huberto rohden - novos rumos para a educação

105
HUBERTO ROHDEN NOVOS RUMOS PARA A EDUCAÇÃO UNIVERSALISMO

Upload: universalismo-cultura

Post on 31-Mar-2016

272 views

Category:

Documents


19 download

DESCRIPTION

HUBERTO ROHDEN UNIVERSALISMO Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência.

TRANSCRIPT

Page 1: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

HUBERTO ROHDEN

NOVOS RUMOS PARA A

EDUCAÇÃO

UNIVERSALISMO

Page 2: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ADVERTÊNCIA

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar

é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e

dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,

porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a

transição de uma existência para outra existência.

O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.

Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se

aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa

mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer

convenções acadêmicas.

Page 3: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

PREFÁCIO DO EDITOR PARA

A QUARTA EDIÇÃO

No início do primeiro capítulo deste livro, o autor faz esta corajosa afirmação:

“O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da

juventude – e também de adultos”.

Embora esse dramático brado de alerta tenha sido proferido há quase quatro

décadas, o problema ainda não foi solucionado. Embora tenha havido

significativos avanços, o problema da educação, em todos os seus níveis,

continua aguardando solução.

Este é um dos motivos que nos levaram a relançar Novos Rumos para a

Educação – O caso de uma ideologia decrépita – Alvorada de uma filosofia

dinâmica –, de autoria do filósofo e educador, professor Huberto Rohden. Há

vários anos esgotada, a editora tem recebido cobrança editorial, por muitos

daqueles que tiveram, de uma ou de outra maneira, contato com esta poderosa

mensagem educacional.

Atendendo a pedido de educadores, pedagogos, professores de todos os

graus, críticos e leitores, estamos relançando, em 4- edição, esta pequena

obra-prima da literatura pedagógica.

A origem da obra é uma série de conferências que o autor deu em 1958, no

auditório do Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre Educação e

Cosmocracia Mundial.

Rohden não apresenta um programa de educação construído nos modelos

tradicionais. Seu enfoque é mais dirigido à educação individual do ser humano.

Sua abordagem está centrada no conceito de autoconhecimento e auto-

realização. Ele faz esta advertência: “Este livro trata de assuntos um tanto

remotos e ignotos – focaliza um novo tipo de educação e um novo regime

social. É, pois, óbvio que não se trata de um livro de leitura fácil e rápida, mas

sim de um estudo que exige compreensão e penetração”.

Novos Rumos para a Educação é obra gêmea de outro livro de Rohden –

Educação do Homem Integral, escrito em 1972, e publicado, em várias

edições, por esta editora.

Huberto Rohden, como filósofo e educador, com larga experiência educacional

em universidades internacionais e brasileiras, conhecia profundamente o

Page 4: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

problema da educação mundial. Aliás, toda a sua obra como escritor e mestre

espiritual está voltada para a educação do ser humano.

No final deste livro, como texto complementar, publicamos a última entrevista

pública que o professor Huberto Rohden concedeu ao jornalista José Ítalo

Stelle, e posteriormente impressa na revista Visão de 9 de fevereiro de 1981,

cujo assunto e título – Educação da Consciência – são altamente convergentes

com a mensagem deste livro.

O Editor.

Page 5: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

PERSPECTIVAS

Durante o ano de 1958 realizei uma série de conferências, no auditório do

Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre o tema “Novos Rumos para a

Educação”. No ano subsequente discorri largamente, no mesmo local, sobre o

problema “Cosmocracia Mundial”. Fiz ver, nessas duas séries de elucidações

ético-filosóficas, que o Brasil, como o mundo em geral, se acha na linha

divisória entre duas eras evolutivas de grandes consequências, e que os

mentores das futuras gerações devem preparar-se devidamente para a missão

de orientarem com segurança os homens de amanhã.

Essa nova forma de democracia – que costumo denominar “cosmocracia” –

não será o produto de uma revolução externa, mas sim de uma evolução

interna; não serão as armas, mas as almas que decidirão sobre os novos

rumos que o Brasil e a humanidade vão tomar. Necessitamos não de uma nova

ciência social, mas sim de uma nova consciência individual, que projete os

seus efeitos sobre o plano da sociedade.

É matematicamente impossível que a sociedade seja melhor do que a soma

total dos indivíduos que a compõem, porque aquela não é senão o composto

destes componentes. É uma utopia pueril querer reformar a sociedade sem

regenerar os indivíduos.

A nova forma de democracia que está para vir, a cosmocracia, é impossível

sem um novo conceito de educação.

Mas é precisamente aqui que surge o grande problema...

Como realizar essa nova educação? Será suficiente elaborar e promulgar um

novo programa educacional – feito, possivelmente, por uma comissão de

técnicos nomeada ad hoc? Programa com tantos artigos e tantos parágrafos?

Será suficiente dotar a sociedade de novo estatuto jurídico, social, moral?

Muitos dentre nós julgam, de fato, que o mal esteja na deficiência de estatutos

e programas, e que, se estes fossem melhorados, teríamos um Brasil melhor,

um mundo mais feliz.

Longe de querermos negar a necessidade de melhores programas e técnicas

educacionais, confessamos explicitamente que disto temos urgente

necessidade... Negamos, todavia, e com toda a veemência, que isto resolva o

problema central. O melhor dos programas não funciona quando entregue a um

Page 6: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

homem, ou a um grupo de homens, que não sejam internamente bons,

profundamente verdadeiros, realmente “desegoficados” e genuinamente

crísticos. A sociedade será tão boa ou tão má como os melhores ou piores

indivíduos que a constituírem.

Ser bom não que dizer possuir um verniz de honestidade legal ou uma

reputação cívica imaculada. É possível que um homem seja um cidadão 100%

honesto, perante a lei, e, apesar disto, 0% bom, perante Deus e a consciência.

Ser internamente mau e externamente bom são coisas perfeitamente

compatíveis em face da nossa decantada “civilização cristã ocidental”.

De intimis non curat praetor, diziam os antigos romanos – com as coisas

internas não se preocupa o magistrado. Quando um funcionário público cumpre

as obrigações do seu ofício, é ele considerado honesto, quer dizer, legal e

juridicamente inatacável – mas é possível que seja humanamente mau. O foro

externo não coincide, necessariamente, com o foro interno. A lei cogita

daquele – mas a educação tem que ver com este.

E é aqui que se bifurcam os caminhos entre simples instrução e verdadeira

educação.

O que, hoje em dia, se chama educação é, quase sempre, mera instrução.

A instrução se refere aos objetos.

A educação visa o sujeito.

É, certamente, necessário que o homem seja instruído – mas não é suficiente.

Para ser instruído, basta colher certa soma de conhecimentos exatos sobre

diversos objetos que o homem possui ou procura possuir – mas, para ser

educado, é necessário que, dentro de seu próprio sujeito, realize as qualidades

que perfazem o seu verdadeiro Eu.

A ciência – escreve Einstein, no seu livro Aus meinen spaeten Jahren –

descobre os fatos objetivos da natureza (das was ist, aquilo que é) – mas a

filosofia realiza valores dentro do próprio homem (das was sein soll, aquilo que

deve ser). O descobrimento de fatos externos torna o homem erudito – mas a

realização de valores internos torna o homem bom, e o homem realmente bom

é um homem feliz.

Descobrir fatos fora de nós é instrução – realizar valores dentro de nós é

educação.

É chegado o tempo para darmos à educação um caráter genuinamente

humano, realizando valores ou qualidades dentro do próprio homem.

Page 7: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Não basta conhecermos objetos, por mais necessário que isto seja – é

necessário que realizemos valores internos, despertando potências dormentes

nas profundezas da natureza humana.

***

Embora, à primeira vista, essa distinção entre objetos e sujeito pareça simples

jogo de palavras, ela marca, na realidade, a linha divisória entre dois mundos,

entre o mundo horizontal do ter e o mundo vertical do ser; entre aquilo que o

homem tem ou pode ter, fora de si – e aquilo que o homem é ou deve ser,

dentro de si. Todos os meus cursos de Filosofia Universal e Filosofia do

Evangelho, aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, e alhures, bem como quase

todos os meus livros giram, direta ou indiretamente, em torno desse

momentoso problema do “ser” e do “ter”, daquilo que o homem é ou deve ser, e

daquilo que o homem apenas tem ou deseja ter. O homem comum só se

interessa pelo “ter”, pelas quantidades – ao passo que o homem mais

avançado se entusiasma pelo “ser”, pelas qualidades. Pode-se mesmo afirmar

que tanto mais educado e culto é um homem quanto mais faz prevalecer, em

sua vida, o mundo qualitativo do “ser” sobre o mundo quantitativo do “ter”.

O verdadeiro educador deve ser um homem altamente “realizado”; deve ter

realizado em si os seus mais profundos valores humanos; só assim poderá

servir de guia e mentor a outros, não tanto pelo que diz ou faz, mas sobretudo

pelo que é. Deve ser plenamente educado, para que possa educar.

Ser educado não que dizer apenas ter bons modos sociais; quer dizer (como

insinua a própria etimologia da palavra) que o bom educador deve ter

despertado em si os verdadeiros valores da natureza humana. “Educar” vem do

verbo latino educare, derivado de educere, que quer dizer “eduzir”, conduzir

para fora, ou seja, despertar no homem aqueles elementos positivos que nele

se achavam dormentes, como sejam, verdade, justiça, amor benevolência,

solidariedade, etc. O educador é um “edutor”, alguém que “eduz” do seu

educando o que nele dormita de melhor e mais puro. Educar não é injetar,

impingir, mas sim eduzir e desenvolver o que já existe na alma do educando,

assim como a luz solar desperta e desenvolve na semente a planta que nela

existe potencialmente.

Mas, como poderia alguém despertar em outrem os bons elementos, se no

despertador não estivessem esses elementos, plenamente despertados?

Para que alguém possa “eduzir” o que há de bom em seu educando, deve ele

mesmo achar-se firmemente consolidado nesse plano do bem, ao qual quer

elevar seu pupilo. Quem tenta “empurrar” em vez de “atrair” não é educador,

não “eduz”, porque ele mesmo não está “eduzido”, fora do abismo. Só um

“eduzido” pode “eduzir” os outros. Por isto, o educador deve ir na vanguarda do

Page 8: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ser bom, e não ficar na retaguarda do ser mau, tentando empurrar o seu

educando para a vanguarda das alturas, onde ele mesmo não está.

Em última análise, todo esse problema educacional se resume numa questão

de verdade integral e de absoluta sinceridade que o educador deve ter para

consigo mesmo; quem não é 100% aquilo que ele diz aos outros não pode ser

educador; não pode “eduzir”, conduzir para fora da zona negativa do mal,

porque ele mesmo não se acha fora dessa zona.

Ser educador equivale a um tremendo desafio para ser integralmente

verdadeiro e honesto consigo mesmo. Quem não está disposto a aceitar esse

desafio para uma veracidade integral e absoluta, não se exponha a essa

perigosa e gloriosa aventura de querer educar os outros.

De maneira que o problema da educação culmina, logicamente, no problema

central da auto-realização do homem. Para que alguém seja um verdadeiro

educador não basta estudar essa psicologia periférica e superficial que vem

exposta na maior parte dos nossos compêndios – é necessário que desça à

psicologia abismal de seu próprio Eu, aos mais profundos abismos da sua

centralidade, entrando em contato direto com o alicerce cósmico da sua

natureza humana, daquilo que ele “é”, e não apenas daquilo que ele “tem”.

A educação total exige a realização do homem integral.

Mas quem nos dará esses homens integrais?

Não há governo no mundo que possa criar ou decretar – é necessário que o

indivíduo desenvolva dentro de si mesmo esse homem integral.

E isto é possível, felizmente, porque dentro de cada um de nós existe algo

maior e melhor do que aquilo que existe fora de nós. O homem é muito mais

aquilo que pode vir a ser e deseja ser do que aquilo que é no plano histórico da

sua vida. O homem é a sua permanente e silenciosa atitude interna, e não os

seus ruidosos atos externos e transitórios. O homem é a sua eterna

potencialidade, e não apenas a sua atualidade temporal.

Homem, procura ser no teu externo existir aquilo que és no seu interno ser!

Homem, existencializa humanamente a tua divina essência – e serás ótimo

educador, por seres plenamente educado!

Page 9: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ADVERTÊNCIA E ORIENTAÇÃO

Este livro trata de assuntos um tanto remotos e ignotos – focaliza um novo tipo

de educação e um novo regime social. É, pois, óbvio que não se trata de um

livro de leitura fácil e rápida, mas sim de um estudo que exige compreensão e

penetração.

Por isto, nos vimos obrigados a repetir, de modos vários, certos problemas

centrais da vida, para que lentamente calem e se infiltrem na alma do leitor. O

homem de paladar doentio exige cada dia iguarias novas e esquisitas – ao

passo que ao homem de saúde normal apetecem-lhe, durante anos e

decênios, os mesmos manjares cotidianos, com pouca variação, porque ele

come para viver, e não vive para comer.

Esperamos que os nossos leitores possuam saúde normal e não se aborreçam

com o fato de encontrarem repetidos, em diversos capítulos deste livro,

pensamentos similares, cuja assimilação eficiente só é possível deste modo.

Escusado é dizermos que não consideramos o conteúdo destas páginas como

a última palavra sobre o assunto nem é intenção nossa dizer algo de inédito e

definitivo. Apontamos tão-somente a direção certa, à guisa daquelas setas nas

encruzilhadas dos caminhos, para que o viandante saiba em que direção deve

ir; se parasse diante da seta falharia o sentido da mesma.

Julgamos certa a direção geral indicada, e deixamos a outros a elaboração de

programas técnicos pormenorizados sobre o magno problema de uma nova

educação individual e de um novo regime social. Em última análise, tanto este

como aquela dependem da evolução interna do homem – e essa evolução é

algo tão misterioso e imponderável que não pode ser, propriamente, objeto de

um livro, mas sim o fruto de uma experiência interna, silenciosa e anônima.

Se algum leitor achar certos capítulos deste livro traumatizantes e demolidores,

convença-se de que só destruímos para construir algo melhor. Em vez de se

insurgir contra o autor, pondere, calma e serenamente, os prós e os contras, a

fim de conhecer a verdade – “a verdade libertadora”.

Page 10: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

PRIMEIRA PARTE

EDUCAÇÃO INDIVIDUAL

Page 11: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

EDUCAÇÃO – PROBLEMA VITAL

DA ATUALIDADE

O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da

juventude – e também dos adultos.

É alarmante o vertiginoso aumento da criminalidade, sobretudo entre jovens de

14 a 18 anos. As autoridades estão desorientadas. O povo vive num ambiente

de terrorismo permanente. Cogita-se introduzir na legislação brasileira a pena

de morte, a fim de coibir ou diminuir essa onda de delinquência. Acreditam

muitos que punir o criminoso seja medida eficaz para opor um dique à

perversidade dos delinquentes potenciais.

Por mais necessárias que sejam certas medidas punitivas e repressivas, de

ordem legal e policial, é erro gravíssimo supor que essas medidas possam

produzir mudança ponderável no plano da criminalidade. Em última análise,

esses expedientes legais e policiais, embora necessários, são uma repressão

de sintomas externos do mal, e não uma cura da raiz interna do mesmo;

atingem os efeitos, mas não a causa da criminalidade. Quem reprime apenas

sintomas, e não cura a raiz do mal, é charlatão, e não médico.

É de candente necessidade que tratemos seriamente da cura da raiz do mal –

e, nesse setor, quase nada se está fazendo.

Os supostos remédios de que lançamos mão primam por sua ineficiência e seu

obsoletismo. Possivelmente, esses remédios tenham sido eficazes em séculos

idos, na Idade Média, no seio de uma humanidade diferente da nossa; mas, em

nossos dias, são quase totalmente ineficientes, porque a nossa humanidade

não está vivendo no século XIII. Os últimos séculos modificaram

profundamente a estrutura mental e moral do homem. A humanidade saiu da

sua infância, e, em grande parte, também começa a ultrapassar sua

adolescência, para entrar na idade madura. O que era bom e ótimo para

séculos passados, prova-se nulo ou fraco para o século XX. É justo que uma

criança cumpra cegamente a ordem de seus pais, sem compreender o porquê

dessas ordens; tem de fechar os olhos e obedecer, na certeza de que seus

pais sabem o que seja melhor para o verdadeiro bem do filho.

De fato, a humanidade Ocidental viveu, longos séculos nesse clima de infância

mental e moral, tanto no plano civil como religioso; de olhos fechados, aceitava

e acatava qualquer ordem de cima, fosse da autoridade civil, fosse da

Page 12: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

hierarquia religiosa. Não culpamos esses tempos. A infância é um período

natural e necessário para a vida de cada homem, como também da

humanidade.

Mas infância não significa infantalismo. Aquela é um estado natural e sadio;

este seria um fenômeno desnatural e mórbido.

Com o ocaso da Idade Média e a alvorada da Renascença, a humanidade

cristã do Ocidente, ou pelo menos a sua parte pensante, deixou a infância e

entrou na adolescência. E não pode voltar atrás. Por outro lado, também não

pode parar nesse plano de intelectualismo, próprio da adolescência. Ninguém

pode devolver às suas nascentes o Amazonas, nem ninguém pode opor-lhe um

dique no seu vasto estuário. As suas massas líquidas têm de desaguar no

oceano.

As leis da evolução são inexoráveis. Não dependem de nós. A humanidade de

ontem foi boa por ignorância, a humanidade de hoje é má por inteligência – a

humanidade de amanhã tem de ser boa por sapiência.

Da ignorância à sapiência vai um caminho longuíssimo, margeado de

precipícios, eriçado de empecilhos – e nós estamos trilhando este caminho.

Muitos suspiram, saudosos, pelos “bons tempos” da fé medieval e acham que a

solução está no regresso a essa infância da humanidade. Outros apregoam a

intensificação da ciência e da técnica, por meio do intelecto, e esperam

melhores dias das nossas conquistas científicas, rumo aos átomos ou rumo

aos astros.

Entretanto, a solução definitiva dos nossos mais dolorosos problemas não está

neste nem naquele plano. Temos de ultrapassar tanto a ignorância infantil de

ontem como a inteligência juvenil de hoje e entrar na zona da sapiência do

homem maduro de amanhã.

Mas esse “amanhã” pode ser iniciado hoje mesmo.

O infante de ontem e o adolescente de hoje são o homem maduro de amanhã.

Por isto, necessitamos de novos rumos para a nossa educação, que está

marcando passo em terrenos que não correspondem às necessidades do

homem de hoje e de amanhã.

Page 13: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO LEIGA

E DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA

Temos no Brasil dois tipos de educação: leiga e religiosa. Ambos falharam ou

estão falhando. A primeira é superficial; a segunda tem caráter póstumo.

No setor da educação leiga, ou cívica, ministrada nos estabelecimentos

públicos, inculca-se ao educando a necessidade de ser honesto, de não mentir,

não matar, não roubar, não defraudar, etc., porque há uma lei que proíbe tais

coisas; o transgressor será punido com cadeia ou multa. Espera-se que o

educando seja honesto e bom para não transgredir a lei civil e sofrer suas

sanções.

Ora, quem não vê que semelhante sanção é totalmente ineficiente? Eficiente,

talvez, para alguns atrasados e menos inteligentes, porém ineficiente para os

mais adiantados e perspicazes. Quem comete um crime imperfeito sofrerá as

consequências legais e policiais da sua transgressão – mas quem for assaz

inteligente para cometer um crime perfeito, esse não corre perigo de ser preso

ou multado. Temos vasta literatura e numerosas películas cinematográficas

que ensinam aos jovens, e aos adultos também, a arte de cometerem crimes

perfeitos. Nas exibições públicas, é verdade, há censura prévia, em virtude da

qual o transgressor da lei tem de acabar punido para que a lei saia triunfante e

soberana. Mas os candidatos à delinquência sentem maiores simpatias pelo

criminoso punido do que pelas autoridades que punem, e lamentam

secretamente que o herói não tenha sido assaz inteligente e jeitoso para burlar

a lei, e resolvem ser mais astutos do que os seus heróis cinematográficos,

cometendo crime perfeito.

Não há lei humana, por mais bem elaborada, que possa manter dentro das

suas malhas um criminoso inteligente. Pode um homem ser um cidadão

legalmente honesto, honestíssimo – e ser ao mesmo tempo uma ruína moral.

Pode ser uma negação total no plano ético e , não obstante, ocupar altos

postos públicos, com imaculada decência legal. Na realidade, a perfeita lisura

legal é compatível com a absoluta ausência de ética. Pode um homem ser

100% “civilizado” e 0 % “educado”, porque a civilização se refere a seu

comportamento legal, externo, e a educação a seu caráter moral interno.

***

De resto, que é que pretende a chamada educação leiga ou cívica?

Page 14: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Pretende, antes de tudo, colocar nas mãos do educando a ferramenta

necessária para vencer na vida, para conquistar posição social e econômica,

para acumular a maior quantidade possível de “matéria morta”, mesmo

explorando seus semelhantes, contanto que essa exploração seja praticada

dentro do âmbito da lei – e isto é possível em vasta escala. Um cidadão

perfeitamente legalizado pode ser um homem nada moralizado; como, porém,

a moralização é a verdadeira educação, pode um cidadão 100% legal ser um

homem 100% amoral. A amoralidade, porém, é o prelúdio para a imoralidade,

isto é, para a criminalidade.

Quer dizer que a chamada educação leiga ou cívica não é educação alguma; é

apenas um processo de instrução horizontal, um sistema de aparelhamento

que visa o mundo dos objetos fora do educando, e nada tem que ver com o

mundo do sujeito dentro dele. A verdadeira educação, porém, tem por fim

plasmar o caráter do educando, torná-lo melhor como ser humano, e não

apenas mais hábil como conquistador de objetos impessoais em torno dele.

Pode a instrução adestrar o homem na velha política e diplomacia de acumular

“matéria morta” ao redor de si – mas a educação ensina ao homem a nobre

filosofia de criar valores vivos dentro dele mesmo.

No seu livro Aus meinem spaeten Jahren, como já mencionamos, diz o grande

matemático Albert Einstein que a ciência ensina ao homem a descobrir os fatos

reais da natureza objetiva (das was ist, aquilo que é), mas que a filosofia lhe

ensina a criar valores subjetivos dentro de si mesmo (das was seira soll, aquilo

que deve ser). A ciência, descobrindo fatos, torna o homem erudito, mas a

filosofia, realizando valores, torna o homem bom e feliz.

A instrução é científica e desenvolve a inteligência do homem – a educação é

sapiente e molda a alma do homem. Nenhum homem deixa de ser mau por ser

inteligente, mas todo homem diminui a sua maldade na razão direta que

aumenta a sua sapiência, porque sapiência é bondade e espiritualidade.

O velho slogan de que “abrir uma escola é fechar uma cadeia” é peça de

museu. Está desmentido pelos fatos. Quase todos os grandes criminosos da

história da humanidade eram homens inteligentes, alguns deles de grande

erudição – o que não os impediu de serem grandes malfeitores. Se “escola”

fosse sinônimo de “educação”, nada teríamos que objetar; mas, por via de

regra, não é o que acontece. Ensinar a alguém o ABC e a tabuada não é o

mesmo que educá-lo. A verdadeira educação opera numa dimensão totalmente

diferente do plano da simples instrução.

***

Até aqui devem os educadores leigos estar insatisfeitos comigo, e satisfeitos os

educadores religiosos. Infelizmente, não estou em condições de manter nesses

últimos a satisfação que até aqui experimentavam. Nos institutos educacionais

Page 15: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

particulares existe a educação religiosa, orientada por esta ou aquela igreja ou

grupo espiritual. Seria de esperar que pelo menos esse tipo de educação fosse

mais eficiente e desse a seus adeptos base mais sólida de ética individual e

social. Entretanto, as estatísticas oficiais dos países não acusam a menor

diferença, quanto à criminalidade, entre os delinquentes leigos e os

delinquentes religiosos. Prova isto que a educação religiosa, ou melhor

eclesiástica, não afeta a vida ética do homem, é algo justaposto à vida, como

elemento estranho e heterogêneo, e não organicamente entrelaçado com a

vida, como algo homogêneo à mesma. Há, naturalmente, exceções individuais,

sobretudo naquelas pessoas que ultrapassaram a simples crença dogmática e

entraram na zona da experiência íntima de Deus e da sua própria alma. Mas os

grupos religiosos como tais não provam que a educação religiosa, como ela

está sendo ministrada oficialmente, tenha exercido impacto ponderável sobre a

vida ética dos que pertencem a esses grupos.

Salvo honrosas exceções, a religião organizada, em seu setor oficial, não visa

à vida presente do homem, aqui na terra, mas tem que ver com uma vida

futura, em outras regiões do universo. Ela é, por assim dizer, além-nista e

futurista. Ela é, visceralmente, póstuma.

Os seus argumentos giram em torno do céu e inferno, palavras clássicas com

que as teologias entendem determinados lugares, futuros e distantes, que o

homem só descobrirá depois da morte. Os que na terra forem bons serão

premiados no céu, e os que forem maus serão punidos no inferno.

Aparentemente, deveriam esses argumentos moralizar o homem, aqui na terra,

afastá-lo do mal e aproximá-lo do bem – e, de fato, assim acontecia em tempos

antigos. Se o homem do século XX ainda tivesse em si aquela fé ingênua dos

seus antepassados do século XIII, exerceriam esses argumentos de céu e

inferno plena influência sobre a vida ética do homem, porque ninguém gosta de

sofrer, e todos querem gozar.

Mas em nossos tempos, esses argumentos, um dia eficientes, são ineficientes,

pelo menos para a elite pensante da humanidade. Segundo os teólogos, céu e

inferno são lugares que não existem na vida e no mundo presente, mas sim em

outras partes do universo e serão descobertos após a morte. Quer dizer que,

na vida presente, aqui na terra, tem o homem de ser bom por causa de algo

que lhe vai acontecer, daqui a 20, 40, 60, anos, em regiões ignotas e distantes,

de cuja localização ninguém pode ter certeza.

O apelo dos teólogos para essa sanção póstuma não exerce influência decisiva

sobre o homem moderno em geral. Somente os mais atrasados ou os que têm

proibição de pensar livremente, ainda se impressionam com esses argumentos;

os mais adiantados e emancipados não são por eles atingidos.

Page 16: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

E isto por razões muito óbvias; uns não creem na existência real de céu e

inferno, como lugares geográficos ou astronômicos, uma vez que a ciência

provou, e vai provar cada vez mais, que não existe, em recanto algum do

cosmos, um lugar onde Deus esteja sentado em seu trono, rodeado de seus

anjos e santos – nem existe, debaixo ou dentro da terra, uma fogueira onde o

diabo com seus demônios e condenados estejam residindo.

Outros, que talvez creiam ainda em céu e inferno, acham que é muito cedo

para se preocuparem com isto. Um jovem pecador de 20 anos espera viver

pelo menos mais 40 anos, e depois disto, em idade avançada, começará a

pensar em como evitar o inferno e entrar no céu. E isto não lhe será difícil; as

teologias e igrejas lhe garantem que um ato de conversão – seja pela confissão

ou extrema-unção, seja pela fé no sangue do Cristo Redentor – cancelará

todas as suas maldades pretéritas. E assim, calcula o pecador, entrará ele no

céu de Deus, depois de ter gozado aqui todos os céus dos homens; espera

lograr a Deus do mesmo modo que sempre logrou os homens...

As igrejas organizadas envidam ingentes esforços para manter os seus filhos

dentro do seu sistema teológico medieval, proibindo-lhes qualquer liberdade de

pensamento, que os emanciparia da igreja. Umas exigem aceitação

incondicional de uma autoridade eclesiástica infalível, lugar-tenente de Deus;

outros impõe a seus filhos a crença em um livro infalível, mensagem direta de

Deus à humanidade. Os que, graças ao sacrifício da lógica, conseguem uma

sujeição incondicional a uma autoridade externa, viva ou morta, humana ou

papirácea, têm a vantagem de possuir pelo menos uma norma certa para a

vida ética, para si e seus rebanhos.

Mas esses crentes de olhos fechados vão rareando cada vez mais, ao passo

que os crentes de olhos abertos (que são os sapientes) se tornam cada vez

mais numerosos, graças a Deus. Infelizmente, muitos daqueles crentes de

olhos fechados que não conseguem tornar-se crentes de olhos abertos,

acabam por engrossar a turbamulta dos descrentes, também de olhos

fechados.

Não podemos construir o edifício da educação das futuras gerações sobre a

areia movediça de uma teologia medieval, cujo corpo persiste, mas cuja alma

morreu. Temos de dar-lhes uma educação construída sobre a rocha viva de

uma filosofia racional, perfeitamente lógica, e de acordo com o estado atual da

evolução humana.

Céu e inferno existem, mas não como lugares, fora de nós, como veremos

mais tarde. Não é necessário que rejeitemos essa fé quase duas vezes

milenar; trata-se de compreender melhor o conteúdo dessa mesma fé do que o

compreenderam os nossos antepassados.

Page 17: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O autor destas linhas crê mais firmemente na realidade do céu e inferno do que

talvez a maior parte de seus leitores. Crê, não apenas dogmática e

teologicamente, mas sabe experiencialmente que há céu e há inferno, não

como lugares astronômicos, mas como estados da alma e atitudes da

consciência.

E sobre esta profunda experiência podemos erguer o edifício sólido de uma

nova educação.

Page 18: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

A DELINQUÊNCIA JUVENIL,

FRUTO DE UMA FALSA EDUCAÇÃO

Consta, pela estatística oficial, que, nos Estados Unidos, são cometidos

anualmente (1958), 2.500.000 crimes que chegam ao conhecimento das

autoridades. Cada 12 segundos se comete, nesse país, um crime. Desde que o

leitor iniciou a leitura deste capítulo já foram perpetrados diversos crimes, e,

quando o terminar, o número atingirá a diversas centenas.

Entre nós, no Brasil, também é alarmante a crescente onda de criminalidade,

sobretudo entre jovens de 14 a 18 anos. O mesmo acontece em diverso outros

países, sobretudo aquém do Atlântico.

A Suíça celebrou, há pouco, o 25- aniversário do último homicídio cometido,

nesse país, por um de seus cidadãos. Entre nós nem podemos celebrar o

“diário”, muito menos o “aniversário” do último crime de morte. Cada dia os

jornais estão repletos de notícias de crimes de toda espécie – e o que a

imprensa registra não corresponde sequer a 10% do que realmente aconteceu

nessas 24 horas.

Também não consta que haja qualquer diferença, no tocante à delinquência,

entre pessoas pertencentes a um grupo religioso e outras sem religião

determinada. Da mesma forma, não se pode responsabilizar esta ou aquela

forma de governo, nem esta ou aquela raça pela maior ou menor criminalidade;

nem procede a recente alegação de que o fato de existir pena de morte num

país diminua os crimes. Na Inglaterra e nos Estados Unidos há pena de morte,

são povos da mesma raça – e o fato é que o coeficiente da criminalidade é

notavelmente menor entre os ingleses do que entre os americanos. Forma de

governo, forma de religião, raça – nada disto é decisivo.

Decisivo é um determinado espírito de educação que dê ao homem elevada

ideia do valor da vida humana, e, em geral, dos deveres do indivíduo em face

da coletividade.

***

Tenho diante de mim o livro Daemon-Stadt (Cidade-Demônio) do Dr. Kurt

Gauger, médico, psiquiatra e filósofo germânico, obra em que o autor, à luz de

abundantes fatos recentes, estuda o alarmante problema da criminalidade

juvenil, e até infantil, na Alemanha e em outros países, no período que seguiu

às duas guerras mundiais. Chega à conclusão de que a presente geração,

Page 19: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

produto de gerações anteriores e herdeira de ideologias funestas, perdeu a

noção da responsabilidade ética, porque perdeu a noção de ser parte

integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da humanidade, seja o

TODO longínquo do Universo como tal. Uma criança de 12 anos mata seu pai

com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime, responde

cinicamente: “Matei porque quis”. Não tem o menor remorso do seu ato, diz,

porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha interessante.

Em última análise, quem perde a visão de um TODO maior de quem ele faz

parte e que tem de respeitar, perde necessariamente a noção da ética, da

obrigação, do dever moral, porque a noção da ética se baseia na consciência

de que eu sou parte de um TODO, e que esta parte tem certas obrigações

naturais e indeclináveis para com o TODO, que tem direitos reais sobre mim.

Como se vê, o problema da criminalidade afeta o problema da ética, e este

radica no problema da metafísica, a questão da íntima natureza humana. “Que

é o homem? de onde vem? para onde vai? por que está aqui na terra?” – não é

possível dar base sólida à ética sem responder, satisfatoriamente, a essas

perguntas fundamentais da vida.

Necessitamos, não só de professores eruditos para instruir os seus alunos –

necessitamos, sobretudo, de mestres de caráter que, com a sua própria vida e

vivência, deem a seus discípulos o exemplo da dignidade do homem.

No citado livro Daemon-Stadt, págs. 122-124, reproduz o Dr. Kurt Gauger a

impressionante carta de um jovem delinquente que, à sombra da penitenciária,

escreve uma espécie de exame de consciência para os “homens honestos” do

mundo. Diz o jovem delinquente:

“Por que vós sois fracos no bem, por isto nos destes o nome de fortes no mal –

e com isto condenais uma geração contra a qual pecastes – porque sois fracos.

Nós vos concedemos dois decênios para nos fazerdes fortes – fortes no amor,

fortes na boa vontade – vós, porém, nos fizestes fortes no mal, porque sois

fracos no bem.

Não nos indicastes caminho algum que tivesse sentido, porque vós mesmos

ignorais esse caminho e vos descuidastes de procurá-lo – porque sois fracos.

Vosso vacilante „não‟ assumia atitude incerta diante das coisas proibidas; nós

demos uns gritos – e vós retirastes o vosso „não‟ e dissestes „sim‟, a fim de

poupardes os vossos nervos fracos. E a isto chamastes „amor‟.

Porque sois fracos, por isto comprastes de nós o vosso sossego. – Quando nós

éramos pequenos, nos dáveis dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos

sorvete; com isto prestastes um serviço não a nós, mas sim à vossa

comodidade – porque sois fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos

na esperança, fracos na fé.

Page 20: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Nós somos fortes no mau – mas as nossas almas têm apenas metade da

nossa idade.

Nós fazemos barulho para que não tenhamos de chorar por todas aquelas

coisas que deixastes de nos ensinar. Sabemos ler e contar; sabemos quantos

estamos há nesta ou naquela flor, sabemos como vivem as raposas e

conhecemos as estrutura de um pé de capim – aprendemos a ficar quietos nos

bancos de escola e apontar o dedo, a fim de contarmos coisas sobre raposas e

rosas silvestres – mas não nos ensinastes como enfrentarmos a vida.

Estaríamos até dispostos a crer em Deus, num Deus infinitamente forte que

tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons – mas não nos

mostrastes um só homem que fosse bom pelo fato de crer em Deus.

Ganhastes muito dinheiro com serviços religiosos e murmurastes orações

segundo a velha rotina.

Sr. Policial põe de parte o teu cassetete e tua pistola! Dize-nos antes o que nos

interessa saber: é verdade que amas a ordem pública a que serves? ou não

será que amas o direito que tens ao teu ordenado e à tua aposentadoria?

Sr. Ministro! Mostra-nos se é forte como homem! quantas obras boas praticas

tu, como cristão, às ocultas?

Será que nós não somos as caricaturas da vossa existência toda feita de

mentiras?

Nós somos desordeiros públicos e fazemos muito barulho – vós, porém, lutais

às ocultas, um contra o outro; estrangulai-vos comercialmente e armais intrigas

para conquistardes posições mais rendosas.

Em vez de nos ameaçardes com bastões de borracha, colocai-nos face a face

com homens de verdade, que nos mostrem qual é o caminho certo, não com

palavras, mas com a sua vida.

Mas ai! que vós sois fracos no bem! os que são fortes no bem vão para a mata

virgem e curam os negros da África – porque eles vos desprezam, assim como

nós vos desprezamos. Porque vós sois fracos no bem – e nós somos fracos no

mal.

Mamãe, vamos rezar! porque esses homens fracos estão armados de pistolas!

Como invalidar esse tremendo exame de consciência que um criminoso institui

com os „homens honestos‟ da sociedade, os que são „fracos no bem‟?

Certamente não com velhas teorias papiráceas, mas com uma nova realidade

vital...”

Page 21: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O FLAGELO DO PARASITISMO

E SUA CURA

É de conhecimento público, universalmente admitido e provado com inúmeros

fatos que, sobretudo nos últimos cinquenta anos, o Brasil degenerou no país

clássico do funcionamento parasitário. Centenas de milhares de pessoas vivem

à custa dos impostos do povo, sem prestarem ao país os serviços

correspondentes aos seus vencimentos. É uma clamorosa injustiça, uma

roubalheira impune e, não raro, favorecida pelas autoridades públicas.

Conheço pessoas que têm cinco empregos públicos bem remunerados, mas

não comparecem a nenhum deles; outros se dão ao “trabalho” de “assinar o

ponto”, depois vão passear ou trabalhar em outra parte, e retiram, no fim do

mês, as importâncias correspondentes a serviços não prestados, explorando a

boa-fé do povo que lhes paga com seus impostos.

É só aparecer numa cidade um funcionário público de alto coturno e logo

enxameiam os parasitos, parentes, amigos, afilhados, os partidários políticos,

as amantes, e cada um deles é nomeado para um cargo, muitas vezes

inexistente; o principal é que conste no papel, uma vez que estamos na época

da papirocracia onipotente.

Esse cancro do parasitismo explorador é, hoje em dia, considerado, quase

universalmente, como situação normal e inevitável.

Conforme o Diário de São Paulo de 22-8-1958, o presidente Juscelino

Kubitschek declarou à imprensa: “Não é possível governar de uma cidade (Rio

de Janeiro) onde residem 220 mil dos 300 mil servidores federais do Brasil

todo. Três quartas partes desses funcionários vegetam na capital atual,

atrapalhando, e nada mais, a administração central. Quem nada faz estorva.

Além do mais, contou o chefe da Nação que os presidentes dos Institutos de

Previdência podem mais do que o da República. Criam cargos, nomeiam quem

entendem, e nem são obrigados a publicar as nomeações no Diário Oficial.

Penso com os meus botões em mais de uma barbaridade do estapafúrdio

calamitoso regime, que desgraçou a nação durante quinze anos e mais cinco”.

Se três quartas partes dos 300 mil funcionários federais apenas vegetam, sem

fazer nada, estorvando ainda a administração, então temos, só no

funcionalismo federal, 23,5 mil parasitos ou ladrões que são mensalmente

pagos com os impostos do povo, cometendo assim clamorosa injustiça,

durante anos e decênios.

Page 22: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

E que dizer de outras categorias de funcionários que não funcionam?

A ideia calamitosa de que os impostos do povo têm por finalidade precípua a

manutenção de um exército de funcionários que apenas “vegetam e nada

fazem”, passou a fazer parte integrante da nossa política e diplomacia pseudo

democrática. Se o povo soubesse o que se passa por detrás dos bastidores e

como são malbaratados os dinheiros tão arduamente ganhos por ele, e se

tivesse meios para prevalecer contra os responsáveis por esses crimes,

ensanguentaria o país com uma guerra civil...

Excusado é dizer que não incluímos nessa censura os funcionários honestos e

corretos, que, felizmente, ainda existem no Brasil, embora em minoria – 25%

entre os funcionários federais, segundo a declaração do Sr. Juscelino

Kubitschek. Mas não é calamitoso que 75% sejam ladrões e exploradores das

economias do povo?...

***

Essa praga do parasitismo não pode ser erradicada eficientemente por

nenhuma medida legislativa ou coercitiva, embora essas medidas sejam

necessárias para evitar maiores males. O grande mal está na falência das

consciências. A desenfreada adoração do “deus-dinheiro” derrotou todas as

considerações de ordem moral. Bom é aquilo que dá dinheiro; ótimo é aquilo

que dá rios de dinheiro sem trabalho algum – é esta infeliz mentalidade que

tomou conta do país.

Enquanto o homem não passar por uma profunda reforma interior, as reformas

externas, embora necessárias, são precárias e ineficientes.

A reforma interior, porém, supõe algo que não está em nossos códigos nem se

leciona nas Faculdades de Direito. Supõe um conhecimento de si mesmo e

uma inexorável fidelidade a esse Eu superior e divino do homem, porque esse

EU divino no homem, o seu Cristo interno, exige imperiosamente equivalência

entre a remuneração pecuniária e o serviço prestado. Quem recebe um

ordenado mensal e não presta ao povo e ao país o serviço correspondente a

essa importância, é ladrão, é explorador, é réu de uma injustiça, seja qual for o

seu posto – presidente, governador, prefeito, juiz, senador, deputado, vereador,

professor, ou simples funcionário de uma autarquia ou varredor de ruas.

Mesmo no caso que o direito humano absolva esse réu, perante a justiça do

universo continua ele culpado.

Ora, cada injustiça cometida é uma degradação do individuo que a comete,

quer a lei humana a aprove, quer desaprove. O indivíduo que comete injustiça

vai perdendo parcela do seu valor, acabando, dentro de alguns anos ou

decênios, em completa falência moral, embora se tenha talvez enriquecido,

materialmente, com o produto dos seus roubos. Naturalmente, se esse ladrão é

Page 23: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

analfabeto em matéria de conhecimento próprio e auto-realização, será

impossível fazer-lhe compreender o seu triste estado; se tornou milionário à

custa do suor do povo, quem lhe provará que é um desgraçado?

Entretanto, essa impossibilidade de provar-lhe esse fato e colocar-lhe diante

dos olhos o autêntico retrato da sua fealdade não invalida o fato dessa sua

fealdade.

Esse homem vai acumulando dentro de si um karma cada vez maior, um débito

moral que tem de ser neutralizado, consoante a inexorável justiça da

Constituição Cósmica. Mas a neutralização desse débito acumulado em 10, 20,

50 anos de abusos acarretará sofrimentos inevitáveis, seja no mundo presente,

seja em existências futuras. Ninguém sairá do cárcere enquanto não houver

pago o último vintém, segundo as palavras do maior dos mestres da

humanidade. A Constituição Cósmica é um fato, e não uma fantasia. Ninguém

pode derrubar o Himalaia com a cabeça! ninguém pode prevaricar

impunemente contra as leis eternas da verdade e da justiça!...

O funcionário parasito e explorador só tem um caminho para se redimir: ser

consciencioso e prestar ao povo os serviços pelos quais é pago, e restituir-lhe

o produto dos roubos anteriores, conforme o exemplo de um grande explorador

de que nos fala o Evangelho, Zaqueu de Jericó, que, reconhecendo o seu triste

estado, declarou ao Nazareno: “Se defraudei alguém, restituo quatro vezes

mais, e, ainda por cima, dou aos pobres metade da minha fortuna”. E disse o

divino Mestre a esse ex-explorador: “Hoje entrou a salvação nesta casa!”

***

Os livros sacros de todos os povos apelidam de “insensato” ou “tolo” o homem

injusto e pecador – e não têm eles razão? Não é tolice e insensatez entrar em

conflito com as leis eternas? onerar-se de enormes desvantagens remotas por

causa de umas pequenas vantagens imediatas? A mentira, a fraude, a

injustiça, qualquer pecado ou crime, proporcionam, quase sempre, determinada

vantagem imediata, e é precisamente por causa dessa vantagem que o

delinquente pratica o mal. Se o pecador, burlando a lei eterna e auferindo daí

certa vantagem imediata, pudesse passar impune para sempre,

definitivamente; se, depois de embolsar o fruto do seu roubo, nenhum mal lhe

acontecesse, nenhum sofrimento o aguardasse, por parte de um Supremo

Tribunal extra-humano – então – seria ótimo negócio ser mau, injusto,

desonesto, explorador, ganhar muito sem trabalhar nada. Mas, queiramos ou

não queiramos, o universo é um “cosmos”, um sistema de ordem e harmonia, e

não um “caos” de desordem e confusão. A Constituição Cósmica do Universo

exige imperiosamente a prática da Verdade, da Justiça, do Amor, da

Solidariedade, da Honestidade. Pode, certamente, a criatura livre violar essa

lei, mas as consequências dessa infração se voltam infalivelmente contra o

infrator, em forma de sofrimento de qualquer espécie. O sofrimento é o eco

Page 24: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

automático a qualquer violação da lei cósmica. E ninguém sabe quantos anos,

decênios ou séculos correspondem a cada violação. O certo é que essa

dolorosa sanção existe – tão certo como é certo que o Universo é um Cosmos.

Ora, é evidente estupidez provocar enormes sofrimentos, embora talvez

remotos, para gozar de uma pequena vantagem imediata. E, por outro lado, é

real sabedoria renunciar a uma vantagem de momento e, assim, não provocar

sofrimento futuros.

Ninguém pode fugir à lei férrea de causa e efeito; uma vez posta a causa,

segue-se o efeito com inelutável necessidade. O universo se reequilibra

automaticamente – mas esse reequilíbrio é doloroso para o delinquente. Não

seria melhor não tentar desequilibrar o equilíbrio da justiça cósmica?

O educador deve fazer ver a seu educando esse fato, o qual, admitindo ou não,

continua a vigorar.

Ser bom, justo, honesto, verdadeiro, é, não raro, doloroso, na vida presente,

por causa do falso ambiente geral da vida humana, criado por nossa

pseudocivilização. Mas, em qualquer hipótese, ser bom, justo, honesto,

verdadeiro, é, em última análise, ser feliz, embora essa felicidade íntima seja,

por ora, circundada de sofrimentos. Fundamentalmente, ser bom é ser feliz, e

ser mau é ser infeliz. Podemos enganar os homens – mas ninguém pode

enganar a lei eterna e sua própria consciência.

Só quem aplaina a seu educando os caminhos para essa compreensão da

verdade suprema é que o glorioso nome de educador.

Page 25: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

BASES PARA UMA NOVA

EDUCAÇÃO

Verificamos que tanto a educação leiga como religiosa se revelaram

ineficientes para dar ao homem do presente século uma base sólida da vida

ética. Ambos esses tipos educacionais apelam para motivos externos, situados

fora do homem, para darem ao seu sistema ético uma sanção eficaz. Em

tempos idos, exerciam esses motivos externos – lei, polícia, céu, inferno –

impacto suficiente sobre o caráter humano, e ainda em nossos dias têm eles

certa eficácia sobre pessoas de pouca anatomia intelectual e espiritual. Mas,

para a elite da humanidade, deixaram esses argumentos de oferecer base

suficiente à vida ética. A verdade em si é absoluta, não há dúvida, mas o modo

como o homem a apreende é relativo – e é precisamente esse relativismo em

face da verdade absoluta que decide sobre a sua maior ou menor eficácia na

vida, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo o modo do

cognoscente”.

E, com isto, enfrentamos um problema aparentemente insolúvel; vemo-nos

como que à beira de um abismo fatal.

Que outro motivo poderia o homem ter para ser bom e deixar de ser mau? Se

não tem que temer os castigos dos homens nem de Deus, por que não praticar

o mal, quando o mal dá, quase sempre, uma vantagem imediata, ao passo que

a prática do bem acarreta, não raro, desvantagens imediatas?

Confessamos que a nossa situação é difícil, não por causa de si mesma, mas

por causa do ambiente em que a humanidade, sobretudo a humanidade cristã

do Ocidente, vive e foi educada, há quase dois milênios. Neutralizar uma

ideologia multissecular – quem o ousaria tentar?... Com que substituiríamos os

motivos tradicionais, externos, que davam ao homem de ontem certa

segurança e estabilidade? Se o homem deixa de sentir o impacto dos velhos

argumentos, que novo argumento lhe podemos oferecer?

O ponto de referência, a norma central para a nova educação deve ser algo

interno, algo dentro do próprio homem. Temos de passar da transcendência

para a imanência educacional – e é precisamente aqui que começa a grande

escuridão...

Que ponto de referência, que novo centro de gravitação é esse?

Page 26: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

É a dignidade, o valor intrínseco do próprio homem; o homem deve, livre e

espontaneamente, evitar o mal e praticar o bem, não por causa de um punidor

fora dele – humano ou divino –, mas para não ofender a sua própria pureza e

santidade, para não profanar a sua nobreza e sacralidade, para não

desvalorizar o seu grande e imenso valor humano. O homem deve ter de si

mesmo uma reverência e um respeito tão grande que prefira sofrer qualquer

injustiça da parte de outros a cometer uma injustiça ele mesmo – e por isto não

por motivos de ética dualista e tradicional, mas por causa dessa misteriosa

metafísica e mística centralizadas no mais profundo reduto da sua própria

natureza humana.

Mas, para que o homem possa ter de si tão grande ideia, deve ele ter noção

exata e nítida da sua verdadeira natureza – e é precisamente aqui que começa

a grande dificuldade! A noção que quase todos nós temos de nós mesmos, e

que nos foi incutida desde a infância, é tão infeliz que, logo de início, parece

frustrar qualquer tentativa de modificação radical.

Foi-nos dito, e redito, pelas mais poderosas organizações que navegam sob a

bandeira do cristianismo, que somos essencialmente maus, pecadores desde o

nascimento, mesmo desde o momento da nossa concepção.

Tão profundamente arraigada na consciência cristã do Ocidente se acha essa

idéia de que em pecado fomos concebidos, em pecado nascemos e pecadores

somos por nossa íntima natureza humana – que o fato de ter aparecido sobre a

face da terra uma pessoa de “imaculada concepção” mereceu as honras de um

dogma religioso de vasta repercussão. Dizer a um cristão ocidental que

também ele foi concebido sem pecado, que todos os seres humanos entraram

na existência puros como a luz – isto é considerado como abominável heresia

e blasfêmia, porque as teologias de quase vinte séculos são contrárias a essa

verdade.

Outros, menos dogmáticos, estariam dispostos a aceitar essa verdade da

imaculada conceição de todos os homens se, no parecer deles, semelhante

ideologia não alimentasse e hipertrofiasse perigosamente o egoísmo e a

presunção do homem, como eles dizem.

Felizmente, temos a nosso favor o maior mestre espiritual da humanidade, que

proclama explicitamente a pureza natural de todo homem, que não conhece

nenhum pecado herdado, mas tão-somente pecados cometidos pelo próprio

homem adulto.

Quanto ao receio de que essa ideologia favoreça o orgulho do homem,

veremos mais tarde de que essa ideia é filha da ilusão e de uma deplorável

falta de conhecimento da verdadeira natureza do homem.

Page 27: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Uma coisa é certa: que nenhuma educação eficiente é possível enquanto o

homem viver na convicção de que ele é um ser essencialmente mau e que só

pode ser feito bom por obra e mercê de terceiros.

Pedimos ao leitor que preste atenção, muita atenção, ao tremendo ilogismo

que vai neste conceito: eu sou essencialmente mau e pecador, em virtude da

minha íntima natureza humana; sendo isso verdade, como poderei deixar de

ser mau? Só deixando de ser o que sou e tornando-me o que não sou. Devo

deixar de ser verdadeiro homem – que é intrinsecamente mau – e tornar-me

um ser totalmente diferente do que sou por natureza; isto é, tenho de me

desnaturar a fim de poder ser bom. De maneira que o meu subsequente

homem bom, que serei, não é idêntico ao primitivo homem mau, que sou; esse

homem bom não é o mesmo que foi concebido e nasceu como sendo eu; pois

esse primitivo eu, essencialmente mau, deixou de existir, cedendo o lugar a um

outro eu, que é bom. Quer dizer que me tornei bom à custa de uma radical

abolição, ou total apostasia, do meu verdadeiro eu. Tive de me falsificar 100%

a fim de poder ser bom, pois o meu primitivo eu era 100% mau, e 100% de

maldade nunca poderá converter-se em 100% de bondade. Quer dizer que

esse subsequente eu bom é um pseudo-eu, e somente graças a esse “pseudo”

(palavra grega para “mentira”) é que eu sou bom; a mentira a mim mesmo me

fez bom; a infidelidade à minha própria natureza humana fez com que eu me

tornasse um homem bom. Se eu ficasse fiel a mim mesmo, seria mau; mas,

como cometi infidelidade contra mim mesmo, consegui tornar-me bom.

Que admira que, em face de tão monstruosa falta de lógica e de bom senso, o

homem espiritual seja considerado por muitos como um pseudo-homem, um

homem desnatural, um homem falsificado? E que admira que muitos prefiram

ser “naturalmente maus” a serem “desnaturalmente bons”?

Felizmente, esse ilogismo é apenas da teologia de certos cristãos, e não do

Evangelho do Cristo; à luz do Evangelho pode o homem ser “naturalmente

bom”, e, se não o for, é “desnaturalmente mau”. O maior mestre da

humanidade não conhece espiritualidade anti-humana nem humanidade anti-

espiritual; para ele, o homem plenamente humano é plenamente espiritual,

bom, divino; e, se o homem não é espiritual, bom, divino, é porque não é

suficientemente humano e natural. O “filho do homem” é o “filho de Deus”.

Sobre a base estritamente unitária do Evangelho do Cristo, é possível erigir o

edifício da nova educação – mas sobre a base dualista das nossa teologias

eclesiásticas não é possível construir algo de sólido. Fora da lógica não há

salvação, porque a lógica é o próprio Deus, ele, o divino “Lógos”, como diz o

quarto Evangelho.

Felizmente, não é verdade que o homem seja essencialmente mau. A sua

maldade é periférica, a sua bondade é central. E, precisamente por ser

periférica, a maldade do homem é amplamente conhecida, ao passo que a sua

Page 28: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

bondade, por ser central, é ainda profundamente desconhecida. O elemento

bom no homem é como a energia nuclear recatada no âmago do átomo e que

exige grande esforço para ser extraída e manifestada.

Aliás, todos os grandes mestres espirituais da humanidade reconhecem a

intrínseca bondade do homem.

***

Aqui é que enfrentamos uma das mais importantes distinções da verdadeira

filosofia perene, o conceito do potencial e do atual. O homem é potencialmente

bom, embora possa ser atualmente mau. A potencialidade do seu ser é a sua

íntima natureza. Todo homem é muito mais aquilo que é potencialmente do que

aquilo que é atualmente. Todo homem é antes a sua atitude permanente do

que os seus atos intermitentes. Uma semente é potencialmente a planta que

dela vai brotar, embora não seja ainda atualmente essa planta. A verdadeira

natureza de uma semente de palmeira é a palmeira que dela nascerá. A

“natura” é a coisa “na(sci)tura”, isto é, aquela coisa que vai nascer.

A potencialidade é, pois, a íntima natureza de um ser, a sua verdadeira natura

ou natureza.

A íntima natureza do homem não é o seu corpo, revelado pelos sentidos, nem

é o intelecto, manifestado pelos pensamentos; a íntima natureza do homem é a

sua razão (alma), que se revela pela intuição espiritual, porque essa razão é a

suprema potencialidade do homem, aquilo que ele é intrinsecamente, embora

não o tenha revelado ainda extrinsecamente.

Sendo, pois, que a razão intuitiva, ou alma, é a própria essência do homem, e

essa essência é boa, pura, divina, segue-se que a íntima natureza do homem é

boa, que o homem é essencialmente bom, porque a alma humana é Deus no

homem, “o reino de Deus no homem” (Jesus), “o espírito de Deus que habita

no homem” (São Paulo), “participação da natureza divina” (São Pedro), “a luz

verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo” (São João

Evangelista), “a alma humana é crística por sua própria natureza” (Tertuliano),

“a voz silenciosa” (Gandhi), “a luz interna” (os místicos).

Razão, alma, consciência, espírito, voz, luz de dentro – todas essas palavras

significam a mesma realidade, o último e mais profundo centro do homem, em

torno do qual giram todas as periferias da sua vida externa.

Essa essência central do homem é idêntica à essência do próprio Universo. A

alma humana (razão, consciência) é o ponto de contato em que o microcosmo

individual se encontra com o macrocosmo universal; e a lei que rege este rege

também aquele – lei de absoluta e incondicional solidariedade.

Page 29: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Quando o homem individual permite que a mesma lei que rege o Universo fora

dele seja vitoriosa também no Universo dentro dele, então o homem é bom.

Ser bom é sintonizar o grande Além-de-dentro pela harmonia do grande Além-

de-fora. O homem bom é essencialmente um homem cósmico.

O homem é bom quando estabelece e mantém perfeita sintonia entre o seu

modo de ser e agir e o espírito da Constituição Cósmica, entre a sua

consciência individual e a Consciência Universal, entre a sua alma humana e a

alma do Cosmos.

A verdadeira ética (agir) é o reflexo fiel da mística (ser). O homem bom age de

conformidade com o que ele é; é fiel a si mesmo. O homem mau age de um

modo diferente daquilo que ele é, é infiel a si mesmo, porque nunca descobriu

a sua natureza divina.

O homem bom essencializa a sua existência. A sua essência é divina, a sua

existência é humana. Esse homem diviniza a sua humanidade. Faz a sua

existência humana à imagem e semelhança da sua essência divina.

Poderá um homem desses ser egoísta? vaidoso? orgulhoso? Se o que nele há

de bom e puro é da essência divina, e não da existência humana, como

poderia o homem orgulhar-se de algo que é de Deus?

Orgulhar-se de elementos da existência humana é pecado.

Orgulhar-se do espírito da essência divina é redenção.

O pecado vem da ignorância – a redenção vem da sapiência.

“Homem! conhece-te a ti mesmo – e serás bom!”

“Sede perfeitos – assim como perfeito é vosso Pai que está nos céus.”

Page 30: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ENTRE LÚCIFER E LÓGOS

Vimos que, para iniciar novos rumos para a educação, é indispensável que o

educador tenha noção exata da natureza humana, saiba distinguir as periferias

existenciais do educando, do centro essencial do mesmo; e, acima de tudo,

requer-se que o educador, além de versado na teoria, também viva

praticamente essa verdade.

Não é possível realizar uma educação eficiente sem ter uma visão unitária do

homem. O ser humano é uma unidade harmoniosa, mas que, na sua

superfície, aparece, quase sempre, desarmonizada.

Quem é que estabelece divergência e infidelidade entre o interno ser e o

externo agir do homem, frustrando assim a grande obra da educação?

Esta pergunta nos põe no início da grande encruzilhada, onde se bifurcam os

caminhos da velha teologia eclesiástica e da nova filosofia cósmica. Nova?

Não, essa filosofia cósmica é a filosofia perene de todos os séculos e milênios,

tão antiga como a própria humanidade; mas essa filosofia é privilégio de uns

poucos iniciados, ao passo que a turbamulta dos profanos segue os dogmas de

uma teologia dualista e dispersiva, que não permite uma educação eficiente e

racional. O que a velha teologia consegue é impor-se ao homem, assim como o

ditador se impõe a seus súditos. A verdadeira educação, porém, não é nem

pode ser um regime ditatorial; e cada vez menos é possível considerar o

educando um autômato cujo único dever seja cumprir ordens emanadas de

uma autoridade suprema, externa. O homem de hoje não quer apenas cumprir

ordens, quer saber das últimas razões por que deve fazer isto e deixar de fazer

aquilo. Não quer agir em virtude de uma compulsão externa, mas sim em

virtude de uma compreensão interna.

A divisão usual do homem é entre corpo e alma. A palavra corpo é tomada

como idêntica à matéria, e sobre o vocábulo alma existem tantas sentenças

quantas cabeças.

É doutrina quase geral que é a alma que peca (uns chegam ao absurdo de

atribuir pecabilidade até ao corpo); acham que é a alma que se torna má e

antidivina, e que, se não se converter, vai ser eternamente condenada ao

sofrimento. E o ilogismo culmina no absurdo de que, um dia, o próprio corpo,

esse corpo-matéria, ressuscitará e participará do eterno sofrimento da alma, e

que Deus, esse Deus-Amor, se deliciará eternamente com os sofrimentos de

milhões e milhões de filhos seus.

Page 31: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Há, nessa concepção, tantos erros quantas palavras. Excusado é dizer que

sobre alicerce tão incerto não se pode erigir uma educação sólida que resista

ao impacto de um pensamento racional e espiritual.

A verdade é que nem o corpo nem a alma pecam. Quem peca no homem é o

seu intelecto, o seu lúcifer, a sua serpente, e não a sua alma, que é o “espírito

de Deus que habita no homem”.

O intelecto, ou inteligência, revela-se pelo ego, ou pessoa (persona) do

homem. Esse ego-persona é o homem físico-mental-emocional.

A razão ou alma manifesta-se pelo EU, que é o indivíduo ou a individualidade

humana.

As palavras latinas “persona” e “indivíduo” dizem admiravelmente o que

significam. “Persona”, em latim, quer dizer “máscara”. A “persona” (de per e

sonare, soar ou falar através) era a máscara que, no tempo do império romano,

usavam os atores no palco e através de cuja boca aberta falavam. Por detrás

dessa “persona” estava o “indivíduo”, ou seja, o homem que desempenhava o

papel representado pela máscara.

“Indivíduo” quer dizer “indiviso”, não-dividido, não-separado. A individualidade

do homem é aquilo que o faz um ser indivisível em si mesmo (em grego,

átomos) e também indivisível ou inseparável do grande Todo, da Alma do

Universo. Por ser indivíduo, o homem é um ser estritamente uno e unitário, e

por isto mesmo parte integrante do Universo.

O homem não está separado do grande Todo, nem é idêntico a esse TODO,

mas é dele distinto. O dualista separa o homem do grande Todo; o panteísta o

identifica com ele; mas o verdadeiro universalista (que modernamente,

segundo o filosofo germânico Krause, se chama pan-en-teíta) sabe que o

homem não pode jamais estar separado do grande TODO, nem pode ser

idêntico a ele. A separação equivaleria a um suicídio violento, uma vez que

nenhum efeito pode subsistir sem a causa-prima; a identificação seria uma

espécie de suave eutanásia, em que o finito se diluiria totalmente no Infinito,

nirvanizando o seu existir individual no Ser Universal. Tanto nesta como

naquela hipótese, o indivíduo humano deixaria de existir como indivíduo,

aniquilando-se, ou no Nada ou no TODO.

O que une o homem ao TODO é a sua essência, que é a própria essência do

TODO; o que distingue o homem do TODO é a sua existência. Se o homem

fosse apenas essência universal (divina) seria ele o próprio Deus, o Universal;

se fosse apenas existência individual (humana), sem nenhum fundo de

essência universal, seria um puríssimo Nada, o Irreal, o Vácuo, porque

nenhuma existência individual tem realidade em si mesma, se não estiver unida

à essência universal. Assim, por analogia, um indivíduo vivo não seria vivo se

Page 32: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

não estivesse unido à Vida Universal. A única razão por que uma existência é

viva é porque participa da essência da Vida Universal.

A essência universal é o Real; as existências individuais são os realizados. O

profano e insipiente considera os objetos existentes como sendo reais, auto-

reais, reais em si mesmos; mas a realidade do mundo objetivo não tem caráter

autônomo, senão apenas heterônomo; os objetos não possuem realidade

absoluta, original, senão apenas realidade relativa, derivada, assim como a

nossa terra possui luz emprestada pelo sol, ou assim como uma figura refletida

no espelho possui realidade derivada do objeto, em sentido oposto, e se reflete

no espelho. Nenhum objeto existencial é auto-real, todos são alo-reais, ou

realizados.

Afirmar que os objetos sejam irreais, puros nadas e simples ilusões, como

afirmam certos sistemas metafísicos, antigos e modernos, é falta de lógica; os

objetos não são reais nem irreais – são realizados, isto é, possuem uma

realidade derivada, heterônoma, assim como reflexos num espelho, que

desaparecem no mesmo instante em que a coisa refletente deixa de se refletir.

Donde se segue que nenhum indivíduo pode existir por um instante sequer, se

não estiver unido ao Universal da essência.

A inteligência humana, porém, em virtude da sua relativa imperfeição, cria a

ilusão de poder existir independentemente do Ser Absoluto; pode mesmo

desejar essa existência autônoma, ou pseudo-autônoma, porque a inteligência

é uma faculdade visceralmente separatista ou egocêntrica; julga possível

estabelecer um reino à parte e ser soberana autônoma nesse reino. A

inteligência é, por sua natureza, centrífuga, rebelde, dispersiva, vivendo na

ilusão de poder existir e agir separada da Essência Cósmica – como se uma

onda do mar pudesse existir sem o mar, como se a luz colorida pudesse existir

sem a luz incolor que lhe deu origem e dá continuação.

A inteligência é profundamente “narcisista”, auto-adorante – e é precisamente

nessa tendência “narcisista” que se baseia a ideia do pecado. Quem peca no

homem é a inteligência, revelada pelo ego, ou persona. Pecado não é possível

sem ilusão, e a ilusão nasce da ignorância. Sendo que a inteligência é semi-

ignorante e semiciente, espécie de penumbra ou sem luz, é-lhe possível criar e

manter essa atitude separatista, embora a separação real seja impossível sem

o aniquilamento. Objetivamente, todo o indivíduo está unido ao Universal; mas

subjetivamente pode o indivíduo sentir-se separado do Universal, que é o

grande TODO, ou Deus.

Essa tendência separatista da inteligência relativamente ao TODO Universal

revela-se, cotidianamente, no pendor separatista do ego intelectual com

relação aos outros egos, seus semelhantes. Uma vez que o ego julga poder

separar-se de Deus, e até opor-se a ele, julga-se também autorizado a separar-

Page 33: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

se dos homens, ou opor-se aos mesmos. Separatismo na vertical gera

separatismo na horizontal. Falta de senso místico cria falta de senso ético.

Quem não se sente harmonizado com o grande TODO, não sente harmonia

entre si e as outras partes desse TODO. Perdido o senso de união com as

partes relativas, que são os outros seres humanos, e até os seres infra-

humanos da natureza. A apostasia da mística vertical produz, cedo ou tarde, a

apostasia da ética horizontal. Ou, na linguagem do mestre de Nazaré, quem

não ama a Deus com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e

com todas as forças, também não pode amar o próximo como a si mesmo,

porque ninguém pode fazer o “segundo” sem fazer o “primeiro”.

Por isto, é profundamente ilusório todo e qualquer sistema de educação que

tente ser puramente social ou ético, prescindindo do elemento místico.

A princípio, todo educador tem a impressão de que educação nada tenha que

ver com metafísica e mística, que parecem ser ocupação abstrata e longínqua,

sem nexo real com a vida humana de cada dia. Enquanto o educador alimentar

essa ilusão, não tem base real e sólida para uma educação eficiente.

O educador de hoje tem de ser um filósofo, um metafísico, um místico...

Para que o educador possa dizer, com segurança, 10% aos outros, deve ele

possuir em si mesmo 100% de sabedoria experiencial. Tem de saber muito

para poder dizer pouco. Tem de ter em si um grande capital de reserva

experiencial (90%) para que possa pôr em circulação uma pequena parcela do

mesmo (10%). Só quem sabe muito, por experiência íntima, é que pode falar

com poder e autoridade, e dizer devidamente o pouco que a prudência lhe

permita dizer.

O que o educador diz deve ser como que um transbordamento espontâneo

daquilo que ele é. O “ser” é a fonte e base do “dizer”.

Page 34: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ESSENCIALIZANDO A EXISTÊNCIA

Quase todo o Ocidente vive na ideia de que filosofia tenha que ver com o

mundo em derredor. Há pouco, quis assistir a um congresso de filosofia

reunido numa das nossas grandes capitais; mas não fui, porque verifiquei pelo

programa publicado que, nesse congresso de filosofia, se trataria de tudo –

menos de filosofia.

A filosofia tem por objeto o homem, e não o mundo.

Também a religião focaliza o homem, mas fá-lo de outro modo que a filosofia,

porque manda que o homem creia numa realidade invisível, a fim de ter a

experiência da mesma após-morte; lida, pois, com argumentos póstumos.

A verdadeira filosofia, porém, trata do homem total, no espaço, do homem-

razão, do homem-intelecto e do homem-corpo, do homem aqui na terra e em

qualquer outro ambiente do universo. O céu ou o inferno do homem podem ser

criados agora e aqui mesmo, e são produtos do próprio homem, e não

creações de Deus.

Todo homem bom cria o seu céu agora e aqui, como também para sempre e

por toda parte.

Todo homem, como já dissemos, é bom em virtude de sua essência divina (o

EU), que também se chama alma, consciência ou razão intuitiva. Mas essa

essência divina da alma, essa “luz do mundo” pode ser ofuscada pela

existência humana (o ego). Quer dizer que o homem essencialmente bom pode

ser existencialmente mau – como também pode ser existencialmente bom. O

grande erro de muitos teólogos está em confundirem o homem

existencialmente mau com o homem essencialmente mau, aduzindo até

palavras de Jesus para comprovar o seu erro: “Vós, que sois maus...” O divino

Mestre fala, nessa ocasião, de homens adultos que, pelo abuso da sua

liberdade, se haviam feito existencialmente maus, e não de homens

essencialmente maus, que ele ignora totalmente.

Toda a verdadeira educação consiste em que o homem faça a sua existência à

imagem e semelhança da sua essência; que essencialize a sua existência; que

verticalize as suas horizontalidades; que divinize a sua humanidade; que faça o

seu externo agir tão bom e puro como é o seu interno ser. Deve o homem fazer

a sua vivência ética tão boa como é a sua experiência mística.

Page 35: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O principal é que o homem creia em si mesmo, que seja fiel a si mesmo. É

necessário, antes de tudo, que o homem tenha a firme convicção de que há

nele um elemento bom, puro, divino, sobre o qual ele possa – e pode –

assentar os alicerces do seu edifício ético. Nenhum arquiteto sensato constrói

um edifício sobre pântano ou areia movediça.

Infelizmente, repetimos, a nossa teologia ocidental nega ao educando, e

também ao educador, esse fundamento firme, porque ensina, há séculos, que

o homem é essencialmente mau, pecador, negativo, antes mesmo de nascer.

Confunde o ego periférico do homem com o seu EU central, cometendo o

mesmo erro que Tomas Hobbes e outros filósofos empíricos costumam

cometer, afirmando que o homem é egoísta por natureza, e egoísta sempre

será; que ninguém o pode “desegoficar”; que todo o chamado “altruísta” não

passa de um egoísta disfarçado, de um detestável hipócrita, e que os governos

têm a única função de manter o inextirpável egoísmo dos indivíduos dentro de

certos limites toleráveis, para que possa haver uma relativa paz social. Quem,

como esses filósofos, identifica a íntima natureza humana com o seu ego

periférico – físico-mental-emocional – não pode, naturalmente, admitir que haja

no homem algo realmente bom, puro e divino.

Nós, porém, sabemos, de acordo com todos os grandes mestres da

humanidade, que o homem, na sua íntima essência é bom, uma vez que a

íntima essência dele é “ a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a

este mundo”, e brilha em todo ser que sai das mãos do Criador. “A luz brilha

nas trevas, mas as trevas não a prenderam” – a luz da essência divina brilha

em todas as trevas das existências humanas, e também infra-humanas; mas

nenhuma dessa trevas das existências criadas consegue “prender”, ofuscar,

extinguir a luz da essência divina que nelas está.

Se o homem fosse essencialmente mau, não haveria nenhuma possibilidade

de o tornar realmente bom – nem mesmo o mais divino e poderoso dos

redentores o poderia redimir da sua intrínseca maldade e conferir-lhe bondade

real, porque essa “redenção” ou “conversão” equivaleria a uma verdadeira e

total destruição do próprio ser humano, substituindo a sua “essência má” por

uma “essência boa”.

Ora, à luz da psicologia do Ocidente, da filosofia do Oriente, e à luz do próprio

Evangelho de Jesus Cristo, não há nenhuma substituição do homem mau pelo

homem bom; há uma conversão do homem existencialmente mau no homem

existencialmente bom, e este processo de conversão é possível unicamente

sobre a base do homem essencialmente bom; porquanto, ninguém se pode

tornar explicitamente o que não é implicitamente, nenhuma semente se pode

tornar atualmente uma palmeira se potencialmente ela não é palmeira;

nenhuma semente se pode tornar atualmente viva se ela não é potencialmente

viva. A transição do estado potencial (implícito) para o estado atual (explícito)

Page 36: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

não é uma transição do não-ser para o ser, mas é a transição de um estado de

ser imanifesto para um estado de ser manifesto; não é uma criação ex nihilo,

mas uma revelação de algo, de algo que já existia encoberto, e agora passou a

ser descoberto. Se o homem pode tornar-se manifestamente bom é prova de

que ele, antes dessa manifestação, já era ocultamente bom. Ninguém se torna

o que não é!

O homem existencialmente bom realiza o feito máximo da sua vida, permeando

a sua vivência humana com a sua essência divina, assim como uma luz interna

permeia totalmente de si um límpido cristal colocado diante dela. Se

colocarmos uma luz por detrás duma parede opaca, haverá sombra do lado

oposto – é o símbolo do homem existencialmente mau que não deixou

penetrar-se pela luz da essência divina que nele está; a sua opacidade é o seu

grande pecado, porque ele podia fazer com que essa opacidade profana fosse

transparência sagrada. “A luz verdadeira ilumina a todo homem que vem a este

mundo – e os que recebem essa luz se tornam filhos de Deus”. A luz divina

está em todo homem, mas nem todos a “recebem”, nem todos se tornam

receptivos, nem todos fazem-na permear-na e penetrar a sua vida, e por isto

ficam na sombra da sua culpável maldade.

Os nossos teólogos eclesiásticos negam a realidade da luz divina no homem –

e isto a despeito das declarações reiteradas e explícitas do divino Mestre e dos

seus grandes discípulos. “Vós sois a luz do mundo”, declara Jesus, depois de

haver afirmado “Eu sou a luz do mundo”. Declara que seus discípulos são, na

sua essência, a mesma luz divina que ele é. E João Evangelista declara que

essa “luz verdadeira”, do divino Lógos (o Verbo) ilumina a todo e qualquer

homem que vem a este mundo.

Se não reside no homem nenhum elemento bom, não pode haver verdadeira

educação, porque “educação”, repetimos, quer dizer “edução”. Educar é eduzir,

isto é, conduzir para fora. Só se pode eduzir o que está dentro. Na opinião dos

teólogos ocidentais, há indução em vez de edução; o elemento bom deve ser

induzido, introduzido, injetado ou impingido ao homem, de fora para dentro,

como algo externo e alheio à sua natureza, como um aditamento posterior ou

uma substituição. Neste caso, o homem educado se torna bom graças a uma

infidelidade a si mesmo; despoja-se do que é dele e recebe o que não é dele,

porque, nessa suposição, o elemento bom não existe nele, mas vem-lhe de

fora, de uma fonte alheia e heterogênea. Assim, como já foi dito, a educação

(ou antes, inducação) seria uma adulteração do educando; o homem falsificado

é que seria o homem bom.

***

Acham os defensores do homem essencialmente mau que, se admitirmos o

homem essencialmente bom, criamos nele um complexo de orgulho ou

autocomplacência, fazendo dele um enfatuado egocentrista, um pelagiano ou

Page 37: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

um homem que espera redenção de si mesmo, auto-redenção, em vez de teo-

redenção ou cristo-redenção.

Cuidado com essa confusão de idéias!

Cuidado com essa falsa lógica!

Que é auto-redenção?

Pode ser uma de duas coisas: ou redenção pelo EGO HUMANO, isto é, pela

persona do ego físico-mental-emocional – ou pode ser redenção do homem

pelo EU DIVINO nele, por seu Cristo interno, pelo espírito de Deus que nele

habita, redenção por sua alma crística. Neste último caso, auto-redenção é teo-

redenção, cristo-redenção. E é precisamente nesse sentido que entendemos

auto-redenção, a redenção do homem pelo elemento divino nele existente,

embora em estado dormente e embrionário. Despertar no homem esse

elemento divino é redimi-lo e é educá-lo. É este o único caminho certo para

uma verdadeira educação: despertar, desenvolver e eduzir do homem essa luz

e essa força divina até que ela penetre todas as trevas do ego humano.

É visceralmente falsa e funesta a psicologia e pedagogia que procuram dar ao

educando uma ideia baixa de si mesmo, um auto desprezo, na intenção de o

levar à humildade e ao desejo de ser remido por Deus. Humildade não é

desprezo de si mesmo. Humildade é a verdade sobre si mesmo. Redenção de

fora é impossível quando por dentro não existe um elemento redimível. Com o

melhor adubo do mundo o calor solar mais propício não se pode fazer brotar

uma semente se dentro dela não existe um princípio vital. Só se pode

vitalizar o que é vivo. Ninguém pode criar vida, só podemos despertar a vida já

existente em estado de dormência.

Quem não supõe bondade dormente no educando não o pode tornar bom,

porque ninguém se torna explicitamente o que não é implicitamente. “Se o olho

não fosse solar”, diz Goethe, “jamais poderia contemplar o sol”. Da mesma

forma, se a alma humana não fosse crística por sua natureza, ninguém o

poderia cristificar; se ela não fosse divina por natureza, jamais poderia ser

divinizada; se ela não fosse espiritualmente viva, ninguém a poderia vitalizar

em espírito; se a alma não tivesse dentro de si um princípio de santidade,

ninguém a poderia santificar.

Educar é, pois, eduzir de dentro do educando e desenvolver uma bondade, um

ser-bom, que nele existe, embora ainda em estado latente e embrionário.

Dizer que esse despertamento da bondade dormente no ser humano favorece

o orgulho dele é não saber distinguir o ego periférico (persona, intelecto) e o

EU central (indivíduo, razão) do homem. A alma não pode ser orgulhosa,

egoísta, porque ela é Deus no homem; só o lúcifer do intelecto é que é

susceptível de orgulho, egoísmo e qualquer outro pecado. Quem ultrapassa o

Page 38: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

seu ego personal ultrapassa a sua pecabilidade e entra na zona da

impecabilidade.

“As obras que eu faço não sou eu (meu ego humano) que as faço, mas é o Pai

(meu EU divino) que as faz em mim” (jesus).

Quando Pedro curou aquele paralítico à porta do templo de Jerusalém, como

referem os Atos dos Apóstolos, o povo o encarava, estupefato; o apóstolo,

porém, longe de atribuir a seu ego humano esse prodígio, fez ver ao povo que

o autor dessa cura era o espírito do Cristo que dele se servira como simples

veículo.

Quem sente orgulho ou vanglória em face de algum ato bom prova que ainda

vive na ignorância de si mesmo, que ainda não é bom, mas apenas faz o bem.

O maior dos ateus pode fazer o bem, apesar de não ser bom; pode fazer um

bem material com o que tem, mas não um bem espiritual com o que é.

É, pois, necessário que o educador conheça, antes de tudo, a si mesmo, a fim

de poder contribuir para dar a seu educando a verdadeira noção do mesmo.

Para ser bom educador, é necessário que o homem seja “educado”, isto é, que

tenha “eduzido” de si mesmo o elemento bom que em todos existe.

Page 39: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

A SABEDORIA DOS

GRANDES EDUCADORES

Escreve o insigne Albert Schweitzer que nossa teologia cristã criou uma

espécie de soro que, uma vez injetado ao homem, o imuniza contra o espírito

do Cristo; de tão saturado de cristianismo (do “nosso” cristianismo), julga

supérfluo o Cristo.

Mahatma Gandhi fez idênticas experiências com os missionários cristãos que

tentavam convertê-lo ao nosso cristianismo; a todos eles respondia o grande

líder político e espiritual da Índia: “Aceito integralmente o Cristo e seu

Evangelho, mas não aceito vosso cristianismo”.

Sobretudo no setor educacional se verifica essa substituição do Cristo pelo

cristianismo, do Evangelho pela teologia.

O Evangelho do Cristo, vivido em sua verdade e pureza, oferece a melhor base

para a educação. Antes de tudo, revela Jesus uma profunda reverência pela

natureza humana. Para ele, não existe criança concebida em pecado; todo

homem é essencialmente bom e puro, a princípio; só mais tarde se torna mau

pelo abuso da sua liberdade. Não encontramos nas páginas do Evangelho uma

única palavra de Jesus que justifique a ideia teológica do “pecado original”.

Essa ideologia nasceu fora do Evangelho e foi, mais tarde, introduzida nele

pelos teólogos cristãos. Já aparece nos últimos quatro séculos do Antigo

Testamento, no seio da sinagoga de Israel decadente. Pelo ano 400 antes da

era cristã, faleceu Malaquias, o último dos profetas de Israel, e nos quatro

séculos subsequentes os sacerdotes hebreus tomaram a direção espiritual do

povo. Mas a orientação sacerdotal era visceralmente legalista; segundo eles, a

salvação vinha da aceitação e aplicação de certas fórmulas rituais; era a letra

da lei que salvava o homem, e não o seu espírito.

Durante esse período de decadência surgiu na sinagoga a doutrina de que o

homem é mau e pecador por natureza e que só a lei o pode libertar do pecado.

Foi divinizada a Lei, e, para que a Lei tivesse o máximo de prestígio e poder, foi

o homem reduzido ao mínimo, declarado pecador em virtude de sua própria

natureza; e assim o nadir da natureza humana elevava ao zênite a força da Lei.

Mais tarde, no início da era cristã, foi a Lei substituída pelo Cristo, mas o

paralelismo continuou: para que o Cristo tivesse o máximo de valor, foi o

Page 40: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

homem reduzido ao mínimo do desvalor – surgiu a paradoxal ideologia

teológica do “homem pecador”, a teoria do “pecado original”.

Jesus não aceita essa doutrina. Para ele, o reino de Deus está dentro do

homem, e só dentro é que ele pode vir e manifestar-se na vida humana. “O

reino de Deus não vem com observâncias (externas, rituais), nem se pode

dizer: ei-lo aqui! ei-lo acolá! – o reino de Deus está dentro de vós”. Com estas

palavras categóricas reafirma o Nazareno a verdade antiquíssima, mas no seu

templo obliterada, de que o homem é remido pelo elemento divino que nele

existe em virtude da sua própria natureza.

Bem cedo, porém, já no primeiro século, penetrou no corpo do cristianismo

primitivo o elemento judaico sobre a essencial pecaminosidade do homem, fato

que se explica pela circunstância de terem os primeiros líderes da igreja cristã

vindo do judaísmo, introduzindo inconscientemente no cristianismo nascente

certas ideologias da sinagoga. A ideia da essencial maldade do homem deu ao

cristianismo primevo, e posterior, um colorido dualista e pessimista, influindo

profundamente no conceito do processo da redenção.

Jesus, porém, não sucumbiu a essa ideologia, razão porque se

incompatibilizou com os chefes da sinagoga ao ponto de o levarem à cruz.

Um dia, refere o Evangelho, estavam os discípulos do Nazareno discutindo

sobre quem deles era o maior no reino de Deus; e cada um deles fazia valer os

seus pretensos títulos e direitos a essa primazia. Ao que o Mestre chamou uma

criança, colocou-a no meio dos litigantes ambiciosos e disse-lhes: “Se não vos

converterdes e tornardes como esta criança, não entrareis no reino dos céus”.

É evidente que Jesus considera essa criança como habitante do reino de Deus;

pois seria absurdo supor que ele propusesse um modelo impuro aos impuros.

Essa criança, porém, não fora “purificada” por nenhum rito legal ou

sacramental, que não existia; era pura assim como nascera e fora concebida;

nunca tivera impureza alguma. Exige Jesus que seus discípulos, feitos impuros

por culpa própria, se tornem puros por esforço próprio, assim como aquela

criança era pura por sua própria natureza.

Em outra ocasião ameaça Jesus com terrível castigo àqueles que levarem a

pecado um daqueles pequeninos que creem nele, porque os seus anjos

contemplam sem cessar a face do Pai dos céus. Ora, nenhuma dessas

crianças hebréias “cria” em Jesus mediante ato consciente de fé; ninguém o

conhecia; o Nazareno era para elas apenas um bom rabi judeu, e nada mais. O

“crer” dessas crianças não era um ato, mas uma atitude interna, um modo de

ser em harmonia com Deus – o que prova que essas almas eram boas e puras,

e não pecadoras e inimigas de Deus. Também seria absurdo supor que os

anjos de Deus tanto se desvanecessem pela proteção de um bando de

Page 41: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

pequenos pecadores. E como podiam os pecadores adultos levar ao pecado

essa crianças se elas já estivessem em pecado?..

Por esta mesma razão também não mandou Jesus batizar crianças, e o próprio

João só batizava adultos. O batismo de João, a que Jesus alude, só visava

pecados pessoais, e não algum pecado original que os batizandos tivessem

herdado de seus antepassados, como a teologia de hoje ensina.

Sobre esta base positiva do Evangelho de jesus Cristo é possível erguer o

edifício de uma educação sólida – ao passo que a teologia eclesiástica

corrente, quer desta, quer daquela igreja, é totalmente inapta para oferecer

base conveniente.

O descalabro da nossa educação tem suas raízes em séculos anteriores. Aqui

no Brasil começou em 1500, mas em outras partes começou muito mais cedo,

talvez em 313, quando, pelo edito de Milão, o imperador pseudo cristão,

Constantino Magno, deu início à substituição do Evangelho do Cristo pela

teologia dos cristãos.

Se não voltarmos decididamente ao espírito crístico do Evangelho, não

teremos base eficiente para uma nova educação. Teremos a coragem de

realizar tão arrojada aventura? E teremos do nosso lado as autoridades

públicas, que em geral, não se interessam pela qualidade do cristianismo, mas

sim pela quantidade dos eleitores que lhes garantam poder e prestígio social e

político?

Necessitamos de um pugilo de heróis para realizar o grande ideal de uma nova

educação.

Page 42: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

OS MALES DA

EDUCAÇÃO ESCATOLÓGICA

Uma das principais razões por que a nossa educação chamada religiosa se

tornou eticamente ineficiente é o seu caráter escatológico, quer dizer, a falsa

concepção do homem após-morte. É sobretudo neste ponto que estamos

navegando em águas tipicamente medievais, quando bem poderíamos ter da

vida futura concepção menos infantil e inadequada.

Um dos setores da teologia eclesiástica do Ocidente, o mais conhecido entre

nós, ensina que, após a morte física do homem, vai sua alma (não ele!) para

um de dois lugares definitivos que existem no “outro mundo”: céu ou inferno; ou

então para o purgatório, lugar provisório onde a alma deve expiar os pecados

veniais, como também as penas temporais dos pecados mortais, cuja culpa e

pena eterna já foram canceladas antes da morte.

O outro setor da teologia eclesiástica ensina o mesmo quanto a céu e inferno,

negando apenas a existência de um lugar provisório de purificação.

Tomando por fundo qualquer uma dessas concepções teológicas, torna-se

assás difícil a tarefa da educação. O único elemento razoável que existe

nessas ideologias é o do purgatório – mas, por infelicidade, é precisamente

esse fator que foi abolido pelo protestantismo, e é relegado a segundo plano

pela teologia romana. Nenhuma dessas teologias se guia por um espírito de

verdadeira e genuína “catolicidade”, palavra grega para “universalidade”.

Neste particular, o espiritismo cristão deu um grande passo para frente, não

ensinando pecado herdado de terceiros, mas pecado herdado do próprio

pecador e cometido em existência anterior. Embora não consideremos o

espiritismo como sendo simplesmente como idêntico ao cristianismo do Cristo

(o qual, aliás, é inorganizável, porque toda organização é filha do egoísmo!),

admitimos, contudo, que ele contribuiu e com preciosos elementos para a

evolução espiritual do Evangelho do Cristo. A sua doutrina escatológica é bem

mais aceitável e fornece melhor base educacional do que os dois tipos de

cristianismo acima mencionados. Deixando de parte a tendência sectária e

dogmatizante que invadiu vastas camadas do espiritismo brasileiro, achamos

que esse movimento, no seu plano superior, asectário, poderá prestar notáveis

serviços à cristificação do nosso tradicional cristianismo.

Page 43: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Nem a razão humana nem a revelação divina admitem a idéia de que o

homem, com a perda de seu corpo material, entre num estado definitivo. Tanto

os fatos históricos milenares como também a psicologia abismal dos nossos

dias provam o contrário. A evolução do homem não termina com 50, 80 ou 100

anos de vida terrestre. Mesmo não admitindo a teoria da reencarnação

material, somos obrigados a aceitar que “há muitas moradas na casa do Pai

celeste”, isto é, muitos estados nos quais o ser humano possa fixar morada ou

permanência temporária, na sua longa jornada rumo a Deus. E como “cada um

colherá o que semeou”, é evidente que o homem colherá cada vez, na

existência subsequente, o que semeou na existência antecedente. A lei básica

de “causa e efeito” (karma) abrange todos os setores do universo individual. A

Constituição Cósmica não permite que o homem, após-morte, perca a sua linha

de continuidade com a vida presente, que deixe de haver homogeneidade entre

essa fases várias de existência única. Não há “outra vida”, há uma vida única

em diversas fases de evolução – assim como acontece em outros setores da

natureza; a vida da borboleta é essencialmente a mesma que a vida da

crisálida, da lagarta e do ovo; apenas os graus de vitalidade e as formas de

manifestação dessa única vida são vários. Também a vida da planta é

essencialmente idêntica à vida da semente que lhe deu origem, ou ainda da

semente produzida por essa planta.

Essa lei da continuidade da vida em diversas fases é de suma importância para

o problema da educação.

Segundo as teologias eclesiásticas, pode um homem levar 50 anos de vida em

pecados e crimes, aqui na terra, e logo após a morte física estar isento de

todos os efeitos dos seus atos – seja em virtude de uma absolvição

sacramental, seja em consequência de um momentâneo ato de fé no sangue

redentor de Jesus.

Ora, é evidente que, neste caso, não existe proporção alguma entre causa e

efeito, entre a gravidade da culpa, por um lado, e a função da absolvição

sacramental ou da fé fiducial, por outro. E essa flagrante desproporção entre o

débito e o seu cancelamento gera nos que adotam essas teologias um estado

de indiferença ou leviandade relativamente ao verdadeiro caráter do pecado ou

delito; pois, se tão fácil é a libertação do débito moral contraído, por que deixar

de o contrair, quando, em geral, a criação desse débito da culpa se acha ligada

a um gozo de maior ou menor intensidade? Se posso roubar, matar, mentir,

defraudar, e gozar das vantagens imediatas desses pecados, porque não

praticar esses atos e gozar das suas vantagens, se, na fração de um minuto,

poderei libertar-me, mais tarde, dos efeitos ingratos que decorrem dessas

causas? Se tão fácil é o rompimento dos elos da cadeia kármica dos meus atos

negativos, porque ainda envidar ingentes esforços por evitar a criação dessa

cadeia, resistindo à tentação de roubar, matar, mentir, defraudar, etc. ? Não me

aconselha a “lei do menor esforço” escolher o mais fácil, que, neste caso, é

Page 44: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

cometer o pecado e libertar-me das suas consequências por meio de um

momentâneo ato de arrependimento posterior – tanto mais que a resistência ao

mal é, não raro, tão tremendamente difícil e doloroso? Porque não corrigir o

mal por um ato fácil de arrependimento, em vez de o prevenir por uma atitude

difícil de não-cometimento?

No plano biológico, quase todas as pessoas, sobretudo aqui no Brasil, adotam

essa política de corrigir os males físicos, em vez de se guiarem pela filosofia de

os evitar. Todos os meios de publicidade – imprensa, rádio, televisão –

apregoam sem cessar esse charlatanismo barato do corrigir em vez de

prevenir. Você está com dor de cabeça? Tome um comprimido “A”. Está com

azia de estômago ou má digestão? Ingira a droga “B”! Sofre de inapetência? Vá

a drogaria da esquina e compre o aperitivo “C”! É vítima de astenia sexual?

Tome a injeção “D”!

Não é esta a política doentia de suprimir sintomas que quase todo o mundo

pratica, em vez de seguir a filosofia sadia de prevenir as causas dos males?

Infelizmente, as nossas organizações religiosas cometem o mesmo

charlatanismo moral ou imoral, ensinando a seus adeptos o modo de se

libertarem dos efeitos dos seus pecados, em vez de lhes mostrar como

evitarem as causas desses efeitos, o que seria cura do mal, e não apenas cura

de sintomas do mal.

Esse caráter deletério e antimoral adere, sobretudo, à prática rotineira da

confissão sacramental. Suponhamos um jovem de 20 anos, tentado de cometer

pecado de homossexualismo, ou pessoa casada tentada de adultério; pode ser

dificílima a resistência ao pecado. Mas, se a pessoa sabe que, depois de

cometido o pecado, pode libertar-se dele confessando-se rapidamente, e

depois continuar a viver como se nada tivesse acontecido – quem não

escolheria esse caminho mais fácil, em vez de criar dentro de si uma alta

voltagem de resistência moral?

Esse infeliz costume de dizermos aos pecadores que, depois de perdoado o

pecado – seja pela confissão, seja por um ato de fé –, eles se tornaram tão

puros como antes, esse costume, além de envolver grande mentira, é um

desastre psicológico e educacional. Não é verdade que, depois de um simples

ato de arrependimento, o pecado seja totalmente cancelado, como se não fora

cometido. De cada ato mau permanecem resíduos venenosos nas profundezas

da alma, facilitando novas quedas e colocando o pecador habitual num

perigoso plano inclinado, onde futuras recaídas se tornam cada vez mais

fáceis, e futuras resistências se tornam cada vez mais difíceis. A palavra “vício”

vem de “vez” (vezo!); “vício” é uma atitude negativa, permanente, que resultou

de muitas “vezes” de atos repetidos. Um jovem que cedeu 100 vezes ao

pecado de luxúria, e 100 vezes se confessou e arrependeu desse pecado, não

está puro como no princípio; está gravemente contaminado, pelo menos nas

Page 45: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

subconscientes profundezas de seu ser; é um viciado, uma vítima passiva e

quase indefesa. A verdadeira educação não está em lhe mostrar apenas como

se arrepender do pecado, mas sim em lhe ministrar motivos eficientes para não

recair no pecado.

E que motivos seriam esses? Em última análise, já o dissemos, não podem ser

motivos externos, como o medo do inferno, uma vez que esse inferno já está

evitado pelo arrependimento ou confissão; o motivo real e eficiente só pode ser

o respeito à sua própria dignidade, ao santuário da sua natureza humana, ao

seu EU divino que, de forma alguma, deve ser profanado, porque no respeito à

sacralidade desse divino EU é que reside todo o valor, toda a alegria e toda a

felicidade da vida humana.

Assim como, no plano biológico, a ingestão habitual de remédios diminui

gradualmente a resistência interna do organismo, tornando-o cada vez mais

alérgico a novos ataques mórbidos – da mesma forma é o pecador debilitado

moralmente pela aplicação de paliativos externos sem uma sólida resistência

interna. Se um corpo humano possuía, digamos, 10 graus de resistência ao ser

atacado por algum mal, se não recebe auxílio de fora em forma de alguma

droga ou injeção, vê-se obrigado a apelar para as latentes reservas internas e

aumentar a sua resistência biológica de 10 a 11, a 12, a 15, a 20, a fim de fazer

frente ao inimigo; mas, se recebe reforços de fora, em forma de remédio fácil,

deixa de intensificar a sua resistência interna, sabedor de que vai receber

auxílio de fora, assim, em vez de aumentar sua natural resistência e criar

imunidade contra a crença, diminui a sua energia vital, baixando de 10 a 9, a 8,

etc., consoante a frequência e rapidez com que recebe os auxílios artificiais de

fora; habitua-se o corpo a obedecer à “lei do menor esforço”, esperando

receber de fora o que poderia criar de dentro – e está estabelecido o perigoso e

vicioso estado de alergia permanente.

É exatamente este o caso, no terreno da ética e da educação, quando o

homem confia em auxílios automáticos de fora, em vez de criar resistência vital

de dento. E o mal da nossa educação escatológica, que induz o homem a

remediar, de preferência, os efeitos de seus atos, em vez de prevenir as

causas dos mesmos. Esse charlatanismo moral, ou imoral domina vastos

setores do nosso sistema educacional, tanto civil como religioso. Necessitamos

de médicos que nos mostrem como prevenir os males em sua própria causa

profunda, e não de curandeiros que nos ensinem como corrigir ou camuflar os

sintomas superficiais do mal.

Quer dizer que não devemos apelar para motivos religiosos, no terreno da

educação?

Devemos, sim, e muito mais energicamente do que temos feito até hoje. O

grande psicólogo e psiquiatra da atualidade, Carl Gustav Jung, afirma em

quase todos os seus livros que no fundo de todas as curas verdadeiras está o

Page 46: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

fator religioso, ou seja, a experiência do Infinito, do grande TODO, de algo que

transcende as estreitas barreiras do pequeno ego. A estreiteza causa a

doença, a largueza produz a saúde.

Entretanto, não vamos confundir Religião (no singular e com inicial maiúscula)

com religiões, ou formas específicas de religião, credos, dogmas, seitas,

igrejas. Não raro, as religiões são as piores inimigas da Religião. Jesus era um

homem profundamente religioso – mas não professava determinada forma de

religião. Dois dos grandes homens do nosso século, Albert Schweitzer e

Mahatma Gandhi, são, certamente, homens profundamente religiosos, mas

nenhum deles é adepto de uma certa igreja ou seita. Eles têm Religião, mas

não professam religiões ou credos.

Se o educador consegue despertar no seu educando a corda profunda da

Religião – idêntica ao que nós chamamos Filosofia Univérsica, ou Filosofia

Cósmica – tem nas mãos a mais poderosa alavanca educacional, porque

atingiu o último centro da natureza humana.

***

Em face do exposto, há quem apele para o exemplo do “bom ladrão” na cruz,

cujos pecados – culpa e pena – foram cancelados num instante – “ainda hoje

estarás comigo no paraíso”; logo, há uma extinção momentânea do pecado e

suas consequências.

Mas convém notar que aqui se trata de uma verdadeira e radical “conversão”

ou, como diz tão maravilhosamente, o texto grego, em casos análogos, uma

“metanoia”, vocábulo que significa literalmente uma “transmentalização”

(metánous). Quem consegue transpor a sua antiga mentalidade “ego” e entra

na nova zona do “EU”, converte-se, faz do seu “homem velho” um “homem

novo”, uma “nova criatura em Cristo”, um “homem cósmico”. Não se trata aqui

de um simples arrependimento, mas de uma verdadeira conversão; Judas

também se arrependeu, mas não se converteu. O arrependimento é algo

negativo, uma detestação do mal cometido; a conversão é algo positivo, a

prática sincera do bem.

O ladrão na cruz, além de se arrepender, também se converteu, professando

firme convicção na existência de um grandioso mundo divino: “Jesus, lembra-te

de mim quando entrares no teu reino”.

A nossa educação tradicional tem de abandonar as superfícies periféricas do

homem e descer aos abismos do seu verdadeiro centro, onde brotam as fontes

eternas da vida, saúde e felicidade.

Page 47: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ADORAÇÃO, SERVIÇO E SOFRIMENTO

O homem espiritualmente adulto é o único homem capaz de ser um verdadeiro

educador, porque só ele é plenamente educado.

Como conseguir essa adultez espiritual?

Três coisas são necessárias e suficientes – adoração, serviço e sofrimento.

Da parte do educador, vêm os dois primeiros elementos, que são completados

pelo terceiro, que vem dos outros ou do ambiente.

A adoração se dirige a Deus, o serviço visa os homens.

Adoração é a mais alta forma de amor místico, que o homem alcança mediante

uma intensa e diuturna meditação ou contemplação do seu centro divino, e

subsequente sintonização da sua vida com essa experiência.

Não raro, depois de entrar em contato com o seu centro divino, sente o homem

a vontade de se isolar da sociedade humana e retirar-se a algum recanto

silencioso, a sós com sua alma e com Deus. E convém mesmo que se isole,

temporariamente, do mundo, a fim de intensificar a sua união com Deus. Mais

tarde, porém, quando devidamente consolidado nessa mística adoração de

Deus, ponha a sua experiência divina a serviço dos homens. O homem que, de

fato, entrou na zona da divindade, deixa de ser água contaminável e torna-se

“luz do mundo”, incontaminável; pode voltar ao meio dos profanos sem se

tornar profano, conviver com os impuros sem se tornar impuro.

Daí por diante, sirva, espontânea e jubilosamente, aos homens, porque esse

serviço desinteressado é a melhor medicina profilática para se preservar dos

perigos da mística solitária. Só pode ser solidário com os homens quem souber

ser solitário com Deus. A mística solitária, quando prolongada e procurada

como fim em si mesma, tem algo de inebriante e sedutor; é uma fascinante

torre de marfim onde o homem antecipa o reino dos céus, como Simão Pedro

no Tabor, e sente vontade de “armar aqui a sua tenda”; mas essa mesma

delícia pode levar a uma perigosa infecção de luxúria espiritual.

A fim de se premunir contra essa infecção e adquirir definitiva imunidade, deve

o místico pôr a sua suave experiência com Deus a serviço da amarga

convivência com os homens; se conseguir realizar na vida prática 10% dos 100

da sua visão mística, está de parabéns! E esses 10% de mística dinâmica que

Page 48: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

passaram o teste da vida prática valem mais que os 100 de mística puramente

estática que não passaram por essa prova de fogo.

Disse-me um jovem entusiasta que iria procurar toda a espécie de sofrimentos

a fim de se realizar em Cristo; respondi-lhe que era desnecessário ir em busca

de sofrimentos, porque os outros homens se encarregariam disto com muito

prazer. Ninguém serve impunemente! Basta que alguém sirva

desinteressadamente a seus semelhantes para que estes façam cair sobre ele

um dilúvio de sofrimentos, sobretudo os que forem mais beneficiados pelos

serviços dele.

Esse serviço voluntário e desinteressado da parte do educador, completado

pelos sofrimentos por parte dos outros homens, é como o sol e a chuva de

verão, que fazem brotar, florir e frutificar as plantas.

Educador que não pratique a mística de uma intensa adoração de Deus e a

ética de um vasto e jubiloso serviço à humanidade não cria ambiente para um

sofrimento fecundo e redentor – e sem esse sofrimento à luz da adoração e do

serviço não há possibilidade para uma educação eficiente, porque faltam ao

educador as auras imponderáveis das quais depende, em última análise, todo

o efeito da educação. Não interessa ao educando o que o educador sabe, diz

ou faz – interessa unicamente o que ele é, embora o educando não tenha

consciência nítida desse elemento decisivo em seu educador. O que, em última

análise, prepara o ambiente na alma do educando é o “ser imponderável” da

realidade central do educador, e não o “dizer ponderável” das suas aparências

periféricas. Por isto, nenhum governo do mundo pode criar educadores – essa

tarefa sublime está reservada à própria alma do educador. Só ele pode fazer

da sua alma uma corda sonora, cujas vibrações despertem em outra alma as

mesmas notas de experiência dormentes.

“Ser bom” é a única possibilidade de contribuir para que outros sejam bons.

Adoração!...

Serviço!...

Sofrimento!...

Page 49: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

PARA EDUCAR – SER EDUCADO

O principal requisito para poder educar é ser educado. Ser educado significa,

na linguagem comum, ter bons modos, boas maneiras sociais. Mas não é este

o sentido real e último de ser educado; a própria filosofia o desmente. “Educar”,

como já lembramos, quer dizer “eduzir”, isto é, “conduzir para fora” (exducere,

educere).

Eduzir o quê?

Eduzir das profundezas da natureza humana algo que nela esteja contido e se

ache ainda em estado latente ou dormente; despertar na alma do educando

elementos positivos e bons e entregar a esses elementos o governo da vida.

Pois deve o educador saber que todo ser humano é um “universo”, isto é, uma

unidade (uni-) que se desdobra em diversidade (-verso). Existem na natureza

humana numerosas camadas ou potencialidades, desde as mais baixas até as

mais altas. Todo homem é um “microcosmo”, um pequeno cosmos, um

universo em miniatura. Todo ser humano, desde o momento da sua

concepção, é uma síntese condensada de toda essa epopéia multimilenar da

história da humanidade que a precedeu. Dentro de cada homem ecoam as

vozes de milhares e milhares de gerações humanas, e também infra-humanas,

que precederam o estado atual e da sua evolução.

Entretanto, seria erro gravíssimo supor que essas vozes sejam apenas brados

do subconsciente animal, vegetal e mineral do seu ego físico; também os ecos

do mundo superconsciente, fonte primária do subconsciente pré-histórico e do

consciente histórico, repercutem débeis ou fortes, através da natureza humana.

Todo homem é uma imensa mescla de luz e trevas, de elementos positivos e

negativos; nele cantam os anjos das alturas e gemem os demônios das

profundezas. Compete o educador eduzir e reforçar os elementos positivos e

reduzir e reprimir os elementos negativos.

O homem, filho da luz divina, é como o nosso planeta Terra, filho da luz solar.

A superfície da nossa terra é escura e fria; mas, com cada 30 metros de

profundidade, o calor aumenta por 1 grau. Na profundidade de 50 quilômetros,

a terra é incandescente; a 200 quilômetros, ela é luz solar radiante, sem

nenhuma consistência sólida.

Por fora, o homem é corpo material, sem nenhuma consciência divina.

Mas para dentro, na zona mental-emocional, há certo calor e um pouco de luz.

Page 50: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

No centro espiritual, na alma, o homem é luz da Luz, luz divina em forma

humana. Se ele consegue lucificar, pela força da luz central, a semiluz ou

escuridão periféricas, terá realizado o seu grande destino, e será intensamente

feliz.

Na camada externa da sua natureza, todo homem é egoísta, dominado pelo

instinto do egocentrismo biológico, como qualquer planta e animal (para não

falar do mineral, que também é egoísta a seu modo). É a lei fundamental de

todos os indivíduos, o grito da “conservação do indivíduo”, em virtude do qual

toda criatura procura afirmar a sua vida individual, mesmo à custa de todas as

outras vidas, se necessário for. É o egoísmo inconsciente de toda natureza

infra-humana.

No plano menos externo, o da inteligência, aparece esse egoísmo na forma

mais nítida e violenta de um egocentrismo consciente, dominado pelo intelecto.

Nessa zona calcula o homem os meios mais eficientes para afirmar a sua

existência individual e dar-lhe a maior expansão e garantia possível (der Wille

zur Macht, de Nietzche, a vontade do poder), que é uma potencialização da

“vontade de viver” (der Wille zum Leben) de Schopenhauer. A humanidade de

hoje se acha em grau avançado nesse plano do egoísmo intelectual.

De vez em quando surge, do seio dessa imensa massa de egoístas mentais

algum homem que se diz altruísta, e uns pouquíssimos dos que assim se

apelidam são realmente altruístas, enquanto a turbamulta dos outros se

contenta com hastear na fachada do edifício da sua vida a bandeira do

altruísmo, e à sombra da mesma continua a cultivar o seu velho egoísmo; são

os egoístas disfarçados, piores que os egoístas manifestos. Palavras como

“caridade” e “filantropia” são, hoje em dia, bandeiras clássicas para camuflar

vastas zonas de egoísmo. O altruísta pratica “ética”, em que ele vê o ápice da

perfeição humana, ao ponto de incluir o próprio Deus no rol dos seres éticos,

amigo dos seus amigos e inimigo dos seus inimigos.

Para além do altruísmo ético se alarga o campo quase ignoto do misticismo

espiritual. Os habitantes dessa zona ultrapassaram a concepção ética e

entraram no setor propriamente espiritual. Transcenderam o plano horizontal

da mente e invadiram afoitamente o universo vertical do espírito. O

espiritualista místico é essencialmente transcendente e dualista; traça nítida

linha divisória entre espírito e matéria, entre Deus e o homem; vê Deus como

algo totaliter aliter (totalmente diferente) de tudo que há no mundo; para ele,

Deus deixou de ser um super-homem, como ainda é para o ético

antropomorfista. É esta a zona clássica da fé (fé em sentido teológico). Os

hebreus da antiguidade, sob a chefia de Moisés, e os muçulmanos da

atualidade, sob o signo do islam (que quer dizer submissão), são formas típicas

desse espírito transcendente da fé num Deus distante, supremo ditador do

Page 51: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

homem e do mundo. Também as teologias eclesiásticas do Ocidente, romana e

protestante, professam o mesmo credo.

Pode o homem ultrapassar essa zona do misticismo espiritual?

A maior parte dos nossos místicos e espiritualistas não consegue transpor a

invisível fronteira; a sua espiritualidade é algo fora do mundo; para eles, o Deus

do mundo é eternamente incompatível com o mundo de Deus. De vez em

quando, porém, aparece um homem, raríssimo embora, que ultrapassa a

fronteira da espiritualidade mística e entra no campo da consciência cósmica,

onde a longínqua transcendência do Deus ausente se funde com a propínqua

imanência do Deus presente. Para esse pioneiro do Infinito no finito, do finito

no Infinito, Deus é a Lei, Luz, Vida, Inteligência, Razão, Espírito, Amor, a

Grande Presença; Deus é a alma de todo o Universo e de cada uma das suas

unidades individuais, porque tudo penetra e permeia como a íntima e única

essência de todas as coisas, sem se identificar com nenhuma delas.

O homem, nessas alturas da evolução, se sente como uma onda do grande

Oceano, como um raio do grande Sol, como uma vibração da grande Vida,

como um pensamento do grande Pensador, como um eco da grande Voz, que

é Deus, o Deus transcendente a tudo e imanente em tudo. Não se sente

separado do grande TODO, nem idêntico ao grande TODO; sente-se

intimamente unido, porém perfeitamente distinto desse TODO Universal. Vive

em si mesmo as pulsações da Vida Cósmica, e a Alma do Universo vibra em

cada átomo do seu ego individual.

***

Quando o homem atinge as alturas dessa experiência cósmica, é ele realmente

“educado”, porque “eduziu” das eternas profundezas da sua natureza humana

o que nela havia de mais real e dinâmico. Esse homem é um “auto-realizado”,

um “homem cósmico”, ou, no dizer de Paulo de Tarso, uma “nova criatura em

Cristo”.

E só daqui por diante é que ele pode funcionar como verdadeiro “educador” ou

“edutor”.

De que modo poderá ele comunicar a seus educandos a sua própria

experiência cósmica?

De forma alguma! Se o pudesse e fizesse, cometeria o maior contrabando do

universo, um pecado anticósmico, impingindo o reino dos céus àqueles que

não estão maduros para o receberem; seria o mesmo que introduzir para o

interior da “sala nupcial” uma daquelas cinco virgens tolas do Evangelho que

não estavam com suas lâmpadas acesas, por falta de óleo. Felizmente, não é

possível semelhante transferência. O professor transfere suas ideias a seus

Page 52: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

alunos, mas nenhum mestre espiritual pode transferir a sua experiência a seus

discípulos.

Para que serve, então, essa experiência cósmica do mestre?

Serve para preparar um ambiente propício dentro do qual o educando possa ter

a sua experiência individual. A experiência vem de dentro de cada um, assim

como a planta brota da semente viva; mas essa experiência não desperta se

não houver ambiente propício, assim com a semente viva não chega a brotar

em planta se não houver umidade terrestre e calor solar.

A tarefa do educador é, pois, a que seu nome indica, um “edutor”, um criador

de ambiente favorável para seus educandos. É, porém, da íntima natureza

dessa tarefa que ela só possa ser cumprida por alguém que possua dento de si

o ambiente que deseja criar em seus educandos. “Da abundância do coração é

que os lábios falam”. Não são as palavras do educador em si, mesmo

perfeitíssimas, que preparam o ambiente na alma do educando; mas são as

auras imponderáveis, os invisíveis fluidos cósmicos que acompanham as

palavras – são eles os criadores do ambiente favorável na alma dos outros.

Mas essas auras e esses fluidos não existem na alma do homem que não

tenha experiência própria da alma do Universo.

Diz o provérbio oriental “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”;

também se pode inverter o ditado e afirmar que, quando o mestre está pronto,

o discípulo aparece. Onde quer que haja um verdadeiro mestre aí aparecem

discípulos, porque a experiência cósmica cria em torno do mestre um “campo

magnético” que não conhece fronteiras, e todas as agulhas libertas de

impedimentos começam a oscilar rumo ao polo magnético que algures

apareça. Basta que haja alguém com suficiente experiência espiritual, e os

discípulos aparecerão, mesmo que o mestre nunca os chegue a conhecer

fisicamente, nem funde igreja, escola ou sociedade iniciática – o heliotropismo

das almas sensíveis não está condicionado a esses primitivos veículos.

Numa palavra: para que alguém possa ser um educador verdadeiro e eficiente

tem de ser, ele mesmo, plenamente educado, ecoando a Voz do Infinito,

refletindo a Luz do Universo em sua própria pessoa.

Só um homem plenamente auto-realizado é que pode ser um verdadeiro

educador.

Page 53: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

PASSANDO DA CONSCIÊNCIA EXTERNA

PARA A CONSCIÊNCIA INTERNA

As raízes do mal que o Brasil está sofrendo remontam ao ano 1500, entre nós,

e aos inícios do século IV, na Europa. O mal está no fato de quererem os

educadores do povo manter, em plena Era Atômica, um sistema ético e

pedagógico flagrantemente inadequado para os tempos atuais. Querem

manter, como ponto de referência, uma espécie de “consciência externa”,

heterônoma, baseada numa instituição hierárquica ou num livro. Obedecer a

essa instituição ou a esse livro é considerado bom, desobedecer é tachado de

mau.

Essa consciência exocrática, representada por uma hierarquia ou por um livro,

tinha a sua eficiência em tempos idos, quando a humanidade cristã via nessa

instituição ou nas páginas desse livro o eco da vontade de Deus, isto é,

verdade absoluta, sagrada, infalível. Deus falara à humanidade através de um

locutor plenipotenciário ou através de um livro infalível, em cujas páginas

falavam dezenas de embaixadores plenipotenciários da Divindade – e tudo

quanto esses ministros de Deus ordenavam ou proibiam era o próprio Deus

que o ordenava ou proibia.

Como era fácil, nesses tempos remotos, ser bom e encontrar o caminho da

salvação! Era só fechar os olhos e eclipsar a razão – e executar ordens...

Durante vários séculos funcionou sofrivelmente esse sistema de locutores de

Deus, em forma de um magistério infalível ou de um livro infalível. Funcionava,

porque a humanidade era espiritualmente infantil, não comera ainda do “fruto

da árvore do conhecimento”. O homem era incapaz de julgar por si mesmo, e

por isto aceitava, sem protesto nem dificuldade, essas mensagens de Deus à

humanidade, em que se sentia perfeitamente seguro.

Não é intenção nossa rejeitarmos esse estado de coisas como errado em si

mesmo – assim como não acusamos de errada a infância onde esse regime

prevalece e é normal. A criança não pode julgar por si mesma; deve confiar no

critério dos pais. Necessita, sobretudo, de segurança, e esta lhe vem de uma

obediência incondicional à autoridade paterna. Uma criança normal não sente

pruridos de liberdade e emancipação; a única coisa de que necessita para a

sua vida frágil é proteção e segurança.

Page 54: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O que rejeitamos é o fato de serem esses processos antigos aplicados

mecanicamente a uma humanidade que, internamente, ultrapassou aquela

ideologia, e tem o mesmo direito de se guiar por normas novas que a Idade

Média tinha de obedecer a métodos antigos. Querer que um homem pensante

do século 20 aceite, de olhos fechados e razão eclipsada, tudo quanto um

hierarca eclesiástico ou um livro papiráceo diga aos homens como sendo a

puríssima revelação de Deus, é tão absurdo como querer obrigar a um homem

adulto a nunca sair da casa paterna e nunca pensar e agir por conta própria,

mas tão-somente cumprir ordens de pai e mãe. A independência do homem

adulto é tão natural e necessária como natural e necessária foi a dependência

da criança.

Essa falsa ideologia nasce de uma falsa concepção da natureza humana.

Como se apenas uns poucos homens – o hierarca eclesiástico e os autores de

um livro – tivessem a possibilidade de entrarem em contato direto com Deus e

saberem, sem autoridade externa, a suprema verdade divina! Nós sabemos

que essa mesma faculdade é inalienável patrimônio de toda e qualquer criatura

humana.

Neste sentido escreve Mahatma Gandhi, nas páginas da sua auto-biografia

Minhas Experiências com a Verdade: “O único tirano que eu admito é a

silenciosa voz do meu interior” (still small voice), isto é, a consciência, que é o

eco da voz de Deus dentro do homem.

Nenhuma mensagem de Deus é recebida por um simples ser humano sem que

ela sofra diminuição em sua verdade e pureza, porquanto “o recebido está no

recipiente segundo o modo do recipiente”. O recipiente humano, porém é, por

via de regra, imperfeito, e por isto a revelação de Deus, por mais perfeita e

pura em si mesma, é recebida imperfeitamente e mesclada de impurezas.

Nenhum profeta, nenhum vidente que não seja 100% perfeito e puro pode

receber com 100% de pureza e perfeição a puríssima revelação de Deus; o

humano contenedor impuro contamina a pureza do conteúdo divino.

Acrescem outros fatores de contaminação. Sendo a inspiração divina um

fenômeno que se realiza no plano estritamente espiritual, é inevitável que a sua

manifestação verbal e mesmo a sua concepção mental sejam degradadas.

Toda e qualquer inspiração divina, antes de chegar ao conhecimento da

humanidade, já sofreu pelo menos duas deturpações: a deturpação mental e a

deturpação verbal dos seus veículos humanos. Analisar mentalmente e

exprimir verbalmente – oralmente ou por escrito – é deturpar inevitavelmente a

verdade e pureza da revelação divina – e isto sem a menor má-fé da parte do

recipiente humano, mas devido simplesmente à sua incapacidade físico-

mental.

E mesmo no caso que o recipiente da revelação divina seja de extraordinária

pureza e perfeição, como no caso de Jesus Cristo, quem garante a seus

Page 55: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

discípulos a capacidade de atingirem a verdade e pureza total das palavras do

Mestre? E através de quantos outros canais chegaram até nós essas palavras

dos grandes avatares?

***

Quer dizer que não temos nenhuma possibilidade e certeza de recebermos a

verdade em estado puro e genuíno?

Temos, sim, ou, pelo menos, podemos diminuir grandemente as probabilidades

da deturpação.

Existe dentro de cada um de nós uma “centelha divina” (por menos exata que

seja essa metáfora poética), uma faculdade ou corda viva que responde à voz

divina e lhe faz eco fiel – eco direto, silencioso, sem análise mental nem

expressão verbal. Esse eco de Deus no homem é a sua “consciência”. Não é o

homem-ego, o homem-persona, mas é Deus no homem. A consciência é

precisamente o que seu nome diz, uma “ciência com”, um saber-em-

companhia, uma noção em conjunto entre o finito do homem e o Infinito de

Deus. Das coisas humanas o homem tem apenas “ciência”, conhecimento

unilateral; das coisas divinas tem o homem “consciência”, conhecimento

bilateral. Quando a voz de Deus fala ao homem, e o homem faz eco a essa

voz, então surge a “consciência”, que é “a voz mais eco”, “chamamento e

resposta”, “raio solar e reflexo”.

Se a consciência fosse apenas a voz do ego humano, da persona, nunca seria

contrária aos nossos interesses humanos. Entretanto, é experiência geral que a

consciência pode opor-se diametralmente aos mais queridos ídolos e fetiches

do homem-ego; pode até exigir o que o homem tem de mais caro, a sua vida

física. O mártir sacrificando a vida para obedecer à consciência prova que a

consciência não é a voz da personalidade humana.

***

A voz da consciência é o supremo tribunal na vida humana; é o último ponto de

referência e centro de gravitação do pensar, falar e agir do homem. Para além

dessa fronteira não há outra. E o Absoluto, a zero-dimensão – é Deus no

homem.

É chegado o tempo para ultrapassarmos todas as normas de conduta fora de

nós e guiarmo-nos pela suprema e última norma de dentro.

Persiste sempre, nos inexperientes, a dúvida se essa voz da consciência é

menos falível que as normas externas, a hierarquia eclesiástica e os livros

inspirados; pois, não são cometidos tantos crimes “em nome da

consciência”?...

Page 56: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

A consciência é ponto último e seguro de referência só no caso em que o

homem não vise nenhum interesse pessoal, utilitário, nem para si nem para

seu grupo, em atender aos ditames da consciência.

Aqui se faz mister uma sinceridade conosco mesmos, sinceridade muito difícil,

porém possível.

Deve o homem robustecer cada vez mais, em si mesmo, essa voz silenciosa,

escutando-a diariamente, em profundo silêncio físico-mental, e acatar

carinhosamente a sua orientação. Quem não pratica regularmente essa

carinhosa e silenciosa auscultação da voz de Deus na alma não a perceberá,

no meio dos ruídos da vida, e não terá norma segura e suprema para os seus

atos.

Com a frequente e intensa auscultação da voz divina da consciência adquire o

homem crescente facilidade, e até amoroso entusiasmo, em ouvir e seguir essa

amiga invisível, evita o que reconhece como mau e pratica o que sabe ser bom

– e isto não com medo de algum castigo ou esperança de um prêmio, da parte

dos homens ou de Deus, mas unicamente porque sabe e sente que essa

obediência à voz de Deus nele é a suprema realização do seu próprio EU

eterno. A consciência não é outra coisa senão a própria Constituição Cósmica

do Universo, enquanto refletida ou ecoada na alma humana. Assim, o homem

sintonizando a sua vida individual com as vibrações da consciência, sintoniza-

se com a vida do Universo inteiro – e isto é ser bom e ser feliz.

Uma vez descoberta e saboreada essa fonte de suprema felicidade em um ser

bom, o homem nunca mais pode ser mau, porque ser mau equivaleria a perder

essa grande felicidade.

Destarte, cria o homem um centro de gravitação interno, que resiste vitorioso a

todos os embates de fora.

***

Objeta-se que essa sintonização do indivíduo com o Universo é dolorosa e

exige enormes sacrifícios, antes de se realizar. É verdade. Mas é precisamente

esse sacrifício e esse sofrimento preliminar que confere à felicidade a sua

suprema sagração e final beatitude. A felicidade atinge o seu zênite de gozo

depois de passar pelo nadir do sofrimento.

É neste sentido que o educador deve educar a si mesmo para que possa

apontar a seus educandos esse mesmo caminho – passando da consciência

externa do profano para a consciência interna do iniciado.

Page 57: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

DO CONSCIENTE FINITO PARA

O INCONSCIENTE INFINITO

A zona conhecida da nossa vida é o plano do consciente; mas, por detrás dele

se alargam, incomensuráveis, as profundezas do inconsciente, que melhor

chamaríamos o Incógnito. O consciente, ou Cógnito, assemelha-se à superfície

iluminada do mar, ao passo que o inconsciente ou incógnito é como o próprio

oceano nas suas misteriosas profundezas. O consciente é o pequeno “finito”,

menos de 1% do TODO – o inconsciente é o grande “Infinito”, mais de 99% da

nossa realidade.

Nos ignotos abismos do Inconsciente estamos em contato permanente com o

grande TODO do Universo; é a nossa vastíssima “zona cósmica”. E desses

abismos misteriosos emergem, sem cessar, as grandes forças da nossa vida,

forças tanto negativas como positivas.

É opinião geral dos inexperientes que o consciente seja o perfeito, o positivo, o

luminoso em nós, ao passo que o inconsciente seja o imperfeito, o negativo, o

tenebroso. Há também quem identifique o inconsciente com o mundo inferior

dos instintos cegos, ou então com os resíduos de um consciente que passou a

ser ex-consciente; acham que o inconsciente seja aquilo que, um dia, foi

consciente e depois desceu dessa superfície iluminada do ego para as

tenebrosas profundezas do sub-ego. Freud é, em grande parte, responsável

por esse erro, que, desde os primórdios do século passado, alastrou pela

humanidade.

Na realidade, porém, o chamado inconsciente, ou incógnito, é muito mais do

que a zona do instinto ou a “lata de lixo” do ex-consciente. É o grande TODO, o

imenso Oceano da Realidade que não foi atingido pela luz do nosso

consciente.

Quer dizer que o Inconsciente é treva, enquanto o Consciente é luz?

Se treva e luz fossem algo absoluto, seria fácil responder a essa pergunta; mas

treva e luz são conceitos relativos, e o ponto de referência é o homem. O que

para nós é luz, para outros pode ser treva, e vice-versa. O que a nossa retina

visual abrange normalmente é o pequenino segmento de vibrações que vão do

vermelho ao violeta. Para além do vermelho há o infravermelho, e para além do

violeta há o ultravioleta – e esses dois tipos de vibrações são, para nós, treva,

porque não afetam a nossa retina, e por isto não temos consciência da sua

Page 58: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

realidade e dos mundos existentes nessas dimensões. Real é, para nós,

somente aquilo que exerce impacto sobre os nossos nervos e, deste modo,

afeta o nosso consciente; o que não atinge o nosso consciente é, para nós

inexistente, embora para outros seres, de constituição diferente, seja existente,

real, enquanto o nosso “real” é para eles “irreal”. O “real” que nós conhecemos

não é o “real absoluto”, mas é “real relativo”.

A ciência provou, por exemplo, que, para além do violeta, que é a extrema

fronteira de nossa perceptibilidade, existem ainda mais de 20 trilhões de outras

vibrações que a nossa retina não percebe, por serem demasiadamente

intensas. São treva – por excesso de luz! Quer dizer que pode haver treva por

duas razões: ou por falta ou por excesso de vibrações. Uma luz negativa é,

para nossa retina, treva; luz semipositiva é luz perceptível, e luz plenipositiva

também é treva. Quem fitasse em cheio o globo solar não veria luz alguma,

mas teria a impressão de estar diante de uma grande escuridão; mas quando o

homem contempla luz solar menos forte, dispersa e difusa, tem a impressão de

luz, porque sua retina não sucumbe à intensidade das vibrações. Uma ave

noturna, voando em pleno meio-dia, não enxerga nada, mas de noite enxerga

perfeitamente.

O chamado Inconsciente pode tanto corresponder ao infra-vermelho (baixa

vibração) como também ao ultravioleta (alta-vibração). O inconsciente é, de

fato, o infinito abaixo e o infinito acima de nós; aquilo que representa um menos

e aquilo que representa um mais, considerado do ponto de vista da nossa

atitude humana; pode ser um subconsciente e pode ser também um

superconsciente.

***

Ora, na zona do nosso pequeno Consciente vigoram os motivos de agir por nós

conhecidos e acima especificados: somos bons e deixamos de ser maus, com

medo de certas sanções – lei, polícia, cadeia, multa; céu, inferno – mas, se

penetrássemos no grande inconsciente do Universo, que está tanto dentro

como fora de nós, descobriríamos uma Constituição Cósmica cujos imperativos

têm caráter absoluto, eterno, universal. Nessa zona, não somos bons pela

esperança de algum prêmio fora de nós, nem deixamos de ser maus com

medo de algum castigo vindo de fora de nós. Nessa zona começa o homem a

ser bom pelo fato de ser esta a sua verdadeira natureza, e a natureza do

próprio Universo; aqui, o homem é bom por ser esta a voz da Harmonia

Universal. Encontra a razão última de ser bom dentro si mesmo. Ele é bom por

ser esta a voz da sua natureza ou consciência, e, ainda que não houvesse lei

nem polícia, nem céu nem inferno, esse homem continuaria a ser bom da

mesma forma, uma vez que o motivo de ele ser bom não é algo fora dele, algo

heterônomo e heterogêneo à sua íntima natureza – é ele mesmo, o seu divino

EU SOU.

Page 59: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O homem que atinge essas alturas da bondade imanente entra no regime da

“cosmocracia”, isto é, ele é governado pelas mesmas leis eternas que regem o

cosmos de fora. O seu cosmos de dentro se chama “consciência”, que é o eco

fiel do cosmos de fora chamado “Universo”.

O homem cosmocrático não aboliu a autoridade – transferiu a autoridade de

fora para dentro; passou da exocracia (governo de fora) para a endocracia

(governo de dentro), e por isto pode dispensar qualquer governo de fora.

O homem cosmocrático é um homem “anárquico”, não no sentido comum do

termo, de não aceitar governo algum, mas no sentido de não necessitar de um

governo externo, por ter criado um governo interno mil vezes melhor do que

todos os governos externos. Seria um “anarquista cósmico”, e não um

“anarquista caótico”. Mas... tão grande verdade só serve aos esotéricos.

O educador que se educou a si mesmo para essa cosmocracia é o único

homem capaz de ser educador para outros. O homem cosmocrático cuja

consciência entrou em perfeita sintonia com o supremo imperativo do Universo

é um homem remido, um homem integral, um homem cósmico – e pode

apontar o caminho certo a seus semelhantes.

Page 60: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

FAZER GRANDEMENTE AS

COISAS PEQUENAS

Quem teve a paciência e intrepidez de nos seguir até aqui deve ter percebido

que o educador genuíno deve ser um verdadeiro iniciado. Só um verdadeiro

iniciado é que pode ser um educador genuíno.

Vivemos numa época em que, graças à invasão da filosofia Oriental em vastas

zonas do Ocidente, milhares de pessoas desejam ser iniciadas, e milhares se

têm em conta de iniciadas – quando, na realidade, são pouquíssimos os

verdadeiros iniciados.

Quase todos entendem que a iniciação consista num determinado rito

esotérico, cuja aplicação transfira o profano, automaticamente, para dentro de

um novo mundo, fazendo dele um iniciado, da noite para o dia. Confundem

certas técnicas externas com a realidade interna.

***

Certo dia, foram ter com Mahatma Gandhi dois homens e lhe pediram que os

iniciasse. O grande mestre da Índia aceitou-os no seu asham, e logo os

encarregou de varrerem o pátio coberto de folhas secas. Depois disto mandou

a um dos dois candidatos à iniciação descascar batatas para o almoço,

enquanto o outro teve ordem de rachar lenha para acender o fogo. Depois do

meio-dia enviou os dois para uma aldeia vizinha fazer limpeza nas instalações

sanitárias.

E assim por diversos dias.

Os dois iniciados esperavam a cada momento que Gandhi os convidasse,

finalmente, para a suspirada cerimônia de iniciação espiritual; esperavam,

talvez, que se fechasse com eles numa salinha misteriosamente iluminada,

com o ambiente impregnado de perfume de incenso e, ao som de melodias

sacras e fórmulas mágicas, lhes conferisse poderes extraordinários. Nada

disto, porém, aconteceu.

Finalmente, os dois iniciados perderam a paciência e perguntaram ao Mahatma

Gandhi quando começaria o rito sagrado da iniciação.

– Já começou – respondeu Gandhi –, falta apenas uma coisa.

Page 61: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

– Que é que falta? – perguntou um dos dois, cheios de esperança de ver

chegado o momento solene. O Mahatma, porém, lhes respondeu calmamente:

– Falta apenas que os senhores façam com espontânea alegria e entusiasmo o

que até agora fizeram a contragosto e compulsoriamente. Nada mais falta...

No mesmo dia, os dois abandonaram o ashram, decepcionados, e,

provavelmente, foram contar aos amigos, lá fora, que Gandhi nada entendia de

iniciação espiritual, tanto assim que os mandou varrer lixo, descascar batatas,

rachar lenha, limpar privadas, etc.

***

Educar é eduzir, conduzir para fora da alma do educando, despertar e

desenvolver o que nele existe de positivo e de bom, e não eduzir nem

despertar o que nele há de negativo e mau.

O educador, repetimos, é um “edutor”. Realizar essa “edução” dos elementos

positivos e bons é a mais difícil e sublime de todas as ciências e artes. A

natureza humana é um misto de luz e trevas, de grandeza e miséria; todo

homem é um anjo e um diabo em potência. É arte delicadíssima saber exprimir

o que no educando há de bom, e reprimir o que nele há de mau.

E, como toda arte consiste numa síntese de técnicas e de inspiração, assim

também a arte suprema da educação. O grande escultor francês Auguste

Rodin disse, um dia, a seus alunos, num atelier de Paris: “Apoderai-vos das

técnicas da vossa arte; e depois esquecei-as todas e cedei à inspiração!” As

técnicas são o corpo, a inspiração é a alma da arte; esta se exprime através

daquele.

Não basta que o educado reconheça as técnicas educacionais, porque essas

técnicas são apenas o corpo – e um corpo sem alma é um cadáver. É

necessário que ele também tenha inspiração, que nele haja o espírito (inspirar

quer dizer: estar no espírito), a alma da educação. Essa alma, porém, é a alma

do próprio educador, que deve animar as técnicas, assim como a alma humana

anima o corpo e lhe dá vida e vigor.

As técnicas se referem ao que o educador tem – a inspiração reflete aquilo que

ele mesmo é.

Todo educador deseja fazer coisa grande. Mas o fato é que todas as coisas

grandes consistem em coisas pequenas, por vezes pequeninas e

pequeníssimas. Quem espera realizar coisas grandes em sua vida, talvez

espera a vida inteira sem nada descobrir de grande para realizar, e assim, de

tanto esperar pelas coisas grandes e extraordinárias, deixa de realizar as

coisas pequenas e ordinárias – e sua vida é uma falência...

Page 62: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Na realidade, nada de grande existe no mundo objetivo, das quantidades.

Coisa grande só existe no mundo subjetivo, da qualidade. Fazer grandemente

as coisas pequenas de cada dia, é a única possibilidade de realizar coisa

grande, porque o objeto reveste o colorido do sujeito que o realiza. Todo objeto

em si é neutro, incolor, amorfo; não é bom nem mau, eticamente; não é

pequeno nem grande, porque essa designação é bitolada do ponto de vista do

homem.

Toda grandeza ou pequenez é um produto do sujeito que pratica os respectivos

atos. A grandeza ou pequenez está na atitude, na intenção, na qualidade

interna de quem pratica o ato. Varrer as ruas ou rachar lenha não é, de per si,

coisa menor do que governar um país ou cristianizar um povo.

Quem faz com grandeza de alma uma coisa qualquer é grande; quem faz com

pequenez de alma essa mesma coisa é pequeno.

Quando os dois iniciados da Índia fizeram a contragosto as coisas corriqueiras

de que Gandhi os incumbiu, fizeram coisa pequena; se tivessem feito com

amor e entusiasmo essas mesmas coisas, teriam feito coisa grande.

Se o educador é grande na sua atitude interna, grande será a sua obra

educacional; do contrário será pequena.

Educar-se a si mesmo para a verdadeira grandeza, que é amor e benevolência,

é o requisito número um para o verdadeiro educador.

Ser ele mesmo, plenamente, assim como ele desejaria ver o seu educando –

isto vale mais que todas as técnicas e valoriza essas próprias técnicas.

Page 63: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

DA PEDAGOGIA À FILOSOFIA

Já deve o leitor ter percebido que, neste estudo sobre novos rumos para a

educação, estamos ultrapassando a moldura habitual de um tratado de

pedagogia educacional e invadindo afoitamente os domínios da filosofia e da

mais remontada metafísica. E nenhuma educação real é possível sem que

atinjamos as últimas raízes da natureza humana.

Podemos, sim, persuadir o educando a que faça isto ou deixe de fazer aquilo –

mas persuasão não é convicção, e sem verdadeira convicção não há

verdadeira educação.

Verdade é que o educador não pode nem deve transmitir ao educando todas

as grandes verdades sobre a natureza humana – mas o certo é que ele mesmo

deve possuir pleno conhecimento e profunda experiência das bases

metafísicas e místicas da pedagogia educacional. Para que o mestre possa

transmitir eficazmente 10% ao discípulo, deve ele mesmo possuir 100% de

conhecimentos e, sobretudo, de experiência própria; os restantes 90% não

transmissíveis atuam como “capital de reserva” para garantir os 10% postos em

circulação. Quem possui apenas os 10% que tem de transmitir, corre risco

iminente de “falência”, porque dentro em breve se sentirá esgotado. “Quem é

mestre no reino de Deus”, disse Jesus, “tira do tesouro do seu coração coisas

novas e coisas velhas”.

Quando o Nazareno falava, dizia o povo, assombrado: “Esse homem fala como

nunca ninguém falou; fala com poder e autoridade, e não como nossos

escribas e sacerdotes”. Que é que o povo quer dizer com essa expressão

“poder e autoridade”? Humanamente falando, Jesus não tinha “poder” algum,

nem militar, nem político, nem financeiro; qual, pois, o alicerce da sua

“autoridade”?

A impressão de “poder e autoridade” que os ouvintes sentiam irresistivelmente

provinha da profunda e vasta experiência do divino Mestre. Ele sabia e

saboreava, por experiência íntima e vivência integral, o que dizia ao povo. As

palavras não lhe vinham da flor dos lábios nem de simples especulações

cerebrais. O pouco que o Nazareno dizia ao povo, por dizível, era como que

um eco longínquo do muito que não lhe podia dizer, por indizível; era como

umas gotas lançadas à praia do oceano imenso da sua sabedoria experiencial.

O mar profundo e vasto do seu “ser” era a garantia dessas pequenas gotas do

seu “dizer”. O povo ouvia o pouco que ele externava em palavras, e adivinhava

o muito que recatava nas profundezas de sua alma. E era precisamente esse

Page 64: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

“muito”, esse “indizível” que cingia o “pouco”, o “dizível”, como de um halo de

mistério, de “poder e autoridade”.

Porquanto, a verdade é esta: não impressionamos os homens pelo que

dizemos ou fazemos, mas sim pelo que somos. Esse “somos” se refere ao

nosso contato vital com o Infinito, o Eterno, o grande TODO, Deus. Esse “ser

alguém” satura de poder e autoridade o nosso “fazer algo”. Não basta fazer

algo, por muito que seja esse “algo”, quando não somos “alguém”. Mas homem

algum é “alguém” sem uma profunda experiência mística revelada em vasta

vivência ética. Essa profunda vertical da experiência mística revelada na vasta

horizontal da vivência ética perfaz o “homem cósmico”, ou o “homem crístico”

em toda a sua plenitude.

E só um homem cósmico ou crístico é que pode ser um educador genuíno e

autêntico, porque só ele pode falar das profundezas do seu ser; e essa

plenitude do seu grande “ser” é que acorda poderosos ecos nas profundezas

das alma que o ouvem e o veem. O homem que é alguém, graças a seu

contato com o Infinito, não necessita de falar muito nem de fazer muito; o seu

próprio “ser”, embora totalmente silencioso e anônimo, é que produz grandes

efeitos, porque põe em vibração as cordas íntimas do “ser” que existem nas

profundezas das outras almas.

De maneira que o educador, para dar peso e impacto certeiro às suas palavras,

tem de criar e manter por detrás desses símbolos verbais o grande simbolizado

real, que consiste no seu contato com a Vida Universal do Cosmos, a Alma do

Universo, o Espírito invisível que permeia todas as coisas visíveis.

Sem essa experiência cósmica, ultramística, não pode haver educador

eficiente; porque, em última análise, não interessa a nenhum dos meus

educandos o que eu sei, mas tão-somente o que eu sou. (O verdadeiro saber é

idêntico ao ser, mas, na linguagem comum, saber é apenas um conhecer

intelectual, e é neste sentido que negamos a eficácia do saber, do saber

puramente intelectual, analítico, horizontal).

Nenhum educador, nenhum homem que não se tenha identificado vitalmente

com a vida do Universo pode falar com poder e autoridade, porque só esse

contato é que dá às suas palavras o peso e o impacto decisivos. O resto é

ruído vazio, deslumbrante vacuidade, fogo de artifício, teatro de fantoches.

Com efeito, o educador comum, sem essa experiência, é um fantoche, um

boneco de engonços a agitar-se no palco, manipulado por cordéis alheios a

seu próprio ser. Pode ser divertido contemplar esse teatro de fantoches, mas

ninguém está disposto a fazer sacrifícios e abrir mão de certos ídolos e fetiches

queridos por amor a esses bonecos.

Page 65: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

PRECISA-SE DE UM

EDUCADOR!

O problema máximo e mais doloroso, no setor educacional, não é o educando,

mas sim o educador. Não temos educadores educados no espírito da verdade

libertadora. E os poucos educadores verdadeiros que existem não têm

projeção pública, porque as suas idéias, por demais avançadas, seriam

consideradas obsoletas e retrógradas. É que a evolução caminha com passos

mínimos em espaços máximos.

Antes de tudo, o educador comum considera o seu trabalho como uma

profissão, como outra qualquer, quando devia ser um puro ideal, um sagrado

apostolado.

Entretanto, o maior dos males é este: não temos educadores que possuam

suficiente experiência própria para poderem servir de diretores aos outros. Não

basta ter lido ou ouvido a verdade; não basta professar teorias certas sobre a

verdade. Quem não viveu e sofreu e saboreou a Verdade, em toda a sua

plenitude, amplitude e profundidade, esse não pode ser educador eficiente,

porque não é suficientemente educado.

Só pode conduzir os homens quem é conduzido por Deus.

Quem não é conduzido por Deus é condutor cego conduzindo outros cegos.

Pouco ou nada interessa ao educando quanto o educador leu, ouviu, estudou

ou decorou. Nada disto exerce impacto real sobre ele. O educando só é

atingido e movido interiormente por algo imponderável, porém intensamente

real e dinâmico, algo que o educador tenha experimentado, dolorosa e

jubilosamente, dentro de si mesmo, algo pelo qual ele possa viver

gloriosamente e morrer tranquilamente.

Quem nunca esteve sofrido de Deus e sofrido de si mesmo não é educador

idôneo. A educação tem que ver muito mais com o que o educador é do que

com aquilo que ele faz ou diz.

O educador não é um simples professor que transmita ideias a seus alunos – é

um verdadeiro mestre que vive tão intensamente a verdade que seus

discípulos se sintam irresistivelmente contagiados por essas poderosas auras.

Pode o professor fazer algo para seus alunos – mas só o mestre é que é muito

para seus discípulos.

Page 66: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O íntimo ser é incomparavelmente mais poderoso do que todo o externo fazer.

Quem é realmente bom, pelo contato direto com o Infinito, nunca deixará de

fazer muito pelos outros, embora não diga muito daquilo que viveu e sofreu

nesse caminho de ser bom.

***

E com isto chegamos à conclusão de que o verdadeiro educador deve ser um

mestre na experiencial verdade sobre si mesmo e na vivência integral dessa

verdade.

A experiência mística da verdade revelada em vivência ética é, em última

análise, o programa total do educador. Ser bom é o único meio eficaz para

fazer bem.

Por onde se vê que que o problema educacional não é, a bem dizer, um

problema do governo, mas um problema de evolução individual e de alguma

organização sagrada que crie ambiente favorável para essa evolução interna.

Nenhum governo do mundo pode decretar que eu seja bom.

Nenhuma banca examinadora pode verificar e atestar se eu sou bom educador,

porque não tem ingresso no meu foro íntimo.

O educador deve fazer de si mesmo um homem plenamente “realizado”, deve

ser um pleni-homem, um homem cósmico.

A pedagogia educacional tem raízes na mais profunda metafísica do homem e

sua afinidade com o Infinito.

Onde estão esses homens cósmicos? esses homens plenamente realizados?...

Page 67: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE

Educar é, antes de tudo, uma atitude de servir. Mas, como o nosso velho ego

só quer ser servido e tem horror ao servir, é indispensável que o educador

ultrapasse esse velho ego e descubra o novo EU.

Certo dia, refere o Evangelho, estavam os discípulos de Jesus discutindo entre

si sobre quem deles era o maior no reino dos céus; e cada um fazia valer os

seus pretensos direitos à primeira grandeza. Então lhes disse o divino Mestre:

“Os reis e príncipes deste mundo dominam sobre seus súditos e por isto são

chamados grandes; convosco, porém, não há de ser assim, mas, aquele dentre

vós que quiser ser grande seja o servidor de todos”.

É esta a nova filosofia crística da grandeza pelo servir, suplantando a velha

política luciférica da grandeza por ser servido. Para o nosso ego profano, servir

é inferioridade, ao passo que ser servido é superioridade. Os grandes mestres

da humanidade, porém, são unânimes em proclamar a sabedoria cósmica de

que a verdadeira grandeza consiste em servir, espontânea e jubilosamente,

sem nenhuma esperança de retribuição, gratidão ou reconhecimentos da parte

dos homens.

Ninguém pode ser verdadeiro educador se não criar dentro de si um clima

permanente de querer servir.

Entretanto, não se esqueça ele de que essa permanente atitude de querer

servir, voluntária e gratuitamente, cria infalivelmente o pólo contrário do

sofrimento. Por mais estranho e paradoxal que pareça, a grande verdade é

esta: NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE!

Serviço produz sofrimento.

Benefício produz ingratidão!

Isto é psicologicamente explicável. O beneficiado cedo ou tarde, se sentirá

humilhado pelo benfeitor; sente algo como inferioridade em si, e algo como

superioridade no outro. E esse senso de humilhação e inferioridade se revela,

algum dia, em forma de ingratidão e de revolta.

O mesmo acontece com o serviço espontâneo: produz sofrimento.

Mas esse sofrimento é a melhor medicina profilática para manter o servidor

numa permanente atitude de humildade e pureza e preservá-lo do orgulho e da

vanglória, de que sofria aquele fariseu no templo de Jerusalém que agradecia a

Page 68: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Deus por não ser “como o resto dos homens, ladrões, injustos, e adúlteros”, ele

que “jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de todos os seus

haveres”.

Homem! no dia e na hora em que conseguires libertar-te do derradeiro

resquício do desejo impuro da gratidão ou dos resultados externos dos teus

trabalhos – nesse dia e nessa hora serás livre e liberto de toda a escravidão, e

sentirás em ti uma alegria tão grande, uma beatitude tão profunda que, em face

de tamanha felicidade, se eclipsarão as mais deslumbrantes glórias e as mais

fascinantes alegrias que o mundo oferece a seus servidores.

E então, e só então, compreenderás o que é ser educador, redentor de seres

humanos que necessitam de redenção.

E serás realmente feliz – porque só procuraste a felicidade dos outros.

Quem quiser ganhar a felicidade perdê-la-á – mas quem perder a sua

felicidade por causa da felicidade dos outros, esse a ganhará!

É justo que o servidor sofra, e, como o maior dos serviços é o da educação, é

natural que o educador sofra muito.

Ninguém serve impunemente!

Ninguém educa impunemente!

É esta a sabedoria dos séculos e milênios:

Educador, educadora! Presta a teus semelhantes todos os serviços de que és

capaz, gratuitamente, espontaneamente, jubilosamente – mas não esperes

gratidão, aplausos, reconhecimento, nem jamais permitas que em ti nasça o

sentimento de seres um herói, uma pessoa virtuosa, qualquer espécie de elite,

de exceção ou de “super”. “Quando tiveres feito tudo que devias fazer, dize:

Sou servo inútil; cumpri apenas a minha obrigação; nenhuma recompensa

mereço por isto” (Jesus, o Cristo).

Se em ti conseguires criar e manter essa atmosfera de perfeita despretensão,

serás ótimo educador, maravilhosa educadora – mas não te delicies nisto! A

beleza só é verdadeiramente bela quando totalmente ignorada; no momento

em que ela é contemplada complacentemente perdeu o mais delicado dos seus

encantos...

Liberta-se definitivamente do desejo impuro da justiça, da gratidão, do

reconhecimento. No dia e na hora em que fizeres algo com o secreto desejo de

seres admirado ou aplaudido, estás perdido! Porque nesse momento és vítima

do egoísmo – do pior dos egoísmos, que é aquele que aparece em roupagens

do altruísmo.

Page 69: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Trabalha intensamente, mas renuncia a cada momento aos frutos do teu

trabalho! No dia e na hora em que esperares resultados palpáveis dos teus

trabalhos, ou te entristeceres por falta desses resultados, estás perdido, porque

cedeste ao egoísmo!

Seja o único motivo dos teus trabalhos o amor, a alegria, o entusiasmo, a

puríssima e divinal consciência de seres cooperador de Deus na construção do

mundo e na redenção da humanidade. Não te preocupes jamais com os

resultados palpáveis dos teus trabalhos, porque esses mesmos trabalhos

realizados com o máximo de perfeição e alegria são o verdadeiro resultado;

esperar prêmio posterior, fora do próprio trabalho, é espírito mercenário e

analfabetismo espiritual. És cooperador de Deus na criação do mundo e na

redenção do homem – não será isto recompensa suficiente? Para que

necessitas tu de uma recompensa adicional, extemporânea, alheia ao próprio

trabalho prestado? Deixa de ser tão pueril e torna-te, finalmente, adulto!

Page 70: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

SEGUNDA PARTE

EDUCAÇÃO SOCIAL

Page 71: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

RUMO À

COSMOCRACIA MUNDIAL

As democracias do século XX, salvo raras exceções, estão agonizantes. Quase

todas ainda sobrevivem graças a constantes injeções. Perderam a sua

vitalidade interna, e isto não por causa dos maus democratas que constituem

essas democracias, como certos “médicos” diagnosticam, mas em virtude de

um mal intrínseco, inseparável desses regimes. É de praxe dizer que a

democracia em si é boa, mas que os homens são maus; se os democratas

fossem tão bons como as democracias, dizem, tudo iria às mil maravilhas.

Não é exato. O próprio conceito da democracia envolve um germe de

dissolução. E por isto não bastam remédios e injeções, paliativos e

cataplasmas de espécie alguma para evitar a sucessiva decadência das

democracias – é necessário abandonar o próprio conceito da democracia e

abraçar uma concepção totalmente diversa, que, na sequência destas linhas,

chamaremos “cosmocracia”. Não basta medicar os efeitos da doença – é

necessário ir à própria causa do mal. Aquilo é charlatanismo superficial, isto é

cura radical...

Cometemos o erro de querer perpetuar o velho conceito democrático, quando a

humanidade dos nossos dias, pelo menos a humanidade-elite, já ultrapassou o

estágio evolutivo que preconizava o regime democrático como ideal e definitivo.

Esse obsoleto anacronismo cria no homem do século XX uma tensão e uma

atmosfera de insegurança e mal-estar; por um lado, quer ele crer no poder

salvífico da democracia, que se lhe tornou palavra sagrada – por outro lado,

despertou nele uma nova consciência que lhe segreda, com crescente nitidez e

insistência, que existe um regime ultra-democrático e que os melhores dentre

nós estão maduros para compreender e viver esse novo regime adaptável ao

estado atual da natureza do indivíduo humano.

A nossa Constituição proíbe abolir o regime vigente por meios violentos – e

nós, obedientes à lei, não pregamos revolução destruidora –, proclamamos,

porém, uma evolução construtora, e, para que possamos construir, algo tem de

ser destruído, não por violência física, mas por compreensão metafísica. Não

há maior poder que o do pensamento, quando baseado na verdade. Mahatma

Gandhi libertou a Índia da prepotência do império britânico, mas não derramou

nem permitiu a seus patrícios que derramassem uma única gota de sangue

humano; com meio século de ofensiva espiritual, Mahatma derrubou a

Page 72: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

defensiva material do Commonwealth e libertou mais de 400 milhões de

indianos – fato único e inédito na história da humanidade.

É necessário vitalizar o organismo decrépito da democracia com o novo

espírito da cosmocracia.

Page 73: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

MONOCRACIA

Todo indivíduo humano, graças à sua própria natureza, é, no princípio,

monocrático, quer dizer, governado por um indivíduo fora dele. Essa

monocracia é, portanto, uma “alocracia” ou “exocracia”, um governo de outrem,

um regime de fora. Toda criança é alocrática, porque governado por um

indivíduo distinto dela, que são, geralmente, os pais. Essa monocracia

alocrática é natural para a criança. No princípio, o governado e o governante

são pessoas diferentes, porque o governado não está ainda em condições de

se governar a si mesmo, não pode ser ainda um auto-governado, por isto tem

de ser um alo-governado. Para o ser humano infantil o único regime certo é

alocracia, não autocracia. A autonomia da criança é mínima ou nula, por isto a

sua heteronomia tem de ser máxima ou total. O lema do Estado de São Paulo

duco, non ducor (conduzo, não sou conduzido) não serve para a criança, que

só pode adotar a legenda ducor, nun duco.

Essa heteronomia infantil, que exige alocracia, lhe garante a necessária

segurança, ambiente indispensável para a infância. Nenhuma criança normal

reclama liberdade, sente-se bem numa atmosfera de segurança, o mais

imperioso elemento vital da sua existência. A liberdade é autocrática, a

segurança é alocrática. Nesse período da vida, são incompatíveis a liberdade e

a segurança, porque a liberdade gera insegurança, e a segurança é adversa à

liberdade. Por ora, o problema é “ou – ou”, ou segurança sem liberdade, ou

liberdade sem segurança. E, como o elemento fundamental da vida incipiente é

segurança, a criança sente instintivamente que a autoridade paterna e materna

lhe garante esse elemento, e aceita espontaneamente essa autoridade.

Nenhuma criança normal se sente escravizada pelo fato de ter de obedecer a

ordens vindas de fora. Essa alocracia lhe é algo inteiramente natural; uma

autocracia prematura poria em perigo a sua segurança e sua própria

existência.

***

O que acontece no plano individual tem o seu perfeito paralelo no plano social.

Os povos primitivos são naturalmente alocráticos, ou seja exocráticos,

governado por outrem, de fora, porque a sua vida social é algo infantil, incapaz

de autocracia ou endocracia. Em cada tribo existe sempre uma pessoa de mais

experiência e critério, a qual, por direito natural, é considerada como “governo”;

geralmente, é o homem mais idoso da tribo ou do clã, o “pai dos pais” ou

“patriarca”, por vezes também a “matriarca”, a “mãe das mães”.

Page 74: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O patriarcado ou matriarcado representam a monocracia em sua forma mais

simples e primitiva. A segurança da tribo repousa na voluntária obediência dos

súditos ao superior.

Fenômeno análogo se dá no plano espiritual dos povos. Os povos de

espiritualidade primitiva professam monocracia alocrática, ou seja exocracia

heterônoma. Uma pessoa considerada como excepcionalmente espiritual é

reconhecida como chefe religioso da comunidade, e suas palavras são

acatadas como ecos da divindade; por vezes essa pessoa chega a ser

identificada com a própria divindade, ou é considerada embaixador

plenipotenciário e único de Deus, tão infalível como este mesmo. O dogma da

infalibilidade doutrinária do chefe espiritual é a última palavra em matéria de

heteronomia religiosa e garante aos crentes o máximo de segurança espiritual.

Uma vez que o homem se convença de que o chefe espiritual da sua igreja é

infalível, está solucionado o problema central da segurança e tranqüilidade

metafísica, cuja ausência tanto atormenta os outros. A dificuldade está apenas

em adquirir essa convicção integral, essa fé cega e incondicional na

infalibilidade do chefe; uma vez superada essa dificuldade e imposto silêncio a

todos os protestos e dúvidas em contrário, o resto vem automaticamente, como

a conclusão decorre logicamente das premissas. Por isto, é recomendável que

esse homem pense pouco e creia muito; o pensamento é a voz da liberdade,

que gera insegurança; a fé é a voz da obediência, que gera segurança.

O mundo espiritual é imensamente misterioso e incerto; raríssimos são os

homens capazes de se orientar com segurança nessa noite. Aqui, o duco é

impossível para a maior parte, enquanto o ducor é de imperiosa necessidade.

Entre um milhão de homens dificilmente haverá um que seja capaz de se

orientar por si mesmo nas regiões do mundo espiritual; por isto, necessita de

alguém que tenha mais experiência do que ele e no qual ele tenha confiança

incondicional. Fechar os olhos, não pensar, crer e confiar – é esta a atitude

capaz de dar segurança e tranquilidade espiritual à maioria dos homens do

nosso tempo. Milhares e milhões daqueles que alegam não necessitar dessa

heteronomia e heterocracia iludem-se a si mesmos, ou por não terem ainda

atingido a misteriosa fronteira do universo espiritual, ou pelo fato de criarem

uma segurança ilusória em lugar de uma certeza real.

No mundo espiritual, quase todo homem é exocrático, à exceção de uns

poucos místicos; necessita de um indivíduo humano que o conduza por essas

veredas incertas e lhes dê segurança no meio da insegurança. Em parte

alguma é tão necessária a confiança como no terreno espiritual.

Por isto, a exocracia é regra geral entre os homens religiosos; são exocráticos

mesmo os que não reconhecem uma pessoa humana como chefe, mas um

livro como norma de crer e agir, porque também eles buscam a segurança num

fator externo. Apenas uns poucos místicos verdadeiros, raríssimos, podem

Page 75: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

prescindir desse fator externo; eles ultrapassaram tanto a monocracia

alocrática como também a democracia egocrática – e entraram na zona

definitiva da cosmocracia.

Page 76: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

DEMOCRACIA

Até o fim da Idade Média, a quase totalidade da humanidade européia era

monocrática, tanto no terreno civil como religioso. A monocracia era

representada pelas monarquias – reinos e impérios – no terreno civil, e pelo

magistério eclesiástico, ou papa, no campo religioso.

Lá pelo fim do século XV chegou o tempo em que boa parte da humanidade

cristã devia cruzar a fronteira da infância para a adolescência. A longa e

tranqüila segurança foi perturbada pelos clamores da liberdade. O homem pós-

medieval, o homem da Renascença e da Reforma, sentiu em si o despertar da

sua personalidade, do seu ego intelectual e revolucionário. Esse ego via na

tradicional obediência a uma autoridade externa uma escravidão, uma injustiça,

uma usurpação, uma tirania. Procurou não somente corrigir os inegáveis

abusos da autoridade civil e religiosa, mas resolveu destruir a própria

autoridade como tal. Nenhuma exocracia, nenhuma heteronomia era tolerada!

E começou a grande luta contra trono e altar, campanha da qual a Revolução

Francesa não foi senão o símbolo externo, aurora sanguinolenta de uma nova

era evolutiva. Ruíram as monarquias, reinos e impérios. Os poucos monarcas

que permaneceram nos tronos da Europa passaram a simples figuras

decorativas, espécie de saudosas relíquias colocadas em lindos nichos, mas

sem influência decisiva na vida real dos povos.

No plano religioso, foi o mundo abalado pela “Reforma”, que substituiu a

heterocracia de um homem vivo e infalível pela heterocracia de um livro morto,

igualmente infalível. Não houve mudança radical no regime. A autoridade

espiritual continuou do lado de fora do homem. Um livro, morto e mudo, aceita

sem réplica qualquer interpretação individual, analítica, intelectual, carecendo,

por isto mesmo, de uma autoridade unificante. A transição da heteronomia

papal para a heteronomia bíblica não representa modificação fundamental,

porque, se eu e cada um dos crentes temos o mesmo direito de interpretar o

texto sacro a nosso gosto e talante, como a liberdade democrática exige,

embora esse novo regime pareça autocrático, ele é, na realidade, alocrático,

não menos alocrático que a exocracia papal. Pela Reforma, a exocracia papal

parecia ter sido transferida de fora para dentro, de uma autoridade externa e

alheia para uma autoridade interna e própria – mas essa endocracia pessoal é

grandemente ilusória; ela é pseudo-endocrática, ou, quando muito, semi-

endocrática, porque é visceralmente egocrática. A Reforma prometera

estabelecer o governo da consciência individual em lugar da autoridade papal;

Page 77: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

mas o que fez, de fato, e continua a fazer, foi proclamar como supremo árbitro

espiritual a ciência pessoal, isto é, a análise intelectual, egocrática, do texto

bíblico, em vez da consciência espiritual, a intuição cósmica do espírito da

Bíblia.

O regime exocrático da Idade Média passou a ser, no tempo da Reforma, semi-

endocrático, mas não atingiu as alturas e profundezas da verdadeira

endocracia, que seria a cosmocracia, o governo do espírito, da alma, da razão

divina, da consciência cósmica no homem.

Como, porém, o ego intelectual é, por sua natureza, dispersivo e divergente,

era inevitável que a introdução da egocracia na vida espiritual do homem da

Renascença e da Reforma degenerasse, em breve, num pavoroso caos de

dissensões e controvérsias religiosas, de onde surgiram centenas de seitas

diversas.

***

No plano civil, foi menos caótica a transição do regime monocrático para o

regime democrático. Os reis e imperadores foram substituídos pelo povo. Já

não havia soberano “por mercê de Deus” – os chefes democráticos eram

chefes “por mercê do povo”, do “povo soberano”, que lhes conferia e tirava o

poder, conforme as conveniências do momento. Foi proclamada, após a

Revolução Francesa, essa maravilha paradoxal, ainda tinta de sangue e

banhada em lágrimas, do “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Essas

três palavrinhas “do”, “pelo” e “para”, aparentemente tão inocentes,

representam a alvorada de algo que parecia estabelecer a definitiva paz e

felicidade dos povos sobre a face da terra – mas marcou o início de um período

de caos e desordem de que não conseguimos ainda libertar-nos.

Por quê?

Porque a democracia nasceu com o funesto “pecado original”, que nenhum

batismo foi capaz de cancelar; brotou de um pavoroso ilogismo, de cujas

consequências não conseguiu libertar-se. O homem democrático da

Renascença e Reforma rejeitou afoitamente a heteronomia medieval, na

certeza de que todo homem nasceu livre e tem o direito de se governar a si

mesmo, segundo o seu próprio critério. Até o presente dia estão os nossos

hinos democráticos repletos desse ingênuo ilogismo, de que o homem possa e

deva governar-se a si mesmo e que isto é ser livre. E ai de quem não concorde

com essa apoteose da chamada liberdade!

Toda essa confusão deriva de uma falsa noção da verdadeira natureza do

indivíduo humano – e uma premissa falsa invalida todas as conclusões nela

baseadas. Quando o homem comum diz “eu” – que é que ele quer dizer? que

significa esse eu? Significa quase sempre o seu ego físico-mental-emocional,

Page 78: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

que ele identifica ingenuamente com o seu verdadeiro “EU”. Eu estou doente,

eu sou inteligente, eu fui ofendido – em todos esses casos, e milhares de

outros congêneres, identifica-se ele com o seu corpo, com a sua mente ou com

a sua psique, que são apenas três aspectos periféricos do seu EU central; são

o seu tríplice “ego”, a sua “máscara” ou “persona” (a palavra latina “persona”,

de que derivamos “pessoa” e “personalidade”, quer dizer literalmente

“máscara”, invólucro ilusório).

A democracia foi proclamada pelo ego e continua ser governada pelo ego; quer

dizer, por um fator periférico da natureza humana, falsamente identificado com

a realidade central do homem, que é o “EU”. O homem não é corpo, mente,

psique – ele é sua alma, também chamada razão ou consciência.

Eu sou a alma.

Eu tenho corpo, mente, psique.

O corpo, a mente, a psique são órgãos, faculdades ou funções do meu “EU”,

que deles se serve para entrar em contato com diversas zonas de mundos ou

vibrações.

Eu sou o EU.

EU tenho o ego.

EU é central.

O ego é periférico.

EU é puro altruísmo.

O ego é impuro egoísmo.

A democracia, fundada e mantida pelo ego, não representa uma verdadeira

endocracia, um governo de dentro, um regime central, porque o ego não é

central, interior. A egocracia é apanas semi-endocrática.

Ora, toda a zona da semi-endocracia democrática é essencialmente egoísta,

dominada pelo ego da personalidade; e por isto não pode jamais estabelecer

verdadeira unidade e harmonia dentro do homem, e, como a segurança vem da

unidade, e a insegurança vem da falta de unidade, é inevitável que a falta de

elemento unitário inerente à democracia dê origem a esse caos, lutas e

desordens.

No plano horizontal do ego são absolutamente incompatíveis a segurança e a

liberdade, porque se acham em polos opostos, adversativos. A segurança

nasce da autoridade, a insegurança é filha da liberdade. Como, porém,

autoridade e liberdade são inconciliáveis, no plano horizontal, como luz e

Page 79: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

trevas, como fogo e água, é inevitável que a democracia, filha da liberdade,

destrua a segurança, filha da autoridade.

É logicamente impossível que numa democracia haja autoridade, porque, para

haver autoridade, deve haver distância entre governante e governado, entre

superior e inferior, e quanto maior for essa distância tanto maior será a

possibilidade de uma autoridade eficiente. Na democracia, porém, acontece

esse tremendo ilogismo: o governante e o governado são o mesmo, isto é, o

povo. Dizer que é o presidente que governa é abolir a quintessência da

democracia, que, como todos sabem, é o governo do povo pelo povo e para o

povo. O presidente, eleito pelo povo é, de fato, o povo personificado em fulano

ou sicrano; o presidente de uma democracia sou eu, o cidadão democrata, o

presidente são meus vizinhos, A, B, C, etc. O governo somos nós, os

governados – que também somos os governantes. O povo-mandante é povo-

mandado. O ego-governante é o ego-governado.

Quem não vê nisto um círculo vicioso? espécie de “façanha do barão de

Münchhausen” que, um dia, atolado no brejo, se agarrou pela cabeleira e se

puxou para fora, ele mesmo...

Como poderia haver autoridade onde não há distância entre o superior que

governa e o interior que é governado? Entre o legislador e o legislado? Como é

possível mover uma turbina com a água de um lago sem queda, sem diferença

de nível entre o movente e o movido?

Todo o impacto da força vem da diferença de nível, de uma alta-tensão, de

uma voltagem, da desigualdade entre o polo positivo e o polo negativo. No

conceito democrático, o ego governado pelo ego governante é um grande

pseudos, uma funesta mentira ou ilusão, uma vez que semelhante processo é

intrinsecamente impossível, porque contraditório.

Esse círculo vicioso, essa pseudocracia, é responsável por todas as fraquezas

e desordens das democracias. Por isto, é absurdo dizer que a democracia é

boa, mas os democratas são maus; o contrário é que é verdade; há muitos

democratas melhores do que a democracia em que vivem, e, graças a retidão

desses democratas, as democracias ainda são até certo ponto toleráveis. Se o

homem não fosse, no último reduto da sua natureza, cosmocrático, não haveria

esperança para as democracias; mas essa esperança de redenção

democratica existe, porque todo homem é cosmocrático por sua íntima

natureza, embora essa cosmocracia latente no homem não se tenha ainda

revelado explicitamente. Onde quer que sobreviva uma democracia ordeira, aí,

é certo, vivem numerosos democratas melhores do que a democracia,

democratas que, conservando o rótulo externo, são internamente

cosmocráticos. Graças a esse espírito cosmocrático de certos democratas

sinceros, as democracias têm esperança de sobrevivência e de regeneração.

Page 80: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Quando o homem-ego descobre o homem-EU – então nasce a cosmocracia.

Page 81: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

COSMOCRACIA

A monocracia dava ao homem segurança, mas privava-o da liberdade. A

democracia prometeu dar ao homem liberdade, mas perdeu a segurança – e

ter-lhe-á dado a verdadeira liberdade?...

À primeira vista, parece que o homem se acha em face de um terrível dilema:

ou segurança sem liberdade – ou liberdade sem segurança.

E assim é, de fato, no plano horizontal.

Mas assim não é, no plano vertical, ou melhor, na zona universal, onde se

encontram os dois planos, vertical e horizontal. É possível uma perfeita

segurança com perfeita liberdade, e uma perfeita liberdade com perfeita

segurança, o que equivale a dizer que o homem pode obedecer a uma

autoridade e ser ao mesmo tempo livre.

O que, à primeira vista, parece paradoxal e contraditório, é, na realidade, a

maior das verdades e mais gloriosa conquista do homem, naturalmente do

homem cósmico, plenamente realizado.

O homem deve possuir perfeita segurança com perfeita liberdade. E por isto

deve ultrapassar a monocracia e a democracia e entrar na cosmocracia.

Que é cosmocracia?

É o que a palavra diz: o governo do homem pelas leis do cosmos. A

Constituição do Universo de fora é a mesma que a Constituição do Universo de

dentro. As mesmas leis que regem o grande Além sideral devem reger também

o grande Além humano.

Enquanto o homem é monocrático, governado por um indivíduo de fora; ou

enquanto é democrático, governado por um elemento semi-interno, não pode

ele fruir de segurança e liberdade ao mesmo tempo; só pode ter esta ou

aquela, separadamente.

Mas, quando o homem ultrapassa a monocracia e a democracia e entra na

verdadeira cosmocracia, então se torna ele um homem integral, cósmico, um

homem seguramente livre e livremente seguro – um cidadão da grande

cosmocracia.

Quem é que governa, nesse regime cosmocrático?

Page 82: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

O EU central do homem, que é a consciência, a razão, a alma, o Cristo interno,

o “espírito de Deus que habita no homem”, no dizer de São Paulo. E quem é o

governado?

O ego, a personalidade físico-mental-emocional do homem.

Nesse novo e glorioso regime, há distância imensa entre o EU governante e o

ego governado, de maneira que aquele pode exercer veemente impacto de

autoridade sobre este – e com isto existe a possibilidade e a realidade de uma

segurança máxima na vida do homem. Por outro lado, essa autoridade do EU

que governa faz parte do mesmo homem, e não é algum elemento estranho e

adventício, heterogêneo, e com isto não há possibilidade de escravização do

homem e destruição da sua liberdade.

Diz tão sabidamente a filosofia oriental: “O EU é o maior amigo do ego.

Mas o ego é o pior inimigo do EU”.

O governo do EU sobre o ego, e a obediência do ego do EU – eis o reflexo da

ordem cósmica no homem, o triunfo das leis do grande Cosmos do Universo no

pequeno Cosmos do Homem!

Há uma Constituição Cósmica, não escrita em livro algum, mas gravada na

íntima natureza de todos os seres do universo, desde o átomo e o astro até o

homem e o anjo – é a grande lei da interdependência de todas as coisas, a lei

do amor, do equilíbrio e da solidariedade recíproca de todas as criaturas.

No homem se manifesta essa Constituição Cósmica pela consciência, razão,

alma, Cristo interno. Quando o homem sintoniza a sua consciência individual

com a Constituição Universal, então atinge ele as culminâncias do seu poder e

da sua felicidade. Verdade, Justiça, Bondade, Amor, Sinceridade,

Benevolência, Solidariedade – são esses os sinais externos que revelam a

atitude interna do homem cosmocrático.

Para que o homem passe da democracia do pequeno ego para a cosmocracia

do grande EU, necessita ele de passar da ignorância para a sapiência, do erro

para a verdade sobre si mesmo. Deve conhecer-se a si mesmo. Enquanto o

homem se desconhece a si mesmo e se identifica com alguma das suas

periferias – corpo, mente ou emoção – não pode entrar na zona da

cosmocracia, porque é ainda insipiente e egoísta. Nesta zona obscura,

costuma ele chamar “liberdade” o que é escravidão e capricho do ego, e por

isto não tem segurança, um vez que pseudo-liberdade não dá verdadeira

segurança.

Somente depois de entrar na zona luminosa do seu verdadeiro EU é que o

homem conquista a verdadeira liberdade, a “gloriosa liberdade dos filhos de

Deus”, conhece a verdade “e a verdade o liberta”. E à luz dessa verdade

Page 83: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

libertadora é o homem integralmente seguro, e essa segurança lhe dá uma

tranquilidade profunda, uma serenidade imperturbável, uma felicidade

indestrutível.

O supremo tribunal da autoridade foi transferido de fora para dentro do homem,

e por isto a autoridade não destrói a liberdade, como nos planos inferiores. Não

é mais o ego que escolhe o seu “presidente” e lhe delega os seus poderes,

como na democracia; mas o ego descobre o fato de que, acima dele , ou

dentro dele, existe esse “presidente” um soberano legítimo por “obra e mercê

de Deus”, e esse Deus imanente no homem é o seu eterno EU, legítimo

detentor do trono central da natureza humana. Obedecer a esse Deus interno

do EU é liberdade, ordem, segurança, harmonia, paz, felicidade.

Page 84: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

EDUCAÇÃO COSMOCRÁTICA

É necessário que saiamos da velha ilusão de que possa haver melhoramento

social sem que haja conversão individual. O estado social da humanidade é

necessariamente o eco do estado individual dos homens que compõem a

sociedade.

É claro que os governos podem criar técnicas educacionais que facilitem a

educação – mas, em caso algum, podem essas técnicas substituir a própria

educação. A educação em si não é da alçada dos governos, nem de poder

externo algum. A educação obedece a leis internas de evolução individual. E

essas leis culminam no fato do autoconhecimento e na subsequente auto-

realização do homem. O homem que não se conhece a si mesmo não pode

realizar o seu verdadeiro EU interno. Auto-realização depende de

autoconhecimento.

Autoconhecimento, porém, não é apenas um processo mental nem uma

simples psicanálise. O verdadeiro autoconhecimento é algo intuitivo, é uma

visão ou revelação da profunda realidade do ser humano, um contato direto

com a última raiz do EU humano, daquilo que fica para além de todas as

palavras e para além de todos os pensamentos daquilo que jaz nos silenciosos

abismos da Verdade Absoluta.

Essa visão intuitiva do EU não é o produto de um simples esforço consciente,

intelectual – embora esse esforço deva preceder. E, em última análise, uma

revelação, um carisma, uma graça, um dom de Deus ao homem. Mas esse

dom supremo, embora seja gratuito, não é arbitrário. O homem recebe essa

graça do autoconhecimento, não como merecimento ou pagamento – pois, se

assim fosse, seria produto do ego, e não seria coisa grande. Não o pode

merecer, produzir, causar. Isto, todavia, não quer dizer que a graça do

autoconhecimento seja algo meramente arbitrário. Ela é dada a todo homem

que se tornar receptivo para a receber. Essa receptividade é uma condição

prévia indispensável para o recebimento do divino carisma do

autoconhecimento; mas não é causa do mesmo. A lei de causa e efeito vigora

em todos os planos do finito, opera de finito a finito, mas não existe na relação

de finito a Infinito, do homem a Deus. O homem não pode merecer algo de

Deus, porque merecer é causar. Se o homem merecesse um dom divino, ele

teria direito ao mesmo e Deus teria obrigação em face do homem – o que é

absurdo. Deus nunca pode ter obrigação para com criatura alguma, e jamais

pode alguma criatura ter um direito em face de Deus.

Page 85: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

A atitude receptiva do homem condiciona o carisma divino, mas não o causa.

Quando abro uma janela, entra a luz solar na sala – mas seria absurdo afirmar

que o fato de eu abrir a janela fosse causa da iluminação da sala; a causa é o

sol, o efeito é a iluminação da sala, e a condição dessa iluminação é o

abrimento da janela.

O que, nesta comparação, é o abrimento da janela, isto é, no caso do

autoconhecimento, a receptividade criada pelo homem. Essa receptividade é

uma espécie de canal livre, de veículo idôneo. Quando uma estação emissora

lança ao espaço uma onda eletrônica, é necessário que eu sintonize o meu

receptor para captar essa onda; do contrário, a onda passa despercebida,

presente em si, mas ausente para mim. As “ondas” de Deus enchem sem

cessar todo o universo e permeiam sempre a humanidade, mas, se não houver

receptor devidamente afinado e sintonizado, as ondas presentes objetivamente

são subjetivamente ausentes, inexistentes. Não é o receptor que produz ou

causa as ondas eletrônicas, mas ele é a condição da sua captação.

Essa receptividade ou disposição propícia da alma humana se chama, nos

livros sacros, fé. Naturalmente, não uma fé meramente teórica, mas uma fé

prática e plenamente vivida. Essa fé vivida pela ética prepara o ambiente para

o carisma do auto-conhecimento, o qual, uma vez completo, produz a auto-

realização do homem, isto é, a realização ou despertamento do seu verdadeiro

EU divino.

Somente uma educação dessa natureza desperta no homem aquilo que poderá

transformar a democracia agonizante numa cosmocracia triunfante e cheia de

vitalidade.

Page 86: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

EPÍLOGO

DESORIENTAÇÃO DAS AUTORIDADES RELIGIOSAS

EM FACE DO PROBLEMA EDUCACIONAL

Acabávamos de terminar este livro, quando nos caiu nas mãos um artigo

entitulado “Causas e remédios para delinquência juvenil”, da autoridade Fulton

Sheen, bispo auxiliar de Nova York, artigo divulgado pela imprensa dos

Estados Unidos e reproduzido, em vernáculo, por um dos grandes jornais de

São Paulo.

Esse documento é uma brilhante confirmação do que expusemos num dos

primeiros capítulos deste livro sobre a “falência da educação religiosa”.

Pedimos vênia para reproduzir, na íntegra, o referido artigo:

Causas e remédios para a delinquência juvenil

FULTON SHEEN, BISPO DE NOVA YORK

Entre as causas há as seguintes:

1 – Pais que não reconhecem nenhuma autoridade acima de si mesmos têm

filhos que não reconhecem sua autoridade. Numa máquina, quando as

engrenagens maiores deixam de funcionar, as pequenas se desarranjam. O

Quarto Mandamento sobre a obediência dos filhos aos pais se relaciona com o

Primeiro sobre a obediência a Deus. Os jovens não sabem traduzir sua

rebelião em ideias, mas instintivamente se revoltam contra a atribuição de

autoridade a quem não reconhecem nenhuma autoridade. Se não há Deus

acima de seus pais, então porque devem estes estar acima deles? O agricultor

que não obedece às leis da natureza com respeito às estações não deve

espantar-se por ter más colheitas.

2 – A negação de responsabilidade pessoal, pela atribuição do mal ao

ambiente. Por exemplo, crescer na pobreza ou em favelas, beber leite de

segunda, ou não ter suficientes clubes de dança. Diz-se que isso faz

delinquentes. Mas por que é que muitas crianças vivendo no mesmíssimo

ambiente se tornam bons cidadãos? Nosso Senhor uma vez falou de duas

Page 87: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

mulheres que moíam num moinho e de dois homens que trabalhavam num

campo. Um deles salvou-se; o outo perdeu-se. Ambos cuidavam do mesmo

engenho ou do mesmo campo; o mesmo sol brilhava sobre ambos; vestiam do

mesmo modo, recebiam os mesmos salários – mas a diferença estava no

interior. Não é o que entra em contato externo com o homem que o faz, mas o

que sai do seu coração. A negação da responsabilidade pessoal traz como

consequência a benevolência para com os delinquentes nos tribunais, pois não

poderá um juiz condenar um delinquente do qual se diz ser o que é porque

viveu numa vizinhança com latas de lixo à soleira da porta.

3 – A terceira causa da delinquência juvenil é uma consequência da segunda,

isto é, a sociedade é que deve ser culpada – culpada porque externa uma

atitude “vingativa” quando pune um transgressor; culpada porque os mestres

com seu conhecimento superior dão aos jovens um "complexo de

inferioridade”; culpada porque os exames e a publicação de boletins provocam

comparações invejosas, tornando assim os jovens revoltados; culpada porque

o amor excessivo ou deficiente da parte dos pais lhes dão uma “compulsão”

para roubar ou matar.

Algumas sugestões sobre a delinquência

1 – Toque de recolher – a ocasião deve ser estabelecida pela lei civil. Filadélfia

pôs em prática um sistema de toque de recolher, que estatui multas tanto para

os jovens como para os pais, que funciona de verdade. Dizer-se que isso

constitui uma injustiça para com os bons elementos da juventude é esquecer

que: a) uma vez que vivemos em sociedade, alguns membros devem mostrar-

se dispostos a fazer sacrifícios para o bem do todo; b) os jovens bons estão em

casa à hora de recolher de qualquer modo. O rio é que deve purificar o esgoto,

e não este que deve poluir aquele.

2 – Criação de uma comissão permanente de cidadãos responsáveis, em vez

dos juízes de menores e dos chamados “peritos”, para decidir sobre a

orientação, punição e tratamento dos delinquentes.

3 – Para os contraventores reincidentes e os culpados de assassinato,

violação, assalto e outros crimes graves, a criação de Campos de Preservação

Juvenil com as seguintes características:

– Esses campos devem ser não só educativos como também reformativos.

– Tanto a educação como a disciplina dos delinquentes devem ficar a cargo do

Exército ou da Marinha.

– Para os contraventores mais difíceis, depois do estágio no CPJ., seriam eles

engajados no Exército.

Page 88: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

– Enquanto trabalhassem em estradas, florestas , etc., receberiam um pequeno

salário. Parte desse salário seria retida, rendendo juros, até que deixassem o

CJJ. Os delinquentes que causassem dano ao patrimônio teriam que pagar

plenamente; aqueles que tivessem tirado uma vida seriam obrigados a pagar à

família do jovem assassinado uma certa porcentagem do seu salário durante

sua vida dentro ou fora do campo.

Isso é duro, poder-se-á dizer, mas é mais duro para vinte mães e pais

chorarem o assassino de vinte filhos. As Forças Armadas farão homens desses

delinquentes; muito provavelmente farão mais do que isso – farão bons

soldados deles.

***

Vamos tecer uns comentários elucidativos sobre esse importante documento.

Como é possível que uma autoridade eclesiástica de grande projeção, escritor,

conferencista, locutor de rádio e televisão, orientando milhões de almas, dentro

e fora de seu país, ignore as causas mais profundas da delinquência juvenil e

aconselhe remédios tão superficiais, e até flagrantemente anticristãos?

Na primeira parte de seu artigo, sobre as “causas” da delinquência, afirma

Fulton Sheen que uma dessas causas é a falta de autoridade dos pais, e que

estes não tem autoridade sobre os filhos porque eles mesmos não reconhecem

acima de si autoridade superior, divina.

Em parte concordamos com o ilustre escritos; mas perguntamos por que é que

existem ateus só no Ocidente cristão? Por mais estranho que pareça, o

“fenômeno ateísmo” é totalmente desconhecido em outras partes do mundo; é

um produto tipicamente cristão, isto é, resultado de uma teologia pseudocristã

que impera nas igrejas do Ocidente. Recordo-me das palavras do meu exímio

mestre hindu, Swami Premananda, de Washington, sobre este particular:

quando ele, uns decênios atrás, veio da Índia para os Estados Unidos e ouviu

da existência de ateus, não o quis acreditar, porque nunca tinha visto um único

ateu entre seus patrícios gentios do Oriente.

De onde vem o ateísmo?

Nasce de uma falsa concepção de Deus, que é impingida às crianças de

catecismo ou escola dominical, um Deus com todos os seus atributos

humanos, embora potencializados – um Deus irado, vingador, ciumento,

militarista, (o “Deus dos exércitos”), nacionalista, que luta em favor de um

pequeno povo eleito contra todos os outros povos do globo – um Deus sempre

distante, longínquo, cujo maior prazer parece consistir em apanhar em falta

uma pobre criatura humana e condená-la sadicamente a tormentos eternos,

sem lhe dar a possibilidade do arrependimento, após-morte. No seu livro An

historian´s approach to religion diz o grande historiador-filósofo britânico Arnold

Page 89: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Toynbee que se o Deus da teologia cristã existe, então é ele o maior monstro

do universo. Felizmente, esse Deus não existe, nem pode existir. Perguntaram

a Voltaire porque ele era ateu; ele, educado num ambiente religioso,

eclesiástico, respondeu patriarca da descrença: “Se alguém me mostrar um

Deus que eu possa amar hei de crer nele; mas até hoje ninguém me mostrou

esse Deus”.

Esse deus-monstro é ensinado às crianças, e elas, ingênuas, o aceitam,

obedientes, de olhos fechados; um dia, porém, quando adultas, abrem os olhos

e não conseguem harmonizar esse pseudo-deus da teologia com o Deus

verdadeiro da sua consciência do Universo – e passam por ateus.

Muitos dos maiores santos e místicos de todos os tempos e países foram

“ateus” neste sentido – “ateus” por serem excessivamente sinceros consigo

mesmo.

Fulton Sheen acusa os pais dos delinquentes juvenis de não crerem em Deus.

Perguntamos: quem é o culpado remoto desse “ateísmo”?

Medice, cura teipsum!

Passando das causas para os “remédios” da delinquência juvenil, o autor é

ainda mais infeliz. Insiste em que a educação dos delinquentes fique a cargo

das forças armadas, do Exército e da Marinha. Mas será possível que um bispo

cristão veja nessas instituições militaristas a quintessência da arte

educacional? quando todo o militarismo é, em última análise, um produto do

nosso egoísmo? Será possível que Fulton Sheen ignore que “quem com ferro

fere com ferro será ferido”?

E, para coroar a sua obra, termina o bispo auxiliar de Nova York por dizer que

“as forças armadas farão homens desses delinquentes, e, muito

provavelmente, farão mais do que isto – farão bons soldados deles”.

Quer dizer que, na opinião desse líder espiritual de milhões de cristãos, um

bom soldado vale mais que um homem honesto! quem aprendeu nos quartéis a

arte de matar com perícia e técnica – com canhões, metralhadoras, e bombas

atômicas – esse vale mais do que o melhor dos homens que procura salvar

vidas! E as forças armadas educarão o delinquente nesse sentido!

Realmente, é a apoteose do militarismo anticristão!

Ó Schweitzer! Porque escreveste um livro intitulado Reverência pela vida? Por

que não te matriculaste na escola do bispo Fulton Sheen para saber como

destruir vidas em massa?!

Ó Gandhi! por que lutaste a vida inteira pela não-violência (ahimsa) e por ela

morreste mártir? não sabias tu, pobre pagão, que nos Estados Unidos vive um

Page 90: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

cristão que vê a salvação na violência?... que atrasado discípulo do Cristo és

tu, pobre hindu, que ainda te guias por essas ideias obsoletas do Sermão da

Montanha?...

Page 91: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

TEXTO COMPLEMENTAR

A EDUCAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

Page 92: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

“A instrução ensina o homem a descobrir as leis da natureza, isto é, a

ciência; mas a educação leva o homem a criar valores dentro de si

mesmo”, diz o filósofo brasileiro Huberto Rohden nesta entrevista a

VISÃO.

“Não existe crise de educação no Brasil, nem em qualquer parte do globo. O

que existe é uma deplorável ausência de verdadeira educação”. Esta é a

opinião do filósofo brasileiro Huberto Rohden a respeito da chamada crise da

educação moderna. Rohden explica: “Não estou usando a palavra „educação‟

no sentido popular, referindo-me a graus de instrução. Uso a palavra „educar‟

no sentido rigorosamente etimológico e verdadeiro „eduzir‟, indicando que o

educador deve eduzir, desenvolver e manifestar o que já existe na natureza do

educando”. É esta razão que, no modo de ver do professor Rohden, “uma

filosofia ou uma teologia que admita de antemão que o homem seja mau por

natureza não pode falar em eduzir; só poderia tratar de impingir ao educando

algo alheio à sua natureza. Mas isso é o contrário à educação”.

Como Sócrates, Platão, e os Estoicos, Rohden acredita que a boa ordem social

não pode ser criada com estratagemas políticos. A boa ordem social não tem

origem na política, mas na ética que ordena a consciência dos cidadãos e dos

líderes da sociedade: ela se projeta na sociedade, mas está radicada no

indivíduo.

Nascido em Tubarão, Estado de Santa Catarina, Rohden formou-se em

Ciências, Filosofia e Teologia nas Universidades de Innsbruck (Áustria),

Valkenburg (Holanda) e Nápoles (Itália). De 1945 a 1946, teve uma bolsa de

estudos para o desenvolvimento de pesquisas científicas na Universidade de

Princeton, Estados Unidos, onde teve a oportunidade de conviver com Albert

Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito internacional da

Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a

constituição do próprio universo.

Em 1952, fundou em São Paulo o Centro de Auto-Realização Alvorada, que

mantém cursos permanentes sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do

Evangelho. É autor de mais de 60 livros, entre os quais estão Por que

Sofremos, O Caminho da Felicidade, Mahatma Gandhi, Lúcifer e Logos, O

Homem, Einstein – O Enigma do Universo e Educação do Homem Integral.

Alto, cabelos brancos, roupas simples, mente aguçada, o professor Rohden

concedeu a VISÃO a seguinte entrevista na sede do Centro de Auto-

Realização Alvorada, na Rua Alegrete, 72, Sumaré, São Paulo.

Page 93: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

VISÃO – O senhor tem dedicado boa parte do seu tempo aqui na Alvorada,

enfatizando a diferença entre a instrução e a educação.

HUBERTO ROHDEN – Não, não é bem isso. Tenho falado unicamente sobre

autoconhecimento e auto-realização da natureza humana. Isso inclui tudo e vai

muito além da educação. Nós temos de nos realizar. Somos embrionários;

“sementes” humanas. Falando simbolicamente, temos de realizar a nossa

“semente” humana em forma de uma perfeita “planta” humana. Portanto, no

Centro Auto-Realização Alvorada, cuidamos do autoconhecimento da natureza

humana e sua auto-realização na vida prática. Temos de saber o que somos e

temos de viver de acordo com aquilo que somos. O homem deve realizar-se.

Ele não é realizado; é apenas realizável. Da auto-realização fazem partes duas

coisas: tanto a instrução na ciência como a educação da consciência. O

Governo só pode instruir na ciência; não pode educar na consciência. A

educação da consciência é do foro íntimo do indivíduo. Temos um Ministério da

Instrução; não temos um Ministério da Educação. Não existe nenhum ministério

da educação em nenhum país; nem pode existir. Não devemos confundir

instrução com educação. A educação é muito mais profunda do que a

instrução. A instrução é da inteligência; a educação é da consciência. A

instrução faz o homem erudito; a educação faz o homem bom. Ambas são

necessárias, mas a mais importante é a educação da consciência.

VISÃO – Então, ao contrário do que se supõe hoje em dia, a educação é uma

atividade individual?

ROHDEN – É eminentemente individual. Não pode ser uma atividade social.

Ela se reflete na sociedade, mas está radicada no indivíduo. Só existe auto-

educação; não existe alo-educação (educação de fora para dentro). Ou o

homem se educa ou não se educa. Outros não podem educar-me; só podem

mostrar-me o caminho pelo qual eu me possa educar.

VISÃO – Essa é, então, a função do mestre – mostrar?

ROHDEN – Sim. O mestre é um guia. O educador pode mostrar ao educando o

caminho por onde o educando se pode auto-educar. Há muita confusão hoje

em dia sobre a educação. Entre centenas de livros sobre a educação, mal

encontrei um que possa aprovar integralmente. Alguns têm coisas boas, mas

não frisam a coisa essencial que é a auto-educação.

VISÃO – Falou-se recentemente que o sistema educacional brasileiro estava

em crise. O senhor concorda que esteja?

ROHDEN – Crise supõe uma presença. Não existe nenhuma crise; o que

existe é uma deplorável ausência de verdadeira educação.

VISÃO – De onde surgiu essa ausência de educação?

Page 94: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ROHDEN – Ela resulta do fato histórico de que a nossa evolução humana no

mundo inteiro não está na altura. Não estamos na era da incerteza, da qual

falou o economista John Kenneth Galbraith; estamos, sim, em estado

permanente de incerteza, porque a humanidade está marcando passo na

inteligência e não atingiu ainda o nível da razão, da consciência. Falta-nos uma

disciplina ética avançada. Albert Einstein, que era um grande luminar, disse: “O

descobrimento das leis da natureza – a ciência – torna o homem erudito; mas

não torna o homem bom. O homem bom é aquele que realiza os valores que

estão dentro de sua consciência. Do mundo dos fatos, que é a ciência, não

conduz nenhum caminho para o mundo dos valores, que é a consciência.

Fatos não produzem valores, porque os valores vêm de outra região”. Teilhard

de Chardin disse: “O homem veio da biosfera. Está na noosfera (noos quer

dizer inteligência, em grego) e age em função da noosfera. Viemos da biosfera,

isto é, da esfera da vida. Nós nos intelectualizamos há milhares de anos;

viemos da biosfera para a noosfera. Passamos da vida para a esfera da

inteligência – e cá estamos. Acima da noosfera está a logosfera, a esfera da

consciência; mas ainda não estamos lá”.

VISÃO – Não há alguns indivíduos que estão acima do grosso da humanidade?

ROHDEN – É claro. Há indivíduos isolados, esporádicos, que estão na esfera

da educação da consciência. Mas a maioria não está lá. É uma questão de

evolução da humanidade. A culpa não é do Brasil, nem de ninguém. É da falta

de evolução superior da humanidade. Na esfera em que estamos não podemos

ter educação; só podemos fazer instrução. Todos os crimes e terrorismos vêm

daí. A ciência não pode abolir o terrorismo; só a consciência pode fazê-lo. Já

se foi o tempo em que se dizia ingenuamente: “Abrir uma escola é fechar uma

cadeia”. A experiência prova que os grandes malfeitores da humanidade não

foram analfabetos, mas, sim, homens que não educaram a consciência.

VISÃO – E as Igrejas não favorecem a educação? Não é, essa, parte da sua

razão de ser?

ROHDEN – A teologia da Igreja ensina que melhor que viver corretamente é

morrer corretamente. Se um homem vive cinquenta anos matando, roubando,

defraudando e, nos últimos cinco minutos, se confessa e se converte, vai para

a vida eterna. Isso é um convite antipedagógico, um convite tácito para uma

vida má, contanto que haja morte boa. As teologias são tacitamente contrárias

à educação da consciência. É uma denúncia que eu faço em base real.

Simples moralidade não é educação.

VISÃO – Mas as Igrejas não pregam a ética do Evangelho?

ROHDEN – Não. Substituíram o Evangelho pela teologia. O Evangelho exige

uma vida honesta do princípio ao fim. Mas as Igrejas pregam que basta

Page 95: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

converter-se na última hora. E tentam consertar seu erro com uma falsa

interpretação das palavras de Jesus ao ladrão na cruz.

VISÃO – Além da teologia, há, na sua opinião, outras filosofias contrárias à

educação operando nos chamados meios educacionais.

ROHDEN – Os “meios educacionais” estão cheios dessas filosofias. Veja o

behaviorismo de B.F. Skinner. Ele diz: “A liberdade é um mito. O livre-arbítrio

não existe”. É uma filosofia que diz que somos autômatos, que somos

condicionados pelo meio ambiente. Ora, se não há livre-arbítrio, então não há

base para a educação. O homem tem a alternativa de ser bom ou mau; isto é,

a possibilidade de auto-educação. Mas se o homem é obrigado pelas

circunstâncias a ser mau, ou ser bom, então acabou-se toda a base para a

educação. Não negamos que as circunstâncias possam dificultar o exercício do

livre-arbítrio; negamos que o homem normal possa ser obrigado palas

circunstâncias a ser bom ou mau.

VISÃO – O vazio moral, a angústia existencial que muitos parecem sentir hoje

em dia e que é constantemente representada na arte moderna – pintura, teatro,

literatura, cinema, televisão, etc. – de onde vêm?

ROHDEN – Vêm da falta de autoconhecimento e da falta de verdadeira

educação. Esses fatores sociais – rádio, teatro, televisão, etc. – não podem

educar porque, como já foi dito, a educação é um processo eminentemente

individual. O que os citados fatores sociais poderiam e deveriam fazer é

remover ou diminuir os obstáculos à verdadeira educação. Infelizmente, porém,

quase todos os programas de cinema, rádio, televisão são flagrantemente

antieducativos. E isso acaba num vácuo ou numa frustração existencial, como

repetirmos sem cessar em nossos cursos da Alvorada e em nossos livros.

VISÃO – Qual a relação entre a natureza humana e a auto-educação?

ROHDEN – A auto-educação é a perfeita evolução da natureza integral do

homem. Não é algo alheio introduzido nela; é o conteúdo interno da própria

natureza, eduzido e manifestado na vida externa, individual e social. O homem

profano, sem auto-compreensão, abusa de tudo, inclusive de si mesmo, a fim

de ter momentos de prazer superficial. Por outro lado, o homem místico

isolacionista se recusa a usar qualquer objeto; simplesmente recusa tudo. Mas

o homem cósmico, o auto-educado e auto-realizado, usa de tudo sem abusar

de nada. E isto é a verdadeira educação.

O educador deve mostrar ao educando que ser fiel à sua própria natureza é ser

feliz, embora essa felicidade nem sempre esteja livre de sofrimento. Enquanto

o educando confundir felicidade com gozo, ou infelicidade com sofrimento, não

tem o caminho aberto para a verdadeira educação. O homem auto-educando

pode ser feliz no meio de sofrimentos e pode também ser infeliz no meio de

Page 96: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

gozos. A base da auto-educação é autoconhecimento, como já diziam os

filósofos gregos: “Conhece-te a ti mesmo”.

VISÃO – Haverá no mundo moderno movimento de auto-educação?

ROHDEN – Felizmente há, em todos os países, pequenos grupos que levam a

sério a auto-educação. Conheço de convivência o movimento neugeist (Novo

Espírito), nos países germânicos; bem como a Selfrealization (Auto-

Realização), nos países anglo-saxônicos, que, na Inglaterra, também é

conhecida como The New Outlook (A Nova Perspectiva). Esses movimentos

são representados no Brasil pelo Centro de Auto-Realização Alvorada.

São iniciativas particulares de pequenas elites que tomam a sério a sua auto-

realização, baseada no autoconhecimento da natureza humana e manifestada

na vivência ética da vida diária, individual e social. Felizmente, o maior dos

educadores disse, há quase 2.000 anos: “O Reino dos Céus está dentro de

vós, mas é ainda um tesouro oculto, que deveis descobrir”. Com isso o

Nazareno afirma a presença de um elemento bom no homem e a necessidade

que ele tem de revelar na vida diária esse tesouro oculto.

Isto é pura auto-educação.

Page 97: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ÍNDICE

EDUCAÇÃO – PROBLEMA VITAL DA ATUALIDADE

A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO LEIGA E DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA

A DELINQÜÊNCIA JUVENIL, FRUTO DE UMA FALSA EDUCAÇÃO

O FLAGELO DO PARASITISMO E SUA CURA

BASES PARA UMA NOVA EDUCAÇÃO

ENTRE LÚCIFER E LOGOS

ESSENCIALIZANDO A EXISTÊNCIA

A SABEDORIA DOS GRANDES EDUCADORES

OS MALES DA EDUCAÇÃO ESCATOLÓGICA

ADORAÇÃO, SERVIÇO E SOFRIMENTO

PARA EDUCAR – SER EDUCADO

PASSANDO DA CONSCIÊNCIA EXTERNA PARA A CONSCIÊNCIA INTERNA

DO CONSCIENTE FINITO PARA O INCONSCIENTE INFINITO

FAZER GRANDEMENTE AS COISAS PEQUENAS

DA PEDAGOGIA À FILOSOFIA

PRECISA-SE DE UM EDUCADOR!

NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE

RUMO À COSMOCRACIA MUNDIAL

MONOCRACIA

COSMOCRACIA

EDUCAÇÃO COSMOCRÁTICA

EPÍLOGO: DESORIENTAÇÃO DAS AUTORIDADES RELIGIOSAS EM FACE

DO PROBLEMA EDUCACIONAL

Page 98: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

A EDUCAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

Page 99: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

HUBERTO ROHDEN

VIDA E OBRA

Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil

em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia

e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg

(Holanda) e Nápoles (Itália).

De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.

Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais

várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto;

algumas existem em braile, para institutos de cegos.

Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e

dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.

De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na

Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com

Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da

Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a

constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,

Metafísica e Mística.

Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de

Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões

Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.

Page 100: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American

Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de

guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de

Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de

manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.

Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o

Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami

Premananda, diretor hindu desse ashram.

Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado

para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University

(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e

Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade

japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi

nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não

tomou posse.

Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,

onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia,

sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro

Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil.

Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência

espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências

com grupos de yoguis na Índia.

Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre

autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de

Auto-Realização Alvorada.

Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia

alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos

definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com

a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.

Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora

responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e

inspiração.

À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica

naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste

mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em

estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.

Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de

fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.

Page 101: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF.

HUBERTO ROHDEN

COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL:

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE

A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL

COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO:

FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO

O SERMÃO DA MONTANHA

ASSIM DIZIA O MESTRE

O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE

O NOSSO MESTRE

COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA:

DE ALMA PARA ALMA

ÍDOLOS OU IDEAL?

ESCALANDO O HIMALAIA

O CAMINHO DA FELICIDADE

DEUS

EM ESPÍRITO E VERDADE

EM COMUNHÃO COM DEUS

Page 102: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

COSMORAMA

PORQUE SOFREMOS

LÚCIFER E LÓGOS

A GRANDE LIBERTAÇÃO

BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO)

SETAS PARA O INFINITO

ENTRE DOIS MUNDOS

MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA

FILOSOFIA DA ARTE

A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH

(TRADUÇÃO)

ORIENTANDO

“QUE VOS PARECE DO CRISTO?”

EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL

DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO)

O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO

LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA

ROTEIRO CÓSMICO

A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO

A VOZ DO SILÊNCIO

TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO)

SABEDORIA DAS PARÁBOLAS

O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO)

A NOVA HUMANIDADE

A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO)

RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA

O HOMEM

Page 103: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER

O HOMEM E O UNIVERSO

IMPERATIVOS DA VIDA

PROFANOS E INICIADOS

NOVO TESTAMENTO

LAMPEJOS EVANGÉLICOS

O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS

A EXPERIÊNCIA CÓSMICA

COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA:

MARAVILHAS DO UNIVERSO

ALEGORIAS

ÍSIS

POR MUNDOS IGNOTOS

COLEÇÃO BIOGRAFIAS:

PAULO DE TARSO

AGOSTINHO

POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA

MAHATMA GANDHI

JESUS NAZARENO

EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO

PASCAL

MYRIAM

COLEÇÃO OPÚSCULOS:

SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO

Page 104: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação

CATECISMO DA FILOSOFIA

ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS)

ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000

CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS?

CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO

Page 105: Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação