horror e classicismo

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de educação e humanidades Instituto de Letras Pedro Puro Sasse da Silva Imanências do medo: um diálogo entre as poéticas clássicas e os estudos do horror artístico

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Universidade do Estado do Rio de JaneiroCentro de educao e humanidadesInstituto de Letras

Pedro Puro Sasse da Silva

Imanncias do medo: um dilogo entre as poticas clssicas e os estudos do horror artstico

Rio de Janeiro2015Pedro Puro Sasse da Silva

Imanncias do medo: um dilogo entre as poticas clssicas e os estudos do horror artstico

Trabalho final apresentado como requisito parcial para aprovao em disciplina do programa de Ps-Graduao em Literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Jlio Csar Frana Pereira

Rio de Janeiro2015IntroduoPode-se considerar um saber tcito, hoje em dia, que o mundo clssico est presente em boa parte do pensamento ocidental, dos costumes religio, da filosofia arte. Dessa forma, so inmeros os trabalhos que se preocupam em destacar essa presena da antiguidade em nosso meio, mostrando que, apesar das inmeras mudanas, somos, em muitos aspectos, ainda, greco-romanos. Ocorre, porm, que, em alguns produtos que sofreram uma forte influncia clssica, dada as suas constantes mudanas histricas, as relaes se tornam imperceptveis. A primeira vista, diante de gneros to distantes como a poesia grega a literatura de horror moderna, difcil estabelecer uma clara conexo entre ambos. Tal dificuldade, para ser vencida, requer que se retire o foco de sua superfcie e se observe as teorias que tratam de suas estruturas e funcionamentos.Para tal, imprescindvel uma abordagem detalhada de alguns pontos da Potica de Aristteles, uma vez que sua analise da estrutura da tragdia ressaltar pontos muito caros s teorias do horror, como a ideia da arte como criadora de emoes, a ideia de purificao atravs da catarse e o enredo trgico em si. Esses elementos podem ser relacionados com algumas das conceituaes mais utilizadas para se pensar a literatura de horror, como veremos atravs das reflexes de Edmund Burke, fundamental para pensar o gnero da modernidade.O presente trabalho pretende assim explorar uma rea de influncia da literatura clssica que foge a vista comum, esperando, assim, poder colaborar tanto com os estudos clssicos que encontrariam no horror, uma nova vertente das imanncias gregas na modernidade quanto com os estudos do medo, expandindo a base terica e traando novas vias de dilogo.

Piedade, temor e catarse

A primeira questo a ser levantada quando se trata de um gnero como o horror diz respeito arte como representao, o conceito de mimesis. Se houvesse vigorado, na literatura moderna, unicamente a viso platnica de representao, dificilmente seria possvel consolidar uma tradio relacionada com a temtica sobrenatural, como a literatura de horror. No dilogo socrtico on, Plato j d os primeiros sinais de uma postura contra a mimesis artstica. Nele, Scrates crtica o poeta por sua ausncia de tcnica, j que, no conhecendo tanto quanto os especialistas sobre uma rea, no poderia discursar sobre ela.A ideia amadurece na Repblica, onde, no livro X, Scrates tenta convencer Gluco sobre o carter ilusrio e vo da poesia. Para isso, faz uso da metfora do espelho. Inicialmente, pergunta ao seu interlocutor quo bom seria um arteso capaz de construir qualquer objeto existente, levando a lgica resposta de que tal pessoa seria considerada um prodgio. Depois, afirma que o prprio Gluco seria capaz desse feito, que, espantado, pergunta como: No difcil, disse eu, mas pode ser realizado de muitas maneiras e com rapidez, se quiseres dar voltas por a levando um espelho nas mos. Muito rapidamente criars o sol, o que est no cu, rapidamente a terra, rapidamente a ti mesmo, rapidamente os outros seres vivos, mveis, plantas e de tudo que se falava h pouco. (PLATO, 2006, p.383)A reao de Gluco consolida o sentido da metfora Sim! Mas coisas aparentes que, na realidade, no existem. (IBID.) , fazendo com que caia na armadilha retrica de Scrates. A concluso bvia que tal como o espelho reproduz a realidade apenas em aparncia, o poeta tambm no seria capaz de produzir mais do que isso.Por mais que j se tenha superado h muito essa noo platnica, muitas correntes ao longo da histria da literatura tangenciaram essa questo, encarando a mimesis da realidade como objetivo final da arte. A teoria platnica, contudo, j havia encontrado oposio por parte de um dos discpulos do filsofo, Aristteles. Duas posturas foram fundamentais para que a Potica alcanasse a atualidade que at hoje sustenta. A primeira diz respeito ao prprio objeto alvo da mimesis: a obra, do poeta no consiste em contar o que aconteceu, mas sim coisas quais podiam acontecer, possveis no ponto da verossimilhana ou da necessidade. (ARISTTELES, 2005, p.28).Com isso, Aristteles desvincula a poesia da necessidade de representar o real, atrelando-a a verossimilhana, ou seja, a um campo de referncias que, em vez de apontar para fora da literatura, conectam aquilo que est sendo contado com a estrutura inerente prpria obra e outros discursos dos quais a obra faa uso.Ao romper com a necessidade de ancorar a obra ao real, Aristteles permite uma anlise da arte que leve em conta a presena de elementos que esto alm do espelho platnico, como deuses, criaturas mitolgicas e ambientes fantsticos. Tais representaes, porm, se Aristteles, como fizera Plato, houvesse mantido a mimesis como finalidade, seriam vazias de sentido, j que sua presena nada poderia acrescentar ao leitor. A segunda postura inovadora, dessa forma, a abordagem da arte no como mera representao, mas como um objeto capaz de produzir certos efeitos em seu pblico, como demonstra Aristteles em sua definio da tragdia: a tragdia a representao duma ao grave, de alguma extenso e completa, em linguagem exornada, cada parte com o seu atavio adequado, com atores agindo, no narrando, a qual, inspirando pena e temor, opera a catarse prpria dessas emoes. (IBID., p. 24. Grifos nossos)Dessa forma, a poesia sai do binmio representao e realidade para ser estudada na relao entre estrutura e efeitos. Ao ver a piedade e o temor como elementos constituintes da tragdia, o filsofo abre a possibilidade de uma definio de gnero que se baseie, entre outros elementos, em um efeito esttico, isto , para reaes emocionais produzidas por eventos no reais. Essa possibilidade fundamental para a prpria existncia da literatura de horror, uma vez que esta se define, acima de tudo, por sua centralidade em causar um efeito especfico de medo em seu leitor.H, porm, nessa definio, outro ponto caro aos estudos do horror. Aristteles no s afirma que a tragdia, alm de elementos estruturais precisaria gerar uma emoo especfica sobre seu pblico, como, tambm, diz que muitas das emoes geradas so, quando experimentadas fora da arte, desagradveis. Um indivduo em plena conscincia de seus atos no deveria optar voluntariamente por sentir medo, mas exatamente isso que faz ao assistir uma tragdia ou ler uma histria de horror.Para o filsofo a resposta residiria na catarse (do grego , purificao, limpeza). O pblico assistiria s tragdias no pelo sentimento de pena e temor que seriam gerados, mas pela expurgao desses sentimentos. Ou seja, aps a tenso causada pelas emoes negativas da tragdia, seu fim libertaria o pblico daqueles sentimentos, e com isso, criaria um efeito de prazer esttico.Por mais que o uso de catarse seja pouco descrito por Aristteles, possvel associ-lo ao conceito de deleite presente na obra Uma investigao filosfica sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo, do filsofo irlands Edmund Burke um dos maiores influenciadores da esttica gtica no sculo XVIII e, consequentemente, base para reflexes posteriores sobre a literatura de horror como um todo. Para construir seu conceito, o autor parte da negao da usual dicotomia de Dor e Prazer. O prazer, segundo o autor, no seria conseguido atravs da eliminao da dor nem vice-e-versa, mas os dois seriam sensaes positivas independentes. Seria necessrio, ento, proceder de maneira a distinguir o efetivo prazer, de uma sensao que se confundiria com o prazer, decorrente da eliminao da dor:Aconselha-nos, pois, o bom senso que se deva distinguir mediante algum outro nome duas coisas de natureza to diversas, como um prazer simples e sem nenhuma relao com outro sentimento, daquele cuja existncia sempre relativa e estreitamente vinculada dor. Seria muito estranho se esses sentimentos, de origens to opostas e efeitos to diferentes, devessem ser confundidos porque o uso vulgar colocou-os sob a mesma denominao genrica. Toda a vez que tenho a oportunidade de falar sobre esse tipo de prazer relativo chamo-o de deleite. (BURKE, 1993, p.45)H, assim, uma diferena entre o sentimento que resultaria de uma ao prazerosa em si e o sentimento que resultaria da suspenso de uma sensao negativa, ou seja, por mais que sintamos um alvio agradvel ao, por exemplo, passarmos uma pomada em uma queimadura, suspendendo assim a dor gerada pelo ferimento, esse sentimento no encontra paridade no prazer que sentiramos recebendo uma massagem ou comendo algo que nos agrada bastante. Se considerarmos, ento a catarse como a purificao (ou suspenso) dos sentimentos anlogos dor suscitados pela tragdia, sua resultante natural seria o deleite que Burke descreve. importante, porm, notar que, para Burke, por mais que haja uma noo de prazer na suspenso de um sentimento negativo, se esse sentimento fosse plenamente vivido pelo indivduo, ele causaria mais malefcio que benefcio, no sendo vlido como experincia a ser buscada por algum. Por exemplo, no faz sentido para a maior parte das pessoas que algum se machuque apenas para sentir o deleite do fim da dor. A melhor forma, ento, para que o deleite possa ser plenamente aproveitado, experiment-lo sem que seus efeitos negativos recaiam completamente sobre o indivduo, o que possvel, para o filsofo, atravs da simpatia:Pois a simpatia deve ser considerada uma espcie de substituio, mediante a qual colocamo-nos no lugar de outrem e somos afetados, sob muitos aspectos, da mesma maneira que eles; (...) principalmente por esse princpio que a poesia, a pintura e as outras artes relacionadas a sentimentos comunicam suas paixes de um corao a outro e muitas vezes so capazes de enxertar um deleite no desgosto, na infelicidade e na prpria morte. Observa-se comumente que objetos que causariam averso na realidade so, nas fices trgicas ou outras semelhantes, a fonte de um tipo de prazer muito intenso. (IBID., p. 52-53)Uma noo simpatia j pode ser encontrada, esboado na prpria Potica. Aristteles, contudo, no a utiliza o termo da mesma forma que Burke, vendo-a apenas como um sentimento secundrio que poderia decorrer da tragdia:(...) em primeiro lugar claro que no cabe mostrar homens honestos passando de felizes a infortunados (isso no inspira temor nem pena, seno indignao); nem os refeces, do infortnio felicidade (isso o que h de menos trgico; falta-lhe todo o necessrio, pois no inspira nem simpatia humana, nem pena, nem temor); tampouco o indivduo perverso em extremo tombando da felicidade no infortnio; semelhante composio, embora pudesse despertar simpatia humana, no inspiraria pena, nem temor; de tais sentimentos, um experimentamos com relao ao infortnio no merecido; o outro, com relao a algum semelhante a ns (...). (ARISTTELES, 2005, p.32. Grifos nossos)Mesmo que Aristteles trate a simpatia humana como algo que possa ser dissociado dos demais sentimentos decorrentes da tragdia, possvel identificar como, de certa forma, esse conceito est implcito na prpria ideia que faz do temor, uma vez que ele o considera um sentimento que experimentado com relao a algum semelhante a ns (IBID.), ou seja, preciso, em sua perspectiva, que haja certa identificao entre leitor e personagem para a criao do efeito esttico.Enquanto na Potica a simpatia poderia ser vista atravs dessa relao de semelhana situao, afinidade entre personagem e espectador que permitiria que este temesse pela situao daquele, para Burke o conceito ganha certa radicalidade ao afirmar que a simpatia nos faria assumir mentalmente o lugar de tal personagem.Se a obra de Burke pode ainda ser dissociada do horror por mais que tenha sido uma grande influenciadora da literatura gtica no uma obra sobre tema encontramos um desdobramento produtivo da discusso sobre identificao e simpatia numa obra inteiramente dedicada aos estudos do medo na arte. O filsofo americano Nol Carroll, em sua obra Filosofia do horror, ou paradoxos do corao, no se restringe, porm, ao gnero por ele estudado para isso, fazendo uma reflexo vlida para a arte como um todo:Para os propsitos deste livro, precisamos explicar como podemos temer e sentir nojo de monstros ficcionais. Mas a resposta a essa pergunta inseparvel das respostas a perguntas como "como podemos comovernos com o Rei Lear?", "como que a triste situao de dipo nos causa compaixo e medo?", "como que K., no romance O processo, provoca em ns sentimentos de angstia e de frustrao?" e "como que Casaubon De Eliot Nos faz sentir indignao?". (CARROLL, 1999, p.94-95)Ao tecer suas crticas sobre as abordagens de identificao e simpatia anteriores, Carroll mostra justamente o movimento que parte de ideia prxima a de Aristteles sobre o tema e vai para a forma como Burke o aborda: Algumas dessas possibilidades parecem bastante inofensivas. Ou seja, alguns desses estados parecem ser do tipo que no suscita perplexidades filosficas ou psicolgicas. Podemos gostar de um personagem; podemos reconhecer semelhanas entre o personagem e ns mesmos; podemos compartilhar valores com um personagem; ou podemos estar interessados em um personagem ou ser simpticos a ele. Fazer esse tipo de coisas em relao a personagens de fico parece ser uma expanso legtima das respostas que temos em relao a gente real ainda que possa ser muito complicado explicar em mincias a lgica dessas expanses. No entanto, esses usos no parecem ir ao corao mesmo do que os comentadores tm em mente quando invocam a noo de identificao com personagem. Pelo contrrio, eles parecem usar a noo de identificao com personagem para assinalar uma relao mais radical entre o pblico e o protagonista, em que o pblico vem a pensar a si mesmo como idntico ao personagem ou o mesmo que ele isto , um estado em que o integrante do pblico de algum modo se funde com o personagem ou se incorpora a ele. (IBID., p. 130)Carroll descarta a possibilidade burkeana de que haja, de fato, uma espcie de substituio do personagem da obra pelo leitor, que passa a ser afetado pelas mesmas emoes. Para isso, demonstra como que h uma clara divergncia entre o que um personagem sente e o que sente um leitor diante da situao do personagem: Em Primeiro lugar, muitas Provavelmente a maior parte De nossas respostas aos protagonistas das fices, at mesmo a um exame superficial, no se encaixam no requisito de duplicao emocional. Quando a herona est nadando despreocupada enquanto, sem que ela saiba, um tubaro assassino se aproxima para mata-la, sentimos preocupao com ela. Mas no isso que ela est sentindo. Ela est se sentindo tima. Ou seja, muitas vezes, temos uma informao diferente e, de fato, maior acerca do que est acontecendo numa fico do que os personagens tm, e, por conseguinte, o que sentimos muito diferente do que se julga que o personagem sente. (IBID., p.131)Por mais que a obra de Carroll se dirija especificamente para a literatura de horror, suas consideraes acerca da simpatia podem ser aplicadas fico como um todo, uma vez que o prprio autor apresenta, para corroborar sua crtica, uma observao no sobre uma obra de terror, mas sobre uma tragdia grega:Examinemos mais uma vez o exemplo da tragdia. Respondemos triste situao de dipo, que inclui seus prprios sentimentos de repulsa em relao ao incesto, uma avaliao que podemos compartilhar. Mas isso d origem a um sentimento global em ns que no se casa com o estado emocional de dipo. Por exemplo, se Aristteles estiver certo, tememos que calamidades como essa possam acontecer conosco e, assim, sofremos a catarse. Mas o tempo de temer j passou para dipo, e ele est arrasado pela culpa (e no aliviado de nada, pelo que sei). Alm disso, parte de nossa resposta a dipo gira ao redor do fato de ele estar oprimido pela culpa de estar num estado emocional em que no estamos. (IBID., p.135)Carroll, porm, no se restringe a criticar a abordagem feita sobre o conceito da simpatia, mas oferece, tambm, uma alternativa mais lgica para entender de que forma as emoes sentidas pelo leitor so suscitadas:Quando leio uma descrio de um protagonista em determinado conjunto de circunstncias, no duplico a mente do personagem (tal como ele dado na fico) em mim. Eu assimilo a situao dele. Parte disso implica ter um sentimento da compreenso interna que o personagem tem da situao.(...) Mas, ao assimilar a situao, tambm tenho uma viso externa dela. Ou seja, assimilo aspectos da situao que, por vrias razes, no so enfocados pelo protagonista, seja porque ele os desconhece, seja porque no so objetos plausveis de sua preocupao. Assim, vejo a situao no apenas do ponto de vista do protagonista, embora eu conhea esse ponto de vista; antes vejo-a como algum que tambm v a situao de fora vejo-a como uma situao que envolve um protagonista que tem o ponto de vista que ele tem. (IBID., p.137)Se voltarmos ao exemplo de dipo, sob a luz dessa teoria, podemos entender como se estabeleceria de fato a relao entre o protagonista da tragdia e seu espectador. Carroll v dois movimentos fundamentais para a construo do efeito esttico: um se relacionaria diretamente com a condio do personagem, o espectador assimilaria as aflies de dipo e sua luta v contra o destino o que geraria a piedade na Potica; e um segundo que se relacionaria com conhecimentos que o espectador tem acesso e o personagem no, desfazendo assim uma ideia de identificao completa. O sublime no clssico e no moderno Apesar de se haver iniciado o contato com Burke atravs de suas ideias de deleite e simpatia, tais conceitos so apenas ferramentas em uma teoria mais ampla, sobre o sublime, outra importante herana do mundo clssico que foi fundamental para os estudos do horror at a modernidade.Por mais que o texto apresente problemas de datao e autoria, sendo atribudo ao nome convencional de Longino em algumas verses Pseudo-Longino , Do Sublime considerada ao lado da Potica de Aristteles e da Arte Potica de Horcio, um dos livros fundamentais sobre a poesia clssica. Seu propsito primeiro no era, porm, tratar especificamente da poesia, mas formular um manual de retrica que teria como funo descrever um efeito especfico e peculiar. Enquanto a maior parte das ferramentas argumentativas apelavam para a razo do ouvinte, seja atravs de silogismos vlidos e aceitveis ou de raciocnios intricados e capciosos, Longino descreve uma forma de discurso que visa arrebatar o pblico em vez de convenc-lo, levando os ouvintes a uma sensao de xtase que anula a prpria razo:Pois no persuaso, mas ao xtase que a natureza sublime conduz os ouvintes. Seguramente por toda a parte, acompanhado do choque, o maravilhoso sempre supera aquele que visa a persuadir e a agradar; j que o ser persuadido, na maior parte do tempo, depende de ns, enquanto aquilo de que falamos aqui, trazendo um domnio e uma fora irresistveis, coloca-se bem acima do ouvinte. (LONGINO, 1996, p.44)O que impressiona no texto de Longino e, talvez, tenha dado a este a longevidade necessria para impactar os estudos modernos, foi o uso abundante de exemplos literrios em sua obra. O autor utiliza dezenas de citaes de Homero e de diversos tragedigrafos clssicos, uma escolha peculiar para um manual de retrica que acabou sendo importante para o estudo da arte.Esse texto s veio a causar um verdadeiro impacto nos estudos filosficos e literrios, no entanto, aps sua traduo ao francs feita por Nicolas Boileau-Despraux em 1674. A partir de sua publicao, muitos estudiosos tiveram contato com a ideia do sublime, que no tardou em se tornar um dos principais tpicos de estudo na Esttica do sculo XVII, instigando, alm de Burke, outros nomes importantes da filosofia como Kant e Schiller.Obviamente, as concluses e os desdobramentos feitos por diversos estudiosos divergem em muitos aspectos, criando conceitos de sublime muito diferentes entre si. Apesar de todos compartilharem a noo de grandiosidade descrita e amplamente exemplificada por Longino, nem todos serviro aos estudos da arte, como o caso de Kant que, para diferenciar o sublime do belo deixa claro seu foco na natureza:Mas a diferena interna mais importante entre o sublime e o belo antes esta: que, se, como justo, aqui consideramos antes de mais nada somente o sublime em objetos da natureza (pois o sublime da arte sempre limitado s condies de concordncia com a natureza). (KANT, 2002, p.90)J Burke, como vimos em sua descrio do conceito de simpatia, no s opta pela incluso da arte na reflexo do sublime como mostra seu papel central na produo desse efeito esttico, aproximando-se mais de seu antecessor, Longino.Em adio noo de grandiosidade, Burke pensa no terror como elemento fundamental para a construo do sublime, o que de certa forma une as consideraes de Aristteles na Potica com o tratado de Longino. Para ele:Tudo que seja de algum modo capaz de incitar as ideias de dor e de perigo, isto , tudo que seja de alguma maneira terrvel ou relacionado a objetos terrveis ou atua de um modo anlogo ao terror constitui uma fonte do sublime, isto , produz a mais forte emoo de que o esprito capaz. (BURKE, 1993, p.48)Alm de sua definio de sublime, Edmund Burke elenca uma srie de elementos que auxiliariam na criao desse efeito no leitor: obscuridade, poderes grandiosos, vazio, trevas, solido, silncio, vastido, infinitude etc. A proximidade da esttica de horror com esses elementos clara, no sendo necessrio mais que um exemplo para abarcar a maioria se no todos dos elementos, como, por exemplo, Dagon, de H.P. Lovecraft. Muitos dos elementos, porm, j apareciam nos exemplos dados por Longino, seja nas metforas ricas das tragdias ou nas imagens sublimes das epopeias de Homero. Levando em conta os efeitos gerados pela tragdia, tal como Aristteles os descreve, e os efeitos da literatura de horror, pode-se dizer que o sublime de Burke, ao privilegiar o terror, acaba servindo de elo entre dois gneros que, aparentemente se mostram dspares. Espera-se, dessa forma, que ao longo do trabalho, tenha sido possvel, mesmo que brevemente, mostrar como que a literatura clssica e suas teorias ainda permanecem presentes na arte moderna, no deixando de produzir novos sentidos e interpretaes.

Referncias bibliogrficasARISTTELES, HORCIO, LONGINO. A potica clssica. So Paulo: Ed. Cultrix, 1985.BOTTING, Fred. Gothic. Nova Iorque: Routledge, 1996BURKE, Edmund.Uma investigao filosfica sobre a origem de nossas idias do sublime e do belo.Traduo, apresentao e notas de Enid Abreu Dobrnszky. Campinas, SP: Papirus, 1993. [1759]CARROLL, Nol. A Filosofia do horror, ou paradoxos do corao. Traduo de Roberto Leal Ferreira. Campinas: Papirus Editora, 1999.KANT, Immanuel. Crtica da Faculdade do juzo. Traduo de Valerio Rohden e Antnio Marques. 2 edio. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2002.PLATO. A repblica. Trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado; Reviso tcnica e introduo Roberto Bolzani Filho. So Paulo: Martins Fontes, 2006.