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1 História Oral e Ensino de História: uma experiência escolar em torno de memórias e narrativas RENAN RUBIM 1 Introdução Este trabalho tem como objetivo apresentar a criação e as experiências do projeto de História Oral e Memória no Colégio Estadual Paulo de Assis Ribeiro (CEPAR), localizado em Pendotiba, Niterói, e que teve início por meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/Capes) do curso de História da Universidade Federal Fluminense, grupo coordenado pela Profª. Drª. Juniele Rabêlo de Almeida. Buscar-se-á esclarecer como o projeto surgiu, quais são os seus objetivos, como ele foi posto em funcionamento, como foi o envolvimento dos alunos, que experiências foram vivenciadas e quais são as expectativas e metas para os próximos meses de trabalho. O projeto surgiu em agosto de 2014 a partir de um interesse em utilizar a história oral como uma das possíveis metodologias de investigação histórica e, ao mesmo tempo, estabelecer um diálogo com a educação e com as possibilidades do ensino de história. O trabalho de História Oral e Memória no CEPAR têm como objetivos a integração e o envolvimento dos alunos com o contexto social e histórico em que a escola está inserida, com a história e a memória locais e escolares e com a história de vida dos sujeitos escolares, ou seja, os (ex)funcionários, os (ex)professores e a comunidade. A intenção é estimular os alunos a serem protagonistas do processo de construção do conhecimento histórico e enfatizar o seu papel como sujeito e agente da história. Assume-se também que com o trabalho de história oral é possível potencializar a construção de memórias, reforçar vínculos identitários com a escola e estimular o processo de ensino-aprendizagem entre alunos e professores. Além desses objetivos, ao final do projeto, tem-se como meta montar uma sala memorial com o acervo das entrevistas (áudio e transcrições) e das produções textuais dos próprios alunos que participaram do processo. O trabalho começou com oficinas de orientação e preparação dos alunos para irem a campo realizar as entrevistas. Nessas oficinas foram discutidas as seguintes questões: o que é história oral, quais são os seus propósitos, qual a sua importância, quais são suas questões, 1 Graduado em História na Universidade Federal Fluminense

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História Oral e Ensino de História: uma experiência escolar em torno de memórias e

narrativas

RENAN RUBIM1

Introdução

Este trabalho tem como objetivo apresentar a criação e as experiências do projeto de

História Oral e Memória no Colégio Estadual Paulo de Assis Ribeiro (CEPAR), localizado

em Pendotiba, Niterói, e que teve início por meio do Programa Institucional de Bolsa de

Iniciação à Docência (PIBID/Capes) do curso de História da Universidade Federal

Fluminense, grupo coordenado pela Profª. Drª. Juniele Rabêlo de Almeida. Buscar-se-á

esclarecer como o projeto surgiu, quais são os seus objetivos, como ele foi posto em

funcionamento, como foi o envolvimento dos alunos, que experiências foram vivenciadas e

quais são as expectativas e metas para os próximos meses de trabalho.

O projeto surgiu em agosto de 2014 a partir de um interesse em utilizar a história oral

como uma das possíveis metodologias de investigação histórica e, ao mesmo tempo,

estabelecer um diálogo com a educação e com as possibilidades do ensino de história. O

trabalho de História Oral e Memória no CEPAR têm como objetivos a integração e o

envolvimento dos alunos com o contexto social e histórico em que a escola está inserida, com

a história e a memória locais e escolares e com a história de vida dos sujeitos escolares, ou

seja, os (ex)funcionários, os (ex)professores e a comunidade. A intenção é estimular os alunos

a serem protagonistas do processo de construção do conhecimento histórico e enfatizar o seu

papel como sujeito e agente da história. Assume-se também que com o trabalho de história

oral é possível potencializar a construção de memórias, reforçar vínculos identitários com a

escola e estimular o processo de ensino-aprendizagem entre alunos e professores. Além desses

objetivos, ao final do projeto, tem-se como meta montar uma sala memorial com o acervo das

entrevistas (áudio e transcrições) e das produções textuais dos próprios alunos que

participaram do processo.

O trabalho começou com oficinas de orientação e preparação dos alunos para irem a

campo realizar as entrevistas. Nessas oficinas foram discutidas as seguintes questões: o que é

história oral, quais são os seus propósitos, qual a sua importância, quais são suas questões,

1 Graduado em História na Universidade Federal Fluminense

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quais são seus elementos, como ela é feita e como se faz uma entrevista. Durante o texto

trataremos, de forma mais aprofundada, da estrutura do projeto como um todo, de como ele

foi colocado em prática, da criação, do conteúdo e do funcionamento das oficinas.

Sobre a formação do aluno e a relação entre história oral e ensino de história

Uma das nossas maiores preocupações como professores, e que discutimos na

universidade e experienciamos isso na prática cotidiana das escolas, é como tornar o

conhecimento histórico significativo para a formação intelectual e crítica do aluno. Isso faz

com que um dos objetivos fundamentais do ensino de história seja o de desenvolver a

compreensão histórica da realidade social em diálogo constante com os alunos. Fazer com que

o discente compreenda e explique, historicamente, a realidade em que vive é o principal

desafio para os professores de história.

Tanto os professores como os alunos são sujeitos e agentes da história, caracterizados

pela complexidade, pelas incertezas, pelas particularidades e pelos conflitos de valores. São

portadores de visões de mundo, de interesses e de experiências variadas e diferenciadas, que

abrem múltiplas possibilidades de intepretação, apropriação e ressignificação em cada relação

que estabelecem entre si.

O professor de História do ensino básico é um dos principais responsáveis pela

atribuição de sentido na História como saber escolar. É ele quem mobiliza, com relativa

autonomia, os saberes acadêmicos, os saberes sociais e, segundo Tardiff (2002), os saberes

docentes dentro de sala de aula: saberes disciplinares, curriculares, profissionais/pedagógicos

e, principalmente, os saberes experienciais, que esses professores incorporam ao longo de sua

trajetória pessoal, coletiva e profissional. A História como saber escolar é reinventada em

cada aula, no contexto de situações de ensino específicas, que coloca em constante interação

as características subjetivas do professor, dos alunos e da instituição como um todo, criando

condições para que possa emergir a disciplina e os saberes escolares.

A relação próxima entre o professor e o aluno, o uso de analogias, de comparações, de

ilustrações, de exemplos e também a maneira como o professor opera com o tempo histórico

em sala de aula, ou seja, negociando as distâncias entre passado, presente e futuro, são

fundamentais e determinantes para o sucesso em propiciar uma aprendizagem significativa em

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história, segundo Fernando Araújo Penna (2011).2 Além disso, faz-se muito importante tomar

as experiências dos alunos como ponto de partida para o trabalho com os conteúdos,

estimulando-os a se identificarem como sujeitos da história e produtores de conhecimento

histórico. Esses são um dos principais objetivos do projeto de História Oral e Memória no

CEPAR. Mas como podemos pensar a relação entre história oral e ensino de história?

O projeto foi inspirado nos trabalhos já feitos pelo historiador Paul Thompson, que

desenvolveu projetos de história oral nas escolas com crianças, nos quais elas mesmas faziam

o papel de pesquisadoras e entrevistadoras. Segundo o autor, a história oral é um método de

investigação do passado que tem como natureza a criação, a cooperação, o diálogo e o debate.

O trabalho de campo em história oral propicia o ingresso na vida de outras pessoas e com isso

cria uma experiência humanizada profunda e comovente. Ela estimula o trabalho coletivo,

fomenta e estreita as relações entre as pessoas de uma comunidade, fazendo com que olhem

para dentro e percebam que a comunidade carrega uma história multifacetada de trabalho,

vida familiar e de relações sociais (THOMPSON, 1992:217).

O trabalho de história oral feito na escola ajuda os alunos a desenvolverem habilidades

linguísticas, um sentido de evidência e uma consciência social para o estudo da história

escolar e local. Ao entrevistar e perceber as construções narrativas, a partir das memórias, os

alunos se deparam com evidências e marcas de outros tempos, outros contextos, e se

envolvem na sua avaliação, “vivenciam a história, em nível prático, como processo de

recriação do passado” e desenvolvem habilidades de pesquisa (THOMPSON, 1992: 218-219).

Podem aprender habilidades sociais básicas por meio dos encontros estabelecidos durante as

entrevistas. Desenvolve o tato, a paciência, a capacidade de se comunicar, de escutar os outros

e de fazê-los sentirem-se confortáveis, elementos importantes para a entrevista e para análise

das narrativas produzidas. E o mais importante: além de ter uma visão sobre o processo

histórico, podem ter uma compreensão mais profunda do outro (exercício de alteridade), de

perceber como a experiência do outro, no passado e atualmente, é diferente das suas próprias

2 Para saber mais sobre a concepção de tempo histórico e sua relação com a aprendizagem significativa em história ver: PENNA, F.A. Negociando a distância entre passado, presente e futuro em sala de aula: a relação entre o tempo histórico e a aprendizagem significativa no ensino de história. Anais do XVI Encontro Regional de História da Anpuh-Rio: Saberes e práticas científicas, 2014; PENNA, F. A.; MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: saberes em lugar de fronteira. Educação e Realidade. Porto Alegre, v.36, n. 1, p. 191 – 211, jan/abr. 2011

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experiências, e com isso compreender e sentir-se solidárias, e enfrentar valores e atitudes

conflitantes em relação à vida (THOMPSON, 1992: 220).

A história oral é comumente definida como uma metodologia, uma fonte ou uma

técnica. No entanto, nesse projeto assume-se o seu caráter metodológico, observando os

procedimentos que ultrapassam o momento da entrevista e perpassam o diálogo entre o

entrevistador e o entrevistado. Partimos do pressuposto que,

“A história oral, como todas as metodologias, apenas estabelece e ordena

procedimentos de trabalho [...] funcionando como ponte entre teoria e prática. Esse

é o terreno da história oral – o que a nosso ver, não permite classificá-la

unicamente como prática. Mas, na área teórica, a história oral é capaz apenas de

suscitar, jamais de solucionar, questões; formula as perguntas, porém não pode

oferecer as respostas. As soluções e explicações devem ser buscadas onde sempre

estiveram: na boa e antiga teoria da história. Aí se agrupam conceitos capazes de

pensar abstratamente os problemas metodológicos gerados pelo fazer histórico”

(FERREIRA; AMADO; 1996: 16)

Além disso, assumimos também que a história oral é um “movimento”, um processo

pedagógico, e como a educação, ela é também um ato político, que possui um potencial

transformador (TEIXEIRA; PRAXEDES, 2006: 155). Nessa aproximação entre a história oral

e a educação é importante frisar a relação entre lembrar e aprender, lembrar para aprender.

Segundo as autoras citadas,

“a lembrança torna-se aprendizado quando associada à reinterpretação dos

acontecimentos e das experiências vividas, individual e coletivamente. Neste

sentido, lembrar é, também, ressignificar as experiências pretéritas e presentes”

(TEIXEIRA; PRAXEDES, 2006: 155)

Como uma experiência que possui caráter educativo, a história oral é formadora e

potencializa a condição e a ação dos sujeitos e agentes no mundo. Através da memória e da

narrativa os sujeitos significam a história, reinterpretando-o e ressignificando-o à luz do

presente e dos projetos futuros, produzem conhecimentos e sentidos sobre si e sobre os outros,

se identificam e se distinguem.

A história oral também possibilita o encontro, que acontece no momento da marcação

da entrevista e durante a mesma. O encontro entre o entrevistador e o entrevistado é um

momento de troca, de aprendizagem mútua, um momento de geração de novas experiências.

A aprendizagem do encontro estimula novos projetos e novas entrevistas.

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O contato dos alunos com a história oral permite também que eles percebam como a

história e a experiência individual são intimamente articuladas com a história e a experiência

coletiva de grupos, ou seja, que elas não se encontram isoladas da história, mas sim

participantes de um mesmo processo histórico, que envolve o compartilhamento de memórias,

ideias e ações entre as pessoas. Assim, a nosso ver, isso os ajuda a compreender que eles

também são partícipes desse processo e que eles também fazem a história.

Sobre o projeto

Tendo já esclarecido a base teórica do projeto e quais são seus objetivos, cabe discutir

como ele foi estruturado, como foi posto em funcionamento e quais são as experiências

vivenciadas até agora. Como foi dito anteriormente, são os próprios alunos que marcam as

entrevistas e as realizam, entrando em contato com professores e ex-professores que atuam ou

já atuaram no CEPAR, funcionários e ex-funcionários e ex-alunos. Porém, antes dos alunos

irem a campo, é preciso um processo de preparação e orientação com oficinas sobre o que é

história oral, qual sua importância, como fazer uma entrevista, etc. Foi proposto um

calendário de agosto até o final do ano de 2014 apenas para preparação e realização dessas

oficinas, para que os alunos pudessem se familiarizar com essa nova maneira de compreender

a história e de produzir conhecimento.

Para a viabilização de um projeto que está apenas começando e passando pelas suas

primeiras experiências, foi estipulada a participação de no máximo 15 alunos, com a ideia de

dividi-los em duplas ou trios para cada pessoa a ser entrevistada. Os alunos foram convidados

pessoalmente para participarem do projeto, e a maioria já se encontra envolvida em outros

projetos na escola, como o projeto Jovens Leitores, um grupo de leitura que se reúne na

biblioteca. Foi justamente neste espaço frequentado pelos alunos que se estabeleceu uma

aproximação e o envolvimento dos mesmos no projeto. Grande parte dos estudantes que

participam do projeto de história oral é do 1º e 2º anos do ensino médio. Com isso, as

atividades foram pensadas para serem adequadas a este público, especialmente.

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Todo projeto precisa de um programa de etapas a ser cumprido. Este, no caso, baseia-

se no seguinte: agendamento, elaboração e realização das entrevistas a partir da rede

estabelecida; transcrição e textualização (produção dos textos documentais); autorização dos

narradores (que podem ser gravadas no início das entrevistas ou indicada por meio da

assinatura, pelo entrevistado, da Carta de Cessão); possível entrega dos textos transcritos para

o entrevistado; análise das narrativas - transformar a entrevista em um texto trabalhado,

evidenciando o diálogo entrevistado/entrevistador; possível disponibilização das entrevistas e

das publicações delas decorrentes por meio de critérios de abertura ao público.

Estas são basicamente as etapas e as metas do primeiro semestre de 2015, e se

necessário também será utilizado o segundo semestre para finalizar o projeto. O agendamento

das entrevistas será feito a partir de um “café memória”, ou seja, vamos convidar algumas

pessoas que viveram e vivem a realidade do colégio para um encontro informal com os alunos

e iremos abrir uma caixa de fotos antigas da escola que encontramos no CEPAR, para que

essas mesmas pessoas possam tentar identificar (exercício subjetivo de identificação) quem

está na foto, onde ela foi tirada e de quando elas são datadas. Esse encontro já possibilita a

aproximação e o envolvimento dos alunos com as histórias e as memórias dessas pessoas que

participaram e ainda participam da história da escola, além de facilitar o agendamento das

entrevistas.

A etapa de transcrição e textualização será um desafio por exigir tempo livre e grande

esforço por parte dos alunos. É uma etapa que ainda vamos considerar a possibilidade de ser

feita, porque depende do calendário escolar (provas, trabalhos, outros projetos) e a

disponibilidade dos alunos. Dependendo de como tudo transcorrer, a ideia é transcrever

apenas os trechos mais importantes das entrevistas.

Sobre as oficinas, estas foram estruturadas da seguinte maneira: 1ª oficina: O que é

história oral? Para que serve? Qual sua importância? Quais são suas questões e quais são seus

elementos? ; 2ª oficina: Apresentação e discussão do filme “Narradores de Javé” – Sobre

fontes orais, memórias, experiências e narrativas; 3ª oficina: Como se faz um trabalho de

história oral? Como se faz uma entrevista? ; 4ª oficina: Apresentação de um objeto biográfico

pelos alunos (narrativa pública) e discussão de temas para orientação e elaboração de

perguntas para uma entrevista “teste” dos alunos com um professor escolhido (experiência

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prévia); 5ª oficina: Discussão de temas para orientação e elaboração de perguntas para

entrevistas específicas do projeto sobre história e memória da escola; 6ª oficina: Relatos da

experiência das entrevistas e audição das mesmas; 7ª oficina: Continuação de relatos da

experiência das entrevistas e audição das mesmas; 8ª oficina: Análise das entrevistas pelos

grupos de alunos e produção textual; 9ª oficina: Continuação da análise das entrevistas pelos

grupos de alunos e produção textual.

Na 1ª oficina foram abordadas junto aos alunos, principalmente, questões teóricas e

introdutórias sobre o tema história oral. Neste encontro, foi apresentado aos mesmos: o que é

o projeto, quais são seus objetivos, quais são suas metas práticas, como ele funciona e como

serão as oficinas. Nessa oficina foram discutidos diversos pontos, como: o fato de a história

oral ser um método de investigação - construção e utilização das fontes orais; que a história

oral tem como elementos centrais as memórias e recordações de gente viva sobre seu passado;

que ela nos oferece interpretações de processos históricos e sociais; e que centra sua análise

nas visões e nas versões do passado que nascem da experiência e da narrativa das pessoas.

Sobre a importância da história oral foi apresentado e discutido com os alunos um

trecho escrito pelo Paul Thompson:

“A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida

para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis

vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo.

Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a

história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade.

Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e

autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e

entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das

mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a

determinada época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais

completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados

da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para

uma transformação radical no sentido social da história” (THOMPSON; 1992: 44)

Também foi apresentado e discutido com os alunos os elementos do tempo, da

memória e da narrativa, fundamentais para a história oral. Sobre o tempo foi falado que é uma

vivência concreta e que é um elemento central na história, já que vivemos no tempo, entre

passado, presente e futuro; que o tempo é um movimento que possui permanências e

mudanças; que a história é a ciência dos homens no tempo; que o tempo é dividido em

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sucessão linear (dia após dia) e em simultaneidade social (ao mesmo tempo); que existem o

tempo coletivo (hora do intervalo na escola, por exemplo) e o tempo individual (hora de

tomar banho e escovar os dentes, por exemplo). Também foi debatida a ideia de que o tempo

é suporte na construção de identidades pessoais e coletivas, ou seja, fundamental para

entendermos quem nós somos.

Sobre a memória foi possível problematizar o que lembramos dos acontecimentos

anteriores, distinguimos ontem de hoje, e confirmamos que já vivemos um passado; que é um

ato de lembrar; que é mutável e plena de significados de vida; que tempo e memória andam

juntos, não se separam; que ela também atua como um suporte construtor de identidades

pessoais e coletivas; que é flexível e os eventos são lembrados de acordo com as experiências

vividas no presente.

Observamos aspectos da construção narrativa, da arte de contar; que existe sob a

forma de registros orais ou escritos; que é um instrumento importante de preservação e

transmissão de heranças identitárias e das tradições, como contos, lendas, canções, etc.; que

são importantes como estilo de transmissão, de geração para geração, das experiências mais

simples da vida cotidiana e dos grandes eventos que marcaram a história da humanidade; que

a história oral estimula a arte de narrar, o ato de contar e de relembrar, e a disponibilidade

para escutar; e que a fala, a escuta e troca de olhares na entrevista são importantes de serem

consideradas.

Essas questões teóricas que são bastante abstratas para os alunos foram discutidas por

meio de exemplos e analogias feitas com a realidade dos alunos, buscando facilitar a sua

compreensão. Alguns levantavam a mão para tirar algumas dúvidas e pareciam bastante

interessados. Essas são questões fundamentais para o projeto e que o permeiam

estruturalmente, que voltaram e voltarão a ser tratadas e debatidas nas oficinas. Essa 1ª oficina

foi preparada com base nos seguintes autores: Alberti, 2004; Delgado, 2006; Pollack, 1992;

Portelli, 1991, 1996, 2010; Thompson, 1992.

Na 2ª oficina, assistimos ao filme “Narradores de Javé” com o objetivo de tornar as

questões teóricas da 1ª oficina mais concretas e palpáveis para os alunos, facilitando o seu

entendimento. Os alunos gostaram bastante do filme por acharem ele dinâmico, engraçado e

por te ajudado a esclarecer alguns pontos que havíamos conversado na oficina anterior. Logo

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em seguida nós montamos uma roda e discutimos sobre como aspectos da história oral

aparecem no filme; sobre como são construídas as fontes orais; sobre a multiplicidade da

memória e sobre como as experiências de vida de cada um modifica a narrativa de uma

maneira específica produzindo diferentes versões e interpretações do passado; sobre a relação

entre o entrevistador e o entrevistado e como a visão de cada um influencia e modifica o

relato sobre o fato; sobre a noção de verdade e de mentira, etc.

Na 3ª oficina discutimos como se faz um projeto de história oral e como se faz uma

entrevista. Nesta oficina abordamos questões mais pragmáticas: como elaborar um roteiro de

perguntas para entrevista; quais são as pessoas que queremos e podemos entrevistar; como

utilizar o gravador; sobre o lugar da entrevista, onde o entrevistado possa se sentir

confortável, mas também um lugar silencioso e sem barulho que possa comprometer o áudio;

sobre a cópia, nomeação e datação do arquivo, seguida da carta de autorização para

publicação da entrevista; sobre como se portar numa entrevista, com respeito diante do

entrevistado, e com disposição e atenção para escutá-lo; sobre prestar atenção no “clima” da

entrevista e como o entrevistado reage a certas perguntas, considerando seus gestos e suas

expressões faciais, os silêncios; sobre não questionar ou refutar que o entrevistado está

dizendo na hora, e aceitar a sua ênfase e evitar interromper toda hora, etc. Também nessa

oficina levantamos algumas entrevistas feitas em outros projetos para que eles ouvissem e já

tivessem uma primeira aproximação com o assunto.

Na 4ª e ultima oficina do ano combinamos de discutir temas para orientação e

elaboração de perguntas para uma entrevista “teste” dos alunos com um professor escolhido,

para que eles tenham uma experiência prévia de como é feita uma entrevista. Eles se

dividiram em dupla e tiveram que marcar uma entrevista com um professor. No dia da oficina,

debatemos uma série de temas possíveis para o roteiro e os próprios alunos formularam as

perguntas.

A maioria dos alunos não conseguiu marcar a entrevista com o professor, por causa do

final do ano letivo. Apenas três alunas conseguiram marcar e realizar uma entrevista com a

professora de História Maria Gabriela. A entrevista aconteceu na biblioteca e as três alunas

demonstraram, a partir da preparação prévia, autonomia na condução. A professora foi muito

simpática e solícita em ajudar, o que contribuiu para que as alunas ficassem calmas. Ao final

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da entrevista as alunas expressaram a satisfação com aquela experiência e afirmaram que

estavam aprendendo bastante.

Além da preparação do roteiro de perguntas nessa 4ª oficina, combinamos que todos

levassem seu próprio objeto biográfico, algum objeto que lhes tenham marcado a vida e que

lhes representasse, algo que evocasse lembranças de pessoas, acontecimentos e momentos. No

final da oficina fizemos uma roda e cada um apresentou seu objeto. Essa experiência foi feita

com o intuito dos alunos se aproximarem do tema da narrativa pública e também perceberem

como cada um tem sua própria história e trajetória de vida, suas memórias, suas conquistas,

seus dilemas e seus problemas, que são tanto pessoais quanto coletivos. Além disso, puderam

ouvir e contar histórias, compartilhar momentos especiais e emoções, e estreitar ainda mais os

laços de amizades que eles já cultivavam.

Este semestre, como já foi dito, será de agendamento, elaboração e realização das

entrevistas com as pessoas escolhidas. Após as entrevistas feitas pelos alunos, voltaremos

com o calendário das oficinas para a audição e análise conjunta das entrevistas e logo em

seguida os alunos irão produzir um texto escrito sobre as suas impressões acerca do projeto,

sobre suas experiências na entrevista e sobre as análises feitas. Todo material produzido

durante o projeto (áudio das entrevistas, fotos, textos dos alunos) irá compor um memorial

sobre a história do CEPAR. Já conseguimos uma sala que será reservada para a concretização

desse objetivo.

Por fim, pode-se observar que este projeto envolve elementos fundamentais tanto da

história oral quando do ensino de história: o estimulo à experiência docente e à formação

docente vivenciada na realidade escolar; o contato e estabelecimento de relações entre alunos,

professores e funcionários da escola, ou seja, que compartilham ideias, valores,

representações e práticas dentro de uma cultura escolar específica; a contribuição para o

ensino de história, no sentido de aproximar o aluno da produção do conhecimento histórico,

enfatizando o seu papel de sujeito e agente do processo histórico, fazendo-o perceber que as

histórias individuais estão intimamente vinculadas à história social, e que o passado possui

estreita relação com o presente e com as visões do futuro; e o fortalecimento de laços entre

professores, alunos e a escola, já que os alunos serão os protagonistas do projeto e das

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entrevistas e, portanto, entrarão em contato direto com professores e funcionários e,

principalmente, com a história e a memória da escola.

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