historia trabalho do estado novo inês
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O Estado NovoTestemunho de José Carlos Miguel
Escola Secundária de Peniche
O Estado NovoTestemunho de José Carlos Miguel
Aluna: Inês Domingues
Ano/Turma: 12ºLH3, nº.7
Disciplina: História
Professora: Ana Cristina Ferreira
Ano Lectivo: 2011/2012
ÍndiceIntrodução
pág.3
Dados do Testemunho pág.4
Entrevista pág.4 à 15
Imagens da época e actuais pág.16
Conclusão pág. 17
Bibliografia pág.18
Introdução
Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de História.
Nele aprofundei o meu conhecimento relacionado com o Mundo Salazarista, as
vivências, as dificuldades e as diferenças com o mundo actual.
Procurei desenvolver o trabalho pedido através de uma entrevista, em que obtivesse
conhecimento do estado em que se vivia na altura.
Como já tenho conhecimento de como era a vida na chamada Metrópole, procurei
desenvolver o trabalho entrevistando alguém que tivesse vivido o Estado Novo, numa
colónia, neste caso Moçambique.
Filho de uma família Portuguesa, José Carlos Miguel, de 54 anos, nascido em
Moçambique foi o entrevistado. Realizei um conjunto de perguntas abordando as mais
diversas curiosidades da altura.
Como se sabe, entre 1933 a 1974 viveu-se anos muito rigorosos em Portugal. Salazar
trouxe o equilíbrio orçamental, mas também diversas regras sociais que tinham de ser
cumpridas por toda a sociedade.
Em Moçambique vivia-se um ambiente mais tranquilo.
Como foi a sua infância?
Nasci em Moçambique, a 29 de Outubro de 1957 e lá permaneci até 8 de Agosto de 1974.
Sobre a minha infância, considerando até aos 10 anos, foi uma infância feliz, onde tive
sempre presente o conforto, o carinho e o amor dos meus pais. Na altura não haviam,
como hoje em dia, lojas de brinquedos, centros comerciais, existiam em contrapartida
muitos jardins com adereços onde nos divertíamos. Andávamos de balancés, escorregas,
baloiços, rodas gigantes entre muitos. Aos domingos no tempo de calor os meus pais
levavam-me à praia que era o local mais preferido por mim e pelas outras crianças. Da
parte da tarde passeávamos como era tradicional pela cidade. Recordo com muita saudade
quando a minha mãe me levava à pastelaria para comer uma bola de Berlim com creme.
Naquela altura as crianças podiam brincar nos passeios perto de casa até ao anoitecer, sem
que houvesse algum perigo, pois vivia-se um clima de segurança, não havia receios de
raptos ou pedofilia como hoje em dia.
A ida para a escola, como foi?
Nome: José Carlos Pires Miguel
Data de nascimento: 29 de Outubro de 1957
Natural de Moçambique
Veio para a Metrópole com 17 anos
Aos 19 anos cumpriu o serviço militar
Iniciei a minha vida escolar aos 4 anos de idade num jardim escola existente num colégio
particular – Colégio Luís de Camões estudando ali até aos 16 anos, idade com que terminei
o meu curso o Curso Geral de Administração e Comércio.
Recordo a minha passagem pelo Jardim-escola com as brincadeiras e ateliers que ali se
faziam próprios para a idade, lembro-me do refeitório com as mesas e os bancos
pequeninos, assim como do jardim onde tínhamos muitas diversões, nomeadamente
baloiços, escorregas, caixas de areia e trotinetas.
Como era tratado pelos professores/funcionários?
As professoras e funcionárias tratavam-nos com muito carinho. Tínhamos quartos com
caminhas onde dormíamos enfim, tudo para uma criança se sentir feliz e onde os pais
podiam confiar os filhos enquanto iam para o trabalho.
E lá permaneci até ir para a primária.
Ali aprendi as bases da minha formação como homem.
E como foi a ida para a primária?
Com os meus 5 anos, só fiz depois os 6, entrei na escola primária. Adaptei-me bem aquela
nova realidade uma vez que já estava habituado ao regime escolar ou seja ao cumprimento
dos horários, à obediência, a ouvir e a respeitar a palavra “professor”.
Como era o relacionamento com o (a) professor (a)?
O relacionamento com a professora foi sempre muito saudável, ela gostava muito de nós,
tratava-nos bem e nós alunos respeitávamos a professora.
A professora Madalena era uma senhora forte e
com rosto carregado, que ao inicio me assustou
Colégio Luís de Camões
um pouco, mas com o tempo percebi que era muito doce e brincalhona. Foi quem me
acompanhou até à 4ª classe. Começou tudo por ser uma “brincadeira a sério” até à 2ª
classe, mas a partir da 3ª classe as exigências já eram maiores. A professora era uma fonte
de motivação.
Que brincadeiras tinham na escola?
Nos intervalos tínhamos brincadeiras próprias para a idade em que a professora também
interferia. Fazíamos jogos, andávamos de baloiços, escorrega, brincávamos nas caixas de
areia e andávamos de trotineta.
O que fez após terminar a 4ª classe?
Segui o ciclo preparatório, mas para isso os alunos
que terminavam a 4ª classe teriam que ser
sujeitos a um exame numa escola oficial uma vez
que o colégio era particular.
Recordo-me de me fardar com calções, meia até
ao joelho, casaco e gravata todo vaidoso a ir para
o exame. O exame era escrito e oral. Recordo-me
de sentir um nervoso miudinho embora a
professora nos tenha preparado muito bem para esse exame.
Após esse exame, seguia-se o ciclo preparatório. Adaptou-se bem? Como
funcionava?
A adaptação também não foi difícil mas era tudo muito diferente, desde as disciplinas, os
professores que eram muitos, o convívio com colegas muito mais velhos no mesmo
espaço… Apesar disso Foi muito gratificante pois ajudou a crescer e amadurecer
principalmente na fase de transição para a adolescência e mais tarde para adulto.
E como era a relação com o professor nesta fase?
Nesta altura já era tudo muito diferente como já referi, já havia um professor para cada
disciplina, a atenção era outra, mas todos os professores eram muito atenciosos e
cuidadosos o que facilitava o relacionamento entre o professor e o aluno. Sempre
respeitei os professores e sempre que tinha dificuldades no que quer que fosse eles
estavam sempre prontos a ajudar.
Escola primária onde fez o exame da 4ª classe
Com o ciclo preparatório terminado, que fez da sua vida?
Continuei os estudos! Mas tinha uma grande decisão a tomar, ou seguia a área das letras
ou a área do comércio ou indústria.
Recordo-me das palavras do meu pai ao dar a sua opinião, porque naquele tempo não
existia o que há hoje, psicólogos, mas valia sempre muito a opinião dos nossos pais que
eram os nossos grandes psicólogos.
E mais uma vez eu e os meus colegas tivemos de ser avaliados para entrar na Escola
técnica. Com 11 anos misturado no meio de uma multidão juvenil com idades desde os
11/12 anos até aos 19/20, estes já homens e prestes a ir cumprir o serviço militar.
Esse exame foi superado?
Sim, mais uma vez superei com sucesso os
exames para admissão à Escola Técnica onde
optei por tirar o Curso Geral de Comércio, em
que as exigências eram muito grandes, o
tratamento era diferente, o relacionamento
já não era tão personalizado mas sim virado
para o colectivo, exigindo muito das nossas
capacidades. Em 1974 acabei o curso Geral de
Administração e Comércio e quando me preparava para o acesso ao curso complementar,
começaram as convulsões sociais decorrentes do pós-guerra que levou ao êxodo de
muitos portugueses assim como eu e a minha família.
Durante estes anos, que métodos eram tomados perante a indisciplina?
O Colégio era particular por isso a disciplina era muito rigorosa, era imposta e cumprida
com muito rigor. Os alunos que não cumpriam as regras instituídas eram punidos
exemplarmente, sujeitos a castigos desde a proibição de ir aos intervalos, passando por
dias de suspensão e até á expulsão do Colégio. Mas o rigor da disciplina não era só para
alunos pois houve também professores suspensos e expulsos. A Directora era severa mas
compensadora.
E quais eram os métodos de estudo?
Escola Técnica
Até isso era diferente. O nível era mais exigente e comparando com actualmente há
grandes diferenças.
Na Primaria, não haviam máquinas de calcular, a tabuada tínhamos que a saber de cor e
salteada, de trás para a frente e vive versa e todos os dias, meia hora antes de regressar a
casa era a cantoria da tabuada. Os trabalhos de casa eram muitos, desde cópias a contas
de somar, subtrair, multiplicar e dividir, mas não eram só uma ou duas, eram muitas.
Na 4ª classe tínhamos que saber todos os rios de Portugal e colónias, as serras, as linhas
dos caminhos-de-ferro, os oceanos e quais os países que banhavam.
Apesar desta exigência, uma coisa era certa, todos sabiam as coisas de cor e salteado.
Quando entrei para o ciclo as matérias eram mais exigentes e aprofundadas.
No Curso comercial as matérias eram muito diferentes, tínhamos a disciplina de Caligrafia
no 1º ano, onde éramos obrigados a aprender a escrever a letra francesa, inglesa,
comercial, todas elas com tamanhos diferentes, utilizando para tal canetas e aparos
próprios assim como um tinteiro. Nos anos seguintes havia disciplinas próprias do curso
como Calculo Comercial, Contabilidade, Economia Política, Mercadorias, Técnicas de
Vendas, Física e Química entre outras.
Anualmente tínhamos de ir à Escola Técnica para sermos avaliados com exames que tinham
a duração de 6horas.
Estudavam separadamente das raparigas?
No Colégio que frequentei durante 12 anos, na instrução primária as turmas eram mistas,
mas no recreio o convívio era separado, havia o pátio para os rapazes brincarem e outro
para as raparigas tal como no ensino secundário.
Neste colégio havia um edifício para alojamento das raparigas e outro para alojamento de
rapazes.
Recordo-me que só havia um refeitório, grande e que eram as raparigas primeiro a
almoçar numas mesa que estavam colocadas num lado do refeitório e os rapazes
almoçavam depois mas noutras mesas.
O bar que servia os alunos à hora dos intervalos era único mas com uma particularidade os
rapazes eram atendidos de um lado e as raparigas de outro não havendo nem sendo
permitido o contacto verbal nem físico entre ambos os sexos.
No início das aulas era dado dois toques, o primeiro era para os rapazes entrarem para as
salas de aula e o segundo toque para a entrada das raparigas.
Aos domingos os alunos internos tinham que ir á missa e para não fugir à regra dentro da
igreja as alunas eram colocadas À rente e os rapazes atrás, com um banco de intervalo
onde estava a Directora.
Como o colégio tinha instalações próprias para a prática de desporto a Directora ordenou
para que os alunos rapazes e raparigas pudessem praticar desporto que às segundas,
quartas e sextas a partir das 17H30, hora que acabavam as aulas, até à 19H00 era para os
rapazes usufruírem do espaço e às terças e quintas era os dia das raparigas.
Na cidade da Beira havia o chamado Pavilhão da Mocidade Portuguesa, onde se
faziam competições anuais das diversas modalidades, a que assistiam os alunos dos
estabelecimentos que estavam a competir. Os que iam assistir aos jogos tinham que ir
fardados, ficando sempre as raparigas de um lado e os rapazes de outro.
Os rapazes e as raparigas não andavam sozinhos, as raparigas eram sempre acompanhadas
de uma senhora a quem chamavam prefeita e os rapazes de um senhor a quem chamavam
prefeito.
A Mocidade Portuguesa era uma organização de jovens, também fez parte desta?
Participei sim, todos os estudantes eram obrigados a participar. Tinha um aspecto militar,
mas entre nós estudantes não se sabia na altura que era um “braço” da política de Oliveira
Salazar. Todos os estudantes estavam devidamente fardados e formados num
enquadramento militar. Formávamos aos sábados de manhã para o içar e arrear da
Bandeira Nacional, desfilando, marchando como se fossemos militares.
As manhãs de sábado eram preenchidas com a prática do desporto e com estas actividades.
A formação do jovem tinha vários objectivos, para além da formação cívica, preparavam o
jovem para um futuro militar, pois havia uma guerra permanente em todos o País e assim
chegados aos 19/20 anos quando o jovem era chamado para cumprir o serviço militar já
estava preparado para o enquadramento militar. Mas não havia nem se utilizavam armas
de fogo.
Com que idade acabou a escola?
Acabei o meu Curso Geral de Administração e Comercio aos 16 anos e após o 25 de Abril de
1974, quando vim viver para Portugal, fui viver para Tomar e ali dei continuidade aos
estudos matriculando-me no Curso Complementar de Contabilidade, mas a minha
integração na escola e ao modo de vida em Portugal não foi fácil, o que me levou a desistir
de estudar. Assim aos 18 anos deixei de estudar, indo trabalhar até ser chamado para
cumprir o serviço militar aos 19 anos.
Como era a vida dos pais?
Os meus pais são naturais de Portugal, a minha mãe nasceu num lugar chamado Vilar do
Ruivo, por sinal vizinha do pai do Raul Solnado, e o meu pai no lugar chamado Fundada
próximo de Abrantes.
Este lugar era um lugar muito pobre onde viviam da agricultura e da madeira. Quando no
tempo de Salazar foi autorizado aos residentes em Portugal emigrarem para as colónias
portuguesas o meu pai embarcou depois de ter conseguido uma carta de chamada para a
Beira em Moçambique fixando-se ali. Mais tarde aconteceu o mesmo com a minha mãe. Já
os dois ali a viver, casaram e começaram as suas vidas. O meu pai veio de uma família
humilde, trabalhava no campo, iniciou lá a sua vida na agricultura passando depois a
trabalhar no caminhos-de-ferro e a minha mãe também vinda de famílias muito humildes
tinha tirado um curso de costura ainda em Portugal e já depois na Beira continuou a sua
actividade de costureira.
Recordo-me de ver o meu pai sair todos os dias de manhã cedo regressando ao fim do dia
sempre bem-disposto, enquanto a minha mãe trabalhava na costura todos os dias até altas
horas da noite.
Durante a juventude, o que faziam para se divertir?
Na altura não havia tanta oferta de diversões como hoje em dia há. No tempo de férias,
praticávamos desporto e íamos passear. Aos fins-de-semana da parte da tarde tinha os
jogos de basquete, os escuteiros e aos domingos de manhã era para ir à praia e da parte da
tarde cinema, passear até ao centro da cidade ou ir ao futebol.
No tempo de aulas só aos fins-de-semana é que nos podíamos divertir. À noite era os
treinos do basquete que me permitia sair de casa.
José Miguel com a equipa de basquetebol Centro da cidade onde muitas famílias se encontravam ao Domingo à tarde
Podiam sair à noite?
Além das brincadeiras que tínhamos à porta de casa, só aos fins-de-semana é que
podíamos sair um pouco mas sem sair do bairro, pois havia bailaricos nas associações e
clubes. A hora de entrada ao fim de semana era sempre até às 01H00.
Quando começou a trabalhar?
Foi logo que acabei os estudos. Comecei a trabalhar numa bomba de gasolina a aviar
combustível, indo depois trabalhar para as obras como armador de ferro até ser chamado
para cumprir o serviço militar obrigatório aos 19 anos.
Depois acabei por seguir a carreira militar e ingressar nas fileiras da Guarda-fiscal.
E como era o salário?
Comecei por receber o salário semanalmente. Não me recordo quanto recebi quando
trabalha na bomba de gasolina, mas nas obras ganhava cerca de 300$00 por semana e já
depois na tropa lembro-me que ganhava 150$00 por mês.
Participou em algum tipo de manifestação?
Não, nunca participei em manifestações quer antes de ir para a tropa quer depois. No
serviço militar não se podia participar em qualquer tipo de manifestação política.
Participou na guerra colonial?
Não porque a guerra terminou em 1974 com a queda o Estado Novo e nessa altura
tinha 16 anos, ainda era menor.
Não participei na guerra mas vivi muito de
perto as contingências da mesma. Muitos
eram os militares que iam de Portugal para
Moçambique e alguns eram da terra dos
meus pais. Quando para lá se deslocavam já
levavam o contacto para quando chegassem
À Beira procurarem-nos. Fomos muitas vezes
Militares no mato em Guerra
esperá-los aos navios quando atracavam no porto da Beira, assim como íamos ao
aeroporto quando vinham de avião.
Hoje, depois de também ter cumprido o serviço militar compreendo a dor, o
sofrimento daqueles jovens com idades de 19 anos muitos deles ainda com cara de
meninos, alguns ainda sem barba, que deixavam os pais a milhares de quilómetros
e ali estavam entregues a eles próprios e à sorte do destino. Cheguei a Vê-los a
chorar em minha casa, e a minha mãe como mãe que também era acarinhava-os
como se filhos dela se tratassem. Eu não percebia porque é que eles choravam.
Depois da chegada lá iam eles para o mato ficando ali anos seguidos a combater os
turras, como eram conhecidos os militares da Frelimo. Ao fim de 2 ou 3 anos
quando regressavam do mato, aqueles que regressavam, pois alguns morriam ao
combater, outros ficavam feridos, notava-se a diferença desde a chegada à colónia.
Via-se que estavam mais maduros, com os rostos carregados de sofrimento e dor,
roupas todas velhas e desbotadas, algumas até cozidas por eles próprios.
Vi milhares de militares, brancos e negros que ao regressarem do mato era na
bebida que encontravam o escape.
Eu morava junto ao hospital e constantemente se ouvia helicópteros chegar,
sabíamos que eram feridos que vinham do mato, da guerra. Vi na cara de muitos
feridos uma tristeza enorme.
Como estava Moçambique antes do 25 de Abril?
Moçambique era um a colónia emergente, estava muito mais desenvolvido do que
Portugal, pois fazia-se sentir muito a cultura estrangeira nomeadamente inglesa por
fazer fronteira com a Rodésia hoje Zimbabwe e pela África dos Sul. Era uma colónia
em desenvolvimento em virtude de ser um pais grande e com grandes recursos
económicos, desde os minérios - carvão, ouro, o algodão, café, cacau e outros.
O nível de vida era superior ao nível de vida de Portugal pois os salários eram
superiores o que permitia ter um nível muito melhor.
Em Moçambique antes do 25 de Abril havia muitas escolas, hospitais centro de
saúde onde o acesso era de baixos custos. Não havia muito desemprego.
Em termos de infra-estruturas Moçambique estava mais avançado que Portugal.
Quais foram os primeiros sinais da revolução e como foram vividos?
Os primeiros sinais de revolução não foram de muita manifestação.
Foi a partir dessa data que se começou a ouvir falar em ditadura, pois até aí não se
falava em ditaduras, comunismo, socialismo. Como não havia televisão as notícias
chegavam a Moçambique por rádio e muitas vezes escassa pelo que não se sabia o
que estava a acontecer em Portugal após o 25 de Abril.
As notícias chegavam aos bochechos e quase sempre distorcidas ou manipuladas
pelas forças políticas que fizeram a revolução, nomeadamente o PCP e o PS. Houve
de facto alegria, mas com alguma contenção quando se ouviu dizer que a guerra ia
terminar. Ficou sempre no ar uma expectativa muito grande por parte da
comunidade branca pois não se sabia o que iria acontecer depois da entrada da
Frelimo dos guerrilheiros, como iriam eles comportar-se em relação aos brancos.
Suponho que também existisse algum controle a nível verbal como na Metrópole,
como funcionava?
Sim, existia a PIDE como em todo o país, Moçambique não era excepção.
Na cidade da Beira onde residia havia um departamento da PIDE.
Era uma polícia secreta que recolhia informações sobre a evolução da guerrilha
desencadeada pela Frelimo. Enquanto activa a segurança de todos os cidadãos era evidente
mas a seguir ao 25 de Abril passou a ser um alvo a “exterminar” pelas forças políticas da
esquerda emergentes e pelos militares da Frelimo. Foi uma autêntica caça ao homem.
Nunca se soube o que aconteceu e qual o destino daqueles polícias que foram detidos.
Após a Revolução, Como ficou o país?
Após o 25 de Abril Ainda vivi na Beira 4 meses e a vida corria normalmente, havia de facto
pequenos levantamentos da população negra contra a presença dos brancos mas nada de
muito grave, mas quando começaram as negociações de paz entre Portugal e a Frelimo
e estes começaram a vir para as cidades, então sim o sentimento de insegurança começou
a sentir-se pois os negros vingavam-se nos brancos maltratando-os, roubando-os, violando
as mulheres brancas.
Os negros tomaram essas atitudes, e os brancos que fizeram para se defenderem?
O medo e a insegurança era tão grande que os brancos só tiveram uma alternativa, fugir.
Abandonaram os seus pertences tentando a todo o custo vir para Portugal quer fosse de
avião ou de barco ou até fugir para a Rodésia e África do Sul.
Vim para Portugal deixando lá quase tudo o que tinha. Já em Portugal íamos tendo
conhecimento do que ali se passava através da informação transmitida pela televisão
informação essa que era manipulada pelos governantes de então, governantes que eram
dos partidos da esquerda, transmitindo o que lhes mais interessava e convinha omitindo de
grosso modo as atrocidades que ali se iam cometendo, não só em Moçambique mas como
Angola e Guiné.
Muitas das coisas que lá se passavam, as barbaridades cometidas, sabíamos através
daquelas pessoas que vinham de lá.
Em Moçambique as grandes convulsões político-sociais começaram a 28 de Setembro 1974
em Lourenço Marques, hoje Maputo, com o assalto da Rádio Clube de Moçambique. Ali
foram assassinados alguns brancos portugueses. Daí para a frente foi a destruição, o roubo.
As pessoas brancas eram um alvo a abater, razão pela qual a fuga em massa para Portugal
ou outros países era uma loucura, pois já não interessava os bens que lá tinham mas sim
salvar a vida. O que hoje sei sobre as consequências da entrega do poder político À Frelimo
é de fotografias que amigos enviam. Ficou praticamente tudo destruído.
Com a vinda para Portugal, o que achou?
Era tudo muito diferente. A realidade das coisas não tinha nada a ver com aquilo a que
estava habituado.
Quando cheguei a Lisboa senti-me perdido, a confusão ficou instalada na minha cabeça
com o que se vivia em Lisboa, o trânsito fazia-se de forma diferente, as pessoas sempre a
correr de um lado para o outro enfim…estava habituado a uma vida menos stressada onde
havia tempo para tudo, para pensar, para executar, para falar, uma vida sem sobressaltos.
Estive em Lisboa 3 dias hospedado numa pensão até que os meus pais tratassem dos papéis
para regularizar a nossa estadia em Portugal. Estava desconsolado. Ao fim de 3 dias fui para
a terra dos meus pais e: outro choque emocional. As casas eram muito humildes não estava
habituado a ver e a estar naquelas casas, onde não havia casas de banho nem cozinhas, o
comer era feito ao lume nas lareiras.
Custou ao princípio adaptar-me mas ao fim de 3/4 semanas habituei-me ao modo de vida
passando depois a gostar de ali viver por ser um lugar pacato, as pessoas eram boas, enfim,
passei a adorar aquele local. Daí para a frente foi uma adaptação que acabou por não ser
difícil.
Com que diferenças se deparou entre Portugal e Moçambique?
Achei uma enorme diferença, a única coisa em comum era a língua.
O modo de vida em Moçambique era muito diferente da forma como se vivia em Portugal,
é difícil explicar.
Havia e há uma coisa em comum, quer a população que vivia em Portugal como as que
viviam em Moçambique são uma população acolhedora e amiga de ajudar. Senti isso
quando estive na terra dos meus pais e quando fui residir para Tomar, os colegas da escola
receberam-me de braços abertos, acolhendo-me de uma forma quase familiar, sentindo-
me quase como se estivesse em Moçambique.
Quanto aos bens materiais esses eram secundários na altura não eram importantes para mim pois eu queria era ter amigos, conhecer outras pessoas e a saber viver como e com eles.
Vista panorâmica da cidade da Beira na altura
ConclusãoCom a realização deste trabalho, fiquei com mais noção das dificuldades existentes no tempo Salazarista fora da Metrópole.
As historias já ouvidas em aulas, em conversas de família ou até mesmo da população mais idosa, fez-me ter conhecimento de muitas das vivências da altura. As crianças eram mal tratadas nas escolas, levavam reguadas e castigos bastante severos. Quanto aos empregos muitos não se podiam queixar, recebiam o salário semanalmente e tinham algumas regalias. Em casa ficava a mulher, enquanto o homem ia trabalhar para sustentar enormes famílias. Saídas poucas haviam, o povo da altura era bastante reservado devido as regras estabelecidas pelo estado, em que eram controlados pela PIDE.
Algumas imagens da cidade de Beira actualmente
Grande Hotel na altura
Grande Hotel, actualmente
Mas como o saber não ocupa lugar, realizei este trabalho que como já tinha referido, foi a pedido da Professora de História, Ana Cristina Ferreira, tentando alargar mais os meus horizontes e decidi fazer a entrevista pedida a alguém que tivesse vivido o Salazarismo fora da Metrópole.
José Carlos Miguel, residente na altura na colónia Moçambicana, foi o entrevistado.
Com o testemunho deste, percebi que em Moçambique vivia-se um clima mais calmo. A escola não era tão severa, possivelmente por ser um colégio privado, não havia tanto controlo, mas de resto era tudo muito idêntico.
Contudo não escapou ao controlo da PIDE, e mais tarde sofreu também uma grande Revolução. Após esta, muito portugueses voltaram para a Metrópole, tentando escapar ao sofrimento que se sucedeu após a Guerra.
Este sofrimento começou por não ser muito grave, mas com o tempo foi-se agravando cada vez mais, a população não Moçambicana perdeu a segurança e exactamente quando começaram as negociações de paz entre Portugal e a Frelimo - movimento de libertação que foi fundada em 1962 com o objectivo de lutar pela independência de Moçambique - os Moçambicanos, revoltaram-se contra os povos de outras nacionalidades, e vingaram-se maltratando-os, roubando-os, violando as mulheres brancas.
Bibliografia
http://clubedepatrimonioehistorialocal.blogspot.com/2009/03/testemunho-da-guerra-colonial_509.html