história, imprensa, discurso e representação: das revoltas republicanas ao golpe do estado novo

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Esse livro é resultado de uma proposta de pesquisa da disciplina de História Brasileira II, dos cursos de História Bacharelado e Licenciatura da Universidade Federal do Rio Grande - FURG; ministrada pela professora doutora Júlia Silveira Matos. Nessa proposta, os formandos receberam como temática as Revoltas da República Velha, Canudos, Contestado, Revolução Federalista, Revolta da Chibata, 18 do Forte e Tenentismo. Como fonte lhes foi proposta a imprensa, com intento de análise da construção das imagens destes eventos frente à população brasileira. Ao final da proposta percebemos que, em alguns casos, como no estudo de Canudos, as representações da imprensa no período contribu[iram para a elaboração de um imaginário que se legitimou na própria historiografia posterior.

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Copyright ©2010 dos autores

Todos os direitos desta edição reservados àPLUSCOM EDITORA

Projeto gráfico, diagramação e capa:Plus Propaganda - www.pluspropaganda.com

Coleção Humanidades

Conselho Editorial:Prof. Dr. Elio Flores (UFPB) Prof. Dr. Francisco das Neves Alves (FURG)Profª Drª Júlia Silveira Matos (FURG)Prof. Dr. Luiz Henrique Torres (FURG)Prof. Dr. Moacyr Flores (FURG)

História, Imprensa, discurso e representação: das revoltas republicanas ao golpe do Estado Novo / Júlia Silveira Matos, Derocina Alves Campos Sosa, Carmem G. Burgert Schiavon (orgs). Rio Grande: Pluscom, 2010.

Vários autores.BibliografiaISBN 978-85-62983-03-0

1. História do Brasil - República - 2. História do Rio Grande do Sul.I. Matos, Júlia Silveira (org.) II Sosa, Derocina Alves Campos (org.) III Schiavon, Carmem G. Burgert (org.)

CDU:94(81) CDD-981

H62999

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Pluscom Editora

(Pluscom Comunicação Ltda)Rua 19 de Fevereiro, 550 / 301 - Centro

96200-490 - Rio Grande - RS - Brasil+55 53 3232.1972 - [email protected]

www.editora.pluspropaganda.com

2010

Impresso no Brasil - Printed in Brazil

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à GUISA DE APRESENTAçãO

“Todo o universo visível não passa de um depósito de imagens e signos aos quais a imaginação dará um lugar e um valor relativos; é um tipo de pasto que a imaginação precisa digerir e transformar”.

Charles Baudelaire

Em “A poética do Devaneio”, o poeta e filósofo Baudelaire discorreu sobre a cons-trução da imagem poética, que para ele era uma origem absoluta, uma origem de consciência. Para Baudelaire a consciência de si e do mundo “somente” podem seguir e desenvolverem-se sob a perspectiva do devaneio poético, um devaneio que a poe-sia coloca na boa inclinação. Sendo assim, a construção de uma imagem identitária seria apenas imagem poética, fruto da tomada de consciência. Esta mesma conclusão filosófica encontramos em Joé Bousquet, (1958), quando este afirmou “num mundo que nasce dele, o homem pode tornar-se tudo”. É a idéia de mundo criada através da pena, caneta e teclados de poetas, filósofos e historiadores, desde a antiguidade. Nesta direção, podemos afirmar que a noção de identidade é resultado de uma construção, fruto de uma tomada de consciência, ou tentativa da mesma.

Assim, para a identidade deste homem construído em seu meio, percebemos o poder das palavras, que para Baudelaire eram assexuadas como nós, e como nós mem-bros do Logos, “como nós, buscam sua realização em um reino de verdade; suas re-beliões, suas nostalgias, suas afinidades, suas tendências são, como as nossas, iman-tadas pelo arquétipo do Andrógino”. Esse poder de realização das palavras, versus a aspiração de alcance da verdade, que resultam, muitas vezes, em rebeliões ou tradições de pensamento compõe a transcendência do discurso.

Como nas palavras de Eni Orlandi, é inegável o papel do discurso como constitu-

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tivo das consciências coletivas. Assim, para nós o estudo da consciência de si é análise dos discursos, dos conteúdos, hermenêutica que nos reporta para uma “arqueologia do saber”,1 da imagem poética dos autores que em certo momento de suas vidas dedi-caram-se à construção da identidade de seu povo, por meio da narração de sua visão sobre o mesmo.

Assim, o discurso como constitutivo e constituído por ideologias2, na contempora-neidade, tem grande atuação através da imprensa, seja ela escrita ou midiática. Atual-mente, a internet, a televisão ou o cinema constituem os principais veículos de massifi-cação e veiculação das ideologias, enquanto a imprensa escrita hoje perde espaço para esses instrumentos de comunicação. No entanto, os jornais no início do século XX, mesmo considerando os altos índices de analfabetismo no Brasil, eram os principais espaços e instrumentos de divulgação das idéias. Dessa forma, hoje, a imprensa é fon-te importante para compreendermos os atos de construção das imagens dos eventos históricos.

A partir dessa percepção, na presente obra, reunimos trabalhos que se propuseram a analisar a construção e a representação via imprensa da imagem das Revoltas na República Velha e da era Vargas, de forma a realizar um elo entre o local e o nacional e, ainda, do processo revolucionário de 1930 até a análise das articulações que resul-taram na implantação do Estado Novo no Brasil, em 1937. Muitos dos trabalhos busca-ram analisar as diferenças entre o discurso da imprensa riograndina, riograndense e a nacional, seja carioca ou paulista. Dessa forma, cada capítulo desse livro foi dedicado ao estudo de uma revolta republicana, que marca a fragmentação política da República Velha, assim como em seus capítulos finais, do início do governo Vargas até seu golpe do Estado Novo.

Esse livro abarca o resultado de uma proposta de pesquisa da disciplina de História Brasileira II, dos cursos de História Bacharelado e Licenciatura da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, ministrada pela professora doutora Júlia Silveira Matos, no pri-meiro semestre do ano de 2010. Nessa proposta, os formandos receberam como temá-tica as Revoltas da República Velha, Canudos, Contestado, Revolução Federalista, Re-volta da Chibata, 18 do Forte e Tenentismo. Como fonte lhes foi proposta a imprensa, com intento de análise da construção das imagens desses eventos frente à população

1 Conceito gestado por Michael Foucault em sua obra “Arqueologia do Saber”.

2 Aqui não trabalhamos com o conceito de Karl Marx, de falsa consciência, mas com o conceito proposto por Michael Löwi, que apresenta as ideologias como visões de mundo, ou seja, a forma como os indivíduos se auto-representam e representam o mundo a sua volta, a própria justificação das existências dos grupos humanos em sociedade. Ver mais: LÖWI, Michael. Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1995.

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da época. Tal objetivo nos reportaria a parte do imaginário que se constituiu a época dos acontecimentos entre a população brasileira. Ao final da proposta percebemos que em alguns casos, como no estudo de Canudos, as representações da imprensa no período contribuíram para a elaboração de um imaginário que se legitimou na própria historiografia posterior.

O presente livro está divido em 10 capítulos seqüenciados cronologicamente. No primeiro capítulo os autores, Hardalla Santos do Valle, Lisiane Costa Claro e Felipe Saião Ferreira, analisaram como foi apresentada na imprensa riograndina, nesse caso, no jornal Echo do Sul, a revolta de Canudos, um evento que marcou a história do iní-cio da República Velha. Em seguida, no segundo capítulo temos, dos autores Antônio Pereira Neto, Maria Clara L. Hallal, Treyce Ellen Silva Goulart e Rodrigo de Assis Brasil Valentini, O Contestado e a análise da ausência desse evento na imprensa local. Esse silêncio promovido pela imprensa, muito chamou a atenção dos pesquisadores, como discorrem no capítulo, devido a proximidade geográfica entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.

A Revolução Federalista não poderia ser esquecida, evento de cunho político que ocorreu em nosso Estado no final do século XIX e que marcou as rivalidades que aden-traram o século XX, foi muito bem trabalhada pelos autores Ana Paula Gonçalves das Neves, Michele Borges Martins, Diego de Lemos Ávila e Diego Freitas Garcia. Na mesma direção, a Revolta da Chibata foi analisada na imprensa riograndina por sua representa-ção no nível local. Nessa análise, os autores Gilberto Alves da Silva Jr, Ivo Pedro Rocha de Moura, Maira Eveline Schmitz, Susan Zille Machado, consideraram a grande presen-ça do tema na imprensa local, uma reação a relação temática com a realidade da cidade do Rio Grande que também era portuária. A Revolta da Armada foi abordada de forma crítica pelos autores Diogo Prietto Tribino, Gláucia Casagrande Peripolli, Leonardo Pa-radeda Medeiros e Luisa Kuhl Brasil, que evidenciaram a imprensa como um instru-mento de construção dos eventos, ou seja, um filtro de representação do passado que deveria ser analisado com cuidado ao se estudar o fenômenos do passado.

Nos três capítulos subseqüentes tivemos as origens e a consolidação do movimento tenentista analisados. Primeiramente, através dos jornais cariocas, sob a autoria de Cla-ra da Rosa, Gislania Kreniski, Lidiane Friderichs e Luiane Soares Motta, a representação no calor dos acontecimentos do movimento do Forte de Copacabana de 1922. Após seguimos para outro capítulo que abordou de forma problematizadora o próprio movi-mento tenentista e a coluna Prestes, de autoria de Ana Cláudia Borges Saraiva, Fabiano Mello da Costa, Helio Braum e Eduardo Luiz Enderle de Oliveira, por fim, concluímos essa temática com uma análise da apropriação da imagem dos tenentes na campanha

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eleitoral de Getúlio Vargas entre 1929 e 1930, de autoria de Júlia Silveira Matos.Os dois capítulos finais desse livro, não fizeram parte do projeto aqui apresentado,

centrado na análise das revoltas republicanas através da imprensa, no entanto, agre-gam a esse livro e enriquecem sua proposta, por tratarem de fatos decorrentes da crise República Velha, evidenciada justamente pelas revoltas aqui analisadas, o início do go-verno varguista e seu Estado Novo. Assim, o nono capítulo desse livro, de autoria de Derocina Alves Campos Sosa, discute o papel da imprensa riograndense como veículo de debate e defesa das idéias democráticas em meio a centralização política promovida pelo governo Vargas, entre os anos de 1930 e 1940. No capítulo final dessa obra, temos, sob autoria de Carmem G. Burgert Schiavon, a análise da formação do cenário político nacional que levou, na década de 1930, a deflagração do Golpe do Estado Novo.

Adriana Kivanski de Senna e Júlia Silveira MatosJulho de 2010

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SUMÁRIO

Canudos e suas interpretações Hardalla Santos do Valle, Lisiane Costa Claro, Felipe Saião Ferreira ........................... 09

O caso do Contestado Antônio Pereira Neto, Maria Clara Lysakowiski Hallal, Rodrigo Assis Brasil Valentini, Treyce Ellen Silva Goulart ...............................................................................................21

A lei da rolha: censura e Revolução Federalista Ana Paula Gonçalves das Neves, Diego de Lemos Avila, Diego Freitas Garcia, Michele Borges Martins ...............................................................................................................29

Marcas da Chibata: uma análise sobre a repercussão e as interpretações acerca da revolta dos marinheiros Gilberto Alves da Silva Jr, Ivo Pedro Rocha de Moura, Maira Eveline Schmitz, Susan Zille Machado .............................................................................................................35

A Revolta da Armada e suas repercussões por meio do “Jornal do Commércio” Diogo Prietto Tribino, Gláucia Casagrande Peripolli, Leonardo Paradeda Medeiros, Luísa Kuhl Brasil ..........................................................................................................51

A mídia ontem e hoje: o Forte de Copacabana visto por meio do Jornal do Commercio de 1922 e da Internet, nos dias atuais Clara da Rosa, Gislania Kreniski, Lidiane Friderichs, Luiane Motta ..............................61

O Tenentismo e a imprensa rio-grandina Ana Cláudia Borges Saraiva, Fabiano Mello da Costa, Helio Braun, Eduardo Luiz Enderle de Oliveira .............................................................................................................75

A Coluna Prestes na Imprensa: a solidificação do mito Júlia Silveira Matos ...............................................................................................87

As representações Políticas na Imprensa entre as décadas de 1930 e 1940 Derocina Alves Campos Sosa...................................................................................95

As principais articulações durante a década de trinta no Brasil: o Estado Novo à vista Carmem G. Burgert Schiavon ................................................................................115

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CANUDOS E SUAS INTERPRETAçõES

Hardalla Santos do Valle1

Lisiane Costa Claro2 Felipe Saião Ferreira3

INTRODUçãO

Um massacre. Assim pode ser definido o confronto entre o exército e os integrantes do movimento popular de fundo sócio-religioso do Arraial de Canudos. Nessa pers-pectiva, almejamos com esse trabalho, analisar alguns pontos desse conflito tendo por base notas publicadas nos jornais da cidade do Rio Grande, principalmente o “Echo do Sul”, visto que, as notas da imprensa nos instigaram uma série de questionamentos: Quem realmente foi Antonio Conselheiro? Um homem que indignado lutou contra a realidade de miséria e descaso da sua comunidade ou somente um fanático religioso? O que representou Canudos frente ao contexto da República que se instaurava? Quais as conseqüências desse conflito?

Assim sendo, para o entendimento de quem lê, começamos discorrendo a crono-logia dos fatos que constituíram todo o conflito, baseados na obra “Os Sertões” de Euclides da Cunha, que foi um sociólogo, repórter jornalístico, historiador, geógrafo, engenheiro, poeta e escritor que tinha relações tanto com os republicanos como com

1 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

3 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

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os militares, o qual foi enviado para Canudos como repórter do jornal e adido ao estado-maior do ministro da Guerra, assim permanecendo quase até o final do conflito e publicando sua obra cinco anos depois.

Logo após, realizamos a análise sobre como o assunto é abordado pelo jornal “Echo do Sul” da cidade do Rio Grande, que devido às relações político partidárias de seus idealizadores, expõem os fatos de uma maneira unilateral e totalmente subjetiva, instigando o leitor a pender para suas próprias ideologias. Assim sendo, passamos posteriormente a discutir a figura de Antonio Conselheiro e suas duas visões dissemi-nadas: a de um fanático religioso que usava o povo para atender suas insanidades e a de um homem revoltado com a situação de sua comunidade.

Por último, analisamos o panorama político social que suscitou a revolta de Canu-dos e as conseqüências que o conflito ocasionou frente a política e a sociedade da épo-ca, objetivando com isso entender em que medida Canudos entrou em oposição aos interesses vigentes. Consideramos que com a análise mais ampla desse conflito e do contexto que o permeou, esse trabalho permite viabilizar um novo olhar sobre os fatos históricos, principalmente sobre os conflitos, que como Canudos tem sua dissemina-ção embasada nos interesses da época e que, por esse motivo, ainda hoje, merecem ser analisados e discutidos.

CANUDOS E EUCLIDES DA CUNHA

O relato que aqui expomos é um breve resumo do que é publicado na obra “Os Sertões de Euclides da Cunha”. Sendo interessante salientar alguns pontos relativos a obra como sua divisão interna, que é influenciada pela concepção naturalista da História, defendida pelo professor historiados francês Taine, que no seu livro “Histoire de la Littérature Anglaise” (1863), coloca que a história é determinada por três fatores : meio,raça e momento. Fatores esses que são considerados por Euclides da Cunha ao dividir “Os Sertões” em três partes correspondentes aos fatores de Taine: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta”. Tal influência é perceptível já no começo do livro, pois é do historiador francês a citação que consta na nota preliminar do livro a qual traz a idéia que o “narrador sincero” deveria ser capaz de se sentir um bárbaro entre os bárbaros, com um antigo entre os antigos.

Além disso, outro aspecto interessante de ser mencionado é a questão dos termos utilizados pelo autor, como “sub-raça sertaneja”, e “no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes”, o que possibilita entender que Euclides da Cunha era adepto tanto do determinismo biológico quanto do darwinismo social, e que esse

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considerava os jagunços sertanejos como pessoas de uma raça inferior frente aos “ci-vilizados” que avançavam rumo a Canudos. Contudo, também notamos que o autor é ambíguo em suas asserções, pois mesmo julgando “evoluídos” os republicanos, esse cita que os ataques a Campanha de Canudos constituía em um retrocesso e um crime. (GALVãO, 1998: 14)

No livro o autor nos conta que o sertão era um ambiente extremamente inóspito e permeado de dificuldades, analisa a figura do sertanejo e sua “mestiçagem”, igual-mente importantes são as descrições do tipo de vida e dos costumes. O autor mostra, a seu modo, como esses homens simples viviam, as suas relações com os animais e com a natureza local, bem como o seu “fanatismo” religioso e sua forma de pensar. Assim nos preparando para o relato histórico, nos inserindo detalhe a detalhe no contexto sertanejo.

Em suma, o acontecido foi que em 1896, a seca, violência, fome e a miséria no Nordeste eram muito grandes e isso afetava principalmente a parcela da população mais carente. Toda essa situação, em conjunto com a forte religiosidade que se concen-trava na figura de Antonio Conselheiro, desencadeou um grave problema social. Em novembro do mesmo ano, no sertão da Bahia, foi iniciado este conflito civil. Devido a enorme proporção que este movimento adquiriu, o governo da Bahia não conseguiu por si só segurar a grande revolta que acontecia em seu Estado, por esta razão pediu a interferência da República. Esta, por sua vez, também encontrou muitas dificuldades para conter os fanáticos.

Somente no quarto combate, onde as forças da República já estavam mais bem equipadas e organizadas, os combatentes de canudos foram vencidos pelo cerco que os impediam de sair do local no qual se encontravam para buscar qualquer tipo de alimento e por isso, muitos morreram de fome. O massacre foi tão grande que não escaparam da morte e da violência idosos, mulheres e crianças. Também é importante mencionar que o conflito teve a duração de quase um ano, até 05 de outubro de 1897, cujo movimento era formado principalmente por “fanáticos”, jagunços e sertanejos sem emprego.

A IMPRENSA DA CIDADE DO RIO GRANDE

Na imprensa de Rio Grande, o conflito de Canudos é frequentemente mencionado nos anos de sua ocorrência. É indispensável lembrar que a sociedade rio-grandina, ao final do séc. XIX havia aumentado numericamente (cerca de 30 mil habitantes). Era constituída, no seu ápice, por uma elite composta por pessoas ligadas ao comércio,

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donos das grandes propriedades pecuário-charqueadoras e por militares da alta paten-te. Já os escravos, empregados urbanos, pastoris ou aqueles os quais trabalhavam na produção de charque formavam a base da sociedade. O operariado no final do século representará uma classe intermediária, já que se iniciavam os processos de industriali-zação. (ALVES, 2002:126)

Este campo de significativo crescimento econômico, avanço urbano, expansão populacional e relativo progresso cultural tornou-se fértil às práticas jornalísticas que evoluíram consideravelmente junto à comuni-dade rio-grandina, durante o século XIX, e o próprio desenvolvimento da imprensa também serviu à caracterização da cidade como um dos mananciais de civilização da sociedade rio-grandense (...) A agitação política, característica do processo de emancipação política brasileiro, teve a imprensa como significativo veículo de difusão dos divergentes ideais de então, publicando-se jornais (...) (ALVES, 2002:127;131)

Assim, a imprensa rio-grandina foi primordial no contexto do estado e, portan-to destacada no Rio Grande do Sul e no país. Possuía reconhecimento qualitativo e quantitativo. Foi uma das primeiras cidades a ter a circulação de jornais. Conforme Francisco das Neves, a imprensa da cidade nas três últimas décadas do século XIX tem seu apogeu alcançado e grande credibilidade jornalística no momento da ocorrência de Canudos. Nessa perspectiva, o jornal que aqui destacamos é o “Echo do Sul”, no qual estudamos seu discurso e maneira de exposição dos fatos relacionados ao conflito de Canudos.

Esse jornal teve duração desde a década de 50 do século XIX até a década de 30 do século XX. Foi criado na cidade de Jaguarão e passou a ser editado na cidade de Rio Grande. Tornou-se uma publicação de natureza política, literária e comercial. No inicio de sua jornada o periódico optou por uma orientação partidária de seu discurso filiando-se ao Partido Conservador e por volta de 1880 o jornal torna-se num “órgão partidário”. De acordo com as necessidades políticas do Período Imperial a folha mol-dou sua construção discursiva, teve que ajustar-se à circunstância.

Na república manteve sua conduta pautada no partidarismo, no início apoiou os novos governantes e depois partiu para uma postura de aberta oposição, se manten-do na resistência e combatendo os situacionistas na transição Monarquia-República na conjuntura do Rio Grande do Sul. Sempre se mostrou claramente contrário ao sistema Castilhista-Borgista e manteve o espírito oposicionista mesmo pós Revolução Federalista. Só mudando sua posição na primeira década do séc. XX para garantir sua sobrevivência, visto que essa fase do jornalismo era desejosa de ser independente à

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questões partidárias.O Jornal afirmava sua ideologia, mesmo com a perda do Partido Republicano Fe-

deral, “o periódico valorizava o fato de que ‘de norte a sul, a oposição avolumava-se, consciente do papel que lhe estava prescrito pelo dever’”. Assim, reagia de forma enfá-tica no que se refere à possibilidade de no Rio Grande do Sul os deputados escolherem Julio de Castilhos para governar, já que o castilhismo para o periódico deturpava os princípios e não seguia a moral. Porém, apesar do contentamento com a derrota cas-tilhista, permaneceu criticando sua figura e pouco e pouco o foi também passando a promover uma aproximação cada vez mais intima com o pensamento e com as práticas republicanas.

Nessa perspectiva, nada mais óbvio do que o Arraial de Canudos, que era conside-rado de cunho monarquista, ser constantemente em suas notas rechaçado, colocando seu povo na posição de ignorantes que eram utilizados como “massa de manobra” por Antonio Conselheiro, que era considerado um oportunista cruel que se aproveitava da comunidade para concretizar os ideais sem sentido de louco, fanático que se julgava um messias.

Foi assim que Mahomet se eternizou, será talvez assim que Antonio Conselheiro chegue a crear uma religião por mais absurda que ella pa-reça aos civilizados, mas que será sem duvida adaptada aos ignorantes que no Brazil são em grande número (Echo do Sul, Rio Grande, 7 de Janeiro de 1897).

Nesse trecho do jornal “Echo do Sul”, percebemos de uma forma clara que, para defender suas ideologias, os moradores de Canudos eram expostos em um papel de subserviência ao seu líder que ocorria por falta de conhecimento, cultura, que caso tivessem, poderia ajudá-los a identificar um charlatão. Por outro lado, a secularização da republica jamais era mencionada.

Será somente a ignorância do povo o motivo de sua força e de seu poder? Não. Antonio Conselheiro usa também a fé crista que está enfra-quecida (Echo do Sul, Rio Grande, 10 de Janeiro de 1897).

A nota acima, explicita a forma como era apresentada a religiosidade de Antonio Conselheiro, instigando o leitor a duvidar dessa fé e entender quais articulações pode-riam existir, quais as possibilidades de aproveitamento que esse homem poderia estar exercendo sobre a fé, que estava com seus ideais enfraquecidos frente às novas idéias revolucionarias que surgiam naquele período.

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Continuam a chegar noticias de Canudos animadoras noticías. Os ini-migos estão completamente desmoralizados. Persistem, porém, em não render-se. Os generais Artur Oscar e Carlos Eugenio percorreram as linhas de fogo, mandando o primeiro assentar o canhão Krupp a me-nos de 100 metros do reducto do inimigo. O bombardeio recrudesce. A nova igreja está quase extinta. Victoria eminente (Echo do Sul, Rio Grande, 12 de Janeiro de 1897).

Como apresenta a nota, noticias detalhadas da batalha eram publicadas frequente-mente, sem preocupação alguma em esconder suas asserções. Mortes, bombardeios e qualquer ato que demonstrasse a possível vitória da república eram comemorados. Sendo interessante ressaltar, assim como na obra de Euclides da Cunha os termos uti-lizados para definir a população de Canudos, que no jornal podemos entre tantos citar “os ignorantes”, “fanáticos da Bahia” e “seres inferiores”.

Francisco das Neves Alves bem elucida a posição que o jornal assumiu contrário a qualquer pensamento o qual não fosse de encontro aos seus anseios e princípios, os quais Canudos certamente não estava... “O jornal propunha uma guerra a ditadura; para isso, proclamava a oposição para que ‘visando o bem comum, se erguesse em plena atividade, a disputar no campo eleitoral e pelos outros meios legalmente per-mitidos, a verdade do sistema republicano, que vivia deprimido pelos detentores do poder’”.

Outro elemento interessante é a maneira como a figura de Prudente de Moraes é exposta para o leitor, como um apoiador da monarquia, frente à realidade de pro-gresso que se instaurava, pois esse relatou publicamente que não considerava que a comunidade de canudos lutava contra a República, mas sim contra sua secularização, suas falhas. Fato que indignou os republicanos.

Tais informações apenas nos deixam claro que o jornal “Echo do Sul” agia de forma extremamente parcial, expondo suas asserções como um edital de denúncia que por considerar o movimento de Canudos monarquista, e por isso, contrario as suas idéias, deveria ser exposto como loucos ou fanáticos que nada acrescentavam ou tinham razão em suas opiniões manifestadas.

Apesar dessa clara posição política definida e exposta no periódico Echo do Sul, foram encontradas notas sobre o final do conflito que transcorria na Bahia as quais são de teor informativo e não são confirmadas com comentários sobre o posicionamen-to da redação desse jornal. Entretanto, não seria necessário já que tais notas foram retiradas - como está registrado no próprio Echo - do Jornal “O Artista”: “- Continua a fuzilaria dia e noite. Por ser menos intensa calcula-se a fraqueza do inimigo.(...)- As perdas deles são enormes; as nossas insignificantes” (Echo do Sul, Rio Grande, 3 de

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outubro de 1897).Indubitavelmente, a partir da leitura de Alves, o jornal referido passou por momen-

tos de muita imparcialidade, já que teve em sua gênese uma tendência em assumir um papel político-partidário, entretanto, conforme o tempo foi transcorrendo houve a ne-cessidade de lidar com as mudanças políticas, mas por vezes deixava transparecer sua postura. Durante o período do conflito em pauta, declarava-se contrário a periódicos os quais ganhavam público com o partidarismo e à imprensa que levava seu percurso a atirar insultos e só dar notícias de interesse aos seus princípios. No entanto, procurava garantir a defesa dos ideais republicanos, o que é percebido na citação acima através dos termos “inimigo”, “deles” e “nossas”.

A FIGURA DE ANTONIO CONSELHEIRO

Antonio Conselheiro tanto no Livro “Os Sertões” quanto pela imprensa Rio-Grandi-na é tratado como um messias, um líder religioso, um fanático. Notas do jornal “Echo do Sul” chegam a afirmar que o líder de Canudos era um homem cruel que se aprovei-tava da ignorância do seu povo para estipular suas vontades e suas asserções monar-quistas. (Echo do Sul,1º de Janeiro de 1897).

No entanto, realizando a pesquisa sobre o assunto e tendo conhecimento das ver-tentes de quem escrevia a história da época fomos obrigados a questionar essa figura emblemática de Antonio Conselheiro, pois inserido em um meio de miséria e difi-culdades e consciente que a administração política da localidade e do país pouco se importava com o povo, qual terá sido realmente a motivação desse homem? Será que ele realmente era um louco religioso ou ele usou a crença religiosa para dar esperança e motivação a luta para uma população que já não tinha esperanças de melhorias so-ciais? Por que não pensar nessa possibilidade? Visto que esse homem afirmava ter sido enviado por Deus para acabar com as diferenças sociais e também com os pecados republicanos.

Não podemos ignorar a dimensão específica do indivíduo. Como discorre o autor Rogério Souza Silva, Antonio Conselheiro pode ser considerado um homem de seu tempo, vivido a partir das especificidades de sua inserção social (O sertão dos clãs patriarcais, dos jagunços, do domínio da ordem privada e da violência particular). O autor destaca também a forte influencia do pai de Conselheiro, um homem que de-sistiu de ser vaqueiro para tornar-se comerciante, passando do mundo rural para o urbano e que no decorrer da vida educou seu filho para exercer o mando, não como seus antepassados, mas por meio da civilidade e da urbanidade.

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Assim, apontam-se na formação de Antonio Conselheiro possibilidades humanis-tas em face da barbárie coronelística. Barbárie essa que se transfigurou no aparente “progresso” republicano. Se pensarmos com Norbert Elias, ou seja, que as construções políticas centrípetas revelam maior complexidade social, dada a difusão de redes mais ramificadas de interdependência e com isso maiores possibilidades de crescimento das diversas dimensões humanas, é possível compreendermos a indignação do líder em relação àa República (SILVA, 2001:17).

Logo, destacamos aqui a importância da análise mais aberta, conjuntural, que se propõe a enxergar os fatos e as pessoas de nossa história por diversos âmbitos, pois, em nossa opinião, embora seja inviável afirmar certamente quais foram as asserções pessoais de Antonio Conselheiro, ainda assim devemos questioná-las, pela contribui-ção desse homem para a notoriedade da realidade sertaneja e pelo próprio avanço da história que já não permite que uma única visão ou possibilidade sobre um objeto seja cogitada e disseminada.

O PANORAMA DO CONFLITO

Para entendermos a Guerra dos Canudos e a violência com que foi esmagada esta revolta camponesa é preciso restabelecermos o cenário histórico em que ela ocorreu. Não podemos entender Canudos isoladamente, sem conhecermos as circunstâncias históricas e políticas que a provocaram. O Brasil, após a abolição da escravatura, sofria muitas mudanças sociais e políticas. A Questão Militar que vinha se arrastando desde 1883, com o debate em torno da doutrina do soldado-cidadão, que defendia a partici-pação dos oficiais nas questões políticas e sociais do país, teve uma conclusão repen-tina, com o golpe militar republicano de 15 de novembro de 1889. A derrubada da Monarquia, terminou por provocar reações anti-republicanas. Uma nova constituição foi aprovada em 1891, tornando o Brasil uma república federativa e presidencialista no modelo norte-americano. Separou-se o estado da Igreja (o que vai provocar a indigna-ção de Antônio Conselheiro) e ampliou-se o direito de voto (aboliu-se o sistema cen-sitário existente no Império e permitiu-se que todo o cidadão, que fosse alfabetizado, pudesse votar.) (SILVA, 2001)

As dificuldades políticas da implantação da República se aceleraram com a crise inflacionária provocada pelo Encilhamento, quando o Ministro da Fazenda, Rui Bar-bosa, autorizou um aumento de 75% na emissão de papel-moeda nacional. Houve muito desgaste do novo regime devido ao clima de especulação e de multiplicação de empresas sem lastro (mais de 300 em um ano apenas). O presidente da República,

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Mal. Deodoro da Fonseca chegou a fechar o Congresso, o que serviu de pretexto para a Marinha de Guerra rebelar-se exigindo e conseguindo sua renúncia , o que ocorreu em 23 de novembro de 1891. Deodoro, doente, retirou-se, sendo substituído pelo vice-presidente Mal. Floriano Peixoto.

Em fevereiro de 1893 estoura no Rio Grande do Sul a revolução federalista, quando maragatos insurgiram-se contra o governo de Júlio de Castilhos, conduzindo o estado a uma dolosa guerra civil. Neste mesmo ano em setembro, ocorreu o segundo levante da Armada, novamente liderado pelo Al. Custódio de Melo, seguido pela adesão do Al. Saldanha da Gama, que chega a bombardear o Rio de Janeiro, Floriano Peixoto mobiliza a população para a defesa da capital e Custodio de Melo resolve abandonar a baía da Guanabara para juntar-se aos maragatos que haviam ocupado Desterro (em Santa Catarina). A guerra no sul militarmente se encerra com a morte de Gumercindo Saraiva, o guerrilheiro maragato, em 1894, e com derrota da incursão do Al. Saldanha da Gama na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai em 1895. A guerra tinha produzido mais de 12 mil mortos em uma parte deles havia sido vítima de degolas de parte a parte. Coube ao novo presidente, Prudente de Morais, alcançar a pacificação que é assinada em Pelotas em agosto de 1895.

Foi nesse pano de fundo turbulento, marcado por transformações repentinas e radicais, pela abolição da escravidão, pelo golpe republicano, pelo fechamento do Congresso, pelo estado de sítio, por dois levantes da Armada e por uma cruel Guerra Civil, que a população urbana ouviu com espanto a notícia, em novembro de 1896, de que uma expedição de 100 soldados havia sido derrotada pelos jagunços do interior da Bahia. Começava nesse contexto a Guerra de Canudos.

A comunidade do Arraial de Canudos liderada por Antonio Conselheiro, junto com a Revolução Federalista, instigou muitas discussões políticas na época, acirrando as di-vergências entre o P.R. F, apoiadores de Floriano e o presidente da República, Prudente de Moraes, que realizou declarações condescendentes com as ações dos sertanejos. Cenário que influenciou novas articulações e o posterior mandato de Campos Sales. (SOUZA, 1978)

CONSIDERAçõES FINAIS

A partir desse apurado acerca das disseminações realizadas sobre o conflito de Canudos foi possível apontarmos de forma indiscutível a existência das mais diversas possibilidades de interpretações sobre um mesmo fato. Assim sendo, julgamos neces-sário conhecer de uma forma mais profunda as fontes das quais se retiram informações

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sobre os fatos históricos, visto que muitas dessas, como a imprensa, foram construídas por homens que possuíam suas próprias asserções e que, muitas vezes, passavam-nas para sua escrita.

Nessa perspectiva, utilizamos na elaboração de nosso trabalho, primeiramente a obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões”, que é a maior fonte literária sobre a história desse conflito. Salientamos o tempo que o autor passou com os sertanejos de Canudos e como o autor descreve com riqueza de fatos a realidade de fome e sofrimento do Arraial, o que quase nos transporta para aquela realidade. Logo, por considerar o valor da obra, utilizamos “Os Sertões”, primeiramente, na análise da própria escrita do autor e posteriormente para contarmos de uma forma muito resumida o acontecido.

Por conseguinte, observamos como o jornal “Echo do Sul”, da cidade do Rio Gran-de abordou o assunto, e procuramos expor as raízes de sua vertente através da obra de Francisco das Neves, que nos mostra toda a trajetória político-ideologica do jornal, o que nos leva ao entendimento da oposição ao movimento de Canudos. Além disso, analisamos a figura de Antonio Conselheiro, que nos causa extrema curiosidade, visto que as fontes que nos contam sua história foram construídas por homens de oposição a seus ideais e que a realidade desse homem contada na obra de Rogério Silva nos supõe uma nova perspectiva. Por último, para entender um pouco mais o conflito, trouxemos o panorama político e social da época, que nos apresentou a República brasileira e seus interesses e como tanto as ações anteriores influenciaram Canudos, como quanto o conflito influenciou no cenário político daquele contexto.

Logo, por tudo que apresentamos, consideramos que Canudos certamente repre-senta o choque que é encontrado na passagem de um momento político para outro. Além disso, observamos que os ideais republicanos eram muito fortes na época e in-fluenciaram a uma grande parte da população, o que bloqueou muitos indivíduos de enxergarem o valor político e social que o movimento de Canudos tinha. Quanto a Antonio Conselheiro, salientamos a importância da análise sobre esse homem, pois sua vida e atitudes nos levam a perceber muito mais do que um fanático religioso, mas um ser humano com fortes ideais e uma educação voltada para a liderança e justiça.

Por fim, destacamos o valor que o conflito de Canudos teve em seu contexto, pois devido a luta desse povo a absurda realidade do Sertão foi denunciada. Em um ce-nário de preocupações políticas e uma sociedade que emergia com novas asserções, Canudos trouxe a pauta da fome e miséria que o povo sofria aguardando notoriedade e alguma ação. Sabemos que as idéias dos revoltosos eram extremamente ligadas a questão religiosa, mas indagamos até que ponto a fé não era apenas um alicerce, uma força para enfrentar a dura realidade? Essa é uma pergunta que não temos como saber

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a resposta de maneira indubitável. Contudo, ainda podemos continuar realizando ou-tras perguntas e esmiuçando cada vez mais, como fizemos aqui, as abordagens existen-tes sobre o conflito e o contexto dos fatos, pois somente dessa forma conseguiremos cogitar hipóteses e avaliar com a devida responsabilidade e respeito uma das lutas mais curiosas e instigantes da nossa história.

FONTES

CUNHA, Euclides da. Os Sertões: campanha de Canudos. 1909.Echo do Sul, Rio Grande, 1º de Janeiro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 7 de Janeiro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 10 de Janeiro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 12 de Janeiro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 16 de Janeiro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 22 de Janeiro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 6 de Março de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 14 de Abril de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 3 de Junho de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 7 de Agosto de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 1º de Setembro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 1º de Outubro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 2 de Outubro de 1897.Echo do Sul, Rio Grande, 3 de Outubro de 1897.

REFERêNCIAIS BIBLIOGRAFICAS

ALVES, Francisco das Neves. O discurso político-partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa rio-grandina (1868 – 1895). Rio Grande: Editora da FURG, 2002.

GALVãO, Walnice Nogueira. Os Sertões – Campanha de Canudos: Edição Crítica de. São Paulo: Ática, 1998.

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SILVA, Rogério Souza. Antonio Conselheiro: A fronteira entre a civilização e a barbárie. São Paulo: Editora Selo Universidade, 2001.

SOUZA, Maria do Carmo Campello. O processo político partidário na Primeira Repú-blica. 10ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora DIFEL, 1978.

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O CASO DO CONTESTADO

Antônio Pereira Neto1 Maria Clara Lysakowiski Hallal2

Rodrigo Assis Brasil Valentini3 Treyce Ellen Silva Goulart4

O presente texto é fruto de exercício de análise do discurso e de linguagens en-tre fonte e bibliografia consultada. A fonte escolhida foi o jornal Echo do Sul, com circulação desde 18585 até 1934, na cidade do Rio Grande – RS. Escolhemos estudar o período compreendido entre 1913 e 1914, primeiramente por entendermos que estudando o que consideramos como o auge do movimento, visto que esse já ocorria há dois anos, estamos podendo ter um grande leque de informações sob o mesmo. E as datas escolhidas, foram assim optadas, por constarem grandes reportagens ou informações referentes ao movimento. O jornal, segundo Neves, teve direcionamento político de base conservadora desde sua fundação. Entender a posição editorial do periódico se mostra importante para podermos estabeler uma análise mais clara do discurso exibido.

1 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

3 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

4 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

5 Data contestada, há divergências entre autores, mas todos concordam que seja entre 1854-58. Ver página da FURG sobre o projeto Echo do Sul. http://www.dla.furg.br/ecodosul/

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Estabelecida a posição política da fonte e sua posição comprometida com os fatos divulgados colocamos nosso objeto de análise no contexto. A pergunta feita à fonte é saber como foi divulgado o evento “revolucionário” brasileiro conhecido como Guerra do Contestado.

Os movimentos sociais no Brasil são tratados por Bóris Fausto como tendo três naturezas:

Eles podem ser divididos em três grandes grupos: 1, os que combi-naram conteúdo religioso com carência social; 2, os que combinaram conteúdo religioso com reivindicação social; 3, os que expressaram rei-vindicações sociais sem conteúdo religioso. (2006: 295)

Parece claro, na concepção de Fausto, que os elementos religioso e o econômico6 devem estar presentes numa análise de qualquer movimento social. Fausto coloca o Contestado como dentre o segundo grupo, seguiam um messias assim como reivindi-cavam a terra.

Uma leitura superficial do evento do Contestado nos coloca como sendo um movi-mento localizado historicamente com a política de seu tempo.

A Guerra ocorreu entre 1911 e 1915, portanto ocorrido dentro do governo do Marechal Hermes da Fonseca e terminado com seu vice – Wenceslau Brás – na época da eleição, mas, que em 14 assumiu a presidência.

A região denominada do “Contestado” abrangia cerca de 40.000 Km2 entre os atuais estados de Santa Catarina e Paraná. Foi disputada por ambos uma vez que até o início daquele século a fronteira não havia sido demarcada. As cidades desta região foram palco de um dos mais importantes movimentos sociais do país ainda não bem expli-cado. Uma leitura detalhada sobre o evento situa a região como palco de uma política imperialista e agressiva sobre o Brasil sob ação de Percival Farquhar.

Farquhar, de nacionalidade norte-americana, havia ingressado no país em 1904 com o objetivo de construir a ferrovia Madeira-Mamoré, fruto de acordo de limites com a Bolívia. O governo Roosevelt, assim como os empresários norte-americanos, estavam cientes das condições político-econômicas do Brasil e de suas possibilidades de atua-ção por estrangeiros.7 Farquhar, além de construir ferrovias se envolveu com terras, principalmente com a industria extrativista na Amazônia. Quando o governo brasileiro

6 Fausto coloca no seu texto a questão social, mas o que desprendemos do contexto que o autor utiliza é o econômi-co. A relação social fica relegada a segundo plano, visto que as condições de vida desde enquanto seres sociais não é descrita no capítulo, e sim a questão estritamente econômica.

7 Lembrar o caso do Acre que foi provocado por um grupo norte-americano, o Bolivian Syndicate.

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o contratou para assumir a concessão da construção da estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul, em 1908, este já estava familiarizado com os locais. O acor-do previu uma faixa de 30km sob o traçado dos trilhos, onde o empresário tratou de estabelecer uma industria extrativista de matas (araucária, em sua maioria) assim como uma holding imobiliária no exterior para vender terras aos imigrantes interessados.

A região do movimento encontrava-se já no início do século XX com algumas disputas de poder coronelístico local. Foi em meio aos conflitos locais que o empre-endimento Faquhar se instalou. Para tal empreitada contratou oito mil homens, no país e exterior. Não se pode deixar de lembrar dos coronéis locais e de suas disputas e acordos político-familiares em constante atrito. Nessas condições políticas, essa diver-sidade de grupos antagônicos e rivais, provocou uma permanente instabilidade, onde os grupos disputavam o poder permanentemente da região. Conforme o autor Eloy Tonon explicita:

A manipulação dos sertanejos pelos coronéis, no Movimento do Con-testado, ocorreu de forma muita intensa. (...) No fervor do Movimento do Contestado, muitos coronéis arregimentavam os sertanejos enga-jados no movimento e que viviam em outros latifúndios ou mesmo pequenos proprietários e arrendatários envolvidos diretamente no conflito. (...) Os coronéis sempre dispunham dos sertanejos para atin-gir intentos que melhor lhes convinham (2002: 28)

Os sertanejos eram manipulados pelos coronéis, essa manipulação se dava na medida que os sertanejos, “jagunços”, dependiam do apoio político desses coronéis, então se viam obrigados a fornecer seu apoio. Esse ocorria geralmente na hora dos conflitos, onde os sertanejos iam para a linha de frente defender a oligarquia a que representavam.

Conforme um fragmento do Jornal Echo do Sul:

Communicam de Campos Novos que a força federal levantou acampa-mento, hontem, da fazenda Velha, com destino ao pouso dos fanáticos. Nas proximidades do reducto estão acampados 114 praças de policia, sob comando do respectivo chefe, 115 soldados federais vindos de Ca-çador e 100 patriotas. O ataque ao reducto ficou assentado para hon-tem. Os fanáticos são em grande numero mas estão mal armados (Dia 29.12.1913, Ano 59, nº 297).

A região do Contestado, no final do século XIX, início do posterior, abrangia dentro do seu crescimento econômico a exportação de erva-mate, madeiras, atividades típicas das regiões do norte catarinense e Paraná. A construção da ferrovia que ligaria São Pau-

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lo ao Rio Grande do Sul passa pelo território do Contestado. A mão-de-obra utilizada para a construção da ferrovia, são trabalhadores oriundos de outras regiões do país. Conforme Eloy Tonon explicita que:

A presença do capital transnacional, com a exploração da madeira e projetos de colonização, agrega-se às mudanças que estavam aconte-cendo. O coronel associa-se direta ou indiretamente a todas essas mu-danças, fortalecendo seu poder econômico. As novas forças econômi-cas estabelecem na região novas relações de trabalho e associam-se ao poder do coronel, aliado político das oligarquias estaduais (2002: 35).

É notável que obviamente os ditos “coronéis locais” da região, acabariam por se associarem às novas forças econômicas8 que estavam instaurando no país. Nos proje-tos econômicos e políticos que estavam sendo objetivados pelas oligarquias, coronéis, capital estrangeiro e imigrantes, o sertanejo além de ser negligenciado, também era estigmatizado como um empecilho para a nova “modernização” e as novas relações de trabalhos que instauravam na região.

O Movimento do Contestado foi uma revolta de sertanejos impulsionados pelas crescentes injustiças sociais que estavam presentes na época. Esquecidos pelas oli-garquias, rompido os laços paternalistas com os coronéis, os sertanejos, a seu modo e condições, rebelam-se contra a ordem social que reinava em sua época. Os ditos sertanejos, ao longo do movimento eram estigmatizados como os “bandidos”, “arrua-ceiros”, sendo considerados os percussores do movimento e sem um motivo real. Pois a imprensa divulgava constantemente que eram esses arruaceiros que provocavam a desordem social, conforme o Jornal Echo do Sul: “O fazendeiro Guilherme Correa, morador no Espinho, a duas léguas do acampamento dos fanáticos, communicou que sua casa foi assaltada pelos jagunços, sendo elle obrigado a fugir” (Dia 26.12.1913, Ano 59, nº 295).

Antes do movimento eclodir, nada fora feito para atenuar as reclamações dos sertanejos, esses não viram opção a não ser reivindicar, da maneira como sabiam, que era guerreando, seus direitos.

As “desgraças” do sertanejo aumentam cada vez mais com a presença do imi-grante.9 Conforme retrata Ruy Facó:

8 País era governado pelo Marechal Hermes da Fonseca, responsável pela “Política das Salvações”, caracterizada pelas intervenções político-militares em diversos estados do país, pretendendo eliminar seus adversários políticos.

9 Imigrante que vinha de outras regiões do país para ajudar na construção da ferrovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul.

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A situação dos pobres do campo no fim do século e mesmo em pleno século XX não se diferencia daquele de 1856. Era mais que natural, era legítimo, que esses homens sem terra, sem bens, sem direitos, sem garantias, buscassem uma saída nos grupos de cangaceiros, nas seitas dos fanáticos, em torno dos beatos e conselheiros, sonham a conquista de uma vida melhor (1988: 21).

A espiritualidade dava o conforto espiritual que esses jagunços tanto necessitavam. O monge José Maria, comandante dos sertanejos, lhes transmitia o conforto espiritual, criticando a República por todos os males, aludia uma nova perspectiva de vida com o retorno de suas posses. O sertanejo, excluído do processo político e principalmente econômico do que considerava como seu território, envolve-se nessa disputa de terras no espaço compreendido entre Santa Catarina e Paraná. A rebeldia sertaneja intensifi-ca-se quando o rebelde é atacado e disperso.

Fausto explica assim o fim do evento:

Estabeleceram vários acampamentos, organizados na base da igualdade e fraternidade entre os membros. Reivindicaram a posse da terra, en-quanto esperavam a ressurreição de José Maria. Fustigados por tropas estaduais e do exercito, os rebeldes foram liquidados em 1915 (2006: 296).

O autor termina com o evento ressaltando a messianidade do movimento, assim como o trágico fim a que teve, fustigados. Coloca a questão da terra e o lema socialista, mas não chega a ser o mote de seu discurso. Ele, assim como as fontes, não realçam as questões sociais dos “locais” que lutaram ou se envolveram com o “Contestado”.

Com o final colocado por Fausto, a questão da utilização cega das fontes deixa o aviso para o desavisado a pesquisar o “reverso da medalha”, as entrelinhas. O período pesquisado no jornal foi claro nesse sentido, pois descrevia unicamente a questão mes-siânica do fato. Não se pode ignorar a questão do José Maria ter sua importância, visto que já era o terceiro em aparição na região, mas com certeza não foi o determinante. Uma região ainda não totalmente ocupada por grandes propriedades e com o acúmulo populacional, num curto espaço de tempo, proporcionado pelas indústrias implan-tadas provocou uma natural utilização dessa terra como local de moradia. Devendo inclusive ter sido utilizada como atração para os “sertanejos” ali se instalarem.

A elaboração desse artigo proporcionou uma leitura coerente das fontes com o período de contexto. Sendo o jornal de tradição conservadora, era de esperar que questões sociais não fossem abordadas e sim as questões de um messianismo fanatiza-do objetivando ignorar a discussão da terra. Falar em messias sendo esperado por um

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grupo de jagunços, sertanejos é praticamente ridicularizar essa população, tratá-los como idiotas. Transformar um movimento, com mortes, numa questão de esperar um messias ressurgir é diminuir a consciência daqueles envolvidos e também dos leitores. A figura de Farquhar era por demais presente no cotidiano para ficar invisível, e nessa questão deixa de lado o assunto da ocupação estrangeira no território nacional. Aqui em Rio Grande tinha o fato de a cidade ser portuária e ter entre seus industriais e comerciantes uma grande participação estrangeira, fez com que a imprensa local se calasse, para não provocar comentários.

No entanto, a questão central da Revolta do Contestado, que foi o desalojamento dos imigrantes e emigrantes em conseqüência de um acordo produzido pelo governo central sem conhecimento de todos os envolvidos, ficou alheia à fonte. Ela preferiu criar sua história adequada a seu público, ajustou tematicamente o tema dentro de um aspecto verossimilhante, ou seja, daquilo que todos esperavam ler, e garantiu a tran-qüilidade aos leitores, deixando de lado possíveis preocupações. Tomando essa atitude vem a reforçar o que interessa no momento, que era garantir as posições de poder dos coronéis locais. Eles eram a base de nossa “República”, era a sadia disputa entre eles que garantia a consolidação de poderes e influências do país. A presidência seguiu seu rumo, estabelecendo acordos com os coronéis, sejam eles locais ou internacionais, desde que de alguma forma trouxessem o que Bourdieu chama de capital simbólico ao poder dominante instituído.

FONTES

Jornal Echo do Sul - Dia 26.12.1913, Ano 59, nº 295Jornal Echo do Sul - Dia 27.12.1913, Ano 59, nº 296Jornal Echo do Sul - Dia 29.12.1913, Ano 59, nº 297Jornal Echo do Sul - Dia 03.01.1914, Ano 60, nº 2Jornal Echo do Sul - Dia 05.01.1914, Ano 60, nº 3Jornal Echo do Sul - Dia 06.01.1914, Ano 60, nº 4

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Francisco Neves. Uma introdução à história da imprensa rio-grandina. Rio

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o caso do contEstado

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Grande: EDFURG, 1995.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1998.

FACÓ, Ruy. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12 ed. São Paulo: EDUSP, 2006.

TONON, Eloy. Ecos do Contestado – Rebeldia Sertaneja. Palmas: Editora Kaygangue, 2002.

EM MEIO DIGITAL

ALVES, Luiz. Guerra do Contestado. 2009. Acessado em 10 abril de 2010.Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea00641a.pdf

THOMÉ, Nilson. A construção da História Cultural do Contestado. s/d. Acessado em 13 de abril de 2010. Disponível em: http://www.achegas.net/numero/vinte/nilson_thome_20.htm

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A LEI DA ROLHA: CENSURA E REVOLUçãO FEDERALISTA

Ana Paula Gonçalves das Neves1 Diego de Lemos Avila2 Diego Freitas Garcia3

Michele Borges Martins4

No presente artigo visamos analisar a repressão imposta ao “Diario do Rio Gran-de” sob o governo castilhista no período de 1 a 28 de fevereiro de 1893. Data que coincide com o início da Revolução Federalista. Esse espaço de tempo pesquisado foi escolhido com base no foco do trabalho, o qual se limita ao princípio da coibição e reação do veículo de comunicação citado. No processo de “coletagem” das matérias foi necessário a categorização das mesmas, se percebeu que o jornal apresenta três tipos de reportagens: sobre a descrição da movimentação dos grupos revolucionários, relativa à posição do jornal frente ao conflito e, por fim, sobre a repressão efetivada. As categorias mencionadas foram construídas e organizadas de acordo com os termos e idéias contidas nas fontes “coletadas”, das quais foi selecionado uma amostragem para ser inserida no trabalho como forma de representar a situação vivida na época. A temática cerceadora do nosso estudo será a Revolução Federalista, uma revolta que

1 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

3 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

4 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

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perdurou de 1893 a 1895. Em nosso entender a importância desse estudo é essencial, visto que os jornais

eram não apenas espaços de comunicação, mas também formadores de opinião, pois estavam intrinsecamente relacionados com as estruturas de poder. Dentro dessa pers-pectiva, creditamos à censura do governo castilhista ao jornal do “Diario do Rio Gran-de” uma ferramenta de manutenção da ordem pública.

Júlio de Castilhos esteve à frente do governo duas vezes. Em seu primeiro gover-no, de 1891, saiu precocemente em dezembro do mesmo ano. Subiu novamente ao poder em 1893, marcando o momento em que a revolução federalista “estourou”. Em ambos os governos Castilhos assumiu uma postura rígida e autoritária. Na tentativa de defender a sua permanência no poder despiu-se do seu discurso inicial de paz e harmonia, substituindo-o pelo de manutenção da ordem pública e repressão a todos não subordinados.

Castilhos adotou um governo dominador, repressor, passando a ser alvo de ódio de seus adversários que faziam de tudo para destituí-lo de seu poder. Utilizou-se das for-ças armadas para reprimir seus opositores, alegando que “estava habilitado a reprimir de pronto qualquer tentativa de desordem” (FRANCO, 1996:102).

Dessa forma, a repressão castilhista chegou na imprensa impondo a sua política àquela que havia sido de extrema importância à sua causa. O veículo que o auxiliou – por meio de notícias que exaltavam a causa republicana e mostravam a defasagem da organização monárquica - estava sendo coagido a não emitir notícias que iriam contra o seu governo e que pudessem por o mesmo em perigo.

Intrinsecamente relacionado a nossa análise faz se necessário entendermos, pelos menos de maneira introdutória, o contexto no qual se desenvolveu a Revolução Fede-ralista. Para tal partiremos da obra de Sérgio da Costa Franco na qual há descrito os aspectos essenciais do conflito entre chimangos e maragatos. Conforme o já citado, devemos perceber esse embate como um conflito entre elites latifundiárias. A partir da troca de elites no poder se deu um abalo que acabou por gerar duas frentes - a federalista e a castilhista, representadas, respectivamente, por Gaspar Silveira Martins e Júlio de Castilhos.

Estando há pelo menos 20 anos no poder, sem uma concorrência considerável, os gasparistas não souberam lidar com as mudanças estruturais do advento da República. Dentre elas destacamos modificações do sistema eleitoral e a grande naturalização de imigrantes no estado o que mudou o perfil eleitoral do curral gasparistas provocando a desestruturação das antigas bases em que os liberais se apoiavam. O principal interesse dos castilhistas em assumir o poder tem relação com própria situação econômica do es-

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tado. Em uma sociedade pré-industrial a principal ferramenta de poder era conquistar o aparelho estatal e, dessa forma, adquirir e reforçar as clientelas eleitorais garantindo a manutenção de elites partidárias no poder.

Assim, a tomada republicana e a impossibilidade da ascensão dos liberais geraram a guerra civil. De um lado, Júlio de Castilhos utilizou a força do aparato estatal para se manter no poder, enquanto do outro, os federalistas arrecadaram os caudilhos insatis-feitos para retornar ao governo por meio da força paramilitar.

Em conjunto ao que já foi dito acima, cabe ressaltarmos a escolha de analisar a coerção do estado aos meios informativos por meio do jornal Diario do Rio Grande também não foi de forma aleatória, esta folha além de ser uma das mais antigas – ini-ciada em 1848 -, também chegou a ser um dos mais importantes jornais do Rio Grande do Sul no século XIX visto que era distribuído em Pelotas, Bagé, Alegrete, Uruguaiana, São Grabriel, Dom Pedrito, Santana do Livramento e Santa Vitória do Palmar. Tendo em vista esses dados, julgamos que a pesquisa seria melhor estruturada e validada se baseada nesse informativo devido ao fato de que alcançou um grande público até a primeira década do século XX – quando aconteceu a extinção do jornal.

Durante seus primeiros anos o Diario do Rio Grande buscou se diferenciar das formas jornalísticas presentes naquele momento, seu discurso de “seriedade” e “neu-tralidade” foi à forma que encontrou de buscar destaque e adquirir mais leitores. No entanto, essas declarações de que suas matérias sempre estavam pautadas pela racio-nalidade e se algumas mostravam reprovações, estas se faziam somente aos indivíduos e não as ideias políticas que estes defendiam, tinham objetivos comerciais pois o jornal se mantinha principalmente por meio dos anunciantes, os quais procuravam informa-tivos que se mantivessem longe das discussões políticas-partidárias.

Assim, essa suposta isenção de postura frente aos acontecimentos políticos visavam a manutenção do jornal, pois na prática a folha, embora que de maneira discreta, ma-nifestava suas posições.

Em seus escritos sobre o Diario do Rio Grande, Francisco Alves destaca que o jornal defendia uma chamada “primazia da notícia”. O posicionamento político-partidário era ocultado pela exposição dos fatos diários. Poderíamos entender daí que o periódico analisado não despertasse a ação repressiva dos aparatos castilhistas, tendo preservada a sua liberdade de expressão. No entanto, com a influência da Revolução Federalista, eram os próprios fatos que desagradavam o governo estabelecido. Notícias simples relatando as movimentações oposicionistas despertavam o interesse das autoridades: “Notícias procedentes de Pelotas comunicam que Gomercindo Saraiva, acompanhado de mil homens, mal armados invadio o estado” (10/02/1893). Passagens como essa

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citação, em que o jornal apenas relata os acontecimentos daquela época eram conside-rações perigosas. Elas foram constantes durante toda a primeira quinzena do mês de fevereiro de 1893 e chamaram a atenção do governo: O avanço das tropas federalistas transmitidas através de telegramas poderia espalhar o pânico sob a população.

A intensificação do cerco a imprensa acompanhou o desenvolvimento da Revolu-ção Federalista. Quando os conflitos se acirraram e o confronto entre as forças provo-caram baixas às tropas castilhistas, a publicação de notícias se tornou ainda mais desfa-vorável ao poder regional. Assim, os fatos da guerra aumentaram o ímpeto repressivo tão caro ao político Júlio de Castilhos. De modo bem expressivo, no mesmo dia (17 de fevereiro) em que o Diario publica telegramas informando derrotas dos combatentes castilhistas e a passagem de homens para o lado dos federalistas um grupo de repu-blicanos, liderados por Piratinino de Almeida, se reuniu em Pelotas para providenciar medidas contra aqueles que espalhavam “boatos alarmantes”. O jornal do dia 19 colo-cava o resultado dessa reunião:

Boatos: Na cidade vizinha houve ante-hontem uma reunião de republi-canos presidida pelo Dr. Piratinino de Almeida, afim de providenciar contra os que dão curso a boatos alarmantes. Foi resolvido que seja preso e corrigido todo e qualquer individuo que espalhar noticias alar-mantes, isto é, contrario ao actual governo (19/02/1893)

Passaram-se dois dias da reunião dos republicanos e o seu resultado, expresso na citação acima, já era colocado em prática. A mando do chefe de polícia, os proprietá-rios do Diário foram intimados a deixar de veicular “notícias alarmantes” sob a amea-ça de prisão. Demonstrando indignação, o jornal se opõe àquilo que considera uma “violência à liberdade de imprensa”, sustentando a sua posição de “órgão imparcial” e questionando a legalidade da ação policial.

Se os que abusarem da liberdade que ambas as Constituições lhes con-cedem, são obrigados a soffrer as consequencias dos abusos ou crimes que commetterem, o mais que competia ao Sr. Chefe de polícia era fazer com que a lei fosse cumprida n’essa parte, em relação aquelles que a tivessem infrigido ou ou viessem a infrigir. Mas, não havendo sus-pensão de garantias, impor a imprensa que restrinja sua liberdade, sob pena de redatores irem para cadêa, pôde ser tudo o quanto quizerem, menos de um governo democrático (21/02/1893).

Como expresso no trecho citado, o jornal recorreu à lei, valendo-se da Constituição para reafirmar a retidão de sua conduta jornalística e como protesto à irregularidade

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dos atos oficiais. Esses atos restritivos da liberdade de imprensa foram batizados de “lei da rolha”, que limitava a expressão, impedindo a publicação de notícias do período contrárias aos interesses governistas.

A censura não se reduziu ao Diário do Rio Grande. Atos de vandalismo, como a destruição das oficinas tipográficas do jornal oposicionista Tribuna Federal, de Pelotas, correram o estado e se configuraram como mais uma forma de coerção direcionada à imprensa. Ainda mais, também em Pelotas, o chefe de polícia proibiu o jornal Correio Mercantil de publicar telegramas do Rio de Janeiro que abordassem a Revolução Fe-deralista em curso. O caráter geral das ações repressivas acabou estabelecendo laços de solidariedade entre os jornalistas. Em Rio Grande, um telegrama enviado ao Rio, assinado pelos diários Actualidade, Diario do Rio Grande, Artista, Echo do Sul e Bisturi informava da censura imposta com a “lei da rolha”: “Imprensa dessa cidade incluindo orgãos imparciais, foi intimidada cessar analyse actos governo ou publicar noticias re-ferente revolução.Outra vez constituição rasgada, nullos nossos direitos. Queira infor-mar collega ahi” (22/02/1983). Esse telegrama exprime a inconformidade do Diario do Rio Grande, e imprensa riograndina, com a postura repressiva tomada pelo governo, evocando novamente o desrespeito à Constituição.

O estudo materializado nesse trabalho dá uma dimensão da repressão aplicada ao governo sobre os meios de comunicação. Tendo como foco o jornal Diário do Rio Grande, podemos perceber, assim, à medida que os acontecimentos da Revolução Fe-deralista tomavam maior expressão, aumentava também o cerco à imprensa. Podemos considerar que a censura foi utilizada pelo governo de Júlio de Castilhos a fim de conservar a ordem estabelecida sempre que ela foi colocada em risco pelo conflito que tomava o Rio Grande do Sul.

Assim, o temor de que a veiculação das vitórias federalistas agravasse ainda mais a situação de instabilidade, colocando em descrédito o governo castilhista e acirrando os ânimos populares, fez com que mesmo um jornal que se colocava como comprome-tido com a “primazia da notícia” sofresse com as ações repressivas do poder regional. Para Júlio de Castilhos a notícia por si só era subversiva e precisava ser brutalmente sufocada.

FONTES

Jornal Diario do Rio Grande, 1° semestre do ano de 1893.Dia 10/02/1893 – capa – Assumptos do dia.

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Dia 19/02/1893 – capa – Os Boatos.Dia 21/02/1893 – capa – Notícia intitulada “Intimação”Dia 22/02/1893 – capa – Telegramma.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Francisco das Neves (org.). Rio Grande do Sul: ensaios históricos. Rio Grande: Editora da Universidade Federal do Rio Grande, 2001.

______. O discurso político partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa rio-grandina. Rio Grande: Fundação Universidade Federal do Rio Grande, 2002.

______. O primado da notícia como estratégia discurso discursiva: uma história do Diário do Rio Grande. Rio Grande: Fundação Universidade Federal do Rio Grande, 2001.

______. Por uma imprensa livre: a luta dos jornais riograndinos contra o cercea-mento à liberdade de expressão. Rio Grande: Fundação Universidade Federal do Rio Grande, 2004.

______. Revolução Federalista: história & historiografia. Rio Grande: Fundação Uni-versidade Federal do Rio Grande, 2002.

FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua época. Porto Alegre: Ed. Universi-dade/ UFRGS, 1996.

______. Panorama Geral da Revolução Federalista. In: ALVES, Francisco das Neves (org.) e TORRES, Luis Henrique (org.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Fundação Universidade de Rio Grande, 1993.

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MARCAS DA CHIBATA: UMA ANÁLISE SOBRE A REPERCUSSãO E AS

INTERPRETAçõES ACERCA DA REVOLTA DOS MARINHEIROS

Gilberto Alves da Silva Jr 1

Ivo Pedro Rocha de Moura2 Maira Eveline Schmitz3

Susan Zille Machado4

Rio, 22 de janeiro de 1910. Um grupo de marinheiros, dominando os principais navios da Marinha se revolta, ameaçando a segurança da cidade. Os marujos, cansados das más condições de trabalho na esquadra, protestavam contra a má alimentação, os baixos salários, o trabalho excessivo e, principalmente, exigiam o fim dos castigos corporais.

Pânico e fascínio tomam conta da população. Eram quatro belonaves – os pode-rosos dreadnoughts Minas Gerais e São Paulo, o moderno scout Bahia e o velho, mas

1 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

3 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

4 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

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respeitável, encouraçado Deodoro – desenhando as águas da baía de Guanabara. Com grandes canhões apontados para cidade, principalmente para a sede do Governo fede-ral, ameaçavam lançar fogo caso não fossem ouvidos (Carvalho, 1995:68).

A Revolta da Chibata e a figura de seu principal personagem, João Cândido – o Almirante Negro – gerou e ainda gera opiniões diversas. Na historiografia, tem-se a vertente que exalta o feito, colocando os marujos insubordinados como defensores sociais dos direitos humanos e da liberdade; por outro lado, principalmente entre his-toriadores militares, há a condenação do ato e a classificação dos revoltosos como con-traventores da ordem. No entanto, de um modo geral, as pesquisas feitas sobre esse tema ainda são escassas e de pouca abrangência e repercussão. A maior referência, ain-da hoje, é a obra de Edmar Morel, cuja primeira edição é do ano de 1959. Grande parte dos estudiosos do assunto se baseia nos dados que este autor traz, principalmente, por ele ter convivido com João Cândido para realização de sua pesquisa. Faz-se necessária, portanto, uma revisita ao tema e às suas fontes, a partir de outras abordagens, a fim de se compreender cada vez mais e melhor o que foi essa revolta dos “homens do mar”.

Um tipo de fonte extremamente rico em conteúdos e detalhes são os jornais. A “insubordinação da Armada”, como foi chamada na época, teve grande repercussão na imprensa do país. Repórteres do Rio de Janeiro, como os do Jornal do Comércio e do Diário da Manhã, acompanhavam os acontecimentos e faziam longos relatos, com riqueza de detalhes, mantendo o público leitor a par do desenrolar dos fatos. Também jornais de outras regiões, como do estado gaúcho, a cada dia, traziam novas informa-ções, a partir fundamentalmente de telegramas enviados do Rio.

Instigados pela mitificação historiográfica da revolta e de seu líder, João Cândido, e observando que já nos jornais contemporâneos se fazem presentes várias críticas, exaltações e interpretações dos acontecimentos, optamos por analisar a repercussão que esse fato histórico teve em Rio Grande – cidade que também abrigava um corpo da Marinha – por meio do jornal O Intransigente, e na cidade vizinha, Pelotas, através de matérias publicadas no Diário Popular. As quatro matérias foram, assim, elencadas não por trazer informações diretas dos acontecimentos, mas visões a posteriori.

Ambos os jornais eram de cunho republicano, sendo importante, assim, ressaltar o caráter político de suas reportagens. Torres, em seu trabalho sobre imprensa e cida-dania, lembra que

a prática do jornalismo político-partidário gaúcho estava ligada ao pro-cesso pelo qual a classe política transformou a imprensa em agente orgânico da vida partidária. Os partidos encarregavam-se de montar suas próprias empresas e lançar periódicos pelos quais assumiam intei-ra responsabilidade. (...) Na verdade, o jornalismo político-partidário

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desenvolveu a concepção de que o papel dos jornais é essencialmente opinativo, visa veicular organizadamente a doutrina e a opinião dos partidos na sociedade civil (TORRES, 1999:144)

Os jornais no Rio Grande do Sul possuíam uma forte inclinação partidária, sendo veículos de transmissão da ideologia de seus donos, diretores e financiadores. Dessa forma, é preciso considerar que todas as matérias escolhidas para a análise trazem em si uma visão dos fatos parcial e tendenciosa, visando, principalmente, a formação de opinião.

Questionamos, a partir destas considerações, até que ponto essa exaltação, ou con-denação do movimento foi fruto de análises posteriores, sendo que certas posições já se mostraram claras apenas alguns dias após o levante. Quer-se, ainda, apreender o sentido da revolta: João Cândido e seus companheiros lutavam contra o governo, objetivando uma revolução? O caráter do movimento era social, visto o grande número de negros e mulatos presentes?

Para “interrogar as fontes” e responder a esses questionamentos, no entanto, faz-se imprescindível, antes, uma compreensão do contexto que originou a revolta.

QUE SE VÁ A ESCRAVIDãO... MAS QUE FIQUE O AçOITE!

A Revolta da Chibata, como ficou conhecida posteriormente, estava programada para o dia 24 de novembro, pouco mais de uma semana após a instauração de Hermes da Fonseca na presidência. Foi antecipada em virtude da punição do marinheiro Mar-celino Rodrigues Menezes - 250 chibatadas por ter atingido a um oficial com uma faca. Vinte e dois anos após a abolição da escravatura, portanto, o açoite ainda era prática comum, neste caso como forma de disciplinar marujos infratores.

A chibata e os castigos físicos, abolidos inicialmente na República através do decre-to nº 3 de 16 de novembro de 1889, foram reintroduzidos em 12 de abril de 1890, por pressão da oficialidade. Com o decreto nº 328, foi criada a “Companhia Correcional”:

Artigo 1º - A Companhia Correcional tem por objetivo submeter a um regime de disciplina especial os praças que forem de má conduta habitual e punir faltas em casos que não exijam conselho de guerra. Artigo 8º - Pelas faltas que cometerem serão punidos do seguinte modo: a) faltas leves: prisão e ferro na solitária, a pão e água, por três dias. b) faltas leves repetidas, idem, idem, por seis dias. c) faltas graves: 25 chi-batadas. (In: Moraes, 1984:17)

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Criada, portanto, para o enquadramento dos marujos rebeldes, a Companhia Cor-recional era garantia de prisão, ferros, solitária, pão, água e chibata. As 25 chibata-das, destinadas às faltas graves, se destinavam aos crimes comuns; infrações maiores poderiam ser deixadas ainda ao “prudente arbítrio do comandante” (Maestri Filho, 1986:23).

O motivo da revolta, no entanto, vai além disto, como fica evidente no manifesto enviado pelos marujos ao presidente – o qual foi não foi divulgado ao público na ocasião:

Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1910. Ilmo. e Exmo. Sr. presidente da República Brasileira, Cumpre-nos, comunicar a V.Excia. como Chefe da Nação Brasileira: “Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republi-canos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá; e até então não nos chegou; rom-pemos o negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo .Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os Oficiais, os quais, tem sido os causadores da Ma-rinha Brasileira não ser grandiosa, porque durante vinte anos de Repú-blica ainda não foi bastante para tratarnos como cidadãos fardados em defesa da Pátria, mandamos esta honrada mensagem para que V. Excia. faça os Marinheiros Brasileiros possuirmos os direitos sagrados que as leis da República nos facilita, acabando com a desordem e nos dando outros gozos que venham engrandecer a Marinha Brasileira; bem assim como: retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir a Nação Brasileira. Reformar o Código Imoral e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; au-mentar o soldo pelos últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho, educar os marinheiros que não tem competência para vestir a orgulhosa farda, mandar por em vigor a tabela de serviço diário, que a acompanha. Tem V.Excia. o prazo de 12 horas, para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de ver a Pátria aniquilada. Bordo do En-couraçado São Paulo, em 22 de novembro de 1910. Nota: Não poderá ser interrompida a ida e volta do mensageiro. -Marinheiros” (In: Arias Neto, 2003:13)

A revolta eclode, então, como resposta a esse descaso das autoridades à vida, mas também às condições de trabalho dos marinheiros. Percebe-se que as reivindicações possuem um forte cunho pessoal; não eram contra a Marinha, mas até mesmo ao seu favor. Buscavam a melhoria do serviço e do contingente, pedindo, no lugar dos casti-gos, educação aos infratores. Queriam, sobretudo, o reconhecimento de sua cidadania e de seus esforços na defesa da pátria republicana. No conto sobre João Cãndido, intitulado “Coração de marujo”, de autoria de Virgílio Varzea, publicado no jornal O

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Intransigente, da cidade do Rio Grande, tem-se o seguinte trecho:

Todos esses homens, como é natural nos que vivem enclausurados a bordo, no mar, e só de longe em longe, raramente, mui raramente, descem à terra, vinham contentes e bem dispostos, a rir-se de tudo e de todos, a falar uns com os outros, a pilheriar, em linguagem technica ou maritima, a phrases rudes e desdenhosas mas inoffensivas, das cousas e pesoas que se lhes deparavam, particularmente das pessoas, os “tri-polantes da náo pedra” como sóem chamar os de terra. E paravam, a cada momento, a observar este ou aquelle ajuntamento, esta ou aquella curiosidade, a comprar quinquilharias e bufarinheiros ou amunir-se de cigarros e phosphoros dos vendedores ambulantes dessas pequenas mercadorias. Era isso num começo de mez, e portanto após o paga-mento geral às guarnições armadas após o recebimento de seus exi-guos vencimentos “de marinheiros...”. (O Intransigente, 06/12/1910)

Virgílio Varzea narra o comportamento “natural” dos marinheiros em seus dias de folga, quando têm permissão de vir descer à terra: homens alegres, apreciadores dos momentos em que estão entre as pessoas, dispostos a gastar seu “exíguo vencimento”, disponível no início do mês. De forma velada, percebemos uma posição favorável e certa justificação em relação aos protestos feitos pelos marinheiros. Além da reivin-dicação para o término dos severos castigos corporais que recebiam, os marinheiros almejavam também dispor de melhores condições trabalhistas, com um maior tempo livre em terra e com aumento dos salários. Paulo Ricardo de Moraes, em sua obra João Cândido, cita ainda as reivindicações por melhorias na alimentação e nos uniformes (Moraes, 1984).

O jornal pelotense, Diário Popular, traz no final derradeiro da Revolta da Chibata suas primeiras considerações. Cidade de destacada importância no cenário gaúcho, porém sem tradição nas questões do mar, Pelotas mostra, através do redator do Diário Popular e dos leitores que contribuem com suas opiniões nos espaços destinados a eles no jornal, todo o seu repúdio com relação à revolta dos marujos, a qual causou consternação e susto à população brasileira. Em um artigo, publicado em 30 de novem-bro de 1910, intitulado “Contra a Chibata”, tem-se o seguinte:

Reorganizou-se de todo [as condições das forças de mar], deu-lhes unidades de guerra de primeira ordem, curou a instrução e o preparo técnico de seus oficiais, mandando-os estudar a espe-cialidade em centros adiantados, mas o marinheiro, o soldado do mar, esse permaneceu imune ao sopro renovado da marinha. A reorganização da armada foi apenas externa, por assim dizer. A marujada, o elemento principal da corporação, conservou-se tal como

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era, senão mais sobrecarregada de serviços pela aquisição das compli-cadas máquinas de guerra que assombram hoje o mundo civilizado. Vendo-se assim relegada para um plano secundário, e consciente da força colossal desses homens do mar, essa gente reagiu da forma que lhe pareceu mais lógica, pela revolta a mão armada (Diário Popular, 30/11/1910)

O jornal pelotense caracterizou-se por destacar a forma como se deu o motim e suas conseqüências. Defendendo uma revisão nos métodos de disciplinar os marinhei-ros, o jornal vai condenar a forma com a marinha tratou dos aspectos externos da corporação, deixando em segundo plano os aspectos internos. A modernização da Armada – a partir dos navios e técnicas obtidas na Inglaterra – na visão do jornal, não afetou os marinheiros. Pelo contrário, dificultou ainda mais o serviço em virtude da complexidade de lidar com a maquinaria. Ignora-se, no artigo, talvez propositalmente, o fato de João Cândido, marinheiro, ter ido também à viagem para especialização no país inglês, sabendo dominar muito bem a nova tecnologia.

A revolta aparece não como um recurso de reivindicação plausível devido às cir-cunstâncias – como no jornal riograndino –, mas como a forma “mais lógica” de res-posta pelos marujos: incultos, sem disciplina, irracionais. O problema maior, nesse sentido, não era a própria insubordinação, mas a falta de capacidade interna da força armada da Marinha em lidar e controlar a marujada.

Se levarmos em consideração a opinião dos leitores, os mesmos destacam as con-dições propostas pelos revoltosos para submeterem-se. Acreditam que tais condições eram inaceitáveis e que um governo digno não deveria nem sequer tomá-las em con-sideração.

Isso não foi uma revolta de marujos, porém uma fermentação de des-mandos. Há uma afirmativa errônea em nossas forças armadas: que o soldado brasileiro só se educa a pau. A mais, ainda não nos habituamos à disciplina, a ordem rígida e daí essas turbulências que por vezes nos irritam. Os exemplos de insubordinação partem do alto, o desrespei-to as leis vem dos superiores a inferiores. Os maus tratos, os castigos corporais rebaixam o individuo, crêem quando muito o ódio e nunca a correção dos defeitos. Esses marinheiros sobrecarregados de trabalho, espancados, viram há poucos dias, como dois vasos de guerra podem impor sua vontade a uma capital, viram a quase impunidade dos res-ponsáveis e pensaram com muita lógica estar em si, satisfação de seus desejos. Era a porta aberta para o levante, tinham reclamações a fazer, direitos, interesses a cuidar, não lhe ouviam a voz humilde, revoltaram-se com o mesmo direito de todos os oprimidos, quiseram falar a boca dos canhões, que tem a razão da força. (Diário Popular, 30/11/1910)

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Entre outras críticas ao movimento, este artigo, de Theophilo Biaffra, aponta a de-sorganização das forças armadas e do próprio aparelho governamental da república brasileira. Mesmo considerando absurda a ocorrência da revolta, percebe-se a clara denúncia do próprio governo, viciado na sua origem por manobras, fraudes e uma política corrupta, destituída de ordem. Assim, se é evidente para o leitor que a culpa da revolta pode ser atribuída aos marujos, não menos responsabilidade têm os oficiais da marinha e os governantes brasileiros.

“ESCRAVOS DA MARINHA BRASILEIRA”: NO LUGAR DO MERCA-DO, O RECRUTAMENTO NAS RUAS

A eclosão da revolta, além dos protestos contra as condições dos marujos, está, so-bretudo, imbricada nas transformações econômicas e sociais que afetavam o país desde o Império e se intensificaram na República federalista. Com a mudança do regime monárquico para o presidencialista, as forças do Governo se voltavam cada vez mais para os interesses de uma oligarquia cafeeira localizada, regional, detentora do poder econômico, baseada no trabalho assalariado. Essa força latifundiária era, no cenário político, ao mesmo tempo concorrente e cúmplice do poderio militar do Exército.

A Marinha, por sua vez, nos primeiros anos da República se encontrava em um es-tado decrépito, com navios e nível técnico ultrapassados. A renovação se dá em 1904, a partir da compra de vários navios da Inglaterra (dentre os quais o mais importante era o Minas Gerais), juntamente com o envio de oficiais e integrantes da Armada para especialização técnica e militar. O novo e moderno aparato material, assim, em nada condizia com o tratamento arcaico, herdeiro da escravidão, com que eram tratados os marinheiros inferiores.

O Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, se modernizava. A urbanização se ex-pandia, com medidas de embelezamento e sanitarização das cidades. O grupo mais desfavorecido – vivendo nos subúrbios, tidos como vagabundos, ladrões, contraven-tores – era composto, em sua maioria, por negros libertos, descendentes de escravos e mulatos. Estes eram postos à margem, em uma sociedade na qual a cidadania se limitava ao poderio econômico de um pequeno grupo e que visava ver seu país em-branquecido, livre das manchas de um império escravista e negro.

O recrutamento da Marinha no período de transição do Império a República ia nes-se sentido. Era comum a maioria dos componentes da marinha ser de origem negra, pois a inserção nesta força armada não apresentava exigências relativas à instrução.

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Outro motivo era o excedente de mão-de-obra existente, provocado por uma abolição da escravatura que não concretizou nenhuma espécie de auxílio aos negros libertos, mas, ao contrário, reduziu significativamente – se não eliminou por completo – suas possibilidades de sobrevivência na sociedade brasileira, ainda marcada profundamente pelo sentimento da superioridade branca, elitista.

A matéria do Diário Popular, de 30 de novembro, critica essa forma de recrutamen-to, colocando nela parte da culpa da revolta ocorrida:

Talvez uma seleção rigorosa na admissão de seus membros seja o pri-meiro passo a dar-se, porque desde que o individuo possua um fundo de dignidade, desde que tenha certas noções de moral como regulado-ras de sua vida, não se faz mais necessária a violência para compeli-lo ao cumprimento do dever, da obediência, a subordinação consciente aos seus superiores. Seleção do pessoal componente da marinhagem e processos diferentes para a manutenção da disciplina entre ela é, pois, o remédio indicado para evitar a reprodução dessas crises de revol-ta e insubordinação, não só desastrosas para os nossos foros de povo civilizado, como igminosos para as tradições da marinha brasileira. O marinheiro nacional para ser escravo do dever não precisa ser escravo do açoite e da chibata (Diário Popular, 30/11/1910).

O marinheiro recrutado na república, portanto, na visão do jornal, não se mostrava detentor de dignidade, nem de noções de moral, pois a violência ainda se mostrava necessária. É interessante o uso da palavra “escravo”, deixando clara a submissão que deveria existir, mesmo se abolido o uso da chibata e do açoite. Os regimes disciplina-res da corporação, assim, eram demasiadamente rígidos porque apresentavam como principal objetivo a tentativa de tornar os marinheiros (especialmente os negros) “mais civilizados”. A marinha buscava na camada mais baixa da população o seu contingente, dando-lhes o tratamento que acreditava ser o que mereciam – devido à sua índole –, bem como único que surtiria efeito.

APESAR DE “PRETO E POBRE”, O ALMIRANTE NEGRO TEM UM CORAçãO...

João Cândido Felisberto – mitificado como o “Almirante Negro” – líder da revolta, acabou se tornando símbolo da luta tanto dos marujos, quanto dos negros nos primei-ros anos da República. Nasceu no ano de 1880, provavelmente numa senzala da Vila São José, em Encruzilhada do Sul, distrito de Rio Pardo. Era um dos oito filhos de João Cândido Velho e Ignácia Cândido Velho, os quais eram escravos na fazenda de João

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Felipe Correa, onde, mesmo após a assinatura da abolição em 1888, continuaram a residir.

Desde a infância João Cândido sempre se revelou muito rebelde e, por esta razão, João Felipe Correa resolveu oferecê-lo à Marinha. Neste meio tempo foi morar com a família do almirante Alexandrino de Alencar, por quem foi criado. Aos treze anos, no ano de 1893, fez sua primeira viagem como aprendiz de marinheiro, no transporte de guerra Ondina. Entre as tantas viagens das quais participou, esteve presente inclusive na de especialização na Inglaterra, onde possíveis contatos com teorias anarquistas te-riam dado um primeiro impulso para o planejamento dos eventos ocorridos em 1910. (Moraes, 1984)

Na política brasileira, em 1909, falecia o então presidente Afonso Pena, com a as-censão de Nilo Peçanha. O último chegou a encontrar pessoalmente o futuro Almirante Negro e era admirado por este. De acordo com Moraes (1984), durante a conversa que tiveram no encontro, Cândido já lhe havia solicitado que as penas e castigos dados aos homens do mar fossem reduzidos, se possível eliminados. Suas súplicas não foram atendidas e em 1910 assume o poder o militar Hermes da Fonseca. Foi durante seu mandato que a insurreição ocorreu, porém segundo algumas vertentes historiográ-ficas, a insatisfação de Cândido e dos demais companheiros nada mais é do que um processo que pode ter suas origens remetidas ao governo Nilo Peçanha – onde o mi-nistro da Marinha era o almirante Alexandrino de Alencar, da família que havia criado João Cândido.

Segundo trecho do conto “Coração de Marujo”, retirado do jornal O Intransigente, percebemos o perfil de João Cândido traçado por Virgílio Várzea, através de uma carta endereçada a este da parte do almirante Alexandrino de Alencar:

Era, entretanto, provocador, brigão irreductivel; e, quando não podia supplantar o adversário, à força ou pela “capoeiragem”, em que se tor-nara mestre e sinistro, fazia-o a ferro, à navalha. Voluntarioso, atrevido e rebelde, como ninguem ao serviço e ao mando, faltava continuamen-te ao dever, à correcção, à disciplina militar, a que só se sujeitava à chibata e par de machos. (O Intransigente, 06/12/1910)

O extrato acima pode ser analisado não somente em relação ao personagem que melhor representou a revolta de 1910, uma vez que as punições eram estendidas a todos os que não se enquadrassem aos moldes militares estabelecidos pela marinha, ou seja, os “rebeldes”. Nota-se, igualmente, o tom depreciativo que o significado da palavra “capoeiragem” expressa (tanto que se apresenta em destaque no corpo do tex-to), por ser a capoeira uma manifestação dualística: ao mesmo tempo que se trata de

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um jogo, pode ser usada em combates corporais, em lutas; além de ser representante direta da cultura de origem negra (neste caso, afro-brasileira).

Continuando no conto presente em O Intransigente, sobre Cândido temos:

“Entre os ultimos notei, com estranheza, o João Cândido – que andava sempre “impedido” pelas suas continuas faltas e máo comportamento habitual – um creoulo alto, magro, bem apessoado e muito jovem ain-da, pois contava apenas com os seus vinte e tres annos de edade. Era um rapaz vivo, valente e todo mettido à “malandragem”, à “capoeira-gem”. Pernostico, a sua mania era o discurso, a oratoria maruja, com pretensões de superioridade mental sobre os outros. Pertencia à classe mais baixa da marinhagem – a dos grumetes. Mas nenhum praça se lhe comparava em relaxação, desobediência, indisciplina, perversidade, e, em fim, na tendência dura e terrível para infamia, a maldade. Na escala dos máos homens, dos peores de bordo, occupava o primeiro logar. (...) Não parecia um homem, mas um gruto quase indomesticavel. (O Intransigente, 06/12/1910)

Vemos explícitas, na citação, as críticas às origens de João Cândido, que era ne-gro e conseqüentemente pobre. O texto segue comentando que, apesar de todos os aspectos negativos já associados a sua pessoa, pelo menos “não era desonesto, nem alcoólico”; e mais, sugere que ele até possuía um coração, pois se penalizou de uma velha aleijada que lhe pediu esmola, lhe dando cinco mil réis. O autor cita que João Cândido vacilou em dar o dinheiro a pedinte, pois pensou que aquele dinheiro serviria para que gastasse com a “mulherzinha e a cachaça”.

Termina o conto, o qual foi escrito em agosto de 1909 (com publicação no ano seguinte), afirmando que, somente por esta surpreendente revelação – a de que Cân-dido mesmo parecendo um “animal”, um bruto, possuía um coração – e pelo ges-to de humanidade daquele negro, o almirante Alexandrino de Alencar pôde tentar “domesticá-lo” e, então, torná-lo “a praça mais lesta e melhor de bordo”. Percebemos que Virgílio Varzea não nega as habilidades de João Cândido, mas as justifica a partir da “domesticação” e disciplina aprendidas com o almirante.

Em contrapartida, vê-se na entrevista dada pelo mestre da banda musical do São Paulo a constatação (repleta de surpresa, é verdade) da grande organização tida pelos líderes nas embarcações durante a revolta:

O comandante fez a distribuição para as baterias, torres, serviços de quarto e rondas, pôs sentinela embalada no cofre e na câmara do co-mandante, sendo os camarotes dos oficiais abertos para que os revol-tosos se apoderassem dos óculos do alcance, instrumentos necessários para os momentos que se iam passar. Os comandantes proibiram ter-

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minantemente que se alvejasse o palácio do Catete, ordem essa res-peitada, principalmente no S. Paulo, pois a maruja acatava o nome do presidente da República. Houve também ordem no sentido de não se-rem atacados os estabelecimentos de caridade, ordens que igualmente foram cumpridas. (O Intransigente, 08/12/1910)

Os líderes do movimento eram homens do mar com larga experiência e que prova-ram ter um senso de liderança tão grande quanto os grandes oficiais da marinhas, con-trolando os mais exaltados e delimitando as tarefas dos marujos. Era notável o temor pela reação dos insubordinados e os perigos de uma revolta armada. Os revoltosos, no entanto, mostraram uma organização e um domínio da situação que poucos imagina-vam ser possível. Eram, na sua maioria, marujos que viviam sobre grande desconfiança da população; sua imagem de escória da população, de criaturas ríspidas e sem nenhu-ma educação amedrontava a sociedade. Com as notícias da revolta circulando por todo o país, logo se esperou uma afronta violenta e descontrolada.

Havia claramente um sentimento de raiva muito grande entre os marujos – pela sua situação, os maus tratos, as condições de trabalho o preconceito –, mas nem por isso deixou de se mostrar uma revolta extremamente organizada e com objetivos bem definidos. Através da observação de alguns relatos de testemunhas, como o do mestre da banda, via-se homens predestinados a seguir seus ideais e, sobretudo, muito fiéis a seus líderes. Lideranças estas, como a de João Cândido, que surgiram de dentro da massa de marujos, mas que se mostraram muito preparadas para ir à frente de um grande grupo de revoltosos.

REVOLTA DA CHIBATA: REFLEXOS E REFLEXõES

A Revolta da Chibata, iniciada em 22 de novembro, encontrava seu término aparen-temente no dia 26 do referido mês, com a declaração da anistia dada pelo Governo. Em 9 de dezembro, porém, ocorre uma nova revolta, agora por parte dos fuzileiros, acarretando na declaração do estado de sítio no dia seguinte. Seiscentos marinheiros são presos e dentre eles o líder João Cândido. No dia 25 de dezembro, após serem torturados na prisão (onde foram tratados como “bichos”), somente Cândido e um companheiro – Pau da Lira – sobrevivem, de um total de dezoito homens.

João Cândido, em 1911, é dado como louco e internado no Hospital dos Alienados. Seu calvário na vida militar se encerra em 1912, quando é julgado, absolvido das acu-sações, solto e afastado da marinha. Dessa maneira, o “Almirante Negro”, que teve sua história apagada dos registros da marinha brasileira (depois de expulso da Armada),

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passou juntamente com sua família por momentos de muitas dificuldades financeiras (chegando a arrumar emprego como timoneiro de um simples veleiro e de vendedor de peixes à beira do cais).

Não recebeu o devido reconhecimento por sua luta, falecendo de câncer no dia 6 de dezembro do ano de 1969 no Hospital Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. Ficou mar-cado, entretanto, como um dos símbolos da luta negra na República Velha. Esta visão foi reforçada – positiva ou negativamente –, como vimos, pelos próprios jornais da época, que enfatizaram sua condição de crioulo, a ginga e a “capoeiragem” de mulato, bem como a resistência aos valores impostos pelos brancos.

Da mesma forma, a partir desta breve análise, pode-se observar que a imprensa regional, focalizada neste trabalho em Rio Grande e Pelotas, trouxe várias matérias acerca dos fatos; todas, entretanto, defendendo uma ideia e buscando formar a opinião do leitor. Constata-se, assim, que a mitificação da revolta não é somente produto da historiografia, mas se originou já no momento do próprio conflito, visando justificar, compreender, ou criticar o ocorrido, adquirindo até mesmo caráter moralizante e di-dático para a sociedade.

Como se pôde ver, a revolta tinha diretrizes claramente estabelecidas, contudo, a intenção não era estabelecer um ambiente de terror e pânico na sociedade, como era o de se esperar, visto a imagem do marujo naquele momento. Era, antes de tudo, reivindicar uma condição de vida básica, já que a vida do marinheiro comum era quase de escravidão.

O objetivo maior, assim, não era o de revolução. Não se queria atacar diretamente as estruturas vigentes, somente corrigir e adequar o serviço no mar sob legislação que se pretendia republicana. Carvalho lembra, ao analisar os bordados de João Cândido, feitos na prisão, que em seu desenho intitulado O adeus do marujo, a palavra “liber-dade” aparece conjuntamente com a expressão “ordem”. A disciplina, assim, não era negada. Pretendia-se, contudo, que fosse exigida e instaurada de forma justa e cidadã (Carvalho, 1995:74).

Em relação ao caráter da revolta, pode-se dizer que ela foi social, mas não absolu-tamente racial. Apesar de todos os reflexos de uma recente abolição da escravatura e a existência de uma população muito preconceituosa em relação ao negro, o qual se encontrava em um processo de adaptação muito demorado como cidadão com direi-tos iguais aos dados vindos dos próprios revoltosos, dos quais se possui acesso, ainda são insuficientes ou insatisfatórios (como as inúmeras entrevistas com João Cândido, realizadas muito tempo depois do ocorrido) para qualquer afirmação concreta neste sentido.

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Indiscutivelmente, analisando outras fontes, a exemplo dos jornais aqui utilizados, pode-se inferir sobre o contexto e os conflitos sociais que existiam, os quais, com certeza, tiveram sua importância na deflagração da revolta. Ainda que não se tenha a absoluta certeza de que a questão racial foi essencial para os marinheiros revoltosos, pode-se dizer que para a sociedade que observava, esperava por informações e inter-pretava o ocorrido, este foi um ponto de fundamental importância para sua compreen-são e justificação. Ainda que se admitisse a ineficácia das medidas sempre tomadas pela oficialidade em relação aos marujos rebeldes, a principal culpa do estado das coisas repousava na condição destes homens: inferiores, irracionais, não civilizados.

A revolta, portanto, ganhou proporções nacionais e a região sul do estado gaúcho não ficou imune aos acontecimentos. É interessante notar – o que instiga até mesmo futuras problemáticas de pesquisa – é a evidente crítica presente no jornal Diário Po-pular, de Pelotas, enquanto O Intransigente, de Rio Grande, apresenta apenas o relato dos fatos, com poucas críticas veladas. Sendo ambos os jornais ligados ao Partido Repu-blicano, questiona-se se essa diferença de postura poderia estar relacionada ao fato de Rio Grande ser, como o Rio de Janeiro, uma cidade portuária e assim procurava evitar uma oposição dos marinheiros locais. A mitificação da “insubordinação da Armada” se faz ainda fortemente presente, dando a ilusão de que o tema foi esgotado. Esse proble-ma, no entanto, assim como vários outros que podem ser pensados a partir da Revolta da Chibata, ainda esperam por pesquisas e interpretações.

FONTES

O Intransigente – Orgam do Partido Republicano. Rio Grande, terça-feira, 6 de dezem-bro de 1910, Anno X – nº 146.O Intransigente – Orgam do Partido Republicano. Rio Grande, quinta-feira, 8 de de-zembro de 1910, Anno X – nº 148.Diário Popular – Orgam do Partido Republicano. Pelotas, quarta-feira, 30 de novembro de 1910, Ano XI – nº 271.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIAS NETO, José Miguel. João Cândido 1910-1968: arqueologia de um depoimento sobre a Revolta dos Marinheiros. História Oral. Revista da Associação Brasileira de Historia Oral, São Paulo, v. 6, 2003.

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ARIAS NETO, José Miguel. Violência Sistêmica na organização militar do Império e as lutas imperiais marinheiros pela conquista de direitos. In: História: Questões & Deba-tes, Curitiba, editora da UFPR, n. 35, p.81-115, 2001.Disponível em http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/view/2676

CARVALHO, José Murilo de. Os bordados de João Cândido ( João Cândido’s embroide-ries). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, II (2), p.68-84. Jul-Out. 1995.

MAESTRI FILHO, Mário. 1910, a Revolta dos Marinheiros. 3ª ed. São Paulo: Global Ed., 1986.

MORAES, Paulo Ricardo de. João Cândido. 3ª ed. Porto Alegre: Amrigs Gráfica e Editora Ltda, 1984.

MOREL, Edmar. A revolta da chibata. 2ª ed. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1963.

NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A polícia e o porto: marinheiros, imigrantes e os consulados estrangeiros no Rio de Janeiro (1890-1920). UFRRJ.Disponível em http://www.crimenysociedad.com.ar/wp-content/uploads/2008/08/pe-reira-do-nascimento.doc

PIRES, Rosimar de Lemos. O mito João Antônio. Universidade Severino Sombra. Pro-grama de Mestrado em História social. II Simpósio de Política e Cultura.Disponível em: http://www.uss.br/web/arquivos/textos_historia/Rosimar_Pires_O_Mito_Antonio_Candido.pdf

SILVA, Francisco Bento da. História; degredados, gentes sem memória. Universidade Federal do Acre – UFAC. In; ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ, 2006.

TORRES, Andréa Sanhudo. Imprensa: política e cidadania. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

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A REVOLTA DA ARMADA E SUAS REPERCUSSõES POR MEIO DO

“JORNAL DO COMMÉRCIO”

Diogo Prietto Tribino1

Gláucia Casagrande Peripolli2 Leonardo Paradeda Medeiros3

Luísa Kuhl Brasil4

O historiador deve procurar por fontes marcadas pela objetividade, neutralidade, fidedignidade, credibilidade, além do suficiente distanciamento de seu próprio tempo. O ideal de “busca da verdade” dos fatos em documentos se vigorou entre os séculos XIX e o início do século XX. Os jornais eram vistos como “enciclopédias do cotidiano” continham “registros fragmentários do presente, realizados sob o fluxo de interesses, compromissos e paixões”. 5 A imprensa foi e ainda é uma fonte muito utilizada em pesquisas históricas. Antes de usar um periódico como fonte existem vários pontos a serem considerados, como o grau de imparcialidade, as influências exercidas sobre o

1 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

3 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

4 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

5 LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. IN: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006.

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jornal naquele momento e uma série de outros fatores que possivelmente influencia-ram na formulação daquele periódico.

A imprensa narra, de determinada forma, aquilo que elegeu como digno de chegar ao público. Dispondo de ferramentas como a análise de discurso,6 problematiza-se assim a identificação imediata e linear entre a narração do acontecimento e o próprio acontecimento. Temos como fonte principal para o desenvolvimento deste artigo o “Jornal do Commércio”, que, por meio de algumas matérias e editoriais, pode-se per-ceber como se desenrolou a Revolta da Armada e quais foram suas conseqüências.7

Um jornal do Rio de Janeiro, fundado no ano de 1827, nos despertou interesse pois, como a pesquisa se desenrolou na cidade de Rio Grande, RS, temia-se que os jornais daqui, ou até mesmo os de Pelotas, não poderiam enfatizar as notícias da Re-volta da Armada quanto um jornal do Rio de Janeiro. As datas buscadas no periódico não foram aleatórias. Como o objetivo principal da pesquisa era procurar perceber o que o jornal veiculava sobre a Revolta da Armada, escolhemos os dias que se sucede-ram os principais acontecimentos desta, sendo os dias 7 e 26 de setembro e 8 e 9 de outubro do ano de 1893. Também faremos aqui uma análise bibliográfica para indicar o momento político que se passava no Brasil, sobretudo o processo de instauração da República.

A instauração da República no Brasil se deu de forma conturbada. Mantendo mui-tos aspectos da Monarquia, o Governo Provisório, tendo Deodoro da Fonseca como presidente, foi um momento onde os grupos políticos se consolidavam, ou seja, tem-pos onde a política que iria constituir o poder estava em gestação.

Neste artigo, iremos abordar a Revolta da Armada. Para isso, dividiremos nossa

6 Deve-se analisar o tema, a linguagem e a natureza do conteúdo, e também seus destaques. Notando-se que a relação entre “saber” e “poder” é intimamente ligada, percebe-se assim que a noção de “verdade” é amplamente relativa, de acordo com tais percepções que são particulares de cada sociedade e de suas intencionalidades. Foucault desenvolve amplamente esta idéia de relação entre “verdade”, “poder” e “saber” abordando a noção de “regimes de verdade”. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

7 “Um diário que não envelhece. Eis o que se pode dizer do Jornal do Commercio, o mais antigo veículo em circula-ção ininterrupta na América Latina. A primeira edição do jornal, criado pelo francês Pierre Plancher, circulou no dia 1º de outubro de 1827. Testemunha viva da história, o Jornal do Commercio atravessou as mais diferentes fases do País cumprindo o seu papel de manter informado o público em geral, com a agilidade permitida pela tecnologia de cada época, e de ajudar homens de negócios e executivos em seus processos de tomada de decisão. O Jornal do Commercio surgiu tendo como foco a economia, com base nas publicações Preços Correntes, Notícias Marítimas e Movimento de Importação e Exportação editadas por Plancher desde sua chegada ao Rio. Em pouco tempo, transformou-se em folha política e comercial, em um momento em que a situação do País, que vivia então os primeiros anos após a Inde-pendência, era inquietante.” (disponível em http://www.jcom.com.br/pagina/historia/2) Nota-se um caráter dito como “neutro” na posição política do “Jornal do Commércio”, porém vê-se neste trecho a preocupação na manutenção dos “interesses nacionais”.

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análise em três momentos. O primeiro será uma breve contextualização da República em seus primórdios, quais foram os comportamentos do então presidente Marechal Floriano Peixoto que levaram o Ministro da Marinha, Custódio de Melo, a liderar esta revolta. O segundo momento será dedicado à análise da Revolta da Armada e como foi o seu desenrolar. No terceiro momento, iremos abordar as conseqüências econômicas e políticas, ou seja, a relação comércio/república/militares.

A Revolta da Armada que iremos analisar aqui é mais precisamente a Segunda Re-volta da Armada. A primeira aconteceu no ano de 1891 quando a Marinha, chefiada pelo Almirante Custódio de Melo, ansiava participar dos acontecimentos políticos, já que estava relativamente alheia ao movimento republicano. No entanto, esta primeira revolta não teve muita repercussão já que Deodoro da Fonseca passava por muitas outras dificuldades em seu governo e não se manifestou perante a revolta do navio Riachuelo, logo renunciando ao cargo de Presidente da República em nome de seu vice-presidente Marechal Floriano Peixoto.

1. A POLíTICA DE FLORIANO PEIXOTO E O INíCIO DA REPú-BLICA

Marechal Floriano começou seu governo reintegrando o Congresso Nacional dis-solvido por Deodoro da Fonseca. Buscou uma espécie de “centralização política” já que colocou, no comando dos Estados, políticos de sua confiança. No entanto, diver-sos setores da sociedade não estavam satisfeitos e queriam novas eleições, baseados na Constituição de 1891, que dizia que no caso de vaga a presidência ou vice-presidência, não houver decorrido dois anos do período presidencial, haveria outra eleição. Porém, os “florianistas”8 eram em grande número e o vice-presidente tinha uma base sólida de apoio.

Floriano permaneceu no poder. Seu governo pode ser tido como um período de muitas prisões e pouca “liberdade” de expressão pela oposição. Os positivistas estavam muito satisfeitos com o governo de Floriano já que este estava cada vez mais se apro-ximando de uma ditadura.

No Rio Grande do Sul a disputa pelo poder entre os federalistas (maragatos) de

8 “Florianismo” diz-se do culto que houve em torno da personalidade de Floriano Peixoto, sobretudo pelas camadas populares. Uma das consequências do florianismo foi a alteração, em 1894, do nome da cidade de Nossa Senhora do Desterro para Florianópolis.

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Silveira Martins e os republicanos (pica-paus) de Júlio de Castilhos, a Revolução Fe-deralista9, estava cada vez mais sangrenta. Neste momento, o Almirante Custódio de Melo assistindo a esta revolta que não terminava e, ansioso por ter maior participação política desde sua “vitória” na primeira Revolta da Armada, resolveu se manifestar. Em 1893 este almirante tenta levar Floriano Peixoto a um acordo com os federalistas rio-grandenses a fim de terminar com a guerra civil que ocorria nesse Estado. Não sendo atendido, Custódio de Melo, então Ministro da Marinha, demite-se do cargo, passando para o lado dos anti-florianistas. O choque de Floriano com a Marinha era evidente.

Assim, para desarmar este novo adversário, o presidente reduziu esquadra mandan-do o cruzador Tiradentes e o couraçado Riachuelo saírem em viagem. Assim pode-se dizer que começa a Segunda Revolta da Armada, tendo em vista que Custódio de Melo organizou seus esquadrões na Baía de Guanabara para entrar em conflito com a presi-dência do Brasil. No entanto, Custódio de Melo não teve apoio maciço dos oficiais em terra, em sua maioria positivistas, já que estes se solidarizaram com Floriano Peixoto. Assim, a Segunda Revolta da Armada se limitou a tiros contra as fortalezas do Rio de Janeiro.

2. A ECLOSãO DA REVOLTA

A permanência de Floriano Peixoto no poder apesar de grande apoio popular ge-rava descontentamentos, devido a essa permanência não ser lícita – pois no artigo 42 da Constituição dizia que se o presidente não completasse a metade do mandato novas eleições deveriam ser feitas em no máximo dois anos. Floriano assume após a renúncia de Deodoro, o mesmo cumpriu apenas nove meses de mandato. Mas apoiado pela classe média urbana e o Partido Republicano Paulista (PRP), Floriano Peixoto sentiu-se bastante confortável para desempenhar o papel de “consolidador da República”, para implantar sua política de “salvação nacional”.

Com o fim do prazo para uma nova eleição, Floriano foi acusado pelos seus opositores por tentar se manter no cargo ilegalmente, assim começou uma série de movimentos para depor Floriano Peixoto, os quais desencadearam na Revolta da Arma-da. No dia 6 de setembro de 1893, eclode a revolta liderada pelo almirante Custódio

9 A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil logo após a Proclamação da República, e teve como causa a insta-bilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam “libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos”, então presidente do Estado. PINTO, Celi Regina. Positivismo: Um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre: L&PM Editores, 1986, Coleção Universidade Livre.

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José de Melo, o qual era contra a permanência no poder do vice-presidente Floriano Peixoto.

Na madrugada de 6 de setembro de 1893, Floriano Peixoto recebeu no Itama-raty um representante dos revoltosos, o mesmo levou ao vice- presidente as primeiras notícias da Revolta, junto com o manifesto dos revoltos para ser publicado na impren-sa. Floriano Peixoto autorizou a publicação do manifesto. No dia 7 de setembro foi publicada uma grande matéria, a qual descrevia todos os fatos após o conhecimento da revolta:

O movimento da armada foi combinado de modo a nada trans-pirar; pelo que, completamente desprevenidos, não pernoi-tarão a bordo os comandantes e os imediatos dos navios. A’s 5 horas da manhã foi um portador a Nitherohy chamar o contra-almirante Coelho Neto, chefe de estado-maior da armada, que como os comandantes e imediatos dos navios nada suspeitavam. Chegando ao quartel-general depois de longa conferencia com o Sr. Ministro da Marinha, que desde ás 6 horas da manhã estava com o Sr. Vice- Presidente da República no palácio Itamaraty, dirigio-se o Sr. Ajudante-general só em uma lancha do arsenal de marinha e em Noé do Governo comunicou aos comandantes dos navios estrangeiros sur-tos no nosso porto, o estado de revolta da nossa esquadra.10

Nesse fragmento da matéria é possível observar que o movimento da Revolta da Armada é praticado por apenas parte dos integrantes que compunham a Armada, os quais eram o almirante Custódio José de Melo, capitão-de-mar-e-guerra Frederico Lou-renço, capitão-de-fragata Alexandre Faria de Alencar, os capitães-tenentes Cândido Lara e Pinto Sá. Na mesma matéria de jornal também temos os nomes de alguns deputados: “Disserão-nos que a bordo do Aquidaban estão os senhores deputados 1° tenentes Francisco de Mattos e Pretumba, Dr. Seabra, Jaques Ourique e Anfrisio Fialho”.11

As embarcações em posse dos revoltoso eram o Aquidabã (onde Custódio de Melo embarcou), os cruzadores “República”, “Trajano”, “Orion”, “Sete de Setembro” e “Gua-nabara”; os torpedeiros de alto –mar “Araguari” e “Marcílio Dias”; os vapores “Júpiter” “Amazonas”; o encouraçado “Javari”. No Jornal do Commércio diz: “dos navios apo-derados não estão em condições de mover-se a corveta Amazonas, Javary e Sete de Setembro, mas todos dispondo, elles de artilharia de canhão de tiro rápido.”12

10 Jornal do Commércio, quinta-feira, 7 de setembro 1893, primeira página.

11 Jornal do Commércio, quinta-feira, 7 de setembro 1893, primeira página.

12 Jornal do Commércio, quinta-feira, 7 de setembro 1893, primeira página.

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No congresso, Aristides Lobo propõe encerrar os trabalhos, a fim de deixar o go-verno livre para reprimir a ação dos revoltosos. Mas Amaro Cavalcanti propõe que decretasse o estado do sítio na capital federal e no Estado do Rio de Janeiro, até 15 de setembro de 1893. Com o apoio do senado, Floriano Peixoto convidou os membros do corpo diplomático para uma conferência na manhã do dia 7 a fim de pedir apoio aos navios estrangeiros de guerra aportados no Rio de Janeiro, mas os comandantes das embarcações preferiram se manter neutros.

No dia 13 de setembro, Custódio de Melo inicia o bombardeio na cidade do Rio de Janeiro, os pontos mais visados eram o Arsenal de Guerra e fortificações em terras na saída da baía da Guanabara. Depois desse fato, Floriano Peixoto decide montar uma nova esquadra. Convoca o Almirante reformado Jerônimo Francisco Gonsalvez, ele aconselha o Vice-Presidente a encomendar navios dos Estados Unidos e da Inglaterra. Depois desse ataques a cidade, Floriano Peixoto ganha também apoio dos navios es-trangeiros.13

Depois da segunda quinzena de setembro, o capitão Lorena, no comando do “Re-pública”, força a baia da Guanabara em direção a Desterro (Florianópolis), onde chega em 25 do mesmo mês. No dia 10 de outubro, em Santa Catarina é estabelecido o governo provisório articulado com os federalistas gaúchos, o qual não vigorou. Nesse mesmo dia (25) é assinado o decreto n°1549 de 25 de setembro.

Estado de sítio: Decreto n°1,549de 25 de setembro de 1893 – declara em estado de sítio, com suspensão das garantias constitucionais, o dis-tricto federal e os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. O vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil: Resolve, nos termos do art.80 da Constituição, decla-ro em estado de sítio, com suspensão das garantias constitucionais, o districto federal e os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Cata-rina e o Rio Grande do Sul até o dia 9 de outubro próximo vindouro. Capital Federal, 25 setembro de 1893, 5° da República – Floriano Pei-xoto – Fernando Lobo.14

Durante a Revolta da Armada, diariamente se travavam duelos de artilharia entre as fortalezas legalistas e as duas fortalezas que aderiram à revolução: a de Villegaignon e a das Cobras. Em alguns momentos os revoltos tentaram desembarcar sem sucesso, “a nove de fevereiro de 1894, porém, foram mais felizes: conseguiram desembarcar,

13 SILVA, Hélio. Nasce a República: 1888-1894 – 3.ed. – São Paulo: Editora Três, 2004.

14 Jornal do Commércio, terça-feira, 26 de setembro 1893, primeira página.

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atacaram a Armação, durante longas horas, mas por fim foram derrotados”.15 Em águas catarinenses ocorre a ultima batalha da revolta da armada, aonde em 16 de março de 1894, Floriano Peixoto, com o apoio dos novos navios vindos do exterior consegue torpedear com sucesso o “Aquidabã”, assim reprimindo os revoltosos.

3. A SUA REPERCUSSãO E CONSEQUêNCIAS

Se a Revolta da Armada em muito reflete rivalidades entre o Exército e a Marinha – tendo a Revolta como uma de suas motivações o descontentamento do oficialato desta última arma frente ao favoritismo destinado ao Exército, e o papel infinitamente maior de ingerência deste nos assuntos do Estado –, ao lembrarmos que tal levante foi totalmente derrotado pelo governo central, é-se esperado que represálias tenham sido destinadas à força insurgente. José Murilo de Carvalho trás alguns dados a esse respeito. O autor atribui a diminuição do efetivo da Marinha, tanto de praças como de oficiais, no período posterior ao ano de 1893, ao “castigo que sofreu pela revolta”.16

Comparativamente, a situação ainda lhe era pior, pois o Exército, no mesmo perío-do, teve aumentados os seus quadros. Mais ainda, em proporção maior dos oficiais em relação aos praças, o que para Carvalho, seria mais um indicador da preponderância das forças de terra sobre as do mar. Aponta ainda, outros “castigos” recebidos, como a perda de navios e a conseqüente diminuição de poder. Seria somente no mandato de Rodrigues Alves na presidência da república – de 1902 a 1906 – que a Marinha sofreria algum remendo em sua situação, de modo a limitar o poder do Exército (e vice-versa), em um momento em que os militares já ocupavam uma posição um tanto diferente no país, já tendo sido afastados da gerência do Estado – ao menos diretamente.17

No entanto, apesar de se tratar, ao menos em significativa medida, de movimento de caráter corporativo, e ainda assim restrito à oficialidade, como mentora e real in-teressada, busca-se justificar a sedição colocando-a no posto de porta-voz da nação, da vontade popular. Isso se pode perceber no decorrer da proclamação de Custódio de Melo, que fora divulgada no dia 6 de setembro, o primeiro do levante. Nesse do-

15 TAPAJÓS, Vicente. História do Brasil, 15°edição. Editora Nacional, 1969, São Paulo.

16 MONTEIRO, Hamilton M. Brasil República. 3ª edição. São Paulo: Ática, 1994.

17 CARVALHO, José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: O poder desestabilizador. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo 3: O Brasil Republicano. Volume 2: Sociedade e Instituições (1889-1930). 5ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

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cumento, pronunciando-se a respeito da revolta de 23 de novembro de 1892 (que desembocou na renúncia de Deodoro), da qual Custódio também tomou parte sob a forma de liderança, e da qual este afirma a revolta de 6 de setembro como continua-dora, diz que

Sabeis a parte que a mim coube, determinada pelos acontecimentos, nesse memorável período de ação revolucionária contra o arbítrio do poder: servi a causa dos interesses populares de 23 de novembro; es-tive no posto que do meu pundonor como militar e da compreensão dos meus deveres cívicos, como brasileiro, a Pátria tinha o direito de exigir que eu ocupasse.18

Ao mesmo tempo em que se isenta da responsabilidade da iniciativa, se afirma defensor dos “interesses populares”, globalizando o movimento. Suas obrigações são para com o povo, e enquanto militar, é também uma espécie de cidadão em posto avançado, o qual são conferidos deveres extras, que se mantém sempre vigilante a qualquer sinal de ameaça à liberdade.

O asseguramento desta é feito pelos poderes constituídos (contra os quais, a pro-pósito, se insurge) e, sobretudo, pela constituição nacional. É com vivas a ela, inclusi-ve, que fecha seu manifesto, lado a lado com aqueles destinados à “Nação Brasileira” e à “República”. Vejamos mais um trecho:

Nem um só dia se passou que, como ministro, eu não estivesse de atalaia em prol dos direitos e das liberdades populares contra a ação invasora e absorvente de uma forma de administração que, enfeixando nas próprias mãos todas as funções políticas da Nação, todas as mani-festações da soberania popular, tendia, de arbítrio em arbítrio, de pre-potência em prepotência, escalar todas as ameias dos poderes políticos e anular todas as regalias constitucionais.19

Nesta suposta defesa da constitucionalidade, fazendo contraponto à afronta a pró-pria nação por parte do governo, o documento vai dando a idéia de que não bastando derrubar Deodoro, para destruir com suas pretensões ditatoriais, agora era vez de afastar Floriano, pelos exatos mesmos motivos. A expressão máxima disso estaria em o – significativamente ainda chamado – “vice-presidente da República” ter armado

18 Apud. CARONE, Edgar. Corpo e Alma do Brasil: A Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

19 Apud. CARONE, Edgar. Corpo e Alma do Brasil: A Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

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“brasileiros contra brasileiros” (fazendo referência à repressão à Revolução Federalis-ta, que estourara pouco tempo antes).

Na porção do conflito decorrido na Baía da Guanabara, pouco de combate que efetivamente o fizesse pender para algum lado acontece. Segundo Monteiro, o que força a rendição dos navios insurgidos é antes a falta de provisões, que se torna cada vez mais crítica à medida que as forças governistas se articulam e estruturam a defesa, fechando o cerco. Quando da rendição de março de 1894, a nova frota adquirida nos Estados Unidos para a defesa florianista, já ameaçava penetrar a baía.

Felisbelo Freire20 (parte nada isenta, já que é ministro de Floriano Peixoto) reclama é do distúrbio causado para as atividades comerciais portuárias. Em seu “História da Revolta de 6 de Setembro de 1893”, relata que a marinha mercante de bandeira es-trangeira teria sido atingida por prejuízos, pois todo movimento de carga e descarga, sob tal circunstâncias de anormalidade, havia de ser feito “em lanchas, sob o pavilhão estrangeiro, que fazia respeitar a propriedade privada”.

Para as embarcações de comércio brasileiros, ainda segundo o que escreve Freire, os abalos deflagrados pela Revolta teriam sido mais rigorosos. O comércio marítimo nacional teria sido obrigado a reduzir-se à inatividade. Em outubro, já se encontram reclamações por parte de empresas de comércio, publicadas no Jornal do Commércio. No domingo 8, por meio da seção “De Citação”, o Juiz Seccional do Distrito Federal informa:

Faço saber aos que o presente edital de citação virem, ou delle notícia tiverem, que por parte de Cerqueira Souza & C., negociante nesta pra-ça foi feita a deferida petição do teôr seguinte: Illm. Exm. Sr. Dr. Juiz Seccional – Cerqueira Souza & C., negociantes nesta praça á rua de São Bento numero 10, viam receber 41 saccos com 2435 k de café que lhes foram consignados (...) e como essas mercadorias foram conjuntamen-te com o navio a cujo bordo se achava apprehendidas pela esquadra revoltada no porto desta cidade do Rio de Janeiro, os protestantes pro-testão, como de facto o fazem em nome daquelles seus committentes para lhe salvar de seus direitos perestituição ou indemnisação das mer-cadorias apprehendidas, como pelas despesas, juros da móra e quais-quer perdas e damnos que serão reclamados em tempos hábil.21

Os revoltosos encontravam-se impedidos de desembarcarem na costa, devido à resistência que lhe opunham as fortificações do Exército, as unidades mobilizadas da

20 FREIRE, Felisbelo. História da Revolta de 6 de Setembro de 1893. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

21 Jornal do Commércio, domingo, 8 de outubro de 1893, quarta página.

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Guarda Nacional bem como os assim chamados batalhões patrióticos. Desta manei-ra, a necessidade de que se abastecessem os navios dos gêneros necessários, tornava qualquer embarcação carregada com mercadorias um alvo de saque e apreensão em potencial. No dia seguinte à notícia supracitada, na seção “Gazetilha”, da primeira pá-gina, noticia-se nova denúncia do mesmo juiz, dizendo terem sido “apprehendidos ou seqüestrados violentamente”, na baía, produtos como arroz, banha, aguardente, algodão, entre outros.22

Vê-se nessas descrições a ênfase do Jornal em questão na preocupação da unidade de produtos e sua comercialização. As maiores preocupações demonstradas giram em torno dos gêneros apreendidos que não teriam chegado a tempo a seus destinos. A Revolta da Armada, que só terá seu fim em 1894, foi um dos muitos conflitos existentes que colocam em risco a unidade nacional republicana recém formada. Apesar de ser marcado por tantos conflitos, o governo de Floriano Peixoto conseguiu consolidar a República.

Assim, ao longo desta breve pesquisa percebemos que a Revolta da Armada, antes de querer promover uma dissociação nacional, buscava salientar ou engrandecer o próprio poder da Marinha que, argumentava estar sendo prejudicada em função da República continuar dando ênfase maior a Guarda Nacional. Mais que a busca pela afir-mação da Marinha, a Revolta da Armada pode ser vista como uma manifestação parti-cular, ou seja, Custódio de Melo, almejando mais visibilidade política, usa a Marinha do Brasil como meio para ser visto, ou até para aumentar seu poder nesta República ainda em gestação. Enfim, a Revolta da Armada se caracteriza muito mais por uma busca pelo poder (particular ou de instituição), do que uma busca por igualdade ou paz.

FONTES

Jornal do Commércio, quinta-feira, 7 de setembro 1893, primeira página.Jornal do Commércio, terça-feira, 26 de setembro 1893, primeira página.Jornal do Commércio, domingo, 8 de outubro de 1893, quarta página.Jornal do Commércio, segunda-feira, 9 de outubro de 1893, primeira página.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

22 Jornal do Commércio, segunda-feira, 9 de outubro de 1893, primeira página.

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CARONE, Edgar. Corpo e Alma do Brasil: A Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

CARVALHO, José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: O poder deses-tabilizador. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo 3: O Brasil Republicano. Volume 2: Sociedade e Instituições (1889-1930). 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

CASTRO, Therezinha de. História da Civilização Brasileira. Vol.II. Distribuidora Re-cord, Rio de Janeiro: 1982.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

FREIRE, Felisbelo. História da Revolta de 6 de Setembro de 1893. Brasília: Universida-de de Brasília, 1982.

LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. IN: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006.

MONTEIRO, Hamilton M. Brasil República. 3ª edição. São Paulo: Ática, 1994.

PINTO, Celi Regina. Positivismo: Um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Co-leção Universidade Livre. Porto Alegre: L&PM Editores, 1986.

SILVA,Hélio. Nasce a República: 1888-1894 – 3ª ed. – São Paulo: Editora Três, 2004.

TAPAJÓS, Vicente. História do Brasil, 15ª ed. Sâo Paulo: Editora Nacional, 1969.

TREVISAN, Leonardo. A República Velha. São Paulo: Global, 1997http://www.jcom.com.br/pagina/historia/2

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A MíDIA ONTEM E HOJE: O FORTE DE COPACABANA VISTO POR MEIO DO JORNAL DO COMMERCIO DE 1922 E

DA INTERNET, NOS DIAS ATUAIS

Clara da Rosa1 Gislania Kreniski2

Lidiane Friderichs3 Luiane Motta4

INTRODUçãO

O levante do Forte de Copacabana é considerado por muitos historiadores o pre-cursor do movimento tenentista. Entretanto, através desta pesquisa, tentaremos enten-der que impacto teve este momento sobre a imprensa - o olhar que ela presta a este movimento- a partir do Jornal do Commercio, procurando reconhecer quais os limites das exigências do movimento, que grupo o realiza e a que está direcionado.

1 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

3 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

4 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

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Selecionamos o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e usamos como metodo-logia a análise do discurso. Utilizamos esse recurso porque, concordando com Carla Frasson, o estudo discursivo considera não apenas o que é dito em dado momento, mas as relações que esse dito estabelece com o que já foi dito antes e, até mesmo, com o não-dito, atentando, também, para a posição social e histórica dos sujeitos. Dentro dessa perspectiva tentamos identificar que tipo de informações o jornal passava e que tipo de posicionamento ele defendia.

Selecionamos o dia do evento e o dia imediatamente posterior, respectivamente dia 5 de julho de 1922 e dia 6 de julho de 1922, para entender de que magnitude foi visto este movimento. Analisamos esses dois dias porque o enfoque da revolta se concen-trou com maior ênfase nessas datas e porque essas reportagens contêm uma riqueza de detalhes e de posicionamento que merecem destaque.

O Jornal do commercio, criado pelo francês Pierre Plancher em 1827, circulou em inúmeras regiões do país e adotou uma postura conservadora frente aos problemas nacionais. Como típico da época, quando os jornais assumiam posições, esse adotou a defesa do governo e das oligarquias. Defendeu todos os atos de coerção que o governo teve frente a seus opositores.

Após analisar as fontes da época fizemos um paralelo entre elas e as que são difun-didas hoje pelos veículos de informação de mais fácil acesso - a internet. Queremos, com isso, mostrar as diferenças de enfoque (da mídia) que existem entre uma época e outra.

Deste momento, podemos resumidamente falar que, como a crise do café já vinha se agravando e as últimas medidas protecionistas do presidente Epitácio Pessoa irão in-cutir uma desconfiança pelos passos que tomaria um candidato indicado por ele, pois as medidas protecionistas dadas ao café prejudicavam os importadores (consumidores de classe média) e as elites agrárias que abasteciam o mercado interno.

Nelson Werneck Sodré indica que o Forte de Copacabana foi considerado uma in-surgência dos jovens militares, representantes da classe média, insuflados por proble-mas que, enquanto classe, os prejudicava (inflação e alto custo de vida). Já Boris Fausto se posiciona contra esta visão mais englobante e generalizadora, entendendo o movi-mento com interesses próprios, ou seja, de um grupo militar que se sente prejudicado pela situação política do país. Entretanto, parece-nos, que foi a convergência desses interesses (enquanto classe média e grupo militar) juntamente com a própria questão do distanciamento dos militares do poder, o motivo que vai resultar nessa revolta.

Assim, também podemos perceber que, historiograficamente, o levante do Forte de Copacabana é relacionado como estopim das razões que estavam causando no Exército

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ressentimento não visto - e isso já demonstra um caráter lógico e mais abrangente – como levante isolado das causas de seu tempo.

OS ANTECEDENTES DO LEVANTE DO FORTE

Segundo Edgard Carone, o começo do tenentismo está ligado à luta dos dissiden-tes e militares contra a oligarquia. O levante de 5 de julho (conhecido como o Forte de Copacabana) é o primeiro de uma série de movimentos militares que se colocam contra a política oligárquica, mas principalmente reivindicam um espaço maior no poder para o seu grupo (militar).

Os parágrafos seguintes tratarão dos antecedentes que vão convulsionar o Levante do Forte.

No governo de Epitácio Pessoa, devido a crise econômica advinda da crise do café e das repercussões da Primeira Grande Guerra, houve uma restrição de despesas públi-cas, entre elas o veto ao aumento de salário dos militares, de oficiais a soldados. Esse fato, juntamente com a escolha de ministros civis para a composição do governo de Epitácio, nos cargos de Ministro da Guerra e da Marinha, gerou uma desconfiança do suposto antimilitarismo do governo.

O Exército era uma das partes integrantes das Forças Armadas que não mantinham um vínculo com a aristocracia, sabiam de seu caráter necessário (recentemente, a Pri-meira Guerra Mundial havia demonstrado a importância de um Exército bem instruído e de uma nação bem desenvolvida social e economicamente), não provinham de se-tores rurais mais ricos, mas sua ascensão, geralmente, não decorria das camadas mais populares, sendo possível identificá-los com a “classe média” urbana.

A Escola de Realengo, como demonstra Sodré, teve muita importância nessa cons-ciência política e sociológica, pois seu ensino era direcionado a dar bases que promo-veriam, dentro da instituição, o desejo de inserção política.

A questão da sucessão presidencial também deixou os militares em voga, então contrários a candidatura de Arthur Bernardes. Um grupo de oficiais vai unir-se em torno do Marechal Hermes da Fonseca para tentar transformar-lo no terceiro homem apto a sucessão. “Ajudados pelo Correio da Manhã, que a partir de julho combatia violentamente Epitácio e exaltava os militares, estes começam a manifestar-se sobre questões políticas” (CARONE, 1997:32).

O Jornal Correio da Manhã, ao contrário do Jornal do Comércio analisado aqui, tomou a causa dos militares como sua e começou a combater insistentemente o gover-no. A crise aumenta com a publicação (pelo Correio da Manhã) em outubro de 1921

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de cartas de suposta autoria de Arthur Bernardes (as quais ficaram conhecidas como “cartas falsas”), nas quais esse faz comentários degradantes ao Exército.

Apesar de várias tentativas de derrubar Bernardes, as eleições de 1922 foram ga-nhas por ele. Este, por sua vez, ganhou uma oposição cada vez mais forte e obstinada a lhe tirar do poder. Hermes escreve um telegrama para o Clube Militar ofendendo o governo e manda uma cópia para os comandantes militares e para os jornais reprodu-zirem seu texto. Epitácio manda repreender o marechal e logo após prendê-lo (por 24 horas). O Clube Militar ao manter apoio a Hermes é fechado por seis meses.

O movimento que estoura em 05 de julho separa os que falavam em mudança e os que a desejavam. Vários militares de alta patente que até então incitaram a briga contra o governo, tomaram rápidas atitudes para se dizer desligados dos revoltosos.

O levante de 1922 ocorreu de surpresa, como uma resposta aos desmandos do Presidente da República, que ao não aceitar oposição, manda prender o marechal Her-mes. Houve pouca organização e o movimento se limitou a algumas cidades do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, seu líder foi o capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho de Hermes. A ajuda que chegaria a eles foi logo contida pelos militares situacionistas.

Os quartéis de SP e MG, ligados ao movimento, foram vencidos, restando apenas o Forte de Copacabana. Algumas tentativas de rendição são feitas, obtendo pouco su-cesso. Os bombardeios se dão entre os dois lados e é preparada uma ação conjunta entre Exército, Marinha e Aeronáutica par acabar de uma vez com o levante. “Mas um grupo estava disposto a resistir. Foi franqueada a saída a quem quisesse retirar-se: de 300 saíram 272, entre eles 19 oficiais” (CARONE, 1997:41).

Após inúmeros bombardeios contra o Forte (por terra, mar e ar) e a prisão de seu líder, Euclides, que é preso quando sai para negociar com o governo, o restante dos revoltosos abandona o Forte e (fora 10 que fogem) anda pela praia de Copacabana em direção as tropas, um civil se junta ao grupo. Apenas dois sobrevivem, os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

No primeiro dia da revolta, 5 de julho, o Congresso aprova o estado de sítio, o que permite a Epitácio combater seus oposicionistas sem ter que prestar contas, nem medir suas atitudes.

Tanto Carone como Sodré dizem que o desdobrar desse movimento levou esses 18 homens as últimas conseqüências para defender sua causa, sacrificando-se por um ideal. Mas que ideal é esse?

Num país onde o Exército era uma chance para as classes baixas subirem de posi-ção, não estranha que o discurso de moralizar a política, ampliar a participação, der-rubar as oligarquias, enfim, modificar uma estrutura que privilegia apenas uma classe,

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tenha vindo desses e para esse baixo escalão. No entanto suas idéias eram vagas, não tinham um programa definido, nem consciência de classe. Mas ao mesmo tempo ti-nham a inquietação de querer modificar, de querer ampliar. Tinham a certeza que as coisas estavam erradas e que não era da forma em que o país estava sendo gerido, que se construiria uma nação.

Esse tipo de indignação, ou reivindicação, aparece em vários oposicionistas da for-ma brasileira de se governar da época e com o grupo militar não poderia ser diferente. No entanto, apesar de vermos uma indignação por parte desses homens a uma estru-tura limitada e corrupta, não entendemos o levante do Forte como uma expressão de reivindicações nacionais. Não conseguimos enxergar esse ideal e esse sacrifício que Sodré e Carone nos colocam, nem ver reivindicações maiores, mas apenas um grupo de militares descontentes com a sua situação de pouco prestígio nacional, não enten-demos a revolta em si como representante de reivindicações maiores e sim como um símbolo de revolta por questões bem pontuais e pessoais.

A eclosão da revolta se dá por um motivo particular, a prisão do marechal Hermes, que está envolvido em uma tentativa de desarticular um opositor político e, se possível, ele mesmo tomar o poder.

Não queremos dizer com isso que o Forte de Copacabana não teve importância, mas sim que ele não teve um ideal nacional, ou que pelo menos nós não conseguimos entender esse levante como representativo de queixas nacionais. Acreditamos que ele foi um marco, para, a partir dele, abrir discussões mais aprofundadas sobre o sistema político nacional e para influenciar revoltas que vão ter um cunho mais amplo, como a Coluna Prestes.

A DIVULGAçãO EM: O JORNAL DO COMMERCIO

Como exposto na introdução trabalharemos apenas com o que o Jornal do Com-mercio veiculou nos dias da revolta. Sob o título “A Situação” o jornal começa descre-vendo que houve “boatos de tentativas de perturbação da ordem”5 na noite do dia 4, e diante deles algumas medidas preventivas de segurança, como a movimentação das tropas e a atenção vigilante para qualquer atitude que fuja a normalidade. O jornal logo avisa que a população pode manter-se tranqüila, pois “o governo está vigilante e habilitado a repellir, aqui e em todos os pontos do paiz, suffocar qualquer movimento

5 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quarta-feira, 05 de julho de 1922.

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que porventura se tente”6. Nessa passagem deixa subentendido que qualquer tipo de insurreição é impossível porque o governo está sempre atento a proteger a população de bem e sufocar as perturbações que por ventura se tente. A população, segundo o jornal, “não póde deixar de verberar indignada esses manejos impatrioticos de alguns tresloucados, sobre os quaes é precizo que caia uma mão de ferro para chamal-os à refexão”7.

De acordo com essa informação a população estaria ligada com o conflito, se colo-cando contra ele, mas de acordo com as fontes bibliográficas consultadas, a população mal tomou conhecimento desse levante, com exceção da cidade do Rio de Janeiro, que foi o principal palco do conflito.

A linguagem utilizada pelo jornal deixa bem claro o posicionamento pró governo, sempre rechaçando os rebeldes. Quando expressa os motivos que teriam levado a esse levante, diz apenas que foi por motivos pessoais, não enfocando outras justificativas que teoricamente eles tinham porque não aceitam. A ridicularizarão dos homens en-volvidos no levante também é muito nítida, eles, segundo o jornal, só podiam estar perturbados mentalmente na tentativa de impor suas desvairadas propostas ao gover-no.

Seguindo as informações sobre o levante, o Jornal do Commercio noticia que as forças armadas sustentaram as autoridades constituídas e que não há de ser uma ínfi-ma minoria que provocaria uma desordem em todo o sistema de segurança nacional. Com essa união de forças as várias frentes do levante foram vencidas. Assim a ameaça à ordem pública “cujas consequencias, ao contrário do que imaginavam os seus açula-dores, só poderão resultar em prestígio do Governo e maior força da autoridade” 8. O Governo saira prestigiado e não abalado ao final deste conflito, O Jornal do Commer-cio vai assim forjar um prestígio que o governa não tinha.

Na reportagem, sob o mesmo título “A Situação”, do dia 6 de julho o Jornal do Commercio começa dizendo que “não podia deixar de ser immediatamante repellido e julgado o estúpido movimento de indisciplina” 9, e que o país deve as forças legalistas o sucesso pela sufocação desse movimento que nada mais foi que uma “tentativa crimi-nosa ligada às ambição políticas e aos despeitos pessoaes de meia dúzia de brasileiros

6 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quarta-feira, 05 de julho de 1922.

7 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quarta-feira, 05 de julho de 1922.

8 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quarta-feira, 05 de julho de 1922.

9 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quinta-feira, 06 de julho de 1922.

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sem patriotismo e sem compostura” 10. O jornal vai apresentar, com um tom satírico, que era muito claro que uma insubordinação estúpida dessas iria acabar em fracasso total porque não condizia com as aspirações nacionais, mas sim, ia ao contrário dessas, afirma que o levante, como podia se esperar, foi facilmente vencido e que os brasileiros impatrióticos foram exemplarmente punido. De acordo com essa citação as pessoas envolvidas no Levante do Forte não teriam nenhum tipo de ideal ou reivindicação, seu interesse era unicamente perturbar a nação e tentar impor vontades pessoais aos interesse públicos.

Ao tratar do Marechal Hermes afirma que ele “imaginou poder dictar ordens ao Governo e acabou davidamente castigado na fórma das leis e regulamentos, passando ainda pelo dissabor de vêr fechado e prohibido de reunir-se o Club a que presidia” 11.

Ao informar que o Marechal Hermes foi punido e que seu Club Militar foi fechado o Jornal do Commercio demonstra extrema satisfação com a atitude punitiva do Go-verno.

De acordo com a Ata de fechamento do Clube Militar, o Governo:

(...) declarava fechado o Club Militar, pelo prazo de seis mezes a contar desta data, ficando proibido o seu funcionamento, salvo no tocante do serviço especial de assistência, para o qual não poderá ser convocada nenhuma assembléia geral, nem abertos os seus salões.

O Club Militar foi fechado por ser considerado o inspirador do levante e por ter sido nele que se tramou o complô para a tentativa de derrubada do Governo. Assim, de acordo com a essa ata, foi declarado o seu fechamento e proibida suas atividades.

O Jornal do Commercio, além de aplaudir o fechamento do Club Militar e a puni-ção dos revoltosos, declarou todo seu apoio ao Governo quando esse decretou o esta-do de sítio. “O estado de sítio, decretado hontem pelo congresso, deve ser um estado de sítio differente dos outros. Valha-se delle o Governo para sanear melhor o ambiente onde tantos germens funestos puderam nascer e avolumar-se.” 12

Já sua primeira frase começa dizendo que esse não será um estado de sítio cruel e autoritário como os outros e sim que como o governo foi levado, pela indisciplina de alguns a instituí-lo, ele terá que limpar o país dessa malha suja que nos cerca e acabar com germes que alimentam o antipatriotismo e a desordem.

10 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quinta-feira, 06 de julho de 1922.

11 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quinta-feira, 06 de julho de 1922.

12 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quinta-feira, 06 de julho de 1922.

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A última frase da reportagem do dia 6 de junho agradece o Presidente por ter salvo Brasil dessa revolta e instituído elementos disciplinadores aos que tentaram e aos que tentarão subjugar a ordem e a constituição. “Ao atual Presidente, que abrio essa pers-pectiva à regneração do Brasil pela ordem à lei e à autoridade, as nossas homenagens agradecidas”. 13

A INTERNET E OS 18 DO FORTE

A história sobre a revolta dos 18 do Forte é bastante diversificada quando os detalhes de um texto para o outro no que se refere à internet. Vemos que quando pesquisado sobre o assunto, poucas reportagens, vídeos e artigos aparecem. São quatro principais artigos que podemos citar. Todos os artigos são tirados de sítios que tem uma função “educativa” e apenas um deles é feito por um historiador (ao menos é identificado como sendo de um historiador). Um deles é importante salientar, o do sítio oficial do Forte de Copacabana, onde podemos ter uma ideia da visão dos militares - hoje - sobre o assunto. Escolhemos, também, 6 vídeos do Youtube, por ser esse muito visitado e pelo vídeo ter um caráter didático que interessa a muitas pessoas. Desses vídeos, 5 são continuação, que num primeiro momento foram achados no sítio oficial do Exército e do Forte de Copacabana. O outro, é um vídeo didático sobre o assunto.

A revolta é, normalmente, apresentada como um levante militar organizado pelo baixo escalão, que estavam descontentes com o candidato a presidência, Artur Bernar-des, que teria escrito as “cartas falsas” criticando os militares; estavam revoltados com a prisão do Marechal Hermes da Fonseca, então Presidente do Clube Militar (fechado quando prenderam o Marechal); e, também, não gostaram da escolha de um civil para o cargo de Ministro da Guerra (essa parte aparece mais nos vídeos do Youtube e em um dos textos). Eis o estopim para que se tivesse uma revolta armada.

No geral, os 18 do Forte são retratados como heróis que lutaram pela democracia e pela pátria, pela liberdade de escolha, por uma melhoria na política, entre outras coisas, como podemos notar no texto a seguir:

Mas foi no Forte de Copacabana que a Revolução expôs sua na-tureza mística: na madrugada de 5 de julho, eclodiu uma rebe-lião de jovens oficiais, que, sob o comando do Capitão Euclides Hermes da Fonseca, dominou o Forte, enfrentando resistência das forças legalistas. O combate continuou na rua e os 17 militares

13 Trecho retirado do Jornal do Commercio. Quinta-feira, 06 de julho de 1922.

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que saíram do Forte receberam o apoio do civil Octávio Corrêa. Cada um com um pedaço da Bandeira Nacional junto ao coração, marcharam de peito aberto para enfrentar as forças legalistas. A luta foi desigual e terminou com a morte de praticamente todos os revoltosos (grifo nosso).14

Fazendo uma leitura de artigos de historiadores que, achamos estar mais preocu-pados com a maior proximidade do fato em si, notamos que esses heróis não são bem heróis e que lutavam por uma melhoria de salários, de condições de trabalho, de re-conhecimento (o que já discutimos no capítulo anterior). A palavra “mística” presente no corpo do trecho citado e o final do trecho, nos parece uma exacerbada exaltação do fato. A “revolução expôs sua natureza mística”, pode ser entendido como algo que era intrínsico ao Forte, era natural e impossível não se rebelar contra as decisões tomadas pelo presidente. Eles “marcharam de peito aberto para enfrentar as forças legalistas” (ver nota de rodapé nº 1), ou seja, há uma romancização em relação aos soldados mais um civil. Pelo que vemos nesse texto, a história está servindo para legitimar uma forma de poder que antes estava sendo rejeitada. O exército, desde sua volta da Guerra do Paraguai, reivindicava melhorias no salário, mais reconhecimento, maior participação na política e alguns outros direitos para a melhoria da corporação. “Agora”, o exército se (re)afirma como um herói lutador por seus direitos e que fez e faz de tudo para “salvar” a pátria.

Notamos que, nesses artigos selecionados não aparecem os militares de alto esca-lão, não há uma alusão à sua participação. Num nos vídeos do Youtube, por exemplo, 18 do Forte Copacabana e Rev. 1924, temos uma breve citação sobre esses militares de alto escalão, mas também não são incluídos no processo de rebelião, aparecem como afirmadores do sistema vigente e pouco interessados que mude algo. Podemos ver em um trecho retirado de um vídeo no Youtube que, quem aparece contestando são os soldos, tenentes e, no máximo generais.

A jovem oficialidade contestou a vitória de Artur Bernardes, candida-to oficial da presidência da República. As agitações causadas pelos tenentes fez com que o governo mandasse fechar o Clube Militar e prender o seu presidente, o Marechal Hermes da Fonseca (...). (grifo nosso)15

14 Trecho retirado do sítio: http://www.fortedecopacabana.com/modules/articles/article.php?id=5

15 Trecho retirado do vídeo 18 do Forte Copacabana e Rev. 1924, do sítio: http://www.youtube.com/watch?v=C7Vgb6-I9Kw&feature=related

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Como já foi visto, a alta patente do exército estava envolvida sim. Ficando “escondi-da atrás” das menores patentes para que não seja notada e nem ser derrubada. Outro fato que é bastante diverso nos textos e nos vídeos é: quantos eram e como ficaram somente 18. No texto do sítio Historianet, podemos ver a informalidade da informação e que o acontecimento foi por acaso:

Eram 301 revolucionários - oficiais e civis voluntários - enfrentando as forças legalistas, representadas pelos batalhões do I Exército. A certa al-tura dos acontecimentos, Euclides Hermes e Siqueira Campos suge-riram que os que quisessem, abandonassem o forte: restaram 29 combatentes. Por estarem acuados, o Capitão Euclides Hermes saiu da fortaleza para negociar e acabou preso. Os 28 que permaneceram, decidiram então “resistir até a morte”, A Bandeira do Forte é arriada e rasgada em 28 pedaços, partindo depois em marcha pela Avenida Atlântica rumo ao Leme. Durante os tiroteios, dez deles dispersaram pelo meio do caminho e os tais 18 passaram a integrar o pelotão suicida. (grifo nosso)16

Aos poucos, os soldados dispersaram ou desistiram e 18 ficaram, nem sequer fala-se na figura de um civil (Octávio Corrêa) que se juntou aos reivindicantes. Muito intrigante para um sítio de história. Mas, continuaremos. Nesse outro sítio, fala-se em Otávio Corrêa, mas não entram em detalhes de quantos eram ou quantos deixaram de ser. O mesmo acontece nos vídeos retirados do mesmo sítio, o sítio oficial do Exército e do Forte de Copacabana.

(...) eclodiu uma rebelião de jovens oficiais, que, sob o comando do Capitão Euclides Hermes da Fonseca, dominou o Forte, enfren-tando resistência das forças legalistas. O combate continuou na rua e os 17 militares que saíram do Forte receberam o apoio do civil Octávio Corrêa. (grifo nosso)17

Num outro texto, também intitulado 18 do Forte, vemos uma “lógica” maior ao tratar a questão do número de soldados que se tinha e que ficaram e o porquê:

Temendo o poder de reação do governo, os líderes do Forte per-mitiram que aqueles soldados que não quisessem participar do

16 Trecho retirado do sítio: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=337

17 Trecho retirado do sítio: http://www.fortedecopacabana.com/modules/articles/article.php?id=5 e dos vídeos: e dos vídeos: http://www.fortedecopacabana.com/modules/xoopstube/viewcat.php?cid=8 (contém os 4 vídeos sobre o assunto nes-se sítio)

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levante saíssem do local. De todos os 300 amotinados ali encon-trados, somente vinte e oito resolveram permanecer no confor-to. Com a imensa deserção acontecida, Euclides Hermes da Fonseca resolveu sair do Forte para tentar negociar com o governo. Após sua saída, foi imediatamente preso e o prédio bombardeado pelas tropas governamentais. (grifo nosso)18

Ou seja, supostos 300 soldados, restaram 28, 29 ou 18, pois os líderes do Forte temiam uma reação do governo. É um tanto quanto ilógico, pois se não quisessem que o governo tivesse uma reação, não teriam se “rebelado”. Esse próximo texto tem uma importância muito grande, pois é uma reportagem de um jornal atual do Rio de Janei-ro, RJ, ou seja, é a construção de opinião de hoje num veículo de informação muito corriqueiro e que abrange muitas pessoas:

O Ministro da Guerra Pandiá Calógeras, telegrafou ao Forte exigindo a rendição dos rebelados. O capitão Euclides resolve liberar aqueles que não quisessem continuar lutando, e dos 301 combatentes, 272 se reti-raram. (...) No começo da tarde o grupo começa o avanço pela Avenida Atlântica. Após o começo dos conflitos, e em função de intenso tiroteio, o grupo se dispersa restando 17 militares. A eles se junta o engenheiro civil Otávio Correia.19

Nesse caso, foi por pressão do Ministro que Euclides libertou os soldados que não queriam mais lutar, restando 29 somente. No final, restam 17 e um civil. Em todos os artigos e vídeos escolhidos, podemos dizer que a divergência não fica somente no que diz respeito aos soldados, mas também quanto aos motivos do confronto, entre outros. O importante é ter a ideia de que não há uma versão dos fatos na internet (como já era esperado), mas que todas elas tendem a fazer desse movimento um ato heróico, de exemplar dedicação e patriotismo (que é o que se tem em comum). Poderíamos citar outros e outros tipos de partes em comum ou em divergência. Mas, infelizmente não é somente esse o objetivo desse artigo e, sim, uma parte.

É realmente interessante pensarmos que a internet é utilizada para inúmeras ta-refas, sejam elas para saber o significado de uma palavra ou saber o que foi um de-terminado acontecimento histórico. Muitos estudantes, professores, aprendizes fazem questão de recorrer a essa ferramenta. Mas, para muitos a credibilidade da fonte é du-vidosa e, então, o que fazer? Não utilizar? Cremos que aqui, mostramos que a internet

18 Trecho retirado do sítio: http://www.brasilescola.com/historiab/levante-forte-copacabana.htm

19 Trecho retirado do sítio: http://diariodorio.com/page/10/?s=copacabana

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pode ser “vilã” em alguns casos, mas não podemos ter esses casos por base de todas as trilhares de páginas que são oferecidas e construídas todos os dias para o deleite de milhares e milhares de “espectadores”. Ou seja, devemos ter muito cuidado ao nos depararmos com esses artigos, criticando-os e procurando outro tipo de fonte que informe melhor sobre o assunto. Mas, como sabemos, não existe uma verdade e, sim, muitas verdades.

CONCLUSãO

Através do exposto pelas duas mídias podemos observar que o Forte de Copacaba-na suscitou interpretações bem distintas.

O Jornal do Commercio, contemporâneo ao Levante, assume um visão super con-servadora frente a ele, no entanto, não tenta maquiar seu posicionamento, deixando bem explícito seu apoio ao governo e sua oposição aos que o contestam. Em nenhum momento o jornal tentou lançar os motivos para esse levante, ou tentou explicá-lo como fruto de reivindicações. Para o jornal o levante era fruto de um bando de deso-cupados, que por motivos egoístas e de revanchismo pessoal, queriam desestabilizar a ordem nacional (o governo). Ele apoiou e incentivou a punição dos revoltosos e a implantação do estado de sítio, que não seria mais que uma prevenção contra golpes impensados e realizados por aventureiros.

Já os sítios da internet apresentam uma visão oposta a do jornal. Os revoltosos do Forte aparecem como heróis, como um grupo de homens que teria morrido pelo ideal de salvar a nação. Segundo essas fontes, os interesses com essa luta eram nacionais e as reivindicações desses homens eram realizadas em nome de todos os brasileiros. A exaltação desse grupo é nítida.

Mesclando essas fontes com o material bibliográfico lido, podemos apontar para os exageros dessas, tanto no sentido de exaltar quanto no sentido de destruir esse movimento, eles não foram tão perversos como indica o jornal de 22 nem tão revolu-cionário como colocam as fontes atuais.

Pela gritante diferença das posições, podemos perceber a necessidade de cada um dos lados de construir um discurso oficial, discurso esse que não necessita de uma ponderação e uma análise aprofundada. Ela se faz com o teor romântico do bem e do mal e como podemos observar com essas fontes analisadas, o discurso só depende do ângulo de quem vê e de onde se vê.

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FONTES

Jornal do Commercio, 03 de julho de 1922. Jornal do Commercio, 04 de julho de 1922.Jornal do Commercio, 05 de julho de 1922. Jornal do Commercio, 06 de julho de 1922. Jornal do Commercio, 07 de julho de 1922.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARONE, Edgard. Corpo e Alma do Brasil. Revoluções no Brasil Contemporâneo (1922-1938). São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1997.

FAUSTO, Boris. A crise dos anos 20 e a revolução de 1930. In: HOLANDA, Sérgio Buar-que de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1997, PP. 401-426

FRASSON, Carla Beatriz. Análise do discurso: considerações básicas. In: http://www.fucamp.com.br/nova/revista/revista0612.pdf

LOPES, Luis Roberto. História do Brasil Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aber-to, 1980.

SODRÉ, Nelson Werneck. O Tenentismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

SITES CONSULTADOS

DUARTE, André. Sítio Diário do Rio de Janeiro. Histórias do Rio: Os 18 do Forte. http://diariodorio.com/page/10/?s=copacabana

Jornal do Commercio: Quase dois Séculos de História. http://www.jcom.com.br/pagi-

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na/historia/2

Sítio Oficial do Exército e do Forte de Copacabana. Vídeos – 18 do Forte (5). http://www.fortedecopacabana.com/modules/xoopstube/viewcat.php?cid=8

Sítio Oficial do Exército e do Forte de Copacabana. 18 do Forte. http://www.fortedeco-pacabana.com/modules/articles/article.php?id=5

Sítio HistoriaNet. 18 do Forte. http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=337

Sítio YouTube. 18 do Forte de Copacabana e Rev. 1924. http://www.youtube.com/watch?v=C7Vgb6-I9Kw&feature=related

SOUSA, Rainer. Sítio Brasil Escola. Levante do Forte de Copacabana. http://www.brasi-lescola.com/historiab/levante-forte-copacabana.htm

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O TENENTISMO E A IMPRENSA RIO-GRANDINA

Ana Cláudia Borges Saraiva1

Fabiano Mello da Costa2

Helio Braun3

Eduardo Luiz Enderle de Oliveira4

Embora o Tenentismo, enquanto movimento de intervenção militar no processo político nacional, conforme Sodré, não tenha sido incomum, alguns aspectos o torna-ram um movimento excepcional, diverso das demais intervenções militares no país; merecendo, assim, que seja tratado como tal, nas abordagens investigativas, científicas, que sobre ele se faça e que se venha a fazer.

O movimento tenentista pode ser entendido, segundo o mesmo autor, como um episódio da Revolução Burguesa brasileira; e a Revolução de 1930, seu último feito. Com esta última, caia a República Velha e se iniciava o Estado Novo, com Getúlio Var-gas. O Tenentismo pode ser delimitado, temporalmente, entre 1921, ano em que é pu-blicada, no Correio da Manhã, a primeira e segunda cartas falsas, com autoria atribuída a Artur Bernardes, candidato oficial do governo, com ofensas aos militares; e a Revolu-ção de 1930. Embora a atuação política dos tenentes não tenha cessado inteiramente a partir desta data, ela se desfigura, e acaba em 1933-34, já no governo de Getúlio Vargas.

1 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG

2 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG / Licenciado em Artes Visuais - FURG

3 História Licenciatura Universidade Federal do Rio Grande - FURG

4 História Bacharelado Universidade Federal do Rio Grande - FURG / Bacharel em Teologia

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Seus principais nomes foram Luis Carlos Prestes e Miguel Costa. Todavia, para que se possa definir melhor o Tenentismo, convém inseri-lo no seu contexto histórico.

De acordo com, a visão da historiografia moderna, conforme Sodré, o século XX verdadeiramente só começou com o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918; este novo século já conhecendo na prática, e não mais só na teoria, o Socialismo, com a Revolução Russa de 1917. No mundo capitalista, a divisão de classes se tornava mais acentuada, mais internacional, assim como sua estrutura política-social. A questão so-cial, caracterizada pela luta de classes, tornava-se determinante no fazer político; e o mundo se unificava, numa relação dialética, onde o que afetava algum lugar do mun-do, afetava, de maneiras diversas, o resto dele, conforme o nível de desenvolvimento político-econômico das nações e dos povos.

A relação entre os países se dava de forma desigual, posto que, enquanto alguns estavam já na fase imperialista do capitalismo, outros estavam ainda em estágios iniciais do mesmo, com aspectos de relações, regionalmente falando, pré-capitalistas.

O Brasil se inseria neste último caso, com a Revolução Burguesa surgindo, ainda in-cipiente, com a implantação da República. Com uma economia agrária e exportadora, baseada no café, o governo brasileiro era dominado pela elite latifundiária e oligárqui-ca, em que o povo se encontrava a margem do processo político; um país dependen-te, inclusive internamente, de empresas estrangeiras, até para o abastecimento dos gêneros básicos à sobrevivência humana. Configurava-se, assim, como uma economia periférica, para onde os países capitalistas mais desenvolvidos passavam os ônus das crises cíclicas do sistema aos menos desenvolvidos; e estes, da elite dominante para o povo, acarretando em endividamento público, inflação, carestia.

Dentro deste contexto, no cenário brasileiro, uma camada social média, a peque-na burguesia, composta por intelectuais, artesãos, comerciantes, burocratas, militares, que já existia desde a época monarquista, teve papel decisivo nas alterações políticas nacionais, quando houve alguma cisão na elite agrária exportadora; a pequena bur-guesia pode ser considerada a vanguarda da classe burguesa no Brasil, esta última se encontrava em lenta, mas progressiva escalada ao poder político, e a pequena burgue-sia aceitava os valores da classe a qual, de fato, pertencia, e comungava com eles. Da interação posterior entre a burguesia e o proletariado emergente se daria o desenrolar do avanço das relações capitalistas no Brasil.

As constantes eleições fraudulentas, em que as restrições ao “voto universal” im-pediam que a maioria esmagadora da população participasse do processo político na-cional, e a “política dos governadores”, com predomínio do poder dos estados de São Paulo e Minas Gerais, foram traços que caracterizaram a República Velha.

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Frente a tal estado de coisas, o Tenentismo se posicionou contrariamente; sendo que os militares eram o segmento da pequena burguesia, à época, mais ativo e interes-sado em mudanças políticas, dentro deste grupo, em especial, os jovens oficiais – os tenentes; daí o nome do movimento.

O Tenentismo teve um caráter centralizador, não se aproximando, em seu conjun-to, do proletariado nacional e suas aspirações, não desejando participação do mesmo no movimento, principalmente na primeira fase deste; pode-se citar como exceção Prestes, já na parte final do movimento (1929), quando ele se encontrava já mais afeito a idéias socialistas e comunistas, pelo contato que teve como líderes políticos afiliados desta ideologia.

Isto acontecia porque os “tenentes” (havia capitães entre eles, também) se identi-ficavam, mesmo que sem plena consciência disto, com as aspirações burguesas, pro-venientes que eram, em geral, desta classe social. Almejavam uma “purificação” do sistema político, “republicanizar a república”, onde as regras oficialmente estabeleci-das fossem cumpridas, com perfeição formal, e não, de fato, uma mudança no regime político, que era a questão essencial a ser transformada, em relação ao que ele tinha de mais característico, que era o processo de escolha do presidente e dos representantes do povo no poder legislativo.

Ainda que Prestes, em sua coluna, de 1924 a 1925 (em 1926 os integrantes do mo-vimento internar-se-iam na Bolívia) tenha percorrido o país de sul a norte (ele partiu do Rio Grande do Sul); e o Tenentismo, de forma geral, não tenha conseguido grande apoio popular, de forma efetiva, ele foi um acontecimento que marcou a memória popular como um ato de rebeldia contra o “status quo”, heróico, uma memória ativa das possibilidades de mudanças sociais e políticas no país. Conforme Sodré, a im-prensa de oposição cunhou o título “Cavaleiro da Esperança” para Luis Carlos Prestes, tornando-o símbolo do movimento.

Inicialmente contrários à união com lideranças políticas civis, “impuras”, com o de-senrolar do movimento os dois grupos se aproximaram e, juntos, fizeram a Revolução de 1930. A partir de então, o Tenentismo perde sua essência, divide-se, entre situacio-nistas, que no governo Vargas atuarão como os tenentes-interventores nos estados; e os oposicionistas, que desejavam continuar com a luta armada, o mesmo acontecendo com os grupos políticos civis que a eles se uniram. As posições se radicalizam, e surge, em 1935, a Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira; em ambas havia elementos tenentistas e isto selou o desaparecimento das motivações que antes os haviam unido; assim, como diz Sodré, “o Tenentismo está morto”(SODRÉ, 1985: 43). A ditadura de 1937 acarretava no seu desaparecimento da cena política nacional

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de forma permanente.Sodré, ao discorrer sobre o papel da imprensa no movimento tenentista, e na socie-

dade da época, afirma que, como esta se sustentava na venda avulsa de exemplares aos leitores (o papel da publicidade no sustento dos jornais era ainda bastante modesto), ela estava diretamente dependente, para continuar funcionando, do povo leitor de seus periódicos; com isto, ela influenciava, e, ao mesmo tempo, era fortemente in-fluenciada pela opinião pública. Como a maior parte dos leitores da época fazia parte da burguesia, média e alta, era esta classe social que predominava nos rumos que os jornais tomavam; então, neste momento histórico, a imprensa era, predominantemen-te, de oposição ao governo. Alguns posicionamentos políticos de jornais rio-grandinos serão analisados a seguir, através do conteúdo de suas notícias sobre o movimento te-nentista, em dois de seus anos principais, 1922, ano em que o movimento toma forma e se inicia de fato, e 1924-27, época do seu auge, período que compreende um dos momentos mais emblemáticos do Tenentismo, a Coluna Prestes, iniciada em 1924.

1. O TENENTISMO SOB AS PÁGINAS DO JORNAL “ECHO DO SUL”

O Tenentismo, como já fora dito, pode ser entendido como um fenômeno tipica-mente brasileiro, não isolado na conjuntura da época, e basicamente realizado por setores internos do exército, desprestigiados ao poder hierárquico. Mais do que isso, devemos analisar o tenentismo como uma quebra da hierarquia militar (fortalecida desde a proclamação da República) e como um movimento que logo tomou ares de assalto ao poder, irrompendo os muros dos quartéis, e tentando assumir o controle da sociedade.

Entretanto, para nosso estudo, é necessário que fique claro que não havia um “Pro-jeto tenentista” para o Brasil. Os tenentistas não almejavam o poder inicialmente e nem viam isso com bons olhos. Não havia nenhuma unidade no movimento, nem qualquer intenção de retomar o governo por meio de um militar, tanto que apoiavam Nilo Pe-çanha, um civil, contra Artur Bernardes, outro civil, mas representante das grandes oligarquias do sudeste.

Segundo Edgard Carone, em “O Tenentismo”, não há um tenentismo, mas vários tenentismos, do ponto que não havia consenso nas reivindicações, nem mesmo as mesmas aspirações para todos os grupos. Podemos afirmar, de fato, que não havia um “projeto Tenentista” para o Brasil, mas sim, uma extensa carta de reclamações.

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Podemos afirmar duas, que saltam aos olhos: A primeira, os abusos cometidos pelos superiores em relação ao baixo oficialato, tanto no Exército como na Marinha. Esses abusos, como foram reclamados durante a Revolta da Chibata (1910) incluíam castigos físicos. Na segunda, uma reclamação contra o desgoverno de Artur Bernardes, alto re-presentante de Minas Gerais e das elites do sudeste, enquanto a carestia dos alimentos pressionava os cargos mais baixos da hierarquia militar. A dissonância entre superiores e inferiores foi um dos pontos mais controversos durante o tenentismo, já que para os altos comandos repressores, havia um desagravo e uma quebra de hierarquia, não uma pasta de justificativas plausíveis.

A quebra de hierarquia no Rio de Janeiro, entretanto, teve respaldo no restante do país. Em Rio Grande, o órgão representante do Partido Republicano Riograndense era o jornal “Echo do Sul”; é através dele que veremos, em alguns parcos relatos, como a Revolta de 1922 ressoou em Estados alinhados com a política das oligarquias. Em sua edição nº 1147, de 5/7/1922, quarta-feira, o jornal não noticia as reivindicações dos revoltosos, mas informa que as forças do governo não só já retomaram o controle das tropas na Capital federal, como “nada mais é possível de parte dos pseudo-revolucio-nários, ainda que apellem elles para os meios extremos”. Em seguida, se referindo ao Presidente do Clube Militar, Hermes da Fonseca e ao Contra-almirante Octavio Jardim, o jornal explica o ato de insubordinação como “sede de seus appetites de loucos”. O recorte a seguir é parte do artigo “O Momento político – A successão presidencial e o dever dos militares no presente momento”, escrito pelo Almirante Tancredo Burlama-qui, em 19 de junho:

Com a certeza plena de não ser mais nos dias de agora autoritário o caráter das classes militares, e com a segurança de que estas não mais se animam a aventuras políticas, pois, a obediência aos governos legi-timamente instituídos, foi, é e será sempre o apanágio do seu crédito militar. (Echo do Sul, 19/06/1922: 5).

Note-se que o artigo escrito pelo Almirante Burlamaqui é antes de tudo, um cal-mante para os cidadãos preocupados: ele insiste, durante o restante do texto em não discutir os pedidos de Hermes e Octavio Jardim, mas também reitera para a nação, um clima de estabilidade. Enquanto isso, é prudente compreender mais do mesmo jornal. No dia anterior, em seu editorial, o Echo do Sul tentou economizar linhas acerca do fato, que já vinha tomando proporções calamitosas no país. Segundo o editorial do dia anterior, mesmo averiguadas algumas fraudes em sessões eleitorais diversas, era sabido que a vantagem de Bernardes lhe daria a vitória, até mesmo por serem mais de

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150.000 votos à frente. Portanto, para o Echo do Sul, a revolta liderada pelo Marechal Hermes da Fonseca,

era antes de tudo, um fato contrário ao poder do voto. Também não podemos deixar de averiguar mais uma nota que retrata o momento conturbado do país, naquele ano de 1922. O Jornal Echo do Sul rechaça o aparecimento de um jornal santa-mariense, denominado de “O Separatista”. Para os editores do Echo, “o nome vale o próprio pro-gramma e define uma degenerescência cívica e uma ausência de dignidade nacional”, repetindo aí, o que teria sido publicado pela “Folha” de Livramento. Como vemos, à beira de uma Guerra civil e às portas de um dos anos mais conturbados da política rio-grandense (1923), não eram raros os que queriam um rompimento com a política das oligarquias do sudeste, mesmo que isso legalizasse a política das oligarquias gaúchas. Na verdade, as páginas dos jornais nos fazem repensar a seguinte questão: Os órgãos não eram imparciais, mas também não fingiam sê-lo. Nada nos impede aqui de analisar que parece ser natural, então, como o Echo do Sul se manifesta em relação ao momen-to político de 1922.

Na quinta-feira, dia 6/7/1922, a edição do jornal anuncia que recebeu “telegrammas” atualizados acerca da relação conturbada das forças armadas com o governo na Capital federal. O anúncio de capa diz “O Momento político – Tentativa de revolta – Levante do Forte de Copacabana”, no que se complementa ainda a seguinte noticia abaixo: “A Escola militar adere ao movimento – Não há notícias de Hermes da Fonseca e nem de Octavio Jardim”. Adiante leremos que “Borges de Medeiros recebeu telegramma do Mi-nistro da Justiça Ferreira Chaves, alegando que houve revolta na guarnição da fortaleza de Copacabana durante a madrugada, mas a cidade está calma”. O jornal ainda denota calma quando divulga aos seus leitores que a normalidade estará assegurada, já que o jurista Ruy Barbosa, homem de invejável equilíbrio foi ao senado defender o governo. O jornal Echo do Sul assegurou que “O Governo sabendo-se tramar contra a ordem pública tomou providencias rápidas”(06/07/1922: 3-1).

No entanto, as edições seguintes não são tão alentadoras. Na do dia seguinte, sexta, 6/7/1922, já há notícia de que fora marcada a data para a eleição do Vice-presi-dente, o que denota conturbação na vida política e certa preocupação em sensibilizar os revoltosos, ainda que o mesmo jornal, em telegrama do General Hamphilo Hygino de Moura, Chefe da Casa militar de Epitácio Pessoa, anuncie a rendição do Forte de Copacabana. Mais grave ainda é a edição de sábado, quando começam as perseguições sob o comando de Epitácio Pessoa. O jornal divulga nota sobre o número de mortos e feridos na Capital, e anuncia a lista de prisões que incluem “Officiales, deputados e outros políticos”.

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Numa época com parcos meios de comunicação, os “telegrammas” e o “telegra-pho” em si, eram o meio mais rápido de manter e atualizar as notícias. Por isso, o Echo do Sul manteve, naqueles dias, prolífica correspondência com a Capital. No dia 10/7/1922, a capa alardeava as novas sobre “O Momento político: As últimas e impor-tantíssimas informações telegraphicas do nosso correspondente”. A notícia, tomando a capa por inteiro, e encobrindo os muitos anúncios de medicamentos milagrosos, denota o quanto o assunto havia repercutido (o que não deixaria de ser diferente); mais do que isso, nos dias seguintes, Epitácio Pessoa anuncia uma série de prisões, que se não representassem segurança para o seu governo, o seriam supostamente para a sociedade brasileira. Somente no dia 12/7/1922, as notícias sobre a situação política dão certo descanso, sendo substituídas por um sugestivo artigo sobre “O paraízo Bol-shevista”.

Como se sabe, ainda que este artigo não remetesse a nada diretamente sobre a revolta dos tenentes, acreditava-se, na época, que muitos dos participantes e fomenta-dores da Revolta eram agentes vermelhos,5 ainda mais que recentemente o PCB havia sido fundado ( junho de 1922). No dia 13/7/1922, as notícias dão conta da prisão do Capitão Euclydes Fonseca. Neste mesmo dia, e será noticiado após dois dias no Echo do Sul, Hermes da Fonseca presta depoimento, inocentando-se. Também está detido para depoimento o diretor do Correio da Manhã, Edmundo Bittencourt. Na edição do dia 15, O Echo do Sul noticia a posição de Epitácio Pessoa, após decretar o estado de sítio: “Forçado a decretal-a, empregal-a-ei com elevação. Tendo em vista sómente o bem commum e sem descer à mesquinharia de vinganças pessoaes”(15/07/1922). O enxovalhamento dos revoltosos, e as declarações positivas sobre Epitácio, não são, por hora, menos escandalosas que os elogios à Borges de Medeiros, que é referencia para o Echo do Sul, a ponto de reeditar, no dia 17/7/1922, segunda-feira, uma nota do jornal “República” de Florianópolis, onde o líder gaúcho é adulado em meio ao caos que toma o país.

2 . A CENSURA NO MOVIMENTO TENENTISTA

Naquela cena inicial republicana, a censura não tardou. Em 23 de de-zembro de 1889 o Governo Provisório baixava severo decreto de cen-sura à imprensa, espalhando medo. Conhecido como Decreto Rolha, previa penas militares de sedição para os que conspirassem contra o

5 A paranóia tomou corpo mais a frente, quando Luis Carlos Prestes aderiu ao Comunismo.

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governo“por palavras, escritos ou atos (MARTINS, 2006:35).

Como podemos ver a República brasileira já iniciou sob as amarras da censura, a qual se estendeu por toda República Velha e obviamente se fazia mais presente em momentos de conflitos. Além da censura oficial, outro fator que interferia na divul-gação das notícias é o fato de que muitos organismos e partidos tinham seus jornais “oficiais” onde pregavam suas ideologias, caso do jornal “O Federalista” no Rio Grande do Sul. Para execução desta análise foi selecionado o periódico rio-grandino “O TEM-PO”, referente ao mês de julho de 1922, período este que compreende o surgimento do Tenentismo (SODRÉ, 1985:26).

A censura pode ser observada na seguinte noticia:

Só agora foi permitida a divulgação de informes sobre o movimento subversivo que o Gal. Clodoaldo da Fonseca chefiou no longínquo Es-tado do Mato Grosso e que ainda o governo dominou tão prontamen-te, como o fez com o da Capital Federal. O movimento teve início no dia 8 do corrente, depois daquele general haver assumido, em Campo Grande, o comando da circunscripção militar do Mato Grosso. Conhe-cido do governo o movimento, tomou ele providencias enérgicas para tolher a ação dos revoltosos (O Tempo – 19/07/1922).

A censura é admitida no inicio: “Só agora foi permitida...”, e transparece ser o governo que praticou tal ato, pois salienta a forma enérgica com que o governo a com-bateu e expõe o fato de que os eventos eram noticiados somente depois de debelados e controlados. O parágrafo final deixa um claro recado para todos os rebeldes.

Além de censurar, o governo também perseguiu jornalistas, inclusive alguns foram presos. Não podemos deferir se por publicarem notícias em seus jornais enfrentando a censura imposta ou se por fazerem parte da redação de jornais oposicionistas. É o que nos mostra a seguinte notícia.

Os jornalistas Edmundo Bittencourt e Irineu Marinho, que se achavam presos envolvidos no levante militar foram transferidos do xadrez co-mum da Ilha das Cobras para o quartel da companhia de metralhado-ras, sob o comando do capitão Daltro, continuando incomunicáveis (O Tempo – 20/07/1922).

Podemos evidenciar o caráter político destas prisões, pois os presos são transferi-dos de uma prisão civil para uma prisão militar, apartados de qualquer contato com o exterior. Outro detalhe que podemos recortar destas leituras é o jornal como difusor

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de idéias de um grupo ou organização, como podemos ver em uma notícia comen-tando o editorial publicado no jornal “A Federação”, responsável pela divulgação dos ideais proferidos pelo PRR - Partido Republicano Rio-grandense: “Editorial do jornal “A Federação” órgão chefe do Borgismo garante que o governo rio-grandense apóia “incondicionalmente e em qualquer terreno a legalidade” (O Tempo – 10/07/1922).

Devemos observar que o jornal O Tempo também tinha como objetivo divulgar as idéias republicanas e deve ser estudado com o cuidado devido, dado o fato deste ser elemento de divulgação das idéias do partido.

A produção jornalista não esta isenta das perspectivas políticas, sociais, econômicas e culturais de quem a produz, ao analisar os jornais de-vemos estar ciente desta não neutralidade, mas isto não retira o seu crédito se analisado com esta consciência. Devemos nos inserir em que contexto o jornal foi produzido, qual relação do redator e o assun-to que escreve, e perceber de qual lugar o jornalista esta escrevendo (LUCA, 2006:111).

Nesta época o governo gaúcho apoiou a candidatura oposicionista de Nilo Peçanha à presidência da República, contra Artur Bernardes, apoiado por mineiros e paulistas. Bernardes venceu o pleito, mas mesmo sem apoio do governo federal, Borges se reele-geu. Esta eleição foi fortemente contestada pelos oposicionistas representados por seu candidato Assis Brasil, e resultou em outra revolta em 1923.

3. A REVOLUçãO E A VIDA COTIDIANA

Em outubro de 1924 começa o levante tenentista no estado do Rio Grande do Sul. Logo a seguir tem início a marcha rebelde. A imprensa local, como o Correio do Povo, um dos jornais que serviu como fonte de pesquisa para o presente artigo, vai denominar o levante como “Movimento Sedicioso”, demonstrando, com isso, o seu posicionamento conservador contra os tenentes. Mais tarde, o movimento, iniciado em Santo Ângelo, receberia o nome de “Coluna Prestes” episódio culminante do mo-vimento tenentista.

Diante da grave crise estrutural (econômica, social, política, ideológica e cultural), que abalava a República no início dos anos 20 – a crise do “pacto oligárquico” esta-belecido entre os grupos oligárquicos dominantes -, os setores médios mostravam-se insatisfeitos com a falta de liberdade e com as limitadas possibilidades de influir na vida política. Predispunham-se à revolta e a apoiar ações radicais contra o poder oligárqui-

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co. Faltavam-lhes, contudo, organização e capacidade de arregimentação para assumir a direção do movimento de rebeldia contra o poder estabelecido.

O jornal Correio do Povo, no período pesquisado, outubro de 1924 até segundo trimestre de 1927, tinha uma coluna fixa com o titulo de Movimento Sedicioso. Nesta coluna, eram publicadas pequenas notas que contavam o desenrolar do movimento. Reservistas eram convocados em notas divulgadas nesta coluna: “Convocação de Re-servista: O comando da Região Militar está convidando os reservistas das classes 1899 – 1901 pertencentes ao 9° B. de Caçadores de Pelotas, para apresentarem nos respec-tivos quartéis” (Correio do Povo, 31/10/1924).

Tanto a convocação de soldados, como o deslocamento dessas tropas para o inte-rior do estado, eram tratados com bravura. Os leitores podiam perceber que, apesar dos tenentes serem considerados um “bando de rebeldes”, havia uma movimentação intensa de soldados e armamentos:

Embarque de tropas – Santa Maria. Acha-se na estação desta cidade para embarcar, constando que para Cacequy, o regimento de cavalaria da Brigada militar, que vai sob o comando do Coronel Claudio Nunes Pereira. Essa unidade leva um efectivo de 450 peças. (Correio do Povo, 31/10/1924).

Essas notas vão se repetidos nas edições seguintes, sempre com um número ex-pressivo de soldados e armamentos, que, na maioria das vezes, ocorria via ferroviária. Os trens, também, eram o meio de locomoção dos tenentes. Estações ferroviárias foram invadidas e trens seqüestrados, e isso levava a constantes mudanças dos horários dos trens.

O clima de intranqüilidade e mudança no cotidiano dos gaúchos é sensivelmen-te percebido. No entanto, em uma nota comercial, uma loja de Porto Alegre usa o momento conturbado para explorar, através de marketing frases que o povo estava acostumando a ouvir, além de demonstrar que o cotidiano das pessoas estava distante dos conflitos:

“Movimento Revolucionário; Grande número de pessoas afluiu hon-tem revolucionando a afamada Casa Monteiro, à rua Marechal Floriano, 23, a fim de adquirir os belíssimos tecidos e outros artigos, a preço vantajosos que a mesma expôs para a presente estação” (Correio do Povo, 31/10/1924).

A revolução dos tenentes no Rio Grande do Sul trouxe riscos para os que exerciam comercio com o interior do estado, pois os trens estavam sendo seqüestrados e a mer-

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cadoria saqueada. Essa situação é exposta com o anuncio de uma companhia de segu-ros chamada de Alliança da Bahia que estava oferecendo seguro contra a revolução:

A Companhia Alliança da Bahia, em vista da situação anormal do in-terior do Estado, pede aos seus segurados que lhe dêem aviso prévio dos embarques que efetuaram e que queiram acautelar contra o risco e revolução, afim de que possa regular o quantum de suas responsabili-dades e deliberar sobre as taxas a aplicar, segundo as zonas para onde se destinarem as mercadorias embarcadas na estrada de ferro – Agen-cia: Rua Voluntários da Pátria, 102 – Viúva Alipio Cezar & Cia – Agentes (Correio do Povo, 31/10/1924).

Diante do exposto, a afirmação de Sodré, sobre o posicionamento da imprensa acerca do movimento tenentista se relativiza (valendo, possivelmente, para o contexto da região sudeste, centro político-econômico do país, naquele momento): ora ela po-dia estar contra o governo, ora a favor do mesmo. Mesmo se levando em consideração o fato, citado por Sodré e pelos autores deste trabalho, de que os partidos e governos também mantinham jornais para divulgação e defesa de suas idéias e atos; extra-oficial-mente, a imprensa oscilava entre situação e oposição. Conforme analisado nos jornais rio-grandinos, eles ora pareciam estar contra a situação, caso do jornal “O Tempo”, de forma sutil, é verdade; como por vezes pareciam estar a favor do governo central, caso do jornal “O Correio do Povo”, o nome de sua coluna para tratar do Tenentismo já dizia muito sobre isto. No caso da cidade de Rio Grande, com longa tradição legalista, e na primeira metade do século XX, com uma elite econômica fortemente comercial, em que determinados jornais noticiavam fatos danosos, provocados pelo movimento, ao comercio da cidade, como saques de trens que faziam a ligação dos comerciantes da localidade com a capital do estado, e o conseqüente seqüestro destes, crê-se poder observar que a tendência geral era de apoio ao governo central, em detrimento do movimento tenentista.

Portanto, cabe levar em consideração, ao tentar responder esta questão, governos, posicionamentos políticos e ideológicos locais, assim como os interesses imediatos da classe dominante da localidade analisada, dialogando com estes e com a conjuntura nacional, numa relação dialética macro-micro, para uma compreensão mais ampla e rica do papel da imprensa nos movimentos políticos nacionais.

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FONTES

Jornal O Correio do Povo, outubro de 1924 e julho de 1927.Jornal O Tempo, julho de 1922.Jornal Echo do Sul, Rio Grande, julho de 1922.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALMON, Pedro. História do Brasil. Volume VI. Rio de Janeiro. José Olympio Edito-ra.1971.

CARONE, Edgard. O Tenentismo. São Paulo: Difusão Editorial S.A, 1972.

FAUSTO, Boris. A Primeira República – 1889 - 1930. In: História do Brasil. São Paulo. Editora Edusp. 2008. P. 244-328.

LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.

MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia Regina. Imprensa e cidade. São Paulo: Editora UNESP, 2006.

SODRÉ, Nelson Werneck. O tenentismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

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A COLUNA PRESTES NA IMPRENSA: A SOLIDIFICAçãO DO MITO

Júlia Silveira Matos1

“O heroísmo dos revoltosos abalou, realmente, o povo brasileiro e deu a medida do extremo a que chegara a paixão pela causa que defendiam”. Nélson Werneck Sodré.

Os meios de comunicação de massa, especialmente os jornais, possuem des-de suas primeiras aparições na história um papel central na formação ideológica da sociedade. A partir dessa compreensão este artigo propõe, amparado nos postulados provindos da Análise de Conteúdo, uma análise sobre a utilização da imagem, cons-truída da Coluna Prestes no O Jornal, veículo de imprensa pertencente aos Diários e Associados, durante os primeiros meses de campanha eleitoral, ou seja de agosto a novembro de 1929 e janeiro/fevereiro de 1930. Pretendemos, assim, demonstrar como o O Jornal se posicionou ao lado da Aliança Liberal e utilizou a imagem dos tenentes como um artifício para legitimar a campanha de seus candidatos a presidência da Repú-blica, chegando até antecipadamente propor uma Revolução para garantir a posse de Getúlio Vargas e João Pessoa. Dessa forma, este artigo pretende apresentar uma breve análise de como a imprensa constrói ou desconstrói a imagem do fato, do evento. Por-tanto, visando uma melhor compreensão do leitor iniciaremos nossa análise por uma breve contextualização.

1 Professora adjunta do Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, doutora em História pelo Programa de Pós-graduação da PUCRS.

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O MOVIMENTO TENENTISTA

O movimento chamado Tenentismo que deu origem à Coluna Prestes marcou a história nacional como a soma de surtos revolucionários liderados por jovens militares. Estes, insatisfeitos com os rumos políticos da nação deram início a diversas revoltas no Rio de Janeiro e em outros estados, como protesto em defesa da dignidade ofendida, devido ao caso das Cartas Falsas2. O movimento marcado com o incidente chamado O 18 do Forte foi sufocado em 1922, pelo então presidente da República Epitácio Pessoa. No entanto, alguns dos militares revoltosos continuaram conspirando contra o governo.

Em 1923, no Rio Grande do Sul, por causa da vitória eleitoral fraudulenta de Borges de Medeiros a oposição se levantou em armas com o apoio de diversos chefes militares que esperavam a intervenção federal. Um dos líderes da revolução era Assis Brasil que havia concorrido com Borges de Medeiros nas eleições do Estado. Assis Brasil apoiara Arthur Bernardes nas eleições presidenciais enquanto Medeiros apoiara Nilo Peçanha. Por isso, Assis Brasil e os revolucionários acreditavam que o governo Federal interviria a seu favor, o que não ocorreu. O Governo da República interviu, mas a favor de Borges de Medeiros e o movimento foi sufocado. Esta rebelião a primeiro momento de âmbito regional, contra o Governo de Borges de Medeiros, tornou-se nacional, devido ao po-sicionamento do Presidente da República, Arthur Bernardes, ao lado do Presidente do Estado Borges de Medeiros.

Os militares não haviam esquecido ainda o caso das cartas falsas e assim, rapida-mente os ânimos entre os militares revoltosos se exaltaram novamente. Eclodiu então em 5 de julho de 1924, em São Paulo, mais uma rebelião para depor o Presidente da República Arthur Bernardes. Diversas unidades militares aderiram a rebelião e os revoltosos gaúchos levantaram-se, sob o comando do Capitão Luís Carlos Prestes, e reiniciaram o levante armado. Posteriormente, em dezembro de 1924, o grupo militar rio-grandense liderado por Prestes uniu-se aos paulistas em Foz de Iguaçu, pois, esta cidade era propícia para a fuga ao exílio, por estabelecer fronteira entre três países, Brasil, Paraguai e Argentina. No entanto, Prestes e seu grupo optaram pela continuida-de da luta armada, criando assim a Coluna Prestes. Prestes acreditava que era preciso “... organizar uma coluna que fosse dotada de capacidade de deslocamento rápi-do e que percorresse o interior do país, entrando por Mato Grosso e rumando para

2 Episódio que marcou o governo de Arthur Bernardes, as cartas falsas consideradas de sua autoria, ofendiam o Mal. Hermes da Fonseca e somente muito depois do início das revoltas foram desmentidas, o que não arrefeçou os conflitos.

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São Paulo quando adesões significativas ou novas condições o permitissem”(SODRÉ, 1985:32). Os homens que participaram da Coluna ao lado de seu líder Luís Carlos Pres-tes, partindo do Rio Grande do Sul, fizeram das fronteiras, com Uruguai e Argentina, muitas vezes sua liberdade.

O movimento tenentista e a Coluna Prestes declaradamente lutavam por maior participação no Governo, voto secreto e o fim das oligarquias. Sua bandeira foi mui-to bem explorada pelos opositores do Governo de Arthur Bernardes. Segundo Boris Fausto “Durante os anos vinte, tornou-se, para todas as camadas intermediárias e populares da sociedade, o grande depositário das esperanças de uma alteração da ordem vigente” (FAUSTO, 1977:409). Mas, como os ideais dos revoltosos da Coluna Prestes podiam ser conhecidos se esta não fazia campanha? Pelo que sabemos um de seus objetivos era depor o governo e para isso precisava de estratégias de guerra e não de campanha para disseminar seus ideais.

A CONSTRUçãO DA IMAGEM

Em 1925, Assis Chateaubriand opositor declarado do governo de Arthur Bernardes, insistindo nas reportagens, enviou seu primo Rafael Correa de Oliveira para seguir a Coluna Prestes. “... pela primeira vez o público lê na grande imprensa algo que até então só aparecia em panfletos políticos: entrevistas em que os chefes rebeldes des-crevem suas refregas contra as forças regulares do governo federal”(MORAES, 1994: 150). Seu jornal colocado a muito em campanha contra o Presidente Bernardes investiu na imagem romântica e aventuresca da Coluna Prestes, sempre exaltando os feitos do Capitão Gaúcho, “... sabendo que a divulgação dos movimentos da Coluna era mais uma maneira de azucrinar o presidente da República (...)”(MORAES, 1994: 150).

O Jornal naquele momento já era um veículo de imprensa de grande sucesso em 1925, contava com uma venda de 40 mil exemplares dia e “... certamente começava a cair no gosto da população”(MORAES, 1994:151). A imprensa oficial se esforçava por comparar as atividades da Coluna Prestes as do bandido cangaceiro Lampião, o que muito indignava Chateaubriand. Em artigo, publicado na capa do O Jornal, Chateau-briand revidou as acusações da imprensa oficial:

O ministro da Justiça, que tanto se preocupa em censurar, não devia permitir a ignomínia dessa comparação. Lampião é bandido, um salte-ador vulgar, um miserável que assassina para roubar, um degenerado que se fez cangaceiro a fim de dilapidar os bens e tirar a vida de seus se-melhantes. O capitão Prestes é um revolucionário, e, enquanto não for julgado por um juiz civil ou um concelho de guerra, faz parte do Exér-

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cito brasileiro. O raid do capitão Prestes valerá pela tenacidade e pelo arrojo do soldado-menino de 26 anos, bravo, ardente, pugnaz, como decerto o Brasil não tinha visto nada comparável (CHATEAUBRIAND, O Jornal, 1925:01).

Através desta citação vemos a imagem de Prestes que O Jornal fazia questão de divulgar e defender. A campanha em prol da imagem heróica dos revoltosos da Coluna Prestes, liderada pelo O Jornal ganhou novos adeptos em fins de 1925, como os jornais A Noite e o Correio da Manhã. Estes, unidos lançaram uma subscrição pública destina-da a coletar dinheiro dos leitores para ajudar os rebeldes. A importância em dinheiro levantada foi entregue a Prestes por Oswaldo Chateaubriand, irmão de Assis. A entrega do dinheiro e a quantia arrecadada foram amplamente divulgadas pela imprensa, como forma de demonstração do apoio popular à causa revolucionária, “... porque foi uma manifestação inequívoca de que o povo brasileiro aplaudia a campanha que em-preenderâmos na defesa de suas liberdades mais caras”.3 Chateaubriand insistia em promover Prestes e defender com entusiasmo a anistia dos revoltosos da Coluna.

A Coluna passou então a gozar de uma imagem positiva, inversa à imagem de guerrilheiros pilhadores divulgada pela imprensa oficial. A positividade da imagem da Coluna para com a população era tanta que o O Jornal, veículo que apoiava decla-radamente a campanha da Aliança Liberal, continuou exaltando em inúmeros artigos, reportagens e entrevistas a ação da Coluna Prestes, realizando uma associação desta aos candidatos a presidência da República, Getúlio Vargas e João Pessoa em fins de 1929.

Mesmo com os revoltosos da Coluna Prestes exilados na Bolívia desde 1927, du-rante a campanha eleitoral de Getúlio Vargas o O Jornal entrevistou Luís Carlos. Esta entrevista, visto sua importância para o momento político eleitoral, ganhou destaque na primeira página do jornal, como podemos ver na manchete do dia 16/09/1929. A frase destacada nesta manchete deu margem para a possibilidade de apoio dos revolu-cionários a campanha oposicionista de Getúlio Vargas.

Figura nº1:

3 Anotação do diário do historiador oficial que acompanhou toda a trajetória da Coluna, Lourenço Moreira Lima.

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Fonte: Arquivo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Devida a imensa popularidade dos revolucionários e sua imagem nacionalista cria-da pela própria imprensa, o tema da anistia se tornou muito popular e explorado durante a campanha getulista. Neste período uma forte campanha em prol da anistia aos exilados políticos foi lançada pelo O Jornal. Podemos observar isto através da fre-quência de artigos e reportagens que tratavam do assunto.

Figura nº 2

Fonte: Arquivo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Neste artigo de 16 de agosto, assinado por Assis Chateaubriand, o assunto é tratado com ironia. Chatô fez elogios irônicos ao então Presidente Sr. Washington Luís e satiri-zou dizendo anistiá-lo todas as manhãs ao acordar ou sempre ao saber de mais algum de seus “atos descabidos”.

Por isso, mesmo sem o apoio de Prestes, O Jornal não deixou de fazer associações dos revolucionários aos candidatos à Presidência, exaltando assim suas posturas nacio-nalistas. A anistia aos exilados, principalmente aos participantes das revoltas tenentis-tas, foi o tema da campanha aliancista, é o que podemos ver no discurso veiculado pelo

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O Jornal , com destaque de página inteira, no dia 07/09/1929.

Figura nº 3

Fonte: Arquivo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Outro fato importante para compreendermos o alcance da campanha, empenhada pelo dono do O Jornal, de exaltação nacionalista da imagem dos revoltosos da Coluna prestes é o número de jornais adquiridos por Chateaubriand durante os anos de 1924 e 1930. Durante estes anos Assis Chateaubriand adquiriu cinco jornais e duas revistas, todos colocados a serviço da campanha aliancista. A compra dos jornais Diário de No-tícias do Rio Grande do Sul, Diário da Noite do Rio de Janeiro e o Estado de Minas de Minas Gerais, ocorreu durante a campanha eleitoral com o auxílio, inclusive financeiro, da Aliança Liberal.

Como sabemos, o Brasil diante de sua imensidade territorial sempre teve dificulda-des de integração cultural entre seus estados, no entanto, vemos que a rede de jornais criada na 2ª metade dos anos de 1920 por Chateaubriand atuou como disseminadora dos ideais revolucionários. Desta forma, vemos a importância da imprensa na constru-ção romantizada da imagem da Coluna Prestes e do Movimento Tenentista, que tem perpassado a história até hoje.

Entendemos que esta primeira atuação do Diários e Associados4 na divulgação e defesa dos ideais revolucionários da Coluna Prestes, de certa forma, prepararam os ânimos brasileiros para a posterior Revolução de 1930, a qual colocou Getútio Vargas

4 Esse nome somente foi dado a organização e associação de imprensa liderada por Assis Chateaubriand em 1931 em um de seus editoriais.

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no poder. Isto porque defendia pontos que foram assimilados nas propostas de gover-no da Aliança Liberal. Os líderes da Coluna não apoiaram a Revolução de 1930, como já não haviam apoiado a campanha de Vargas, por defenderem ideais para a nação e oporem-se a intervenção partidária na causa, o que não invalidou sua ação como pre-cursora e divulgadora dos ideais de anistia, voto secreto e reforma política.

Entretanto, sua imagem nacionalista construída pela O Jornal, foi muito explorada durante a campanha eleitoral, com inúmeras associações entre os “heróis nacionalis-tas gaúchos” da Coluna Prestes e os candidatos a presidência da República, homens de “... coragem e da bravura dos seus conterrâneos (...)” e depois que “tem demons-trado as qualidades que se exigem aos homens de ação realizadora”(O Jornal, 07/08/1929:01).5 Nessa citação a valorização da imagem de Vargas como o sucessor presidencial por qualidade aparece em ligação não somente a tradição farroupilha do Rio Grande do Sul, mas principalmente a dos tenentes que partiram desse estado em marcha rumo ao centro do Brasil.

Desta forma, vemos que “A palavra carrega a prática social da sociedade, enfeixa os valores de um determinado momento histórico”(CINTRA, 2002:11). As reportagens e entrevistas veiculadas pelo O Jornal elucidam um momento histórico e nos auxiliam a compreender como se deu a construção da imagem de um evento histórico. Entende-mos com estes textos que “os sistemas de valores não são construções particulares de um indivíduo; são, antes, o resultado de todo um contexto sociohistórico que deter-mina as condições de produção do discurso”(CINTRA, 2002:11). O discurso constru-ído na imprensa nos anos de 1929 e 1930, contribuíram não apenas para a ampliação do mito tenentista no Brasil como também serviu de base ideológica para a conjuntura histórica que decorreu na Revolução de 1930. Sendo assim, o O Jornal e sua obra são frutos de seu tempo e devem ser analisados como tal.

FONTES

O Jornal, Rio de Janeiro, Manchete, 02/02/1925, pg. 1O Jornal, Rio de Janeiro, Entrevista, 16/09/1929, pg 1.O Jornal, Rio de Janeiro, Editorial, 16/08/1929, pg. 3.O Jornal, Rio de Janeiro, Propaganda, 07/09/1929, pg.6.O Jornal, Rio de Janeiro, Manchete, 07/08/1929, pg. 1.

5 Coluna A Successão Presidencial de 07 de agosto de 1929, p. 01. O grifo consta no original.

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O Jornal, Rio de Janeiro, Manchete, 28/01/1930, pg 1.O Jornal, Rio de Janeiro, Editorial, 16/02/1930, pg. 3.

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AS REPRESENTAçõES POLíTICAS NA IMPRENSA ENTRE AS DÉCADAS DE

1930 E 1940

Derocina Alves Campos Sosa1

A ideia central deste artigo, que procura resgatar um capítulo importante da His-tória do Brasil, consiste no reconhecimento da Imprensa escrita gaúcha enquanto ve-ículo dos principais acontecimentos políticos do período. O Brasil desses dezesseis anos sofreu diversas transformações que foram resgatadas pela própria Imprensa. Essa, assumiu posições que foram desde a oposição até a conciliação ou, ainda, de alguma contradição2 ao apresentar ideias de defesa da Democracia em pleno Estado Novo.

1. SOBRE REPRESENTAçõES POLíTICAS E IMPRENSA

As representações políticas aqui entendidas como decodificação dos aspectos da realidade. As representações fazem parte da cultura e essa:

se encontra em um constante processo de ser recriada à medida que é interpretada e renegociada por seus membros. Neste ponto de vista, a cultura é tanto um fórum para negociação e renegociação de signi-

1 Professora adjunta do curso de História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

2 Oposição é entendida aqui como o ato ou efeito de opor-se ou ainda de expressar vontade contrária. Já Conciliação é entendida como estar em harmonia, aliado, combinado. Contradição por outro lado, expressa a idéia de incoerência entre pensamentos e ações ou de desacordo entre os mesmos (FERREIRA, 1989).

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ficado e para explicação da ação quanto um conjunto de regras ou especificações para a ação. De fato, toda cultura mantém instituições specializadas ou ocasiões para intensificação dessa característica “se-melhante a um foro”. Narração de histórias teatro, ciência e mesmo jurisprudência são técnicas para a intensificação desta função – manei-ras de explorar mundos possíveis a partir do contexto de necessidade imediata.

A cultura, por sua vez, encontra espaço privilegiado de significação e ressignifi-cação na imprensa através dos vários jornais que durante as décadas de 1930 e 1940 assumiram importante papel de comunicação e manipulação da opinião pública.

Dessa forma, convergem necessariamente para o mesmo ponto, o conhecimento do arcabouço conceitual que envolve a política, o poder, o discurso, bem como o estudo da Imprensa enquanto veículo de legitimação ou de negação desses mesmos conceitos. Portanto, o historiador ao tomar a Imprensa como objeto de estudo precisa proceder a uma filtragem dos acontecimentos de maneira que perceba no texto escrito e além dele, a visão que o jornal apresenta (MORIN, 1970:7).

Assim, tomar o jornal como fonte histórica é, antes de mais nada, estar ciente das possíveis “armadilhas” que ela possa esconder, no entanto, perder a oportunidade de resgatá-lo é desprezar um documento significativo que é como um termômetro da sua época.

O historiador de história política que utiliza a fonte jornalística precisa reconhecer seu relato sem a pretensão de isentá-lo de julgamentos tendenciosos, mas tendo em vista o componente ideológico do qual o jornal faz parte.

Quanto à questão do discurso e de sua abordagem, é importante que identifique-mos nesse processo algumas idéias, entre elas, a da linguagem enquanto resultado da mediação entre o que ela produz e a própria sociedade que a apresenta.3

No discurso e em sua análise é imprescindível que se depreendam os vários senti-dos possíveis de modo que, um dos sentidos pode dominar o discurso, mas não deve excluir os demais. Dessa maneira, “o discurso não é um conjunto de textos, é uma prática. Para se encontrar sua regularidade não se analisam seus produtos, mas os processos de sua produção” (ORLANDI, 1999:55).

A Imprensa é, portanto, um espaço discursivo importante e as referências aos dis-cursos que ela produz precisam ser destacadas.

3 Para Orlandi, “o estudo da linguagem não pode estar apartado da sociedade que a produz. Os processos que en-tram em jogo são processos histórico-sociais. A análise do discurso tem uma proposta adequada em relação a estas colocações, já que no discurso constatamos o modo social de produção da linguagem, ou seja, o discurso é um objeto histórico-social, cuja especificidade está em sua materialidade que é a lingüística” (ORLANDI, 1999:17).

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O jornal, mais do que informar tem a função de formar opiniões. Maingueneau, ao analisar a eficácia do discurso dos textos publicitários e o seu poder de convencimento, defende que o mesmo está em atestar o que é dito na própria enunciação permitindo, assim, certa identificação com aquilo que é anunciado. (MAINGUENEAU,1993:48-49).

Esse autor ainda apresenta três etapas de manifestação dos discursos. Para ele exis-te o universo discursivo que seria o conjunto de todas as formações discursivas, sendo impossível de ser apreendido pela análise do discurso. O campo discursivo é o conjun-to de formações discursivas que se encontram em relação de concorrência. O recorte de tais campos deve recorrer de hipóteses explícitas (podemos entender como campo discursivo, o campo religioso, o político, o literário, etc.). Já o espaço discursivo, esse sim comporta a referida análise, pois, sendo um subconjunto do campo discursivo pode ser mais bem definido, de modo que o analista obtém dele, respostas mais con-cretas em função de seus objetivos e hipóteses de pesquisa (idem, pág. 116-117).

Além disso, a linguagem discursiva deve ser entendida como um meio de persua-são. De acordo com Sitya, a função básica da linguagem:

não é só comunicar, mas persuadir e convencer, o que significa dese-jo de interferir na opinião dos outros, modificando suas convicções e julgamentos. A linguagem é, pois, dotada de intencionalidade que visa influenciar o comportamento do interlocutor” (SITYA, 1995:15)

A atividade discursiva interfere, pois, na opinião dos interlocutores, inserindo na estrutura, elementos lingüísticos com unidades significativas que são criadas com o propósito de convencer (SITYA, 1995:16). A linguagem assim, age sobre o mundo com intenção de influenciar o comportamento do interlocutor de modo que esse passe a compartilhar de determinadas opiniões (SITYA, 1995:23).4

O cruzamento, dessa forma, da perspectiva conceitual da análise dos discursos atrelada às idéias de política e poder, encontram na Imprensa um campo propício de apresentação e desenvolvimento. Para muitos autores, entre eles Maria Helena Cape-lato, a Imprensa representa a própria política, pois segundo ela, mesmo com o desen-volvimento do jornalismo, a Imprensa não perdeu sua força opinativa (CAPELLATO, 1991:131). Frias e Weffort referendados pela mesma autora em seu artigo, associam Imprensa e partido argumentando em favor do poder que tem esse órgão – o jornal – enquanto formador de opiniões. Frias Filho esclarece ainda que “enquanto os vestígios

4 A autora ainda complementa que o Discurso tem um caráter argumentativo ou ideológico que tem objetivos argu-mentativos ou ideológicos. É necessário portanto, conhecer o discurso no interior de uma teoria crítica da sociedade. à partir daí se pode refletir sobre as possibilidades do discurso em um dado momento histórico. (SITYA, 1995:. 23)

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da ditadura não forem removidos de uma vez, enquanto a gente não abrir espaço para partidos mais fortes, partidos ideológicos, mais enraizados, a Imprensa vai continuar usurpando esse espaço que pertence aos partidos” (idem). A Imprensa situacionista terá obviamente mais espaço para defender o regime ao contrário da oposicionista.

Capelato ainda reitera que os grandes jornais brasileiros se caracterizam pela veicu-lação de informações e também pelas articulações conspiratórias (ibidem, 132).5 A de-fesa e oposição aos governos e aos governantes também é outro componente bastante explorado pela Imprensa. Mesmo naquelas situações em que é cassado o direito de expressão, o discurso jornalístico encontra algumas formas mais sutis de se apresentar ao público leitor. O jornalista ao expressar suas opiniões está canalizando os anseios da sociedade e o contexto da sua época. Chateaubriand em um artigo identificava o jornalista como “o dançarino da corda bem esticada” pois segundo ele, o jornalista é a encarnação mais completa do homem público, do político militante (CHATEAU-BRIAND apud CAPELATO, 1991:132).

A Imprensa por ser uma instituição pública e privada atua nos dois campos, en-quanto empresa que enfrenta cotidianamente a concorrência, tentando de todas as formas vender o seu produto, mas que por outro lado coloca no mercado uma mer-cadoria muito particular que é a mercadoria política, mesclando-se aí o público e o privado, os interesses dos cidadãos e os do dono do jornal (idem, 136). As relações que se estabelecem, portanto, na esfera privada não desaparecem na esfera pública.

Quanto à apresentação ou diagramação do jornal, são dignos de nota também os recursos utilizados na transmissão do discurso, de maneira que o melhoramento da técnica aperfeiçoou a sedução que exerce sobre o público leitor. A manchete, por exemplo, é escolhida cuidadosamente para atrair, produzindo de outra feita a persua-são desejada (ibidem).

A Imprensa por ter assim o poder de persuasão foi censurada pelos vários autorita-rismos que existiram na História do Brasil. Para Capelato:

nesses regimes a concepção de Imprensa diverge da perspectiva liberal. O princípio de publicidade que sustenta o direito de crítica e de infor-mação se anula. A Imprensa passa a exercer suas funções dentro do Estado. (CAPELATO, 1991:137)

5 Assis Chateaubriand é destacado pela autora como o grande exemplo de homem de imprensa que tinha opiniões muito claras. Segundo ele, a Imprensa existia para conduzir a política e não para dela participar. Apresentava-se dessa forma, ao público leitor como impessoal, imparcial, apartidário, apolítico, mas tinha todo um componente ideologizan-te no seu discurso (ibidem, ibidem).

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Fica evidente que durante os regimes de exceção há uma tendência a abafar a Im-prensa, justamente porque ela mexe com as opiniões, reorienta sentidos, influência com suas palavras ou mesmo com a ausência de palavras, o contexto na qual está inserida. Ainda dentro da questão da manipulação Capelato reitera que a massa de informações de que dispõe a Imprensa, bem como as formas de selecionar e transmitir a notícia implica uma possibilidade de manipulação considerável, que não pode ser negligenciada (idem, 138).

A Imprensa atua, assim, em um cenário com o qual interage. O discurso faz parte da sua atividade enquanto órgão de informação e de formação que é capaz de manipular com a opinião publica colocando-a ao lado de um ou de outro discurso.6

A Imprensa é, dessa forma, um órgão político que representa os anseios da socie-dade e ao mesmo tempo é responsável pela mudança de comportamento dessa mesma sociedade. O discurso que apresenta coaduna-se com essa postura. Nos momentos de crise ou de ameaça aos direitos democráticos, ela recua no seu discurso mais aberto, mas não deixa de apresentar opiniões contrárias ao sistema, de forma mais sutil.

Para o conhecimento da posição da Imprensa gaúcha frente aos quinze anos da História do Brasil aqui tratados, precisamos levar em consideração certas idéias de forma que o seu cruzamento possibilite a formação de um conhecimento organica-mente integrado. O conhecimento da própria Imprensa e suas formas de interlocução, os discursos que se processam, balizados pelos condicionantes históricos e a própria idéia da história política, enquanto campo regenerado do conhecimento histórico, é extremamente relevante.

Nessa linha de interpretação, o método que privilegia a análise crítica responde de forma mais clara às hipóteses que são levantadas. Os conceitos, entre eles o de poder, política, discurso, etc., serão decodificados de forma que possamos extrair deles um conhecimento mais preciso para o desenvolvimento do tema.7

2- OS ACONTECIMENTOS POLíTICOS QUE MARCARAM O BRA-SIL DE 1930 A 1940

6 Em um artigo intitulado Correio do Povo e Nacionalismo Popular, Andréa Torres discute as matérias jornalísticas de indignação do Correio do Povo frente aos ataques alemães aos navios brasileiros. Os artigos do jornal falavam nos ataques covardes que serviam para canalizar os anseios de brasilidade. O jornal exaltava assim esse sentimento de modo a incentivar a organização coletiva. Em outras matérias, o mesmo jornal demonstrou sentimento de euforia quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo.(TORRES, 1996:44)

7 Veyne chama a atenção para a forma como devem ser trabalhados os conceitos, já que quando carregados de vícios de interpretação podem gerar confusões conceituais (Veyne,1983).

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No que tange ao aspecto político, a Revolução de 30, ao confrontar um modelo de afirmação do Estado em oposição à proposta liberal, até então vigente, proporciona um rearranjo político-econômico que tende ao longo da mesma década, descambar para um projeto autoritário que é o Estado Novo. A Constituição de 1934 representou o último refolgar dos princípios liberais democráticos após a Revolta Constitucionalista de 1932, onde os paulistas levantaram-se em armas contra o governo provisório de Getúlio Vargas.

A Constituição gestada, a partir das pressões da oposição, ficou, portanto, prema-turamente comprometida, na medida em que ao ter em mente um projeto de Estado autoritário, o governo, já no ano seguinte, 1935, desqualifica a própria Constituição ao implantar a Lei de Segurança Nacional ( LSN ) que tolhe os direitos individuais. Os acontecimentos do final do ano de 1935 que desembocaram na Intentona Comunista liderada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), serviram para ratificar a posição do governo no sentido de executar o fechamento político. A partir daí, os sucessivos Esta-dos de Sítio serão constantemente reeditados até o golpe de 1937.

Nesse processo de fortalecimento do modelo autoritário foi de fundamental im-portância a presença no cenário político da Ação Integralista Brasileira (AIB) que com sua ideologia muito próxima do fascismo contribuiu sobremaneira, dando ao arquiteto Getúlio Vargas, as condições necessárias para implementar à partir de 1937, o Estado autoritário.

Concorrendo para essa linha de interpretação, não se pode deixar de lado o con-texto internacional que exerceu influência no desenvolvimento dos acontecimentos nacionais. A Revolução de 30, por exemplo, não foi a conseqüência total da crise de 1929, mas deveu muito a essa, na medida em que, assumiu internamente a falência do modelo liberal-burguês. Assim, a reordenação ou re-acomodação das elites nacionais dando maior ênfase àquelas que tradicionalmente estavam mais distantes do poder, exemplo a do Rio Grande do Sul, significou o reflexo de uma conjuntura internacio-nal.

Dessa forma, a ordenação político-econômica da República Velha em que a auto-nomia dos Estados sobrepunha-se ao poder central, foi destruída em prol da efetiva centralização do poder, cujo primeiro passo é dado com a própria Revolução.

O contexto interno, assim, esteve sempre respondendo às mudanças externas. O projeto autoritário que se esboçava no Brasil daquele momento espelhava o que no mundo, após a crise de 1929 e a falência do Liberalismo, estava ocorrendo, ou seja, a gradativa afirmação na Itália e posteriormente Alemanha, do autoritarismo de Estado

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que descambou nas ditaduras fascistas de Mussolini e Hitler. A economia brasileira assentada no modelo agro-exportador cafeeiro ressente-se

então com a crise e a tendência a partir daí é o deslocamento desse eixo econômico em direção à industrialização. A transferência do eixo econômico do campo para a cidade cria, portanto, uma identificação maior do Estado com os setores urbanos que serão os responsáveis pela legitimação do populismo.

Para esses setores urbanos foram elaboradas uma série de leis trabalhistas que pre-tendiam mediar as relações entre o capital e o trabalho de modo que a grande massa de trabalhadores urbanos que se formou ficasse invariavelmente atrelada ao Estado. A criação da carteira de trabalho foi outro dos instrumentos criados para controlar os passos do trabalhador e assim estabelecer uma relação de controle tão ao gosto do Estado autoritário. O compêndio de leis trabalhistas que passou a reger as relações entre o capital e o trabalho no Brasil, a partir de 1930, foi inspirado também no modelo italiano de Mussolini.

Internamente, as novas camadas urbanas identificadas com esse projeto, apoiavam o governo, na medida em que a questão social, tratada na República Velha como um caso de polícia, estivesse agora perfeitamente enquadrada por um conjunto de leis que salvaguardassem a propriedade e o status quo da elite industrial que ora se projetava.

O fechamento político de 1937 significou o ápice de um processo que já vinha se estruturando desde 1930. A organização político-econômica que se afirmou depois disso, com a imposição do Estado autoritário corporativista retratou internamente uma conjuntura externa de afirmação desse modelo cujo oponente liberal-burguês, era identificado principalmente com os EUA que estavam reestruturando sua economia, abalada profundamente com a crise de 1929. Assim, os fascismos puderam germinar de modo que suas versões latino-americanas também balizadas entre outras pelo forte apelo populista que, junto às massas, aparecia como a melhor proposta de organização do poder.

O Estado Novo implantado em 1937 estendeu-se até 1945 e foi a resposta à Demo-cracia Liberal, considerada falida por não ter respondido satisfatoriamente a deflagra-ção da crise econômica.

Mesmo o Estado Novo não pode ser considerado um período homogêneo, ou seja, dentro dele existiu marcadamente uma divisão que data da entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial em 1942, onde, a partir de então, a política interna passa a ser questio-nada em função da tomada de posição do Brasil em favor dos aliados. Aparece então na Imprensa a contradição ao defender algo externamente e aplicar uma idéia diferente internamente , ou seja, a defesa da Democracia fora e a adoção do autoritarismo dentro

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do território. Aos poucos, isso acabou fragilizando o Estado implantado por Vargas, o que acarretou a sua progressiva corrosão.

A Redemocratização a partir de 1945 e principalmente após a Constituição de 1946 foi a resposta contrária a um tipo de organização que não mais se coadunava com a época, ou seja, o autoritarismo varguista.

No Rio Grande do Sul a deflagração do movimento de 1930 levou muitos políticos regionais como Flores da Cunha, Maurício Cardoso, Lindolfo Collor entre outros ao centro do poder no Rio de Janeiro. O episódio da Revolução Constitucionalista de 1932, no entanto, colocou em lados opostos políticos que antes comungavam do mes-mo projeto político. Flores da Cunha, o interventor escolhido por Vargas, assumiu de início uma postura em defesa dos paulistas para logo depois ficar ao lado do governo.

Entretanto, ao ser determinada a morte da constituição de 1934, com a Lei de Segu-rança Nacional de 1935, o interventor gaúcho e agora governador passou a desconfiar dos reais interesses de Vargas que caminhava a passos largos rumo ao fechamento político.

O período que se estendeu então de 1935 a novembro de 1937 foi rico em conflitos entre o poder regional e o poder central, de modo que as constantes idas e vindas do governador ao Rio de Janeiro, bem como os vários arranjos políticos locais serviram para enfraquecê-lo, na medida em que o projeto autoritário estava bem alicerçado nos interesses dos grupos políticos que viam na ameaça do comunismo, a possibilidade de uma revolução social.

Flores da Cunha então procurou em 1936 um novo acordo com os próceres regio-nais, entre eles o velho cacique Borges de Medeiros. Articulou com esses o chamado “Modus Vivendi” que nada mais era do que um acordo entre o antigo Partido Repu-blicano Rio-Grandense, o Partido Libertador e o Partido Republicano Liberal criado pelo próprio Flores. O acordo, todavia, logo foi solapado pela influência de Vargas que atraindo os elementos da Frente única Gaúcha (FUG) que congregava elementos do PRR + PL, neutralizou as ações do governador gaúcho.

A disputa eleitoral que colocou então no cenário nacional os candidatos José Amé-rico de Almeida e Armando de Salles Oliveira, visando as eleições de 1938, serviu para animar à arena política. A inclinação de Flores da Cunha pelo candidato paulista Ar-mando de Salles Oliveira conjugado aos constantes ataques desse às ações do pre-sidente, contribuíram para decretar a sua derrocada. Em outubro de 1937 exilou-se forçadamente no Uruguai, de onde passou ainda a conspirar contra o governo Vargas.

O período que se estendeu de 1937 a 1945 foi de pleno enquadramento do Estado corporativista a um modelo que muito deveu ao europeu. A constituição outorgada

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de 1937 era a expressão máxima de uma proposta autoritária onde o Estado passava a encampar a sociedade de modo que, os seus organismos repressores, entre eles o DIP ( Departamento de Imprensa e Propaganda ) desempenharam o papel de guardiães de uma estrutura que visava a implantação de uma economia nacionalizada.

Vargas, assim, ao legitimar seu Estado corporativo diante de uma sociedade “con-templada” com as leis trabalhistas esvaziou o máximo que pôde a oposição ao regime. Controlando a Imprensa escrita e falada, sobrava pouco espaço para uma oposição ao seu governo.

As tentativas que se fizeram no Rio Grande do Sul com as constantes reclamações do general Flores da Cunha foram abafadas com o golpe de 1937. O episódio do fracas-sado atentado integralista de 1938 serviu muito mais para reafirmar o sistema do que propriamente pô-lo em perigo.

Daí por diante, até a eclosão da 2ª Guerra Mundial, o contexto seria de afirmação dos ideais do Estado e do líder carismático, cuja ideologia populista serviu para legi-timar.

O cenário gaúcho do período (1937-1945) presenciou no plano político-adminis-trativo o alinhamento com o poder federal através da nomeação de interventores para o Estado.

Quando, no entanto, o Brasil entrou na guerra, houve um redimensionamento do poder do Estado Novo que começou a se confrontar com as suas próprias contradições internas.

3 - A IMPRENSA E A SUA ATUAçãO NO CENÁRIO BRASILEIRO

A imprensa dessa forma, tão cerceada pelo DIP começava gradativamente a dar mostras no sentido da defesa da Democracia e dos EUA, de maneira que os países do Eixo ( após o bombardeio dos submarinos brasileiros ), que antes despertavam a sim-patia de um grupo significativo de políticos nacionais, passam a ser detestados interna-mente. Os jornais são os grandes responsáveis por essa propaganda anti-fascista.

Dessa maneira ao chamar a atenção para a defesa da Democracia por parte dos Aliados, a Imprensa estava expondo o sistema vigente no país, contrário ao proposto no plano externo.

A partir de 1942, o Brasil empurrado pelos acontecimentos internacionais e con-templado com os empréstimos norte-americanos que visavam a construção da compa-nhia Siderúrgica Nacional tomou partido ao lado dos Aliados.

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O Estado Novo, então, não se absteve da sua prática de repressão, mas respondia externamente a algo que não praticava internamente, ou seja, o princípio democrático que preconizava não se coadunava com suas ações no plano interno o que em muitos momentos ficou claro através de artigos que a Imprensa brasileira e gaúcha apresenta-va à opinião pública.

Depois de 1945, a Imprensa relacionou-se com o poder democrático supervalori-zando a abertura que se processava no Brasil, elogiando e destacando o papel do EUA como o líder da Democracia no continente americano.

Identificamos na Imprensa de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre com seus princi-pais jornais: Rio Grande, O Tempo, Diário Popular, Opinião Pública, Correio do Povo e o Diário de Notícias, os elementos que destacamos no início desse artigo, de maneira que as oposições que alguns periódicos fazem ao governo de 1930 a 1937 locupletam-se com aqueles que se aliam em uma clara tendência de conciliação e aqueles que, ao defenderem os preceitos democráticos dentro de um regime de exceção, caracte-rizariam o que chamamos de uma possível contradição. As tendências, portanto, da Imprensa e suas relações com o poder são aqui analisadas.

Os jornais dessas três cidades são aqui destacados por serem elas, pólos industriais naquela época. Como o projeto iniciado em 1930, completado com o Estado Novo e desarticulado em 1946 voltava-se para as camadas urbanas com todo o arcabouço das leis trabalhistas, já que a legislação trabalhista não foi estendida ao meio rural, conside-ramos ter nessas três cidades os componentes necessários para desenvolver a pesquisa. Além disso, a articulação política da capital do Estado com as cidades de Pelotas e Rio Grande era evidente de tal forma que muitas notícias eram reproduzidas nos jornais dessas duas cidades, tal como se apresentavam nos jornais de Porto Alegre.

Quanto à fundação dos jornais citados, eles datam do final do século XIX às primei-ras décadas do século XX, período de grande efervescência da Imprensa gaúcha.

A Imprensa é porta-voz dos discursos políticos e apresenta-se como elemento ou veículo articulado com o contexto histórico do qual faz parte.

O movimento que se inicia em 1930 e que se completa em 1937 como já anterior-mente analisado, tratou de cercear as liberdades civis e a Imprensa não ficou à margem desse processo. O Estado Novo ao criar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que possuía uma divisão de Imprensa escrita teve a intenção de coibir toda e qualquer manifestação contra o governo, o que no entanto não foi possível em todos os momentos. Para Tota:

A criação do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda em de-zembro de 1939 – nos dá bem uma idéia do papel que representavam

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os modernos instrumentos de comunicação para a ditadura de Vargas, principalmente quando ficavam sob a subordinação direta de Lourival Fontes, diretor desse importante departamento. O DIP tinha por fim centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional interna ou externa e servir permanentemente como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa à propaganda nacional (TOTA, 1987:34)

O autor acima faz um esclarecimento bastante importante das funções do DIP. O autoritarismo de Vargas, que não chegamos a caracterizar como uma ditadura de estilo italiana ou alemã no mesmo período, já que para considerá-la assim deveria o Estado encampar todos os setores da sociedade inclusive criando ou possibilitando a criação de um partido único, apoiou-se no DIP até para manter-se no poder por mais seis anos.

O grande divisor de águas que identificamos para o aguçamento das contradições foi a 2ª Guerra Mundial, como já referendamos anteriormente. A partir daí o Estado passa gradativamente a encampar o projeto dos Aliados, cuja democracia liberal era a tônica. Essa proposta não era, portanto, coerente com um Estado intervencionista, corporativo que utilizava a repressão aliada a outros elementos, entre eles, o paterna-lismo para governar. 8

Da declaração de guerra do Brasil em agosto de 1942 até o fim do Estado Novo em 1945, cresceram as manifestações oposicionistas contra o regime e há por parte da historiografia essa identificação. Skidmore argumenta, entre outras coisas, que Vargas teve visão para perceber que o Estado Novo não sobreviveria a guerra e que já previa o momento em que o sistema político seria reaberto e o poder repousaria no processo eleitoral (SKIDMORE, 1982:62)

As manifestações contrárias ao fascismo europeu e ao estereótipo latino-americano foram feitas pela Liga de Defesa Nacional que datava dos anos da 1ª Guerra e que fora reativada na segunda. Combatia o fascismo e seus representantes internos. Faziam parte da Liga Gilberto Freire, Aníbal Machado e Artur Ramos somados aos membros do Partido Comunista Brasileiro. Além dessa manifestação, registraram-se as da OAB, a dos mineiros, em 1943, além da dos escritores em janeiro de 1945, essa última já na derradeira queda do regime. Vargas reagiu como mostra Skidmore, mas não conseguiu abafar as oposições. Segundo esse autor:

8 Almeida Junior reitera também a idéia da entrada do Brasil na 2ª guerra e a luta contra o Nazi-fascismo a nível mun-dial como sendo um elemento-chave para o entendimento do declínio e queda do Estado Novo, bem como contribuiu sobremaneira para o fortalecimento das oposições internas e a mudança de atitude das Forças Armadas que deixava de apoiar Vargas (ALMEIDA Jr, 1996:227)

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Getúlio, bem como outros membros de seu governo reagem ameaçan-do as oposições com uma repressão radical. ‘A hora é de união, e para mantê-la não hesitaremos em empregar meios enérgicos’, diz Vargas (idem, 231)

Em São Paulo, os protestos são reprimidos, estudantes são presos e as passeatas populares são dissolvidas a tiros.

Almeida Jr. chama a atenção ainda para o ano de 1943 onde a luta contra o regi-me travou-se dentro do próprio governo com Oswaldo Aranha pedindo demissão do Ministério das Relações Exteriores por discordar das orientações dadas pelo chefe de polícia do governo Filinto Müller (ALMEIDA Jr.,idem: 229).9

Heloisa Paulo, por sua vez já identifica no ano de 1942 a mudança nos rumos da política Estado-novista. Segundo ela: Enfatizava-se, em nível discursivo, o fato de o Brasil ser uma ‘democracia’, ou melhor, uma forma de organização democrática, a ‘democracia autoritária’. (PAULO, 1987:103)

Os discursos da época chamam a atenção para esse tipo de denominação tentando suavizar o que efetivamente representou o regime, ou seja, um período em que predo-minou a política de exceção.

No nível da Imprensa e sua apresentação percebemos o quanto essa oscilou entre a oposição e a conciliação com o regime imposto em 1937 que já vinha sendo construído a partir de 1930. Dessa oposição/conciliação surge a contradição expressa depois de 1942, quando mudam os rumos da política nacional.

Quando o Brasil entra na guerra ao lado dos Aliados, pressionado pelas forças internas e externas, o tom das notícias gira em torno da defesa da democracia liberal e do país que melhor a representaria que era os EUA . Dentro dessa ótica, os jornais reiteram a necessidade de se retornar à ordem democrática como fundamental para a organização do país. Quanto ao autoritarismo de Vargas, não o vemos ser explicitamen-te atacado, até porque os tentáculos repressores do DIP voltavam-se vorazmente para a Imprensa. O correio do Povo se manifesta em 1943 com a seguinte manchete “A voca-ção Democrática do povo brasileiro” em que resgata um artigo do Jornal do Comércio do dia 11/5/1943, em que esse órgão defende a democracia e a vocação do povo brasi-leiro que “com reação vibratória que lhe é peculiar, manifestou, desde a primeira hora, a sua vocação democrática, na luta desencadeada na Europa, pelos regimes contrários à liberdade e deprimentes para a dignidade humana” (Correio do Povo, 12/05/1943). No mesmo artigo, o Jornal do Comércio se manifesta a favor do presidente Vargas.

9 No discurso de 1944, Getúlio denunciava a ‘apologia’ pela liberdade que os oposicionistas do regime faziam, pedin-do ao mesmo tempo apoio aos trabalhadores. (TOTA, idem: 57)

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Essa é aliás a tônica da maioria dos artigos, ou seja, a oposição encoberta pela prática capciosa da conciliação forçada de maneira que as aspirações dos políticos, intelectuais e o povo em geral a favor da democracia, pudesse aparecer. Claro está que, dentre os jornais selecionados, existem diferenças quanto à sua orientação.

Os jornais dessa época procuram um alinhamento com o Estado Novo como fica claro a seguir: “O Sr. Getúlio Vargas define o sentido da nova Constituição ‘a Consti-tuição de 10 de novembro não é fascista nem integralista. É brasileira’.”(Rio grande, 17/11/1937)

O Correio do Povo de Porto Alegre e o Tempo de Rio Grande, por exemplo, faz toda uma apologia ao governo do Estado Novo e só abrem espaços maiores às oposições na medida em que se aproxima o fim do regime. Em 4 de março de 1945, o Correio publica o resumo da resposta do Brigadeiro Eduardo Gomes a Getúlio Vargas de onde retiramos o seguinte trecho:

o discurso do Sr. Getúlio Vargas revela um estado de espírito o que não corresponde nenhum dado da realidade. Ao lê-lo, os que não conhe-cem a situação política do Brasil, hão de pensar que estamos em plena revolução. De fato, depois de haver recebido o governo graças a uma revolução e de ter-se metido nele por força de um golpe de Estado, o Sr. Getúlio Vargas não conclui que se possa conseguir o poder senão mediante movimentos revolucionários ou golpistas.

A resposta se refere a um discurso em que Vargas atacava os opositores do regime que, se aproveitando do momento aberto pela campanha eleitoral, ameaçavam a or-dem estabelecida. Mais adiante o próprio Eduardo Gomes questiona a amizade e con-fiança que Getúlio diz ter no povo, já que nunca quis submeter a Constituição de 1937 a um plebiscito. Acusa ainda o presidente de dar liberdade a Imprensa apenas no fim do regime. Na verdade, Vargas queria aqui, fazer ele, o candidato e futuro presidente da República, o que acabou proporcionando a eleição de Eurico Gaspar Dutra.

O Jornal Rio Grande também em 1945 fala abertamente da candidatura Eduardo Gomes e resgata a figura política de Flores da Cunha que desde o exílio no Uruguai, em 1937, figurava pouco na Imprensa.

O Opinião Pública em 12/5/1944 chama a atenção para o comício protesto contra os Integralistas. Com a manchete: “Coroado de êxito o comício protesto ao golpe inte-gralista”, o jornal destaca os malefícios do fascismo implantado no mundo e do qual o Brasil não esteve distante.

Em outra passagem assim se manifestou o jornal:

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Como temos anunciado, realiza-se amanhã as 21 horas, o comício de protesto à insurreição integralista no Brasil promovida pela Federação Acadêmica de Pelotas com o apoio do Sindicato dos Bancários. Pelotas, como tantas outras cidades, que assim traduzir publicamente o seu re-púdio às doutrinas totalitárias, reafirmando seu espírito democrático (10/5/1944)

Com a entrada do Brasil na guerra, o que se percebe é toda uma aproximação dos EUA no sentido de pressionar um alinhamento do Brasil à proposta liberal. O Diário Popular de Pelotas destaca em setembro de 1943, a presença de Eurico Dutra (ministro da guerra do Brasil) em Nova York, tratando da criação da FEB. Segundo Dutra:

estão terminados os planos para a participação duma fôrça expedicio-nária brasileira no conflito, é necessário, entretanto, certo tempo para a sua execução. Os brasileiros estarão ao lado dos norte-americanos, mas, naturalmente, é impossível revelar detalhes. Onde e quando os brasileiros golpearão, isso depende do curso dos acontecimentos (14/9/1943)

Mais adiante o ministro elogia a produção bélica norte-americana, apontando já claramente a orientação do Brasil no sentido do estreitamento das relações diplomáti-cas com os EUA. Os empréstimos para a construção da Companhia Siderúrgica Nacio-nal representaram outro fator de “convencimento” por parte desse país.

A Imprensa dessa forma assume uma postura contraditória ao defender o regime e ao mesmo tempo contrapor elementos favoráveis à democracia liberal.

As discussões todas até a implantação do Estado Novo giraram em torno da pola-rização entre o Federalismo e a Centralização. Quanto mais se aproxima o pleito de 1938, mais se acirram as disputas. A figura então de Flores da Cunha se destaca como expoente de resistência ao projeto do governo rumo ao fechamento político.

A Imprensa assim, refletia essas tendências e os jornais gaúchos demonstravam em muitos artigos a defesa do Estado sulino e das eleições que se aproximavam. O Diá-rio Popular em edição de 1936 transcreve um discurso do presidente Roosevelt cuja manchete é “Combatendo os governos ditatoriaes”. Ainda no mesmo artigo escreve o jornal: o seu discurso é um ataque aos governos ditatoriaes e aos meios violentos que se lhes manifesta o nacionalismo (Diário Popular, 7/1/1936)

Em outro momento o Diário chama a atenção para os prejuízos do estado de sítio que atrapalhava as eleições municipais. O governo Vargas encampou o estado de sítio, supervalorizando-o depois do levante comunista. Representava uma maneira de prepa-rar o fechamento político. Segundo o jornal: A oposição baiana não concorreu às urnas

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em vários municípios, por falta de garantias. As eleições municipais foram enormemen-te prejudicadas devido às medidas do estado de sítio (Diário Popular, 17/1/1936)

Mais adiante o jornal esclarece sobre alguns episódios violentos e sobre a intimida-ção de eleitores oposicionistas por autoridades de alguns municípios do Estado.

Quanto à sucessão presidencial, o Rio Grande é mais enfático defendendo-a. De acordo com as palavras do gen. Flores da Cunha transcritas por ele: “vae haver succes-são, a nação exige que haja successão – todos podem continuar a labutar tranquilla-mente, pois o Estado está apto a garantir a ordem” (Rio Grande, 2/3/1937). O jornal ainda publica que:

o general Flores da Cunha, em termos de extrema concisão e clareza não se divorciou felizmente da verdade constitucional, nem da reali-dade política, já enjeitando a tese, que com propriedade de expressão batisou de malévola, já recordando não se tratar no fundo sinão de um pretexto do governo federal para perturbar a opinião pública e amea-çar a autonomia daquele Estado (Rio Grande, 19/8/1937)

A Imprensa e notadamente o Rio Grande nessa época condena as intervenções feitas pelo governo federal na esfera dos Estados, entre eles o Distrito Federal, Per-nambuco e Bahia. Já o Correio do Povo depois de fazer ampla campanha de apoio ao “Modus Vivendi”, (acordo político entre os partidos Rio-grandenses que acabou sola-pado pelo governo federal), reproduz noticias da Imprensa fluminense que afirmavam que o presidente Vargas pretendia reformar a Constituição a fim de eliminar a lei da inelegibilidade do presidente, dos ministros e dos governadores de Estado. Essa, uma clara manobra no sentido da permanência daquela administração.

Percebe-se dessa maneira uma divisão na política nacional que se reflete na Impren-sa gaúcha do período, ou seja, de 1930 a 1937 há um profundo descontentamento com a política do governo federal e suas demarches rumo à centralização. De 1937 a 1942, a “conciliação” da Imprensa com o governo federal, forçada pelo DIP é evidente. Já a partir da entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial, transparece na mesma Imprensa a questão da contradição que defende por um lado a democracia, mas por outro é obri-gada a conviver com o autoritarismo dentro do país.

Após 1945 houve por parte da Imprensa escrita, a condenação explícita do autori-tarismo chamando a atenção para o fato do Brasil ter entrado, com a posse de Eurico Gaspar Dutra na presidência da República, em uma era de Democracia e Liberdade.

Assim se expressa o jornal Rio Grande:

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Revestiu-se de excepcional brilhantismo a posse do 16º presidente da República. E com este magnífico, solene e expressivo cerimonial, o Brasil entrou no seu período constitucional iniciado sob a simpática expectativa geral, uma era democrática com que há de realizar seus grandes destinos dentro do Novo Mundo de Liberdade, Justiça e de Democracia que os povos livres vão construir por sobre os escombros do Totalitarismo esmagado pela força construtora das Nações Unidas ( Rio Grande 1/2/1946).

Ainda em fevereiro de 1945 o jornal reproduziu declarações feitas por Góis Mon-teiro, em que esse se colocava contrário à censura imposta pelo Estado Novo e que essa censura se justificava apenas nos tempos de guerra .

Muitas outras notícias dão conta de apresentar o cenário político brasileiro de ma-neira conflituosa naquele momento. As notícias tinham um impacto expressivo na opi-nião pública. Obviamente que temos a real dimensão de o número de leitores ainda era pequeno em relação ao contingente populacional. Mas aqueles que liam os jornais interagiam diretamente na política como eleitores ou como opositores do regime.

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AS PRINCIPAIS ARTICULAçõES DURANTE A DÉCADA DE TRINTA NO

BRASIL: O ESTADO NOVO à VISTA

Carmem G. Burgert Schiavon1

A Revolução de 1930 alterou os rumos da República Velha no Brasil ao estabelecer uma ruptura na estrutura republicana vigente até então, ocasionando uma série de mudanças traduzidas, principalmente, por uma centralização administrativa do país e a conseqüente perda de poder por parte das elites regionais, notadamente, São Paulo e Minas Gerais.

Além disso, a década de trinta do século XX apresenta uma série de transformações para o Brasil, pois o país passa de uma posição agro-exportadora para uma condição de base urbana industrial. É claro, não existe, neste momento, a consolidação capitalista no Brasil, entretanto, “os pressupostos, as bases, os fundamentos necessários para o desenvolvimento dessa nova ordem econômico-social foram lançados durante o pri-meiro governo Vargas” (DINIZ, 1999: 24).

Por outro lado, destaca-se que a sociedade brasileira, desde os anos vinte, vivenciou inúmeras transformações, tendo em vista que a urbanização e a industrialização toma-ram corpo e a classe operária, por sua vez, passou a lutar por melhores condições de

1 Professora Adjunta do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (ICHI-FURG); Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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vida2. É nesse período que o país vivencia a efervescência do movimento modernista, com a realização da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, e a ocorrência das revoltas tenentistas de 1922, 1924 e a Coluna Prestes – uma série de conflitos ar-mados que tiveram início com a tomada do Forte de Copacabana e que só chegariam ao seu final com a deposição do governo de Washington Luís (eleito em 1926) e o impedimento da posse do presidente eleito, Júlio Prestes.

É dentro desse cenário de extrema ebulição política que Getúlio Vargas, no mo-mento governador do Rio Grande do Sul, após inúmeras negociações e arranjos políti-cos, candidata-se à Presidência do Brasil à frente da coalizão política da Aliança Liberal. Esta representa o resultado final do acordo firmado entre os Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em 17 de junho de 1929, que entre outras condições estabelecia o nome de Getúlio Vargas ou Borges de Medeiros como candidato à Presidência da República, ou no caso de escolha direta do Presidente Washington Luís, determinava que Minas só aceitaria a candidatura caso o vice-presidente fosse um gaúcho. Para o historiador Edgard Carone,

A Aliança Liberal representou uma cristalização paradoxal das oposi-ções. Diferentemente de outros movimentos anteriores, ela significou um amálgama de tendências mais complexas e geograficamente amplas, tornando-a uma realidade mais atuante. Sua concretização foi possível principalmente devido à cisão da oligarquia dominante, em virtude do crescimento e expansão de Estados politicamente relegados a segundo plano pela união do “café com leite” (CARONE, 1965: 76-77).

Após as recusas do Estado de Pernambuco e Bahia para indicar um nome para preencher o cargo de Vice-Presidente, o então governador da Paraíba, João Pessoa, aceita o convite realizado pela Aliança Liberal. Diante de um processo fraudulento, Getúlio Vargas perde as eleições presidenciais de primeiro de março de 19303, para o

2 Sobre este ponto, Eli Diniz esclarece que “não se trata de afirmar que a construção do capitalismo industrial no Bra-sil se deu nos anos 30. Como é sabido, a consolidação da ordem industrial ocorrerá algumas décadas depois, sobretudo com a expansão impulsionada pelas políticas do governo Kubitschek. Porém, os pressupostos, as bases, os fundamentos necessários para o desenvolvimento dessa nova ordem econômico-social foram lançados durante o primeiro governo Vargas” (DINIZ, 1999: 24).

3 “Getúlio Vargas obteve aproximadamente oitocentos mil votos, e o candidato oficial, Júlio Prestes, foi eleito com cerca de um milhão de votos” (TOTA, 1996: 11).

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candidato paulista Júlio Prestes, mas os aliancistas denunciam as fraudes eleitorais4 e o uso da máquina eleitoral governista e iniciam um movimento que toma proporções nacionais, com o assassinato de João Pessoa, em 26 de julho de 19305. Em 10 de outu-bro, unidades do Exército rebelam-se em praticamente todo o país, selando o término da República Oligárquica Brasileira e, sendo assim, “os comandantes do Exército e da Marinha encontraram-se colocados numa posição que se deveria tornar cada vez mais familiar na subseqüente história do Brasil: o papel de árbitros finais da política interna” (SKIDMORE, 1969: 25).

Em 4 de novembro de 1930, Getúlio Vargas é empossado como presidente da Re-pública. Em seu uniforme cáqui é conduzido ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, em caráter “provisório”, com base em uma das suas principais características, a de unir facções contrárias; de lá inicia uma nova etapa da história brasileira: a Era Vargas, e só deixaria o poder 15 anos mais tarde, também induzido por uma estratégia dos seus antigos apoiadores – a cúpula militar do exército e grupos da elite civil.

Ao ser conduzido ao poder, Getúlio Vargas suspende a Constituição de 1891 e designa interventores para todos os Estados brasileiros, com exceção de Minas Gerais, local governado por Olegário Maciel, seu aliado político, que pode se manter no cargo “porque havia participado da revolução, era prestigiado pelo ministro da Guerra e modificara seu ministério” (CARONE, 1965: 89). Dentro desse quadro, o 4 de novem-bro não representa somente o desfecho da revolução de 1930, o momento significa a derrocada da República Velha (1889-1930) e a queda da aliança café-com-leite e da política dos governadores.

A partir deste momento, o país passa por inúmeras transformações. Numa análise geral, destaca-se o papel desempenhado pelo quadro econômico e financeiro inter-nacional gerado pelo crack da Bolsa de Valores de Nova York, em outubro de 1929. A ocorrência desta crise, apesar de ser negativa para as exportações de café6, acaba

4 O brasilianista Thomas Skidmore esclarece que a questão das fraudes eleitorais não constituía um tipo de prática nova na política brasileira, muito pelo contrário, “nas eleições anteriores, especialmente as de 1910 e 1922, os candida-tos derrotados tinham sempre acusado de fraude a contagem dos votos, da mesma forma que reclamavam que a força, a ameaça e o suborno eram usados à boca das urnas” (SKIDMORE, 1969: 22).

5 Sobre o assassinato de João Pessoa, Carone informa que “a razão de sua morte eram questões regionais, acrescidas das circunstâncias políticas do momento. As principais nasciam de sua política tributária, que onerava grandemente os produtos entrados por Pernambuco, forçando o comércio por Cabedelo, numa tentativa de luta contra os oligarcas sertanejos e fortalecimento dos elementos da capital, com degola política dos candidatos representativos do sertão, principalmente das cidades do interior mais atingidas por estas medidas” (CARONE, 1965: 80).

6 “O preço médio do café no exterior cai de 4.71 libras em 1929 para 2.69 em 1930; a produção, em 1929, atinge 28.941.000 sacas e a exportação 14.281.000, sem se falar nos estoques acumulados” (FAUSTO, 1986: 242).

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gerando um saldo positivo para o Brasil, traduzido por incrementos na industrialização do país, tendo em vista que a redução nas exportações ocasiona a falta de recursos em moeda estrangeira para a importação de produtos industrializados e que, diante dessa nova realidade, resta ao Brasil a alternativa da produção interna em substituição às importações7.

No âmbito social, a mudança mais significativa fica por conta das relações entre o governo e os trabalhadores, com a criação do Ministério do Trabalho, em 25 de de-zembro de 1930, e a posterior adoção de uma legislação trabalhista com concessão de direitos tais como: a fixação da jornada diária de 8 horas, direito de férias remuneradas, regulamentação do trabalho feminino, noturno, de menores, entre outros. Paralela-mente à adoção desses avanços trabalhistas, Getúlio Vargas impossibilita a existência de um sindicalismo autônomo.

No aspecto cultural, as reformas no ensino foram empreendidas no nível federal, por meio da implantação de um ensino técnico, cujos reais interesses estavam voltados à obtenção e qualificação de mão-de-obra para a industrialização do país. Nessa época, o Brasil passa a ser palco de inúmeras outras transformações na educação, as quais resultam numa melhor qualidade e padronização do ensino, apesar das divergências entre governo e Igreja Católica, que imbuída da idéia de tornar o ensino religioso obri-gatório, pressiona o governo getulista.

Por outro lado, a centralização política exercida por Vargas origina uma série de problemas advindos tanto das forças que o apoiaram, afinal, “o compromisso de cor-rentes antagônicas fatalmente tendia a desagregar-se depois da vitória” (CARONE, 1965: 84), quanto dos que estavam na oposição ou, ainda, daqueles que passaram a ser oposicionistas ao seu governo. Entretanto, é em São Paulo que sua forma de governo – autoritária e centralizadora – acaba gerando os mais profícuos focos de resistência. A elite paulista não aceitava a perda de poder e instigada por um maior espaço de par-ticipação política representa um grande foco de resistência à figura de Getúlio Vargas, advindo daí as raízes da revolução de 1932, revolução que:

7 Com relação ao crescimento industrial, o historiador Edgard Carone evidencia que “o fenômeno do crescimento industrial, na verdade, é mundial e o Brasil é um dos países que mais expandiram percentualmente a sua produção, entre 1930 e 1938: com o índice 100 em 1929, o Japão lidera o aumento, passando de 94,8 para 473,0, isto é, 378,2%; a Rússia vai de 130,9 para 470, com 339,1%; o Brasil, de 77,2 chega a 192,6, com 115,4%; a Holanda, de 102,1 passa a 104,1, com 2,0%; a Alemanha, de 85,9 chega a 126,2, com 40,3%. Se focalizarmos o caso particular de cada atividade brasileira, vemos que, entre 1930 e 1939, os produtos transformados crescem de 70 para 229%; a produção extrativa mineral, de 93 passa a 317%; a produção industrial básica vai de 146 para 1.192%” (CARONE, 1976: 57-58).

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Representa a revolta de todos os setores da burguesia paulista, não tanto por razões estritamente econômicas (bem ou mal o governo vira-se obrigado a considerar o problema do café, estabelecendo um novo esquema de defesa), mas sobretudo por razões de natureza política. A decepção dos democráticos levou à luta tanto a “aristocracia do café”, como todo o grupo industrial mais importante do país que, sem discre-pâncias, realizou um considerável esforço para armar o Estado rebelde (FAUSTO, 1986: 249).

Muito embora a revolução de 1932 tenha sido sufocada pelas forças do Exérci-to Nacional, algumas de suas sementes começaram a frutificar em maio de 1933, no momento em que numa “tentativa de apaziguamento nacional, o governo permitiu a organização de uma Assembléia Constituinte encarregada de elaborar a nova Carta Constitucional do país” (FERREIRA, et al, 2003: 114) e, principalmente, por ocasião da promulgação da nova Constituição, em 14 de julho de 1934, um verdadeiro produto híbrido, pois o documento jogava tanto com os ideais do liberalismo como àqueles do reformismo econômico. Do ponto de vista social e político, o documento jurídico trouxe significativas mudanças para o Brasil. Numa caracterização geral, destaca-se a instituição do voto secreto, o voto feminino (obrigatório) para mulheres funcionárias públicas, a representação profissional, através da qual os sindicatos indicava novos membros para o Congresso Nacional; introdução de leis sociais e a organização de sin-dicatos. Com relação à adoção desta política “assistencialista”, a historiadora Mercedes Kothe chama a atenção para o fato de que a legislação trabalhista não foi estendida à população rural, ela ainda considera que “para conseguir o apoio da população, foram outorgadas algumas medidas trabalhistas e sociais, que vieram a beneficiar segmen-tos da população urbana, sendo esquecidos, porém, os camponeses” (KOTHE, 2000: 104).

Uma das determinações da Constituição de 1934 era a realização de eleições para presidente da República, em janeiro de 1938. Dessa forma, a partir de 1936, a questão da sucessão presidencial passa a ser pauta nas discussões do cenário político nacional. Apesar da tentativa de esvaziamento das discussões por parte de Getúlio Vargas, Arman-do de Sales Oliveira, governador de São Paulo, lança sua candidatura pela oposição após ter tentado obter, sem êxito, o apoio do grupo da situação. As forças situacionis-tas, em contrapartida, apresentam o paraibano José Américo de Almeida. Além destes, o chefe integralista, Plínio Salgado, também se candidata à presidência da República.

A campanha para a “sucessão” de Getúlio Vargas, em razão do estado de guerra

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decretado no Brasil8 – pela justificativa de combate ao comunismo – desenvolve-se num quadro de repressão, censura e restrições de participação política. Os mesmos instrumentos criados para a repressão ao comunismo também foram aplicados aos antigos aliados de Getúlio Vargas, àqueles contrários a sua política de permanência no governo, de forma a enfraquecê-los ou neutralizá-los. Esta era a posição defendida por Góis Monteiro; ele almejava construir um exército forte, unificado e isento de influên-cias políticas e assim foi feito.

A AçãO INTEGRALISTA BRASILEIRA E A ALIANçA NACIONAL LI-BERTADORA

A década de trinta do século XX traz consigo a formação de dois movimentos so-

ciais antagônicos, amplamente difundidos no Brasil da época: a Ação Integralista Bra-sileira (grupo de extrema direita) e a Aliança Nacional Libertadora (grupo de extrema esquerda). O primeiro inspirava-se no fascismo e tinha em Plínio Salgado9 – o chefe nacional – a figura de maior expressão dos “camisas-verdes”. O segundo, por sua vez, representa a organização de um movimento de frente popular, com ampla dependên-

8 Inicialmente, o estado de guerra é decretado por um período de três meses, mas, posteriormente, “foi prorrogado ininterruptamente, desde o levante comunista até junho de 1937, quando líderes das bancadas e o ministro da Justiça, Macedo Soares, decidiram por sustá-lo. No entanto, em outubro do mesmo ano, sob pretexto da iminência de um novo golpe comunista, em virtude de um plano recentemente descoberto, o Executivo solicitou mais uma vez a declaração do estado de guerra” (FERREIRA, et al, 2003: 141).

9 Plínio Salgado nasceu em São Bento do Sapucaí (São Paulo) em 22 de janeiro de 1895. Iniciou suas atividades ligadas à política em 1918, quando participou da fundação do Partido Municipalista. Nessa época realizava conferências em nome da autonomia provincial. No ano de 1920, começou a trabalhar no Correio Paulistano, órgão oficial do Partido Republicano Paulista (PRP). Neste momento Salgado fez amizade com Menotti del Picchia (redator-chefe do jornal) e, em companhia deste e de Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho, passou a fazer parte do movimento Verde-Amarelo, uma vertente nacionalista do modernismo. Em 1926, Plínio Salgado publicou o seu primeiro romance intitulado “O Estrangeiro”, obra que discutia a questão da identidade nacional brasileira e que o tornou conceituado no meio moder-nista. Em 1927 elegeu-se deputado estadual pela sigla partidária do PRP. Em 1930, apoiou a candidatura situacionista de Júlio Prestes à Presidência da República em oposição a Getúlio Vargas. Neste mesmo ano, antes de concluir seu mandato de deputado, viajou para o Oriente Médio e à Europa como preceptor do filho do amigo Souza Aranha. Na ocasião, impressionou-se com o fascismo e com Mussolini. Alguns autores acreditam que esta fascinação o estimulou a pensar na elaboração de uma doutrina semelhante para o Brasil.

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cia do Partido Comunista. Luís Carlos Prestes10 era sua figura de maior destaque. As origens do integralismo brasileiro remontam ao ano de 1932, momento em que

Plínio Salgado fundou a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), organização composta por intelectuais simpáticos ao fascismo. Mas a coroação definitiva de carreira política sobreveio alguns meses depois, quando o chefe integralista divulgou o Manifesto de Outubro, que continha as diretrizes básicas da Ação Integralista Brasileira (AIB)11. So-bre o integralismo brasileiro, Stanley Hilton afirma que:

A Ação Integralista Brasileira nasceu no período de fluidez política e social que se-guiu a Revolução de 1930. Fundada em outubro de 1932, por Plínio Salgado, o partido floresceria num clima de nacionalismo cultural e ansiedade da classe média face ao comunismo. Vestindo camisas verdes, usando o sigma como símbolo e o braço esticado como saudação, os integralistas apregoavam soluções nacionalistas para os problemas brasileiros (HILTON, 1977: 24).

Em fevereiro de 1934, ocorreu o Congresso de Vitória, onde foram traçadas as dire-trizes integralistas e elaborados os estatutos da AIB; também foi elaborado um plano de ação e os Departamentos de Doutrina, de Propaganda, de Milícia, de Cultura Artística, de Finanças e de Organização Política. Plínio Salgado confirmou sua autoridade ao conseguir a aprovação dos artigos que definiam as atribuições do “chefe nacional da AIB”, ou seja, seu poder sobre a instituição era inquestionável.

No ano de 1935, a AIB aprovou a repressão à Intentona Comunista e, em 1937, converteu-se em partido político e lançou o nome de Plínio Salgado à presidência da República para as eleições que estavam previstas para janeiro de 1938. Diante da percepção de que Vargas continuaria no poder, da promessa de que Salgado receberia o Ministério da Educação e do seu desejo de fazer do integralismo a doutrina do novo

10 O principal líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luís Carlos Prestes, nasceu em Porto Alegre (Rio Grande do Sul) em 3 de janeiro de 1898. Cursou a Escola Militar da Praia Vermelha do Rio de Janeiro, em 1919 e, após a sua transferência para o Rio Grande do Sul, foi o principal articulador e líder da revolta tenentista contra o governo do presidente Arthur Bernardes, em 1924. Esta revolta visava, entre outros objetivos, a renúncia do presidente Bernardes. Após inúmeros combates, os revolucionários gaúchos associaram-se, no Paraná, aos rebeldes paulistas liderados por Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, originando a Coluna Prestes. Esta objetivava percorrer o país e difundir o ideal tenentista. A marcha tenentista chega a seu término em 1927, momento em que os revoltosos exilaram-se na Bolívia. Em terras bolivianas Prestes conheceu Astrogildo Pereira, um dos futuros fundadores do PCB. Após a sua conversão ao marxismo, Prestes viajou para Moscou, em 1931 e retornou ao Brasil, clandestinamente, em 1935, casado com a comunista judia alemã Olga Benário. A partir deste momento, será o comandante da fracassada Intentona Comunista, em 1935, e o principal articulador do Partido Comunista no Brasil.

11 “O integralismo se definiu como uma doutrina nacionalista cujo conteúdo era mais cultural do que econômico. Sem dúvida, combatia o capitalismo financeiro e pretendia estabelecer o controle do Estado sobre a economia. Mas sua ênfase maior se encontrava na tomada de consciência do valor espiritual da nação, assentado em princípios unificado-res: ‘Deus, pátria e família’ era o lema do movimento” (FAUSTO, 1991: 353).

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regime, ele retirou a sua candidatura e, em seguida, apoiou a implantação do Estado Novo no Brasil, em 10 de novembro de 1937. Após a decretação deste, os partidos políticos foram extintos e o espaço de atuação da AIB ficou extremamente reduzido.

A ação dos integralistas, em grande parte, resultou na formação da sua contraparti-da, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), em março de 1935. Esta era um grupo de es-querda com forte influência do Partido Comunista Brasileiro e sua formação constituía “uma frente única dos partidos de esquerda, sindicatos, certa ala tenentista e elemen-tos apartidários – fusão de parte da classe média e operariado” (CARONE, 1965: 116). Suas diretrizes de ação, notificadas em fevereiro de 1935 pelo seu manifesto-programa, “representavam uma promessa de ameaças aos interesses de umas e de outras facções dos grupos dominantes” (SOLA, 1969: 261).

No dia 5 de julho, Luís Carlos Prestes pronuncia um forte discurso de ataque ao que ele considerou um “desvio aos ideais de 1922”; no mesmo discurso, sua conclusão incide de forma violenta ao governo de Vargas quando o líder comunista afirma “abai-xo o governo odioso de Vargas! Abaixo o fascismo! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo o poder à Aliança Nacional Libertadora!” (CARONE, 1965, 143). A resposta do presidente a este discurso acontece a 13 de julho, momento em que a polícia invade o quartel-general da ANL e realiza o confisco de documentos que mais tarde serão utilizados como prova inconteste de que a Aliança obtinha financiamento do exterior e era controlada pelos comunistas. O resultado final desta ação determina o fechamento da ANL por um período de seis meses e, a partir daí, inúmeras são as prisões dos líderes esquerdistas.

Em decorrência destas ações, a ala revolucionária do Partido Comunista Brasileiro prepara, em 23 de novembro, o denominado Levante Comunista de 3512. No mesmo alguns militares revolucionários das guarnições nordestinas das capitais de Natal, Reci-fe e Rio de Janeiro promovem uma quartelada, assassinando alguns oficias superiores; no entanto, há uma falha no que diz respeito à tentativa de ocasionar um movimento simultâneo em parte do nordeste e Rio e, como o levante não foi simultâneo, os co-mandantes cariocas já tinham sido avisados e o que seria um grande movimento, acaba sendo uma atividade sufocada com facilidade pelo governo13. O levante deixa um saldo

12 Sobre o tema ver: PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégia da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

13 Antônio Pedro Tota justifica que “os jornais ajudaram a propagar uma imagem bastante aterrorizante do Levante da ANL: fotos de oficiais mortos, prédios dos quartéis bombardeados. A população mostrava-se assustada diante dessa imagem do levante, em especial as classes médias e os dirigentes. Para o Governo, isto foi de grande valia, na medida em que a Carta Constitucional ia sendo superada por mecanismos de exceção” (TOTA, 1996: 18).

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de 22 mortos (4 em Natal, 1 no Recife e 17 no Rio de Janeiro) e, praticamente, deter-mina o fim das liberdades constitucionais existentes no período anterior ao decreto do Estado Novo, tendo em vista que a partir deste momento, o país passa a maior parte do tempo em estado de sítio ou de guerra14. Além disso, o levante armado propicia ao presidente provas irrefutáveis do “perigo comunista” e abre caminho para uma forte onda de repressão à esquerda brasileira, pois “a revolução de 35, com a onda de terror, que justificava pela necessidade de se defender da ‘subversão social’, facilitava-lhe os meios” (BASBAUM, 1991: 88).

Após a tentativa do Levante de 35 – a “Intentona”15 Comunista – o governo brasi-leiro persegue e desarticula o Partido Comunista, principalmente quando Luís Carlos Prestes é preso, em março de 1936 e o presidente, cedendo aos elementos “germanó-filos” do seu governo – cujo maior expoente tinha base em Filinto Müller – repatria a sua companheira, a revolucionária Olga Benário à Alemanha nazista de Adolf Hitler. A repressão varguista era tão abrangente que nem mesmo o Congresso fica imune a sua ação, um senador e quatro deputados são presos e têm seu julgamento aprovado pela Câmara em julho do mesmo ano. Para desmantelar qualquer tipo de contra-ofensiva comunista, Vargas ainda manda prender milhares de políticos suspeitos, independente de serem militares ou civis, ou seja, entre o período “de 25 de novembro de 1935 a 15 de março de 1936, fizeram-se 3.250 investigações, 441 buscas domiciliares, 901 prisões de civis e 2.146 de militares, entre oficiais e soldados” (CARONE, 1965: 124).

A ARTICULAçãO DO ESTADO NOVO

O golpe de Estado do presidente Getúlio Vargas, deflagrado em 10 de novembro de 193716, que instituiu o Estado Novo e uma nova Constituição para o Brasil, começou

14 “Por sucessivas concessões do Legislativo, a pedidos e pressões do Executivo, o Brasil viveu em estado de emer-gência logo equiparado a estado de guerra, de novembro de 1935 a junho de 1937. O consentimento a tais medidas implicava na convicção mais ou menos generalizada – excetuados nos meses finais alguns líderes como Otávio Man-gabeira – de que o fortalecimento do Executivo era a condição de estabilidade e de ordem, portanto de sobrevivência dos grupos dominantes” (SOLA, 262).

15 O movimento acaba recebendo este nome em razão do seu intento não ter obtido êxito. Sobre este aspecto, Maria Celina D’ Araújo ainda esclarece que “para se ter uma idéia da importância que esse evento teve para as Forças Armadas, a partir de 1937, o Levante (que elas chamaram de Intentona, significando intento louco, plano insensato) foi trans-formado em data oficial de celebração militar, quando se condenava a traição aos colegas e se celebravam as vítimas da covardia. Apenas na década de 1990 a data deixaria de merecer cerimônias oficiais” ( D’ARAÚJO, 2000: 17).

16 Dia este em que o Senado Federal amanheceu cercado pela cavalaria da Polícia Militar e que Getúlio Vargas anun-ciou pelo rádio à nação o início de uma nova era e Constituição.

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a ser preparado com muita antecedência17 e a justificativa de combate ao comunismo constituiu o principal ponto de argumento para sua implantação. O pretexto imediato utilizado para a implantação do Estado Novo foi a “descoberta” da existência do “Plano Cohen”, segundo o qual os comunistas tencionavam tomar o poder, mediante a adoção de meios violentos. Embora falso, o referido Plano representou o estopim da crise que originou a implantação da ditadura do Estado Novo no Brasil. Mas o fato é que a polí-tica de continuidade de Vargas na presidência da República já vinha sendo preparada há algum tempo e ela foi assegurada no momento em que o presidente debelou os principais focos de resistência e aglutinou o apoio de importantes lideranças políticas e militares – como o general Góis Monteiro – para a mudança nos rumos democráticos do país. De acordo com Maria Celina d’Araújo, a implantação do Estado Novo não foi uma medida impensada, afinal, “o golpe não representou uma ruptura, uma mudança abrupta, mas sim a consolidação de um processo de fechamento e repressão que vinha sendo lentamente construído, com o apoio de intelectuais, políticos civis e militares” (D’ARAúJO, 2000: 15).

Como foi destacado acima, o “Plano Cohen” constituiu apenas a gota d’ água final do processo de construção de um Estado forte. O golpe de Estado, deflagrado em novembro de 1937, foi algo construído, muito bem planejado. Alguns autores conside-ram que a própria Constituição de 1934, ao eliminar a figura do Vice-Presidente, por si só já constitui um prenúncio para o endurecimento do regime e a continuidade de Vargas na chefia do executivo do país. Entretanto, o senso comum entre os historia-dores é que o Levante Comunista de 1935 foi um marco decisivo para a explicação e a obtenção de apoio popular no que tange à implantação do Estado Novo brasileiro.

Além dessas ações, em setembro de 1936, foi criado o Tribunal de Segurança Nacio-nal, órgão instituído para julgar os crimes efetuados contra a Nação; notavelmente, a ação dos envolvidos no levante comunista de 1935. A existência deste tribunal permite o controle de grande parte da oposição ocasionada ao presidente Vargas e a interdi-ção de todos aqueles que reivindicavam medidas menos centralizadoras por parte do governo.

Em meio às questões de “perseguição ao avanço comunista”, Getúlio Vargas inicia, em 1936, os preparativos para a eleição presidencial que estava prevista para janeiro de 1938, pois a Constituição de 1934 impedia a sua reeleição. Em meados de 1937 aparecem os dois primeiros candidatos: o paulista Armando de Sales Oliveira e o pa-raibano José Américo de Almeida. O primeiro era o representante da União Democrá-tica Brasileira (UDN), recente aliança formada em torno do nome do bem sucedido

17 De acordo com os diários de Vargas a Constituição já estava pronta desde abril de 1937.

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governador de São Paulo, que se considerava o representante do constitucionalismo liberal. O segundo, por sua vez, era o político José Américo de Almeida, antigo líder tenentista e romancista; foi um proeminente componente da Aliança Liberal de 1930 e era o representante da adoção de medidas nacionalistas autoritárias. Via de regra, era o representante oficial do governo, mas sem o apoio formal de Getúlio Vargas.

Getúlio Vargas utilizou o quanto pôde a tática de desdobramento das suas reais intenções de permanência no governo. Por vezes, deixava escapar a impressão de que José Américo era o candidato oficial à sua sucessão presidencial e, em outras, permitia a especulação sobre a existência de algum movimento de “última hora”. Como Getúlio Vargas não tomava nenhuma posição clara, os integralistas lançaram a candidatura de Plínio Salgado à presidência do país, em junho de 1937.

Com este “panorama” eleitoral, Vargas ia conduzindo a campanha presidencial de 1938 e, sempre que possível, tratava de aniquilar qualquer tipo de oposição que pu-desse interferir em seus planos de permanência à frente do executivo nacional. Neste sentido, o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, por seu poder político e militar, constituía uma pedra no caminho do projeto de continuidade de Vargas no poder, visto que desde 1935. Flores, além de ocasionar ampla oposição a Vargas, intro-metia-se em questões militares, através da exploração e alimento a cisões dentro das Forças Militares18. Contudo, “à altura de setembro de 1937, os comandantes militares de Vargas haviam conseguido isolar a oposição nos Estados principais” (SKIDMORE, 1969: 48) e, no Rio Grande do Sul, não foi diferente: Getúlio Vargas não só extermina com a oposição de Flores, como nomeia o General Daltro Filho para o seu lugar, como interventor gaúcho19.

Com a oposição controlada, Getúlio Vargas só aguardava uma oportunidade final para o decreto do Estado Novo. Góis Monteiro oferece uma “mãozinha” ao governo federal ao “descobrir” a existência do (falso) “Plano Cohen”20. O plano, forjado pelo serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB), foi datilografado pelo capitão inte-

18 Sua influência repercutiu, inclusive, na saída de Góis Monteiro do Ministério da Guerra, em 1935.

19 O processo de neutralização do governador gaúcho tomou forma no momento em que a oposição solicita o seu impeachment e se intensifica em 14 de outubro, por ocasião do decreto de Góis Monteiro e do comandante local do exército gaúcho, de realizar a federalização da milícia estadual do Rio Grande do Sul. Ficando acuado e sem alternativas de resistência, Flores da Cunha, a 18 de outubro, parte para o Uruguai.

20 “Em entrevista a Manchete (Rio, 11-11-1958) o Gen. Olímpio Mourão citado pelo General Góis como autor do documento, esclarece que a assinatura não era um nome inventado mas sim tirado de antigo líder comunista húngaro, Bela Kuhn, transformado em Cohen porque conhecido nazista e anti-semita Gustavo Barroso, lhe dissera que Kuhn e Cohen eram a mesma coisa. Com a vantagem de despertar ao lado anticomunismo, o anti-semitismo” (BASBAUM, 1991: 92).

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gralista Olímpio Mourão Filho dentro do exército, local onde “vaza” para a imprensa. O Plano consistia num projeto judaico-comunista internacional que objetivava a tomada de poder por meio da instauração de uma nova modalidade de sociedade – atéia e con-trária às idéias de família de honra às mulheres. A seguir, um trecho do fictício plano no qual a “ameaça comunista” evidencia suas atitudes para com os seus adversários:

é necessário criar nos meios revolucionários os reflexos necessários para a violência inútil e insuficiente. (...) A violência deve ser plani-ficada, deixando de lado qualquer sentimentalismo não só favorável, aparentemente, ao ideal revolucionário, como também à piedade co-mum; isso significa que certos indivíduos, por exemplo, devem ser eli-minados só pelo fato de serem contrários à nossa revolução ( Jornal do Commercio, 1937: 01).

O falso plano que integraria o Boletim de Informações Número 4 da AIB, sequer foi aprovado pelo chefe nacional dos integralistas, Plínio Salgado, pois ele o considera fantasioso demais e irrealista, na imagem proposta aos integralistas – mesmo assim, o documento é apropriado por alguns chefes militares. O plano era tão absurdo que sua autenticidade foi logo posta à prova, inclusive dentro dos próprios quartéis e, em seguida, em razão disso, o capitão integralista foi acusado pelo general Góis Monteiro de ter ludibriado seus chefes militares com a divulgação de um documento forjado21.

Por meio da ação de Góis Monteiro, o plano fictício chega às mãos de Getúlio Vargas. Este autoriza a sua publicação junto à imprensa pelo Departamento de Pro-paganda (futuro Departamento de Imprensa e Propaganda). Dessa forma, o plano é publicado no dia 30 de setembro de 1937. No entanto, alguns políticos e jornais como A Federação, de Porto Alegre, alertavam para a falsidade do plano, pois era “apenas um pretexto imaginado pela maquiavélica fertilidade do Sr. Getúlio Vargas para novamente conseguir turvar as águas do momento político” (A Federação, 1937: 02) e o perigo que rondava a democracia no país. O resultado imediato à publicação do plano é a instituição do estado de guerra.

Em 27 de outubro de 1937, Getúlio Vargas envia Francisco Negrão de Lima – então deputado federal – em uma missão secreta de sondagem sobre a possibilidade do decreto de um golpe de Estado. Como emissário direto de Vargas ele “visitou todas as capitais, conversando todos os governadores, e obtendo deles o apoio necessário com a promessa de também eles continuarem” (BASBAUM, 1991: 95). O deputado retorna ao Rio de Janeiro em 3 de novembro do mesmo ano.

21 Tanto que ele sofreu sanções militares e ficou proibido de obter ascensão militar.

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Assim, com os elementos de esquerda presos ou exilados, com a falta de ação dos chamados grupos liberais, em razão da situação institucional imposta ao país e do clima de “terror” estabelecido pelo próprio governo, todos os mecanismos para a via-bilização do golpe estavam prontos. Agora era uma questão de tomada de decisão, e isto é o que acontece na manhã da quarta-feira do dia 10 de novembro de 1937. Estava instaurado o Estado Novo no Brasil, este se estenderia até 1945.

FONTES E REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASBAUM, Leôncio. História sincera da República – de 1930 a 1960. 6. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1991.

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Este livro foi composto em Apple Garamond 11 em papel sulfite 75g para

Pluscom Editora no inverno de 2010.

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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