os lusíadas - inês

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OS LUSÍADAS «Passada esta tão prospera vitória, Tornado Afonso à Lusitana terra, A se lograr da paz com tanta glória Quanta soube ganhar na dura guerra, caso triste, e dino da memória Que do sepulcro os homens desenterra! Aconteceu da m"sera e mes#uinha Que despois de ser morta foi $ainha! «Tu só, tu, poro Amor, com for%a crua, Que os cora%&es humanos tanto obriga, 'este causa à molesta morte sua, (omo se fora p)rfida inimiga! *e dizem, fero Amor, #ue a sede tua  +em com lgrima s tristes se mitiga, - por#ue #ueres, spero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano! «.stavas, linda ln/s, posta em sossego, 'e teus anos colhendo doce fruto,  +a#uele enga no da alma, le do e cego, Que a 0ortuna não dei1a durar muito,  +os sa2dosos ca mpos do 3ondego, 'e teus fermosos olhos nunca en1uto, Aos montes ensinando e às ervinhas nome #ue no peito escrito tinhas! «'o teu Pr"ncipe ali te respondiam As lembran%as #ue na alma lhe moravam, Que sempre ante seus olhos te traziam, Quando dos teus fermosos se apartavam4 'e noite, em doces sonhos #ue mentiam, 'e dia, em pensamentos #ue voavam4 . #uanto, enfim, cuidava e #uanto via .ram tudo memórias de alegria! «'e outras belas senhoras e Princesas s dese5ados tlamos en5eita, Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas Quando um gesto suave te su5eita! 6endo estas namoradas estranhezas, velho pai sesudo, #ue respeita murmurar do povo e a fantasia 'o filho, #ue casar7se não #ueria, «Tirar 8n/s ao mundo determina, Por lhe tirar o filho #ue tem preso, (rendo co sangue só da morte indina 3atar do firme amor o fogo aceso! Que furor consentiu #ue a espada fina Que p9de sustentar o grande peso 'o furor 3auro, fosse alevantada (ontra 2a fraca dama delicada: «Traziam7 a os horr"ficos algozes Ante o $ei, 5 movido a piedade4 3as o povo, com falsas e ferozes $az&es, à morte crua o persuade! .la, com tristes e piedosas vozes, *a"das só da mgoa e sa2dade 'o seu Pr"ncipe e filhos, #ue dei1ava, Que mais #ue a própria morte a magoava, «Pera o c)u cristalino alevantando, (om lgrimas, os olhos piedosos ;s olhos, por#ue as mãos l he estava atando <m dos duros ministros rigorosos=4 . despois nos mininos atentando, Que tão #ueridos tinha e tão mimosos, (u5a orfindade como mãe temia, Pera o av9 cruel assi dizia> «*e 5 nas brutas feras, cu5a mente  +atura fez cruel de nasc imento, . nas aves agrestes, #ue somente  +as rapinas a )reas t/m o in tento, (om pe#uenas crian%as viu a gente Ter em tão piadoso sentimento (omo co a mãe de +ino 5 mostraram, . cos irmãos #ue $oma edificaram> «? tu, #ue tens de humano o gesto e o peito ;*e de humano ) matar 2a donzela, 0raca e sem for%a, só por ter sub5eito cora%ão a #uem soube venc/7la=, A estas criancinhas tem respeito, Pois o não tens à morte escura dela4 3ova7te a piedade sua e minha, Pois te não move a culpa #ue não tinha! «. se, vencendo a 3aura resist/ncia, A morte sabes dar com fogo e ferro, *abe tamb)m dar vida com clem/ncia A #uem pera perd/7la não fez erro! 3as, se to assi merece esta inoc/ncia, P&e7me em perp)tuo e m"sero desterro,  +a ("tia fria ou l na L"bia a rdente, nde em lgrimas viva eternamente! «P&e7me onde se use toda a feridade, .ntre li&es e tigres, e verei *e neles achar posso a piedade

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7/24/2019 Os Lusíadas - Inês

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OS LUSÍADAS

«Passada esta tão prospera vitória,Tornado Afonso à Lusitana terra,A se lograr da paz com tanta glóriaQuanta soube ganhar na dura guerra, caso triste, e dino da memóriaQue do sepulcro os homens desenterra!

Aconteceu da m"sera e mes#uinhaQue despois de ser morta foi $ainha!

«Tu só, tu, poro Amor, com for%a crua,Que os cora%&es humanos tanto obriga,'este causa à molesta morte sua,(omo se fora p)rfida inimiga!*e dizem, fero Amor, #ue a sede tua

 +em com lgrimas tristes se mitiga,- por#ue #ueres, spero e tirano,Tuas aras banhar em sangue humano!

«.stavas, linda ln/s, posta em sossego,'e teus anos colhendo doce fruto,

 +a#uele engano da alma, ledo e cego,Que a 0ortuna não dei1a durar muito,

 +os sa2dosos campos do 3ondego,'e teus fermosos olhos nunca en1uto,Aos montes ensinando e às ervinhas nome #ue no peito escrito tinhas!

«'o teu Pr"ncipe ali te respondiam

As lembran%as #ue na alma lhe moravam,Que sempre ante seus olhos te traziam,Quando dos teus fermosos se apartavam4'e noite, em doces sonhos #ue mentiam,'e dia, em pensamentos #ue voavam4

. #uanto, enfim, cuidava e #uanto via

.ram tudo memórias de alegria!

«'e outras belas senhoras e Princesass dese5ados tlamos en5eita,Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezasQuando um gesto suave te su5eita!

6endo estas namoradas estranhezas, velho pai sesudo, #ue respeita murmurar do povo e a fantasia'o filho, #ue casar7se não #ueria,

«Tirar 8n/s ao mundo determina,Por lhe tirar o filho #ue tem preso,(rendo co sangue só da morte indina3atar do firme amor o fogo aceso!Que furor consentiu #ue a espada finaQue p9de sustentar o grande peso

'o furor 3auro, fosse alevantada(ontra 2a fraca dama delicada:

«Traziam7a os horr"ficos algozesAnte o $ei, 5 movido a piedade43as o povo, com falsas e ferozes$az&es, à morte crua o persuade!.la, com tristes e piedosas vozes,*a"das só da mgoa e sa2dade'o seu Pr"ncipe e filhos, #ue dei1ava,Que mais #ue a própria morte a magoava,

«Pera o c)u cristalino alevantando,(om lgrimas, os olhos piedosos;s olhos, por#ue as mãos lhe estava atando<m dos duros ministros rigorosos=4. despois nos mininos atentando,

Que tão #ueridos tinha e tão mimosos,(u5a orfindade como mãe temia,Pera o av9 cruel assi dizia>

«*e 5 nas brutas feras, cu5a mente +atura fez cruel de nascimento,. nas aves agrestes, #ue somente

 +as rapinas a)reas t/m o intento,(om pe#uenas crian%as viu a genteTerem tão piadoso sentimento(omo co a mãe de +ino 5 mostraram,. cos irmãos #ue $oma edificaram>

«? tu, #ue tens de humano o gesto e o peito;*e de humano ) matar 2a donzela,0raca e sem for%a, só por ter sub5eito cora%ão a #uem soube venc/7la=,A estas criancinhas tem respeito,

Pois o não tens à morte escura dela43ova7te a piedade sua e minha,Pois te não move a culpa #ue não tinha!

«. se, vencendo a 3aura resist/ncia,A morte sabes dar com fogo e ferro,*abe tamb)m dar vida com clem/nciaA #uem pera perd/7la não fez erro!3as, se to assi merece esta inoc/ncia,P&e7me em perp)tuo e m"sero desterro,

 +a ("tia fria ou l na L"bia ardente,

nde em lgrimas viva eternamente!

«P&e7me onde se use toda a feridade,.ntre li&es e tigres, e verei*e neles achar posso a piedade

7/24/2019 Os Lusíadas - Inês

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Que entre peitos humanos não achei!Ali, co amor intr"nseco e vontade

 +a#uele por #uem mouro, criarei.stas rel"#uias suas, #ue a#ui viste,Que refrig)rio se5am da mãe triste!@

Queria perdoar7lhe o $ei benino,

3ovido das palavras #ue o magoam43as o pertinaz povo e seu destino;Que desta sorte o #uis= lhe não perdoam!Arrancam das espadas de a%o finos #ue por bom tal feito ali apregoam!(ontra 2 a dama, ó peitos carniceiros,0eros vos amostrais 7 e cavaleiros:

«Qual contra a linda mo%a Policena,(onsola%ão e1trema da mãe velha,Por#ue a sombra de A#uiles a condena,

(o ferro o duro Pirro se aparelha43as ela, os olhos com #ue o ar serena;em como paciente e mansa ovelha=

 +a m"sera mãe postos, #ue endoudece,Ao duro sacrif"cio se oferece>

«Tais contra 8n/s os brutos matadores, +o colo de alabastro, #ue sustinhaAs obras com #ue Amor matou de amoresA#uele #ue despois a fez $ainha,As espadas banhando, e as brancas flores,

Que ela dos olhos seus regadas tinha,*e encarni%avam, f)rvidos e irosos +o futuro castigo não cuidosos!

«em puderas, ó *ol, da vista destes,

Teus raios apartar a#uele dia,(omo da seva mesa de Tiestes,Quando os filhos por mão de Atreu comiaB6ós, ó c9ncavos vales, #ue pudestesA voz e1trema ouvir da boca fria, nome do seu Pedro, #ue lhe ouvistes,Por muito grande espa%o repetistesB

«Assi como a bonina, #ue cortadaAntes do tempo foi, cCndida e bela,*endo das mãos lacivas maltratada'a minina #ue a trou1e na capela, cheiro traz perdido e a cor murchada>Tal est, morta, a plida donzela,*ecas do rosto as rosas e perdidaA branca e viva cor, co a doce vida!

«As filhas do 3ondego a morte escura

Longo tempo chorando memoraram,., por memória eterna, em fonte puraAs lgrimas choradas transformaram! nome lhe puseram, #ue inda dura,'os amores de 8n/s, #ue ali passaram!6ede #ue fresca fonte rega as flores,Que lgrimas são a gua e o nome AmoresB

«+ão correu muito tempo #ue a vingan%a +ão visse Pedro das mortais feridas,Que, em tomando do $eino a governan%a,

A tomou dos fugidos homicidas4'o outro Pedro cru"ssimo os alcan%a,Que ambos, imigos das humanas vidas, concerto fizeram, duro e in5usto,Que com L)pido e António fez Augusto!

«.ste, castigador foi rigoroso'e latroc"nios, mortes e adult)rios40azer nos maus cruezas, fero e iroso,.ram os seus mais certos refrig)rios!As cidades guardando, 5usti%oso,'e todos os soberbos vitup)rios,

3ais ladr&es, castigando, à morte deu,Que o vagabundo Alcides ou Teseu!

«'o 5usto e duro Pedro nasce o brando;6ede da natureza o desconcertoB=,$emisso e sem cuidado algum, 0ernando,Que todo o $eino p9s em muito aperto4Que, vindo o (astelhano devastandoDs terras sem defesa, esteve perto'e destruir7se o $eino totalmente4Que um fraco $ei faz fraca a forte gente!

«u foi castigo claro do pecado'e tirar Lianor a seu marido. casar7se com ela, de enlevado

 +um falso parecer mal entendido,u foi #ue o cora%ão, su5eito e dadoAo v"cio vil, de #uem se viu rendido,3ole se fez e fraco4 e bem pareceQue um ba1o amor os fortes enfra#uece!

«'o pecado tiveram sempre a pena

3uitos, #ue 'eus o #uis e permitiu>s #ue foram roubar a bela Eelena,. com Fpio tamb)m Tar#uino o viu!Pois por #uem 'avid *anto se condena:u #uem o Tribo ilustre destruiu

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'e en5amim: em claro no7lo ensinaPor *arra 0araó, *i#u)m por 'ina!«. pois, se os peitos fortes enfra#uece<m inconcesso amor desatinado,em no filho de Almena se pareceQuando em Gnfale andava transformado!'e 3arco António a fama se escurece

(om ser tanto a (leópatra afei%oado!Tu tamb)m, Peno próspero, o sentiste'espois #ue 2a mo%a vil na ApHlia viste!

«3as #uem pode livrar7se, porventura,'os la%os #ue Amor arma brandamente.ntre as rosas e a neve humana pura, ouro e o alabastro transparente:Quem, de 2a peregrina fermosura,'e um vulto de 3edusa propriamente,Que o cora%ão converte, #ue tem preso,

.m pedra, não, mas em dese5o aceso:«Quem viu um olhar seguro, um gesto

 brando,

2a suave e ang)lica e1cel/ncia,Que em si est sempre as almastransformando,Que tivesse contra ela resist/ncia:'esculpado por certo est 0ernando,Pera #uem tem de amor e1peri/ncia43as antes, tendo livre a fantasia,

Por muito mais culpado o 5ulgaria!