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HUBERTO ROHDEN ÍDOLOS OU IDEAL? PENSAMENTO AVULSO SOBRE DEUS, O HOMEM E O UNIVERSO UNIVERSALISMO

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Page 1: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

HUBERTO ROHDEN

ÍDOLOS OU IDEAL?

PENSAMENTO AVULSO SOBRE DEUS, O HOMEM E O UNIVERSO

UNIVERSALISMO

Page 2: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

ADVERTÊNCIA

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar

é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e

dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,

porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a

transição de uma existência para outra existência.

O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.

Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se

aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa

mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer

convenções acadêmicas.

Page 3: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

ÍDOLOS OU IDEAL?

O título e o conteúdo deste livro nos colocam diante de um impasse existencial.

Iremos adorar ídolos ou iremos viver um Ideal? Cada um de nós, num

determinado momento de nossas vidas, chega a essa filosófica pergunta. E a

resposta e vivência dessa pergunta determinará a qualidade e a finalidade de

nossa existência.

Devemos aprender com a sabedoria milenar dos tempos: Somos livres para

semear, mas somos obrigados a colher aquilo que semeamos. A escolha é da

responsabilidade de cada um. Essa é a inexorável lei cósmica que rege a

harmonia do Universo.

A mensagem deste livro nos ajuda a fazer a escolha melhor. Gradativa e

didaticamente, Rohden vai nos mostrando, através de pensamentos sobre

Deus, o homem, o universo, a vida, o verdadeiro caminho existencial que todo

o ser humano pode e deve percorrer na sua evolução.

O livro oferece a vantagem de não exigir uma leitura contínua e concentrada.

Num minuto podemos “pegar” um fragmento, uma metáfora, um aforismo e lê-

lo isoladamente até à assimilação inconsciente, para que fique fermentando e

programando nosso agir cotidiano. Esses fragmentos condicionadores de atos

e atitudes positivas e de “correto agir” são de grande valia para atingirmos

nossa grandeza humana e espiritual.

Intuitivamente Rohden começa nos ensinando a importância de “Fechar o

Circuito”. Diz ele: “Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a

usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja

interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o

misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta.

Assim, se alguém só quer receber e não quer dar, devolvendo à usina divina o

que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e

calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que

de Deus recebeu. „De graça dai o que de graça recebestes‟.

Onde não há efluxo de bens na horizontal, não pode haver influxo na vertical:

homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. A falta de

fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia moral.”

O supremo ideal do homem deve ser sua própria auto-realização.

Page 4: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

PRELIMINARES

Sou carpinteiro, nas horas vagas. Depois de terminado algum trabalho maior,

fica o soalho da carpintaria cheio de pedaços e pedacinhos de madeira, tábuas

e sarrafos de diversos tamanhos e feitios. Em vez de jogar fora ou usar como

lenha essas sobras, reúno as melhores e delas faço algum objeto útil ou de

simples enfeite: uma casinha para as corruíras fazerem ninho, uma cadeirinha

ou mesinha para crianças, uma casinha de bonecas, ou algum vaso para

flores.

Durante quase meio século escrevi e publiquei umas dezenas de livros, sobre

filosofia universal, filosofia do Evangelho, assuntos de religião, biografias e

divulgação científica; mas os meus livros não-publicados são mais numerosos

que os que andam nas mãos dos leitores: e mais numerosos ainda são os

cadernos de pensamentos vários, impressões de fora e experiências de dentro

– um mundo de coisas heterogêneas, fragmentos de todas as espécies.

Ora, em vez de deixar às traças, ou à arbitrariedade dos pósteros, esses

fragmentos da minha carpintaria literária, resolvi reunir algumas dessas idéias

avulsas e dispersas, na esperança de que, talvez, algum leitor se encontre a si

mesmo nesses ecos multiformes e multicores da minha alma.

Não procure, portanto, o leitor unidade ou sequência lógica entre os capítulos

de um livro que não tem pretensão alguma de ser um todo homogêneo ou

logicamente concatenado. Abra este volume em qualquer página e leia o que

lhe cair sob os olhos. Verá que, não raro, necessita precisamente daquilo, para

seu alimento interior, o que casualmente encontra.

De resto, nessa febricitante lufa-lufa da civilização moderna, sobretudo nas

grandes metrópoles, poucos leitores têm paciência e lazer para estudar um

volume que desenvolva coerentemente uma determinada idéia; muitos

preferem um bric-a-brac de assuntos que possam ler em cinco ou dez minutos.

Pois bem, neste volume de “fragmentos” – e, se Deus quiser, em mais alguns

volumes futuros – encontrará o leitor o desejado alimento em bocados de fácil

e rápida ingestão.

* * *

Não me é possível precisar até onde vai a minha paternidade literária no

tocante a muitos dos pensamentos deste volume. Quem passa pelo mundo de

olhos abertos e espírito alerta; quem passou longos anos fora da terra natal;

Page 5: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

quem entrou em contato mental e espiritual com numerosos pensadores e leu

grande número de livros, em diversas línguas – não está em condições de

discriminar, no fim, qual a porcentagem de idéias próprias e quais as de origem

alheia. Em certo sentido, todos os nossos pensamentos são alheios, embora,

em outro sentido, sejam nossos, uma vez que cada pensamento pensado por

outrem, e repensado por nós, assume o colorido do nosso ego personal – e,

assim, o filho adotivo passa a ser filho próprio. Servindo-nos da terminologia

aristotélica, diríamos que, embora a matéria das nossas idéias seja de todos, a

forma é nossa, e, sendo aquela o elemento determinável, e esta o fator

determinante, todos os pensamentos que mergulharam nas profundezas da

experiência pessoal são mais daquele que lhes deu forma determinante do que

daqueles que forneceram apenas a matéria determinável.

Apagam-se cada vez mais as fronteiras materiais dos povos, nessa idade dos

aviões a jato – e diluem-se cada vez mais as fronteiras mentais, nesse avanço

da cultura universal.

O leitor que possua suficiente fidelidade a si mesmo não se deixará influenciar

por pensamentos alheios ao ponto de perder essa auto-fidelidade, deixando de

ser o que é para se tornar o que não é; assimilará o que for assimilável e

rejeitará o inassimilável. Diariamente, ingerimos determinados alimentos e até

hoje ninguém virou batata, arroz, feijão, pão, manteiga, ou outro manjar que

tenha ingerido milhares de vezes, porque o organismo, quando normal e

vigoroso, é fiel a si mesmo, transformando em si o objeto, sem se deixar

transformar pelo objeto.

Faça o leitor o mesmo com estes “fragmentos” – assimile o que corresponder

ao estado da sua evolução interna – e deixe de parte o resto.

Page 6: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

FECHAR O CIRCUITO!

Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não

acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver

luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito

completo, ida e volta.

Assim, se alguém só quer receber, e não quer dar, devolvendo à usina divina o

que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e

calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que

de Deus recebeu; porquanto, “o que fizerdes a um desses meus irmãos mais

pequeninos, a mim é que o fazeis”.

O SEGURO MORREU DE VELHO

Todo homem “seguro” – que muito segura o que tem e não o partilha com

ninguém – morre de “velho”, dia a dia, embora pareça moço; porque egoísmo é

velhice moral, decrepitude senil.

“De graça dai o que de graça recebestes!” (Jesus.)

“Temos em nossas mãos bens demasiados.” (Emerson.)

Onde não há efluxo de bens na horizontal, lá não pode haver influxo na vertical:

o homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. E falta de

fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia, arteriosclerose moral.

SEGURO DE VIDA

Sim – mas da vida dos outros. Eu não posso fazer um seguro de vida pessoal

sem fazer um seguro de vida universal. Quem quiser salvar-se individualmente,

talvez que entre no céu – mas esse céu é povoado de refinados egoístas como

ele, que quiseram salvar-se sem os outros, ou à custa dos outros. Todos eles

estão num céu infernal. Prefiro estar num inferno celestial...

Não posso ser feliz no meu céu enquanto um único ser humano for infeliz no

seu inferno e não tenha a possibilidade de entrar no céu da felicidade. Detesto

esse céu! Quero sair dele! Prefiro sofrer no inferno com o grosso da

humanidade a gozar nesse céu com uma elite de refinados egoístas.

Page 7: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Onde eu possa fazer bem a meus semelhantes, mesmo entre sofrimentos, ali é

o meu céu.

DEUS EM TI

“Despoja-te de toda e qualquer cobiça! O que, depois disto, sobrar de ti, isto é

Deus” (Meister Eckhardt). A soma total das tuas cobiças, físicas e mentais, não

são o teu verdadeiro Eu – são apenas a tua máscara ou a tua “persona”*.

Esse pseudo-Eu da personalidade humana revela-se, precipuamente, de dois

modos: pelo instinto de conservação e pelo instinto de propagação, ou seja,

pelo egoísmo individual e pelo egoísmo sexual.

Deus no homem chama-se a alma, o Emanuel, o Cristo interno, o Espírito

santo que habita no templo do corpo.

* A palavra latina “persona” (pessoa) quer dizer “máscara”. “Persona”, composto de “per”

(através) e “sonare” (soar, falar), era, entre os romanos aquela máscara de boca aberta através

da qual os atores do palco falavam. Desempenhar a “persona” ou máscara do rei, do vilão, do

mendigo, equivalia à nossa expressão hodierna “desempenhar o papel” de...

A pessoa ou personalidade do homem não é, pois, o seu verdadeiro Eu, senão apenas um

invólucro, uma máscara fictícia e temporária da sua verdadeira individualidade humana. O seu

verdadeiro Ego é sua alma.

ESPELHO OU JANELA?

O profano egoísta acha-se no meio duma sala cujas paredes são espelhos,

como no célebre museu de Grevin, de Paris; para onde quer que ele se volte,

só vê o seu Eu, sempre seu próprio Eu – isto é, o seu pseudo-Eu físico-mental

que ele erroneamente identifica com o seu verdadeiro Eu espiritual. Que

admira que esse homem fique egocêntrico?

De repente, enojado desse Eu, quebra um dos espelhos-parede e abre

caminho para o mundo objetivo! E fica livre da obsessão do seu estreito

egocentrismo. Abriu uma janela!

INTROSPECÇÃO NÃO É EGOCENTRISMO

Há quem pense que a meditação ou introspecção favoreça o egocentrismo,

obrigando o homem a girar em torno de si mesmo. É engano! A introspecção

ensina ao homem a ultrapassar o seu ego físico-mental, estreito e unilateral, e

encontrar o seu grande Ego espiritual, vasto e onilateral como o próprio Deus

Page 8: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

de infinita amplitude. Quanto mais o homem se concentra no seu Eu espiritual,

na sua alma divina, tanto mais ele se universaliza e diviniza. A consciência

universal, porém, é o amor universal e absoluto.

CRISTO E CRISTIANISMO

Ambos nasceram no Oriente próximo, em sua forma humana – mas o

cristianismo eclesiástico é criação típica do Ocidente, que o Oriente jamais

aceitará. Se o nosso cristianismo teológico se converter no cristianismo

evangélico, também o Oriente se tornará cristão.

ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI

Stanley Jones, o grande missionário norte-americano da Índia, pediu a Gandhi

o orientasse sobre o melhor modo de fazer com que os hindus vissem no

cristianismo algo seu, e não um elemento alheio ao espírito da Índia. Ao que o

Mahatma respondeu:

1) “Antes de tudo, aconselharia aos cristãos que vivessem assim como o Cristo

viveu.

2) Que transformassem a religião em atos, sem lhe fazer violência nem a

degradar.

3) Que pusessem ênfase especial na prática do amor, porque o amor é o

centro e a alma do Cristianismo. Entendo por amor não algum sentimento

emocional, mas uma força creadora, a força do universo moral.

4) Que os cristãos estudassem com mais simpatia as religiões e culturas não-

cristãs, para descobrir o que nelas-há de bom e adquirir a faculdade de se

aproximar do oriental com maior compreensão.”

FALA UM GRANDE INDIÓLOGO

Escreve o dr. Erwin Baktay, exímio conhecedor da Índia: “O dr. Stanley Jones

ousou dar o passo decisivo; concede, aberta e corajosamente, que mais

aprendeu da Índia do que pôde ensinar à Índia. Aprendeu a verdade essencial

de que a essência do cristianismo é unicamente o próprio Cristo – todo o resto

é aditamento humano, são pontos de vista e sistematizações eruditamente

excogitados, e que só em determinadas circunstâncias peculiares têm um

direito relativo à existência. A Índia nada pode ter de comum com as guerras de

Page 9: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

religião do Ocidente, com as controvérsias teológicas e com todo o curso do

desenvolvimento do cristianismo segundo o gênio do Oeste; nada pode ter de

comum com os problemas locais relacionados com a cultura ocidental – tanto

mais, porém, tem a Índia que ver com o Cristo e seu Evangelho. Se o mundo

ocidental tinha o direito de desenvolver as correspondentes formas religiosas

segundo a sua própria concepção, consoante as circunstâncias da sua

evolução – compete à Índia pelo menos o mesmo direito de desenvolver o

cristianismo a seu modo, tanto mais que o seu profundo entusiasmo com que,

há milênios, vai em busca de Deus, e sua insaciável sede da verdade

transformaram o subsolo espiritual do indiano num humus fecundo, muito mais

propício à recepção da pureza do Evangelho do que a Europa de outrora, em

parte dominada pela cultura heleno-romana, isto é, pagã; em parte dominada

pelo barbarismo; mais propício também do que o Ocidente de hoje,

obsessionado pelo materialismo, pela ânsia do poder, e que por isto vai

definhando num caos de sistemas eruditamente excogitados.”

ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE

O Oriente trilha, por via de regra, o caminho individual do saber, isto é, da

experiência religiosa pessoal; mas isto é privilégio de uma pequena elite; as

massas são incapazes de realizar esse encontro pessoal com Deus,

contentando-se com os invólucros vazios de yoga, que para elas são meras

fórmulas sem conteúdo.

O Ocidente desenvolveu o caminho coletivo do amor, inteligível às massas, a

qualquer creatura, por mais destituída de inteligência e preparo – crianças e

analfabetos, doentes no fundo do leito ou operários nas fábricas – para todos

eles é inteligível a linguagem do amor, e, de fato, só aceitam o cristianismo

quando lhes vem na forma internacional e interconfessional do amor.

Infelizmente, o Ocidente, em geral, não deu importância ao encontro pessoal

com Deus, sem o qual todo amor social e coletivo é superficial, meramente

emocional, acabando naquilo que temos visto e estamos vendo: guerras, ódio

de classes, extermínio de raças, conflitos religiosos.

O Oriente não pode aceitar o cristianismo teológico do Ocidente, mas abraçará

com entusiasmo o cristianismo do Evangelho, porque vê no Cristo o divino

Logos, o eterno Super-Eu, a alma do homem e do universo.

Assim, a Índia jamais aceitará um Deus vingativo, como aparece na teologia

ocidental; nem a idéia de castigos eternos e a absoluta impossibilidade da

conversão; nem tampouco a doutrina do pecado original, de um pecado

cometido por outra pessoa e pelo qual eu seria responsável; nem a teologia

Page 10: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

horripilante da redenção pelo sangue de um homem inocente injustamente

trucidado pelos pecadores.

CICLOS CÓSMICOS

Um ano mundial (aion) abrange cerca de 25.920 anos terrestres. Um mês

mundial corresponde a cerca de 2.160 anos terrestres.

Cada mês mundial inaugura na terra uma nova era, cujo fim é sempre

acompanhado de grandes tribulações e tempestades de todo gênero – expira

um inverno tormentoso para dar lugar a uma nova primavera de evolução.

O Antigo Testamento decorre sob o signo de Capricórnio, símbolo de violência.

Estamos no signo de Peixes, que começou com o nascimento de Jesus; e

vamos em breve entrar no signo de Aquário.

A era de Peixes é assinalada pela onda cósmica do amor, pelo Cristo, o

misterioso “ichthys” (peixe) das catacumbas.

A era de Aquário virá a ser o domínio da universalidade, assim como a água é

o elemento mais universal na terra, sem a qual nenhuma vida orgânica é

possível.

Os maus espíritos, que são soltos no fim de cada ciclo cósmico, não são maus

em absoluto, mas sim relativamente maus – assim como são más as

tempestades que preludiam o advento da primavera e quebram os galhos

podres e arrancam as folhas secas, a fim de preparar a grande ressurreição da

natureza.

Era da serpente rastejante – Lúcifer.

Era da serpente exaltada – Cristo individualizado em Jesus.

Era do espírito universal – Cristo cosmificado no espírito santo.

INDIVIDUAL – COLETIVO

O coletivismo só pode ser perfeito pela união de homens individualmente

perfeitos, irradiando amor desinteressado. O indivíduo só pode ter possibilidade

de ulterior evolução das suas faculdades, através de uma vida fundada num

coletivismo perfeito desse gênero. A missão da sociedade está em garantir ao

indivíduo, não só a maior segurança, mas também todos os meios necessários

para o seu aperfeiçoamento.

Page 11: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O maior perigo do coletivismo mal orientado está na tendência de querer

suprimir o indivíduo e coibir a livre expansão das suas faculdades e talentos.

Valores reais se perderiam deste modo, o que, cedo ou tarde, redundaria em

detrimento do Todo Social.

O Oriente possui o segredo da evolução individual, mas não conseguiu

desenvolver uma vida coletiva para as massas que lhes assegurasse um bem-

estar dignamente humano; e por isto milhões de seres humanos vegetam e

sofrem em condições indizivelmente tristes.

No Ocidente houve mais coletivismo, mas, devido à falta de cultura individual, o

próprio coletivismo degenerou em maldição.

Quando surgirá o homem completo, integral, o homem cósmico?

Já apareceu, mas são poucos que conseguiram trilhar o mesmo caminho.

“Eu vim para que os homens tenham a vida – e a tenham em maior

abundância.”

A RELIGIÃO DE EINSTEIN

“A minha religião – diz ele – consiste numa humilde admiração do espírito

supremo, ilimitado, que se revela nos pequenos detalhes que somos capazes

de perceber com a nossa mente débil e fraca: – a presença de um Poder

Racional superior, revelado no universo incompreensível – é o que é a minha

idéia de Deus.”

O COSMOS É INDIVISÍVEL

Escreve o grande cientista contemporâneo, Dr. Gustavo Stromberg: “Temos

razões para crer que todos os atributos do cosmos sejam interrelacionados e

formem um Todo unificado. O cosmos em si mesmo é um e indivisível; e é

devido a uma peculiaridade da nossa mente e do nosso sistema nervoso que o

apreendemos na forma de categorias (quer dizer: fenômenos concretos).

Matéria, vida e consciência têm as suas raízes num mundo além de tempo e

espaço.”

CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO

Escreve Lincoln Barrett, na obra The Universe of Dr. Einstein: “Permanece o

mistério fundamental. Toda essa marcha da ciência rumo à unificação dos

Page 12: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

conceitos – a redução da matéria a elementos, a uns poucos tipos de

partículas, a redução das forças ao simples conceito de energia – tudo isto

continua ainda a locar-nos ao Desconhecido.”

HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES

GÊNIOS RELIGIOSOS

Escreve o filósofo Erich Fromm, em seu livro Psychoanalysis and Religion:

“Quando tentamos dar um quadro da atitude humana que serve de substrutura

ao pensamento de Lao-Tse, de Buda, dos Profetas, de Sócrates, de Jesus, de

Spinoza e dos filósofos do Esclarecimento, fere-nos a atenção o fato de que,

não obstante notáveis diferenças, existe um centro de idéias e normas comuns

em todos esses ensinamentos. Sem pretendermos apresentar uma formulação

completa e precisa, passaremos a descrever, aproximadamente, esse centro

comum:

1) deve o homem esforçar-se para atingir a verdade, e o homem só pode ser

plenamente humano na proporção que realizar essa sua missão;

2) deve o homem ser independente e livre, um fim em si mesmo, e não um

meio para os propósitos de quem quer que seja;

3) deve estabelecer entre si e seus semelhantes uma relação de amor; se lhe

faltar o amor, não passará de um invólucro vaio (empty shell), mesmo que

possuísse todo o poder, todas as riquezas e toda a inteligência;

4) deve conhecer a diferença entre o bem e o mal, e deve aprender a ouvir a

voz da consciência e tornar-se capaz de segui-Ia.”

O PERIGO DE NÃO FAZER NADA

“Entre as grandes coisas que não podemos fazer, e as pequenas coisas que

não queremos fazer, existe o perigo de não fazermos coisa alguma.” (Adolphe

Monod.)

PALAVRAS FORTES – CAUSA FRACA

“Palavras fortes e amargas indicam, geralmente, uma causa fraca.” (Victor

Hugo.)

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O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO

“Quando duas pessoas fazem a mesma coisa, a coisa não é a mesma.”

(Publius Syrus.)

ALTO – MAS NÃO DEMAIS

“Ascende acima das restrições e das convenções do mundo – mas não tão alto

que as percas de vista!” (Richard Garnett.)

CRIMES E VÍCIOS

“Crimes, quase sempre nos chocam demais – vícios, quase sempre, nos

chocam de menos.” (C. Hare.)

EXCESSIVAMENTE CLARO

Dizem uns: O homem de hoje paga os seus débitos de ontem.

Opinam outros: O homem de hoje paga os débitos do pai comum da

humanidade.

Acham outros: O homem de hoje não paga débito algum, mas nasceu

simplesmente nesse estado inferior.

Essas três teorias, sobretudo a primeira e a segunda, são demasiadamente

simples e claras, para serem aceitáveis. Coisa que a inteligência possa

facilmente compreender e que não deixe margem para dúvidas e obscuridades,

é suspeita de estar aquém da verdade integral. As grandes verdades são

certas, intuitivamente, mas não analisáveis, intelectualmente. Podemos intuí-

Ias com a razão espiritual, mas não inteligi-Ias com a mente.

Felizmente, nem é necessária essa análise intelectual. Muito mais importante

do que esquadrinhar o donde e o porquê do sofrimento é saber o para quê do

mesmo e o como da atitude a assumir em face dele, para que promova a nossa

evolução rumo às alturas.

A VOZ DA INTUIÇÃO

Um senso íntimo e indefinível me diz:

Page 14: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

1) que não fui o que sou, e que posso vir a ser mais do que sou;

2) que aquilo que posso vir a ser depende de uma integração no Todo, de um

serviço prestado ao Universo, ao Todo, a Deus;

3) que todo isolamento ou separatismo é pernicioso, mau, pecador, infeliz;

4) que a integração no grande Todo é feito pelo Amor, por um amor racional,

espontâneo, radiante, jubiloso;

5) que esse grande Todo me é acessível, diariamente, na forma da

humanidade, de cada um dos meus semelhantes, e da própria natureza infra-

humana;

6) que, à luz desse Amor Universal, o passado do homem se torna

compreensível, não no plano intelectivo, mas sim o plano intuitivo, que é o

verdadeiro saber.

Tudo isto que estou dizendo a meus leitores, digo-o em primeiro lugar a mim

mesmo. Eu sou o meu leitor e ouvinte número um – o meu pequeno Eu físico-

mental está sentado como dócil discípulo aos pés do Mestre, que é o meu Eu

espiritual, o meu Cristo interno, o meu Emanuel.

QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU

Deus é aquela Realidade Universal, Absoluta, Infinita, Eterna, Única, que

ultrapassa todas as fronteiras das nossas análises intelectuais. Para além dos

extremos horizontes de todos os nossos mais arrojados silogismos começa

Deus, que não é isto nem aquilo, nem a soma total de todos os fenômenos do

universo. Só sei de Deus pela experiência íntima do meu próprio Eu divino.

Quem julga ter provado a Deus pelo intelecto é ateu.

E quem adora esse Deus demonstrado é idólatra.

A VIDA NÃO É UMA TEORIA

Há quem se diga agnóstico, há quem se chame ateu. Ambos ignoram a Deus;

mas o agnóstico ignora-o sem quebra da lógica, ao passo que o ateu o ignora

assassinando a lógica, porquanto afirma conhecer algo que, segundo ele, não

existe – como se o inexistente, o puro nada, pudesse ser objeto de

conhecimento!

Na prática, porém, não há nem agnósticos nem ateus. Em teoria é possível

manter-se alguém numa atitude de suspensão ou neutralidade, porque a teoria

Page 15: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

é um esqueleto inerte; na prática, porém, todo homem assume atitude ou

positiva ou negativa – a neutralidade é uma simples ficção mental, inexistente

no plano da realidade concreta da vida humana.

CRER OU DESCRER NADA RESOLVE

Crer em Deus não resolve os problemas da vida – descrer dele, ainda menos.

Mas o crer torna suportáveis os sofrimentos da existência, ao passo que o

descrer os torna insuportáveis.

A única coisa que realmente resolve os problemas é o saber, isto é, a

experiência íntima da realidade de Deus. Em face do saber desmaiam a noite

do descrer e o crepúsculo matutino do crer, assim como as trevas e penumbras

fogem diante do sol nascente.

Entretanto, o crer é de suma importância, porque é o prelúdio do saber.

Ninguém pode saber sem primeiro crer.

HARMONIZAR O AGIR COM O SER

No meu íntimo SER sou Deus; por isto, no meu externo AGIR também devo ser

como Deus. Devo combinar a horizontal da minha ética com a vertical da minha

mística, a fim de ser redimido por essa cruz, de ser positivo, mais, infinito,

como esse sinal simbólico. Todo o mal da minha vida vem da discrepância

entre o meu AGIR e o meu SER.

UNO E MÚLTIPLO

Deus é um ou uno em sua essência, no seu eterno SER – porém múltiplo na

sua existência, no seu AGIR temporário. Os mundos múltiplos são a expressão

do Deus uno e único.

“CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA”

Um brâmane, cultor da mística estática das cavernas solitárias, insistia com

Mahatma Gandhi que se retirasse do bulício do mundo e da política para o

silêncio duma caverna, a fim de se salvar; ao que Gandhi replicou: “Trago essa

caverna dentro de mim.”

Page 16: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO

– RELIGIÕES PARA ELITE

Essas religiões são para pequenas elites, seitas, irmandades piedosas, não

para a humanidade como tal. No catolicismo romano, só uma pequena elite, os

sacerdotes, frades e freiras, com os seus votos separatistas, é que são

considerados cristãos de primeira classe; os leigos e casados são tolerados,

como seres de segunda classe.

De modo análogo, no budismo e bramanismo.

O cristianismo, porém, é universal; exige de todo e qualquer homem uma

santidade e perfeição completa, uma religião da vida inteira, e não apenas de

certas horas devocionais.

A única consolação que as religiões ascéticas orientais, e o romanismo clerical

do Ocidente, podem dar ao homem no meio do mundo é ter pena dele e

augurar-lhe melhor sorte numa futura reencarnação, ou então recomendar-lhe

que se resigne com um lugarzinho secundário no céu, deixando os lugares de

honra, na imediata vizinhança de Deus, aos heróis da renúncia do mundo de

Deus. Para todos eles, a perfeição não está em usar corretamente as coisas

que Deus nos deu, mas em recusá-Ias com soberano desdém.

PAZ INTERNACIONAL – SÓ NO CEMITÉRIO

Depois da primeira guerra mundial, alguém, visitando a Europa devastada, viu

por toda a parte cemitérios e mais cemitérios de soldados mortos –

americanos, ingleses, alemães, franceses, italianos, russos, israelitas – todos

eles pacificamente sepultos uns ao lado dos outros – e não havia guerra entre

eles...

Será que só quando morto pode o homem estar em paz com seus

semelhantes?

Sim, só depois de morto – ou morto para a vida do corpo, ou então morto para

a vida do seu egoísmo. Se não quiser morrer para o egoísmo, terá de morrer

para a vida corpórea, se é que quer ter paz com seus irmãos humanos.

Só a pleni-vida do espírito, em vez dessa semi ou pseudo-vida do corpo e da

mente é que lhe poderiam garantir perfeita paz no meio duma vida abundante.

“Eu vim para que os homens tenham a vida, e a tenham em maior abundância.”

“Dou-vos a minha paz”...

Page 17: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

“Isto vos disse para que minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa

alegria”...

PEIXINHOS EM POÇAS D’ÁGUA DA PRAIA

Cada grupo de peixinhos nessas poças que a maré deixara na arenosa praia

discutia com os inquilinos de outras poças, afirmando ser a sua poça o mar e

serem eles os únicos habitantes legítimos do oceano.

De repente, enorme vagalhão levou de roldão todas as pocinhas d‟água

juntamente com seus orgulhosos íncolas, abismando-os nas profundezas do

mar.

E os peixinhos viram que eram todos irmãos e habitantes do mesmo oceano.

BUROCRATIZANDO OU VOLATILIZANDO

O CRISTIANISMO

São estes os dois grandes perigos da atualidade. O sectário estreito

burocratiza o espírito de Cristo, procurando encerrá-lo em fórmulas

doutrinárias. O liberal superficial volatiza a alma do cristianismo, difundindo-a

pelos vastos areais da sua indiferença religiosa, até não sobrar nada da divina

essência do Evangelho.

Respeitar a infinita verticalidade do Evangelho, e ao mesmo tempo

horizontalizá-lo até aos últimos confins do universo – isto é tremendamente

difícil, porquanto o vertical da profundidade e sublimidade parece negar o

horizontal da amplitude e universalidade. Assim parece aos profanos liberais e

aos estreitos sectaristas – mas o verdadeiro iniciado sabe por experiência

íntima que não há antagonismo real entre o vertical da experiência individual e

o horizontal da organização social. Mas, para unir permanentemente a barra

horizontal com o tronco vertical, requer-se tamanha força espiritual que poucos

conseguem essa suprema realização, filha do encontro pessoal com Deus.

ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA

A Bíblia, sobretudo no mundo protestante, foi transformada numa simples

coletânea de preceitos éticos ou numa teologia escolástica, em uma espécie de

dose de ópio destinada a manter pacientemente submissas as bestas de carga

humanas; dos misteriosos surtos de experiência mística que produziram a

Bíblia, desse vastíssimo incêndio do espírito divino de que as palavras

Page 18: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

humanas são apenas cinzas frias – disto nada sabem nem suspeitam os

cultores da “letra morta”. A “bibliolatria”, como lhe chama Harry Émerson

Fosdick, é a pior inimiga da Bíblia.

REALISMO – IDEALISMO

O Cristianismo é um vasto realismo horizontal, animado por um profundo

idealismo vertical.

O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS

Ou o homem tem experiência de Deus – e neste caso vê a Deus no mundo e o

mundo em Deus; ou não tem experiência de Deus – e neste caso vê o mundo

sem Deus. No meio desses dois extremos estão os que, embora não tenham

experiência de Deus, têm contudo a boa vontade de a possuir, e isto é crer. O

crente não vê a Deus no mundo, nem o mundo sem Deus – mas adivinha Deus

para além do mundo.

Para o descrente e o insciente, Deus é inexistente.

Para o crente, mas ainda insciente, Deus é existente, porém ausente.

Para o experiente ou sapiente, Deus é ao mesmo tempo imanente no mundo e

transcendente ao mundo. Este é o homem integral, cósmico, crístico.

TOTALITARISMOS – CATÓLICO

E PROTESTANTE

“O catolicismo tem sustentado o nazismo, o fascismo, o integralismo, e todas

as outras formas de totalitarismo político, porque ele mesmo é o totalitarismo

por excelência, e numa esfera mil vezes pior que a esfera política, na espera

espiritual da consciência. Os países de preponderância católica são

invariavelmente aqueles em que o comunismo medra mais espantosamente.

O protestantismo tem sustentado o capitalismo e todas as formas de

totalitarismo econômico, embora, em teoria, invoque os direitos do indivíduo

humano.

Só uma profunda e completa remodelação da mentalidade individual, católica e

protestante, é que poderá salvar a civilização cristã do Ocidente” (adaptado).

Page 19: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

MARIA – PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA

MÍSTICA-SOCIAL

Maria, tocada pelo Espírito Santo, tornou-se a primeira revolucionária em prol

do reino de Deus, na era cristã, quando exclamou:

“Serviu-se do poder do seu braço para dispersar os soberbos na mente do seu

coração e exaltar os humildes... Depôs dos seus tronos os orgulhosos e

sublimou os pequeninos... Encheu de bens os famintos e mandou embora

vazios os ricos.” (Lc. 1,51-53.)

TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA

Toda e qualquer revolução que venha apenas como um belo movimento ético

ou social está derrotada mesmo antes de começar, porquanto toda a ética é,

em si mesma, difícil, cruciante, sacrificial – e estas coisas não têm garantia de

solidez e perpetuidade. Só as coisas experimentadas como fáceis,

espontâneas e deliciosas é que possuem essa solidez e perpetuidade.

Toda revolução construtiva tem de ser baseada, portanto, numa compreensão

profunda da realidade do homem e do mundo, numa luminosa visão da

essência central das coisas, numa veemente revelação de dentro, porque só

esse contacto direto e imediato com a Realidade Eterna do homem e do

mundo, essa visão mística do Todo, é que torna a ética fácil e a virtude

deliciosa, ateando no homem um incêndio cósmico de amor e de entusiasmo

pela verdade e pelo bem.

Só se eu conseguir transformar o meu deserto em um oásis, é que estarei

disposto a habitar nesse deserto, transformado, pela intuição da verdade

oculta, num paraíso de vida e beleza.

Felizmente, essa transformação não é filha da ilusão, mas é uma realidade

infinitamente mais real do que todas as pseudo-realidades da superfície, uma

vez que a onipresença de Deus e sua imanência em todas as coisas, também

no deserto, é um fato, e não uma fantasia. Não experimentar essa imanência

de Deus em tudo é ver no deserto um deserto de fastidiosa monotonia e

vacuidade – mas, desde o momento que o homem experimenta o Deus

onipresente e oni-imanente, deixou o deserto de ser uma vacuidade inerte e se

transformou numa exuberante plenitude vital. O que mudou não foi o deserto –

que nunca esteve “deserto”, mas sim o homem, que de cego se tornou vidente,

de ignorante se tornou sapiente, de profano se tornou iniciado, de morto se

tornou vivo.

Page 20: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS

DO CRISTIANISMO ETERNO

Nos três primeiros séculos não existe, propriamente, interpretação do

Cristianismo, porque todo cristão experimentava e vivia diretamente essa

estupenda realidade. O fato da invasão do mundo espiritual no mundo material

era para eles uma realidade objetiva; subjetivamente vivia em toda a sua

plenitude, profundidade e amplitude.

No início do quarto século, porém, tinha essa experiência de Deus arrefecido a

tal ponto que se tornou necessária uma teoria escolástico-teológica sobre essa

grande realidade – fogo bem pintado em vez de fogo real. E esse fogo artificial

da teologia teve de substituir o fogo natural do Evangelho, e o cristão foi

obrigado a crer na realidade desse fogo irreal na tela teológica, sob pena de

ser excomungado da igreja de Cristo. A fim de dar maior realce à ilusão do fogo

artificial como sendo fogo real, foram invocados todos os recursos da política,

do militarismo, da sociologia, da psicologia, do ritualismo externo, e da força

bruta – cruzadas, inquisições, excomunhões, etc. Mas o fogo artificial da

teologia não se transformou no fogo real do Evangelho. Os “hereges”,

excomungados, passaram a excomungar os seus excomungadores – e seguiu-

se o caos eclesiástico ao cosmos evangélico.

Com Constantino Magno, esse imperador pseudo-converso, surgiu, no setor

romano do Cristianismo, o ideal da ditadura dos corpos e das almas, que até

hoje continua, pelo menos como ditadura das almas, já que os governos

modernos negaram aos teólogos eclesiásticos a ditadura dos corpos.

Aparece, no século 16, a tentativa de uma interpretação democrática do

Cristianismo: cada indivíduo tem o direito de saber por si mesmo, graças a

seus inalienáveis direitos humanos, o que é Deus, o Cristo, a vida eterna, sem

a necessidade de interrogar o infalível pontífice de uma igreja hierarquizada.

Mas a democracia eclesiástica do protestantismo acabou em anarquia religiosa

– por quê? porque eram pouquíssimos os homens espiritualmente maduros e

adultos para encontrarem a Deus por si mesmos e em si mesmos. O que

encontraram foi o Lúcifer do ego em vez do Espírito de DEUS, porque não

cavaram bastante fundo, não atingiram até ao centro da revelação divina, mas

pararam na periferia da interpretação intelectual da Bíblia. Prevaleceu a

exegese teológica sobre a experiência mística. E assim a tentativa da

interpretação democrática do Cristianismo falhou, como falhara a interpretação

ditatorial.

Aparecem então os ascetas escatológicos – que aliás sempre tinham existido –

e tentaram interpretar o Cristianismo como negação radical da vida e do

mundo; quanto mais longe do mundo, tanto mais perto de Deus, e vice-versa.

Page 21: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Tentaram transformar o mundo de Deus num mundo sem Deus, ou num Deus

sem mundo, numa longínqua e solitária e desnuda Tebaida, onde o homem

desiludido do mundo se pudesse enamorar e inebriar de Deus, em mística

solitude e perpétuo êxtase.

Outros, cansados de fracassos, resolveram abrir mão de todas as lucubrações

teológicas e contentar-se com um Cristianismo puramente ético-social,

horizontalista, superficial. Para que investigar a origem das nascentes, quando

se pode beber das suas águas em qualquer ponto do percurso da torrente?

Basta que o homem seja bom, justo, correto, honesto, caridoso, afável, amigo

de todos, para ser um cristão perfeito e integral. Triunfou então a propínqua

superficialidade da ética humanitária sobre a longínqua profundidade da

mística divina. Entretanto, as almas mais profundas não valeram sopitar dentro

de si as saudades do abismo, a nostalgia do Infinito, o silencioso clamor da sua

anima naturaliter christiana; insatisfeitas com as águas derivadas da ética

cotidiana, subiram às montanhas eternas para saber onde nasciam essas

águas, de que rochedos brotavam, puras, incontaminadas, inderivadas – e

muitos desses pioneiros do Infinito nunca mais voltaram às planícies do finito;

inebriados da nascente divina, esqueceram-se de todos os rios humanos.

Outros, porém, continuaram a beber das águas, mais ou menos turvas, dos rios

da ética, inexperientes da linfa puríssima da sua nascente.

Quando aparecerá sobre a face da terra o homem cósmico? O homem integral,

o homem crístico, que dispense interpretação do Cristianismo, pelo fato de o

experimentar e viver em toda a sua plenitude, profundidade, sublimidade e

amplitude?

Já apareceu, esse homem cósmico, o filho do homem; nasceu no ano 1 da

nossa era, e foi crucificado no ano 33...

Entretanto, ele está conosco todos os dias até à consumação dos séculos,

cheio de graça e de verdade...

NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO

Não, há cristianismo-teoria.

Só há cristianismo-fato.

O cristianismo é uma realidade eterna, é realismo a 100%. Por falta de

realismo e excesso de irrealismo é que o homem deixa de ser cristão.

Antes da Encarnação, o Cristo, o eterno Logos, era Theoria (palavra grega que

quer dizer “visão”); depois da Encarnação, essa eterna Theoria ou “Visão” se

Page 22: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

tornou Praxis, isto é, “Ação”, atualizou-se, tornou-se realidade palpável, visível;

o espírito divino do Cristo materializou-se na carne humana de Jesus.

O cristianismo é uma permanente Encarnação: o Verbo, ou Logos, se faz carne

sem cessar e habita entre nós.

Também a vida de cada cristão é uma incessante Encarnação do Verbo, do

divino Logos da Alma eterna que se individualiza ou materializa na pessoa de

Pedro, Paulo, Maria, Isabel, etc.

A visão mística encarna-se diariamente na ação ética – e nasce o homem

cósmico, o homem integral.

DO CRISTIANISMO AO CRISTO

Não é o cristianismo que pode salvar o mundo, mas só o Cristo. O cristianismo

é, hoje em dia, teoria e teologia humana, o Cristo é realidade divina.

Qualquer reforma religiosa eficiente consiste no abandono das teorias e

teologias humanas e no retorno real e total ao Cristo.

O mundo de hoje nada tem que esperar do cristianismo, tudo tem que esperar

do Cristo.

O nosso cristianismo é ficção – o Cristo é fato.

O nosso cristianismo é um fogo pintado – o Cristo é um fogo real.

DA CARIDADE AO AMOR

Se houvesse entre nós mais amor, não haveria necessidade da caridade,

porque a caridade é filha da miséria, mas a miséria é filha da nossa falta de

amor. O egoísmo humano, que é falta de amor, cria a miséria, a indigência, a

pobreza, a fome, a desnudez; e, em face dessa numerosa prole gerada por

nosso desamor, faz-se mister a caridade. A caridade não remedia os males da

sociedade, apenas os atenua temporária ou parcialmente; é uma espécie de

injeção, de anestésico, de soporífero, de pomada ou cataplasma que o homem

egoísta que desejaria ser altruísta aplica às dolorosas chagas abertas pelo

egoísmo e desamor dos homens. Se não houvesse exploradores, não haveria

explorados, e, se não houvesse exploradores nem explorados, não haveria mi-

séria – e não haveria ambiente propício para exercer a caridade. O triunfo do

amor tornaria impossível o exercício da caridade – a não ser em casos

excepcionais, catástrofes inesperadas, terremotos, incêndios, enchentes, e

outros fenômenos não dependentes da maldade dos homens; nessas ocasiões

Page 23: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

excepcionais seria necessária a caridade, mesmo entre homens cristificados

pelo amor; mas a caridade não seria uma necessidade normal, permanente, da

nossa sociedade.

“Pobres, sempre os tereis convosco; a mim, porém, nem sempre me tereis.”

Será que não deveríamos traduzir: “Pobres, sempre os tereis convosco, se não

me tiverdes a mim”? A miséria sempre estará presente onde o Cristo está

ausente, e, por haver miséria gerada pela ausência do Cristo, faz-se mister a

caridade como lenitivo dessa miséria.

A abolição radical e definitiva da miséria está na proclamação e vivência do

amor.

Entre os primeiros discípulos do Cristo, referem os Atos dos Apóstolos, não

haveria um só indigente – porque havia o espírito do Cristo, que é amor.

CARIDADE, NÃO – JUSTIÇA, SIM

Numa das minhas viagens pelo Nordeste brasileiro, fui convidado a falar num

centro operário; ao entrar no recinto, verifiquei sobre a porta a legenda: “Não

queremos caridade – queremos a justiça do trabalho!”

Onde há amor, lá existe a justiça do trabalho, o trabalho devidamente

remunerado, de maneira que a pobreza não encontre terreno para prosperar, e

torne a caridade desnecessária. O cristianismo doentio dos nossos dias canta

apoteoses à filantropia, filha da pobreza e neta do egoísmo – essa filantropia

humanitária, talvez a mais perversa heresia dentro do cristianismo ocidental.

Tão grande é a sagacidade do nosso inextirpável egoísmo que chega a

camuflar em virtude os seus vícios, cantando entusiásticos hinos à caridade e

filantropia a fim de poder continuar impunemente, por detrás dessa cortina de

fumaça, as suas torpes manobras de descaridosa exploração e aumentar cada

vez mais a miséria – sob o rótulo hipócrita de caridade! E destarte, barrado por

essa satânica filantropia, não pode o amor do Cristo entrar no coração do

homem... “caritativo”...

E a miséria continua...

JESUS DEU ESMOLA?

Não consta. O que consta é que preparou um grupo de homens, como

fermento da massa profana, que tornasse desnecessária a esmola, porque

aboliria a pobreza pelo amor. Mas os cristãos, abolindo o amor, criaram a

pobreza, e, como consequência, a necessidade da esmola. E neste círculo

Page 24: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

vicioso se debate a humanidade até hoje – até que triunfe o espírito do Cristo,

que é amor e justiça.

DEUS NÃO ENTRA NA ALMA

Encontramos em todas as grandes filosofias e religiões a doutrina sobre a

imanência de Deus no homem. Essa imanência divina é chamada o Emanuel

(Deus em nós), o Cristo interno, a centelha divina no homem, o alicerce da

alma, a voz interior, a luz interna, o espírito santo que habita no templo do

corpo, o Eu central, a faculdade intuitiva, o Logos, a Razão, a Consciência

Cósmica, o chamamento interno, etc.

O certo é que Deus não entra nem necessita de entrar na alma; porquanto ele

está na alma desde o início, ou melhor, ele mesmo é essa alma. O que importa

é que esse Deus objetivamente presente na alma pela realidade ontológica se

torne também subjetivamente presente pela percepção lógica; isto é, que o

homem se torne consciente dessa imanência de Deus. Enquanto o homem

ignorar essa presença íntima de Deus, ele é mau, pecador, egoísta, porque

não renasceu ainda pelo espírito, não se despojou ainda do homem velho, nem

se revestiu do homem novo; mas no dia e na hora em que ele se tornar

consciente da realidade interna da imanência de Deus nele, esse homem

passará das trevas à luz, da morte à vida, do egoísmo ao amor, do pecado à

santidade. Não é possível que um homem que tenha conhecido o seu

verdadeiro Ser divino viva, por muito tempo, em desarmonia com essa

realidade por ele conhecida; cedo ou tarde, o seu Agir se conformará com o

seu Ser; a sua Ética se revestirá das cores da sua Mística; a sua Vida será

sintonizada pela sua Fé, se é que essa Fé é uma experiência íntima, e não

apenas a encampação externa de opiniões alheias.

APREENDER E COMPREENDER –

DESCOBRIR FATOS, REALIZAR VALORES

Aprende-se e apreende-se mentalmente – compreende-se espiritualmente.

Aprender e apreender é um processo analítico, silogístico, sensitivo-intelectual.

“Não há nada no intelecto que não tenha estado no senso”, diz o velho adágio

filosófico. O que os sentidos percebem fisicamente, o intelecto o concebe e

elabora metafisicamente; mas essa elaboração metafísica do intelecto não

despoja a percepção física do seu caráter visceralmente individual e unilateral.

Page 25: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Só quando o homem compreende – isto é, “prende totalmente” – é que ele

sabe de fato o que a coisa é em si mesma: Mas esse compreender não é um

processo analítico-silogístico, um ato sensitivo-intelectivo; o compreender é um

fato simultâneo, repentino, um lampejo de dentro, uma revelação ou iluminação

interna, e não uma aquisição externa. A compreensão não é derivada dos

objetos externos, mas do sujeito interno, do grande, eterno e infinito SUJEITO,

que é Deus, e que, em sua forma humana, se chama alma. Aprende-se de

fora, compreende-se de dentro. O aprender é feito pelo ego físico-mental – o

compreender é feito pelo ego racional-espiritual, pelo Emanuel, pelo Cristo

interno, por Deus em nós.

Para aprender necessita o homem de uma vasta expansão em sentido

centrífugo – para compreender requer-se uma profunda concentração em

sentido centrípeto.

A quantidade dos fatos externos apreendidos torna o homem erudito,

inteligente – a qualidade do valor interno compreendido torna o homem bom e

santo.

Nenhuma religião promete o céu aos homens inteligentes – todas prometem o

céu aos homens bons; porquanto, descobrir fatos fora de mim me faz apenas

erudito, mas não me faz bom; ao passo que realizar valores dentro de mim me

faz realmente bom. Eu sou o descobridor de fatos alheios, e isto não atinge a

essência do meu ser – mas eu sou também o criador de valores próprios, e isto

atinge a íntima essência do meu Eu humano.

Ainda que eu descobrisse todos os fatos objetivos do mundo externo, e fosse

assim um cientista a 100%, seria feliz? Não! Por que não? Porque não teria

criado nenhum valor humano dentro de mim, e, como a minha felicidade é

essencialmente idêntica a essa criação de valores internos, nenhum

descobrimento de fatos externos afetará o íntimo quê do meu ser; são fatos

periféricos, na superfície longínqua do meu Eu; é uma luz fria fora de mim, mas

não uma força cálida dentro de mim. O céu da minha felicidade não é fabricado

com a matéria-prima impessoal de fatos objetivos, que minha inteligência

descobre, mas sim com a força pessoal de valores subjetivos que minha alma

cria e realiza.

Satanás é o rei da inteligência – mas é infeliz, porque o seu mundo é feito de

fatos descobertos por sua poderosa inteligência, mas não de valores realizados

por seu espírito. E, por isto mesmo, o seu céu intelectual é o seu inferno

espiritual – um céu infernal.

Nenhum fato externo me pode fazer feliz ou infeliz – só uma realização interna

é que me abre as portas do céu ou do inferno.

Eu sou o criador do meu céu – eu sou o autor do meu inferno!

Page 26: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

É nisto que está o meu maior privilégio – e o meu maior perigo...

Quão estupenda era a filosofia cósmica daquele que disse: “Que aproveita ao

homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer prejuízo em sua própria

alma?”

Que aproveita ao homem descobrir e possuir todos os fatos externos, pela luz

da inteligência – se com isto perder um único grau do seu valor interno, que só

a alma pode realizar?

A ciência descobre os objetos – a consciência realiza o sujeito!

Eu sei do conteúdo da minha ciência – mas eu sou o conteúdo da minha

consciência! O que me faz feliz não é aquilo que eu sei, mas aquilo que eu

sou... Quando se fundirem numa grandiosa unidade cósmica aquilo que eu sou

e aquilo que eu sei – então serei perfeita e perenemente feliz...

“O DESERTO VIVENTE”

É este o título de uma das mais maravilhosas películas naturistas de Walt

Disney, The living desert (em vernáculo: “O drama do deserto”).

A vida de todo homem que atingiu certa altura de evolução interior é um

“deserto vivente”. A sua solidão externa cresce na razão direta da sua

vitalização interna. Os ruídos profanos da sociedade o atraem cada vez menos;

as deslumbrantes vacuidades do mundo profano deixam-no indiferente. Todas

as antigas bonecas de celulóide, soldadinhos de chumbo, aviõezinhos de mola,

pistolinhas de ar comprimido e outras maravilhas do jardim de infância com que

muitos se divertem a vida inteira, embora com nomes mais pomposos,

deixaram de lhe atrair a atenção e o interesse, desde que, no campo visual da

sua experiência interna, despontou um novo mundo de grandezas e

formosuras. Instintivamente, esse homem busca a solidão, não por algum

espírito de misantropia ou acerbo pessimismo, mas pelo irresistível fascínio

que esse novo mundo de estupendas maravilhas exerce sobre ele. É que ele

fez a experiência de que esse mundo imaterial é tanto mais visível, audível e

sensível quanto mais se calarem os ruídos profanos do mundo material. E ele

escuta, embevecido, a misteriosa sinfonia desse mundo e percebe a inefável

sacralidade da sua vida transbordante de beatitude...

Vai-se atrofiando, não raro, a vida material e social desse feliz vidente de

universos supra-sensíveis e ultra-intelectivos; a sua vida econômica declina...

Feliz dele se uma pessoa de posses materiais e de compreensão espiritual

entrar na vida desse homem!... Do contrário, acabará o seu contenedor

material por sucumbir sob a veemência do seu conteúdo espiritual... Entretanto,

mesmo assim, continuará ele a ser feliz, porque possui o principal da felicidade,

Page 27: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

a realização dos valores internos, mesmo com o sacrifício dos fatores

externos...

O seu deserto é vivo, transbordante de vida...

ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO

– O QUE É?

Acabo de escutar, numa estação emissora de Washington, um diálogo entre

um teólogo romano e um juiz sobre a divindade de Cristo. Afirmava o teólogo

que a maior desgraça era a negação da divindade de Cristo da parte de

milhares de cristãos do presente século.

Respondeu o juiz que ele considerava uma calamidade fazer depender a

salvação ou condenação da aceitação ou rejeição de um dogma como este.

Que quer dizer, afinal de contas, aceitar ou não-aceitar a divindade de Cristo?

Não consiste num ato de inteligência e vontade? E não depende esse ato da

maior ou menor clareza com que fulano ou sicrano percebe as razões pró ou

contra esse dogma? E não depende essa maior ou menor clareza de uma

instrução eclesiástica e certo grau de interesse neste ou naquele sistema

teológico? E que tem isto a ver com Deus, com salvação ou condenação?

Sou eu mais crístico e mais amigo de Deus depois de dizer “sim”, e menos

espiritual depois de dizer “não” a uma pergunta sobre a divindade de Cristo?

Na realidade, o meu “sim” ou o meu “não” nada tem que ver com o meu

verdadeiro cristianismo, se por cristianismo se entende a união com o espírito

de Deus, e não este ou aquele grupo eclesiástico a que pertenço por força de

nascimento ou de outras circunstâncias externas fortuitas.

O que decide sobre o fato de eu ser crístico ou não-crístico é a minha vida, a

profunda e permanente atitude do meu interno ser e do meu externo agir em

perfeita sintonia com o espírito de Cristo. Esse espírito, porém, nada tem que

ver com a forma deste ou daquele credo, mas resume-se nos dois grandes

mandamentos do amor de Deus e do próximo, nos quais “consistem toda a lei

e os profetas”. O “sim” ou “não”, verbal ou mental, em nada modifica a minha

atitude de ser e de agir, e é profundamente deplorável que uma grande parte

do cristianismo eclesiástico do Ocidente dê maior importância a essa profissão

de fé teológica imposta por seu grupo do que à realidade da sua vida emanada

do espírito de Cristo.

E, para salvar esse credo eclesiástico, os seus adeptos, através de séculos,

têm cometido, e continuam a cometer os maiores atentados ao espírito de

Cristo, matando infiéis e hereges, excomungando dissidentes, inculcando a

seus filhos o desprezo para com os que não professam o mesmo credo

Page 28: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

teológico – matam o espírito de Cristo para salvar uma teologia pseudo-

cristã!...

Enquanto eu não puder dizer, com absoluta verdade “Já não sou eu que vivo –

o Cristo é que vive em mim”, não aceitei o espírito de Cristo, embora professe a

mais ortodoxa das fórmulas sobre a divindade de Cristo. Mahatma Gandhi

nunca aceitou nenhum credo eclesiástico; Albert Schweitzer é conhecido como

herege pelas igrejas cristãs protocolares – mas dificilmente encontraremos dois

homens que vivam com maior pureza e fidelidade o espírito de Cristo, em

profundo amor de Deus e vasta caridade dos homens.

É de urgente necessidade que o mundo cristão se torne crístico, vivendo

realmente o espírito de Cristo, em vez de apenas professar teoricamente este

ou aquele dogma sobre a divindade de Cristo.

O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE?

Talvez não. Possivelmente, é mais repelente do que atraente. Nem é

necessário que o homem espiritual seja atraente. Geralmente, ele não atrai

outros a si – antes os “transtrai” para além de si. É como um desses marcos

quilométricos à beira da estrada ou setas nas encruzilhadas, cuja finalidade

não é fazerem-se adorados pelos viandantes, mas sim abandonados, depois

que o transeunte tomou direção certa.

O homem espiritual não deve ser como um espelho, que prende em si a

pessoa que nele se mira – deve ser como uma janela aberta através da qual a

gente enxerga as belezas da paisagem e vastos horizontes além. O nosso

egoísmo, naturalmente, insinua-nos a sermos espelhos atraentes – ao passo

que a verdadeira espiritualidade nos ensina a sermos janelas transcendentes.

Alguns dos discípulos de João Batista se escandalizaram com o fato de ser o

mestre abandonado por seus antigos seguidores, que foram em seguimento do

Nazareno, ao que o precursor respondeu: “Eu sou apenas o paraninfo, mas ele

é o esposo, convém que ele cresça e que eu desapareça” – isto era ser janela

aberta para o Cristo, e não espelho atraente para si mesmo.

O homem espiritual não faz com que outros tenham satisfação nele, mas

contribui para que os homens sintam insatisfação de si mesmos, vejam a sua

imperfeição e tenham desejo de maior perfeição.

O homem espiritual é um veículo, uma ponte, um canal, um dedo estendido

rumo ao Infinito.

O homem espiritual é uma passagem, e não uma parada; é uma entrada e uma

saída para Deus. A sua simples presença é um chamariz, um desafio, por

vezes um ultimatum e um doloroso exame de consciência.

Page 29: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O homem espiritual não é, em geral, uma fascinante personalidade, como

certos cavalheiros dos nossos salões elegantes. Possivelmente, é ele mais

repelente do que atraente, porque a sua retilínea lealdade aos princípios

eternos é inquietante para muitos. Sentem-se perturbados em sua presença,

como o Evangelista diz de Herodes em face do Precursor encarcerado. Em

presença do homem espiritual, muitos começam a pensar em coisa séria,

alguns até aprendem a orar. O campo magnético que circunda o homem

espiritual faz oscilar todas as agulhas que não estejam devidamente

polarizadas pelo norte divino – e ninguém sabe o que vai acontecer depois, nas

almas receptivas... Pode haver terremotos, tempestades, incêndios de

Pentecostes... Pode ser que muitos ídolos e fetiches, tidos por intangíveis e

sagrados, caiam dos seus pedestais...

“Segue-me!”...

“Deixa que os mortos sepultem os seus mortos – tu, porém, vai e proclama o

reino de Deus!”...

“Vai, dá todos os teus haveres aos pobres – e segue-me!”

Pode ser que alguém ouça, no silêncio de sua alma, coisas terríficas como

esses trovões, quando sai da presença de um homem espiritual.

Cuidado! Alta-tensão!...

Perigo de vida!...

Mantenha distância!...

Aí está um homem espiritual!...

DOIS TIPOS DE PREGADORES

Do sermão de um deles, diz Vieira, retiravam-se os ouvintes, ruidosamente

satisfeitos com o brilhantismo do orador – da presença do outro retiravam-se

todos em silêncio, insatisfeitos consigo mesmos e esquecidos do pregador.

Um deles era pregoeiro de si mesmo – o outro era arauto do reino de Deus.

TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE

O século 18 foi o século do “deísmo”, sistema filosófico-teológico que

considerava a Deus como o “grande Arquiteto do Universo”, transcendente a

seu mundo, como o artífice existente fora do seu artefato.

Page 30: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O século 19 foi o século do “Logos”, do Deus encarnado em Jesus, na forma

do Cristo, o Deus universal individualizado em homem.

O século 20 parece ser o século do Deus “imanente”, isto é, o Deus Universal

que, individualizado em Jesus, se universalizou no Espírito Santo (“santo” quer

dizer “universal”). Em sua íntima essência, todas as coisas são Deus, porque

não há nada real fora de Deus, a única Realidade; existencialmente, todas as

coisas são inferiores a Deus, porque nenhuma delas, individualmente, é Deus.

(Os ingênuos, incapazes de pensar logicamente, afirmam que isto é

“panteísmo”, porque não sabem distinguir entre “monismo e panteísmo”; todos

os grandes mestres espirituais da humanidade pensavam em termos de

monismo absoluto.)

Deus criou o mundo?

Certamente!

De quê? Do nada?

Sim, do nada do mundo – mas do Todo de si mesmo. Do nada da existência –

mas do Todo da Essência. O mundo foi criado não só por Deus, mas também

de Deus.

Então, o mundo é idêntico a Deus?

Não!

É separado de Deus?

Nem tampouco. O mundo não é idêntico nem separado de Deus – mas é

distinto dele, um com Deus pela eterna essência, diverso de Deus pela

existência temporal.

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS

Comunhão não pode ser criada artificialmente, ad hoc; ela é o resultado

espontâneo e natural de uma união que vai além dessa com-união

(comunhão). Onde não há união com um centro comum não pode haver com-

união entre os raios divergentes.

Quando dois ou mais homens se unem em Deus pela mística nasce entre eles

com-união pela ética. Os raios de um círculo aproximam-se uns dos outros na

razão direta que se aproximam do centro comum do círculo, e distanciam-se

uns dos outros na razão que se distanciam do centro. Não pode haver

comunhão (com-união) sem união. A paternidade única de Deus crea a

fraternidade universal dos homens. Querer estabelecer a fraternidade humana

Page 31: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

sem a paternidade divina é tão absurdo como querer fazer um círculo sem

centro ou um edifício sem alicerce.

A união é o atributo dos santos – a desunião é o característico dos pecadores.

Não há comunhão entre os maus – só pode haver comunhão entre os bons,

porque o mal é dispersivo por natureza, como os raios divergentes de um

círculo. Vigora secreta afinidade entre todos os santos, da terra e do universo,

embora os componentes dessa invisível Irmandade Branca não sejam

individualmente conhecidos uns aos outros. Eles atuam em silêncio, porque

têm onipresença cósmica. Quem faz parte dessa Irmandade Branca dos

Irmãos Anônimos sabe-a nas profundezas de sua alma e comunica-se com

seus semelhantes, a despeito de tempo e espaço, porque ele é um grande

“liberto” – a Verdade o libertou...

Quem puder compreendê-lo compreenda-o!...

QUE É PERSONALIDADE?

A personalidade principia com o ego – e culmina no Eu. Satã é o ego

petrificado – Cristo é o mais vigoroso Eu.

Um cão, uma vaca não têm ego nem Eu.

O homem profano desenvolveu o seu ego, mas não cultivou o seu Eu.

Quando o ego personal culmina no Eu individual, então desaparece a ilusão do

separatismo entre o homem e Deus e surge o grande unismo, o senso nítido

“Eu e o Pai somos um”, o grande “Eu sou”, o fascinante “Tat twam asi” (isto és

tu).

Toda a redenção está na transição do ego para o Eu – e toda a perdição está

na estagnação do ego no plano do ego.

Um só é o Eu do homem – muitos podem ser os seus egos.

Eternamente idêntico a si mesmo é o nosso divino Eu – variáveis são os

nossos humanos egos.

Eu sou o divino Eu – eu tenho humanos egos.

O ego é “persona”, isto é, “máscara” – mas o Eu é “indivíduo”, isto é, “indiviso”,

não-dividido, inseparável da Realidade eterna.

Quando o nosso ego personal nos sugere separação da Infinita Realidade

“Deus”, então começa a tendência centrífuga: o homem procura criar um reino

à parte, dele, só dele – e isto é “pecado”*.

Page 32: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

* “Pecado” e “separado”, em diversas línguas, têm o mesmo radical. Em alemão o vocábulo

sondern (separar) é filologicamente idêntico a suenden (pecar). Também em inglês assunder

(separado) e sin (pecado) têm o mesmo radical. Pecar é considerar-se separado do grande

Centro Cósmico, Deus. A redenção consiste no movimento contrário, “Eu e o Pai somos um.”

DESCOBRIMENTO – OU REVELAÇÃO?

O homem inteligente descobre pequenas coisas – grandes coisas são

reveladas ao homem espiritual, suposto que ele seja receptivo, que possua

espaços internos assaz amplos em que possa jorrar a plenitude do Além.

Será que eu conheço a Deus e o mundo espiritual assim como alguém que,

depois de muito pesquisar e varrer o céu com o telescópio, descobre,

finalmente, um astro? – ou será como quem levanta o fone do aparelho

telefônico e escuta o que alguém está dizendo do outro lado? Será que eu

descubro a Deus – ou que Deus se revela a mim?

O homem inteligente, escreveu Einstein, descobre aquilo que é (das was ist) –

o homem espiritual realiza aquilo que deve ser (das was sein soll). Descobrir se

refere aos fatos objetivos da natureza externa – realizar tem que ver com os

valores internos dentro do próprio sujeito.

Quem sabe o que é Deus, não descobriu um objeto de fora – teve uma

revelação do seu sujeito de dentro, uma vez que “o reino de Deus está dentro

de vós”.

Revelação, inspiração, vem a mim, subitamente, espontaneamente, é verdade

– mas (e aqui começa o grande mistério) não vem sem mais nem menos,

automaticamente, sem nenhuma cooperação da minha parte. Eu, é verdade,

não sou o autor e a causa desse subitâneo relâmpago em plena noite, mas

tenho de contribuir algo do meu para que esse relâmpago venha. Não há

descarga elétrica se não houver pólo negativo que, com a sua veemente

vacuidade, chame a plenitude complementar. Não sou causa da revelação,

mas sou condição indispensável. Se eu nada faço, Deus nada faz. Daí conclui

o ignorante que é ele mesmo o autor e a causa do efeito espiritual. Confunde

causa com condição. O abrimento duma janela condiciona a iluminação da sala

– mas não causa essa iluminação. O abrimento duma torneira condiciona o

jorrar da água – mas a torneira aberta não é causa dessa água.

Tenho de agir intelectualmente como quem usa telescópio – e depois tenho de

portar-me espiritualmente como quem escuta um telefonema. Tenho de ser

intelectualmente ativo e espiritualmente passivo – essa atividade passiva, ou

passividade dinâmica, é que é o segredo das grandes inspirações.

O espírito de Deus atua espontaneamente – mas não arbitrariamente.

Page 33: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Tudo acontece segundo leis eternas.

A graça, embora seja de graça, não é um fenômeno arbitrário.

Deus não é capricho – Deus é a Lei.

Devo trabalhar intensamente, como se tudo dependesse de mim – e ao mesmo

tempo devo orar intensamente, como se tudo dependesse de Deus. Sintetizar

esses dois pólos, aparentemente antitéticos, é tarefa trágica na vida humana. É

tão fácil ser extremista, para a direita ou para a esquerda – mas é

tremendamente difícil ser centralista. Há milhares e milhões de homens que

esperam tudo só de Deus ou só de si mesmos – mas há pouquíssimos que

esperam tudo de Deus através de si mesmos, que saibam unir a causa divina

com a condição humana.

Da união desses dois pólos, divino e humano, positivo e negativo, é que nasce

toda a luz e toda a força da vida humana.

CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA

NEM SUFICIENTE

Se não tenho certeza infalível de certas verdades básicas, como a existência

de Deus e a imortalidade, é impossível a salvação, porque estou sujeito a erros

e aberrações.

Assim diz certa teologia eclesiástica. E conclui: “Por isto, é necessário que

haja, através dos séculos, um homem infalível neste mundo, que possa decidir

com clareza e precisão o que é verdade e o que é erro.”

Muitos adotam essa espécie de “lógica”.

Entretanto, essa “lógica” é um grande ilogismo.

Antes de tudo, que quer dizer “certeza”? E donde vem ela?

É verdade que determinada pessoa me pode dar certeza de uma realidade

espiritual, pelo fato de afirmar simplesmente “isto é assim”, “isto não é assim”?

Será que, depois de ouvir essa afirmação ou negação, eu tenho uma certeza

que antes não tinha? Se eu não tinha certeza da existência de Deus, e uma

pessoa infalível afirma “Deus existe” – é verdade que agora tenho certeza

desse fato?

Neste ponto, Buda era bem mais lógico do que certos teólogos. Quando

alguém perguntava ao grande iluminado o que era Deus, Buda não respondia.

Por que não? Porque, se o consulente não sabia por experiência própria o que

Page 34: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

era Deus, nem o saberia depois de ouvir uma definição da parte de alguém que

o sabia; mas, se o consulente sabia o que era Deus, a afirmação de um

terceiro não lhe daria certeza, nem a sua negação lhe tiraria a certeza que ele

possuísse.

Quem sabe por experiência interna que há Deus pode tranquilamente escutar

todas as negações desta verdade – nada modifica a sua experiência interna,

que lhe dá certeza.

A grande e gloriosa verdade é esta: Ninguém me pode dar experiência que não

tenho – e ninguém me pode tirar a experiência que tenho. A certeza, porém,

vem da experiência interna, e não de argumentos externos. Quem tem

experiência é invulnerável em sua certeza. A experiência não é transferível

nem auferível. Ela não vem de fora da alma – ela brota das divinas

profundezas da alma.

Por isto, é profundamente ilusório querer dar certeza a alguém por intermédio

de um homem infalível. Suposto mesmo que esse homem infalível tivesse, ou

tenha, essa certeza experiencial, nem por isto poderia ele dar aos filhos da sua

igreja essa certeza, que é absolutamente intransferível. Transferíveis são as

coisas externas, de corpo e da mente, os argumentos, as provas científicas, as

demonstrações analíticas – mas nada disto me dá certeza real de Deus e da

vida eterna. Quem não tem experiência interna não tem certeza de uma

realidade espiritual.

O único auxílio que fatores externos nos podem prestar, nesse plano, é o fato

de aplainarem o caminho que leva a essa certeza definitiva. Mestres,

educadores, escritores, oradores, diretores espirituais podem apontar-nos o

caminho certo onde nós possamos ter certeza espiritual – mas nenhum deles

nos pode dar essa certeza. Todos eles são como setas na encruzilhada,

marcos à beira da estrada, que indicam o rumo certo, mas não obrigam o

viandante a seguir caminho certo.

O rumo indicado pelo maior dos mestres da humanidade, nas páginas áureas

do Evangelho, sobretudo no Sermão da Montanha, possui o máximo de certeza

que se possa imaginar, e a sua linguagem é absolutamente clara e precisa;

querer criar uma instância de certeza acima da certeza dada por Jesus Cristo é

procedimento absurdo, e até arrogante. Não há nada mais infalível que as

palavras de Jesus, no Evangelho.

Daí, porém, não se segue que todo homem que leia o Evangelho da certeza

tenha certeza daquilo que Jesus afirma. Enquanto o leitor for apenas leitor, não

terá certeza alguma; só se passar a viver, por experiência íntima, o espírito do

Evangelho, é que ele terá certeza. A certeza não vem da inteligência – vem da

vivência. Quem não vive a alma do Evangelho não tem certeza das verdades

por ele proclamadas. Saber não quer dizer ter ouvido dizer, ter lido, ter

Page 35: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

decorado; saber quer dizer literalmente saborear. Saborear, porém, não é um

processo mental, mas uma experiência vital. Quem não saboreia a realidade

espiritual não sabe como é que ela sabe, que sabor tem, porque lhe falta a

experiência vital da realidade espiritual.

A certeza teológica não é necessária – nem é suficiente.

PENSAMENTO SINTETIZADO

“Escrevi um livro tão grande – disse alguém – porque não tive tempo para

escrever um livro pequeno.” De fato, para condensar devidamente em 100

páginas o que está derramado em 1.000, requer-se mais tempo e, sobretudo,

maior intensidade de pensamento do que para ser difuso e prolixo.

ORAÇÃO – ESSÊNCIA DE TODAS

AS RELIGIÕES

Não há hereges em matéria de oração. Todos os homens espirituais de todas

as religiões do mundo concordam em que a oração é a quintessência nas

relações do homem com Deus.

Duas coisas são absolutamente certas: 1) que a oração, quando genuína, é

sempre um elemento positivo e benéfico na vida do homem; 2) que ignoramos

totalmente como a oração atua sobre a vida humana; a sua técnica peculiar

nos é de todo desconhecida. Sabemos apenas o “quê” – ignoramos o “como”

da oração.

Ninguém sabe se a sua oração vai ser eficiente na direção em que ele deseja

ou espera; ignora se aquilo que ele tem em mente vai acontecer ou não. A

oração parece algo como um jogo de azar, totalmente arbitrária. Na realidade,

é certo, a oração obedece a leis invariáveis – mas o homem não conhece

essas leis.

O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR

A verdadeira oração, inteiramente pura e autêntica, não é peticionária, é

simplesmente afirmativa; não pede nada, afirma apenas uma grande realidade.

Todas as grandes religiões conhecem a oração afirmativa – o Budismo, o

Brahmanismo, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Taoísmo, o

Zoroastrianismo.

Page 36: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

A oração inferior ou peticionária é, fundamentalmente, egocêntrica – ao passo

que a oração superior, afirmativa, é essencialmente teocêntrica. Nesse estágio

superior de experiência, o homem ultrapassa o próprio Eu e se perde em Deus;

emigra do pequeno indivíduo e imigra no grande Universal. A oração superior

tem algo de nirvânico, porque nela o homem perde a consciência objetiva do

ego e se dilui totalmente na consciência subjetiva do Todo.

Nessa total ego-evacuação e nessa intensa teo-plenificação, que o místico

experimenta como divina embriaguez, o homem se identifica com a suprema

Realidade e diz silenciosamente: Santificado seja o teu nome... Venha o teu

reino... Seja feita a tua vontade...

Essa oração afirmativa supõe uma constante e inalterável experiência da

Suprema Realidade, onipresente e onipenetrante.

Nessa zona, qualquer pedido, por mais altruístico, seria impossível e absurdo.

Quem pediria? O que pediria? Falta tanto a consciência do “quem” ou sujeito,

como também a noção do “quê” ou objeto, porque essa polaridade é criação da

pequena consciência físico-mental, que, nesse plano, não funciona.

Uma vez que a minha consciência individual submergiu irrevogavelmente no

oceano da grande Consciência Universal – como poderia eu sofrer tamanha

decadência ao ponto de pedir algo? Mesmo o algo mais perto de mim, o meu

ego, deixou de existir – quanto mais os algos mais distantes de mim, os objetos

do mundo externo.

É, pois, evidente que o homem imerso na oração superior é incapaz de pedir

algo a Deus, e isto não por virtuosidade, mas sim por grande compreensão e

sabedoria. O seu único desejo é a crescente identificação com a Realidade

Infinita.

“Venha o teu reino...”

“Seja feita a tua vontade...”

* * *

Entretanto, cada um deve orar no nível em que vive, sem orgulho nem

presunção. A total realização do nível em que vive de momento é a melhor

preparação para a ascensão a um nível superior.

Conformidade e não-conformidade – é esta a grande lei da evolução. Deve o

homem conformar-se plenamente com o nível da sua evolução atual – e ao

mesmo tempo não-conformar-se de modo que nele encontre definitiva

satisfação. Se não se conformar com o que tem, vai ser tragado

impiedosamente pelo ambiente em permanente luta – se, depois de se

conformar, não se inconformar, entrará em estagnação e morte.

Page 37: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

* * *

A razão por que não podemos entender como a oração atua é o fato de que

“entender” representa um “menos”, algo individual, unilateral – ao passo que a

oração em si mesma tem que ver com um “mais”, com a ordem cósmica,

universal, onilateral, com o grande TODO. O “menos” não pode jamais

“compreender” (prender, abranger, totalmente), mas tão-somente “entender”, e

assim a maior parte do “compreender” fica fora da sua zona e jurisdição.

Por isto, o benefício da oração é certo, mas o modo como ela atua é incerto, e

nunca será certo, à luz do intelecto analítico. A oração nunca será objeto de

uma investigação ou técnica científica.

O mundo fenomenal jamais poderá compreender o mundo numenal, embora

este domine aquele.

Pela oração, o homem, primeiramente, entra para seu interior, para dentro da

Realidade; daí ele toma rumo ao mundo exterior, levando consigo a luz de

dentro e transfigurando com esta luz todas as coisas do mundo externo.

Graças a essa completa identificação com a Última Realidade, a oração

superior adquire, ou antes recebe, uma compreensão total da Realidade, que é

Sabedoria Cósmica, Sabedoria que, até essa data, lhe era oculta.

O requisito preliminar e a condição sine qua non desse estágio superior de

experiência é não somente uma caridade geral, no sentido ético, mas também

uma irrestrita reverência e lealdade para com todas as formas de vida. Essa

constante e espontânea afirmação de todas as formas de vida, irradiações da

Vida Universal, cria na alma um clima de profunda paz, uma completa ausência

de ansiedade, e, por isto, uma alegria e uma beatitude que ninguém conhece

que não tenha submergido nesse luminoso oceano da Suprema Realidade.

Para o homem identificado com a Suprema Realidade já não existe, nem pode

existir, medo, porque medo supõe inferioridade, que nasce da ignorância – ele,

porém, é um sapiente,

Essa experiência divina, que é o fruto maduro da oração, faz o homem

totalmente livre, e, portanto, onipotente.

Por meio da oração volta o homem, perifericamente disperso, a um TODO

central; e esse sentir-se-um com o grande TODO lhe dá indizível segurança e

felicidade. Todo o dualismo causa insegurança-e infelicidade.

Pela oração, eu me afasto do pluralismo do mundo objetivo e incerto e me

aproximo do monismo do mundo subjetivo e certo. O resultado desse

afastamento do caos não é monotonia, mas sim harmonia.

Page 38: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Mas só o verdadeiro iniciado sabe o que é harmonia; para os outros é apenas

uma bela palavra ou um lindo ideal.

A oração me faz saborear o grande Além-de-dentro – que é o grande Além-de-

fora; depois de cruzar a fronteira da minha consciência. “Eu e o Pai somos

um”...

A FASCINANTE AVENTURA DA

ORAÇÃO SUPERIOR

A prece, nos seus estágios superiores, aparece sempre aureolada de um tal ou

qual espírito aventureiro – a tendência de abandonar o que é familiar,

confortável, facilmente compreensível e atingível, e o anseio de explorar

mundos ignotos e dificilmente conquistáveis. Velhas garantias e seguros

tradicionais são ultrapassados, e, em lugar deles, surge o espírito pioneiro de

uma grande mobilidade através de zonas de estranha incerteza inicial.

Desaparecem os estreitos trilhos do instinto rotineiro e aparecem as tateantes

interrogações do vasto mundo da fé... Desperta na alma outonal a tendência

migratória da sua íntima natureza... Sem saber exatamente para onde vai,

sente a necessidade de abandonar as conhecidas querências de antanho...

Não há largas avenidas em perspectiva – há tão-somente ínvias florestas a

desbravar, desertos anônimos a cruzar, onde, de longe em longe, aparecem

rastos incertos de algum solitário viajor que por aí tenha passado em tempos

idos... Mas a alma migratória confia em sua intuição divina... A oração, humilde

e intensa, lhe é um fio de Ariadne através de todos os labirintos...

Com efeito, a íntima essência da oração superior é suprema libertação. É a

voluntária renúncia a velhos hábitos rijamente solidificados através de séculos

e milênios... Assim, em tempos pré-históricos, deve o homem dos sentidos ter

lutado, no processo da sua intelectualização, para se emancipar de hábitos

subconscientes em prol da sua entrada no mundo consciente...

A transição da estreiteza e passividade da consciência gregária, própria de

todos os rebanhos humanos, para a consciência individual, e desta para a

consciência universal – é um drama multimilenar de estupenda grandeza e

tragicidade, desde os abismos do homem meramente sensitivo, através dos

planos do homem mental rumo às alturas do homem espiritual – e não há nada

que lhe possa garantir êxito nessa jornada ascensional senão a verdadeira

oração.

Há, nessa silenciosa epopéia, uma sucessão de trevas e de luzes.

Da noite total dos sentidos para a penumbra do intelecto.

Page 39: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Da semi-luz matutina do intelecto, através do misterioso eclipse da fé, para o

sol meridiano da experiência direta de Deus.

É esta a fascinante aventura da oração superior...

OS SANTOS PROVAM A VERDADE

DUMA IGREJA?

O argumento de que uma igreja que produz santos seja santa em si mesma,

como igreja organizada, é insustentável à luz da lógica imparcial. Os

verdadeiros santos pouco ou nada têm que ver com os arranjos artificiais duma

organização, que, em qualquer hipótese, é uma criação da inteligência. Os

dirigentes duma organização eclesiástica são, não raro, extremamente maus.

Francisco de Assis e Tomás de Aquino viveram, ambos, no século 13, ambos

dentro do mesmo organismo eclesiástico – mas são de gênio tão diverso como

o dia e a noite, e os dirigentes da igreja desse tempo pertencem aos piores que

a história conhece. O teólogo napolitano, de acordo com a mentalidade da

época, aprova e defende, em sua “Summa Theologiae” e “Summa contra

Gentiles”, a liceidade da pena de morte e do extermínio violento de hereges –

ao passo que o poverello da Umbria, na sua vasta intuição mística, é amigo de

todos os seres vivos do mundo.

Há santos em todas as religiões – o que não prova que essas religiões sejam

boas como um todo. Santidade é atributo do indivíduo, e não duma

coletividade.

VERDADEIRA CATOLICIDADE

Todo o verdadeiro monoteísta, ou melhor, monista, que realize pela ética a sua

mística, é genuinamente “católico”, quer dizer, “universalista”. Católico não-

universalista é pseudo-católico.

Nenhum dos grandes místicos da chamada igreja católica concorda com a

cosmologia e teologia dessa igreja – ao passo que todos concordam

admiravelmente com a orientação espiritual de seus irmãos de outras religiões,

mesmo fora do Cristianismo organizado. Há uma grande afinidade entre os

maharishis da Índia e os sufis da Arábia, por um lado, e os verdadeiros

místicos cristãos, quer católico-romanos, quer evangélico-protestantes. Todos

pertencem à “comunhão dos santos”, à “irmandade branca dos irmãos

anônimos”. São João da Cruz, por um triz foi condenado como herege, e o

texto dos seus livros espirituais, por muito tempo, apareceu mutilado pela

Page 40: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

autoridade eclesiástica. Luiz de Granada esteve quatro anos nas cadeias da

Inquisição por causa da sua explicação do “Cântico dos Cânticos”. Meister

Eckhart, o maior dos místicos medievais, sempre foi suspeito de heresia e seus

livros foram proibidos após a morte dele.

Aceitar um santo ou místico deste ou daquele grupo espiritual não equivale a

aceitar o grupo como tal, porque a santidade, sendo atributo do indivíduo, nada

tem que ver com o grupo organizado. Todos os místicos do mundo, dentro e

fora do Cristianismo organizado, formam uma espécie de super-ecclesia,

porque representam a legítima ekklesia, palavra grega composta de ek e kaléo

(chamar para fora, selecionar) e cujo sentido exato é “elite” ou “seleção”. O

sentido de “igreja” não é massa, mas elite; é aquele pusillus grex ou pequeno

rebanho, de que fala Jesus. A igreja é universal cósmica. Uma igreja sectária é

uma pseudo-igreja. A verdadeira catolicidade cósmica abrange judeus, hindus,

árabes, taoístas, budistas, cristãos, etc., suposto que eles tenham verdadeira

experiência de Deus e manifestam essa sua mística divina na ética humana. O

primeiro mandamento, que é a mística, e o segundo, que é a ética, sintetizam

toda a religião, como diz o Nazareno.

PROCESSO DE INCUBAÇÃO

A vida humana é, a bem-dizer, um processo de incubação, transição de um

estado de consciência a outro. A nossa consciência espiritual, ainda hoje em

estado de latência, tem de passar da sua potencialidade para a atualidade. E o

calor necessário para promover essa longa incubação se chama “oração”.

A LEI DA EVOLUÇÃO

O íntimo quê da evolução, sobretudo no mundo espiritual, não é segurança,

estabilidade, calma, mas sim o desejo de ultrapassar todas as fronteiras da

vida já vivida e conhecida – e isto significa aventura, perigo, incerteza; é o

abandono de todos os Iitorais familiares e o salto mortal para dentro de um

mundo totalmente ignoto.

É também este o íntimo quê do amor, que deseja arriscar algo e ultrapassar o

seu próprio Eu conhecido. O amor é essencialmente cósmico.

INSTINTO – FILTRO SELETIVO

O instinto é uma espécie de filtro seletivo; o animal sabe com infalível certeza o

que lhe convém e o que não convém. Com o advento do intelecto humano

Page 41: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

perdeu-se esse filtro, e não pode ser reavido. Uma vez consciente, o homem

não consegue voltar a ser subconsciente. Mas o seu intelecto consciente não

funciona com a mecânica infalibilidade do instinto; é extremamente móvel e

variável, como a corda de um violino, que pode produzir ilimitada variedade de

tons e semitons, ao passo que um disco de gramofone produz unicamente os

sons que estão gravados nele; o disco tem infalibilidade sem variabilidade; o

violino tem variabilidade sem infalibilidade.

Quando, um dia, o homem atingir a consciência cósmica, possuirá infalibilidade

máxima com variabilidade máxima. Não existe instrumento no mundo material

que simbolize esse estado de suprema segurança e suprema mobilidade. É o

estado da harmonia cósmica, feita de unidade e diversidade.

TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO

No princípio, oramos em prol de nós mesmos, com o desejo de alcançar algum

objeto que, em nossa ignorância, julgamos necessário para a nossa felicidade.

Mais tarde, oramos pelo bem de outras pessoas, para as libertar de algum mal

e conseguir-lhes algum bem.

Finalmente, não oramos por objeto algum, mas tão somente pela progressiva

identificação do sujeito individual Eu com a Realidade Universal, Deus. E todo

o nosso desejo se resume no anseio de estarmos muito tempo na luminosa

presença de Deus, assim como a planta deseja estar envolta e penetrada pela

luz solar. Todo o nosso impuro desejo de “ter” acabou no puro desejo de “ser”.

E então só conhecemos esta grande melodia: Deus, santificado seja o teu

nome... venha a nós o teu reino... seja feita a tua vontade...

EMBRIÃO MATERIAL – EMBRIÃO ESPIRITUAL

O embrião material do homem leva 9 meses para seu desenvolvimento no seio

materno – o embrião espiritual leva cerca de 900 meses, ou 70 anos, para

atingir suficientemente evolução, independente do seio materno da natureza

físico-mental; mas a sua evolução continua indefinidamente.

A NATUREZA: É DEMOCRÁTICA

– OU ARISTOCRÁTICA?

A natureza não faz caso de massa, mas sim de elite. Produz milhões e bilhões

de seres inferiores, para, finalmente, produzir um único ser superior. A massa

Page 42: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

serve apenas de pedestal para a elite. A vasta horizontal tem de servir à alta

vertical. A natureza visa qualidade, e para isto ela se serve de quantidades.

Isto é aristocracia? Ou, quem sabe, antes hierarquia...

PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA?

Pode dizer-me por que está aqui? Donde veio? Para onde vai?... Pode dizer-

me a última razão de todo esse sofrimento?...

Pode uma lagarta solver o problema da sua vida? Pode dizer-nos por que vive

a comer sem cessar? Por que morre? Porque repousa no interior do casulo?

Não! A lagarta não pode dar resposta a essas perguntas, porque não sabe o

porquê dos seus atos; só depois de virar borboleta, e olhando para trás, é que

pode solver os enigmas da sua vida de lagarta.

E você julga poder saber agora por que vive, sofre e morre? Você, que ainda é

muito “lagarta”? Solver de verdade só se pode de cima para baixo, não de

baixo para cima, só do superior para o inferior, e não vice-versa.

Agora, meu amigo, você pode apenas crer numa solução definitiva – saber só

pode depois de passar para um plano superior de experiência e vivência.

DEUS MANDA DOENÇAS?

Jesus admite a relativa imperfeição do Antigo Testamento: “Foi dito aos antigos

– eu, porém, vos digo”... “Eu não vim para abolir a lei e os profetas – mas para

levá-los à perfeição.”

Uma das maiores imperfeições da Lei Antiga é a idéia de que Deus mande aos

homens doenças para os “castigar”. Jesus ensina que as doenças são “obras

de, Satanás”, isto é, da inteligência não devidamente iluminada pelo espírito.

“Não tornes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.” “Tem confiança

(disse ao paralitico) os teus pecados te são perdoados”. No caso da mulher

encurvada havia 18 anos, afirma o texto sacro: “Satanás a mantinha presa,

havia 18 anos” – Deus, – ou Satanás?...

O nosso Lúcifer intelectual, mal orientado, transgride as leis da natureza, que

são as leis de Deus; e provoca doenças – o Cristo divino em nós derrota o

nosso Lúcifer e promove a cura.

Se doenças fossem provas do amor divino, por que não consta de uma única

doença de Jesus?

Page 43: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Verdade é que, uma vez doentes por causa da nossa inteligência unilateral, o

melhor, que podemos fazer é aceitar o sofrimento como castigo e remédio, a

fim de alcançarmos redenção.

O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO

Aparece em afirmações positivas, e não em pedidos.

Pai nosso, que estás nos céus!

Santificado é o teu nome.

O teu reino vem.

A tua vontade é cumprida na terra como nos céus.

Tu nos dás hoje o nosso pão de cada dia.

Tu nos perdoas as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos

devedores.

Tu não nos induzes em tentação.

Tu nos livras do mal.

ANÁLISE PSICOLÓGICA E

SÍNTESE METAFÍSICA

Estas duas ciências, aquela do Ocidente, esta do Oriente, abrem o caminho

para um conhecimento melhor de Deus e do homem. Dão, pelo menos, a linha

reta que o homem deve manter para chegar ao destino, preservando-o dos

inúteis ziguezagues.

No princípio, o homem está numa união inconsciente com o Grande Todo,

como toda a natureza inferior (o homem do Éden).

Depois, entra na zona de uma desunião consciente com grande Todo (o

homem nos domínios de Lúcifer).

E, finalmente; sobe às alturas duma união consciente com o Grande Todo (o

homem no reino do Cristo).

Page 44: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

CURA PELO PODER ESPIRITUAL

Por que é tão rara, hoje em dia, a cura espiritual? Quando é evidente que

Jesus legou esse carisma a todos os seus discípulos?

É porque o mundo cristão de hoje não é realmente crístico, salvo raras

exceções. Uns professam um Cristianismo puramente externo, liberal, de

simples conveniências sociais, sem nenhuma convenção pessoal; outros

pertencem a um Cristianismo estreitamente sectário. Estes são verticais sem

horizontalidade, aqueles são horizontais sem verticalidade; nenhum deles é

vertical-horizontal, isto é, crístico ou cósmico.

O verdadeiro discípulo de Cristo deve possuir profunda experiência de Deus e

vasta benevolência para com todos os filhos de Deus – então terá ele nas

mãos o poder de Deus e curará qualquer doença física e mental.

Profundidade e amplitude são o segredo do poder.

POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS?

Em última análise, quem se entusiasma por um guia espiritual, entusiasma-se

por seu próprio Eu divino ou Cristo interno, porque, potencialmente, todo

homem é o que alguns já são atualmente. Dentro de cada um de nós dorme

um gênio metafísico e místico; quando então aparece, no plano objetivo, um

gênio espiritual, nós sentimos, nas incônscias profundezas da nossa natureza

humana; que aquilo somos nós em germe; percebemos o eco de uma voz

longínqua, as vibrações de uma luz, o calor de um fogo que também está em

nós, mas ainda implicitamente, quando naquele gênio espiritual esse fogo já

arde explicitamente. Todo combustível – lenha, carvão, gasolina, etc. – é fogo

potencial, assim como o fogo é combustível em estado atualizado.

“Se o olho não fosse solar – diz Goethe – jamais poderia contemplar o sol.”

Da mesma forma, se a alma não fosse divina ou crística, jamais poderia

responder à voz de Deus ou do Cristo.

Por isto, o cristianismo – ou “cristismo” – da alma humana entra em vibração

quando outra alma, já em adiantado estado de cristificação, aparece no cenário

– assim como a semente, no fundo da terra, começa a vibrar quando percebe,

em plena escuridão, as misteriosas vibrações do calor solar.

Em última análise, o nosso guru ou guia espiritual externo é o nosso Eu divino

ou Cristo interno, personificado casualmente no mestre A, B ou C.

Page 45: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU

– QUANDO OUTROS SOFREM NO INFERNO?

O homem comum, de visão curta e sentimento obtuso, pode achar compatível

a idéia de um céu eterno para ele e seus amigos com a consciência de um

inferno para outros seres humanos – ao passo que o verdadeiro místico, ou

homem cósmico, não se sente plenamente remido e bem-aventurado enquanto

sobrar um único ser humano ainda irredento e em sofrimento. Para ele, não

pode haver céu e inferno, mas tão-somente céu ou inferno.

A tese teológica de que os bem-aventurados mereceram o seu céu, e os

condenados mereceram o seu inferno é tranquilamente aceita pelos profanos,

exotéricos e analfabetos da experiência cósmica – mas atua como horripilante

monstruosidade sobre a apurada consciência de qualquer homem que tenha

chegado à experiência da paternidade única de eus e da fraternidade universal

da humanidade.

Como poderia eu sentir-me integralmente salvo – enquanto um só dos meus

irmãos humanos continua ainda necessitado de salvação?

Um bem-aventurado capaz de gozar o seu céu, sabendo que milhares de seus

irmãos estão sofrendo o seu inferno, deve ser mesmo um requintado egoísta.

Se assim fosse, eu, por mim, simpatizaria mais com os egoístas no sofrimento

infernal do que com os egoístas no gozo celestial.

Quando deixará a nossa teologia de ser tão unilateralmente teórica e se tornará

onilateralmente cósmica?...

AMOR FRUSTRADO

“Se amor fosse simplesmente atração sexual, um superficial sex-appeal, não

poderia haver verdadeira frustração, nesse plano, porquanto o mundo está

cheio de seres masculinos e femininos, de maneira que, falhando um, o

frustrado ou frustrada poderia escolher outro – e acabaria a frustração.

Mas o verdadeiro amor é algo muito mais além do simples macho e da simples

fêmea. No mundo animal não há frustração, porque não existe verdadeiro

amor. Quanto mais humano é o homem ou a mulher, maior possibilidade existe

para uma frustração amorosa trágica, mortífera. O verdadeiro amor é algo

cósmico, místico, único e irrepetível, do qual não se pode fazer, sem mais nem

menos, uma segunda ou terceira edição; ele está para além do nosso alcance;

é algo que nos “acontece”, e não está em nosso poder fazer com que

“aconteça” pela segunda ou terceira vez. Algo se partiu nesse delicado cristal

da alma que amava, e não há conserto... Se os nossos romances e películas

Page 46: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

cinematográficas substituem, em cinco ou dez minutos, um amor por outro

amor, provam apenas a sua horripilante superficialidade, e, para cúmulo do

nosso barbarismo civilizado, essa banalidade é considerada como um

progresso...

EXPERIÊNCIA CÓSMICA

É algo para além da mística, ou então uma mística universal. O místico foge do

mundo para se encontrar com Deus, mas o homem da experiência cósmica

penetra tão profundamente na alma do universo, que atinge o Deus do mundo

no mundo de Deus. Naturalmente, não é o homem que realiza essa

experiência – ela lhe “acontece” com um contato vital com a própria Vida do

Universo. Daí por diante, todo o seu antigo “dever” ético se transforma num

novo “querer” místico, numa fome e sede, num flamejante entusiasmo, numa

irresistível paixão por essa estupenda Realidade que está para além de todos

os nomes, como a Vida, o Espírito, o Amor, a Beatitude...

Para o mundo profano em derredor, esse homem deve necessariamente

parecer um louco ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por

normal se entende essa cegueira habitual dos inexperientes e essa

insensibilidade paquidérmica dos profanos. Esse homem é normal “para cima”,

supra-normal, e não anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes.

Mas, como o homem comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem

algum conhecimento do infra-normal – que admira que coloque o supra-normal

no plano dos infra-normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu

conhecimento – ou da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no

cognoscente segundo a capacidade do cognoscente”. O homem normal pode

conhecer o infra-normal, que para ele é um “menos”, mas não pode saber o

que seja supra-normal, porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber

coisa maior do que ele mesmo é; o nosso “ser” é a bitola do nosso “conhecer” –

agere sequitur esse (o agir segue o ser).

Entretanto, são esses homens de experiência cósmica os únicos que garantem

a continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. São como

impetuosos incêndios de fogo autônomo, de cuja alma os outros recebem luz e

calor, alguma centelha ou algum clarão emitidos pelo vasto incêndio da

experiência cósmica desses poucos que alimentam os muitos.

Page 47: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA

Com a afirmação de que, na hóstia consagrada, não exista mais a substância

do pão, mas existe a substância do corpo de Jesus, aventurou-se a teologia

eclesiástica na perigosa vizinhança da física nuclear. Nos outros dogmas,

puramente espirituais e transcendentes, não existe esse perigo; estão a salvo

de qualquer experiência de laboratório ou reator atômico.

A física nuclear dos nossos dias não admite substâncias, no plural; conhece

uma única substância, que, segundo a matemática de Einstein, é a luz

universal. Substâncias, no plural, seriam as diversas formas da luz, como, por

exemplo, os 92 elementos naturais da química, desde o hidrogênio (H) até ao

urânio (U). Entretanto, é possível provar experimentalmente que, após a

consagração, a substância do pão continua presente na hóstia, inalterada, e

não foi substituída por nenhuma outra substância. Logo, no plano objetivo,

ontológico, não houve nenhuma “transubstanciação”, como o dogma afirma.

Objetam os fiéis que a verdadeira substância do pão não é acessível às

experiências de laboratório, que atinge apenas os acidentes, como a cor, o

sabor e o cheiro do pão. É absurda essa evasiva. Ninguém se pode alimentar

de acidentes dessa natureza – mas quem comesse suficiente número de

hóstias consagradas poderia viver desse alimento; idem, quem bebesse

bastante vinho consagrado ficaria bêbado. Logo, ainda persiste a substância do

pão e do vinho, como aliás, é fácil verificar por uma análise química.

Entretanto, não negamos a presença real do Cristo sob essas espécies; mas

essa presença é criada pela fé do crente, é uma presença subjetiva, e não

objetiva. Portanto, uma presença fictícia, ilusória? De forma alguma! As

criações da nossa fé não são irreais; são até mais reais que as coisas

objetivas. O sujeito consciente é muito mais poderoso do que os objetos

inconscientes, ou apenas subconscientes.

MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS

MATEMÁTICA ESPIRITUAL

No plano físico-mental, o efeito é diretamente proporcional à sua causa; se

bato um prego com 10 graus de força ele entrará na madeira numa

profundidade correspondente exatamente a esses 10 graus. Coisa análoga

também acontece no terreno mental. O resultado é diretamente proporcional à

atividade do agente.

Page 48: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

No plano espiritual, porém, não acontece o mesmo; aqui, o resultado é

diretamente proporcional à passividade, e inversamente proporcional à

atividade do agente.

Por quê?

Porque, no mundo físico-mental, o homem é a verdadeira causa eficiente do

resultado; há um rigoroso paralelismo entre causa e efeito – ao passo que, no

mundo espiritual, o homem é apenas condição preliminar do resultado. Aqui se

requer receptividade, e quanto maior for esta receptividade tanto maior será o

efeito, cuja verdadeira causa está alhures, no Infinito, no Universal, no grande

Todo, em Deus.

Receptividade – que é isto?

É uma passividade dinâmica (e não simplesmente estática); é, por assim dizer,

uma “vacuidade faminta”. O homem tem de criar dentro de si esse “vácuo de

sucção”, que atrai a plenitude. Essa “vacuidade faminta” é a “fé” – a plenitude é

a “graça”. Não basta esvaziar-se dá consciência do ego, é necessário também

clamar pela plenitude de algo além do ego.

Esse “algo” e, geralmente, chamado “Deus”; mas, como é tanto transcendente

como imanente, esse Deus é idêntico ao meu eterno Eu, ao meu Cristo interno,

ao “espírito de Deus que habita em mim”, no dizer de São Paulo.

Quanto mais o homem se esvaziar do seu pequeno ego, tanto mais será

plenificado pelo grande Eu; já não viverá ele (o ego) humano, mas o Cristo (o

divino Eu) viverá nele.

Esta receptividade dinâmica é, aliás, o último segredo de todas as coisas

grandes – também nos gênios da ciência e da arte. O homem é talento na

proporção da sua dinâmica atividade – e é gênio na razão da sua dinâmica

passividade. Aquela é o clamor do pequeno ego – esta, a voz do grande Eu.

“Sê quieto – e sabe que eu sou Deus!”

“Em quietude e confiança está a tua força.”

Em muda súplica, ergue a planta ao sol as verdes mãozinhas de suas folhas

heliotrópicas, orando, a fim de receber vitalidade e beleza; a medida da sua

vitalidade depende do grau da sua receptividade solar.

A matemática físico-mental é meramente “transitiva, atuando “linearmente” – a

matemática espiritual é “transitiva-reflexiva”, e atua “esfericamente”, isto é,

cosmicamente.

Page 49: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

PENSAMENTO E SENTIMENTO

Tudo na vida opera sob o signo do pensar e sentir. Aquele é luz, este é força.

A luz mostra o caminho – a força põe em movimento.

Pensar sem sentir é fraqueza – cria teoristas.

Sentir sem pensar é cego – cria fanáticos.

Pensar e sentir é um poder luminoso, uma luz poderosa – cria o homem

cósmico.

CONHECE-TE – E CONHECERÁS OS OUTROS!

Quem conhece intuitivamente o seu próprio Eu divino conhece, dentro desse

reflexo de Deus, também os outros reflexos divinos, seus semelhantes – e

conhece até os reflexos divinos do mundo infra-humano.

Neste sentido, tinham razão os antigos filósofos da Grécia, quando diziam

“ánthropos métron pânton” (o homem é a medida de todas as coisas);

porquanto a íntima essência de todas as coisas é Deus; uma vez conhecido em

mim, esse reflexo divino se me torna conhecido em todos os seus recipientes,

humanos ou infra-humanos; o meu próprio conteúdo divino é a chave que me

revela Deus em todos os outros contenedores divinos.

Esta verdade é equidistante do dualismo separatista e do panteísmo

identificador.

A VERDADEIRA CATOLICIDADE –

ESSA DESCONHECIDA

Por ocasião da comemoração do “dia do papa”, disse o arcebispo de Porto

Alegre, V. S., com muita oratória e pouca verdade:

“Suspiramos pela hora em que o mesmo Evangelho que se anuncia na catedral

de São Pedro em Roma, seja proclamado na igreja do Castelo de Wittenberg,

na Hagia-Sophia de Constantinopla e na Igreja Alta de Westminster.”

Resumiu, num engenhoso paralelismo, os quatro setores históricos do

Cristianismo: o setor romano, protestante, ortodoxo e anglicano.

Mas esse “suspiro” não se realizará, enquanto não se operar uma mudança

radical no setor a que o sr. arcebispo pertence. Se na basílica de São Pedro,

Page 50: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

em Roma, fosse proclamado o Evangelho de Jesus Cristo, sem adições nem

deduções, estaria removido um dos grandes obstáculos que dificultam a

verdadeira Catolicidade, isto é, a Universalidade do Cristianismo. Mas, onde

quer que prevaleçam interesses de classe sobre a causa sagrada da Verdade,

é impossível essa Catolicidade. A Verdade não tem partido nem credo, não

conhece classes nem interesses; ela é universal como a luz, a vida, o espírito.

Qualquer aditamento restritivo à gloriosa palavra “católico” ou “universal”

adultera o sentido dela; não pode haver “catolicidade romana”, assim como não

pode haver “universalidade parcial”. Só pode haver catolicidade sem

aditamento algum, universal, ilimitada, irrestrita.

Enquanto o sacerdócio continuar a ser uma profissão, em vez dum puro ideal,

não é possível o triunfo do Evangelho, nessa sociedade eclesiástica.

Toda a sociedade tem por base o direito; mas direito é sinônimo de egoísmo.

Se Jesus tivesse fundado uma sociedade eclesiástica baseada na idéia do

direito, não seria a sua igreja o reino de Deus, mas sim uma criação do

egoísmo humano.

Suspiramos pela hora feliz em que todos os parcialismos eclesiásticos se

fundam no universalismo do Cristo!...

Na verdadeira Catolicidade do reino de Deus...

O SEGREDO DA CURA PELA FÉ

É fato histórico universalmente reconhecido que as forças espirituais do

homem curam doenças corporais e mentais. Jesus recomenda a seus

discípulos essa terapia como normal e única, e todos os grandes mestres

espirituais da humanidade afinam pelo mesmo diapasão.

Em que consiste essa cura pela fé?

Consiste simplesmente na firme convicção e profunda experiência de que o

homem – tanto o curador como o curado – é, no seu íntimo ser, perfeita saúde

e sanidade; que o seu verdadeiro Eu é o “espírito de Deus que nele habita”, no

dizer de São Paulo; que a íntima essência humana é idêntica à essência do

próprio Universo, que é o próprio Deus.

Ora, é evidente e lógico que a essência de Deus e a alma do Universo não

possam estar doentes; Deus e o Cosmos são perfeita saúde e sanidade.

Quem é que está doente?

Doente está algo que eu tenho, e não aquilo que eu sou; algo nas minhas

periferias, no meu ego ou na minha persona, é que está desarmonizado – mas

Page 51: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

eu sou perfeita saúde e sanidade, porque eu, na minha essência, sou a

essência de Deus e do Universo, que não estão nem podem jamais estar

doentes.

A cura consiste, pois, em re-harmonizar o meu ego externo com a harmonia do

meu Eu interno; fazer o meu ego humano (persona) à imagem e semelhança

do meu Eu divino (indivíduo).

Se eu conseguir essa re-harmonização, estarei curado.

Mas como realizar esse processo?

Aqui é que bate o ponto!

Antes de tudo, não basta pensar, nem simplesmente querer essa re-

harmonização, porque tanto o pensar como o querer são do ego, que é fraco e

está doente – doente não cura doente. É necessário que eu viva integralmente

esse processo de re-harmonização – e essa profunda vivência é do meu

verdadeiro e divino Eu, que não está doente, e pode, portanto, curar o ego

doente.

Mas é precisamente aqui que terminam todas as teorias e técnicas. Aqui não

há mestre nem discípulo – aqui deve atuar uma profunda e misteriosa vivência

ou experiência da última realidade do próprio homem.

Por que é tão rara e tão difícil essa profunda vivência da verdade sobre o

nosso verdadeiro Eu?

É porque o regime do nosso ego é multimilenar, da parte dos nossos

antepassados, e conta com alguns decênios, da parte da nossa própria vida

individual – e esse ego personal é visceralmente separatista: sente-se como

algo separado do grande Todo divino-cósmico, e isto precisamente por ser

“persona”, palavra latina para “máscara”. Assim como a máscara que o ator

usa no palco para desempenhar o papel do rei, do ladrão, do assassino, etc.,

não é o seu verdadeiro indivíduo ou Eu, mas tão-somente o seu pseudo-Eu ou

ego – da mesma forma o nosso ego representa um papel separatista, falso,

quando a verdadeira natureza do homem é in-separatista ou indivídua, isto é,

indivisa, não-dividida, não-separada do grande Todo.

O separatismo permite doença – o in-separatismo exclui doença.

A transição da ilusão do separatismo, criado pelo ego, para a verdade do in-

separatismo, criada pelo Eu – é nisto que consiste o último segredo da cura

pela fé.

A cura pela fé é, na realidade, uma cura pela Verdade – assim como a doença

vem da in-verdade, ou do erro.

Page 52: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Enquanto o ego separatista se mantiver nessa ilusão e nessa prepotência, e

enquanto o Eu for vítima da sua impotência, nada via acontecer; a doença

continua, porque continua o erro. Só quando o Eu conquistar plena vitória

sobre o ego, derrotando as trevas do erro com a luz da Verdade – então

terminará a doença, porque a Verdade é essencialmente libertadora.

O exercício diário da meditação abismal, isto é, a intensa e diuturna focalização

do verdadeiro EU SOU, ajudará grandemente a aplainar o caminho,

enfraquecendo a ilusão do ego e fortalecendo a verdade do Eu.

Além disto, o que, não raro, é decisivo nesse processo é um grande sofrimento,

porque o sofrimento, devidamente compreendido e espontaneamente aceito,

possui uma extraordinária força purificadora e redentora; purifica-nos do erro e

redime-nos para a verdade.

No dia e na hora em que eu aceitar plenamente a verdade sobre mim mesmo,

serei curado de todas as minhas enfermidades, filhas da ignorância e do erro.

“Conhecereis a Verdade – e a Verdade vos libertará.”

O MAIS PROFUNDO DESEJO DO HOMEM

Qual é?

O sexo – diz Freud.

O poder – exclama Nietzsche.

Riquezas – opinam muitos.

Nada disto representa o supremo e mais veemente desejo do homem.

É o anseio de se ultrapassar a si mesmo, o grau de evolução em que ele se

acha agora e atingir um plano possível, porém ainda distante. O que o homem

de hoje atualizou não representa ainda 10% das suas potencialidades latentes.

Todo homem sente, de algum modo, obscura e longinquamente, que ele não é

plenamente o que poderia ser, que as suas potências implícitas são muito

maiores do que as suas realizações explícitas.

Sente também, ou adivinha com seguro instinto, que nessa direção está a sua

felicidade, a consecução do seu grande destino.

Esse cosmotropismo da sua ignota e abismal natureza não deixa o homem

descansar.

De fato, o homem é muito mais aquilo que pode vir a ser do que aquilo que ele

é, no plano das suas realidades objetivas e históricas. A sua verdadeira

Page 53: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

“natura” é aquela coisa “na(sci)tura”, aquilo que vai nascer, porque foi

concebido e anda em gestação no seio misterioso do seu ser.

O homem é muito mais as suas idéias e os seus ideais do que as suas

realidades conhecidas.

Se a Madalena do Evangelho tivesse sido realmente aquela “pecadora pública

possessa de sete demônios”, como diz mestre Lucas e como afirmava a

opinião pública, nunca teria vindo a ser aquela ardente discípula do Nazareno;

da era, certamente, aquela pecadora, no foro externo, no “átrio dos pagãos” e

dos profanos, isto é, no plano histórico das suas realidades objetivas

acessíveis ao público – mas no foro interno, no sancta sanctorum do seu

verdadeiro ser, ela era pura e virgem. E quem sabe se ela, tão pouco virgem de

corpo, não era muito mais virgem de alma do que as mais castas virgens do

seu tempo? Com muitos homens se havia ela acasalado – mas não casa com

nenhum deles; as suas verdadeiras núpcias foram celebradas unicamente com

o “Filho do homem”, e não com os filhos dos homens...

O Nazareno enxergava para além de todas as realidades objetivas do corpo da

Madalena e contemplava a atitude subjetiva de sua alma. Sabia o que ela era

atualmente, impura – mas sabia melhor ainda o que ela era potencialmente,

pura.

Mas... o que aí vai escrito é perigoso para os profanos – só deve ser lido pelos

iniciados... Para aqueles é veneno – para estes é alimento.

AGONIA DAS PRIMAVERAS

Com este título encontrará o leitor um capítulo no meu livro Problemas do

espírito, que trata por extenso do assunto deste parágrafo.

Por que é que todos os grandes movimentos espirituais desmerecem e decaem

da sua pureza e poesia inicial, na razão direta em que se distanciam da sua

origem?

É porque os epígonos dos gênios cósmicos que iniciam essas torrentes de

espiritualidade, não possuindo a mesma inspiração divina, substituem essa

falta por organizações humanas, que exigem mentalização e verbalização, em

forma de estudos jurídicos e burocráticos. Ora, toda e qualquer mentalização

analítica e toda a verbalização material é necessariamente uma deturpação de

degradação. A verdade do contato direto com Deus, 100% genuína e virgem na

sua origem intuitiva e envolta em profundo silêncio e anonimato, não, pode ser

manifestada sem que perca grande parte da sua pureza e autenticidade. Essa

sacralidade inicial, vivida por algum profeta, místico ou vidente, quando

exteriorizada, perde o mais belo dos seus encantos. Também, como seria

Page 54: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

possível apanhar uma borboleta e espetá-Ia num museu sem que ela perdesse

o mais delicado da sua etérea beleza? Como seria possível dizer com palavras

humanas aos homens aquilo que o santo nem soube dizer em místicos

arroubos a Deus?...

Todo pensar é profanação.

Todo falar é prostituição.

Somente a intuição espiritual, impensada e indita, é que é pura e virgem.

Quando uma revelação de Deus chega a ouvidos humanos, já foi duplamente

adulterada – e terceira deturpação lhe acontecerá, provavelmente, ao transpor

o limiar da consciência alheia. Deixou de ser fogo real, para se converter num

fogo pintado.

Pior ainda quando essa revelação divina é passada de boca em boca, escrita,

traduzida, interpretada repetidas vezes, em diversas línguas. No fim, é ela tão

impura e adulterada com as águas dum rio, quando, após um percurso de

milhares de quilômetros, atingem o seu estuário final.

E quem poderá discriminar das impurezas humanas a pureza divina?

Somente alguém que possua experiência divina igual à do gênio espiritual que,

de início, recebeu essa mensagem da Divindade.

Quando então essa revelação divina é, juridicada e burocraticamente,

elaborada e organizada e posta a serviço dos interesses humanos – então

atinge a estupração dessa vestal celeste o ínfimo grau da sua degradação.

E é, em geral, nessa forma que as grandes religiões chegam ao conhecimento

das massas.

Que admira que muitos, e dos melhores, não queiram saber de “religião”? Que

a considerem “ópio para o povo” e ridícula “superstição”?...

É bem de admirar que ainda haja, sobre a face da terra, quem se entusiasme

pela religião, depois de tão horripilantes deturpações.

Se a alma humana não fosse inextinguivelmente crística em sua íntima

natureza, como poderia ela descobrir ainda o Cristo dentro do nosso

cristianismo?

Através de todas as agonias causadas pelos erros humanos, vislumbra a alma

os fulgores da Verdade divina...

Page 55: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

AUTO-REALIZAÇÃO – OU ALO-REALIZAÇÕES?

Disse alguém ao grande apóstolo japonês, Toyohiko Kagawa, durante uma

longa enfermidade do mesmo: “Deve ser aborrecido ficar inativo por tanto

tempo.” Ao que Kagawa respondeu: “De forma alguma! A minha principal

atividade consiste em me realizar a mim mesmo, e isto me é perfeitamente

possível durante a doença.”

Realizar-se a si mesmo – ou realizar coisas fora de si!...

Aqui é que a humanidade se divide em dois campos. São milhões e milhões os

homens que consideram a sua principal, talvez única, tarefa, aqui na terra,

realizarem alguma coisa no mundo externo – um edifício, uma fábrica, uma

máquina, uma invenção, um grande capital, ou então uma família ou o seu

próprio corpo. Pouquíssimo são os homens que se convenceram

definitivamente de que a sua principal missão é realizarem-se a si mesmos, isto

é, levarem à mais alta evolução e perfeição o seu divino Eu, a sua alma.

Quanto às coisas externas, Deus as pode realizar sem nós, e até muito melhor;

não necessita de nenhum de nós para realizar as mais estupendas maravilhas

da ciência e técnica das organizações sociais e prodígios de arte. A única coisa

que Deus não pode realizar sem nós é o nosso próprio Eu. Este, em virtude da

nossa consciência e liberdade, está, por assim dizer, fora da jurisdição divina.

Na zona onde eu sou livre Deus não manda – sou eu que mando. Nessa zona

isenta eu sou Deus, autônomo, onipotente; o que eu fizer de bom ou de mau,

nessa zona livre, sou eu, e só eu, quem o faz; aqui, sou eu o único

responsável, porque o dom da liberdade que Deus me concedeu me isentou do

alcance da sua jurisdição.

Se eu não me realizar devidamente, nessa zona de isenção, ninguém me pode

realizar. Fico devendo à justiça cósmica o que ninguém pode pagar por mim;

OS CARACTERÍSTICOS DO HOMEM CÓSMICO

O homem que atingiu consciência cósmica: 1) é iluminado por uma luz de

dentro; 2) vive numa permanente elevação moral, espontânea e fácil; 3) sente-

se mentalmente iluminado, porque a luz intensa da consciência cósmica lança

os seus benéficos reflexos sobre a sua vida intelectual; 4) perde todo e

qualquer temor da morte, porque sabe experiencialmente da sua imortalidade;

5) ultrapassa a noção do pecado e condenação, que são da zona do ego, que

ele transcendeu; 6) irradia estranha fascinação pessoal, que atrai as creaturas

receptivas e que se sentem bem na presença do homem cósmico.

Page 56: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

OS DONS DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

Com o despontar da consciência cósmica: 1) adquire o homem plena certeza

de que o Universo não é um bloco de matéria morta, mas sim uma presença

viva; 2) que, no seu íntimo ser e no seu externo agir, o Universo é

essencialmente bom e benéfico; 3) que a existência individual do homem pode

ser prolongada para além de todas as mortes.

Esses conhecimentos não são o produto de estudos científicos, mas sim o

resultado imediato e espontâneo de uma luz que nele está e sempre estava,

embora oculta até esse momento, e agora manifesta. Graças ao despertar da

consciência cósmica, sente-se o homem em qualquer ponto do Universo como

no seu lar e na sua natural querência, e está sempre no coração de todas as

coisas; a sua própria essência divina, uma vez plenamente vivida, vive essa

mesma essência em todos, os seres, seus irmãos e amigos. Esse homem

sente em si as pulsações de todas as creaturas do mundo, e por isto as pode

afirmar e amar espontaneamente, sem nenhum ato de volição heróica ou

senso de virtuosidade ética. Ama todos os seres com a mesma sapiência e

benevolência com que Deus os ama, porque esse homem, sentindo-se um com

o Deus do mundo, sente-se um também com todos os mundos de Deus.

AMOR UNIVERSAL – SEGREDO

DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

Ninguém pode atingir consciência cósmica sem que primeiro atinja amor

universal, ou, pelo menos, o desejo dinâmico desse amor: A ordem ética

precede à ordem metafísica e mística.

Por quê?

Para que o Universo possa subsistir como um Cosmos.

Como assim?

Se alguém adquirisse consciência cósmica antes de ter adquirido amor

universal, poria em perigo a estabilidade do Universo, porque a consciência

cósmica é, praticamente, idêntica ao poder universal, e este, sem o amor, seria

um poder universalmente destruidor.

A magia mental – que é poder sem amor – tenta destruir o Universo, mas

acaba sempre destruído o próprio mago mental, uma vez que a magia é do

Intelecto, e todo o Intelectualismo sem o amor é auto-destruidor.

Page 57: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Por isto, a sapiência da Constituição Cósmica não permite que alguém adquira

consciência universal sem que possua amor universal.

A chave para aquela é este.

Só quem ama cosmicamente é que é maduro para saber e poder

cosmicamente.

O amor é o postulado fundamental da unidade e segurança do Universo.

Por isto, só o Cristo, e não Satã, possui a plenitude da consciência cósmica,

porque ele é amor supremo.

Deus só entrega o sinete do seu poder a uma creatura de absoluta confiança e

fidelidade.

QUEM COMPREENDE A DEUS

IGNORA TODAS AS COISAS

É esta uma das mais estranhas e paradoxais afirmações do grande místico

espanhol, São João da Cruz. E, no entanto, quando bem compreendida, é uma

grande verdade.

“Arrebatado em êxtase – escreve ele – estava eu fora de mim, e todos os meus

sentidos ficaram sem sentido. Meu espírito estava repleto de compreensão –

mas eu estava para além de toda a ciência...

Quanto mais eu subia às alturas, tanto menos entendia as coisas cá de baixo.

É a nuvem escura que ilumina a noite. Por isto, aquele que compreende não

entende nada – está para além da ciência...

Quem atinge as grandes alturas aniquila-se a si mesmo, e todos os seus

conhecimentos antigos lhe parecem cada vez menos e menos; a tal ponto

aumenta a sua compreensão que ele não entende mais nada – porque está

além de toda a ciência...

E essa compreensão, que nada entende, é tão poderosa em sua veemência

que nenhum dos eruditos a pode derrotar com a sua erudição, porque os

conhecimentos destes nunca atingem a compreensão daqueles que nada

entendem – porque estão para além da ciência...

Tão transcendente e soberana é essa sabedoria que nenhuma faculdade ou

ciência podem alcançar aquele que supera a si mesmo, sabendo que nada

sabe – para além de toda a ciência...

Page 58: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

E, se escutares a voz dessa soberana sabedoria, saberás que ela consiste

num senso profundo da essência de Deus; é um ato da divina comiseração que

nos deixa sem nada entender – para além de toda a ciência...

PARAFRASEANDO OS INICIADOS

Há uma consciência local – mas há também uma consciência ultra-Iocal.

“Gosto” significa para o homem comum uma coisa localizada na ponta da

língua – mas para o artista significa uma experiência universal, resultado de

uma certa atitude e receptividade intensa do Eu total do homem. Ninguém o

pode receber de outrem, nem o pode dar a alguém. O senso artístico não é

uma faculdade individual localizada num determinado órgão – é o Eu total

enquanto acessível a um certo aspecto da Realidade Total; é o próprio Eu

secundum quid, permanentemente orientado rumo ao Todo Cósmico.

Recebemos ondas de experiência de todas as coisas ao redor de nós – do

nosso povo, da nossa nação, da nossa igreja, da “comunhão dos santos” – de

todos os seres para cujas vibrações se acharem afinadas as nossas antenas.

Esse recebimento nada tem que ver com algum sentido físico; é algo como

uma “luz interna”, uma iluminação (in-lumine, dentro da luz).

Esta visão atinge as coisas pelo lado de dentro, assim como elas são, de fato,

na sua realidade, e não como parecem ser segundo as suas aparências. Vêem

as coisas no seu verdadeiro ser, e na sua verdadeira ordem.

Essa experiência provém da completa união entre o sujeito vidente e o objeto

visto.

Essa união (unio, de uno), ou identificação, é possível, porque a Realidade é

uma só; não há realidades. Se estou unido ao Grande Todo, e se esse Grande

Todo é a essência de todas as coisas, então, pelo fato de ser um com o Todo,

sou também um com cada uma das suas partes; porquanto a essência de cada

uma das partes é idêntica à essência do Todo – são todos “concêntricos”.

A nossa experiência sensorial não passa dum jardim de infância em face

daquela outra experiência, ultra-sensorial e ultra-mental – que é a experiência

do Eu central e universal.

Essa experiência cósmica e panorâmica do meu Eu universal me faz,

realmente, “são” e “santo”; whole e holy, heil e heilig), porque “sanidade” e

“santidade” são universalidade, ao passo que “insanidade” e “insantidade”

(doença e pecado) resultam duma falta de universalidade, por serem aspectos

de parcialidade.

Page 59: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

A intuição cósmica confere ao homem um senso de tranquilo poder, de

profunda paz de espírito, de inefável felicidade, e, não raro, influencia outros

como que pela irradiação de um misterioso magnetismo.

NO CÉU E NO PURGATÓRIO

O homem de consciência cósmica, no mundo presente, está no céu – mas

continua a viver no purgatório. Os sofrimentos do ego continuam, mas são

permeados pela leveza e serenidade da luz interna da experiência celeste. O

quê, ou fato, do seu sofrer é o mesmo que o dos outros – mas o como desse

sofrer é muito diferente. Esse homem pode sofrer gozosamente, pode ser feliz

no meio do sofrimento – assim como o profano pode ser infeliz no meio dos

seus gozos.

Por isto, o homem de consciência cósmica não pede a Deus que o liberte do

sofrimento, mas que lhe intensifique cada vez mais a luz da visão interna, que,

graças à sua misteriosa alquimia, transforma tudo e permeia todas as coisas

externas, de maneira que estas, de opacas que eram, se tornam transparentes

como límpidos cristais.

MÍSTICA E ÉTICA

Nem sempre a ética do homem corresponde ao grau da sua mística, enquanto

ele se acha ainda em vias de evolução. Por vezes, os seus altos vôos místicos

têm de arrastar consigo o peso morto de uma ética ainda sacrificial e precária.

Tão densa é a opacidade multimilenar do velho ego que a luz do novo Eu não

consegue, logo de início, lucificar plenamente as paredes espessas desse

invólucro egoísta – e essa incapacidade é o maior tormento para o Eu divino no

homem em vias de cristificação. Por vezes, o seu humano ego geme em cruel

agonia: “Pai, se possível, passe de mim este cálice sem que eu o beba!”... Mas

logo o seu divino Eu ressalva: “Contudo, não se faça a minha, e sim a tua

vontade”...

CONSCIÊNCIA CÓSMICA

É MAIS QUE MORALIDADE

Quando um homem altamente ético ou moral consegue um amor que abrange

todos os seres, é isto, para ela, uma espécie de talento, ou uma virtude

heróica, da qual tem plena consciência, porque é o resultado de tremendos

Page 60: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

esforços e dolorosos sacrifícios; é o termo final de processo de auto-disciplina

de longos anos.

Essa suprema conquista do homem eticamente virtuoso pode gerar nele um

senso de orgulho e auto-complacência.

Bem diferente é a atitude do homem de consciência cósmica; não é um talento,

mas um gênio, embora nem ele seja, em geral, dispensado do tirocínio

preliminar da ética sacrificial. A sua consciência cósmica é algo como uma

perfeição biológica, como um divino carisma. Por isto, nunca lhe vem a

tentação de se orgulhar dessa grandeza, porque ela é a sua própria natureza, a

regra geral do seu ser, e não apenas uma exceção dessa regra, em forma de

um agir.

O amor universal com que ele abrange todos os seres – o Real e os realizados

– não é, para ele, uma virtude, um heroísmo ético, um talento moral, mas sim

uma profunda e vasta natureza. Como ele se sente integrado no Grande Todo

do Cosmos, nenhum merecimento há nesse fato de integração, porque é o seu

clima, a sua atmosfera vital, a sua beatitude.

Esse homem não é talentosamente virtuoso – ele é genialmente sábio.

ENTRE SCHOPENHAUER E NIETZSCHE

Disse o primeiro que o desejo fundamental do homem é a “vontade de viver”

(der Wille zum Leben); proclamou o segundo que o mais profundo anseio do

homem é a “vontade de dominar” (der Wille zur Macht).

Schopenhauer disse meia verdade – Nietzsche enunciou uma verdade total,

embora talvez num sentido unilateral. O certo é que nenhum ser, menos de

todos o homem, se satisfaz com o simples fato de viver, todos o homem, se

satisfaz, no plano horizontal, e continuar a viver onde está. Quanto mais

consciente de si é um ser, tanto mais se transforma o seu simples desejo

horizontal de viver numa linha ascensional de viver poderosamente, porque

poder é felicidade, e a plenitude do poder é a plenitude da felicidade. Em última

análise, toda a felicidade consiste fundamentalmente num senso de poder, que

dê segurança e liberdade, sem as quais nenhuma felicidade verdadeira é

possível. Quem vive poderosamente é feliz. Felicidade é vida abundante. E

essa vida abundante é impossível na fraqueza; exige poder.

Entre a linha horizontal do simples viver e a linha vertical do viver

poderosamente são possíveis inúmeras linhas ascensionais, de maior ou

menor grau de distanciação da horizontal e aproximação da vertical. Uma

minhoca no fundo da terra, comendo humus a vida inteira, deve viver bastante

satisfeita, porque as suas potencialidades rumo à vertical são mínimas, uma

Page 61: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

vez que a sua consciência se acha no ínfimo grau de autonomia. Não sabemos

até onde vai a “vontade de dominar”, der Wille zur Macht, de uma minhoca.

Mas, uma águia no espaço ou um leão na floresta revelam uma “vontade de

dominar” notavelmente superior, porque vivem mais abundantemente, e seu

grau de felicidade deve ser muito maior que o de um verme da terra.

Está na íntima natureza do homem viver abundantemente. “Eu vim para que os

homens tenham a vida – disse o maior dos mestres da humanidade – e que a

tenham na maior abundância.”

Todo homem tem o veemente desejo de se realizar plenamente, isto é, de

atualizar as suas potencialidades, como dizemos em terminologia filosófica; o

anseio de ser explicitamente aquilo que ele já é implicitamente, de ultrapassar

o plano evolutivo em que hoje se acha e subir a um plano superior, mais

sentido e intuído do que propriamente sabido e inteligido. Quanto mais

consciente de si se torna o homem, tanto mais ele adivinha que sua existência

compreende numerosas etapas evolutivas, que ele tem de passar por muitas

metamorfoses, nascimentos, vidas e mortes – assim como uma lagarta, depois

de nascer do ovo sabe biologicamente que terá de morrer como lagarta, nascer

como crisálida, e depois morrer como crisálida e nascer como borboleta; sabe

que a sua epopéia vital é uma sucessão de luzes e treva, de expansão e

contração, de atividade e passividade, de vigílias e dormências – rumo a uma

meta que a consciência individual do inseto ignora, mas que a consciência

universal do cosmos conhece desde o princípio dessa cadeia evolutiva.

O inseto, como aliás todos os seres infra-humanos, não vivem propriamente

mas são vividos pela grande vida cósmica; têm vida, mas falta-lhes a vivência;

não possuem autocracia vital, toda a sua vida é alo-crática; não se governam,

mas são governados pelo impacto da grande Vida Universal do Cosmos. E por

isto também não são responsáveis por seus atos – o responsável é o próprio

Cosmos. Esses seres alo-cráticos, ou exo-cráticos, não conhecem ética, nem

para a direita nem para a esquerda, nem para o bem nem para o mal, porque

ética supõe auto-cracia, auto-nomia, endo-cracia.

Só com o advento do homem começou, neste planeta Terra, o fenômeno da

autonomia do ego, e, portanto, a consciência ética, a possibilidade do bem e do

mal.

Mas o homem eticamente consciente dos nossos dias sabe que ele é um viajor

de regiões longínquas, um peregrino do Infinito; sabe que, por mais que ele se

tenha distanciado do mundo infra-humano – do mineral, do vegetal e do animal

– muito distante se acha da meta final, da plena realização de todas as suas

potencialidades latentes. E talvez que haja dois seres humanos que se acham

no mesmo ponto de evolução ascensional; uns realizaram 10 graus, outros 20,

outros talvez 50 graus de despertamento das suas potências dormentes.

Page 62: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Parece que, até hoje, um único homem atingiu a plenitude da sua perfeição, e

por isto se chamava ele o “filho do homem”, quer dizer o pleni-homem, o

homem integral.

Se a lagarta pudesse raciocinar, quem sabe se não teria medo de se

enclausurar no misterioso invólucro da crisálida – que é o ataúde da lagarta e

vai ser o berço da borboleta? Felizmente, a grande Inteligência cósmica pensa

pela lagarta, e assim a pequena inteligência do inseto não teme a morte,

porque uma voz de dentro lhe diz que este ocaso de hoje é o prelúdio da

alvorada de amanhã.

SOLUÇÃO ÚLTIMA

DE TODOS OS PROBLEMAS

Resume-se essa solução suprema, mais ou menos, nos seguintes termos:

Homem, renuncia ao eu pessoal e submerge no nós universal – esse nós que,

em seu primeiro estágio, se chama humanidade, e, no último, Deus.

São os dois mandamentos, o primeiro do amor de Deus, e o segundo do amor

do próximo. Mas, na execução prática, temos de começar pelo segundo, que é

o mandamento da ética, a fim de atingirmos o primeiro, que é o mandamento

da mística. Uma vez passado pela mística, a ética difícil e compulsória se

transforma na ética fácil e espontânea – e então está solucionado o último

problema da vida humana.

Para atingir essa meta, ó homem, observa o seguinte:

Não exijas nada – sempre pronto para tudo!

Não reclames direitos – cumpre somente obrigações!

Não te arvores em credor de alguém – considera-te devedor de todos!

Não te delicies em perdoar ofensas – esquece-as!

Não procures receber e ser servido – dá e serve onde puderes!

Mantém dentro de ti um clima de serena tranquilidade que se revele em suave

benevolência para com todas as creaturas de Deus!

Realiza com a maior perfeição e com jubiloso amor todos os teus trabalhos,

sem jamais esperar reconhecimento, aplausos, gratidão, nem aguardares

resultados visíveis!

Se assim fizeres, o teu velho ego protestará, indignado, afirmando que a tua

vida é um absurdo e tu és um tolo; pois, como poderias renunciar ao maior

Page 63: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

triunfo de milhares e milhões de anos de evolução, que é o teu ego? Que valor

teria ainda a tua vida sem os encantos do ego, que se nutre de elogios,

aplausos e resultados palpáveis dos seus trabalhos?

Esse protesto, não te esqueças, é o protesto de um cego ou dum míope. O teu

ego é incapaz de perceber que, na realidade, essa “renúncia” não é uma perda,

mas sim um lucro, não um menos, sim um mais; entregas um 10 para

receberes um 100. O pequeno ego, porém, devido à sua pequenez, não

percebe que o 10 está contido no 100, e que este é um gloriosa ambição

daquele.

O grande Eu divino em ti sabe dessa matemática cósmica, que o pequeno ego

humano ignora. Por isto, o grande Eu divino tem de se manter firme e

inabalável, no meio de todos os protestos, porque é pelo bem do próprio ego

que seja dirigido pelo Eu, pois assim ganha em vez de perder.

É o maravilhoso “Stirb und werde!” de Goethe.

É o glorioso “Se o grão de trigo não morrer...”, do divino Mestre.

A NOITE TENEBROSA DO MÍSTICO

É este, talvez, o mais inexplicável fenômeno que todo místico conhece, na sua

jornada ascensional rumo a Deus: depois de alcançar total purificação, depois

de atingir elevado grau de iluminação, pouco antes de cruzar a misteriosa

fronteira para a definitiva união com Deus – passa ele pela chamada “noite

tenebrosa da alma”. São João da Cruz e sua grande discípula, Santa Tereza

de Jesus, são mestres na descrição desse fenômeno.

Dizem os psicólogos que essa treva é uma reação do cansaço causado pela

passagem através dos dois primeiros estágios evolutivos, da purificação e da

iluminação, que, necessariamente, precedem a União.

Entretanto, a mais profunda razão não é apenas psíquica, e sim mística ou

cósmica. Em transição para a definitiva união com o Infinito, ocorre um

egocídio, a morte irrevogável do “homem velho”, e esse morrer é

experimentado como uma escuridão, como um eclipse total da personalidade

separatista e luciférica.

De resto, não pode haver experiência genuína do mundo espiritual sem o

“batismo de sangue”, sem a passagem pelo “mar vermelho” de um grande

sofrimento – e a morte definitiva do ego é, sem dúvida, o maior dos

sofrimentos. O sofrimento é o último e supremo fator de iniciação. Depois que o

homem compreendeu tudo que era compreensível, tem de ser aniquilado,

reduzido a zero, antes de poder ver o Todo. Se entre a vida consciente do ego

Page 64: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

e a vida superconsciente do Eu não medeasse o abismo do nada, do absoluto

niilismo, que se revela como sofrimento, poderia a subsequente união com

Deus parecer o produto de alguma engenhosa ou genial atividade do ego; mas,

depois que este foi reduzido a zero, crucificado, morto e sepultado, nenhuma

tentativa pode haver de o homem considerar as núpcias místicas da alma com

o divino Esposo como algo merecido ou produzido pela personalidade do ego.

Para que essa união mística apareça em todo o esplendor da verdade daquilo

que ela é na realidade, isto é, uma puríssima graça de Deus – deve a grande

escuridão acampar no limiar do santuário.

“Para que nenhum homem se glorie...”

Depois de passar por essa treva espessa, está a alma definitivamente adulta e

madura para ingressar no reino de Deus.

Aqui está a linha divisória entre a espiritualidade meramente devocional de

certos místicos poéticos e líricos – e a experiência criadora de uma alma que,

de fato, foi empolgada pelas veementes tempestades de Deus. Há, na genuína

experiência mística, algo profundamente trágico, quase mortífero; a alma,

chegada a essa fronteira última entre dois mundos, sabe e sente que se trata

de vida ou morte, que é chegado o momento da grande crise, de uma decisão

suprema, da qual não há regresso...

Escusado é dizer que uma experiência dessas causa profundas modificações

também na vida externa do homem.

Quando alguém, após esse encontro com Deus, volta ao meio da sociedade,

no princípio não enxerga nada, não compreende mais a linguagem dos outros,

embora veja e ouça tudo materialmente. A sua alma continua distante, muito

distante... Depois, obrigado a retomar o fio da sua vida profissional, tem a

impressão de estar num jardim de infância, ou num teatro de fantoches... Por

que toda essa correria em derredor? Por que essa desenfreada lufa-lufa, a pé,

de carro, de avião a jato? Que querem esses bonecos humanos? Será que têm

de realizar algo de importante? Evidentemente, são vítimas de uma alucinação

coletiva, que eles tomam muito a sério... Ninguém sabe, propriamente, por que

corre, grita, ri, chora, gesticula, acumula dinheiro e mais dinheiro... Será que

eles não percebem que estão montando museus de zeros?... Esses homens

importantes parecem-se com formigas que tiveram desmanchado o seu

formigueiro e põem-se a correr estonteadamente em todas as direções, sem

saber por que e para quê...

“O meu reino não é deste mundo”...

É esta a voz que ecoa, sem cessar, na alma do místico que teve o seu

encontro com Deus. E, se alguém lhe oferecesse “todos os reinos do mundo e

sua glória”, não se daria ele ao trabalho de estender a mão para se apoderar

Page 65: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

dessas sombras e dessas bonecas de celulóide, que formam o cobiçado alvo

da desenfreada lufa-lufa e das guerras dos profanos...

Deslocou-se o seu centro de gravitação...

A sua órbita deixou de ser geocêntrica, egocêntrica – tornou-se heliocêntrica,

teocêntrica, cosmocêntrica...

Perdeu de vista as praias e os litorais de outrora e deixou-se arrebatar pelas

exultantes ondas dos mares de Deus...

Para onde?

Não interessa saber... Deus o sabe – e isto basta...

PARTURIÇÃO MÍSTICA

Entre a iluminação da alma e sua definitiva unificação com Deus, jaz o

tremendo mistério da parturição do homem cósmico. No meio dessas dores de

parto agoniza a alma, sofrida de Deus e sofrida de si mesma...

Outrora, sabia o homem algo sobre Deus – e isto era delicioso; agora sabe ele

a Deus – e isto é terrífico, porque esse saber é um viver e um ser – e isto é

algo mortífero – e vivificante...

Essa alvorada de Deus é o ocaso do ego – a “noite tenebrosa” da

desegoficação, a queda no vácuo, o naufrágio no vasto oceano da divindade, o

regresso à eterna origem...

Tenho de des-nascer do ego, para o qual outros me fizeram nascer, decênios

atrás – a fim de poder re-nascer para Deus ...

Tenho de me tornar conscientemente a Realidade que sou inconscientemente.

O meu semi-eu tem de se tornar um pleni-Eu – e isto é agonia, que submerge

na morte, para emergir na vida...

REGRESSANDO DE DEUS PARA O MUNDO

Ah! como me tornei flexível e plasmável, depois que passei pelas mãos de

Deus! Como me sinto leve e luminoso e desprendido de tudo!... Parece que

vou roçando apenas, mui de leve, com asas de andorinha, as coisas da vida

material... E que halo estranho envolve tudo que me rodeia!... Os objetos, antes

tão opacos, parecem todos transparentes, como se dentro deles ardesse uma

luz...

Page 66: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Estou de amores divinos com o mundo inteiro... Tudo que vejo, ouço e sinto me

parece uma discreta mensagem d‟Ele, meu divino Amor, um murmúrio dos

seus lábios, um aceno dos seus olhos, um eco da sua voz, uma pulsação do

seu coração, um presente das suas mãos...

Este mundo é tão belo, depois que vi a eterna Beleza...

E eu me sinto imensamente livre...

E Verdade me libertou...

Foi abolido o inferno, desde que o paraíso tomou conta de mim. Também,

como poderia haver inferno lá onde Deus está?... A onipresença do céu

eclipsou a presença do inferno...

Foi também abolida a morte, pois como poderia haver morte, lá onde impera a

vida?

Abolida foi a presença do pecado pela onipresença do amor.

Pecado, morte, inferno – em parte alguma!

Amor, vida, paraíso – por toda a parte!

NÃO SOU ALTRUÍSTA!

“Altruísmo” é uma palavra equívoca e perigosa. “Alter” quer dizer “outro”. Será

que eu devo amar os outros em vez de me amar a mim? Fazer uma permuta

de amores?

Absolutamente não! Devo amar a todos assim como me amo a mim. Se eu não

amasse a mim, não teria norma para o amor aos outros. Devo ser

absolutamente solidário no meu amor. Devo amar-me em tudo e tudo em mim.

Eu e o Universo somos um. Sinto em mim as pulsações da vida universal, e

faço pulsar no universo a minha própria vida. Eu vivo a vida cósmica, e a vida

cósmica me vive e vitaliza.

A palavra “altruísmo” sugere algo como hipocrisia, virtuosidade, orgulho

espiritual, farisaísmo auto-complacente.

Se eu amasse algo ou alguém em vez de mim, deixaria de amar a mim mesmo

– o que seria profundamente inético e anti-cósmico. Eu devo afirmar tudo o que

Deus afirma – mas Deus me afirma com o mesmo amor com que afirma a

todas as outras creaturas. Com que direito, pois, poderia eu des-afirmar, e até

negar, algo que Deus afirma? Será que eu sou mais santo que Deus? Devo eu

desamar o que Deus ama?

Page 67: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

CURRUÍRAS E MARIPOSAS AMIGAS

Ontem à tarde, 3-9-1950, entre 4 e 5 horas, quando eu estava sentado no

bosque lendo Yogananda, Auto-biography of a Yogi, justamente no capítulo

onde o autor fala do maravilhoso cientista místico Luther Burbank, vieram de

repente três curruíras, no meio de extraordinária festa de risadinhas e bater-de-

asas, ao redor de mim, quando não havia passarinho algum pela vizinhança; e

uma delas veio pousar tranquilamente sobre o meu joelho esquerdo, olhando

para mim meio minuto, com olhares interrogativos, enquanto as outras duas me

olhavam lá da cerca próxima.

Por que essa amizade e confidência? Será porque eu, engolfado naquele

capítulo sobre um místico que conversava com a natureza como Francisco de

Assis, me achava envolto em auras de simpatia cósmica?...

Quando o homem vive em Deus, todas as creaturas, que também vivem em

Deus, confraternizam com o homem. Desaparece a hostilidade criada pelo

intelecto luciférico e aparece a amizade que nasce da razão crística; todas as

longínquas transcendências se fundem numa propínqua imanência...

Eu e o universo somos um...

Muitas vezes, à noite, quando leio, vêm dançar sobre as páginas do livro umas

pequenas mariposas vestidas de seda branca, que eu chamo “noivinhas”;

pousam sobre o papel e se quedam, estáticas, vibrando apenas as minúsculas

antenas. A luz as põe numa espécie de samadhi, e elas, misticamente

inebriadas de luz, se sentem no “terceiro céu”. Falo com as delicadas

“noivinhas” de alvíssimo enxoval, e lhes entrego a minha mensagem para o Pai

de toda luz, vida e amor...

Foi o que fiz também com as três curruíras.

EU ESTOU EM TUDO –

E TUDO ESTÁ EM MIM

Vamos substituir a palavra “Deus”, tão abusada, pela palavra “Vida”, tão

querida.

A Vida é a essência de todas as coisas. Eu, pelo fato de estar vivo, participo da

Vida Universal, que está em todos os seres vivos.

Por isto, eu vivo em todos os seres vivos, em virtude da Vida, e sou amigo de

todos os meus irmãos viventes.

Page 68: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Fazer “milagre” é um simples corolário desta minha união com a Vida

Universal. Nada é impossível a quem se torna consciente dessa universal

“simbiose”, dessa grande “convivência cósmica”.

PROPINQUIDADE E LONGINQUIDADE

Quando uma pessoa de consciência individual está comigo, eu sinto

deleitosamente a sua tépida propinquidade – mas, quando uma pessoa de

consciência cósmica está comigo, sinto-lhe, para além da grata proximidade

individual, a solene longinquidade universal, sinto-a como que envolta numa

aura de indefinível sacralidade...

E essa bi-polaridade formada pelo perto e pelo longe dessa pessoa, de

imanente amizade e transcendente majestade, me enche dum paraíso de

anônima beatitude... Gozo a presença e sofro a ausência dessa pessoa – e

esse gozo sofrido é algo de indescritível fascinação...

ALMA EM DIVINA GESTAÇÃO

Skyland, 20-9-1950. Mais uma vez estou nestas maravilhosas alturas, em

plena natureza, como no ano passado, quando minha alma gemia em dores de

parto por ti, meu Deus, sempre presente e sempre ausente, sempre nascituro e

jamais nascido – e minha alma sempre em dolorosa gestação... Nunca sei se,

de fato, nasceste ou não, se és uma prole nata ou inata... Tenho a impressão

de que és um eterno nascituro...

Ontem à noite, das solitárias alturas do “Stony Man”, ponto culminante de

Skyland, fui invadido por uma onda de consciência cósmica... Sentia-me

inefavelmente um com o Grande Todo, fundido em compreensão e amor – e,

ao mesmo tempo, sangrando dolorosamente das chagas da minha

insuficiência...

Estou em ti... tu estás em todos os seres... logo, eu também estou em todos os

seres... Nós estamos todos em ti, nós, a tua grande família cósmica, ó Pai do

Universo!... Embora todos distintos de ti, não estamos separados de ti, Espírito

Divino, que unificas todas as diversidades, sem as identificares...

Meu ignoto Amigo e Senhor! Ando sempre à tua procura, porque te achei, e

nunca te acho plenamente. Quanto mais te acho mais te procuro, porque o

meu pequeno finito anda sempre faminto do teu grande Infinito, e quanto mais

me alimento de ti, tanto mais fome tenho de ti... Deus do céu! Será que esta

fome progressiva que tua progressiva posse me dá não acabará por me

aniquilar e dissolver em ti totalmente? Será que não acabarei em dulcíssima

Page 69: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

eutanásia mística, diluindo-me todo em ti, ó divino Oceano sem praias nem

fundo? Se assim for – adeus, pequenina onda do meu Eu! Volta em paz para

donde vieste!... Deixa de existir – e volta a ser... Desprende-te das praias da

efêmera existência e afoga-te nos abismos da eterna Essência... Adeus!... Que

o meu pequeno Eu, limitado de nome e forma, se dilua no infinito Pélago, sem

nome nem forma!... Nirvaniza-te, pequeno Algo, abisma-te no Nada, no seio do

grande Todo!... Des-nasce para o teu existir individual e nasce para o Ser

Universal!...

...............................................................................................................................

E minha alma continua em gestação, sofrida de Deus – e sofrida de si

mesma...

AÇÃO – ADORAÇÃO

Duas asas que me levam às alturas.

Que vale ação sem adoração?

Que vale adoração sem ação?

Que vale atividade?

Que vale passividade?

Só vale passividade dinâmica – imensa vacuidade invocando intensa plenitude.

Adoração é a mais alta forma do amor, o “primeiro e maior de todos os

mandamentos”, é a grande vertical da mística divina, sem a qual todas as

horizontais da ética humana são estéreis.

Todo o meu externo agir poderia ser feito por Deus, e muito melhor – mas o

seu interno adorar e amar não pode ser feito por Deus em meu lugar.

Tanto vale a minha ação quanto vale a minha adoração. As minhas ações são

outros tantos zeros sem o algarismo positivo “1” da minha adoração, que

valoriza com a sua plenitude todas as vacuidades dos zeros: 1 000 000.

Na própria palavra “adoração” está contida a palavra “ação”, como parte

integrante dela; e no meio, entre “adoração” e “ação”, está “oração”, elo

mediador que une a mística e a ética.

Adoração, oração, ação...

Page 70: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

EM PERSPECTIVA – OU EM PANORAMA?

Toda verdade espiritual é falsa, quando analisada intelectualmente, porque é

vista em perspectiva, e não em panorama. Quando contemplo um círculo

obliquamente, o círculo me aparece como elipse, tanto mais alongada quanto

mais oblíqua for a minha posição; quando contemplo em perspectiva duas

linhas paralelas, como os trilhos duma estrada de ferro, essas paralelas

aparecem como convergentes.

Todos os nossos conhecimentos, físicos e mentais, nos aparecem em

perspectiva linear, unilateral, devido à imperfeição das nossas faculdades

cognoscitivas.

Mas uma verdade conhecida espiritualmente aparece em visão panorâmica,

assim como ela é de fato, parecida com uma visão esférica, onilateral; é uma

“intuição”, ou visão de dentro, porque é a visão da própria essência.

A visão mental não pode ser corrigida por si mesma, senão apenas por uma

visão superior, intuitiva, panorâmica.

O ILOGISMO DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA

Exigir que a mística seja lógica é absurdo, porque parte duma falsa premissa –

suposto que entendamos a lógica no sentido tradicional, intelectual. Nenhuma

experiência mística pode ser intelectualmente lógica, sob pena de deixar de ser

mística. Toda mística é necessariamente ilógica. “Credo quia absurdum” –

estas palavras do grande Tertuliano contêm uma grande verdade. O objeto da

fé é necessariamente absurdo, ou ilógico, isto é, ultra-intelectual. Não pode

haver fé na zona da inteligência.

Do ponto de vista científico, o estado místico é flagrantemente ilógico, a-

científico, porque não concorda com a lógica científica do intelecto.

Tudo que é cientificamente lógico não é real, mas aparente, porque a ciência

trata apenas dos fatos, mas não da realidade. Os fatos estão para a realidade

assim como um objeto refletido no espelho está para esse reflexo.

ESTUPRO ESPIRITUAL

Querer impor a outros uma crença ou experiência espiritual é crime de

violência ou estupro, e isto em dois sentidos.

Primeiro, porque nenhuma experiência espiritual coincide com a Realidade.

Page 71: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Segundo, porque a Realidade experimentada por A não pode ser

experimentada por B ou C do mesmo modo, uma vez que cada indivíduo

experimenta segundo a sua capacidade individual a Realidade Universal.

Esse estupro espiritual é, talvez, o maior crime que certas igrejas dogmáticas

cometem contra a humanidade, consoante a norma “Crê ou morre!”

QUIETUDE É PUREZA

Como tornar clara uma água turva?

Deixando-a quieta – e ela se clarificará por si mesma.

Todo o ruído, tanto físico como mental, é impureza e profanidade – ao passo

que o silêncio e a quietude são pureza e sacralidade.

Depois de dois ou três dias de contínuo silêncio e meditação, entra a alma

numa grande receptividade espiritual, de maneira que qualquer sementinha de

verdade brota com espontânea facilidade. O terreno à beira da estrada, entre

pedras ou no meio dos espinheiros, se transforma em terra fértil, arada,

adubada, chovida, como aquela da parábola do semeador que produziu 30, 60,

100 por um.

Deus é eternamente inativo – e, no entanto, não deixa nada por fazer.

Homem! Pratica inação – e não haverá nada que não possa ser feito!

Deixa que cada coisa siga seu curso natural e não interfiras com coisa alguma

– e tudo sairá certo!

Todas as coisas da natureza operam silenciosamente – e Deus é o rei do

silêncio...

COMPREENDER É SER

Não fales de oceano a uma poça d‟água!

Não fales de gelo a uma cigarra de estio!

Não fales de astros a um tatu!

Não sabes que ninguém pode compreender coisa maior do que ele mesmo é?

Page 72: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

VERDADES PARADOXAIS

Se quiseres ser grande – humilha-te!

Se quiseres ser sábio – aceita parecer tolo!

Se quiseres ser livre – serve voluntariamente!

Se quiseres viver – morre antes de ser morto!

Se quiseres ser feliz – renuncia à tua felicidade!

MINHA CONSCIÊNCIA É O MEU MUNDO

Nada sei do mundo objetivo, lá fora – só sei do meu mundo subjetivo, dentro de

mim. O meu mundo começa e termina lá onde começa e termina o meu

consciente. Embora existam milhares de mundos, objetivamente – para mim só

existe o mundo da minha experiência subjetiva; os outros são inexistentes para

mim.

Se a minha consciência grau 10 se alargasse para grau 20 ou 50, tão diferente

seria a minha filosofia sobre o universo!

EXPERIÊNCIA E MÍSTICA DA NATUREZA

O verdadeiro místico se torna um com o grande Todo e com cada parte desse

Todo – um com Deus e um com qualquer creatura de Deus.

O profano, quanto mais goza tanto mais incapaz se torna de gozar, e, por fim,

expira o último resquício da sua capacidade de gozar – e então só lhe resta um

inferno de tédio, o manicômio ou o suicídio. O próprio gozo impossibilita o gozo

– é esta a maldição de todo o gozo profano.

O místico, porém, graças à bendita disciplina da renúncia, abre infinitas portas

para um gozo intenso e puro e sem fim. Deus é um, como a luz incolor, mas as

revelações de Deus são sem conta nem medida, como as cores criadas pela

luz, e cada novo aspecto de Deus causa nova alegria ao homem espiritual.

O verdadeiro místico exulta ao contemplar uma pedrinha, um inseto, uma ave,

um peixe, uma planta, uma gota de orvalho, porque vê a Realidade eterna

através dessas roupagens efêmeras.

Celebra a sua liturgia cósmica em milhares de catedrais, sobre inúmeros

altares.

Page 73: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Ó folhinha de capim! como te agradeço porque existes!...

Ó besourinho verde-claro! como sou feliz porque tu vives!...

Ó nuvens do céu! como alegrais a minha existência!...

Ó florzinha à beira da estrada! bendita sejas pelo bem que me fazes!...

Ó ventos e chuvas, relâmpagos e pirilampos, montanhas e mares! que seria a

minha vida sem vós?...

Recebei, todos vós, o preito da minha gratidão, porque existis na minha

existência!...

O HOMEM INFINITO

O homem não é um ser finitus, findo, acabado – ele é infinitus, não-findo, não-

acabado, porque ele é uma sinfonia inacabada.

Os problemas duma lagarta não acabam com a lagarta, mas sim com a

borboleta, porque a lagarta é uma sinfonia inacabada. A lagarta é a borboleta

“infinita”, não finda, por acabar...

Quanto mais me aproximo do Infinito, menos finito me sinto e mais desperta em

mim a consciência do meu ser “infinito”, inacabado...

Quanto mais me aproximo da Luz, mais largas e espessas são as sombras que

projeto após mim, porque mais nítida se torna a consciência da minha finitude...

O teu Infinito, Senhor, intensifica em mim a consciência da minha finitude –

quanto mais te gozo mais te sofro...

Quanto mais te possuo, mais te procuro...

Quanto mais me delicio em ti, mais fome tenho de ti, Senhor...

EU E O UNIVERSO SOMOS UM

Hoje, pelas 10 horas da noite, ao voltar do meu solitário Shangri-la, no bosque

de Washington, após intensa meditação, parei uns momentos, no meio do trilho

que conduz ao campo da Universidade onde leciono – e sobreveio-me intensa

luz, que me envolvia e permeava, uma luz imaterial de dentro... E fui inundado

pela grande Verdade, que é suprema Felicidade, de que eu e o Universo

somos um... Vivia a minha íntima união com Deus, que parecia total

identidade... E, como Deus é a essência de todas as coisas, também eu estava

essencialmente em todas as coisas, vivia em cada uma das creaturas de Deus

Page 74: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

ao redor de mim, que estavam em mim – pedras, plantas, insetos, aves, ar,

terra, música de grilos e cigarras – meus irmãos, minhas irmãs dormentes,

semi-dormentes... E eu, o único irmão maior vígil, acordado, no meio desse

misterioso dormitório de Deus...

Boa noite, irmãozinhos, irmãzinhas!... Eu vos faço participantes da minha

consciência maior... Ponho-vos todos sobre o altar do meu Eu consciente, em

grato odor ao meu Deus e vosso Deus, nosso Pai e nosso Senhor.

E celebramos a nossa inefável liturgia cósmica, no meio de grande silêncio e

solenidade...

Eu e o Universo somos um...

QUANDO MORRE O “DEVER”...

Uns nunca chegaram a conhecer o imperativo do “dever”.

Outros conhecem-no e procuram agir de acordo com ele.

Outros ainda agem em perfeita harmonia com o seu “dever”, mas nada sabem

desse senso compulsório, porque toda a sua consciência está empolgada por

um delicioso e espontâneo “querer”. Estes resolveram o problema central da

vida: querer o dever. Eles sabem o que Gandhi quis dizer com as estranhas

palavras: “A Verdade é dura como diamante – e delicada como flor de

pessegueiro.” A objetiva dureza do dever se lhes converteu na subjetiva

delicadeza do querer...

Esses estão definitivamente remidos de todas as irredenções...

Deles é o reino dos céus...

RELIGIÃO E MORALIDADE

Não há nenhum nexo direto entre religião e moralidade, contanto que como

religião se entenda a mística, a experiência cósmica da Infinita Realidade.

Indiretamente, é verdade, a moralidade é beneficiada pela religião, como

também esta se desenvolve melhor no ambiente daquela.

A religião, o “primeiro e maior de todos os mandamentos”, se refere

diretamente a Deus; a moralidade, o “segundo mandamento”, semelhante, mas

não igual àquele, tem que ver com os nossos semelhantes.

Page 75: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O homem religioso se abisma em Deus, goza a Deus, sente-se um com Deus,

dilui-se num oceano de amor e beatitude, com toda a alma, com todo o

coração, com toda a mente e com todas as suas forças.

A moralidade prática pode ser estabelecida independente de qualquer

religiosidade, embora, nesse estado a-religioso, a ética nunca deixe de ser

difícil e sacrificial: por isto, muitos homens procuram ser éticos por vaidade e

ostentação, ou pela inconsciente necessidade de encontrarem um substituto e

lenitivo para sua falta de religião; não raro, o ateísmo vem enflorado de

filantropia; a caridade procura encher os vácuos do Amor, reprimindo com

perfumosos anódinos os sintomas de um mal cujas raízes profundas continuam

a viver...

Depois de passar pela experiência mística, o homem continua a ser ético, mas

a sua ética perdeu o colorido moral do “dever”; esse homem já não é ético por

virtude, por um imperativo categórico de consciência, “tu deves”, mas sim como

um suave e espontâneo transbordamento da sua experiência com Deus, “eu

quero”... Não ama a seu semelhante como a si mesmo porque veja nisto uma

obrigação moral, um preceito ético, mas simplesmente porque o mar do seu

amor divino lança suas ondas impetuosas sobre todas as praias e ilhas

humanas e infra-humanas dos arredores...

Esse homem faz o bem por ser bom, nem pode deixar de fazer o bem, porque

o seu ser-bom é a sua íntima natureza, que ele, finalmente, descobriu. A sua

alteridade ética no meio dos homens não é incompatível com a sua identidade

mística com o grande Todo da Divindade, porque ele vê todas as partes nesse

Todo. Solitário em Deus, não pode deixar de ser solidário com todas as

creaturas de Deus, porque vê o Deus do mundo no mundo de Deus.

A ética meramente horizontal e humana enquadra o homem na sociedade –

mas a experiência mística vertical torna o homem indizivelmente feliz, e a sua

benevolência e beneficência humana não é senão o impetuoso

transbordamento dessa sua profunda e anônima felicidade.

Na simples ética humana, o homem apenas dá, e isto é doloroso, porque é

sinônimo de perder e empobrecer.

Na mística divina, o homem recebe, e por isto pode dar jubilosamente e sem

limites, porque esse dar humano nascido do receber divino é lucro que faz

enriquecer.

No recebimento místico, a alma concebe como esposa do Infinito.

Na distribuição ética, a alma dá à luz como mãe no meio de muitos finitos.

Na concepção mística, o homem recebe muito das profundezas do tesouro

cósmico.

Page 76: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Na distribuição ética, o homem dá um pouco do seu pequeno ego humano.

GUARDA O QUE TENS – E PASSA ALÉM!

É esta a grande lei do processo evolutivo!

Conforma-te com os elementos positivos da tradição – e depois desconforma-

te e procura conformar-te com os elementos positivos da evolução!

Conformidade e desconformidade!

Satisfação e insatisfação

CREDO DINÂMICO

Não pode haver credo estático, passivo. O meu crer depende do meu poder, e

o meu poder depende do meu ser individual.

Ora, o meu ser está em contínuo crescimento; logo, também o meu poder e

meu crer são processos dinâmicos, em contínuo crescimento. Quem crê hoje

apenas aquilo que creu ontem, quem aos 50 anos crê apenas o que cria aos 5,

e nada mais, sofre de paralisia infantil – ou então virou múmia! Quem hoje crê

mais o que cria ontem, goza de vigorosa saúde espiritual e moral.

O TODO É SIMULTÂNEO – AS PARTES

SÃO SUCESSIVAS

Os estágios sucessivos da nossa consciência são aspectos parciais do grande

Todo total e simultâneo.

Um viajante da Arábia, montado num elefante, encontrou-se com quatro cegos.

Cada um deles quis saber o que era um elefante.

O primeiro apalpou a tromba do animal, e concluiu que elefante era um tubo

roliço e flexível.

O segundo tocou-lhe nas enormes orelhas, e achou que elefante era uma

espécie de chapa.

O terceiro puxou-lhe o rabinho, e disse que elefante era algo parecido com uma

corda.

Page 77: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O quarto tentou abraçar-lhe a volumosa barriga, e opinou que elefante era uma

espécie de barril.

Por fim, falou o viajante montado no paquiderme e declarou que elefante não

era nada disto, embora tudo aquilo fizesse parte do animal. Faltava aos cegos

a intuição do Todo orgânico e vivo.

Também como poderia uma análise sucessiva e parcial compreender o Todo

simultâneo e total?

Como poderia um homem armado de ferramentas puramente intelectuais saber

o que é o Espírito divino?

MECANIZAÇÃO DA NOSSA CULTURA

A humanidade democrática do Ocidente está vivendo um dos seus períodos

mais perigosos: procura manufaturar uma cultura padronizada, pré-fabricada,

feita sob medida, cultura niveladora de personalidades, que se possa servir

automaticamente em pastilhas, comprimidos e injeções.

“Todos são iguais perante a lei” – está certo, na ordem social.

Mas, na ordem individual, não há duas pessoas iguais. A natureza não é uma

democracia, mas sim uma hierarquia cósmica.

À luz da nossa pseudo-cultura mecanizada, ninguém mais tem o direito de ser

ele mesmo – tem de tornar-se o que os outros são. A idolatria das

deslumbrantes vacuidades atingiu o seu clímax. Do contrário, não se

compreenderia a popularidade de certos Best-sellers, do Reader’s Digest

(Seleções), do Rock’n Roll, da Bienal, de Pelé, Brigitte Bardot e outras

divindades.

O homem moderno abdicou da sua personalidade e se amorfizou na massa.

Depois de falsificar todos os objetos – inclusive frutas, ovos e medicamentos –

o homem falsifica o seu próprio sujeito, substituindo o seu critério pessoal pelo

clichê da opinião pública. Certos dissidentes se revoltam contra a infalibilidade

do Papa ou da Bíblia – mas o homem moderno, que se diz descrente, crê

cegamente na infalibilidade do seu jornal, da Rádio, da Televisão, e o seu

credo é pautado pela gritaria e cartazes luminosos da propaganda comercial.

Compra o que os agentes de publicidade mandam comprar, porque não é ele

que pensa, ele é pensado pelos outros...

É proibido pensar!

É proibido ser alguém!

Page 78: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

É proibido dizer o que os outros não dizem!

É proibido fazer o que o vizinho não faz!

É proibido andar por caminhos novos!

É proibido abrir portas fechadas!

Eis aí o retrato do homem moderno, que canta hinos à liberdade – à sombra

das suas prisões...

Personalidade é tabu!...

Outros, desejosos de ser eles mesmos, caem em exotismos não menos

ridículos. Julgam-se livres, mas não conseguem dar à sua liberdade um

conteúdo criador. São livres de alguma coisa – e não sabem para que é que

são livres. Para eles, liberdade é um fim em si mesmo, e não um meio para

algo maior – e sua liberdade acaba em licença...

Oxalá, os nossos sofrimentos, criados por nós mesmos, possam ser o prelúdio

da nossa redenção!

Essa redenção, porém, não vem de fora, de terceiros, nem vem das periferias

do nosso ego humano, nosso carcereiro – a redenção vem do centro do nosso

Eu divino, porque “o reino dos céus está dentro de nós”...

AMOR – O RETORNO AO UNIVERSAL

Em qualquer espécie de amor há um misterioso elemento de “retorno ao

Universal”, e, como o Universal, ou Inconsciente, é o oceano creador da vida, o

amor é, por sua própria natureza, creador – é Eros, e não apenas libido.

Nesse “amor creador” é que reside o segredo da alegria que sempre

acompanha a vida. A vida, quando plena, é exuberante alegria.

O que acontece no plano da erótica, que visa a imortalidade da espécie, dá-se

também, e com muito maior intensidade, no plano da mística, que produz a

imortalidade do indivíduo.

A mística é a erótica do espírito – assim como a erótica é a mística da carne.

O Universal é o Inconsciente, é o grande Todo Cósmico, é Brahman. Por isto, o

retorno ao Universal – seja na erótica, seja na mística – é algo como

embriaguez, êxtase, samadhi, arroubo, morte do pequeno ego consciente,

nascimento do grande Eu oniconsciente.

Page 79: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O que a erótica tenta e consegue por momentos, a mística o realiza em caráter

permanente. As núpcias místicas da alma com Deus são um retorno do

indivíduo ao Universal, do pequeno conscientemente parcial ao grande

Inconsciente total – e isto é inefável beatitude... A idéia de que esse retorno

seja uma extinção (nirvana) é muito óbvia. Vigora íntima afinidade entre

egoísmo e separação, por um lado, e amor e identificação, por outro. O

amante, quando atinge o clímax do amor, não deseja mais existir como vida

individual, quer ser como Vida Universal. Quem não quer morrer não ama. O

suicídio dos amantes é perfeitamente lógico. Não há amor sem morte. O erro

dos amantes suicidas está no fato de confundirem a morte física com a morte

metafísica. Sentem vagamente que a desejada fusão dos dois é vedada pela

barreira dos corpos, e que, se essa barreira caísse, estaria aberto o caminho

para a completa fusão dos amantes um no outro.

A fusão, é certo, deve realizar-se, mas não desse modo.

No terreno da mística, essa morte também ocorre, não em forma de suicídio

físico, mas em forma de uma eutanásia metafísica ou mística. O verdadeiro

místico sabe e sente que a máscara separatista do seu ego personal o impede

de realizar essa fusão da alma amante com o Deus amado, como tão

maravilhosamente descreve o romance erótico-místico do Cântico dos

Cânticos.

Por isso, o místico é o mais radical anti-egoísta, anti-separatista, anti-

personalista. Procura, de todos os modos, acabar com o velho ego – e

encontra no Sermão da Montanha o mais violento veneno para o planejado

egocídio; sorve com avidez essa peçonha mortífera das “Oito Beatitudes” e o

resto desse documento máximo de desegoficação mística, e entra na inefável

embriaguez da sua união com Deus...

Quando então um místico regressa ao meio dos homens, os ecos da sua

experiência com Deus jamais morrerão em sua alma; essa experiência cinge-

lhe a vida profissional com um halo de sacralidade e permeia de poesia todas

as prosaicidades da existência terrestre...

A experiência mística é a suprema alquimia que transvaloriza todos os valores.

O homem que, pela experiência do amor de adoração, retornou ao Universal,

torna-se intensamente individual pela caridade do serviço espontâneo a seus

semelhantes. E compreende o que o Nazareno quis dizer com as palavras: “Só

a Deus adorarás e só a ele servirás”...

O serviço que esse homem presta a seus semelhantes é um irresistível

transbordamento da adoração que presta a Deus. Adorar e servir não são, para

ele, duas coisas diferentes – é a mesma coisa vista por dois lados diferentes...

Page 80: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Adoração, oração, ação – o terceiro está contido no segundo, e este no

primeiro. O homem de experiência mística é um homem de ação, porque é

homem de oração e homem de adoração. Mas essas três atividades não são

três, nem são coisas justapostas – são uma e a mesma coisa vista por faces

várias.

É o nascimento do homem cósmico...

REAL, REALIZADO, IRREAL

Nestas três palavras se consubstancia todo o segredo da filosofia e da religião.

Real é só o Infinito, o Universal, o Absoluto, o Todo, aquilo que é sem princípio

e sem fim.

Irreal é o contrário, o Nada, o Zero, a Vacuidade.

Realizado é intermediário entre o Real e o Irreal. É uma manifestação do Real,

um eco, um reflexo, um aspecto parcial e incompleto do Todo.

O Real se relativiza e finitiza no Realizado.

Brahman exterioriza-se em Maya; produz e casa-se com essa esposa cósmica,

fecunda-a com sua permanente imanência, e faz do Irreal o Realizado, do

Nada o Algo.

E, uma vez que o Todo de Brahman está presente no Nada de Maya, essa

Maya deixa de ser o Nada e se torna Algo, depois de fecundada pelo Todo.

E assim o homem clarividente, vendo Maya, intui Brahman em seu seio e pode

adorá-lo nessa sua inabitação.

Nessa imanência de Brahman em Maya, de Deus no Mundo, está toda a

fascinação na poesia do Universo.

O verdadeiro iniciado não tem necessidade de sair do “deserto” desta terra

para entrar na “Canaan” do céu, porque ele, graças à sua clarividência mística,

transformou em oásis de vida e beleza o próprio deserto da morte e monotonia.

A ignorância o fizera escravo – a sapiência o libertou...

POR QUE SOU INFELIZ?

Por que fulano disse isto?

Por que sicrano fez aquilo?

Page 81: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Por que beltrano me abandonou?

É o que o meu ego afirma – mas não é verdade.

Eu não sou infeliz por causa de algo que me aconteceu, por obra e mercê de

terceiros – eu sou infeliz por causa de algo que está em mim mesmo e que foi

despertado por acontecimentos externos. Esses acontecimentos são apenas

os detonadores de um explosivo que estava acumulado dentro de mim; o

veneno da minha infelicidade já pré-existia a esse envenenamento, sempre em

vésperas de romper em tragédia. O pior de tudo não é essa eclosão da

tragédia latente, mas é o fato de estar latente em mim essa tragédia, embora

ainda em estado potencial, dormente, embrionário. E quem criou esse germe

de infelicidade não foram as perversidades dos homens nem as adversidades

da natureza – fui eu mesmo.

MEA CULPA, MEA CULPA,

MEA MAXIMA CULPA...

A minha verdadeira infelicidade é o meu egocentrismo, a minha egocracia, o

fato de eu gravitar em torno do meu ego, e não em torno do meu Eu, do Deus

em mim. O meu ego é muito vulnerável – o meu Eu é invulnerável. Aquele não

está sob o meu controle, pode ser ofendido, vulnerado, por fora – somente o

meu divino Eu é que é invulnerável de fora, totalmente imune de ataques

externos; a única vulnerabilidade vem de dentro, de mim mesmo. Ninguém me

pode fazer feliz nem infeliz, exceto eu mesmo, embora outros me possam dar

gozo ou felicidade, que são coisas do ego, e não do Eu.

Meu Eu não foi ofendido, magoado. Ninguém me pode fazer mau, exceto eu

mesmo – todos os outros apenas me podem fazer mal. Receber o mal é algo

que me acontece – ser mau é algo que eu sou, como também o seu contrário,

ser bom. Daquilo eu sou o objeto inerme – disto eu sou o sujeito poderoso. Ser-

mau é o único mal verdadeiro – mas isto não me pode acontecer de fora, sem

culpa minha. Outros me podem fazer mal ou bem – só eu me posso fazer mau

ou bom.

Enquanto eu, na minha velha ignorância, continuar a identificar-me com o meu

ego personal, a minha máscara, não serei solidamente feliz, porque a minha

felicidade depende de algo que não depende de mim.

Se qualquer fator fora de mim me pode fazer feliz ou infeliz, não sou realmente

feliz...

Page 82: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

TODOS OS MUNDOS ESTÃO AQUI

O homem comum fala do “outro mundo”, e entende por esse “outro” algum

lugar distante e um tempo ainda não presente.

Na realidade, porém, esse “outro mundo” nada tem que ver com tempo e

espaço, mas sim com o maior ou menor grau da nossa percepção. Quando

sintonizo o meu aparelho de rádio por ondas longas, só percebo mensagens

eletrônicas emitidas nessa onda, enquanto as outras mensagens emitidas em

ondas curtas, igualmente presentes no ar, passam despercebidas, como se

não existissem.

O mesmo acontece com a minha percepção mental e espiritual. Se eu consigo

levantar a minha frequência grau 10 a grau 11, estou em “outros mundos”,

porque o meu “mundo” é aquilo que eu percebo e de que sou consciente; os

outros mundos são, para mim, inexistentes. Um mundo na frequência 100,

quando percebido por um recipiente igual a 10 não é 100, mas 10, os restantes

90 graus são inexistentes. Se o meu receptor captar 200, 300, 400, eu estarei

num desses mundos, que sempre estavam presentes a mim, objetivamente,

mas dos quais eu estava ausente, subjetivamente, por falta de sintonização.

Nada sei do mundo em si – só sei do mundo em mim. Eu sou a medida

subjetiva de todos os mundos objetivos. “Das Ding an sich” (a coisa em si),

como diz mestre Kant, é para mim um eterno X, uma inatingível incógnita. A

única coisa que sei e posso saber de qualquer realidade objetiva é o modo

como ela afeta o meu sujeito.

O grau da minha consciência é a bitola da minha realidade.

Por isto, a grande tarefa do homem está em intensificar o poder da sua

percepção, ampliar e aprofundar a capacidade da sua consciência, melhorar a

receptividade da sua antena - e saberá de outros mundos.

Nessa progressiva expansão está todo o meu poder, a minha grandeza, a

minha felicidade.

OS TRÊS CRIVOS EM MIM

O crivo dos meus sentidos tem malhas muito grandes, e por isto deixa passar

muito, despercebido, retendo apenas as coisas mais grosseiras do mundo

material. E são estas materialidades retidas pelos sentidos que formam o

conteúdo da minha consciência sensorial.

O crivo da minha inteligência apresenta interstícios bem menores, e por isto

retém coisas mais sutis, que se me tornam conscientes; sei, por exemplo, da

Page 83: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

existência de leis invisíveis que regem o universo, leis de que os meus sentidos

nada percebem.

O crivo da minha razão, porém, é de todos o mais fino, com interstícios tão

pequeninos que quase nada lhes escapa, a não ser as realidades

indizivelmente sutis. Pela razão espiritual percebo, até certo ponto, até o

Infinito, o Absoluto, o Eterno, o Universal, que o intelecto não registra.

Se os meus três crivos não deixassem passar nada, mas retivessem tudo,

então teria eu consciência de tudo, e seria onisciente e oniconsciente como

Deus. E, neste caso, os meus crivos deixariam de ser crivos, porque estariam

totalmente fechados, sem interstício de espécie alguma. Eu não perceberia

pelos sentidos, nem conceberia pelo intelecto, nem intuiria pela razão, mas eu

seria essa própria Realidade Integral. Isto, naturalmente, não é possível,

porque eu nunca poderei ser Deus. Possível é tão-somente que eu intensifique

a minha experiência de Deus, que me divinize, sem me deificar, diminuindo

cada vez mais os interstícios dos meus crivos e retendo cada vez mais a

realidade consciente.

É este o caminho da minha auto-realização.

INDIMENSIONALIDADE

Os meus sentidos percebem o que é tridimensional, como os corpos materiais.

O meu intelecto concebe o que é indimensional, como verdade, justiça, lei; mas

essa indimensionalidade é relativa, porque ainda obedece à lei de causa e

efeito.

A minha razão intui o que é absolutamente indimensional, como o Infinito, o

Eterno, o Absoluto, porque ultrapassou a zona da causalidade e entrou no

reino da perfeita liberdade.

Esse processo evolutivo – sensório-intelectual-racional – corre paralelo à

diminuição da quantidade e intensificação da qualidade.

Pluralidade é realidade imperfeita.

Unidade é realidade perfeita.

A Realidade Cósmica é qualidade una, que se revela em quantidade múltipla; a

unidade de Brahman se pluraliza em Maya; a Essência divina se existencializa

em seus mundos; a luz incolor do Ser aparece como luzes multicores no

Existir.

Page 84: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

EKKLESÍA

Esta palavra grega (em latim ecclesia, em português igreja) é composta do

prefixo ek (fora) e kalein (chamar) – chamar para fora, evocar.

Ekklesía é, pois, algo que foi chamado fora, evocado, selecionado do meio

duma grande massa. Ekklesia é elite, escol.

Do meio duma grande massa profana são alguns homens chamados,

evocados, para fazerem parte duma pequena elite: e esses homens são os

“evocados”, os “escolhidos”.

“Muitos são os chamados (massa), poucos os escolhidos” (escolhidos,

ekklesía).

O conceito de ekklesis, como se vê, não é democrático, mas sim aristocrático,

ou hierárquico. O homem que pertence à ekklesía deve ser um homem-elite,

deve pertencer ao escol, à nata da humanidade, não em virtude de alguma

cerimônia ritual, mas sim em consequência de uma iniciação espiritual.

A verdadeira ekklesía (igreja) de Deus é um circulo esotérico, hermético,

místico – é a communio sanctorum, a Fraternidade Branca dos Irmãos

Anônimos. Quem a ela pertence não tem distintivo nem bandeira nem credo –

mas o seu modo de ser e de agir o distingue de todos os profanos.

INQUIETUDE METAFÍSICA DO

HOMEM MODERNO

O homem que passou por duas guerras mundiais não pode mais crer na força

redentora da nossa cultura e civilização, como o podiam os otimistas do

século19.

Ciência, técnica, política, diplomacia, progresso, civilização, instrução,

humanismo, ritualismo, nacionalismo – todas essas panacéias sofreram

tremendo colapso; está provado que nenhuma delas pode salvar o homem de

si mesmo, porque todas falharam e afogaram a humanidade num mar de

sangue e de ódios.

Nunca se sentiu o homem tão frustrado e tão cético como em nossos dias. E a

perspectiva de uma nova guerra, com armas nucleares, apaga na alma do

homem moderno a derradeira centelha de otimismo e esperança na sua cultura

e civilização.

O homem anseia por uma grande redenção...

Page 85: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Donde virá o seu redentor?

De fora? Através de dogmas, ritos, teologias? Mas, se as próprias igrejas

cristãs favorecem a guerra e invocam o seu Deus contra o Deus de seus

inimigos?

De dentro? Através da inteligência humana? Mas, se foi precisamente esse

ego mental do homem que desgraçou a humanidade com seus egoísmos?

Como poderia Satanás expulsar Satanás?...

Não nos resta senão ultrapassarmos tanto os ritualismos como também os

cientifismos intelectuais e descobrirmos o Cristo-redentor em outra parte.

“O reino de Deus não vem com observâncias (rituais), mas o reino de Deus

está dentro de vós”...

“Não sabeis que o espírito de Deus habita em vos?”...

Se não descobrirmos o redentor dentro de nós mesmos, em nosso elemento

divino, não o encontraremos em parte alguma.

A teo-redenção, a cristo-redenção surge das profundezas da alma – se é que o

homem descobre esse “tesouro oculto”, essa “pérola preciosa”...

NÃO NECESSITAMOS DE NOVAS TEOLOGIAS

Anos atrás, quando grande parte do clero se revoltou contra mim e meus livros,

porque proclamavam Cristo-redenção em vez de clero-redenção, alguém me

disse que esperava de mim que me tornasse um “novo Lutero”.

É incrível a cegueira de certos sectários!... Como se o mundo tivesse

necessidade de um novo reformador teológico!...

A humanidade não necessita de um novo Lutero, nem de um novo Tomás de

Aquino, nem de um novo Inácio de Loyola – necessita sim de homens como

Francisco de Assis, como Mahatma Gandhi, como Albert Schweitzer, como

Ramana Maharishi, e outros homens que tenham tido contato pessoal com

Deus.

A elite espiritual da humanidade já se convenceu de que a redenção não vem

de fora do homem – assim como o pecado também não lhe veio de fora,

embora as nossas teologias medievais, em plena Era Atômica, ainda repitam

essa velha ilusão de que o homem tenha sido feito pecador por terceiro, e deva

ser remido por um terceiro.

Nós, porém, sabemos que de dentro do homem vem o pecado – e de dentro do

homem vem a sua redenção.

Page 86: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Esse “de dentro”, naturalmente, tem dois sentidos. A inteligência luciférica é

algo dentro do homem, é o seu ego, mas não é o seu verdadeiro centro, a sua

íntima natureza. O verdadeiro centro do homem é o seu Cristo interno, o

“espírito de Deus que habita no homem”, como diz São Paulo; “o reino de Deus

no homem”, segundo as palavras do Nazareno, a sua “alma cristã por

natureza”, como escreve Tertuliano.

O homem não pode ser alo-remido, nem ego-remido, mas sim auto-remido,

porque esta auto-redenção é cristo-redenção, teo-redenção.

Assim, como, pela desobediência do ego intelectual, o homem se torna

pecador, semelhantemente, pela obediência do Eu espiritual se torna o homem

remido. O Sermão da Montanha é a Carta-Magna da auto-redenção do

homem, através do seu Cristo interno.

Papa, Bíblia, Reencarnação – a humanidade-massa, é verdade, ainda espera

redenção desses fatores externos, heterônomos; mas a humanidade-elite só

espera redenção pelo despertar do espírito de Deus no próprio homem,

redenção autônoma.

Quem vê “orgulho e presunção” nessa auto-redenção mostra que nada

compreendeu da verdade e que continua a identificar o ego humano e pecador

do homem com o seu divino e redentor. Orgulho e presunção só existem no

ego – mas não no Eu crístico do homem, uma vez que esse Eu é o “espírito de

Deus que habita no homem”.

ENCONTRO COM DEUS

O homem está cada vez mais convencido de que todo o seu poder interno,

toda a sua consciência de segurança, tranquilidade e paz de espírito, toda a

felicidade da sua vida, dependem, em última análise, de uma única coisa – da

sua experiência com Deus. Com esse encontro divino, ou sua falta, vive ou

morre a felicidade do homem. É esta a “única coisa necessária”.

Quem se encontrou com Deus é feliz, mesmo no meio dos sofrimentos – quem

não se encontrou com Deus é infeliz, mesmo no meio dos gozos.

“Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração até que encontre

quietação em ti” – estas palavras proferidas, há quase 15 séculos, por um

homem infeliz que encontrou felicidade em Deus, continuam a ser

integralmente verdadeiras em nossos dias.

É tempo perdido querer contornar o problema central da felicidade por meio de

toda a espécie de escapismos e camuflagens. É melhor enfrentar

corajosamente a dolorosa realidade desse inevitável encontro com Deus. É

Page 87: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

uma operação cirúrgica sem anestesia, uma tremenda sangria do velho ego,

mas o resultado é convalescença e vida...

Entretanto, são pouquíssimos os homens que possuam suficiente honestidade

consigo mesmos para enfrentar lealmente esse doloroso encontro com Deus.

O preço da felicidade é o egocídio, o total esvaziamento do ego profano e sua

definitiva integração no Eu sagrado. Despossuir-se de todas as coisas a fim de

possuir um “tesouro nos céus”...

“O reino dos céus é alvo de violência, e os que usam de violência o tomam de

assalto.”

Quem não fizer violência a si mesmo, não pode tomar de assalto o reino da

felicidade.

A felicidade é o preço da auto-violência, da disciplina de si mesmo.

Retirai-vos, todos vós que sois indisciplinados, fracos, covardes!

Vinde, todos os que sois disciplinados, fortes, corajosos!

Destes é o céu da felicidade.

Daqueles é o inferno da infelicidade.

MATEMÁTICA E MÍSTICA

Tudo que é perceptível pelos sentidos é material. O material, porém, é tri-

dimensional. Todos os corpos materiais têm três dimensões: linha, plano, cubo

– comprimento, largura, espessura.

O ponto não é corpo material, porque não tem dimensão alguma, nem existe

como tal.

O ponto é o início da linha, antes de ela se mover numa direção.

A linha não existe senão como limitação de um plano.

O plano também não existe senão como limitação de um cubo.

E o cubo existirá em si mesmo? Sem inerir em alguma outra dimensão, para

além da conhecida tridimensionalidade? Não será o tri-dimensional a limitação

de algo ultradimensional, indimensional?... Os nossos sentidos fazem alto na

extrema fronteira do mundo tri-dimensional, mas seria absurdo supor que o

mundo real comece com a tridimensionalidade – seria o mesmo que dizer que

o conhecimento humano termina no jardim de infância ou na escola primária.

Page 88: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Quer dizer que o inferior só é perceptível como um atributo do superior

imperceptível; a parte só é conhecida como um aspecto de um Todo

desconhecido.

Coisa análoga acontece no mundo metafísico.

Ninguém pode, realmente, conhecer a parte sem ter noção do Todo.

E é precisamente aqui que começa o tenebroso mistério: como posso ter noção

do Todo antes de conhecer as suas partes? Não é o Todo a soma total das

partes?

Se assim fosse, é claro que eu não poderia ter experiência do Todo senão pela

soma das partes. Na verdade, porém, o Todo não é a soma das partes, não é

uma síntese de antíteses, mas é a grande TESE anterior a qualquer anti-TESE

e sin-TESE, não é um Composto de componentes, mas é anterior a

componentes e composto, porque é Todo simples, absoluto, que se revela e

manifesta em partes várias, mas não se parte. Aliás essa palavra “partes” é

inexata, porque o Todo não tem partes. Os mundos não são partes ou

centelhas de Deus, como dizem os poetas. Melhor seria dizer, os mundos são

como os pensamentos do grande PENSADOR (Deus). O pensamento não é

uma parte do pensador, mas uma manifestação parcial do mesmo.

O Todo da Essência divina se revela, sem cessar, nas suas Existências, os

mundos, ou efeitos, mas esses mundos existenciais não são Deus, mas

apenas uns reflexos ou manifestações finitas da grande Realidade Infinita.

A Transcendência divina está infinitamente além de todas as suas Imanências

finitas, da mesma forma que a Vida Universal está em cada uma das vidas

individuais que dela emanam e nela permanecem, mas a soma total dos

indivíduos vivos não é a Vida Universal; esta é anterior às suas manifestações

individuais, e será depois de todas elas.

A célebre questão sobre a “origem da vida” é, filosoficamente, uma questão

absurda, baseada numa falsa premissa, uma vez que não há nenhuma origem

da Vida, a Vida como tal não tem origem nenhuma, ela é essencialmente

eterna, auto-existente, autônoma, porque ela é a própria Realidade Cósmica, o

grande Todo, Deus.

Para que o homem possa ter a intuição do Todo antes de conhecer as partes,

deve ele ultrapassar a zona dos processos analíticos da inteligência, que só

conhece partes; deve abismar-se no oceano da visão espiritual, que entra em

contato direto com a Essência, o Real, o Todo.

O conhecimento analítico intelectual falha necessariamente se não estiver

baseado na intuição cósmica; só a visão simultânea do Todo explica a análise

sucessiva das partes.

Page 89: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

As partes só são compreensíveis através do seu fundamento, o Todo.

A mística é uma matemática cósmica.

CREDO QUIA ABSURDUM

Estas palavras do grande Tertuliano de Cartago têm sido muito mal

interpretadas – e só encontram o seu paralelo no tópico “bem-aventurados os

pobres de espírito”, como os traidores que se julgam tradutores reproduzem

uma das palavras mais sublimes do Nazareno.

Que é absurdo?

Absurdo é aquilo que ultrapassa o alcance da inteligência, em grego paradoxo.

Absurdo, paradoxal é algo tão grande que não cabe no estreito recipiente do

intelecto. Todas as coisas geralmente grandes são absurdas; do contrário, não

seriam grandes.

Diz Tertuliano que só crê nas coisas que são absurdas, porque estas são

grandes, ao passo que as coisas pequenas podem ser inteligidas e

mentalmente analisadas, precisamente por serem pequenas.

Todos os objetos da fé, isto é, da experiência espiritual, são absurdas,

paradoxais.

Esse absurdo não é produto do ego, mas é uma dádiva do Infinito, e o ego só

pode receber esse carisma divino no caso que se desegofique e ultrapasse a

sua própria estreiteza.

O absurdo do Infinito é dado ao homem em momentos de grande silêncio e

contemplação mística, quando a pequenez dos sentidos e do intelecto for

totalmente eclipsada pela grandeza da alma divina no homem.

A pequenez se compraz em ruídos – a grandeza se revela no meio de grande

silêncio.

ÉDISON – E SEUS 700 FRACASSOS

Antes de conseguir construir a sua lâmpada elétrica de filamentos

incandescentes, o grande inventor Thomas Édison realizara nada menos de

700 experiências, que falharam.

Um dos seus colaboradores, desanimado com tantos insucessos, sugeriu-lhe

que desistisse de ulteriores tentativas, porque, depois de 700 experimentos,

nada conseguira.

Page 90: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Como? Nada conseguimos? – exclamou o inventor – Conseguimos ultrapassar

700 coisas erradas, estamos bem perto da verdade.

E Édison descobriu uma grande verdade, para além de centenas de erros.

SEXISMO E EGOÍSMO

A igreja romana assume atitude hostil em face do sexo e sexismo – ao mesmo

tempo que é laxa em matéria de egoísmo. Pode um católico ser tão egoísta

como quiser, contanto que seja anti-sexualista, é considerado bom católico.

A igreja romana considera a castidade, sobretudo a virgindade, como a mais

alta das virtudes – no que não encontra base no Evangelho de Cristo. Jesus é

muito mais anti-egoísta do que anti-sexista. Muitas das suas parábolas e dos

seus ensinamentos em geral são veementes invectivas contra o egoísmo e a

ganância – nenhuma invectiva contra o sexo, embora recomende a seus

discípulos a abstenção sexual – “quem puder compreendê-lo compreenda-o!”

Madalena, que muito pecara no plano do sexo, se torna a sua mais ardente

discípula; a adúltera é absolvida; a samaritana, com seus cinco maridos e mais

um amante, merece do Nazareno uma longa e profunda instrução sobre “as

águas vivas que jorram para a vida eterna” e se torna uma espécie de

missionária cristã na Samária.

A insistência do anti-sexismo por parte da igreja romana está baseada no

celibato sacerdotal. Sendo que o sacerdote é apresentado ao povo como

modelo de perfeição cristã, e com ele, desde o século 11, tem de ser

oficialmente celibatário, é lógico que a virgindade seja exaltada por essa

teologia como sendo a culminância da santidade.

Todo o anti-sexismo dessa igreja está a serviço da classe sacerdotal e do seu

prestígio hierárquico perante o público. De resto, é evidente que um padre

casado não é um instrumento tão manejável e dócil nas da autoridade

eclesiástica como o solteiro. E – Iast not least – o sacerdote que, legalmente,

não tenha família (muitos a têm clandestinamente), quando morre, não tem

herdeiros necessários, e sua fortuna passa facilmente para o patrimônio da

igreja.

Por isto, o Código de Direito Canônico considera delito muito mais grave o

padre casar pelo cartório do que simplesmente viver com mulher e ter filhos

com ela, porque, no segundo caso, continua ele legalmente solteiro.

Page 91: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

CIDADÃO DO UNIVERSO

Disseram a Sócrates: “Já que és cidadão de Atenas, vive como bom

ateniense.” Ao que o filósofo respondeu: “Eu sou cidadão do Universo, e

procuro viver como bom cidadão cósmico.”

E assim viver – na vida e na morte.

NO TERCEIRO CÉU

Entre 9 e 10 da noite...

No solene silêncio do meu Shangri-la...

Momentos de completa libertação e indizível delícia...

O meu eterno EU, liberto do peso do meu pseudo-eu, contemplava esta massa

dormente, inerte, e EU pairava sobre ela, tão leve, tão luminoso, tão divino...

Delicioso estado de vigília divina por cima da dormência humana...

Como é possível alguém se identificar com o seu ego mortal?! Esse homem

deve ser vítima de completo analfabetismo...

Aleluia... Hosana...

A MORTE DE JESUS

Falei com uns teólogos luteranos. Dão imensa importância ao fato histórico da

morte física de Jesus no Calvário; acham que esse evento foi o clímax de toda

a história da humanidade.

Na verdade, porém, não merece essa morte corporal tamanha estupefação. O

que havia de maior no Cristo era o fato de ele ter ultrapassado a necessidade

compulsória de morrer e aceitar a morte com espontânea liberdade, porque

sabia que há uma vida maior que a morte. “Ninguém me tira a vida – eu é que

deponho a minha vida quando quero e a retomo quando quero.”

Esse triunfo da vida sobre a morte, nascido da sua experiência divina – “eu e o

Pai somos um” – é fato único na história da humanidade. A existência humana

de Jesus se acha tão intimamente vinculada com a essência divina do Cristo

que ele pode, tranquilamente, permitir, e até provocar a morte física.

Quem vive 100% a sua imortalidade pode descer ao marco zero da sua

mortalidade. Todos os seres vivos temem a morte e a evitam quanto possível,

Page 92: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

porque nenhum deles tem plena consciência da sua imortalidade. Os seres

inconscientes da natureza inferior aceitam, com relativa calma, a morte do

indivíduo, porque têm o instinto biológico da sua sobrevivência na espécie,

porque neles predomina a “consciência do grupo”, e não a “consciência do

indivíduo”, e, como o grupo ou a espécie sobrevive, pouco importa que o

indivíduo morra.

O homem ego-consciente, mas ainda não cristo-consciente, tem um medo

horrível da morte, porque percebe a longínqua possibilidade de uma

imortalidade individual que ele ainda não realizou devidamente, e já não está

satisfeito com a simples sobrevivência racial em seus filhos ou sua espécie,

como as criaturas inferiores.

Jesus atingira a culminância da consciência crística, e podia brincar com a vida

e a morte, como um jogador de xadrez que põe as figuras ora no quadrinho

branco ora no quadrinho negro do tabuleiro.

A grandeza da sua morte está na grandeza da sua consciência de que não há

morte para quem vive a cada momento a vida eterna.

“Vem o príncipe deste mundo, mas sobre mim não tem poder – porque eu

venci o mundo.”

“O último inimigo a ser derrotado é a morte.”

TALENTO – E GÊNIO

O homem ético, que faz o bem, é um talento – mas o homem místico, que é

bom, é um gênio.

Talento é técnica.

Gênio é inspiração.

Homem! aprende todas as técnicas da tua ética consciente – e depois

esquece-as todas e cede à inspiração da tua mística inconsciente!...

A Natureza é inspiração sem técnica consciente.

O homem ético é técnica sem inspiração.

O homem místico é inspiração que se revela em éticas; ele é bom e por isto faz

bem.

Talento, ética, técnicas – produtos do ego humano.

Page 93: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Gênio, mística, inspiração – carismas do Eu divino no homem e no cosmos;

são forças de Deus canalizadas pelo eu humano...

TOLERÂNCIA – OU COMPREENSÃO?

Dizer que alguém é tolerante em face de outras religiões ou filosofias, não é

louvor, é censura.

O homem pode ser tolerante: 1) ou por ser de absoluta indiferença em face do

mundo superior, como qualquer animal ou pedra; 2) ou por desdenhar

sobranceiramente as idéias dos outros.

Mas, quando o homem compreende a Verdade Universal, deixa ele de ser

simplesmente tolerante; sabe que a Verdade é uma só, mas que muitos são os

caminhos que conduzem a essa meta final – assim como muitos são os

afluentes, de águas límpidas ou turvas, que se lançam à magna torrente do

Amazonas, a qual se afunda na imensidade do oceano; compreende que cada

homem tem de seguir o caminho adaptado a seu gênio peculiar. Sabe que

alguns dos seus companheiros de jornada estão no marco 10, outros no 20,

outros no 50 da estrada – mas que importa?

E eu mesmo, em que ponto estou? No marco 20, 70, 90? Esteja onde estiver, o

certo é que há muitos viajores abaixo e muitos acima de mim. Por isto, eu não

apenas “tolero” os meus companheiros rumo ao Infinito, eu os compreendo e

aprovo; sei que estão comigo na mesma direção. Mesmo que alguns deles

estejam ainda ziguezagueando, incertos, para a direita e para a esquerda, que

importa? O erro também é aliado da verdade; um dia, também eles entrarão na

linha reta e iniciarão a sua ascensão. O que eu posso fazer por eles é

prosseguir em linha reta e ser tão bom e feliz que também eles tenham o

desejo de seguir o mesmo caminho.

HOMEM, SÊ: CONFORMISTA – E

INCONFORMISTA!

Aceita, ó homem, tudo que há de bom nas tradições do passado e do presente

– é este o teu conformismo.

Mas, sê também inconformista, procurando descobrir o que há de bom e

positivo no futuro. Não permitas que o teu tradicionalismo mate o teu

evolucionismo, nem vice-versa!

Guarda o que tens – e passa além!

Page 94: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

GRAUS DE CONSCIÊNCIA

Os seres infra-humanos possuem baixo grau de consciência.

O homem adquiriu ego-consciência, isto é, ele se distingue nitidamente dos

objetos, das coisas que não são o seu sujeito; cria uma atitude adversativa

entre o eu e o não-eu.

Acima do ego-consciente da personalidade ego-consciente existe o cosmo-

consciente; o ser cosmo-consciente ultrapassa a atitude adversativa “sujeito

versus objeto”; e cria uma atitude complementar, “eu e os objetos; o disjuntivo

eu e o não-eu passa a ser conjuntivo eu e eles, nós.

E com o despontar da consciência do nós, substituindo a consciência do eu,

também tudo que era meu passa a ser nosso – e com isto se resolve o

problema social da humanidade solvendo o problema individual do homem.

Quando o homem passa do eu para o nós, a humanidade passa do meu para o

nosso – a chave da ética social é a mística individual!

Os pretensos reformadores do mundo costumam começar pelo segundo para

chegarem ao primeiro, põem os efeitos diante da causa, ou, em linguagem

popular, o carro diante dos bois; elaboram magníficos programas sociais e

jurídicos – mas esquecem-se de que falta o homem para executar esses

programas.

Aprovamos em cheio a idéia de um governo mundial, de uma Corte

Internacional de Justiça – mas perguntamos: onde estão os tijolos e o cimento

para tão gigantesco edifício?...

Nós estamos ainda labutando nas olarias, a ver se conseguimos fabricar uns

tijolinhos individuais assaz resistentes para suportarem tamanho peso...

Estamos alimentando a fornalha da mística, donde sairão os indivíduos

depurados do último resto de egoísmo, para garantirem a ética da

humanidade...

Somente o homem pode resolver a problema da humanidade...

Um único Francisco de Assis ou Mahatma Gandhi que tenha tido o seu

encontro pessoal com Deus, vale mais que uma legião de eruditos profanos

com todos os seus programas e estatutos sociais...

Quem não aprendeu a ser solitário com Deus não pode ser solidário com os

homens...

Page 95: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

A vasta horizontal da ética é sustentada pela profunda vertical da mística – fora

desta geometria não há salvação!...

TU ÉS O QUE PENSAS

O homem é o resultado dos seus pensamentos habituais. A atitude mental cria

os atos externos. Quem vive, habitualmente, em pensamentos largos e

benévolos não pode praticar atos estreitos e malévolos.

Por isto, cuidado com os pensamentos! Alimento para muitos – veneno para

muitíssimos...

A educação dos pensamentos é a base para toda a educação – e quem dá

importância a esse fator primordial da pedagogia? Como pode alguém ser bom

se os seus pensamentos são maus?...

A “guerra-fria” dos jornais prepara a “guerra quente” nos campos de batalha;

cria o combustível para ser ignificado, oportunamente. Os poderes públicos

deviam proibir categoricamente qualquer hostilização mental e verbal a fim de

poderem evitar hostilidade real. Mas a heresia da “liberdade de pensamento” e

“liberdade de imprensa” não permite semelhante serviço de profilaxia mental e

social.

“Quem ventos semeia, tempestades colherá”...

Nações Unidas é, sem dúvida, um belo ideal – mas nunca será sólida realidade

enquanto não tivermos Mentes Unidas – o MU terá de preceder o NU.

Gandhi não permitia a seus companheiros de ahimsa e satyagraha que

alimentassem pensamentos hostis aos ingleses, para evitar que chegassem a

praticar atos hostis.

Pensar mal é prelúdio para fazer mal.

PLATÃO E ARISTÓTELES

O homem realmente genial não cria padrões de conhecimento, como o talento;

mas acende faróis em praias longínquas para orientar os nautas da

humanidade.

Platão é um gênio creador.

Aristóteles é um talento sistematizador.

Page 96: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

E, como a teologia escolástica é essencialmente sistematizadora, e não

creadora, é lógico que Tomás de Aquino e toda a sua igreja tenham

proclamado o Estagirita como o “príncipe da filosofia”, título que bem compete

ao grande ateniense.

Os cursos de filosofia aristotélico-tomista primam por uma fastidiosa aridez;

esterilizam a faculdade creadora e lançam o descrédito a toda a filosofia. Todo

o ateísmo tem base no escolasticismo aristotélico-tomista, que pretende provar

com ferramentas intelectuais uma realidade espiritual.

Nos três primeiros séculos do Cristianismo era a filosofia neo-platônica a

filosofia clássica da igreja cristã. A partir do 4.° século, após o consórcio entre o

Cristianismo e a política do Império Romano, predominou o aristotelismo,

porque os chefes eclesiásticos compreenderam que sobre o alicerce platônico

e neo-platônico, que admite a imanência de Deus no homem, não se pode

erguer um edifício de hierarquia autoritária, que supõe a essencial maldade do

homem, o “pecado original” e todos os negativos a serem transformados em

positivos pelo poder dos chefes eclesiásticos e os sacramentos por eles

ministrados.

Hoje em dia, a elite espiritual da humanidade está voltando para as grandes

verdades da filosofia platônica, profética, mística.

A hierarquia eclesiástica tem maior pavor desse movimento de espiritualidade

não-dogmática do que de qualquer ateísmo e materialismo; pois, sendo a alma

humana cristã por sua própria natureza, volta-se ela instintivamente para o sol

da verdade divina, ultrapassando todas as lâmpadas humanas.

IMPERSONALISMO PLATÔNICO VERSUS

PERSONALISMO ARISTOTÉLICO

Para Platão, o Universal é que é o Real, ao passo que os Individuais são

apenas aparências, reflexos do Real.

Para Aristóteles, o Individual é que é o Real, ao passo que o Universal é

considerado irreal, fictício, simples abstração da nossa mente.

Realismo e Nominalismo – Através de séculos se digladiaram esses dois

adversários invisíveis, e a luta ainda não terminou.

Da ideologia aristotélica se segue, logicamente, que, se Deus é real, não pode

deixar de ser individual, como admitem todos os teólogos escolásticos do

Ocidente. E esse personalismo de Deus favorece grandemente os interesses

Page 97: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

da hierarquia eclesiástica, como emissária e representante oficial de um Deus

pessoal, espécie de imperador ou ditador cósmico.

Se, porém, o Universal é o Real, então está ele imanente em cada indivíduo,

onipresente, e, neste caso, religião é o despertamento e a evolução desse

germe divino na alma, e a hierarquia não é de necessidade absoluta, embora

possa ser relativamente útil, suposto que seus membros já tenham despertado

em si o Deus dormente. Neste último caso, a hierarquia humana perde muito

do seu prestígio, porque, em última instância, cada homem tem dentro da sua

alma a hierarquia divina, embora apenas em estado latente, e a salvação é

possível sem sacerdotes, bispos, papa, sacramentos, Bíblia, etc. Os quakers

(Society of Friends), frisando a “luz interna” (inner light) como supremo tribunal

do homem, foram excomungados pela Igreja Anglicana, incapaz de

compreender tão grande verdade. Mas essa “luz interna” só se acende na alma

no seio de um grande silêncio e de prolongadas meditações.

Se a humanidade ocidental tivesse sido espiritualmente madura ao advento do

Cristianismo, teria o grandioso Monismo Universal dos neo-platônicos

prevalecido contra o confuso Pluralismo Individual dos aristotélicos. Mas,

devido à imaturidade filosófico-espiritual da humanidade do Ocidente,

predominou o primitivismo aristotélico-escolástico, que foi oficializado, no

século 16, pelo Concílio de Trento.

O setor protestante do Cristianismo também construiu a sua teologia sobre o

mesmo individualismo, embora os Reformadores tivessem tido, de início, a boa

vontade de voltarem ao universalismo espiritual; a interpretação analítica da

letra da Bíblia matou a compreensão cósmica do espírito da mesma.

Os países do Oriente, profundamente profético-platônico-místicos, nunca

aceitaram, nem jamais aceitarão, o Cristianismo nessa forma teológica em que

ele é conhecido entre nós. A Índia e a China estão realizando a alma do

Cristianismo à revelia do corpo do mesmo.

A Rússia, país tradicionalmente cristão, hostiliza abertamente o nosso

Cristianismo, e, como ela não conhece outro mais verdadeiro, proclama que

toda a religião “é ópio para o povo”.

É tempo para compreendermos e vivermos gloriosamente a alma do Evangelho

do Cristo, que não é ocidental nem oriental, mas universal.

O IDEAL É O REAL

Devido à nossa estreiteza, chamamos o Irreal o Ideal, quando o Ideal é que é o

Real por excelência, porque o Ideal é o Universal, o Abstrato, ao passo que o

concreto (isto é, o “condensado”) é apenas um estado de passivilização ou

Page 98: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

deteriorização, uma objetivação secundária. Os fatos não são a Realidade, mas

apenas uma projeção ou objetivação, um reflexo no espelho da Realidade.

Pela meditação que culmina no samadhi, ultrapassamos o sansara dos efeitos

transitórios e atingimos o nirvana da Causa permanente.

Jesus, o Cristo, é o maior realista que a história conhece.

NOMES VÁRIOS PARA O ANÔNIMO

O Eidos (idéia), de Platão.

A Morphé (forma), de Aristóteles.

O Logos (razão), de Heráclito e de João Evangelista.

O Brahman, dos hindus.

O Espírito, a Verdade, o Pai, de Jesus Cristo.

A Substância, a Natura Naturans, de Spinoza.

O Absoluto, o Eterno, o Infinito, o Universal, o Um e o Todo, dos metafísicos.

A Consciência Cósmica, dos místicos.

A Luz, a Vida, o Amor, o Yahveh, da Bíblia.

O Tao, dos chineses.

A Alma do Universo, dos iniciados.

O Ens-a-se, dos escolásticos.

O Super-ser, de Plotino.

A Lei da Harmonia, de Einstein.

Tudo isto e mil outros nomes são tentativas de dizer o indizível, de dar nome ao

Anônimo e Inominável.

O MISTÉRIO DA ESFINGE

Meio leão, meio mulher – poder e beleza – deitada, com a cabeça erguida,

fitando com os grandes olhos cheios de vacuidade – vácuos de Maya e plenos

de Brahman – o deserto do Infinito, para além de todos os horizontes finitos,

envolta numa aura de eternidade – que símbolo mais eloquente poderia haver

Page 99: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

para o homem imerso em Deus, cheio de poderosa beleza e de belo poder, tão

longínquo no seu ser e tão propínquo no seu agir?...

Esfinge, tu és eu...

Esfinge, eu sou tu...

GUERRA MUNDIAL, I, II – III?

Se a terceira guerra mundial vier, como afirmam os videntes e querem os

fabricantes de armas nucleares, será a destruição de todos os anti-cristos que

hoje guerreiam o Cristo – o Catolicismo Romano, o Protestantismo americano e

o Ateísmo soviético. Nenhum desses três setores da igreja cristã tomou a sério

a mensagem central do Nazareno, os dois grandes mandamentos, dos quais

dependem “toda a lei e os profetas”: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu

coração – e amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

O Ideal do Cristo foi substituído pelo Ídolo do anti-cristo, multiforme, multicor –

egoísmo eclesiástico, egoísmo nacionalista – sempre sob a bandeira do Cristo.

Só nos últimos decênios, resolveu a Rússia arriar a bandeira do Cristianismo,

que os outros dois conservam ainda na fachada dos seus edifícios; a Rússia

hostiliza abertamente o que o Catolicismo e o Protestantismo hostilizam

disfarçadamente... O espírito do Cristo continua a ser crucificado, através dos

séculos e milênios... A sinagoga mancomunada com Iscariotes continuam a

bradar: “Nós temos uma lei – e segundo a lei ele deve morrer”...

Segundo todos os indícios, o Vaticano, a mais antiga potência anti-cristã, será

derrotado, em primeiro lugar, pelo Comunismo Soviético, o anti-cristo mais

recente. Depois disto, sucumbirá a potência anti-cristã da democracia anglo-

americana, juntamente com seus reboques latino-americanos; por fim, a

Rússia, dona única do planeta Terra, apodrecerá no seu próprio poderio e luxo,

como aconteceu com o Império Romano, no auge do seu absolutismo, porque

“todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”...

Depois disto, removidas as três potências anti-cristãs que navegam sob a

bandeira do Cristo, estará aberto o caminho para o triunfo do Evangelho e a

definitiva vitória do Sermão da Montanha, que até hoje apenas serviu para

sermões, filosofia e poesia.

Até esse tempo, terá a humanidade sofrido tais horrores, com guerras

nucleares e seu sucedâneo, os aparelhos bélicos de matéria astral mente-

guiados, que os homens estarão maduros para compreender o espírito do

Cristo-redentor.

E então haverá “um novo céu e uma nova terra”...

Page 100: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

SOMOS AINDA CRISTÃOS?

Ou melhor: Será que já somos cristãos?

Poucos, sim – uns poucos “escolhidos”.

Muitos, não – os muitos “chamados”.

Alguns estão a caminho do Cristo, ultrapassando o Cristianismo.

VERDADE E BELEZA

Verdade sem Beleza fere.

Beleza sem Verdade falha.

Verdade com Beleza fascina.

RAZÃO, INTELIGÊNCIA, VONTADE

A Razão, o divino Logos, é vida divina.

A Inteligência, o lúcifer, é luz mental que indica a direção.

A Vontade, o eros, é a força que trilha esse caminho lúcido rumo à vida.

A Razão é infinito reservatório de energias.

A Inteligência é um canal.

A Vontade é o movimento dinâmico das energias através desse canal.

Quando o homem canaliza somente o conteúdo do seu lúcifer mental impelido

pelo eros volitivo, pratica magia mental, que é a mais alta forma de egoísmo.

E todo o luciferismo é, em última instância, auto-destruidor. Exemplo: guerra

dos gigantes, torre de Babel, Atlântida.

NEO-PLATONISMO

Ver a grande unidade do Real para além de todas as diversidades que esse

Real projeta no mundo dos fenômenos; enxergar o mar eterno por debaixo das

ondas efêmeras; descobrir a luz incolor para além da dispersão multicor; intuir

Brahman em plena Maya – isto é neo-platonismo, que enche a alma de uma

grande segurança, serenidade e beatitude. Não torna o homem indiferente e

Page 101: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

apático em face do mundo e da vida, mas afirma todas as pequenas vidas

individuais por amor à grande Vida Universal, ama as cores por causa do

Incolor, as ondas por causa do Mar, os ruídos por causa do Silêncio, Maya por

causa de Brahman. É o amor-livre substituindo o amor-escravo dos profanos e

o amor-nulo dos indiferentes.

O CLERO VIVE DO PECADO ORIGINAL

Se não há pecado original vindo de fora do homem, herança de Adão, também

não há redenção do pecado vindo de fora, dos merecimentos do Cristo. E,

neste caso, todo homem é potencialmente bom, e sua redenção consiste em

se tornar atualmente bom. Se assim é, a ação do clero, embora possa ser útil,

não é absolutamente necessária. No caso, porém, de ser o homem

essencialmente mau, concebido e nascido em pecado original, o clero é

absolutamente necessário, porque tem de aplicar ao homem as forças da

redenção, através de sacramentos, monopólio dele.

Com a aceitação ou rejeição do pecado original, vive ou morre o clero.

Se o clero faz questão de existir, é necessário que o pecado original exista.

VALOR INFINITO NEUTRALIZA

DÉBITO FINITO?

Afirmam os teólogos que uma única Missa tem valor infinito, por ser a repetição

da morte de Jesus no Calvário. Afirmam ainda que todos os débitos das almas

do purgatório são finitos. Pela lógica e matemática que conhecemos, devia

uma única Missa, de valor infinito, cancelar todos os débitos finitos e esvaziar

totalmente o purgatório? Em vez disto, porém, manda o clero rezar Missas em

número indeterminado para qualquer alma individual, e, depois de centenas de

Missas, todas de valor infinito, ainda não há certeza de que os débitos da alma,

todos finitos, tenham sido cancelados. Não faz isto suspeitar de que a Verdade

foi sacrificada ao Dinheiro? “Não podeis servir a dois senhores: a Deus e a

Mammon”...

Se isto é religião, não tem a Rússia razão em bradar que “religião é ópio

(mistificação) para o povo”? E, em vez de gritar contra o ateísmo e anti-

cristianismo dos soviéticos, não seria melhor que o clero começasse a ser

integralmente sincero com o povo e consigo mesmo, não sacrificando a

Verdade do Evangelho aos seus interesses financeiros e ao seu prestígio

social?

Page 102: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

As mais terríveis armas de que o comunismo dispõe foram forjadas pelas

igrejas cristãs, e o berço de todo o ateísmo é a teologia clerical.

DE JESUS ATÉ NÓS

Agostinho e Tomás de Aquino representam o catolicismo romano.

Paulo e Lutero deram origem ao protestantismo, porque os reformadores do

século 16 remontaram até à teologia das epístolas paulinas, sobretudo aos

Romanos, mas não foram até ao Evangelho do Cristo; e até hoje, juntamente

com o catolicismo romano, continua a marcar passo no dualismo da sinagoga

decadente, de que Paulo foi o porta-voz parcial. Este grande pioneiro do

primeiro século é genuinamente crístico-evangélico em muitos pontos, mas não

se libertou totalmente de certas taras da sinagoga, de que fora rabino, e,

infelizmente, a igreja cristã, assombrada pela autoridade do grande Tarsense,

não soube depurar o ouro do Cristo que há nas epístolas paulinas, das

escórias da sinagoga decadente, que nelas se encontram também.

A igreja romana propende fortemente para a magia sacramental de Agostinho,

o africano, onde sempre prevaleceu o elemento mágico (Egito antigo,

macumba moderna), o protestantismo, por sua vez, simpatiza mais com Paulo,

seguindo a linha do legalismo automático da sinagoga, substituindo o sangue

do antigo bode expiatório pelo sangue de Jesus.

O caráter de Jesus não é nem paulino nem agostiniano, nem asiático nem

africano, mas nitidamente universal, cósmico. Desligado de tempo e espaço, de

rito e raça, de credo e classe, é a mensagem do Nazareno algo totalmente

inédito e original.

Neste universalismo independente, é o Nazareno muito mais ário (ariano) do

que semita, e não é de admirar que Alfred Rosenberg, no seu Mito do século

vinte, tenha impugnado a ascendência semita de Jesus, fazendo-o passar por

um legítimo ário.

Jesus ignora completamente um reino de Deus que venha de fora do homem,

por meio de quaisquer ritos externos. Ele é todo profético-platônico-místico, e

nada sacerdotal-aristotélico-escolástico; nascido na linha divisória entre Oriente

e Ocidente, fundiu numa grandiosa unidade orgânica tudo que há de

contemplativo no Leste e de dinâmico no Oeste.

Infelizmente, a teologia eclesiástica construída sobre esse grande

Universalismo monista do Nazareno é toda dualista unilateral. Por isto, no

Oriente não existem até hoje sequer 5% de cristãos eclesiásticos.

Page 103: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Hoje em dia, boa parte do mundo espiritual está fazendo um esforço honesto

para remontar até ao próprio Cristo, ultrapassando todas as teologias cristãs.

Paradoxalmente, para chegar ao Cristo, temos de ultrapassar o Cristianismo.

Naturalmente, quem não tiver suficiente autonomia espiritual, fará bem em não

buscar o Cristo fora do Cristianismo, mas continue a professar o Cristianismo

tradicional, como caminho para o Cristo. Nem todos têm a experiência cósmica

de Mahatma Gandhi que possam dizer: “Aceito o Cristo e o seu Evangelho,

mas não aceito o vosso Cristianismo.”

SALVAR O TODO É SALVAR A PARTE

Quem quiser salvar a parte à custa do Todo – o ego sacrificando o Eu – esse

perderá tanto o Todo como a parte, tanto o Eu como o ego. É esta a

matemática cósmica do Evangelho de Cristo. “Quem quiser salvar a sua vida

(ego), perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim e do

Evangelho (Eu), este a salvará”, porque, salvando a alma, o Eu divino, salva

também o seu ego humano, revelado pelo corpo – e estará salvo o homem

total.

“O ego é o pior inimigo do Eu,

Mas o Eu é o melhor amigo do ego.”

O GRANDE ENIGMA DA FÉ

É deveras estranho que o homem não queira sacrificar o seu ego para realizar

o seu Eu. A razão dessa renitência é a falta de experiência que ele tem do seu

verdadeiro Eu, a alma; o homem profano, quando muito, crê vagamente na

realidade da alma, que lhe é como fogo pintado, mas não fogo real. Tudo que é

simples objeto de crença é vago e ineficiente. E por isto não tem ele a coragem

de enfrentar alguma dificuldade para realizar o seu Eu central, a alma. Crê na

alma, mas não tem fé, no sentido de experiência direta e vital dessa realidade.

E é precisamente aqui que está a dificuldade: o homem simplesmente crente e

ainda não experiente deve agir como se fosse um experiente; deve agir

eticamente como se tivesse experiência mística. Ora, é sabido que toda a ética

pré-mística é uma ética sacrificial, dolorosa – e tudo que é difícil não tem

garantia de perpetuidade; só o que o homem faz com espontânea alegria e

jubilos a facilidade é que tem garantia real de continuidade e perpetuação.

Esse como se é que é a grande dificuldade...

Page 104: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Deve o homem pré-místico ser sacrificialmente bom, andar pelo “caminho

estreito” e passar pela “porta apertada”, carregando a sua “cruz”.

Mas esse sacrifício de agir como se já tivesse experiência divina antes de a ter

é o melhor preparativo para essa experiência. É um sofrimento metafísico – e

sem sofrimento não há redenção.

O sofrimento é, talvez, o fator mais misterioso e menos compreendido em todo

esse processo de redenção e auto-realização. A sua função é precípua e

decisiva.

Em última análise, o homem só possui, firme e irrevogavelmente, aquilo que

ele sofreu nas íntimas profundezas do seu ser. Querer possuir algo que não se

tenha sofrido, é pretender o impossível. Toda a vida nova está condicionada ao

sofrimento e à morte de algo. Só se entra legitimamente no reino dos céus pela

porta estreita do sofrimento. Se alguém me prometesse um céu cujo prelúdio

não seja o sofrimento, desconfiaria desse céu, suspeitaria nesse oferecimento

uma cilada, um estratagema qualquer. E se eu – por impossível – entrasse

nesse céu sem passar pelo sofrimento, não estaria realmente no céu, porque

uma beatitude apenas gozada, e não sofrida, não seria senão uma pseudo-

beatitude.

Prefiro um céu sofrido a um céu gozado.

Semelhante atitude, naturalmente, é absurda e ridícula perante o tribunal da

inteligência do ego, não o nego, mas não deixa de ser profundamente

verdadeira à luz do Eu espiritual. Há uma lógica da alma que a inteligência

ignora e sempre ignorará. E é, precisamente, em virtude dessa lógica da alma

que eu prefiro um céu sofrido a um céu gozado.

Essa lógica da alma, que a inteligência desconhece, é que é a verdadeira fé.

GLÓRIA E TORMENTO DOS GÊNIOS

Sete cidades da Grécia disputam entre si o privilégio de ter sido o berço do

incomparável Homero – e através dessas sete cidades peregrinou o grande

poeta épico, em vida, mendigando o seu sustento...

Dizem que o gênio antecipa o seu tempo, o que não é bem exato; segundo as

eternas leis cósmicas, aparece o gênio precisamente quando o mundo

necessita dele. Isto, porém, não quer dizer que ele não sobrepuje as massas

por séculos e milênios – mas isto faz parte do seu tempo e da sua missão. Se o

gênio fosse apenas um passivo refletor, um espelho acomodatício à opinião

pública dominante, aos caprichos da turbamulta, não seria gênio; ele é gênio

por seu inconformismo, por ser pioneiro e diretor de milhares e de milhões.

Page 105: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Esta sua missão, naturalmente, não pode deixar de ser o seu martírio – um

martírio glorioso. Um bandeirante de mundos ignotos não deve esperar outra

coisa. O seu destino é, geralmente, trágico, no presente. Se fosse um pacífico

conformista, viveria em paz com todos os medíocres; mas, por ser um

transformista, muitos o temem, muitíssimos o odeiam – e uns poucos o amam

e admiram. Só um grande homem pode ser intensamente odiado e

intensamente amado. Mediocridades não são odiadas nem amadas – são

esquecidas.

O gênio é amado com mística veemência por todos aqueles que nele vêem o

seu próprio Eu melhor e mais puro – e é odiado com metafísica violência por

aqueles que se sentem eclipsados em sua pequenez pela grandeza do gênio.

Ninguém pode professar neutralidade em face dum verdadeiro gênio, porque

ele é terremoto e tempestade, terrivelmente perturbador...

Amigos e inimigos adivinham nele algo fora do comum...

O gênio nunca é amado com afetiva familiaridade, mas amado e adorado como

um misto de assombro e admiração...

Gênios, salvadores, avatares, profetas, videntes, pioneiros, mahatmas e

maharishis – são eles os verdadeiros veículos do progresso da humanidade,

porque não se conformam com a cômoda rotina dos muitos, mas,

transformados como são, querem transformar os outros – o que gera seráfico

amor ou ódio satânico.

Quem não sente em si a coragem de ser mártir, não se arvore em pioneiro das

massas!

VIDENTES SÓ CONHECEM O PRESENTE

Quando dizemos que um vidente “previu” acontecimentos futuros, cometemos

dois erros: pré indica futuro, viu diz passado; mas o vidente ignora passado e

futuro, só conhece o presente. Passado e futuro são tempo; o presente é a

eternidade, o sem-tempo. O tempo é uma criação dos nossos sentidos; mas o

vidente não opera através dos sentidos, ele está intuindo a realidade

diretamente em si mesmo, independente de qualquer sentido, com o poder da

alma, que nada sabe de tempo nem de espaço. Por isto, para o verdadeiro

vidente, tudo acontece agora e aqui, sem duração nem dimensão, fora de

tempo e espaço. O vidente não previu, mas vê, assim como Deus vê todas as

coisas, agora e aqui.

Sendo que o homem comum só conhece através dos sentidos, é-lhe

praticamente impossível imaginar como se possa conhecer de outro modo.

Page 106: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

CRISTIANISMO ESOTÉRICO – OU

EXOTÉRICO?

Desde o século 4, o Cristianismo abandonou o seu aspecto esotérico, profético,

místico, platônico, que é do Evangelho, e aparece em roupagens exotéricas,

aristotélicas, escolásticas, teológicas, para atender às necessidades da imensa

maioria dos seus filhos, que eram espiritualmente analfabetos – escravos e

libertos do Império Romano, e as hordas selvagens vindas do Norte e do Leste.

A creatio ex nihilo, céu e inferno como lugares, os sacramentos como

automatismos rituais, inferno eterno creado por Deus, a infalibilidade do papa e

da Bíblia – tudo isto é visceralmente exotérico. Por isto, o Oriente, de elevada

cultura esotérica, já nesse tempo, não aceitou o nosso Cristianismo teológico;

até hoje não há no Oriente 5% de cristãos eclesiásticos. Os cristãos gnósticos

e neo-platônicos dos primeiros séculos, que professavam um Cristianismo

esotérico-místico, foram perseguidos pelos representantes do cristianismo

hierárquico-exotérico. Até aos nossos dias, qualquer tendência esotérico-

mística dentro da igreja organizada é considerada como heresia.

ALMA

Este conceito ocidental não existe no Oriente como entidade permanente. Em

vez disto há o “princípio de consciência” (consciousness, Bewusstsein), que é

como que um foco variável, capaz de se condensar e descondensar, conforme

as experiências que adquire; um vortex do Eu em evolução.

“SE NÃO VOS TORNARDES COMO

CRIANÇAS”...

Não devemos ficar crianças, mas sim tornar-nos como crianças, depois de

sermos adultos. Esta segunda fase da infância, criada livremente pelo homem

plenamente adulto, é o definitivo teste da sua plena adultez. Quem, depois de

adulto, não for capaz de se tornar como se fosse criança, não está plenamente

maduro na sua evolução.

É uma infância pleni-consciente, e não uma infância inconsciente, e muito

menos um infantilismo pseudo-consciente.

Ser como criança, não por ignorância natural, mas por sapiência de

experiência. É ultrapassar não só o subconsciente infantil, mas também o

consciente juvenil e entrar no superconsciente cósmico.

Page 107: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

VIDA – OU OS MEIOS DA VIDA?

É deveras estranho! O homem comum passa a existência toda correndo atrás

dos meios de vida – e se esquece da vida! Vítima duma espécie de alucinação

coletiva, pensa que deva acumular mais e mais matéria-morta para poder viver,

e quanto mais possui, mais deseja possuir – e no fim de 60, 80 anos morre

sem ter vivido realmente... Agoniza meio século à margem da vida...

Se o homem descobrisse quanto necessita para uma vida normal, adquirisse

esses meios, e depois vivesse para ideais superiores, levaria vida plena...

A fim de poder viver mais calmamente, sem preocupações financeiras, devia o

homem plantar um pomar de frutas variadas, que lhe rendesse o alimento

necessário durante meio século, sem a necessidade de refazer cada ano essa

fonte de subsistência, e teria tempo de sobra para coisas melhores.

O costume de plantar hortas anuais é um erro; as hortas deviam ser apenas

como que um “enchimento” da dieta humana; o principal devia consistir em

frutas de árvores longevas, e, se necessário, leite e ovos. Será que nas frutas

de árvores longevas ou seculares não está o princípio da longevidade para o

homem? As hortaliças vivem apenas um ano, ou menos; uma nogueira ou

castanheira vive séculos. Nozes, abacate, banana e mamão contêm todos os

elementos necessários para a manutenção do corpo humano.

INCONSCIENTE, UNIVERSAL, INFINITO, DEUS

O Universal de Platão é o único Real, assim como o Inconsciente de Jung, o

grande X, a misteriosa Incógnita, donde deriva todo o resto. Tudo que é

cógnito, consciente, finito, deixa de ser Real, passando a um simples

Realizado.

O nosso Consciente é uma diminuição do Inconsciente, porque este é o

Oniconsciente em si, o grande e único Real.

Ninguém pode ser consciente do Todo, a consciência exige algo finito, algo

parcial. Para além de todos os finitos cognoscíveis está o Infinito Incognoscível.

O Inconsciente em mim é o meu Creador e Salvador, porque é o

Oniconsciente.

O ocidental procura a Deus no Infinito do Além, de fora, rumo a todas as

periferias do Universo, até atingir a última fronteira; mas não há nada “último”

nesse terreno das quantidades finitas, do mundo existencial; se assim não

Page 108: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

fosse, seria Deus a soma total dos finitos, e estaríamos em puro panteísmo ou

dualismo.

O oriental, por sua vez, foge de todas as periferias existenciais e vai cavando

rumo ao centro essencial. Para ele, Deus não ex-siste, mas in-siste, ou melhor,

simplesmente siste, ou é; Deus é o grande SISTENTE, o ENTE, o YAHVEH, o

puro SER. Mas esse É, ou EU SOU O QUE SOU, está para além de todas as

existências, e, por isto mesmo, para além do nosso Consciente. Para além do

ocaso do Consciente dos sentidos e da mente desponta a alvorada do

Inconsciente da razão espiritual.

Deus é a morte do Consciente e a vida do Inconsciente, ele, sem forma, nem

cor, nem nome, fora de tempo, espaço e causalidade...

AUTO-REDENÇÃO – OU ALO-REDENÇÃO?

Se a nossa teologia ocidental é a última palavra sobre o Cristianismo, então, é

evidente que o Ocidente cristão é eternamente incompatível com o Oriente

pagão, e todos os esforços dos missionários são, praticamente, inúteis; só será

aceito pelos ignorantes, mas nunca pelos sapientes.

Nenhum cristão teológico aceitará a possibilidade de ele se auto-redimir –

assim como nenhum budista autêntico adora um Deus pessoal fora dele.

Mas, se nas profundezas do Cristianismo evangélico jaz um princípio de auto-

redenção, como o Sermão da Montanha faz ver, redenção pela graça do Cristo

interno – então podemos lançar uma ponte sobre o abismo.

É ridículo e pueril apoderarmo-nos de certas técnicas orientais, decorá-Ias,

grudá-Ias em nossa periferia ocidental, e pensarmos que tenhamos lançado

uma ponte de compreensão entre os dois hemisférios da humanidade. A nossa

inextirpável extroversão e a profunda introversão do oriental não podem ser

congraçados em pouco tempo.

A ponte existe, mas não está nas técnicas de uma apropriação externa,

horizontal, mas sim numa profunda experiência vertical da alma humana de cá

e de lá. A vacuidade central do oriental e a plenitude periférica do ocidental são

idênticas. O Infinito de Dentro é o Infinito de fora. Deus é o Todo, e o Nada, o

Sim e o Não, a Luz e as Trevas – não na horizontal das polaridades, mas na

vertical da impolaridade.

QUAL É A GRAÇA?

Literatura imensa tem sido escrita sobre o mistério da “graça”.

Page 109: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Charis e Gratia significam, propriamente, beleza. Também em vernáculo,

usamos esse vocábulo para dom gratuito e beleza.

O kosmos dos gregos é a beleza do universo.

A graça, a bem dizer, é o Infinito, o Todo, o Inconsciente. É algo longínquo,

obscuro, não controlado pelo pequeno Consciente do ego, não merecido, não

causado. O Consciente representa sempre um menos, uma parte, ao passo

que o Inconsciente é o mais, o Todo.

Quando o Inconsciente invade o Consciente, sem que este o tenha causado,

então falamos em “graça”, em “carisma”, em “dom gratuito”.

Quando o Inconsciente não coopera devidamente com o Consciente, entramos

em apuros; a máquina funciona sem volante, aos trancos... Por isto, diz a

sabedoria do povo: “Mais vale a quem Deus ajuda do que quem cedo

madruga.” O Consciente sem a larga substrutura do Inconsciente é como a luz

intermitente daquelas cinco “virgens tolas” da parábola; falta o azeite do

Inconsciente capaz de transformar em luz permanente e tranquila a luz

intermitente e inquieta. “Os deuses estão irados”, diziam os antigos, num caso

desses; tudo vai mal sem a ajuda dos “deuses”. Ou na linguagem do

Evangelho, deve o homem “buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua

justiça”, para que “todas as outras coisas” lhe sejam acrescentadas – as coisas

do Consciente funcionam bem quando o Inconsciente está presente como

invisível substrato; então o homem “anda na presença de Deus e é perfeito”,

então ele “para sempre, e nunca deixa de orar”...

Para além das luzes da ribalta, do cenário visível do nosso Consciente, por

entre a invisível penumbra dos bastidores do Inconsciente, converge toda a

sabedoria dos séculos e milênios da humanidade...

O oriental tem contato mais direto com o nirvana do Inconsciente do que com o

sansara do Consciente. Geralmente, o chinês, o japonês, o hindu não

conhecem nervosidade. O ocidental vive mais no Consciente e menos no

Inconsciente, e procura então substituir a falta de segurança interna com toda a

espécie de seguranças ou pseudo-seguranças externas, dominando

violentamente o ambiente pelas conquistas da ciência e da técnica.

ABSOLUTA OBJETIVIDADE

O ídolo do homem ocidental, sobretudo do cultor das ciências exatas, se gaba

da sua “absoluta objetividade” – e não percebe o ridículo dessa sua atitude...

Gaba-se de uma bonequinha de celulóide ou dum aviãozinho de elástico, como

as crianças do jardim de infância.

Page 110: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

O homem oriental tem horror a essa objetividade, porque já compreendeu que

o objetivo é derivado, ilusório, reflexo no espelho, eco longínquo da Realidade.

Prefere o nirvana do Inconsciente ao sansara do Consciente, e encontra paz

nessa estratosfera, onde não há tempestades nem conflitos, por falta de

suficiente diferenciação e polaridade.

O ocidental objetiva-se na ciência e técnica das suas invenções – o oriental

subjetiva-se na sabedoria espiritual da sua mística.

Ambos perdem metade do mundo da Realidade Integral, que não é objetivo

nem subjetivo, nem material nem espiritual, mas Universal. O ocidental sofre o

seu ruidoso sansara objetivo – o oriental goza o seu silencioso nirvana

subjetivo – mas a vida real não é gozo nem sofrimento, é uma síntese dessas

duas coisas, é um doloroso gozar e um gozos o sofrer – por mais paradoxal

que isto pareça aos profanos da direita ou da esquerda...

Só o Homem Cósmico é que vive integralmente.

Tanto o unilateralismo extroverso do ocidental como o unilateralismo introverso

do oriental são necessários para criar a universalidade onilateral do homem

completo, que exige diferenciação máxima de elementos antitéticos a fim de

construir a verdadeira síntese final da grandeza. Mas o homem, tanto de cá

como de lá, deve ultrapassar as duas metades justapostas das antíteses para

realizar o Todo orgânico da grande síntese.

ANALISAR E PROFANAR

Cuidado com a análise de textos sacros! Toda a análise profana!

Pode um texto sacro ser, intelectualmente, absurdo e ilógico, e, não obstante,

ter grande valor espiritual ou emocional. Há uma lógica ultra-intelectual, e até

anti-intelectual, como a do Sermão da Montanha, que é, certamente, o mais

absurdo dos documentos – quando analisado à luz da inteligência luciférica.

Tudo que se pode pensar e dizer é degradado; não é a Realidade integral nem

a Sacralidade pura. Real e puro é somente o impensável e o indizível. Só o que

se pode sentir e viver misticamente, na silenciosa solidão da alma com Deus,

isto é que é plenamente verdadeiro, belo e puro – e muitos textos sacros

refletem essa pureza sacral, que de modo algum deve ser prostituído com

análises mentais nem com ruídos verbais. “A letra mata – mas o espírito dá

vida”...

Quem já saboreou esse imponderável conteúdo espiritual de certos textos

sente-se traumatizado quando vê o seu sacrário brutalmente invadido por mão

ou mente profana. O invólucro que o erudito analisa não é, para o homem

Page 111: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

espiritual, a verdadeira realidade; era apenas uma roupagem externa, fortuita,

que a suprema Verdade e Beleza vestira de passagem para se tornar visível.

Toda a análise mental de uma realidade espiritual é um estupro sacrílego, que

só um profano pode cometer.

Não é necessário que a revelação divina seja intelectualmente verdadeira.

Não faz mal que uma experiência mística seja intelectualmente absurda e

paradoxal...

A Verdade habita para além de todas as nossas torres de Babel...

Credo – quia absurdum...

UNIDADE INCONSCIENTE – PLURALIDADE

CONSCIENTE

O homem oriental nunca se distanciou notavelmente da grande Unidade do

Inconsciente; continua 90% imerso nesse oceano inconsciente; nunca nasceu

plenamente para o nosso mundo consciente. E por isto diz ingenuamente: “Eu

SOU DEUS”, o que soa tão blasfemo aos ouvidos do ocidental, porque este

realizou uma grande distanciação da Unidade do Inconsciente, caindo 90% na

Pluralidade do Consciente, e por isto, se ele diz “EU SOU DEUS”, refere esse

“Eu” a seus 90% de Consciente (ego), e não aos 10% do seu Inconsciente (Eu)

– quando o oriental fala em nome dos seus 90% de Inconsciente, que é

realmente Deus, o Deus nele ou seu Eu divino. O Eu do oriental é o seu

Indivíduo indiviso do grande Inconsciente, ao passo que o Eu do ocidental é a

sua Persona separada do grande Inconsciente e identificado com o pequeno

Consciente da sua máscara periférica.

Cada um dos dois, como se vê, entende com a palavra “Eu” algo grandemente

diverso. “Vós sois deuses” – estas palavras de Jesus são tipicamente orientais,

que o ocidental tenta em vão justificar. Idem “Vós sois a luz do mundo” – que

teólogo dualista pode aprovar tais palavras, quando a sua igreja lhe manda crer

que todo homem é treva e pecado por sua íntima natureza, “escravo de

Satanás”, “filho da ira divina”, como se lê em todos os nossos catecismos e

tratados teológicos? É deveras estranho que a igreja, através de quase dois

milênios, tenha podido manter uma teologia diametralmente oposta ao espírito

do Cristo. Só mesmo a força de uma acintosa e sistemática ignorância de seus

filhos e graças a uma casuística exegética que consegue injetar aos textos

sacros um sentido que eles não têm.

Devido a essa diversidade do conceito do Eu, é perigoso para o ocidental

apropriar-se, sem mais nem menos, das técnicas yoga do Oriente e repetir

Page 112: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

servilmente frases que, no seu país de origem, têm sentido totalmente diferente

do que nós entendemos. Não, não basta que copiemos técnicas, é necessário

que procuremos adquirir experiência interna e despertemos em nós a mesma

consciência unitária que caracteriza toda a filosofia mística do Oriente. Do

contrário, produziremos um mostrengo híbrido intolerável e blasfemo. Dentro

da zona da nossa teologia dualista, é absurdo querermos compreender a

filosofia monista.

Felizmente, o Evangelho oferece base para esse profundo e vasto monismo

filosófico-místico. “Eu e o Pai somos um”, é tipicamente monista-oriental.

O que falta é cristificarmos a teologia eclesiástica.

OSMOSE CÓSMICA

Quando o nosso Consciente se expõe demoradamente à atuação direta do

Inconsciente, experimentamos uma sensação de progressiva libertação; uma

força estranha nos invade, que nos enche de alegria anônima. É que o nosso

Consciente equivale a uma prisão, uma fraqueza, uma angústia – ao passo que

o Inconsciente é liberdade, força, largueza.

Em consequência dessa infiltração osmótica do Inconsciente, o Consciente se

vai expandindo e libertando, tornando-se leve, luminoso, feliz; a pequena

bateria recebe forças da grande bateria.

Mas, como esse processo de imponderável infiltração não é controlável na

zona vígil do nosso ego, é natural que falemos em “graça” ou “carisma” que é a

ação benéfica do divino Inconsciente sobre o humano Consciente. Esse

Inconsciente é, em si, o Oniconsciente, o Infinito, o Todo; mas, para o nosso

pequeno Consciente, funciona como um Inconsciente.

Ninguém pode ser um bom cristão eclesiástico praticar yoga, de boa

consciência – mas é possível ser um perfeito cristão evangélico e praticar yoga.

Nenhum cristão ocidental que não queira trocar a sua teologia pelo Evangelho

pode ser um bom yogui; não consegue cancelar esses quase 2.000 anos de

Cristianismo dualista que a hierarquia eclesiástica engendrou, desde o quarto

século; por mais que o nosso cristão se diga monista oriental ou evangélico, no

seu subconsciente continua a prevalecer a Idade Média; sobre essa

inconsciente substrutura escolástica não é possível erguer uma superestrutura

mística.

Para abraçar em cheio a mística, devia o homem tomar a sério o Sermão da

Montanha; não devia ter casa nem família nem profissão lucrativa; devia

reduzir ao mínimo o seu conforto, abolir rádio, televisão, telefone, não ter

dinheiro algum em casa nem apólices nos bancos – porque tudo isto são

Page 113: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

fortalezas e trincheiras do velho ego. Quem pratica yoga numa das nossas

cidades modernas, cercado de todo o conforto e amparado por “seguros de

vida”, pratica fraude espiritual e criminosa mistificação, em vez de mística.

ADORAÇÃO TRANSBORDANDO EM AÇÃO

À entrada de um centro espiritualista em construção encontrei vistosa faixa

com esses dizeres: “Jesus não quer adoração, mas ação.”

É assaz comum esse erro, que Cristianismo seja apenas ação, realização

externa, e, no melhor dos casos, ética, caridade, filantropia. Na verdade,

porém, o Cristianismo do Cristo é a mais alta mística transbordando em ética,

adoração manifestando-se em ação.

Todo o problema do homem está em criar dentro de si uma mística de

adoração – o “primeiro mandamento” – tão intensa que extravase

espontaneamente em ética de ação – o “segundo mandamento”.

Fazer profissão de ética sem possuir a mística leva, quase sempre, à

consciência de vaidade e auto-complacência, que já é uma derrota, mesmo no

caso que as obras externas prosperem, graças ao dinheiro e à política. A ética

não deve, em hipótese alguma, ser uma profissão, mas um simples fenômeno

concomitante e como que fortuito da experiência mística; assim, se conserva

sadia, bela e leve.

Page 114: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

ÍNDICE

PRELIMINARES

FECHAR O CIRCUITO!

O SEGURO MORREU DE VELHO

SEGURO DE VIDA

DEUS EM TI

ESPELHO OU JANELA?

INTROSPECÇÃO NÃO E EGOCENTRISMO

CRISTO E CRISTIANISMO

ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI

FALA UM GRANDE INDIÓLOGO

ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE

CICLOS CÓSMICOS

INDIVIDUAL - COLETIVO

A RELIGIÃO DE EINSTEIN

O COSMOS E INDIVISÍVEL

CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO

HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES GÊNIOS RELIGIOSOS

O PERIGO DE NÃO FAZER NADA

PALAVRAS FORTES - CAUSA FRACA

O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO

ALTO - MAS NÃO DEMAIS

CRIMES E VÍCIOS

EXCESSIVAMENTE CLARO

Page 115: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

A VOZ DA INTUIÇÃO

QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU

A VIDA NÃO É UMA TEORIA

CRER OU DESCRER NADA RESOLVE

HARMONIZAR O AGIR COM O SER

UNO E MÚLTIPLO

“CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA”

BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO - RELIGIÕES PARA ELITE

PAZ INTERNACIONAL - SÓ NO CEMITÉRIO

PEIXINHOS EM POÇA D‟ÁGUA DA PRAIA

BUROCRATIZANDO E VOLATILIZANDO O CRISTIANISMO

ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA

REALISMO - IDEALISMO

O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS

TOTALITARISMOS - CATÓLICO E PROTESTANTE

MARIA - PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA MÍSTICA-SOCIAL

TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA

INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS DO CRISTIANISMO ETERNO

NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO

DO CRISTIANISMO AO CRISTO

DA CARIDADE AO AMOR

CARIDADE, NÃO - JUSTIÇA, SIM

JESUS DEU ESMOLA?

DEUS NÃO ENTRA NA ALMA

APREENDER E COMPREENDER - DESCOBRIR FATOS, REALIZAR

VALORES

“O DESERTO VIVENTE”

Page 116: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO - O QUE É?

O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE?

DOIS TIPOS DE PREGADORES

TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS

QUE É PERSONALIDADE?

DESCOBRIMENTO - OU REVELAÇÃO?

CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA NEM SUFICIENTE

PENSAMENTO SINTETIZADO

ORAÇÃO - ESSÊNCIA DE TODAS AS RELIGIÕES

O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR

A FASCINANTE AVENTURA DA ORAÇÃO SUPERIOR

OS SANTOS PROVAM A VERDADE DUMA IGREJA?

VERDADEIRA CATOLICIDADE

PROCESSO DE INCUBAÇÃO

A LEI DA EVOLUÇÃO

INSTINTO - FILTRO SELETIVO

TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO

EMBRIÃO MATERIAL - EMBRIÃO ESPIRITUAL

A NATUREZA E DEMOCRÁTICA - OU ARISTOCRÁTICA?

PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA?

DEUS MANDA DOENÇAS?

O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO

ANÁLISE PSICOLÓGICA E SÍNTESE METAFÍSICA

CURA PELO PODER ESPIRITUAL

POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS

Page 117: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU - QUANDO OUTROS SOFREM NO

INFERNO?

AMOR FRUSTRADO

EXPERIÊNCIA CÓSMICA

TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA

MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS MATEMÁTICA ESPIRITUAL

PENSAMENTO E SENTIMENTO

CONHECE-TE E CONHECERÁS OS OUTROS!

A VERDADEIRA CATOLICIDADE - ESSA DESCONHECIDA

O SEGREDO DA CURA PELA FÉ

O MAIS PROFUNDO DESEJO DO HOMEM

AGONIA DAS PRIMAVERAS

AUTO-REALIZAÇÃO - OU ALO-REALIZAÇÕES?

OS CARACTERÍSTICOS DO HOMEM CÓSMICO

OS DONS DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

AMOR UNIVERSAL - SEGREDO DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

QUEM COMPREENDE A DEUS IGNORA TODAS AS COISAS

PARAFRASEANDO OS INICIADOS

NO CÉU E NO PURGATÓRIO

MÍSTICA E ÉTICA

CONSCIÊNCIA CÓSMICA É MAIS QUE MORALIDADE

ENTRE SCHOPENHAUER E NIETZCHE

SOLUÇÃO ÚLTIMA DE TODOS OS PROBLEMAS

A NOITE TENEBROSA DO MÍSTICO

PARTURIÇÃO MÍSTICA

REGRESSANDO DE DEUS PARA O MUNDO

NÃO SOU ALTRUÍSTA!

Page 118: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

CURRUIRAS E MARIPOSAS AMIGAS

EU ESTOU EM TUDO - E TUDO ESTÁ EM MIM

PROPINQUIDADE E LONGINQUIDADE

ALMA EM DIVINA GESTAÇÃO

AÇÃO - ADORAÇÃO

EM PERSPECTIVA - OU EM PANORAMA?

O ILOGISMO DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA

ESTRUPO ESPIRITUAL

QUIETUDE É PUREZA

COMPREENDER É SER

VERDADES PARADOXAIS

MINHA CONSCIÊNCIA É O MEU MUNDO

EXPERIÊNCIA E MÍSTICA DA NATUREZA

O HOMEM INFINITO

EU E O UNIVERSO SOMOS UM

QUANDO MORRE O “DEVER”

RELIGIÃO E MORALIDADE

GUARDA O QUE TENS - E PASSA ALÉM!

CREDO DINÂMICO

O TODO É SIMULTÂNEO - AS PARTES SÃO SUCESSIVAS

MECANIZAÇÃO DA NOSSA CULTURA

AMOR - O RETORNO AO UNIVERSAL

REAL, REALIZADO, IRREAL

POR QUE SOU INFELIZ?

MEA CULPA, MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA

TODOS OS MUNDOS ESTÃO AQUI

OS TRÊS CRIVOS EM MIM

Page 119: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

INDIMENSIONALIDADE

EKKLESÍA

INQUIETUDE METAFÍSICA DO HOMEM MODERNO

NÃO NECESSITAMOS DE NOVAS TEOLOGIAS

ENCONTRO COM DEUS

MATEMÁTICA E MÍSTICA

CREDO QUIA ABSURDUM

ÉDISON - E SEUS 700 FRACASSOS

SEXISMO E EGOÍSMO

CIDADÃO DO UNIVERSO

NO TERCEIRO CÉU

A MORTE DE JESUS

TALENTO - E GÊNIO

TOLERÂNCIA - OU COMPREENSÃO?

HOMEM, SÊ CONFORMISTA - E INCONFORMISTA!

GRAUS DE CONSCIÊNCIA

TU ÉS O QUE PENSAS

PLATÃO E ARISTÓTELES

IMPERSONALISMO PLATÔNICO VERSUS PERSONALISMO

ARISTOTÉLICO

O IDEAL É O REAL

NOMES VÁRIOS PARA O ANÔNIMO

O MISTÉRIO DA ESFINGE

GUERRA MUNDIAL, I, II - III?

SOMOS AINDA CRISTÃOS?

VERDADE E BELEZA

RAZÃO, INTELIGÊNCIA, VONTADE

Page 120: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

NEO-PLATONISMO

O CLERO VIVE DO PECADO ORIGINAL

VALOR INFINITO NEUTRALIZA DÉBITO FINITO?

DE JESUS ATÉ NÓS

SALVAR O TODO É SALVAR A PARTE

O GRANDE ENIGMA DA FÉ

GLÓRIA E TORMENTO DOS GÊNIOS

VIDENTES SÓ CONHECEM O PRESENTE

CRISTIANISMO ESOTÉRICO - OU EXOTÉRICO?

ALMA

“SE NÃO VOS TORNARDES COMO CRIANÇAS”

VIDA - OU OS MEIOS DA VIDA?

INCONSCIENTE, UNIVERSAL, INFINITO, DEUS

AUTO-REDENÇÃO - OU ALO-REDENÇÃO?

QUAL É A GRAÇA?

ABSOLUTA OBJETIVIDADE

ANALISAR É PROFANAR

UNIDADE INCONSCIENTE - PLURALIDADE CONSCIENTE

OSMOSE CÓSMICA

ADORAÇÃO TRANSBORDANDO EM AÇÃO

Page 121: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

HUBERTO ROHDEN

VIDA E OBRA

Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil

em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia

e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg

(Holanda) e Nápoles (Itália).

De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.

Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais

várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto;

algumas existem em braile, para institutos de cegos.

Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e

dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.

De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na

Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com

Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da

Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a

constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,

Metafísica e Mística.

Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de

Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões

Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.

Page 122: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American

Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de

guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de

Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de

manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.

Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o

Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami

Premananda, diretor hindu desse ashram.

Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado

para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University

(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e

Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade

japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi

nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não

tomou posse.

Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,

onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia,

sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro

Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil.

Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência

espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências

com grupos de yoguis na Índia.

Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre

autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de

Auto-Realização Alvorada.

Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia

alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos

definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com

a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.

Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora

responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e

inspiração.

À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica

naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste

mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em

estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.

Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de

fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.

Page 123: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF.

HUBERTO ROHDEN

COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL:

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE

A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL

COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO:

FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO

O SERMÃO DA MONTANHA

ASSIM DIZIA O MESTRE

O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE

O NOSSO MESTRE

COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA:

DE ALMA PARA ALMA

ÍDOLOS OU IDEAL?

ESCALANDO O HIMALAIA

O CAMINHO DA FELICIDADE

DEUS

EM ESPÍRITO E VERDADE

EM COMUNHÃO COM DEUS

Page 124: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

COSMORAMA

PORQUE SOFREMOS

LÚCIFER E LÓGOS

A GRANDE LIBERTAÇÃO

BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO)

SETAS PARA O INFINITO

ENTRE DOIS MUNDOS

MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA

FILOSOFIA DA ARTE

A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH

(TRADUÇÃO)

ORIENTANDO

“QUE VOS PARECE DO CRISTO?”

EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL

DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO)

O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO

LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA

ROTEIRO CÓSMICO

A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO

A VOZ DO SILÊNCIO

TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO)

SABEDORIA DAS PARÁBOLAS

O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO)

A NOVA HUMANIDADE

A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO)

RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA

O HOMEM

Page 125: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER

O HOMEM E O UNIVERSO

IMPERATIVOS DA VIDA

PROFANOS E INICIADOS

NOVO TESTAMENTO

LAMPEJOS EVANGÉLICOS

O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS

A EXPERIÊNCIA CÓSMICA

COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA:

MARAVILHAS DO UNIVERSO

ALEGORIAS

ÍSIS

POR MUNDOS IGNOTOS

COLEÇÃO BIOGRAFIAS:

PAULO DE TARSO

AGOSTINHO

POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA

MAHATMA GANDHI

JESUS NAZARENO

EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO

PASCAL

MYRIAM

COLEÇÃO OPÚSCULOS:

SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO

Page 126: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?

CATECISMO DA FILOSOFIA

ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS)

ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000

CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS?

CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO

Page 127: Huberto Rohden - Ídolos ou Ideal?