente, na vida humana do

início do século XX.

Para a crença universal da época (início do século XX), se um Estado deseja abrigar

sua população em crescimento, para o desenvolvimento da indústria ou para a simples

garantia do bem-estar dos cidadãos, as nações estão obrigadas a buscar sua expansão

territorial. O autor nos demonstra que, analisando-se o cenário antes da I Guerra Mundial

tendo como base a crença universal, “a prosperidade de uma nação depende do seu poder

político; que, como as nações competem entre si, o triunfo está reservado [...] à quem dispuser

de força militar preponderante, enquanto as nações mais fracas devem sucumbir, a exemplo

do que acontece nas demais esferas da luta pela vida” (ANGELL, 2002, p. LIII). Porém, o

autor contesta essa doutrina em sua totalidade. Angel afirma que esta teoria já está

ultrapassada, que

as fronteiras políticas e econômicas de um país não precisam necessariamente coincidir, [...] que é impossível para um país apropriar-se pela força do comércio ou do bem-estar de outro país, ou enriquecer, subjugando-o e impondo-lhe pela força a sua vontade19. Em suma, que a guerra, mesmo quando vitoriosa, não pode alcançar os objetivos postulados como uma aspiração universal. (ANGELL, 2002, p. LIII-LIV)

Norman Angell afirma que a guerra é economicamente inviável, que as despesas

econômicas, políticas e de pessoal que se tem em uma guerra não trarão retornos suficientes e

que a natureza humana não é a favor da guerra. Angell nos demonstra que, com o comércio

desenvolvido do século XX, as nações não necessitam de território para enriquecer.

19 Nesta frase, o autor contraria a célebre frase de Clausewitz, que diz que a guerra é “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade.” (Clausewitz, 2003. p. 7)

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2.1.3.2 Woodrow Wilson

Wilson (1856-1924) nasceu nos Estados Unidos, na cidade de Staunton, na Virgínia.

Ele entrou para a Igreja em 1873, seguindo os ensinamentos de seu pai, que era pastor da

Igreja Presbiteriana, e para o New Jersey College (hoje Princeton University) em 1875.

Tornou-se advogado em 1880 e trabalhou na área por algum tempo, porém não obteve

sucesso, voltando para a vida acadêmica em 1883. Wilson foi eleito governador de New

Jersey em 1911 e iniciou uma série de reformas radicais transformando o Estado de

conservador para progressista. Seu sucesso o levou à Presidência em 1913, desenvolvendo

uma campanha para o que chamava de Nova Liberdade. (GRIFFITHS, 2004, ps. 145-147)

Nas Relações Internacionais, Wilson “enfatizou a importância dos direitos humanos,

inclusive o direito de autogoverno e a ilegitimidade do imperialismo formal20” (GRIFFITHS,

2004, p. 147). Este discurso acabou sendo utilizado por diversos presidentes depois de Wilson

para justificar intervenções armadas em outros Estados. Wilson foi o presidente estadunidense

que mais realizou intervenções militares em outros países.21

Quando presidente, Wilson imbuiu-se de uma missão: levar a democracia para o

restante da América, ainda que na ponta do fuzil dos fuzileiros navais. Apoiou a

independência das Filipinas em 1916 e estava preparado para utilizar a força para defender a

democracia no México, na Nicarágua e no Haiti. Em 1916, as tropas estadunidenses ocuparam

a República Dominicana. Apesar disto, Wilson rejeitava as noções de expansão territorial para

obter controle e lucro sobre o território. “Acreditava que o comércio e a importação tinham

substituído a anexação como uma preocupação maior dos Estados Unidos. Se os lucros do

comércio pudessem ser ganhos, então o controle formal do território não era mais necessário”

(GRIFFITHS, 2004, p. 147). Para Wilson, a paz somente poderia ser alcançada se os regimes

de todas as nações fossem democráticos.

Podemos identificar o idealismo e o desejo de paz de Wilson em uma mensagem ao

Senado em 22 de janeiro de 1917, antes de ir ao Congresso pedir uma declaração de guerra

contra a Alemanha na I Guerra Mundial e introduzindo sua futura declaração dos Quatorze

Pontos: Em toda discussão da paz que deve acabar com esta guerra é aceita a idéia de que a paz deve ser seguida de alguns concertos de poder definitivos, os quais farão com que seja virtualmente impossível que qualquer catástrofe

20 Sobre imperialismo formal, ver o capítulo 1, páginas. 30 e 31. 21 http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/delirio.htm. Acesso em: 16.10.2004.

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como esta possa nos atingir novamente. Todo amante da humanidade, todo homem de sã consciência, deve aceitar isto como certo.22

Com o final da I Guerra Mundial, Wilson leva à Paris os seus Quatorze Pontos, que

fundamentariam a criação de uma Liga das Nações, especificamente no seu décimo quarto

ponto. Estes pontos são uma série de princípios e propostas que Wilson levou à Conferência

de Versalhes em dezembro de 1918. Segundo Kissinger (2001, p. 240) esses Pontos foram

divididos em oito pontos como obrigatórios, ou seja, que “tinham” que ser cumpridos. Os

outros seis pontos, Wilson apresentou como sendo facultativos, ou seja, que “poderiam” ser

cumpridos, provavelmente por não achar que eles eram indispensáveis. Segundo Griffiths

(2004, p. 148) são:

1. Pactos abertos (acordos) de paz a serem alcançados abertamente, sem acordos

secretos;

2. Liberdade das águas além das territoriais;

3. Remoção de todas as barreiras econômicas ao comércio;

4. Redução das armas nacionais ao mínimo necessário à segurança interna;

5. Ajustes livres, imparciais e abertos às reivindicações das colônias.

6. Evacuação das tropas alemãs da Rússia e respeito pela independência da Rússia;

7. Evacuação das tropas alemãs da Bélgica;

8. Evacuação das tropas alemãs da França, inclusive da contestada região da Alsácia-

Lorena;

9. Reajuste das fronteiras italianas dentro de linhas nacionais claramente

reconhecíveis;

10. Autogoverno limitado para o povo austro-húngaro;

11. Evacuação das tropas alemãs dos Bálcãs e independência para o povo balcânico;

12. Independência para a Turquia e autogoverno limitado para as outras

nacionalidades até então vivendo sob o Império Otomano;

13. Independência para a Polônia;

14. Formação de uma associação geral de nações sob pactos específicos com o

propósito de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial,

tanto para os Estados grandes quanto para os pequenos.

22 Tradução livre. No original: “In every discussion of the peace that must end this war it is taken for granted that that peace must be followed by some definite concert of power which will make it virtually impossible that any such catastrophe should ever overwhelm us again. Every lover of mankind, every sane and thoughtful man, must take that for granted”. Fonte: http://world.std.com/~raparker/exploring/books/why_we_are_at_war. html. Acesso em 05.10.2004.

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Os sete primeiros pontos e o décimo quarto foram aqueles considerados obrigatórios,

que “tinham” que ser cumpridos, já sobre os pontos de oito a treze ele declarou que

“deveriam” ser cumpridos. A Liga foi criada em 1919, sendo a primeira organização

internacional dedicada à segurança coletiva em âmbito global. Contudo, a Liga não obteve

êxito. Diversos de seus pontos não eram respeitados nem pelos seus membros. Estes, sabendo

que a Alemanha estava se rearmando, não fizeram nada. Tal organização era inadequada para

assegurar a paz na Europa ou em qualquer outro lugar, principalmente pela imposição de uma

paz punitiva à Alemanha. Esta atitude foi tomada com base no argumento de que a Alemanha

teria sido a única culpada pela deflagração da I Guerra Mundial, o que indignou a população

daquele país.

Vendo todos estes problemas da Liga, Wilson dedicou-se a uma árdua campanha para

que o Senado não rejeitasse o Estabelecimento da Paz, assinando o acordo da Liga. As idéias

de paz de Wilson ficaram conhecidas como “wilsonismo” ou “internacionalismo wilsoniano”,

sinônimo de utopismo. Em dezembro de 1920, Wilson recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelos

esforços na busca do estabelecimento de uma política justa e por fundar a Liga das Nações,

fundamentada pela busca da paz através da segurança coletiva.

Portanto, para Wilson, a guerra era dispensável, desde que as nações estivessem sobre

a proteção da segurança coletiva, na qual todos os seus membros defenderiam o país atacado.

Wilson, assim como Angell, acredita que a guerra não deve ser feita para a busca de

territórios ou de lucros futuros, pois com o desenvolvimento do comércio e da economia, a

aquisição de territórios para este fim não é mais necessária. Wilson acreditava, ainda, que a

democracia deve ser o alicerce para a paz. Por fim, ele explicitamente condenou o equilíbrio

de poder por ser instável e baseado em uma vigilância invejosa e um antagonismo de

interesses, pois, segundo Wilson (apud Kissinger, 2001, p. 241)

Eles [os soldados aliados] lutaram para acabar com uma velha ordem e criá-la nova, e o ponto central e característico da velha ordem era aquela coisa instável que costumávamos chamar “equilíbrio de poder” – obtido pela espada, posta de um lado ou de outro: um equilíbrio criado pelo balanço instável dos interesses competitivos[...]. Os homens que lutaram nesta guerra eram homens de nações livres, determinados a acabar com esse tipo de coisa, de uma vez por todas.

2.1.3.3 Leonard Woolf

Leonard Woolf (1880-1969) nasceu e estudou na Inglaterra. Casou-se com Virginia

Stephen em 1912 e, em 1913 publicou sua primeira obra, The Village and the Jungle. Durante

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a I Guerra Mundial, Woolf foi contra o envolvimento britânico e, por este motivo, foi deixado

de lado no serviço militar. Em 1916, Woolf entrou para a Fabian Society23 e no ano seguinte

fundou a Hogarth Press e foi o editor literário do The Nation entre 1923 e 1930.

Em seu último volume autobiográfico, The Journey not the Arrival Matters, escrito no

ano de sua morte, Woolf afirma que as pessoas de sua geração sabiam, no início da II Guerra

Mundial, que a guerra e a civilização são incompatíveis no início do século XX, pois

conheciam a brutalidade, as ações desumanas de uma guerra, toda a dor e sofrimento que ela

pode causar. Afirma, ainda, que a Europa do entre-guerras estava muito mais brutal e

desumana que a Europa pré 1914. Woolf afirmou isto, dando os exemplos dos governos na

Rússia, na Itália e na Alemanha. Na primeira com um governo comunista que matava todos os

que não o eram, e na Itália, o fascismo, com base em princípios opostos ao comunismo, fazia

as mesmas barbaridades, e na Alemanha, Hitler executou milhares de pessoas que não eram

“puros” alemães.24

Em 1916, Leornard Woolf escreveu International Government, no qual ele afirma que

uma coordenação deliberada das relações internacionais é absolutamente essencial como um

primeiro passo para prevenir a guerra. Neste texto, Woolf idealiza uma Autoridade

Internacional, que seria um tipo de “instituição supranacional”, formada por Estados

independentes com poderes de fazer regras gerais de conduta internacional. Esta Autoridade

Internacional teria o poder, ainda, de decidir sobre conflitos entre Estados.

2.2 A Guerra para os Realistas

O realismo, como teoria das relações internacionais, surge com o advento da II Guerra

Mundial para se opor aos teóricos idealistas, que acreditavam que a guerra poderia ser contida

pelas virtudes da Sociedade das Nações, pelos mecanismos de arbitragem e pelo sistema de

segurança coletiva. Para os realistas, a II Guerra Mundial demonstrou que os idealistas

estavam equivocados. A Liga das Nações não conseguiu evitar a guerra. A agressividade

hitleriana e japonesa demonstraram que a Sociedade das Nações fracassou em assegurar a

paz, como queriam os idealistas e que a segurança coletiva de nada adianta quando um Estado

pretende e tem a capacidade de enfrentar esse sistema.

Existem, também, teóricos que não pertencem às relações internacionais, porém suas

obras se assemelham e condizem com os princípios da teoria realista das relações

23 Fabian Society é um grupo de debate socialista criado em 1883 por Edith Nesbit e Hubert Bland. 24 Fonte: <http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/TUwoolf.htm>, acesso em: 14.10.2004.

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internacionais, servindo de base para o trabalho dos teóricos realistas, como Tucídides,

Thomas Hobbes e Maquiavel. O primeiro é historiador, e os outros dois são teóricos da

filosofia política, porém o pensamento dos três coaduna com a concepção realista das relações

internacionais, partindo-se da concepção da natureza humana.

Como dito anteriormente, a teoria realista das relações internacionais desenvolveu-se a

partir das duas Guerras Mundiais, para se opor aos idealistas. Podemos considerar como seus

principais teóricos Edward Carr, Hans Morgenthau, Raymond Aron e Henry Kissinger, além

do fundador da escola realista, Reinhold Niebuhr.

A teoria ‘realista’ é a mais clássica e tradicional, e insiste em que a distribuição de forças representa a principal causa de guerra em um ambiente fundamentalmente anárquico, como seria o do sistema internacional; sendo assim, os estadistas estariam obrigados, à luz do chamado ‘dilema de segurança’, a iniciar a guerra toda vez que o arranjo das relações entre potências colocar em risco a vulnerabilidade do seu país. (BONANATE, 2003, p. 106)

Podemos identificar, nesta citação, a principal matéria de estudo da escola realista, a

busca pelo poder. Os Estados necessitam aumentar seu poder em termos de interesse

nacional. Entre estes Estados, interessados em aumentar ao máximo o seu poder, estabelece-

se um equilíbrio de forças, que, para os realistas, seria a única maneira de se evitar a guerra.

Conforme afirma Fernandes (1998, p. 125):

Para os teóricos da Escola Realista, as relações internacionais resultam da participação e intervenção dos Estados na cena internacional, os quais agem em função do interesse nacional, definido em termos de poder. O poder é entendido mais como uma finalidade do que como um meio, um instrumento, e é concebido mais em termos político-militares do que em termos econômicos, sociais e culturais.

A teoria realista não acredita no ideal de os Estados limitarem voluntariamente suas

prerrogativas, o que permite, na ausência de um órgão internacional com o monopólio

legítimo da violência, a comparação do sistema internacional com o estado de natureza25.

Nesse ambiente, a lógica que permeia as relações entre os Estados é a busca pelo poder, não

os princípios éticos. Logo, a guerra torna-se uma ferramenta política não apenas legal, mas

também essencial para os Estados.

25 Para Thomas Hobbes (2000, p. 108-122) o estado de natureza seria um modelo hipotético onde todos os homens, livres e iguais, não estão submetidos a um poder comum (governo). Nessa condição, caracterizada pela ausência de um contrato social, os homens estariam em uma permanente guerra entre si.

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No início da Guerra Fria, Morgenthau estabelece os seis princípios clássicos do

realismo político que ilustram a presença do estado de natureza nas relações internacionais: 1-

a política, como a sociedade, obedece a leis objetivas inseridas na natureza humana

(colocadas à prova da razão e da experiência); 2- o interesse dos Estados no sistema

internacional é sempre definido em termos de poder, sendo a política um campo autônomo,

separada de outras áreas como a economia e a religião; 3- o conceito de interesse definido

como poder é uma categoria objetiva de validade universal, porém com significado variável

no decorrer do tempo; 4- os princípios morais não se aplicam aos atos de Estados; 5- as

aspirações morais de um Estado são diferentes das leis morais que governam o universo; 6- a

esfera política possui autonomia, não estando subordinada a outros parâmetros

(MORGENTHAU, 2003, p. 4-28). Diante desse quadro anárquico, o autor propõe como única

forma realista para preservar a paz a composição de um certo equilíbrio de forças entre os

Estados.

Neste sentido, este item será dividido para ser apresentado, inicialmente, o porquê que

certos pensadores podem ser inseridos como realistas antes mesmo do surgimento das teorias

das relações internacionais. Procurar-se-á verificar quais as semelhanças desses autores com

os princípios propostos por Morgenthau. Após, serão apresentados os principais realistas do

século XX e sua contribuição para a teoria realista das Relações Internacionais.

2.2.1 O Realismo antes do surgimento das teorias das Relações Internacionais

Aqui apresentaremos os principais pensadores que tinham algo em comum com o

pensamento realista ou que serviram de base para os estudos das relações internacionais que

fundaram a escola Realista.

2.2.1.1 Tucídides

Tucídides (460a.C.-400a.C.), em sua conhecida obra História da Guerra do

Peloponeso, narra a guerra entre a Liga de Delos e a Liga do Peloponeso, começando com os

acontecimentos que antecedem o conflito e narrando a guerra com um particular cuidado no

levantamento dos dados, mesmo porque o autor acompanhou, diretamente ou de perto, os

acontecimentos que narra. Da maneira com que Tucídides narra a guerra, podemos dizer que

o realismo esteve presente em sua obra. Nos acontecimentos que antecedem a guerra, o autor

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nos conta que quando a Pérsia decide atacar a Hélade26, as cidades-Estado que a compõe,

mesmo inimigas entre si, juntam-se em uma aliança e expulsam os persas. Com o intuito de

finalizar a expulsão dos persas, Atenas organizou a Confederação de Delos (478-477 a.C.),

expulsando-os da Hélade e conquistando diversas regiões até o sul da Ásia Menor. Em torno

de 465 a.C., Atenas quebra a aliança com Esparta, que detinha o poder sobre o Peloponeso, e

alia-se com Argos, Mégara e Corinto, que eram hostis à Esparta.

Com estas alianças, durante a Paz de Trinta Anos (446-5 a.C.)27 houve um equilíbrio

de forças muito parecido com aquele que antecedeu a I Guerra Mundial, onde duas forças se

equilibravam no poder. Cada aliança não podia se dar ao luxo de permitir o fortalecimento da

outra. Também, como aconteceu entre as duas Guerras Mundiais do século XX, nenhuma das

alianças podia consentir que um de seus aliados fosse agredido, ou dominado, por força de

outro bloco (Jaguaribe apud Tucídides, 2001, p. XXXI).

Outro indício que nos mostra o realismo de Tucídides é o seguinte: “[c]ada povo arava

sua própria terra apenas o bastante para obter dela os meios de sobrevivência, não tendo

recursos excedentes e não plantando para o futuro, pois a perspectiva de saque por algum

invasor, especialmente por não haver ainda muralhas, gerava incerteza.” (TUCÍDIES, 2001, p.

1) Neste trecho, o autor nos conta que os povos gregos viviam sob intensa ameaça de guerra e,

muitas vezes, viviam para a própria guerra, pois “[n]a realidade, todos os helenos

costumavam portar armas, porque os lugares onde viviam não eram protegidos e os contatos

entre eles eram arriscados”. (TUCÍDIDES, 2001, p. 4) Por fim, podemos dizer que Tucídides,

na História da Guerra do Peloponeso fez uma “exposição realista do comportamento dos

homens em geral e dos políticos em particular” (Kury apud Tucídides, 2001, p. XLII),

afirmando, no capítulo 22 do livro I, que a natureza humana é imutável e que se determinadas

circunstâncias se reproduzirem em épocas diferentes, os fatos se repetirão de maneira

semelhante.

Neste sentido, podemos incluir Tucídides como um realista, porque, de acordo com

sua obra, a guerra era um fenômeno absolutamente normal e comum na Grécia, aceito com

naturalidade. Podemos, desta maneira, assemelhar sua obra com o terceiro e quarto princípios

de Morgenthau. Não podemos deixar de citar o diálogo de Mélios, muito importante para o

entendimento da obra de Tucídides como um realista. Durante a Guerra do Peloponeso,

26 Como era conhecida a região da Grécia, chamada assim por causa do poder dos filhos de Helen, poderosos na Ftiótida e que ajudaram outras cidades quando chamados (TUCÍDIDES, 2001, p. 3). 27 Esta paz durou somente até 431 a.C., quando estourou a Guerra do Peloponeso, portanto, durou em torno de 15 anos.

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Atenas cerca a ilha de Milos, oferecendo aos habitantes locais uma oportunidade de

sobreviver, ou seja, os Mélios, para não serem exterminados, deveriam se tornar escravos dos

atenienses. Os habitantes, diante de tal situação, protestaram: “Vemos, com efeito, que viestes

para serdes vós mesmos os juizes do que devemos dizer, e o resultado do debate é evidente: se

vencermos na discussão por ser justa a nossa causa, e então nos recusarmos a ceder, será a

guerra para nós; se nos deixarmos convencer, será a servidão” (TUCÍDIDES, 2001, p. 347).

Os atenienses, então justificam sua posição, de modo explícito:

De nossa parte, então, não usaremos frases bonitas [...]. Preferimos pensar que esperais obter o possível diante de nossos e vossos sentimentos reais, pois deveis saber tanto quanto nós que o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem. (TUCÍDIDES, 2001, p. 347-348)

Ao final, o diálogo foi totalmente em vão, pois os Mélios, esperando uma ajuda de

seus aliados (os lacedemônios) se recusam a tornar-se escravos. Então “os atenienses mataram

todos os mélios em idade militar que capturaram, e reduziram as crianças e mulheres à

escravidão” (TUCÍDIDES, 2001, p. 354).

2.2.1.2 Maquiavel

Maquiavel (1469-1527), em sua mais importante obra, O Príncipe (1513), cria um

“manual” para a ação do governante, descrevendo como os Estados deveriam se portar para

conversar ou aumentar o seu poder e segurança. Maquiavel, segundo Moreira (apud

Maquiavel, 2002, p. 19) era obcecado “pelo problema da estabilidade do poder. [...] sua

atenção se concentrou sobre as indicações de como ganhar o poder, de como mantê-lo e por

que se o perde”. Para Maquiavel, o bom governante não deve se preocupar em ser uma pessoa

boa, nem em ser uma pessoa má, ele deve ter a flexibilidade de poder ser ou um ou outro,

dependendo de sua necessidade para se manter no poder, conforme afirma no início do

capítulo XV (p. 93): “É necessário, portanto, que o príncipe que deseja manter-se, aprenda a

agir sem bondade, faculdade que usará ou não, em cada caso, conforme seja necessário”.

Para Maquiavel, o Estado deve fazer a guerra sempre que necessitar. Para ele, a guerra

seria um meio justificado pelos seus fins, que poderiam ser o aumento de território, de

riquezas, entre outras. Isto, pois se o objetivo do príncipe (governante) for conquistar e manter

seu poder, os métodos utilizados serão tidos sempre como honrosos, pois o povo elogia

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sempre os resultados a favor de seu Estado. Esta é a síntese do realismo em Maquiavel, qual

seja a moral dos indivíduos não se aplica às relações entre Estados, ou seja, o terceiro

princípio defendido por Morgenthau. O autor afirma que “é bom ser e parecer misericordioso,

leal, humanitário, sincero e religioso; mas é preciso ter a capacidade de se converter aos

atributos opostos, em caso de necessidade” (Maquiavel, 2001, p. 104).

Não podemos deixar de fazer referência a um parágrafo de Maquiavel, que Edward

Carr cita, afirmando que o autor florentino “foi o primeiro importante realista político”:

Sendo minha intenção a de escrever algo que seja útil a quem o ler, parece-me mais apropriado procurar a verdade real do que a imaginação; pois muitos descreveram repúblicas e principados que, de fato, jamais foram vistos ou conhecidos, porque como se vive está tão distante de como se deveria viver, que aquele que renega o que foi feito, pelo que deveria ter sido feito, cedo defronta sua ruína, em lugar de sua preservação. (Maquiavel apud Carr, 2001, p. 85)

Maquiavel contribui ainda para a afirmação da teoria do estado de natureza nas

relações internacionais quando, ao isentar a conduta do governante de qualquer preceito

moral, aconselha o príncipe a utilizar todo e qualquer meio necessário na conquista e

manutenção de um Estado28. Dentre esses meios está incluso, obviamente, a guerra. Percebe-

se que assim como Tucídides, Maquiavel também considera a guerra como um fenômeno

natural, não impondo restrições ao jus ad bellum (direito de guerra).

2.2.1.3 Thomas Hobbes

Apesar da concepção do estado de natureza estar presente nas idéias de Tucídides e de

Maquiavel, foi Thomas Hobbes (1588-1679) o criador dessa teoria. Para o filósofo inglês, o

plano internacional é caracterizado por três fatores de discórdia: a competição, a desconfiança

e a glória29. Os Estados e os homens combatem-se pela competição, tentando uns impor o

domínio sobre os outros, e podendo assim obter a glória.

Thomas Hobbes foi um importante cientista político que, ao escrever Leviatã, nos

demonstra sua idéia de que o Estado deve ser autoritário, suprimindo liberdades e direitos

individuais, pois acredita que os homens são regidos pela Lei da Natureza. Nesta Lei, segundo

28 Um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a se valer ou não disto segundo a necessidade (MAQUIAVEL, 2002, p. 104).

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Hobbes “[o]s homens estão naturalmente em estado de guerra, por isso carregam armas e

trancam suas portas” (Hobbes, 2000, p. 6). A Lei da Natureza proposta por Hobbes demonstra

que antes da criação do Estado não havia poder legal constituído. Podemos, ainda, fazer uma

comparação supranacional, pensando o Estado como homem. Assim, verificamos que, sem a

criação de um “Estado”, não há poder legal constituído, ou seja, sem uma instituição política

supranacional, que represente todos os Estados, não há poder legal que possa regê-los,

rogando-lhes direitos e deveres.

No estado natural, segundo Hobbes, o homem vive em busca de poder. Este poder

almejado pelo homem é, principalmente, causado pelo medo do poder que o outro detém.

Pois, se no estado natural, não existem leis, os homens são livres para fazer o que bem

entenderem. Como os homens são movidos por paixões, como amor, ódio, cobiça, inveja,

ambição, entre outras, eles estão sujeitos a matar outras pessoas em busca de seu objetivo. Se

pudermos comparar os homens que vivem no estado natural de Hobbes com os Estados

modernos, não veremos muita diferença entre suas ações.

Podemos identificar o estado de natureza ainda ocorrendo em três ambientes: nas

relações entre os governantes; nas sociedades não civilizadas, como os aborígines30, que

vivem em aldeias no Brasil e em diversos países do mundo; e nas guerras civis. Nessas três

situações, onde inexiste um poder coercitivo institucionalizado, as disputas tornam-se um fato

essencial à sobrevivência. Nas relações entre os governantes ocorrerá sob a forma de guerras.

Portanto, Hobbes também situa a guerra como um fenômeno normal nas relações

internacionais. Podemos identificar no seu pensamento outras características comuns à teoria

realista, como o primeiro, o quinto e o sexto princípio de Morgenthau.

2.2.2 O Realismo no século XX

2.2.2.1 Reinhold Niebuhr

Reinhold Niebuhr (1892-1971), teólogo, escreveu sua principal obra, Moral man and

immoral society, em 1932, durante o auge dos efeitos da crise de 1929. O objetivo do autor

era explicar a ocorrência da crise, ou melhor, buscar entender o homem, analisando suas

29 “[...] existem na natureza humana três causas principais de discórdia. Competição; Desconfiança; e Glória. A Competição impulsiona os homens a atacarem-se para lograr algum Benefício; a Desconfiança garante-lhes a segurança; e a Glória, a Reputação” (HOBBES, 2000, p. 95). 30 Nas Américas, os aborígines são conhecidos como índios, pois quando Cristóvão Colombo achou a América, pensou que estava nas Índias, chamando os nativos de índios.

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atitudes, a partir de uma crise (a de 1929). Niebuhr pode ser considerado o fundador da escola

realista. Em sua obra estão inseridos os princípios quatro e cinco de Morgenthau. Apesar de

teólogo, Niebuhr escreve sua obra criticando a teologia Cristã, que acredita que a capacidade

racional dos humanos fará com que sua moral prevaleça, ajudando quem precisa. Niebuhr

demonstra as limitações da razão para resolver as injustiças sociais “pois a razão é sempre o

servente dos interesses em uma situação social”31.

Niebuhr afirma, ainda, que um indivíduo pode não ser egoísta, pois ele é moralmente

sensível para analisar os conflitos que seus interesses e os dos outros podem causar. Porém,

em uma sociedade de grupos de indivíduos, é mais difícil lidar com os interesses dos grupos

através da moral, pois

Em cada grupo humano há menos razão para guiar e para cuidar dos impulsos, menos capacidade para auto-superação, menos habilidade para compreender as necessidades de outros por isso há mais egoísmo contido do que nos indivíduos, os quais compõem o grupo, demonstrando isto nas suas relações pessoais.32

Um dos principais trechos de Niebuhr, que o classifica como o fundador do realismo,

e que pode se aplicar a todos os seis princípios do realismo defendidos por Morgenthau é que

“todo grupo, como todo indivíduo, possui desejos expansionistas que estão cravados no

instinto de sobrevivência e que pode logo ultrapassá-lo. O desejo de viver torna-se o desejo de

poder. Assim, a sociedade está em um perpétuo estado de guerra”33. Afirmando que todo

indivíduo, assim como todo grupo possui desejos expansionistas, Niebuhr nos mostra que

todo o Estado, representando os anseios de um grupo populacional, possui desejos

expansionistas. Assim, todo Estado pode declarar guerra a outro por motivos expansionistas.

Na segunda frase de sua citação, ele afirma que, o desejo de garantir a sobrevivência, faz com

que haja uma busca pelo poder. Esta busca pelo poder pode ser consubstanciada pelo estado

de natureza. Sendo o sistema internacional um sistema anárquico, o que rege as atitudes de

um Estado é o estado de natureza. Desta maneira, para se defender, um Estado deve tornar-se

31 Tradução livre. No original: "since reason is always the servant of interest in a social situation". Fonte: http://people.bu.du/wwildman/WeirdWildWeb/courses/mwt/dictionary/mwt_themes_770_niebuhrreinhold.htm 32 Tradução livre. No original: “In every human group there is less reason to guide and to check impulse, less capacity for self-transcendence, less ability to comprehend the needs of others therefore more unrestrained egoism than the individuals, who compose the group, reveal in their personal relationships”. Fonte: http://people.bu.edu/wwildman/WeirdWildWeb/courses/mwt/dictionary/mwt_themes_770_niebuhrreinhold.htm 33 Tradução livre. No original: “Every group, as every individual, has expansive desires which are rooted in the instinct of survival and soon extend beyond it. The will-to-live becomes the will-to-power. Thus society is in a perpetual state of war.” Fonte: http://people.bu.edu/wwildman/WeirdWildWeb/courses/mwt/dictionary/ wt_themes_ 770_niebuhrreinhold.htm.

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mais poderoso que os outros. Assim, todo Estado estará em uma constante busca pelo poder, e

nesta busca, muitas guerras estão sujeitas a acontecer.

Niebuhr conclui sua obra dizendo que o espírito do amor, ao contrário do que dizem

os católicos, não é suficiente para prevenir conflitos sociais, então é imprescindível o uso do

instrumento da repressão.

2.2.2.2 Edward Carr

Seguindo a conclusão da obra de Niebuhr, Edward Hallett Carr (1892-1982), em sua

obra Vinte anos de crise, nos “evidencia como a sucessão de eventos, decisões e crenças

evoluem para um conflito inevitável entre as grandes potências” (Sato apud Carr, 2001, p.

XIV). Este tipo de pensamento é típico dos teóricos do realismo, de que a guerra é inevitável,

dependendo do contexto histórico ao qual ela está inserida.

Carr afirma que os idealistas, ou “utópicos”, não prestam atenção aos fatos, ou não

analisam as causas do conflito, mas trabalham em tentar resolve-los de uma forma visionária,

cujos projetos são simples e fáceis de se pensar, o que faz com que estas “resoluções” sempre

desmoronem. Para o autor o idealismo não consegue sucesso nas relações internacionais

porque os seus atores não desejam os fins que o idealismo se propõe, ou seja, um “Estado

mundial”, ou a “segurança coletiva”, e os que as desejam, o fazem de maneira diferente e

incompatível. Os realistas, através do raciocínio, estudam os fatos e as análises de causa e

conseqüência. Para Carr (2001, p. 14) “o realismo tende a enfatizar o poder irresistível das

forças existentes e o caráter inevitável das tendências existentes, e a insistir em que a mais

alta sabedoria reside em aceitar essas forças e tendências, e adaptar-se a elas”.

Como demonstra Carr, a visão utópica que prevaleceu na política internacional no

período entre-guerras deriva da crença anglo-saxônica na harmonia geral de interesses,

difundida pela escola do laissez-faire no século XIX. Enquanto as ações práticas dos

governantes indicavam um aumento da competição e da rivalidade entre os países, insistia-se

em difundir a crença na existência de um interesse comum pela paz (CARR, 2001, p. 68-72).

Havia um grande divórcio entre os objetivos políticos das grandes potências e os instrumentos

jurídicos desenvolvidos por elas. Esse foi o caso do programa de desarmamento da Liga.

Conforme Kissinger (2001, p. 272), este programa era um “estado de coisas absurdo”, pois ele

se baseava no desarmamento prévio dos países para haver segurança. Era necessário que um

Estado se tornasse militarmente fraco para que pudesse participar do sistema de defesa

coletiva. Como que um grupo de países desarmados iria defender-se de um ataque de uma

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grande potência militar é uma pergunta que fica sem resposta. De acordo com a lógica desse

sistema, como afirma Kissinger (2001, p. 272), “a Inglaterra defenderia a Bélgica por esta ter

se desarmado e não por ser estrategicamente vital”, o que, é irreal e utópico. De acordo com a

realpolitik um Estado somente entra em guerra para “defender” outro país por motivos

estratégicos, ligados ao interesse nacional, e não simplesmente porque o país agredido

obedeceu a um programa de desarmamento.

Portanto, esse equívoco sobre a harmonia geral de interesses entre as grandes

potências, detectado por Carr, mascarou a percepção de que enquanto algumas nações

desejavam a paz mantendo o statu quo, outras procuravam alcançar a paz a partir de uma

alteração no statu quo, fato que acabou produzindo uma nova guerra de proporções mundiais.

Sobre a teoria do estado de natureza Edward Carr afirma que essa, aplicada às relações

humanas, abre caminho para o determinismo; tornando a ética, em última análise, o estudo da

realidade (CARR, 2001, p. 80-83). Assim, os princípios morais e éticos devem ser deduzidos

a partir da realidade política, e não o contrário, como afirmam os idealistas. Em decorrência

desse pensamento surgiu uma das características básicas do realismo: no plano internacional o

papel do poder se sobressai em relação ao da moral, pois os Estados priorizam os seus

próprios interesses em detrimento do bem comum internacional (CARR, 2001, p. 168-171).

Desta maneira, podemos concluir que a obra de Edward Carr vai de encontro, principalmente

com o segundo, o terceiro e o sexto princípio do realismo defendido por Morgenthau.

2.2.2.3 Hans Morgenthau

Como comentamos anteriormente, um dos principais teóricos do realismo foi Hans

Mogenthau (1904-1980). Para este autor, as relações internacionais são moldadas pelo

confronto dos interesses dos Estados, e a política internacional é feita com a finalidade de

compatibilizar estes interesses, que por muitas vezes são antagônicos, resultando num sistema

de equilíbrio de poder. Morgenthau “é mais lembrado como um dos que tentaram desenvolver

uma teoria compreensível da ‘política do poder’ sobre a base filosófica dos princípios

realistas da natureza humana, a essência da política, o equilíbrio do poder e o papel da ética

na política exterior” (GRIFFITHS, 2004, p. 61). Morgenthau acredita que a política é uma

luta pelo poder, pois, para ele, o “homem político” é alguém egoísta com uma necessidade

interminável de dominar os outros.

Morgenthau ficou famoso com o seu primeiro livro, Cientific man versus power

politics (1946). Neste livro, Morgenthau critica o que ele chamava de “liberalismo

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racional”34, apresentando uma exposição mais sistemática da filosofia realista. Morgenthau,

ainda, define a política com sendo o uso do poder para dominar os outros. Para se alcançar e

justificar o poder são utilizadas a moralidade e a razão como meros instrumentos.

(GRIFFITHS, 2004, p. 62-63)

Morgenthau demonstra, ainda, que a luta pelo poder interno de um Estado é regida por

normas sociais e ligações comunitárias, evidenciando a política interna como um lugar de

progresso em potencial. Contudo, no âmbito internacional, a vontade pelo poder ocorre

livremente e é acentuada pela multiplicidade de Estados. Em Cientific man versus power

politics Morgenthau (apud Griffiths, 2004, p. 63) coloca que

a continuidade na política exterior não é uma questão de escolha e sim uma necessidade, pois ela deriva de fatores que nenhum governo é capaz de controlar, mas que só pode negligenciar ao risco do fracasso [...] A questão de guerra e paz é decidida em consideração a esses fatores permanentes, não importa qual seja a forma de governo [...] ou suas políticas domésticas. As nações são “amantes da paz” sob certas condições e guerreiras sob outras.

Desta maneira, Morgenthau afirma que, dependendo de como está o cenário

internacional e quais os interesses dos Estados naquele momento, a guerra tem grandes

chances de acontecer. Em outro momento, o(s) mesmo(s) Estado(s) que começou(aram) a

guerra, dependendo do cenário internacional e dos seus interesses, pode(m) estar tentando ao

máximo evitá-la. Morgenthau afirma que a “função da teoria internacional é descobrir essas

condições e, com base numa análise profunda da história, examinar os padrões de

continuidade e mudança” (GRIFFITHS, 2004, p. 63).

2.2.2.4 Raymond Aron

Para Raymond Aron (1905-1983), o estado de natureza é o único fator influencia as

relações internacionais, o qual pode ser inserido no primeiro princípio do realismo defendido

por Morgenthau. O autor francês argumenta que embora as relações internacionais estejam

ligadas aos acontecimentos de cada país, existe uma nítida diferença entre a política interna e

a política externa.

34 Liberalismo racional seria uma “crença liberal dominante no progresso, com base num conjunto de hipóteses otimistas a respeito da natureza humana” (GRIFFITHS, 2004, p. 62).

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A primeira tende a reservar o monopólio da violência aos detentores da autoridade legítima; a segunda admite a pluralidade dos centros de poder armado. A política externa parece significar a simples sobrevivência dos Estados diante da ameaça virtual criada pela existência dos outros Estados – este é o seu ideal e o seu objetivo (ARON, 2002, p. 53).

Portanto, a necessidade desse egoísmo nacional deriva do estado de natureza, que

prevalece no relacionamento entre as unidades políticas soberanas (ARON, 2002, p. 705).

Na obra Paz e Guerra entre as Nações, Aron diz que procurou “aquilo que constituía a

especificidade das relações internacionais ou entre os Estados, e [pensa] tê-lo encontrado na

legitimidade e legalidade do recurso à força armada por parte dos atores” (ARON, 1985, p.

380). Ou seja, Aron não pretendia afirmar que a guerra era sempre inevitável, mas que, para

assegurar os objetivos dos Estados, a guerra era legitimada por eles. (GRIFFITHS, 2004, p.

14)

Este ponto do pensamento de Aron faz com que alguns autores não o incluam como

um realista, mas sim em uma teoria à parte, a Diplomático-estratégica. Porém, como suas

idéias coadunam com os princípios do realismo, ele está inserido, neste trabalho, como um

teórico realista. Aron situa-se entre a história e a sociologia para escrever seus trabalhos.

Segudo Fernandez (1998, p. 126)

Aron fundamenta sua teoria numa análise racional das relações internacionais, numa análise sociológica das determinantes e dos sujeitos dessas relações, numa análise histórica da conjuntura e numa análise normativa e filosófica, para concluir que todo estudo concreto das relações internacionais é um estudo sociológico e histórico, pois o cálculo das forças recorre ao número, ao espaço, aos recursos, aos regimes (político, econômico, militar).

Como todos os realistas, Aron identifica que as relações internacionais desenrolam-se

em um ambiente internacional anárquico, onde existe o livre uso da força e a possibilidade de

guerra é evidente, sendo que inexiste qualquer instância detentora do monopólio da violência

legítima. (FERNANDEZ, 1998, p. 126) Em Estudos políticos, Aron (1985, p. 382) nos

demonstra que o traço específico que fundamenta a sua teoria seria a “ausência de tribunais e

de polícia; o direito ao recurso à força; a pluralidade dos centros de decisão autônoma; a

alternância e continuidade da paz e da guerra”. No entanto, este traço, que Aron diz ser o

fundamento de sua teoria diplomático-estratégica, pode também servir como base para a

teoria realista. Portanto, a teoria diplomático-estratégica consiste em uma subteoria dentro do

paradigma realista tradicional. Podemos identificar, nos estudos de Aron, que os princípios

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segundo e sexto de Morgenthau estão presentes em suas obras, reforçando a idéia de que Aron

pertence à escola realista das relações internacionais.

2.2.2.5 Henry Kissinger

Além dos realistas já comentados, não podemos deixar de falar sobre um autor que foi

de suma importância para as relações internacionais durante a Guerra Fria, Henry Kissinger

(1923-). Este autor nasceu na Alemanha e imigrou para os Estados Unidos em 1938 fugindo

do nazismo. Estudou e trabalhou em Harvard e durante este tempo escreveu diversos artigos

criticando o modo com o qual os Estados Unidos faziam suas relações internacionais, muito

idealistas. Tornou-se secretário de Estado em 1973 e ficou no cargo até 1977, tendo

participado decisivamente na retirada das tropas estadunidenses do Vietnã.

Uma das primeiras obras publicada foi sua tese de doutorado, Um mundo restaurado,

escrito em 1957. Nesta obra, Kissinger desenvolveu uma investigação demonstrando que é

através da instauração de um equilíbrio de poder que se garante a estabilidade internacional e

a paz. Para Kissinger, as relações internacionais são feitas em uma arena onde não existe uma

autoridade central para arbitrar os conflitos de interesses dos Estados (Griffiths, 2004, p. 47).

Kissinger (1973, p. 1) afirma que “[s]empre que a paz [...] foi o objetivo principal de uma

potência, o sistema internacional esteve à mercê do membro mais inescrupuloso da

comunidade das nações”. Com isso, Kissinger queria dizer que se uma potência objetiva a paz

(ou seja, a abstenção de guerra), ela irá “impor” a paz, vista à sua maneira, aos outros Estados.

Um exemplo desta afirmação de Kissinger pode ser dado, atualmente, pelos Estados Unidos,

que em busca da paz mundial (seu slogan), fazem guerra no Oriente Médio e influenciam

governos do mundo inteiro para atuarem conforme seus ditames.

Kissinger afirma que, para acabar com as guerras, havendo estabilidade no sistema

internacional, no mundo deve existir um equilíbrio de poder, em que duas ou mais potências

se equilibrem militarmente. “A estabilidade, portanto, muitas vezes resultou, não de uma

procura da paz, mas de uma legitimidade aceita por todos. Esta ‘legitimidade’ [...] [s]ignifica

apenas um consenso internacional sobre a natureza de combinações que funcionem.”

(Kissinger, 1973, p. 1) Neste sentido, Kissinger afirma que podem haver guerras, mas elas

serão travadas para manter a estrutura vigente, e a paz que vier em seguida será justificada

como a melhor expressão do consenso geral, ou seja, da legitimidade.

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Para Kissinger, em um sistema internacional que não há equilíbrio de poder, o Estado

mais forte, em busca de sua segurança absoluta35, pode colocar em risco a segurança de outros

Estados. Se isto acontecer, a diplomacia, que é a arte de conter o emprego da força, não terá

êxito. Isto, pois “estando os sistemas antagônicos, em situações revolucionárias36, menos

preocupados com o acerto de diferenças do que com a subversão de lealdades, a diplomacia

cede lugar à guerra ou a uma corrida armamentista” (KISSINGER, 1973, p. 3). Kissinger tem

diversos pontos em comum com Morgenthau, principalmente no que diz respeito aos

segundo, terceiro e sexto princípios do realismo defendidos por este autor.

Neste item, pôde-se verificar que os realistas, mesmo os que escreveram suas obras

antes do surgimento das Relações Internacionais como uma área de estudos própria, pensam

muito parecido sobre a guerra. Para eles a guerra é travada em um sistema internacional

anárquico, onde não existe um poder legal supranacional que possa impedi-la. Ao contrário

dos idealistas, os realistas não acreditam na “vontade” do Estado de fazer a paz. Ou seja, para

os Estados, os seus próprios interesses devem ser buscados a qualquer custo, mesmo que, para

isso, tenha que “passar por cima” dos interesses de outro. Não existe moral em termos de

Estado. O governante deve parecer uma pessoa com moral, porém suas ações, muitas vezes,

devem seguir o caminho contrário para que os objetivos do Estado sejam alcançados.

2.3 A Guerra para os Teóricos do Marxismo

O marxismo surgiu com Karl Marx. Seus teóricos possuem um certo desprezo pelos

pensamentos idealistas. O marxismo surgiu quando Karl Marx e Friedrich Engels escreveram

o Manifesto do Partido Comunista, em 1847. “Este texto afirma que o motor da história é a

luta de classes e expõe o programa político dos comunistas após a tomada do poder. O texto

observa que o poder só pode ser atingido pela derrubada do Estado burguês e pela união dos

proletários de todos os países” (Marx & Engels, 2002.).

Para os marxistas, o poder é mais um efeito do que uma causa, na sociedade. O poder

deriva da conjuntura criada pela história e se define em função das condições materiais da

sociedade e das desigualdades sociais e nacionais (FERNANDES, 1998, p. 138). Os teóricos

marxistas acreditam que as questões sócio-econômicas ditam a política interna e externa de

um país. A política externa de um Estado é o reflexo da política interna, sendo que quem faz

35 Segurança absoluta pressupõe a neutralização do adversário, a potência irá desejar isto quando, pois segundo Kissinger (1973, p. 2), “nada mais pode restituir-lhe a confiança”.

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esta política é a classe dominante, que influencia decisivamente na formação dos interesses de

um Estado. Portanto, afirma Fernandes (1998, p. 138), para o marxismo as relações

internacionais são moldadas através do confronto dos interesses econômicos das classes

dominantes dos Estados.

Segundo o pensamento marxista, por as relações internacionais serem moldadas

através dos interesses das classes dominantes, as relações entre os Estados de estrutura sócio-

econômica capitalista são marcadas por situações de rivalidade e conflito.

Para os marxistas, o Estado é incapaz de garantir o interesse geral. Marx, em Crítica

da filosofia do direito de Hegel, apresenta que, para que o Estado possa garantir os interesses

do povo, ele deve ser um Estado democrático. Contudo, segundo Bottomore (1998, p. 134),

“[Marx] chegou à concepção de que era necessário muito mais do que isso, e que a

‘emancipação política’, por si só, não poderia provocar a ‘emancipação humana’. Esta exige

uma reorganização muito mais completa da sociedade, cujo principal aspecto é a abolição da

propriedade privada”.

Engels escreveu no seu último livro, A origem da família, da propriedade privada e

do Estado, que o Estado é “em geral, o Estado da classe mais poderosa, economicamente

dominante, que, por meio dele, torna-se igualmente a classe politicamente dominante,

adquirindo com isso novos meios de dominar e explorar a classe oprimida” (BOTTOMORE,

1988, p. 134). Portanto, para que a classe operária pudesse “tomar o poder”, o estado burguês

deveria ser esmagado. Podemos até comparar o marxismo com o anarquismo quando falamos

de Estado, contudo, a diferença entre os dois é que os primeiros rejeitaram “a concepção

anarquista de que o Estado pode ser suprimido no dia seguinte à revolução” (BOTTOMORE,

1988, p. 136).

Esta “revolução” que os marxistas tanto queriam poderia ser conseguida através das

lutas, podendo se transformar em guerras. Com relação a este assunto, Marx e Engels

começaram a se preocupar a partir de 1848, quando eles defenderam uma “guerra

revolucionária” contra a Rússia, baseando-se nos exércitos revolucionários franceses que

marchavam pela Europa. Os marxistas, então, começaram a tratar a guerra com muito fervor.

Acreditavam que somente através dela, o proletariado poderia chegar ao poder. Entretanto,

esse tipo de guerra assemelhava-se mais a uma série de guerras civis internas do que a noção

de guerra como um confronto entre Estados “capitalistas” soberanos.

36 Kissinger emprega o termo revolucionário quando uma potência deseja fazer a guerra, ou seja, ela quer mudar o status quo existente.

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Marx afirmava, em As lutas de classes na França de 1848 a 1852, que a classe

dominante dos países capitalistas, ou seja, a oligarquia financeira, era sempre a favor da paz

porque a guerra fazia com que as cotações da bolsa de valores baixassem. Pouco antes da

Guerra da Criméia (1854-1856), “Marx afirmou que nada, a não ser uma crise econômica,

poderia provocar a guerra de que se falava [Guerra da Criméia], e que poderia provocá-la

mais por motivos políticos do que por motivos rigorosamente econômicos” (BTTOMORE,

1988, p. 170).

A guerra com que os marxistas se preocupavam era aquela ligada a “luta de classes”37

e ao “materialismo histórico”38. Esta guerra sempre foi apoiada pelo marxismo, desde que ela

oferecesse perspectivas mais favoráveis à classe operária. No entanto, no final do século XIX,

os marxistas preocupavam-se com o perigo da guerra. A “guerra revolucionária” que

apoiavam não era mais necessária, pois “os partidos socialistas cresciam e pareciam capazes

de tomar o poder dentro de pouco tempo por si mesmos. E um conflito travado com as

terríveis armas novas representaria um retrocesso terrível para o socialismo e para a

civilização”. (BOTTOMORE, 1988, p. 171)

Apresentaremos neste tópico os três principais pensadores marxistas da história,

começando por seu fundador, Karl Marx. Após, descreveremos Lenin, que foi o principal

teórico do marxismo, com a sua obra O imperialismo, estado supremo do capitalismo. Por

fim apresentaremos os pensamentos do italiano Gramsci. Não apresentaremos Fridrich

Engels, pois em seu trabalho, a não ser aquele escrito conjuntamente com Marx, ele não fala

de guerra e como a teoria marxista trata este fenômeno. Iremos nos concentrar nos três

principais teóricos que escreveram sobre a guerra dentro da teoria marxista.

2.3.1 Karl Marx

Marx nasceu em Tier, em 1818 e morreu em Londres no ano de 1883. Estudou

filosofia na universidade de Berlin e formou-se em Iena, em 1841, com a tese Sobre as

diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro. Em 1842 assumiu a chefia da

37 Para Engels, classes são os produtos das relações econômicas de cada época. Existem a classe do proletariado, a burguesia, o clero, entre outras. “Marx queria a inversão da pirâmide social, ou seja, pondo no poder a maioria, os proletários, que seria a única força capaz de destruir a sociedade capitalista e construir uma nova sociedade, socialista”. Fonte: <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm>, acesso em: 28.10.2004. 38 “Materialismo histórico pretende a explicação da história das sociedades humanas, em todas as épocas, através dos fatos materiais, essencialmente econômicos e técnicos”. Fonte: <http://www.culturabrasil.pro.br/ marx.htm>, acesso em: 28.10.2004.

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redação do Jornal Renano em Colônia. Mudou-se para Paris, em 1843, onde editou o primeiro

volume dos Anéis germânico-françeses.39

Em 1844, Marx conheceu, em Paris, Fridrich Engels, que se tornou seu mais íntimo

amigo para a vida toda. Em 1848, no mesmo tempo que estourava a revolução na França,

Marx e Engels publicaram o folheto O manifesto comunista, que mais tarde tornou-se a teoria

revolucionária chamada marxista.40

Em 1864, Marx foi co-fundador da Associação Internacional dos Operários, que

depois foi chamada de I Internacional. Em 1867 publicou o primeiro volume da sua principal

obra, O Capital, um livro principalmente econômico, que trata da teoria do valor, da mais-

valia, da acumulação de capital, etc.41

Marx enfatizou que o estudo do poder e do Estado é determinado a partir da

importância das técnicas de produção e dos fenômenos econômicos. Ele afirma, ainda, que a

evolução histórica pode ser explicada pela situação em que se encontra a distribuição dos

rendimentos entre os indivíduos e os grupos da coletividade em um Estado.

Segundo Fernandes (1998, p. 140), as implicações deste pressuposto marxista

resultariam em um regime político que é o reflexo da luta de classes; que as classes são

definidas pelo sistema de produção; que o sistema de produção depende essencialmente da

evolução das técnicas e que o fenômeno político é uma conseqüência das relações de

produção, e não tem autonomia no processo causal. Para Marx, todo acontecimento político é

resultado da estrutura sócio-econômica do Estado.

Para Marx, segundo Tschumi (2003, p.5)

as guerras eram decorrentes não de aspectos políticos, como a existência de regimes ditatoriais, o desejo de aumentar o poder do Estado, ou a busca de maior segurança em um sistema internacional anárquico, mas sim de causas econômicas. Em poucas palavras, guerra é uma conseqüência natural do sistema capitalista, que obriga as grandes potências a competir entre si para a conquista de novos mercados.

Portanto, Marx acreditava que as guerras ocorriam dentro dos Estados, sendo que as

guerras tradicionais, ou seja, entre os Estados, aconteciam em decorrência da possibilidade de

revolução que elas poderiam desencadear. Exemplo disso seriam os combates decorrentes da

Revolução Russa, que entre 1918 e 1923 tornou-se uma guerra generalizada entre o governo

39 Fonte: <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm> Karl Marx. Acesso em 28.out.2004. 40 ipsis literis. 41 ipsis literis.

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comunista russo contra os exércitos de quatorze países capitalistas: Grã-Bretanha, Estados

Unidos, França, Japão, Itália, Polônia, Canadá, Alemanha, Romênia, Sérvia, Finlândia,

Estônia, Letônia e Lituânia. Outro motivo para o surgimento das guerras tradicionais seria as

disputas imperialistas, as quais resultariam em conflitos militares entre as grandes potências

pelo controle dos países periféricos e das colônias.

2.3.2 Vladimir Lenin

Vladimir Ilitch Ulianov (depois, em 1901, conhecido pelo nome de guerra, Lenin)

nasceu em Simbrisk, hoje Ulianovsk, em abril de 1870 e faleceu em Gorki, em janeiro de

1924. Ele foi o mais influente líder e teórico político do marxismo do século XX. Na

revolução russa de 1917, que levou ao poder o primeiro Estado socialista do mundo, Lenin

dirigiu o Partido Bolchevique42.

Lenin era de uma família de recursos modestos, mas suficientes para uma vida

confortável. No ano seguinte à morte do seu pai, em 1887, seu irmão Alexandre foi executado

por participar de uma conspiração contra a vida do czar Alexandre III, o que teve um efeito

traumático sobre Lenin. Porém, Lenin obteve as melhores notas e foi aceito na Universidade

de Kazan, mas logo foi expulso por participar de uma manifestação estudantil de protesto por

falta de liberdade na Rússia. A partir de então, Lenin dedicou-se integralmente à atividade

revolucionária.

Publicou sua primeira obra, Quem são os “Amigos do Povo”, em 1893, combatendo

as idéias econômicas, políticas e sociais do populismo russo. Por suas idéias revolucionárias,

Lenin foi preso em 1895, o que não o fez parar de apoiar as greves de 1896. Após o exílio na

Sibéria, Lenin se reúne com o grupo de Plekhanov em Genebra no ano de 1900. Neste grupo,

Lenin concebeu o plano de um jornal nacional para divulgar os descontentamentos e as

reivindicações com o sistema czarista da Rússia, chamado A causa dos trabalhadores.

Contribuiu, ainda, para a criação de um partido de revolucionários que dirigisse a revolução

democrática.

Em 1916, Lenin produziu a sua mais importante obra, pelo menos para os estudiosos

de relações internacionais, Imperialismo: fase superior do capitalismo. Neste livro, Lenin

afirma que a I Guerra Mundial representava a fase terminal do sistema capitalista, pois ele

denuncia o capitalismo como sendo o responsável pela deflagração daquela Guerra. Podemos

42 Bolchevista deriva de bolshinstvo (maioria), “o maior grupo dissidente do Congresso do Partido Trabalhista Social Democrático Russo (PTSDR) de 1903”. (GRIFFITHS, 2004, p. 200)

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verificar esta denúncia no manifesto que preparou para o comitê do partido em outubro de

1914, levando em conta uma complexidade de causas para a Guerra: “a corrida armamentista,

a intensificação da luta pelos mercados, os interesses dinásticos das velhas monarquias e o

desejo de desviar a atenção e dividir os trabalhadores, cuja resposta deveria ter sido

transformar a guerra em guerra civil”. (BOTTOMORE, 1988, p.172)

Inspirando-se em algumas idéias de John Hobson e do socialista austríaco Rudolf Hilferding, Lenin afirmava que a Primeira Guerra Mundial ofereceria tanto uma oportunidade às classes operárias para se rebelarem contra o capitalismo quanto revelaria a falência das reformas revisionárias que paralisaram repentinamente as mudanças radicais nos Estados Capitalistas. (GRIFFITHS, 2004, p. 201)

Acerca dos bancos, Lenin (1987, p. 30) afirma que “[à] medida que os lucros

aumentam e os bancos se concentram em um pequeno número de estabelecimentos, estes

deixam de ser modestos intermediários para se tornarem monopólios todo-poderosos,

dispondo da quase-totalidade do capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e dos pequenos

empresários”.

Este monopólio dos bancos poderia gerar concorrência com as “corporações

gigantescas que gozavam de um monopólio de controle nos seus mercados domésticos”

(GRIFFITHS, 2004, p. 201). Lenin (1987, p. 29) afirma que “é precisamente este monopólio

verdadeiro que as empresas gigantescas das atuais indústrias siderúrgica e elétrica detém em

elevado grau graças à sua técnica muito complexa, à sua organização muito extensa e ao

poder do seu capital”.

Lenin acreditava que a concorrência internacional entre as corporações e os bancos

resultaria, inevitavelmente, em uma guerra entre os Estados capitalistas. Griffiths (2004, p.

202) verifica que “[o]s Estados capitalistas não poderiam parar de acompanhar o processo de

busca de riqueza, que exigia a exploração dos trabalhadores e a apropriação da mais valia.

Eles não tinham alternativa senão participar do processo que os levaria à própria derrota”, ou

seja, os levaria à guerra. Para Lenin o capitalismo possui várias fases e a última delas leva os

Estados a concorrerem entre si, numa disputa imperialista que obrigatoriamente levará à

guerra.

2.3.3 Antônio Gramsci

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Gramsci nasceu na Sardenha, em janeiro de 1891 e morreu em Roma, em abril de

1937. Era de família da classe média humilde da empobrecida ilha da Sardenha. Aos 20 anos,

em 1911, Gramsci conseguiu uma bolsa de estudos para a Universidade de Turim, onde foi

influenciado pelo filósofo idealista italiano Benedetto Croce. Impressionado pelo movimento

da classe trabalhadora de Turim, ingressou no Partido Socialista Italiano (PSI), em 1913 e, no

mesmo ano, começou a escrever para jornais socialistas.

Em 1921, Gramsci ajudou a criar o Partido Comunista Italiano (PCI). De 1922 a 1924,

trabalhou em Moscou e Viena, para o Comintern. Em 1924 foi eleito para o Parlamento

Italiano, quando regressou à Itália e assumiu a liderança do PCI onde lutou para transformá-lo

em um partido enraizado no movimento de massas. Gramsci foi preso pelo regime de

Mussolini em 1926 e condenado a mais de 20 anos de prisão, onde escreveu os principais

textos de sua produção teórica, e que fazem de Gramsci o maior teórico marxista do século

XX. (BOTTOMORE, 1988, p. 166)

Se quisermos entender a contribuição de Gramsci para a teoria marxista, necessitamos

conhecer a diferença na concepção de Estado do filósofo político italiano com relação a Marx

e Lenin. Segundo Tschumi (2003, p. 3)

Marx enfatizava a “infra-estrutura econômica sobre a superestrutura ideológica, considerando esta como um simples reflexo daquela, sem eficácia causal no processo social e político” (Moreira, 2001, p. 252). Lenin enfatizava a questão do Estado como um simples aparelho de repressão sobre o proletariado, destinado a impor a ordem estabelecida pela burguesia. Gramsci discordará dessas duas posições, ressaltando a importância da superestrutura (em detrimento da infra-estrutura) para a manutenção da classe hegemônica no poder.

Segundo Bottomore (1998, p. 136) “[u]ma das principais contribuições de Gramsci

para o pensamento marxista foi a proposição da idéia de que a dominação da classe

[hegemônica] não se realiza apenas pela coerção, mas é obtida pelo consentimento”. Para

Gramsci, o Estado tem um importante papel no campo cultural e ideológico, bem como na

organização do consentimento, fazendo com que não fosse necessária a utilização da coerção

nos países mais desenvolvidos. Nestes países, a máquina do Estado é mais eficaz em divulgar

a sua cultura, ideologia e organizar o consentimento, fazendo isto, muitas vezes, até em outros

países, como é caso do cinema e programas de televisão transmitidos a diversos países.

Para Gramsci, segundo Tschumi (2003, p. 4) “a hegemonia (domínio) da burguesia é

mantida através de sólidas instituições que reproduzem sua ideologia através do bloco

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histórico43 [...]. O vínculo orgânico entre o proletariado (estrutura) e as classes dirigentes

(superestrutura) é assegurado pelos intelectuais, que garantem a manutenção da hegemonia.”

Portanto, para Gramsci, as crises econômicas não são capazes, por si só, de propiciar a

queda do capitalismo. Para o proletário tomar o poder, ele tem que saber “balancear o uso da

força com o domínio (ideológico e cultural) da sociedade civil ao longo do processo

revolucionário” (TSCHUMI, 2003, p. 4). O uso da força para Gramsci não é,

necessariamente, o uso da violência, mas pode ser o uso da energia física e mental, utilizando

a influência, o poder, ou o prestígio, para levar as massas à revolução.

As idéias de Gramsci são formuladas principalmente durante as décadas de 1920 e

1930, quando os comunistas possuíam plena convicção de que era apenas uma questão de

tempo para que a revolução comunista se espalhasse por toda a Europa. Assim, a guerra que

preocupava Gramsci era aquela travada entre o proletariado contra a burguesia. As fronteiras

entre os países eram substituídas pelas fronteiras entre as classes. Essa noção de guerra

característica do marxismo deriva do modo singular como essa corrente filosófica percebe as

relações internacionais. Para os marxistas a política dos Estados era reflexo dos interesses da

classe dominante, a burguesia. Logo, as guerras “verdadeiramente internacionais” não eram

aquelas travadas entre grupos capitalistas de diferentes países, mas sim o confronto entre a

nação proletária contra a nação burguesa.

43 Bloco histórico, segundo Châtelet, (2000, p. 210 apud Tschumi, 2003, p.4), é “a articulação precisa, numa situação histórica determinada, entre a estrutura social (as classes) e a superestrutura ideológica e política”.

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3 A GUERRA NAS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

Foi identificado, nos dois capítulos anteriores, sobre a guerra em si e sobre as teorias

tradicionais das relações internacionais, que são aquelas que surgiram até meados do século

XX. Neste capítulo, serão apresentadas as principais teorias contemporâneas, ou seja, que

surgiram a partir da década de 1960, e que tentam explicar as relações internacionais. Estas

teorias possuem suas bases nas teorias tradicionais das Relações Internacionais, sendo para

atualizá-las ou para se opor a elas.

Com o final da II Guerra Mundial e o crescimento do temor sobre as possíveis

conseqüências da Guerra Fria44, muitos teóricos e analistas das relações internacionais não

acreditavam mais que as teorias tradicionais pudessem explicar o que estava acontecendo com

as relações entre os Estados. Além da Guerra Fria, podemos citar os grandes avanços

tecnológicos, econômicos e comerciais, além da crescente dependência material e econômica

entre os países. Tudo isto ajudou para o advento de novas teorias das relações internacionais.

As teorias contemporâneas surgiram com base nas tradicionais. Dentre estas,

começaremos por apresentar a teoria da dependência. Esta teoria sofreu forte influência do

marxismo e tenta entender as relações internacionais partindo da visão dos países menos

desenvolvidos, ou subdesenvolvidos. É importante frisar que esta teoria surgiu como um

modelo de interpretação das relações sociais entre grupos, e muito de seus teóricos são

sociólogos ou economistas. Surgida a partir de meados do século XX, a teoria da dependência

é muito importante para as relações internacionais, pois é uma teoria que surgiu na América

do Sul e um de seus fundadores foi o ex-presidente da República do Brasil, Fernando

Henrique Cardoso.

A segunda teoria a ser apresentada neste capítulo é a da interdependência, a qual

possui algumas semelhanças com a teoria realista. Segundo Di Sena Júnior (2003, p. 180) a

teoria da interdependência “busca compreender tanto as raízes políticas do processo de

globalização quanto a forma como as suas complexas variáveis (poder, segurança, hegemonia,

cooperação, assimetria, escassez, etc.) interagem entre si”. A teoria da interdependência surge

para tentar compreender um mundo onde os Estados não são os únicos atores internacionais,

44 O mundo inteiro temia uma guerra entre as duas potências, pois, primeiro os Estados Unidos e depois a União Soviética adquiriram o conhecimento da produção da bomba atômica. Uma guerra entre as duas potências poderia gerar uma guerra nuclear e a possível destruição mundial.

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existindo também as empresas multinacionais, as Organizações Internacionais e as

Organizações Não-Governamentais.

A terceira teoria a ser abordada neste capítulo é a neo-realista, surgida na década de

1970, principalmente com a obra de Kenneth Waltz, na tentativa de renovar a teoria realista,

que recebia diversas críticas por não tratar de assuntos econômicos e da existência de outros

atores internacionais além do Estado. Esta teoria surge justamente quando estava acontecendo

a crise global do capitalismo e o declínio da hegemonia estadunidense, por causa da crise do

petróleo. Então, o neo-realismo vai tentar oferecer respostas satisfatórias acerca destes

assuntos, além de outorgar maior rigor científico à teoria realista.

3.1 A Teoria da Dependência

Com a decorrência da Guerra Fria e os grandes saltos tecnológicos que aconteceram,

principalmente, a partir da década de 1950, as relações entre os Estados mudaram em alguns

pontos, segundo os teóricos da dependência. A teoria da dependência é uma forma de revisão,

ou reformulação, da teoria marxista, podendo ser conhecida como neo-marxista. A teoria

adentra, segundo Oliveira (2000, p. 159) “em esfera do sistema [internacional] caracterizada

por estruturas de dominação, onde as relações interestatais são aferidas pelo ângulo da

desigualdade dessas relações de desenvolvimento e subdesenvolvimento, consolidadas nos

países hegemônicos ditos de centro e países explorados da periferia”.

Como visto no subitem 2.3 do capítulo anterior, o marxismo trata das relações sociais,

onde os Estados e as relações entre eles são fenômenos históricos (materialismo histórico), o

Estado é uma superestrutura que depende da estrutura econômica. Já a teoria da dependência,

segundo Oliveira (2000, p. 161) reconhece “como atores internacionais, além dos Estados

soberanos, também os Estados de fato, politicamente recém-independentes, as organizações

internacionais e as organizações não-governamentais (ONGs), os movimentos de libertação

nacional, os sindicatos e as empresas transnacionais, entre outras classes de atores”. Para a

teoria da dependência, estes outros autores internacionais mencionados também

desempenham um papel importante no campo internacional.

Contudo, assim como os teóricos do realismo, os teóricos dependentistas possuem

uma visão pessimista sobre a convivência pacífica entre os Estados, porém diferem nas causas

desta visão. Para os dependentistas, isto se deve ao fato de existir uma “cooperação

assimétrica e desigual estabelecida entre os países ricos e pobres, um processo de legitimação

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do status quo dos países centrais, onde o ganhador é sempre o mesmo ator independente e

desenvolvido, enfim, um ator metrópole”. (OLIVEIRA, 2000, p. 161)

A teoria da dependência surgiu em contraposição às análises teóricas elaboradas na

Europa e Estados Unidos, as quais não conseguiam explicar as relações internacionais a partir

dos Estados subdesenvolvidos. Esta teoria pode ser representada como uma “tentativa de

rompimento da importação de conceitos estruturais e paradigmas externos, como também a

emancipação do conhecimento latino-americano no sentido mais estreito”. (OLIVEIRA,

2000, p. 164)

A independência política conquistada pelos países latino-americanos desde o século

XIX era limitada pela dependência econômica que estes países tinham com os “centros”45.

Estes centros exerciam uma forte influência sobre as questões econômicas, culturais,

ideológicas, políticas e sociais dos países latino-americanos. Em decorrência disto, à medida

que estes países cresciam, desenvolveu-se um quadro cumulativo de miséria, analfabetismo,

fome e má distribuição de renda. Eram necessários novos instrumentos teóricos que abrissem

caminho para o entendimento destes problemas de desenvolvimento e subdesenvolvimento

resultantes do sistema capitalista. (OLIVEIRA, 2000, p. 171)

Então, no período de 1964 a 1974, durante as ditaduras militares dos países latino-

americanos, muitos intelectuais foram ao Chile em busca de exílio. Foi lá que estes

intelectuais debateram sobre os temas da dependência dos países subdesenvolvidos com

relação aos “centros” até que este debate atingiu foros internacionais. Foi então que, junto à

Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (CEPAL), se

difundia o pensamento do economista Raúl Prebish, que representava uma etapa avançada no

estudo histórico-político do sistema econômico da região. Foi deste movimento teórico que,

nos anos de 1966 e 1967, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto escreveram a obra que

expôs a Teoria da Dependência, Dependência e desenvolvimento na América

Latina.(OLIVEIRA, 2000, p. 178)

Nesta obra, os autores abordam os aspectos econômicos do subdesenvolvimento e os

processos de dominação dos países hegemônicos sobre os subdesenvolvidos e de algumas

classes sobre as outras, destacando o conceito de dependência como instrumento teórico.

Esta dominação que os países desenvolvidos exercem sobre os subdesenvolvidos pode

ser explicada pelo sistema de troca entre eles, pelo comércio. Enquanto os países “pobres”

produzem e exportam produtos primários, sem valor nenhum agregado, os países “ricos”

45 Podemos entender como “centros”, segundo Raúl Prebish, os países capitalistas desenvolvidos, ou os países ricos.

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compram estes produtos, transformam em eletrodomésticos, máquinas, e outros, por exemplo,

agregando um grande valor, e revendem para os primeiros, muito mais caro.

Tentando explicar esta dependência entre os países periféricos, ou pobres, com os

países centrais, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto nos mostram que, na crise

econômica de 1929 e com o final da II Guerra Mundial, enquanto os países que hoje são

centrais desenvolveram e expandiram suas indústrias impulsionadas por forças sociais

internas, a América Latina tenta se desenvolver através de investimentos externos. Estes

investimentos, na sua maioria, são injetados diretamente nas empresas (privadas). Isto faz

com que grande parte dos lucros das empresas investidas “saia” para as empresas que

realizaram os investimentos. Segundo Cardoso e Faletto (1970, p. 126)

tanto o fluxo de capitais quanto o controle das decisões econômicas “passam” pelo exterior; os lucros, mesmo quando a produção e a comercialização dos produtos realizam-se no âmbito da economia dependente, aumentam virtualmente a massa de capital disponível por parte das economias centrais; e as decisões de investimentos também dependem parcialmente de decisões e pressões externas.

Desta maneira, os países periféricos ficam sempre à mercê dos investimentos e

decisões dos países centrais. O Brasil, durante a década de 199046 realizou diversas

privatizações de suas empresas estatais. Grande parte das empresas foi vendida a pessoas

(físicas ou jurídicas) de outros países. Muitas destas empresas eram extratoras de matéria-

prima, como a Vale do Rio Doce, que abastece o mercado nacional, principalmente

metalúrgico. Praticamente todo o lucro e as decisões desta empresa vão ou vem do exterior,

fazendo com que o Brasil fique dependente de decisões tomadas fora do país, no âmbito da

extração de metais.

3.1.1 A Guerra para os Teóricos da Dependência

Os teóricos dependentistas tratam da guerra com tanta ênfase como fazem os teóricos

idealistas, realistas e até os marxistas. Para os teóricos da dependência, a guerra não deve ser

pensada no âmbito dos países periféricos, pois estes possuem demasiados problemas e, ainda,

não possuem recursos financeiros para fazerem guerra.

46 É interessante deixar claro que na maior parte da década de 1990, o presidente do Brasil foi Fernando Henrique Cardoso, que fez sua política baseada em uma teoria totalmente contrária a que escreveu com Enzo Faletto. Fernando Henrique Cardoso fez sua política baseada em conceitos neo-liberais.

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Como pudemos notar, os teóricos da dependência fazem uma “divisão” dos Estados,

ou seja, dividem os Estados em “centrais” e “periféricos”, coisa que os outros autores já

identificados até agora não fizeram.

Os países periféricos não são predispostos a entrar em guerra por, principalmente,

motivos econômicos. A economia destes países, como do Brasil, por exemplo, é

tremendamente vulnerável. Qualquer situação que faça com que os investidores estrangeiros

deixem de aplicar seu dinheiro no Brasil, acarretará aumento de inflação, aumento do dólar,

que é a moeda de troca internacional, podendo gerar uma crise econômica e frear o

crescimento. Se o país decide entrar em uma guerra, os investidos estrangeiros desconfiam

dos rumos que o país terá com o andamento da guerra. Assim, o risco país cresce, o

crescimento econômico fica estático e a situação de dependência com os países centrais pode

aumentar, pois o país precisará de investimentos nas forças armadas, como gastos em

armamentos e em pessoal e, para conseguí-los, somente recorrendo a empréstimos.

Contudo, se for estudada a história dos países centrais, principalmente a dos Estados

Unidos, pode-se verificar que eles utilizaram a guerra como forma de expandir seu comércio e

acarretar dependência econômica, política, social, cultural e ideológica nos países que hoje

são periféricos. O exemplo mais clássico que podemos dar é o da política do Big Stick (grande

porrete), que o presidente estadunidense Theodore Roosevelt estabeleceu no início do século

XIX. Esta doutrina, entre outros objetivos, tinha como função de fazer com que as nações da

América Latina “honrassem seus compromissos financeiros”47.

Com esta política, de “falar calmamente e carregar um grande porrete”48, os Estados

Unidos, utilizando os fuzileiros navais, invadiram repúblicas da América Central. Nestas

repúblicas, os Estados Unidos estabeleceram monopólios como de empresas de alimentos, e o

monopólio do transporte marítimo do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico através do Canal

do Panamá.

Outro exemplo é a guerra do Iraque de 2003. Nesta guerra, fica claro que o real intuito

dos Estados Unidos é instalar suas empresas petrolíferas naquele país49, fazendo com que este

país dependa de investimentos e decisões estadunidenses. Com a guerra, diversas empresas de

construção se beneficiam no Iraque, sendo que grande parte do país foi destruído pelas forças

armadas dos Estados Unidos. Outra vantagem às empresas estadunidenses é a abertura

47 Fonte: <http://www.historywiz.com/bigstick.htm>, acesso em: 03.11.2004. 48 Provérbio criado por Roosevelt: “Speak softly and carry a big stick; you will go far”. Fonte: <http://www. historywiz.com/bigstick.htm>, acesso em: 03.11.2004. 49 Fonte: <http://www.unb.br/informativos/a2002/conflitos.htm> acesso em: 20.08.2004. Mais informações, ver capítulo 1, página 10.

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econômica que o Iraque irá sofrer, sendo que estas empresas podem vender seus produtos

naquele país, fazendo com que não haja criação de indústrias iraquianas, aumentando assim

sua dependência econômica com os Estados Unidos.50

Segundo Oliveira (2000, p. 189) os países centrais

faziam uso de vários meios, como intervenções diretas e indiretas, com vistas a alterar o fluxo do comércio internacional, objetivando assim favorecer suas indústrias contra a competição de países mais desenvolvidos. Os países mais ricos e fortes tiveram mais possibilidades de êxito, abrindo um largo fosso em relação aos países subdesenvolvidos.

Como vemos nesta citação, os países ricos, além de intervenções diretas, como por

exemplo intervenções militares, podem fazer intervenções indiretas. Estas intervenções

indiretas caracterizam-se por estimular suas indústrias, através de redução de impostos,

fornecer subsídios ou criar tarifas de importação para elevar as barreiras comerciais contra os

produtos, principalmente primários, advindos dos países subdesenvolvidos. Contudo, algumas

destas intervenções indiretas não são proibidas pelo Direito Internacional, como é o caso das

intervenções militares, sendo legais, embora moralmente discutíveis.

Portanto, para os teóricos dependentistas, os países subdesenvolvidos não desejam e

não podem fazer guerra. Já para os países desenvolvidos, a guerra é um instrumento que pode

ser utilizado quando necessário. Ela pode ser um meio para se chegar a um fim. Entretanto os

dependentistas condenam as guerras, ao contrário dos realistas. Isso porque, para os

dependentistas o “fim” ao qual as guerras se propõem é o da dominação econômica, principal

bandeira de luta dos dependentistas.

3.2 A Teoria da Interdependência Complexa

Assim como a teoria da dependência, em decorrência dos grandes saltos tecnológicos,

da globalização ocorrida na segunda metade do século XX, além da grande onda de

liberalismo que previa que o Estado-Nação perderia sua capacidade de atuar no cenário

internacional como um ator soberano delimitador dos interesses econômicos, surge a teoria da

interdependência complexa. Para estes teóricos, além do Estado-Nação, fazem parte como

atores internacionais, as empresas transnacionais, as Organizações Internacionais e as

50 Mais informações sobre o porquê da guerra do Iraque, ver capítulo 1, páginas 9 e 10, principalmente.

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Organizações Não-Governamentais, os quais assumiriam um papel importante em política

externa.

A teoria da interdependência não surge para se opor às outras teorias, mas busca

combinar os aspectos que podem contribuir nos estudos dos processos econômicos e das

instituições internacionais. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 247) Ela data do final da década de

1970, principalmente com a obra de dois autores: Robert Keohane e Joseph Nye. Esta teoria

pode também ser conhecida como teoria institucionalista, pois as relações internacionais

estariam regidas pelas instituições internacionais, sendo que os Estados passariam à elas o

poder de manutenção das regras e procedimentos das relações internacionais. (BORGES DE

MACEDO, 2002, p. 72)

Contudo, a teoria da interdependência tem uma forte ligação com a teoria realista, pois

ela “procura explicar o comportamento dos Estados por meio da natureza de um sistema

internacional anárquico” (BORGES DE MACEDO, 2002, p. 73). A teoria da

interdependência advoga os mesmos postulados que o realismo, porém, ela se aprofunda e

modifica levemente estes postulados. Segundo Borges de Macedo (2002, p. 75) para a

interdependência: a política externa e a interna são fenômenos distintos, mas um fenômeno

interno pode repercutir internacionalmente; os Estados são os principais atores internacionais,

mas não são os únicos; os Estados não são capazes de definir seus interesses egoístas de modo

tão objetivo como afirmam os realistas; o sistema internacional anárquico, para o

institucionalismo, propicia a cooperação, que para o realismo, gera a auto-ajuda.

A sociedade internacional contemporânea é marcada pela crescente atuação de

empresas transnacionais, organizações internacionais e organizações não-governamentais,

além de muitos outros agentes que se multiplicam tanto em número quanto em importância.

Por este motivo, segundo Di Sena Júnior (2003, p. 181)

o realismo político tem-se revelado insuficiente para explicar os complexos eventos que dominam a atual agenda política internacional, uma vez que seus adeptos lidam com a noção de “soma zero”, situação na qual o ganho de poder por parte de um ator implica, inexoravelmente, a diminuição ou perda de poder de outrem.

Portanto, pela insuficiência do modelo realista, Robert Keohane e Joseph Nye

“buscam analisar os novos matizes da política internacional e a forma como eles interferem

nos comportamentos dos Estados”. (DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 181) Estes dois autores,

então, se aprofundam no assunto e desenvolvem a teoria da interdependência. Contudo, eles

defendem que a teoria da interdependência, assim como o realismo, é de tipo ideal, não

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refletindo fielmente a política mundial, pois ambas teorias são modelos que buscam tornar a

realidade inteligível. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 257)

Podemos ver no quadro sinótico a seguir as principais diferenças entre o aporte teórico

realista e o ideal interdependentista.51

1. Quadro Sinótico das Características Realistas e Interdependentistas

Realismo Interdependência

Metas dos Atores

A segurança militar é a meta predominante.

As metas dos Estados variam segundo as áreas das questões. A política transgovernamental pode estabelecer metas de difícil definição. Os atores transnacionais podem perseguir suas próprias metas.

Instrumentos da Política Estatal

A força militar é mais eficaz, ainda que a economia e outros instrumentos também sejam empregados.

Os recursos de poder específicos a cada área de problemas são mais relevantes. A manipulação da interdependência, os organismos internacionais e os atores transnacionais são os instrumentos mais importantes.

Definição da Agenda

As potenciais mudanças no equilíbrio do poder e as ameaças à segurança estabelecem a agenda da alta política52 e influenciam fortemente as demais.

A agenda é afetada por mudanças na distribuição dos recursos de poder dentro das áreas de questões. A natureza dos regimes internacionais, as mudanças na importância dos atores transnacionais e a vinculação de outras questões são reflexos da crescente interdependência.

Vinculação de Questões

A vinculação de temas reduz as diferenças nos resultados entre as distintas áreas de questões e reforça a hierarquia internacional.

A vinculação de questões por parte dos Estados fortes é mais difícil, haja vista o uso da força ser pouco eficaz. A vinculação de questões por parte dos Estados fracos através dos organismos internacionais corrói – ao invés de reforçar – a hierarquia internacional.

Papel das

Organizações Internacionais

A importância dos organismos internacionais é menor, em virtude de estarem limitados aos poderes dos Estados e à supremacia da força militar.

Os organismos internacionais estabelecem agendas, induzem à formação de coalizões e funcionam como facilitadores da ação política de Estados fracos. A capacidade para eleger o foro adequado para um problema e para mobilizar votos é um importante resultado político.

A teoria da interdependência se baseia no pressuposto de que não existe mais tanta

funcionalidade na relação entre o poder político-militar e o poder econômico, pois, como

vimos no início da década de 1970, em conseqüência à guerra Árabe-Israelense, a OPEP

aumentou o preço do barril de petróleo em até 128%. Mesmo com a crise financeira e

energética gerada, os Estado Unidos e as demais forças militares européias ficaram

impotentes quanto ao uso de forças bélicas. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 249)

51 ROBERTO DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 187.

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Keohane e Nye (1988, p. 21) afirmam que o equilíbrio de poder e a segurança nacional

“são muito pobres para a análise dos problemas da interdependência econômica ou ecológica.

Em termos tradicionais, a segurança não é certamente o principal problema que enfrentam os

governos. E dado que a força militar é ineficaz frente a certos problemas, a noção

convencional de poder carece de precisão”.

Segundo Santos Júnior (2000, p. 249) “[a] interdependência, analisada como fonte de

poder, é entendida como controle de recurso ou potencial para afetar resultados. Atores menos

dependentes em uma transação têm maior capacidade de barganha que os sócios mais fracos.

Essa vantagem, porém, não garante ganhos a priori”. Isto faz com que o poder militar de um

Estado não esteja diretamente ligado ao seu poder econômico e nem que este dependa

daquele. Portanto, dependendo da situação e do tipo de negociação, um Estado mais fraco

militarmente, pode exercer pressão e fazer com que um Estado mais forte se ajuste a suas

decisões.

Segundo Keohane e Nye (1988, p. 26), a análise do poder numa situação de

interdependência deve ser trabalhada em duas dimensões distintas: sensibilidade e

vulnerabilidade. A sensibilidade acontece quando um ator internacional, por exemplo, um

Estado sofre com as ações de um outro Estado. Como exemplo, os autores falam da crise do

petróleo de 1971-75. Quando a OPEP aumentou o preço dos barris de petróleo, os Estados

Unidos tiveram que tomar medidas de ajustes domésticos e externos. Portanto, os Estados

Unidos eram sensíveis à alta do preço do barril de petróleo, o que fornecia aos membros da

OPEP uma vantagem sobre o aspecto militar estadunidense nas suas relações.

A vulnerabilidade, segundo Keohane e Nye (1988, p. 29), é quando um Estado possui

um fator interno ou externo que faz com que ele não consiga alterar o ambiente adverso,

mesmo após ter desenvolvido um conjunto de medidas para superar os problemas causados

por outro Estado. Ou seja, no caso da crise do petróleo de 1971-75, a vulnerabilidade do Japão

estava no fator geográfico, pois não fornecia a possibilidade de produzir seu próprio petróleo

a custos aceitáveis. Já no caso dos Estados Unidos, a falta de consenso interno por novas

políticas energéticas fez com que o país fosse vulnerável. Ou seja, no Japão a vulnerabilidade

estava em suas limitações físicas, enquanto que nos Estados Unidos estava nas limitações

sócio-políticas. A vulnerabilidade de cada país é, quase sempre, conhecida por todos os

outros, o que faz com que possa se “desenvolver uma rede de interação, barganha e

52 Segundo Santos Júnior (2000, 249) alta política são as questões estratégico-militares e baixa política são as questões econômicas, sociais e culturais. Já para Di Sena Júnior (2003, p. 192), alta política é a política externa e baixa política é a política interna.

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chantagem entre todos os envolvidos, capaz de alterar a estrutura das relações internacionais”.

(SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 251)

3.2.1 A Guerra para os Teóricos da Interdependência

Robert Keohane e Joseph Nye (1988, ps. 41-47), com o propósito de explicar

processos e instituições internacionais, apóiam a teoria da interdependência em três

características principais: canais múltiplos de comunicação e influência; ausência de

hierarquia entre assuntos; menor papel das forças armadas.

Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, como televisão, rádio,

internet, e outros, o mundo ficou menor e diversas empresas saíram do âmbito interno de um

Estado para negociar seus produtos e suas influências por todo o globo. Além das empresas,

diversas organizações internacionais e organizações não-governamentais surgiram, formando

múltiplos canais de comunicação e influência. Para os teóricos da interdependência, no

mundo “globalizado” não é mais somente o Estado quem toma decisões internacionais e

influencia outros Estados, mas existe uma gama de empresas e organizações com esse poder,

diversas vezes maior do que o poder de alguns Estados.

Segundo Santos Júnior (2000, p. 260),

[c]oncomitantemente ao alargamento das atividades internas dos governos, ocorreu uma expansão do poder das grandes empresas. Suas decisões ultrapassam as bordas das fronteiras nacionais, pondo as políticas domésticas de países diferentes cada vez mais em contato umas com as outras. As novas tecnologias de comunicação tornam estes efeitos mais relevantes.

Na citação acima fica claro que os canais de comunicação servem principalmente às

grandes empresas – multinacionais, porém a grande maioria tem como matriz uma grande

potência. Logo, os principais beneficiados acabam sendo justamente aqueles países mais

fortes militarmente e economicamente. De acordo com essa lógica, a teoria da

interdependência não altera significativamente as relações de poder entre os grandes e

pequenos Estados.

Estes canais de comunicação resultaram em uma maior força por parte dos Estados

mais pobres, ou mais fracos militarmente, pois em diversas organizações, como na ONU, eles

têm, teoricamente, o mesmo poder de voto das grandes potências, exceto no Conselho de

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Segurança, onde cinco Estados53 tem o poder de veto. Além disso, mesmo nos outros comitês,

dificilmente os pequenos Estados contrariam os interesses das grandes potências, as quais, por

contribuírem com mais dinheiro para a ONU, podem bloquear as atividades da organização.

Basta não pagar ou atrasar a contribuição. Logo, a igualdade jurídica na ONU não é capaz de

mascarar as imensas desigualdades políticas.

Contudo, os canais de comunicação fazem com que o recurso a utilização da guerra

seja minimizada por parte dos Estados, pois, segundo Di Sena Júnior (2003, p. 191),

[a] existência de múltiplos canais de comunicação e influência [...] reforça a idéia de que as relações internacionais não mais se resumem a questões de segurança e militarização. As relações econômicas, financeiras, sociais e culturais também desempenham papel de relevo no cenário internacional contemporâneo, favorecendo um maior intercâmbio entre os povos e, por conseguinte, um estreitamento dos vínculos entre os países.

Outro pressuposto da teoria da interdependência é a ausência de hierarquia entre

assuntos. Com a ampliação da agenda internacional54, os assuntos externos dos Estados não

estão mais subordinados única e exclusivamente aos temas de segurança militar, abrangendo

uma variedade mais ampla de assuntos, como de natureza financeira, econômica, energética,

ambiental, alimentar, social, cultural, etc.

Em um sistema anárquico, o principal objetivo do Estado gira em torno de questões

militares, como segurança. A interdependência concede grande importância a estas questões.

Contudo, segundo Di Sena Júnior (2003, p. 193), hoje, “justamente com a mudança das

ameaças, mudam-se também os objetivos e a política volta-se mais às questões sociais e

econômicas do que propriamente às militares (ainda que estas não sejam completamente

olvidadas)”.

Estes diversos assuntos que existem no âmbito interno, desde que não ponham em

risco os interesses da nação, fazem com que o Estado tenda a aliar as políticas internas às

demandas internacionais. Desta maneira, os assuntos internos e externos cruzam-se

mutuamente, envolvendo atores governamentais e não-governamentais, sem definir uma

graduação da importância das questões.

Com relação ao menor papel das forças armadas, até meados do século XX, o

mecanismo mais empregado na política internacional era a força militar ou a ameaça de

53 Estes Estados são: os Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia e China. 54 Agenda internacional é o “conjunto de questões relevantes para a política exterior nas quais se envolvem os Estados” (KEOHANE E NYE, 1988, p. 43)

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guerra, como por exemplo, as duas Guerras Mundiais e a Guerra Fria. Sem deixar de

continuar sendo um mecanismo importante para os Estados, a utilização das forças armadas

requerer um alto grau de financiamentos por parte deles. Portanto, este alto custo tem levado

os Estados a serem mais cautelosos na utilização da guerra, conforme vimos anteriormente,

principalmente quando falamos do idealista Norman Angell, no subitem 2.1.3.

Robert Keohane e Joseph Nye (1988, p. 46), discorreram que o emprego da força

tornou-se muito custoso para os principais Estados, pois

a utilização da força parece menos provável que na maior parte das situações similares ocorridas no século, antes de 1945. A força de destruição das armas nucleares faz com que seja perigoso qualquer ataque a uma potencia nuclear. [...] A limitada utilidade da força convencional para o controle de populações socialmente mobilizadas ficou demonstrada tanto com o fracasso dos Estados Unidos no Vietnã como com o rápido declínio do colonialismo na África. Ainda, o emprego da força contra um Estado independente com quem se mantinha uma variedade de relações significa romper relações mutuamente proveitosas em outros campos [como econômicos ou culturais]. [...] E finalmente, nas democracias ocidentais é muito forte a oposição aos conflitos militares prolongados.

Apesar do número de países com armas nucleares estar aumentando, os Estados têm

receios quanto ao seu uso, pois as conseqüências podem ser desastrosas para ambos os lados

envolvidos no conflito. Além disto, existem diversas organizações terroristas com bases

operacionais nos países pobres. Se um Estado resolve entrar em guerra contra outro, este ato

pode acarretar riscos econômicos para o país, como a transferência de investimentos para o

setor bélico e o aumento do risco país. Podemos ter, ainda, em uma situação de guerra, a

opinião contrária do povo, que pode causar um desgaste ao governo do Estado devido à

necessidade de conter as manifestações contrárias à guerra. Contudo, em alguns casos, pode

acontecer de o povo apoiar a guerra, como foi o caso dos Estados Unidos, na guerra do

Afeganistão e do Iraque, em que o povo apoiou estas guerras, por causa, principalmente, dos

ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Segundo Di Sena Júnior (2003, p. 202) “[n]enhum país, hoje, pode atuar militarmente

sem levar em consideração a opinião dos demais. Nenhum Estado é tão soberano ao ponto de

ignorar totalmente as pretensões dos demais”. Porém, podemos refutar esta afirmação com o

caso da guerra do Iraque de 2003, em que os Estados Unidos não necessitaram do

consentimento das demais nações para invadir aquele país. Somente tentaram conquistar o

maior número possível de aliados para obterem uma maior aprovação da comunidade

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internacional e também para dividir com mais países o custo da guerra, mesmo sem necessitar

desta aprovação, pois poderiam ter invadido o Iraque com seu próprio exército. Esta

aprovação é importante também para aumentar a legitimidade da ação dos Estados Unidos,

garantindo um menor desgaste da superpotência com os demais países. Vimos, no caso desta

guerra, que as tropas inglesas e de outros aliados não eram de grande número se comparados

com as estadunidenses. Podemos, então, deduzir que o contingente inglês e de outros países

não eram fundamentais para os Estados Unidos poderem invadir o Iraque.

3.3 A Teoria Neo-Realista

Nas últimas décadas do século XX a teoria realista recebeu diversas críticas, por não

tratar de assuntos econômicos, em face da crescente importância de questões econômicas na

agenda internacional, e da existência de outros atores internacionais, além do Estado. Então,

em 1979, Kenneth Waltz retomou as principais linhas do realismo, aceitando as teses do

equilíbrio de poder e do interesse nacional, mas atenuando as bases funcionalistas dos

antecessores (realistas), “quando acentua as linhas estruturalistas, salientando que os Estados

não procuram maximizar o respectivo poder, mas apenas balanceá-lo, através de sucessivos

modelos que poderiam ser unipolares, bipolares e multipolares”55.

Outro importante autor que pode ser considerado neo-realista é Robert Gilpin. Este

autor, preocupado com o papel do poder na formação das relações internacionais e com a

natureza e a dinâmica das empresas no mercado, procura reintegrar o estudo da política

internacional às forças econômicas internacionais. Os trabalhos mais importantes de Gilpin,

segundo Griffiths (2004, p. 27) são US power and the multinational corporation: the political

economu of direct foreign investment (1975), War and change in world politics (1981) e The

political economy of international relarions (1987).

O primeiro trabalho de Gilpin fala da influência das corporações estadunidenses

multinacionais após a II Guerra Mundial. Para Gilpin, segundo Griffiths (2004, p. 27) “a

atividade no exterior só poderá ser compreendida no contexto da economia liberal aberta,

estabelecida sob os auspícios dos Estados Unidos ao final da II Guerra Mundial”.

Os dois trabalhos seguintes de Gilpin abordavam o debate crescente sobre o declínio

dos Estados Unidos nas relações internacionais, “especialmente à luz da dramática

55 Fonte: <http://maltez.info/Curso%20RI/neorealismo%20waltz.htm>, acesso em: 08.11.2004.

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recuperação econômica do Japão e da Europa depois da devastação da II Guerra Mundial”.

(GRIFFITHS, 2004, p. 27)

Segundo Santos Júnior (2003, ps. 254-255) o neo-realismo “surge, na década de 1970,

[como] um realismo renovado, [...], objetivando oferecer respostas satisfatórias à crise global

do capitalismo e ao declínio da hegemonia norte-americana, além de outorgar, à teoria realista

clássica, maior rigor científico”. Waltz é considerado o primeiro autor neo-realista. Sua teoria

centra-se em uma analogia entre o mercado e a política mundial. Para ele, assim como no

mercado, onde existem disputas entre as empresas, na política internacional, os Estados

também competem uns contra os outros. (SANTOS JÚNIOR, 2003, p. 255)

Contudo, Waltz diferencia-se dos realistas clássicos, pois, em vez de estabelecer

pilares sobre as concepções de natureza humana para analisar o procedimento dos Estados,

afirma que as regularidades no sistema de Estados são forjadas pela estrutura. Portanto, os

Estados irão se comportar conforme a posição que ocupam no sistema de distribuição de

poder internacional.

Conforme o neo-realismo, o sistema internacional é o responsável por determinar a

conduta dos Estados, ou seja, todos os Estados integrados no sistema internacional anárquico

obedecem aos mesmos objetivos de maximização dos interesses nacionais, apenas se

diferenciando uns dos outros conforme a sua capacidade de realizar seus respectivos

objetivos. Todos os Estados, segundo os neo-realistas, tendem primeiro a estabelecer sua

segurança nacional, ou seja, lutar pela sua sobrevivência, para depois se expandirem, em um

processo de maximização cujo único limite é o mundo.

Segundo Halliday (1999, p. 30) o neo-realismo “respondeu às preocupações da

economia política internacional, mas buscou restabelecer a primazia dos Estados e das

preocupações político-militares, dentro de sua análise global”. Waltz se opôs a

todos os estudiosos que argumentavam que as relações internacionais passavam por uma transformação radical como resultado da crescente interdependência na economia internacional, assim como as limitações da força na era nuclear, Watlz reafirmou a importância do Estado como agente principal na política internacional e chamou de reducionistas e não-falsificáveis os argumentos dos oponentes. (GRIFFITHS, 2004, p. 78)

Como visto, Waltz foi o principal teórico neo-realista. Em 1959, escreveu sua primeira

importante obra, O homem, o Estado e a guerra. Nesta obra, Waltz comparava as três

“imagens” da origem da guerra: a natureza humana, a economia doméstica e os sistemas

políticos do Estado, e o sistema internacional anárquico. Segundo Halliday (1999, p. 46),

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Waltz concluiu que é o sistema internacional que deve fornecer as bases para a teoria das

causas da guerra e que o caráter interno dos Estados não deve ter tanta importância para a

definição das relações internacionais de um Estado.

Waltz afirma que, naturalmente, o homem é guerreiro, apesar do “estado de natureza

entre os homens ser uma monstruosa impossibilidade” (Waltz, 2004, p. 282). A única forma

de fazer com que o homem cesse a guerra é a criação de um governo. Este estabelece as

condições para a paz. Waltz se opõe às idéias de Woodrow Wilson, que acreditava que a

política externa de um Estado era o reflexo da política interna, e um Estado democrático não

faz guerra, pois este reflete o desejo do povo, que é pacífico. Para Waltz, a política interna de

um Estado não deve influenciar na política externa, pois esta é feita em um sistema anárquico,

diferente da política interna do Estado. De acordo com a terceira imagem, Waltz (2004, p.

281) afirma que “existe uma possibilidade constante de guerra num mundo em que há dois ou

mais Estados buscando promover um determinado conjunto de interesses e em que inexiste

um órgão acima deles a que possam recorrer a fim de obter proteção”.

Para os neo-realistas, assim como para os realistas, o sistema de Estados deve estar em

constante equilíbrio de poder. E é a própria anarquia do sistema internacional que resulta

neste equilíbrio. O Equilíbrio de poder é uma conseqüência das condições de funcionamento

do sistema internacional, da natureza dinâmica dos conflitos de interesses dos Estados.56

No livro Theory of International Politics, Waltz destaca a importância de se analisar

as estruturas nas quais se processam as relações internacionais. Para ele, a estrutura do

sistema internacional é condicionada sob três aspectos: pela anarquia, pois não existe uma

autoridade supranacional; pela ausência de diferenciação das funções desempenhadas pelos

Estados, ou seja, todos os Estados desempenham, praticamente, as mesmas funções; e pela

distribuição desigual de poderes, ou seja, existem os Estados fracos e os Estados fortes.

Estudando esta estrutura, Waltz afirma que o sistema internacional é propício ao equilíbrio de

poder, que a melhor política internacional é o equilíbrio de poder entre os Estados em um

sistema condicionado por esta estrutura. (HALLIDAY, 1999, p. 47)

Waltz (apud Griffiths, 2004, p. 79) afirma que “[a] política de equilíbrio de poder

prevalece sempre que duas, e apenas duas, condições são satisfeitas: que a ordem seja

anárquica e que as populações desejem sobreviver”. Ou seja, em um mundo onde não há

nenhum poder acima do Estado, como alguma organização internacional com poderes

56 Fonte: <http://maltez.info/Curso%20RI/neorealismo%20waltz.htm>, acesso em: 08.11.2004.

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supranacionais, e as pessoas deste mundo desejem sobreviver, a política do equilíbrio de

poder deve ser aceita.

Waltz afirma que existem diferenças gritantes entre um mundo multipolar (onde

existem mais de duas potências dominantes), e um mundo bipolar (onde existem somente

duas potências dominantes). Ele afirma, ainda, que um sistema bipolar é mais estável do que

um sistema multipolar, “pois parece mais provável que se sustente sem guerras espalhadas no

sistema”. (GRIFFITHS, 2004, p. 79)

No artigo que escreveu, Structural realism after the Cold War, Waltz coloca que em

sistemas multipolares a competição entre os Estados é muito mais acirrada do que em

sistemas bipolares. Isto acontece, pois as incertezas acerca das capacidades comparativas dos

Estados se multiplicam conforme o número de potências aumenta e porque é muito difícil

criar coalizões fortes e estáveis.

O sistema multipolar é mais instável, pois o equilíbrio de poder deve existir sob a

égide de alianças entre as potências, e como existem diversas delas, não se pode permitir que

cada uma trace linhas claras e fixas entre aliados e adversários. Já em um sistema bipolar,

como no caso da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética pensavam mais em seus

armamentos do que em algum aliado. Neste sistema, “os perigos decorrentes de previsões

erradas e deserção ficam, portanto, minimizados”. (GRIFFITHS, 2004, p. 79)

Waltz coloca que a política mundial do século XX sofreu duas principais

transformações que se espalharam pelo sistema de Estados, que devem ser analisados para a

“renovação” do realismo.

Uma delas é a mudança na polaridade nas relações internacionais. Até o final da II

Guerra Mundial, o sistema de Estados era composto por algumas potências que criavam

alianças entre si, estabelecendo o equilíbrio de poder. Este sistema é conhecido como

multipolar, ou multilateral, no qual existem mais de duas potências dominantes. A partir do

final da II Guerra Mundial, o mundo presenciou uma situação particularmente nova, em que

somente dois Estados comandavam a política mundial, os Estados Unidos e a União

Soviética. Houve épocas em que somente um Estado detinha o poder na Europa continental,

como é o caso do Império Romano e de Napoleão Bonaparte, que dominaram a Europa

continental inteira. Mas não podemos classificar este tipo de sistema como unipolar, pois estes

países dominaram a Europa e partes da África e Oriente Médio, mas não tinham poder e

influência sobre o mundo inteiro, como na Ásia e nas Américas.

Outra mudança foi o desenvolvimento das armas de destruição em massa,

principalmente da bomba atômica. Quando as guerras eram feitas com exércitos regulares,

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com espadas ou até com rifles, as guerras não eram tão temidas. Contudo, com o advento das

armas nucleares, os Estados buscam evitar as guerras e resolver seus conflitos através de

meios pacíficos.

Porém, Waltz (2000, p. 6) afirma que estas mudanças ainda não foram suficientes para

modificar o sistema internacional. É desta forma que esse autor defende o realismo, que esta

teoria ainda serve como base para se analisar o sistema internacional, pois, afirma Waltz

(2000, p.6) “se o sistema estivesse transformado, política internacional não mais seria política

internacional, e o passado não mais serviria como guia para o futuro”.57

3.3.1 A Guerra para os Teóricos Neo-Realistas

Para o neo-realismo, assim como para os realistas, a guerra é uma conseqüência do

sistema de Estados, o qual é anárquico. Waltz, em O homem, o Estado e a guerra, faz

diversas críticas aos liberais, que, segundo ele, são os responsáveis pela política externa

estadunidense. Para Waltz (2004, p. XII) “há muito [os estadunidenses] acreditam que seu

país promove valores universais no exterior. Esta crença tem duas conseqüências”.

A primeira é que quando um país entra em uma guerra, como na I Guerra Mundial ou

sua oposição à União Soviética, seu argumento político nunca é o de manter o equilíbrio de

poder, e sim o de “promoção da causa da democracia”. (WALTZ, 2004, p. XII)

A segunda é que os estadunidenses não acreditam que os outros países possam se

ressentir do fato de os Estados Unidos aumentarem sua influência e seu controle

internacional. Para eles é difícil acreditar “que sua atual preponderância de poder, mesmo que

acompanhada de boas intenções, seja uma preocupação para os Estados que vivem à sua

sombra”. (WALTZ, 2004, p. XII)

Em Structural realism after the Cold War, Waltz critica os liberais e

interdependentistas, os quais dizem que em regimes democráticos não há guerra. Waltz (2000,

p. 7) se opõe a este argumento, afirmando que a Alemanha “era um modelo de um Estado

democrático moderno, com direitos de voto, eleições honestas, uma legislação que controla a

bolsa, partidos competitivos, uma imprensa livre, e uma muito competente burocracia”58.

57 Tradução livre. Original de: “If the system were transformed, international politics would no longer be international politics, and the past would no longer serve as a guide to the future.” 58 Tradução livre. No original: “Germany was the very model of a democratic state with a wide suffrage, honest elections, a legislature that controlled the purse, competitive parties, a free press, and a highly competent bureaucracy”.

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Contudo, após 1914, as outras nações ocidentais, como a França, a Inglaterra e os Estados

Unidos, não consideravam mais a Alemanha como um “tipo certo de democracia”.

Para Waltz, a guerra é causada por qualquer coisa. Em um sistema internacional

anárquico, qualquer motivo pode causar a guerra. Ele afirma que, mesmo se todos os Estados

forem democráticos, a estrutura das relações internacionais continuará anárquica. A estrutura

internacional não muda simplesmente com as mudanças internas dos Estados. Neste atual

sistema anárquico, não se pode prever qual país será seu inimigo no futuro. Hoje um

determinado Estado pode ser “amigo”, mas amanhã ele pode se tornar seu “inimigo”.

(WALTZ, 2000, ps. 8-10)

Para Waltz, a guerra pode eclodir se um determinado país temer que o equilíbrio atual

possa se transformar em um desequilíbrio para ele no futuro. Para Waltz (2004, p. XII), “[o]

conflito é um subproduto da competição e de esforços de cooperação. Num sistema de auto-

ajuda, em que se espera que o conflito ocorra, os Estados têm de se preocupar com os meios

necessários para se manter e se proteger”.

Para os neo-realistas, mesmo em um sistema político internacional anárquico, os

Estados não estão propensos a solucionar seus conflitos recorrendo à guerra. Como vimos, em

um sistema de auto-ajuda os Estados “procuram constantemente pautar suas relações por uma

concepção de equilíbrio de poder”. (SANTOS JÚNIOR, 2003, p. 255)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realização deste trabalho foi falado sobre a guerra e como ela é tratada nas

principais teorias das relações internacionais59. Um aspecto interessante descoberto ao

desenvolver este trabalho foi que as relações internacionais são tratadas de diferentes formas

de acordo com a corrente de pensamento. Da mesma forma, a guerra é tratada de diferentes

maneiras conforme as diferentes teorias abordadas neste trabalho.

Ao falar sobre a guerra, discorreu-se primeiro sobre o seu conceito. A guerra é o

conflito armado entre dois Estados politicamente independentes. Descobrimos que ela não é

tão simples de se explicar quanto parece. Toda guerra tem motivos enraizados na história. Ou

seja, para tentar entender um conflito, deve-se estudar seu contexto histórico. Vimos, ainda,

que o sistema internacional é um sistema anárquico, pois não existe um poder supranacional

que possa impedir um Estado a fazer guerra contra outro. Pudemos concluir, então, que a

guerra acontece por estes dois motivos: a anarquia do sistema internacional e o contexto

histórico ao qual o conflito está inserido.

Foram identificados também os motivos que levam os Estados a entrar em guerra.

Estes motivos podem ser econômicos, sendo que os motivos territoriais podem ser incluídos

como econômicos, pois a aquisição de território almeja, na sua maioria das vezes, a conquista

de mercado e de matérias-primas. Os Estados podem decidir entrar em guerra, também, por

motivos ideológicos, como religião, por exemplo as “Guerras Santas”, ou ideologias políticas.

O motivo ideológico político por ser exemplificado com o caso da guerra do Iraque de 2003,

além de outros motivos. Os Estados Unidos justificam esta guerra com o intuito de levar a

democracia a povos que não a conhecem, já que os dois motivos antes dados por George W.

Bush caíram por terra.60 Outro motivo é o de segurança, no qual um Estado entra em guerra

quando se sente ameaçado por outro.

Foi visto neste trabalho, também, que existem diversos tipos de guerra a serem

analisados para podermos entender como os Estados a utilizam para mudar as relações

internacionais. Pode-se concluir que as guerras foram os fatores decisivos para as grandes

59 É necessário deixar claro, que a escolha e classificação das teorias das relações internacionais abordadas neste trabalho foram feitas arbitrariamente, para melhor atingir os objetivos a que o trabalho se propõe. 60 O primeiro motivo era que os terroristas que participaram do atentado de 11 de setembro de 2003 teriam ligações com o Iraque, depois se provou que nunca tinham sequer estado neste país, e sim eram da Arábia Saudita, que é um país aliado dos Estados Unidos. O segundo motivo era que o Iraque estava produzindo armas de destruição em massa, mas recentes depoimentos do responsável pelas inspeções no Iraque confirmou ao Congresso dos Estados Unidos que não foi encontrado nenhum resquício de que o Iraque estava produzindo tais armas.

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mudanças internacionais, como mudança da hegemonia mundial de um Estado para outro, ou

a ocorrência de alguns saltos tecnológicos, frutos de algumas guerras, como a pólvora, o

computador, a internet, os foguetes, entre outros.

Apresentando a guerra, pode-se concluir, ainda, que os Estados utilizam-na para

conseguir alcançar seus objetivos quando todas as tentativas pacíficas esgotaram, ou quando o

Estado se sente tão forte militarmente, que não “perde muito tempo” tentando resolver o

conflito por vias diplomáticas, e parte direto para a guerra. Vimos que até o final da II Guerra

Mundial, a política do equilíbrio de poder minimizava a chance de acontecer alguma guerra.

Contudo, podemos concluir que no período da Guerra Fria, em que a hegemonia mundial

estava dividia entre os Estados Unidos e a União Soviética, não houve conflitos de grande

porte, ou seja, conflitos armados envolvendo duas ou mais grandes potências em lados

opostos.

No segundo capítulo, foram apresentadas as teorias tradicionais das relações

internacionais e como elas tratam a guerra. Neste capítulo, foram identificados os teóricos

idealistas, realistas e marxistas.

Quando se apresentou sobre os idealistas, foram identificados os fundadores do

Utopismo, que criaram as bases para utópicas para os futuros projetos de paz; os projetos de

paz do século XVIII, que foram mais racionais do que os utópicos, pois os autores desta época

tentaram criar projetos de paz baseados na realidade e não na utopia; e os idealistas do século

XX, que aprimoraram as idéias de seus antecessores e criaram as bases para certas

organizações e instituições, como a ONU, por exemplo.

Os idealistas, inconformados com as atrocidades da guerra, tentam criar meios que

pudessem abolir a ocorrência destes conflitos. Os idealistas propõem um conjunto de

princípios que defendem a necessidade de estruturar o mundo buscando o entendimento

através de condutas pacíficas. Os idealistas acreditam que a vontade dos Estados não é a de

fazer a guerra. Eles acreditam que os Estados podem ser movidos pela confiança e boa

vontade. Para isto, os Estados teriam que delegar funções às Organizações Internacionais para

que estas pudessem criar normas de conduta entre os Estados. Eles tratam a guerra como

sendo um fenômeno que pode ser evitado, desde que as nações trabalhem em conjunto para

isto. Afirmam, ainda, que a segurança coletiva é um meio importante para manter a paz,

reprimindo qualquer desejo de um Estado atacar outro.

Ao falar sobre o realismo, foram identificados os principais pensadores realistas que

viveram antes do surgimento das relações internacionais, ou seja, antes do século XX. Depois

vimos o realismo pelos pensadores do século XX, quando do surgimento do estudo das

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relações internacionais. Pode-se concluir que o realismo trata a guerra como um fenômeno

normal. Para o realismo, Estado pode utilizar a guerra normalmente em um sistema

internacional anárquico, para resolver qualquer conflito. Os interesses do Estado são sempre

definidos em termos de poder, sendo a política um campo autônomo. Os realistas defendem,

ainda, que os princípios morais não se aplicam aos Estados, portanto, estes podem utilizar a

guerra sem preocupações morais.

O marxismo não é uma teoria baseada em autores tão antigos como o idealismo e o

realismo, visto que Marx, seu fundador, é do século XIX. Para estes pensadores, a guerra

pode ser utilizada de acordo com as necessidades do proletariado. Ou seja, a guerra para os

marxistas define-se em termos de revoluções do proletariado contra a burguesia. Eles

defendem a guerra somente se ela acontecer para estes fins. Contudo, eles afirmam que as

guerras interestatais acontecem por motivos econômicos, principalmente. Para os marxistas, o

capitalismo é a causa das guerras. Em sua crescente busca por riquezas, os grandes

monopólios irão entrar em choque, sendo levados obrigatoriamente à guerra. O capitalismo

possui diversas fases, sendo que a última delas leva os Estados a concorrerem entre si, numa

disputa imperialista, que os levará a guerra.

No capítulo 3, foram apresentadas as teorias contemporâneas das relações

internacionais. Dentre estas teorias resolveu-se identificar as teorias da dependência,

interdependência e neo-realista.

A teoria da dependência surgiu na América do Sul, com Raul Prebish como um de

seus precursores. Esta teoria parte do pressuposto de que o sistema internacional é

caracterizado por estruturas de dominação, em que as desigualdades de desenvolvimento e

subdesenvolvimento têm forte influência nas relações entre Estados. Pode-se concluir que,

para os teóricos dependentistas, a guerra não é pensada pelos países pobres, ou seja, somente

os países ricos poderiam fazer guerras, sendo que os pobres, ou periféricos, têm outras

questões com que se preocupar, além de não possuírem muitos recursos econômicos para

entrar em um conflito armado. Já os países ricos, ou centrais, fazem guerra, principalmente

para expandir seu comércio e para acarretar dependência econômica, política, social, cultural

e ideológica nos países periféricos, como, por exemplo, a política do Big Stick, comentada no

subitem 3.1.1.

Para os teóricos da interdependência, o sistema internacional não é composto somente

por Estados, existindo, também, as empresas transnacionais, as Organizações Internacionais e

as Organizações Não-Governamentais. Para estes pensadores, a guerra perdeu sua

importância devido ao alto custo financeiro que uma guerra pode gerar, ao perigo de

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destruição mundial proveniente de uma guerra nuclear, ao perigo de perder suas relações com

o país que está em guerra e ao fato de nas democracias a oposição popular contra a guerra ser

muito forte.

Os neo-realistas buscam renovar a teoria realista, que, nas décadas finais do século

XX, recebia diversas críticas por não tratar de assuntos econômicos nas relações

internacionais e por ocultar a existência de outros atores internacionais. Para estes pensadores,

a guerra é vista como uma conseqüência da anarquia do sistema de Estados. Devido esta

anarquia, os neo-realistas acreditam que qualquer divergência pode causar a guerra. Os neo-

realistas, assim como os realistas, acreditam no equilíbrio de poder como mantedor da paz.

Contudo, em um sistema internacional anárquico, uma guerra pode eclodir se um determinado

país temer que o equilíbrio atual possa se transformar no futuro em um desequilíbrio. Porém,

os Estados não estão propensos a resolver seus conflitos recorrendo à guerra. Isto, pois os

Estados procuram moderar suas relações pela concepção de equilíbrio de poder, sendo que no

sistema internacional anárquico, os Estados trabalham em um sistema de auto-ajuda.

Por fim, conclui-se que este trabalho é muito interessante para o setor estatal, sendo

que quando o Estado define sua política externa, ele deve estar atento às questões de guerra e

às diferentes teorias das relações internacionais, pois estas teorias podem ser utilizadas como

base de estudo para compreender as ações de um Estado. Contudo, não podemos deixar de

ressaltar a importância que este tema tem para o setor empresarial. Uma empresa, ao decidir

entrar em alguma negociação internacional, deve estar ciente, além de outros assuntos sobre a

estabilidade institucional do país e o risco do mesmo entrar em conflitos armados. Para as

empresas, a guerra pode trazer vantagens ou desvantagens. Além do que, as empresas devem

também estar cientes das diversas teorias que tentam explicar as relações internacionais para

obterem sucesso.

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