história econômica - mircea

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1 1 MIRCEA BUESCU HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL LEITURA BÁSICA Antonio Paim (organizador) CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB) 2011

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    MIRCEA BUESCU

    HISTRIA ECONMICA

    DO BRASIL

    LEITURA BSICA

    Antonio Paim (organizador)

    CENTRO DE DOCUMENTAO DO

    PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB)

    2011

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    SUMRIO

    APRESENTAO Antnio Paim .......................................... 4

    MATRIA INTRODUTRIA Prefcio Amrico Jacobina Lacombe ...................................... 13 Textos de Mircea Buescu

    - Um programa de trabalho para a histria

    econmica do Brasil ............................................................... 20

    - Esquema de histria econmica do Brasil .............................. 30

    OS TRS PRIMEIROS SCULOS - A economia aucareira em 1600 e seus

    aspectos quantitativos ............................................................. 52

    - Sobre o valor da exportao colonial ..................................... 61

    SCULO XIX

    Nota introdutria Antnio Paim ............................................... 65 Textos de Mircea Buescu

    8. DIVISOR DE GUAS ...................................................... 69

    8.1 Balano do modelo colonialista mercantilista ................... 69

    8.2 Chegada da Corte .............................................................. 74

    8.3 Poltica econmica ............................................................ 75

    8.4 Gargalo externo ................................................................. 87

    8.5 Outras atividades econmicas.............................................91

    8.6 Novos rumos ..................................................................... 93

    9. O CICLO DO CAF ......................................................... 96

    9.1 Perspectiva em meados do sculo XIX ............................. 96

    9.2 Condicionamentos externos .............................................. 98

    9.3 Condicionamentos internos ..............................................101

    9.4 Empresa e rentabilidade ...................................................113

    9.5 Comrcio exterior .............................................................118

    9.6 Agricultura de subsistncia ...............................................135

    9.7 Incio da indstria .............................................................139

    9.8 Moeda e finanas ..............................................................145

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    9.9 Balano do perodo ............................................................ 158

    Revendo a poltica econmica do Imprio (1991) ....................... 165

    Notas sobre a economia do Segundo Reinado ............................. 188

    SCULO XX

    Apresentao Antnio Paim ..................................................... 203 TEXTOS DE MIRCEA BUESCU

    - Brasil: problemas econmicos e experincia histrica

    Cap. VIII Processo da industrializao ............................... 205 Cap. IX Papel do Governo .................................................. 222 - Lies da histria .................................................................... 230

    - A experincia deflacionria de Joaquim Murtinho ................. 247

    - Arranco ou transio (1930/1960) .......................................... 289

    - Acerca da teoria dos choques externos ................................... 312

    - Os objetivos nacionais nos planos econmicos

    (1964/1985) ............................................................................ 335

    - Progresso e declnio do planejamento econmico

    no Brasil ................................................................................. 359

    - Os anos 80: a dcada perdida ................................................. 375

    - Desenvolvimento econmico: condicionamentos .................. 396

    CORRENTES DE IDIAS SOBRE A

    ECONOMIA BRASILEIRA (1965-1990)

    - Correntes de idias sobre a economia brasileira

    (1965/1990) ............................................................................. 416

    - Capitais estrangeiros (um debate no Conselho Tcnico)......... 438

    - Notas histricas sobre imperialismo, dependncia

    e dominao ........................................................................... 454

    - Inflao, mentalidades e estruturas..........................................474

    - O fascnio do discurso marxista ............................................. 490

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    4

    APRESENTAO

    Antonio Paim

    Nasceu em Bucareste, Romnia, a 14 de setembro

    de 1914. Concluiu a Faculdade de Direito de Bucareste

    e diplomou-se em estudos superiores da Faculdade de

    Direito de Paris. Em sua ptria de origem, foi chefe de

    servio no Ministrio do Comrcio Exterior. Emigrou

    para o Brasil em 1949, aos 35 anos de idade. Em 1954

    obteve a nacionalidade brasileira.

    Nos anos sessenta, economistas ligados a Roberto

    Campos (1917/2001) criaram a Editora APEC Analise

    e Perspectiva Econmica que desenvolveu um grande

    trabalho no sentido de recuperar a tradio liberal,

    sucessivamente arquivada depois da Revoluo de 30.

    Alm de haver completamente desaparecido de nosso

    meio, o liberalismo econmico era criticado e

    deturpado. A moda, que no desapareceu de todo, em

    matria de economia, era a vulgata marxista.

    A APEC publicou diversos dos livros escritos por

    Roberto Campos. Alm disto, deu a conhecer a obra de

    economistas liberais da poca. Progressivamente, os

    nomes de Adam Smith e seus seguidores deixaram de

    ser satanizados, criando espao prprio nos cursos de

    economia. Sem embargo, remanescentes da vulgata

    continuam a insistir nas superadas teses cepalianas,

    cata de culpados, no exterior, pelo atraso que ainda

    registramos em parcelas do territrio e at conseguem

  • 5

    5

    manter polticas obsoletas como uma reforma agrria

    fora do tempo.

    Ligando-se APEC, depois de 1962, da qual seria

    diretor, entre 1972 a 1979 e consultor a partir de 1980,

    responde em grande medida pelo sucesso do empreen-

    dimento, notadamente ao estimular e contribuir deci-

    sivamente para a elaborao de anlises da economia

    brasileira, dignas do nome.

    Tornou-se professor de histria econmica na

    PUC-RJ (1965 a 1986) e no Instituto Benett de Ensino.

    Deu aulas de economia e histria econmica no Instituto

    Rio Branco, na Faculdade Santa rsula, na Fundao

    Getlio Vargas e ainda em outras instituies do Rio de

    Janeiro e de outros estados.

    Buescu exerceu ainda a funo de assessor no

    Gabinete do Ministro da Fazenda, de 1967 a 1986. Scio

    efetivo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.

    Publicou grande nmero de artigos e ensaios em

    jornais (Jornal do Comrcio; O Globo, Jornal do

    Brasil) e revistas, entre outras a Revista do Instituto

    Histrico e Geogrfico Brasileiro, Carta Econmica da

    APEC e Carta Mensal, rgo do Conselho Tcnico da

    Confederao Nacional do Comrcio, de que era

    membro.

    O grande feito de Mircea Buescu reside na

    notvel contribuio que deu para estruturar o estudo do

    nosso desenvolvimento econmico em bases estri -

    tamente cientficas, como se pode ver da Bibliografia

    adiante.

  • 6

    6

    Faleceu no Rio de Janeiro a 16 de maio de 2003,

    aos 89 anos de idade.

    O levantamento dos dados biogrficos de Mircea

    Buescu s foi possvel graas recuperao de uma

    breve nota, de sua autoria, que havia sido encaminhada

    ao Conselho Tcnico da Confederao Nacional do

    Comrcio a que pertencia graas diligncia da

    secretria Sandra Nascimento. Faltava, entretanto, a

    data de falecimento, obtida graas iniciativa de Arno

    Wehling, presidente do Instituto Histrico e Geogrfico

    Brasileiro, e presteza e solicitude da secretria

    Tupiara Machareth.

    Fica a lacuna relativa aos ltimos anos de vida.

    Segundo os registros constantes da Carta

    Mensal, sua ltima conferncia teve lugar em maio de

    1995, isto , ainda viveria oito anos, caracterizados pela

    interrupo abrupta de sua brilhante produo

    intelectual. Os quatro ensaios subseqentes aparecidos

    na revista (nos anos de 1996 e 1997, referidos adiante),

    sem indicao de que teriam resultado de conferncias,

    devem ter sido encaminhados diretamente para

    publicao, praxe admitida. No elogio dos scios

    falecidos, no caso a cargo de Vitorino Chermont de

    Miranda, afirma-se: presena assdua, nas sesses do

    CEPHAS, enquanto a sade lhe permitiu (RIHGB, 184

    (421): 280; out.-dez., 2003). de presumir, portanto,

    que a inatividade observada haja decorrido do estado de

    sade.

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    7

    BIBLIOGRAFIA

    Livros

    Histria do Desenvolvimento Econmico do Brasil (1967);

    2 edio, Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1969, 178 p. (em

    colaborao com Vicente Tapajs)

    Exerccios de Histria Econmica do Brasil (1968). Rio de

    Janeiro: APEC Editora, 1969, 136 p.

    Histria Econmica do Brasil. Pesquisas e anlises. Rio de

    Janeiro: APEC, 1970, 284 p.

    O divisor de guas: 1808/1850 . Rio de Janeiro: APEC,

    1972.

    300 anos de inflao . Rio de Janeiro: APEC, 1973.

    Evoluo econmica do Brasil (1974). 4 edio. Rio de

    Janeiro: APEC, 1974, 230p.

    10 anos de renovao econmica. Rio de Janeiro: APEC,

    1974 (em colaborao com Victor Silva)

    A moderna histria econmica . Rio de Janeiro, 1976 (em

    colaborao com Manuel Pelez).

    Guerra e desenvolvimento . Rio de Janeiro: APEC, 1976.

    Brasil. Disparidades de renda no passado . Rio de Janeiro:

    APEC, 1979, 136p.

    Mtodos quantitativos em histria . Rio de Janeiro: Livros

    Tcnicos e Cientficos, 1983.

    Histria Administrativa do Brasil . Organizao e Admi-

    nistrao do Ministrio da Fazenda no Imprio. Rio de

    Janeiro: FUNCEP, 1984.

    Brasil. Problemas econmicos e experincia histrica . Rio

    de Janeiro: Forense Universitria, 1985.

  • 8

    8

    Artigos e Ensaios

    Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro

    Quantidade e qualidade em histria econmica: o caso da

    inflao brasileira no sculo XIX. v. 313, p. 21-45,

    out./dez., 1976.

    O caf na histria do Brasil. v. 321, p. 234-236,

    out./dez., 1978.

    Disparidades regionais, v. 318, p. 88-91, jan./mar., 1978.

    Inegalits regionales au Brsil das la seconde moiti du

    XIX sicle. v. 321, p. 222-232, out./dez., 1978.

    Criao do Banco do Brasil, v. 322, p. 181-184,

    jan./mar., 1979.

    Miguel Calmon e a valorizao do caf. v. 327, p. 235 -

    238, abr./jun., 1980.

    No centenrio da Lei Saraiva. v. 330, p. 179-186,

    jan./mar., 1981.

    Novas notas sobre a Lei Saraiva. v. 331, p. 209-211,

    abr./jun., 1981.

    O sistema eleitoral aps a Lei Saraiva. v. 332, p. 225 -

    227, jul./set., 1981.

    Natalidade e mortalidade da populao escrava. v. 334,

    p. 163-165, jan./mar., 1982.

    Uma interpretao marxista da escravido no Brasil. v.

    334, p. 183-190, jan./mar., 1982.

    Exportao no Brasil colonial. v. 335, p. 129-132,

    abr./jun., 1982.

  • 9

    9

    Situao dos escravos no sculo XIX. v. 336, p. 145-147,

    jul./set., 1982.

    Poltica econmica do Segundo Reinado. v. 339, p. 7 -12,

    abr./jun., 1983.

    Centenrio do Motim do Vintm. v. 339, p. 113-120,

    abr./jun., 1983.

    O alvar bicentenrio de 1785. v. 350, p. 183-186,

    jan./mar., 1986.

    O reerguimento econmico: 1903-1913. v. 353, p. 1033-

    1050, out./dez., 1986.

    Um estadista controvertido: Joaquim Murtinho. v. 365, p.

    529-572, out./dez., 1989.

    A Primeira Repblica e o sistema econmico inter -

    nacional. v. 379, p. 350-363, abr./jun., 1993.

    Carta Mensal

    Desenvolvimento e lazer. v. 36, n. 423, p. 35-42, jun.

    1990.

    Inflao: mentalidades e estruturas. v. 36, n. 427, p . 7-

    14, out. 1990.

    Progresso e declnio do planejamento econmico no

    Brasil. v. 36, n. 428, p. 53-61, nov. 1990.

    Os objetivos nacionais nos planos econmicos (1964/

    1985). v. 36, n. 430, p. 23-37, jan. 1991.

    A experincia deflacionria de Joaquim Murtinho. v. 36,

    n. 431, p. 37-56, fev. 1991.

    Comentrios margem da perestoika. v. 36, n. 432, p.

    41-49, mar. 1991.

  • 10

    10

    A inflao como combate pela renda. v. 37, n. 436, p. 23-

    32, jul. 1991.

    Primrdios do protecionismo alfandegrio no Brasil. v.

    37, n. 437, p. 7-23, ago. 1991.

    Revendo a poltica econmica do imprio, v. 37, n. 441,

    p. 3-13, dez. 1991.

    Correntes e idias sobre a economia brasileira (1965-

    1990). v. 37, n. 444, p. 49-58, mar. 1992.

    Os anos 80: a dcada perdida. v. 38, n. 447, p. 53 -62,

    jun. 1992.

    Variaes sobre um tema ecolgico. v. 38, n. 452, p. 11-

    19, nov. 1992.

    Arranco ou transio. v. 38, n. 455, p. 21-30, fev. 1993.

    Notas histricas sobre imperialismo, dependncia e

    dominao. v. 39, n. 460, p. 29-36, jul. 1993.

    Acerca da teoria dos choques externos. v. 39, n. 466, p.

    50-59, jan. 1994.

    Lies da histria. v. 40, n. 471, p. 41-48, jan. 1994.

    Desigualdades regionais: primrdios. v. 40, n. 474, p. 54 -

    63, set. 1994.

    A investigao quantitativa do passado. v. 41, n. 484, p.

    3-10, jul. 1995.

    Desenvolvimento econmico. v. 41, n. 485, p. 33-43,

    ago. 1995.

    Drcula: histria e fantasia. v. 41, n. 487, p. 56 -65, out.

    1995.

    Notas histricas acerca da dvida externa. v. 41, n. 492,

    p. 75-83, mar. 1996.

    O fascnio do discurso marxista. v. 42, n. 498, p. 77 -85,

    set. 1996.

  • 11

    11

    Notas sobre a economia do Segundo Reinado. v. 43, n.

    502, p. 13-20, jan. 1997.

    Capitais estrangeiros: um debate no Conselho Tcnico. v.

    43, n. 508, p. 17-26, jul. 1997.

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    12

    MATRIA INTRODUTRIA

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    13

    PREFCIO

    Amrico Jacobina Lacombe

    Por estranho que parea, num tempo em que

    tanto se fala em economia, nossa bibliografia de

    histria econmica escassssima. O mais recente e

    completo de nossos estudos de metodologia histrica e

    historiografia, a Teoria da Histria do Brasil, do prof.

    Jos Honrio Rodrigues, 3 ed. (So Paulo, 1969), mal

    conclui uma pgina com a relao das obras principais

    nesse setor, e assim mesmo incluindo as de pura

    documentao, as biografias, as histrias das finanas e

    as monografias sobre produtos especiais ou aspectos

    parciais. Os trabalhos de conjunto sobre a histria da

    economia brasileira contam-se pelos dedos.

    Em primeiro lugar, os Pontos de Partida para a

    Histria Econmica do Brasil, de Lemos Brito, que so

    de 1923, e representam um esforo de organizao dos

    dados constantes da historiografia corrente, sem muita

    preocupao tcnica.

    De 1929 a obra de Lcio de Azevedo, pocas de

    Portugal Econmico. Ainda que no vise ao Brasil

    especialmente, a maneira pela qual encarou a economia

    colonial e o mtodo que empregou no estudo dos ciclos

    econmicos (termo que da por diante vai ser sempre

    empregado) transformaram este livro num modelo de

    cujo plano e terminologia dificilmente escapam os

    continuadores.

    De 1935 o livro de J. F. Normano: Brazil A

    study of Economic Types, inteligente exposio que no

  • 14

    14

    tomou conhecimento do historiador portugus, mas

    contribuiu, por sua vez, com algumas idias que se

    incorporam aos relatos subseqentes.

    Em, 1937 surge a obra clssica de Roberto Si-

    monsen. Criando em 1933 a Escola Livre de Sociologia

    e Poltica de So Paulo, viu-se o homem de empresa,

    doubl de intelectual, com a responsabilidade im-

    prevista de ministrar pessoalmente o curso de histria

    econmica. Da resultou a Histria Econmica do

    Brasil, cujas edies se sucedem ininterruptamente. Sem

    ser um historiador por formao, mas homem de boa

    cultura geral e econmica, Simonsen empregou sua

    notvel inteligncia e sua invejvel capacidade de

    organizao na feitura de uma obra magistral.

    Submeteu-a ao crivo de eruditos do nvel de Rodolfo

    Garcia, Afonso dE. Taunay e Eugnio de Castro. Da

    resultou um livro bsico, lcido e metdico, em que se

    vo abeberar os seguidores inevitavelmente.

    De 1938 a maravilha de exposio representada

    pelas aulas ministradas em Montevidu pelo professor

    Afonso Arinos de Melo Franco e editadas pelo Minis-

    trio da Educao: Sntese da Histria Econmica do

    Brasil, vrias vezes reproduzidas. Tudo o que apareceu

    precedentemente foi esquematizado de maneira tal que

    os compndios no fazem, pela maior parte, da por

    diante, seno seguir a esteira do conferencista.

    Com Caio Prado Junior, na Histria Econmica

    do Brasil em 1945, escrita para um pblico estrangeiro

    (encomenda que foi do Fundo de Cultura Econmica do

    Mxico) temos uma viso diferente do problema. O

  • 15

    15

    autor lamenta justamente ser escassa a produo

    brasileira em matria de literatura econmica que

    examina e seleciona. Mas proclama a dificuldade de

    elaborar cientificamente o assunto segundo suas

    concepes dialticas, j que uma iluso ingnua

    esta idia muito corrente de uma possvel e suposta

    imparcialidade filosfica que no existe e no pode

    existir. Verdade esta que j fra proclamada por

    Aristteles: a de que para deixar de filosofar, ainda

    preciso filosofar.

    Completamente outro o ponto de vista de Celso

    Furtado na sua Formao Econmica do Brasil, de

    1959. O problema historiogrfico no o preocupou.

    Omite-se quase totalmente a bibliografia histrica

    brasileira, previne ele na Introduo, pois escapa ao

    campo especfico do presente estudo, que sim-

    plesmente a anlise dos processos econmicos e no a

    reconstituio dos eventos histricos que esto por trs

    desses processos. E realmente toda a massa de

    informaes necessria ao raciocnio colhida nos

    trabalhos antecessores.

    A interveno do prof. Mircea Buescu no campo

    de nossos estudos de histria econmica, com os

    Exerccios de Histria Econmica do Brasil, e com a

    Histria do Desenvolvimento Econmico do Brasil (em

    colaborao com o prof. Vicente Tapajs), traz-nos uma

    contribuio importantssima.

    Esprito formado no trato contnuo dos

    problemas econmicos, formado por uma profunda

    preocupao pelo material historiogrfico empregado

  • 16

    16

    na elaborao dos estudos, o professor Buescu

    empreendeu uma exaustiva reviso nos dados

    elementares nas fontes primrias de nossa evoluo. Na

    falta de estatsticas e relatrios oficiais, em vista da

    poltica de sigilo caracterstica dos governos da era

    moderna, nossas fontes vm sendo os cronistas e os

    missionrios coloniais. No se pensara, porm, at

    agora em submeter os dados multifrios extrados

    desses trabalhos, nem sempre com a exatido ne-

    cessria aos raciocnios histricos e econmicos, a uma

    costratao rigorosa. Sobre eles se apoiaram os

    historiadores at aqui. Mas o professor Buescu

    demonstra que muita coisa precisa ser posta em dvida

    e repensada. Pelo menos no lcito chegar a certas

    concluses sem averiguar certos pontos assaz

    duvidosos.

    Urge um trabalho preparatrio de apuradas

    pesquisas para obter uma srie de dados quantitativos

    essenciais ao reestudo de vrios captulos que

    enganosamente julgvamos documentados. Como se

    ver das pginas que se seguem, o Autor fez srias

    tentativas neste sentido, no curso que ministra na

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Os

    resultados no corresponderam totalmente aos esforos

    empregados mas, de qualquer modo, demonstraram a

    possibilidade de se chegar a concluses muito

    importantes.

    A soluo que ocorre ao professor Buescu a de

    um Instituto especializado em Histria Econmica do

    Brasil, capaz de centralizar as tentativas nesse sentido.

  • 17

    17

    bvia a concluso. Mas, por outro lado, parece-me que

    mais rapidamente se poderia organizar tal instituto

    sombra de instituies j existentes, interessadas nas

    pesquisas histrico-econmicas. E so muitas as que

    esto sentindo a necessidade de dar uma base slida e

    documentada a um setor perigosamente exposto aos

    ventos das paixes.

    Como companheiro de trabalhos e de lutas no

    campo universitrio e s a esse ttulo estou ocupando

    estas pginas no me resta seno desejar

    ardentemente que o apelo do Autor encontre eco no

    meio dos esclarecidos. No faltam, merc de Deus,

    jovens dispostos e livres para pesquisas trabalhosas,

    mas empolgantes. Dem-nos ambiente e meio e ns, os

    professores, auxiliares e estudantes, os transfor-

    maremos em elementos para uma slida construo

    cientfica futura.

    o que j antevejo com otimismo e confiana.

    Que as palavras deste mestre frutifiquem.

    (Transcrito de Histria Econmica do Brasil.

    Pesquisas e anlises, de Mircea Buescu Rio de

    Janeiro, APEC, 1970, pgs. 13-16)

    Nota do editor

    Amrico Jacobina Lacombe (1909/1974) concluiu o curso de

    direito aos 22 anos, em 1931. Ainda nos anos trinta, teve atuao

    destacada no Centro Dom Vital que exerceu grande influncia

    nos crculos catlicos durante largo perodo e foi secretrio do

  • 18

    18

    Conselho Nacional de Educao. Integrou o grupo que lanou as

    bases da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, onde,

    a partir de 1941 passou a lecionar Histria do Brasil. Graas a

    essa condio, viria a produzir extensa bibliografia dedicada ao

    tema, o que o tornaria renomado historiador e o levaria ao

    exerccio da Presidncia do Instituto Histrico Brasileiro. Seria

    tambm diretor da casa de Rui Barbosa e responsvel pelo

    ordenamento de sua obra para edio. Pertenceu Academia

    Brasileira de Letras.

  • 19

    19

    TEXTOS DE MIRCEA BUESCU

  • 20

    20

    UM PROGRAMA DE TRABALHO

    PARA A HISTRIA ECONMICA DO BRASIL

    O desvio do estudo da Histria Econmica do

    Brasil do caminho que normalmente devia seguir isto

    , pesquisa exaustiva dos dados informativos (em

    grande parte quantitativos); depois, sntese coerente

    destes dados; e finalmente outra sntese integrando a

    realidade econmica no conjunto da realidade cultural

    esse desvio, queimando as etapas e passando

    diretamente para o terceiro estgio do caminho normal,

    foi, sem dvida, em grande parte, obra das escolas

    materialistas, estruturalistas e outras semelhantes que

    enfatizaram demasiadamente o aspecto social e

    institucional os problemas das classes sociais, dos

    sistemas, das estruturas, dos regimes, das instituies

    polticas, etc. de estranhar que doutrinas que

    sublinharam at alm dos limites lgicos a importncia

    do fator econmico na evoluo da Humanidade,

    contriburam para a marginalizao do estudo

    especificamente econmico na Histria.

    Um caso tpico o estudo da evoluo econmica

    do Brasil no perodo moderno at a Segunda Guerra

    Mundial. No prefcio do seu excelente livro

    recentemente publicado no Brasil (1), Frdric Mauro

    escrevia: Aps essa fase colonial de nossas pesquisas

    histricas, sentimo-nos atrados eventualmente pelos

    sculos XIX e XX, cuja economia os historiadores

  • 21

    21

    brasileiros negligenciaram em extremo. Entretanto,

    procure-se nos livros clssicos da histria econmica

    do Brasil, e encontrar-se- um nmero imenso de

    pginas dedicadas quele perodo. S uma perquirio

    mais atenta descobrir o sentido, perfeitamente justo,

    das palavras de Mauro: que, apesar da extenso dos

    comentrios (todos, de acordo com uma certa filosofia

    poltica e social), a base informativa, o documento, a

    estatstica no existem o que torna extremamente

    precrio o respectivo comentrio.

    Ningum pode minimizar a importncia dos

    sistemas, das instituies, das classes, das foras

    polticas e sociais em jogo, e assim por diante.

    Entretanto, uma avaliao objetiva destes fatores, em

    termos econmicos, s pode ser feita depois da anlise

    do processe econmico e dos seus efeitos. Para fixar-se

    bem essa posio, talvez seja conveniente, mais uma

    vez, indicar os caminhos a seguir mesmo se, s vezes,

    esta tarefa parea repisar o terreno do bvio.

    * * *

    O que a Histria Econmica? o estudo dos

    fatos econmicos sob perspectiva tempornea isto , o

    estudo do modo como os homens resolveram o seu

    problema de bem-estar material, produzindo mais para

    poderem consumir mais. Do ponto de vista teleolgico

    interessa o consumo, do ponto de vista gentico, a

    produo: dada a escassez da natureza, inclusive no que

  • 22

    22

    tange capacidade do homem, a produo que

    constitui o aspecto dramtico do problema econmico.

    De forma simplificada, a Histria Econmica deve

    pesquisar e explicar como o homem organizou a pro-

    duo e, em face dessa organizao, quais os resultados

    alcanados em termos de consumo (implicando,

    tambm, num problema de distribuio da renda). A

    histria dos fatos econmicos a descrio cronolgica

    e a anlise dos esforos humanos criadores de valores

    econmicos, a luta pela reduo dos custos e aumento

    das satisfaes obtidas. Evidentemente, nisso intervm

    uma srie de elementos institucionais e estruturais

    porm, num primeiro estgio da anlise no permitido

    preterir o fato simples, mas fundamental, de como e

    quanto se produziu uma avaliao dos fatores de

    produo aproveitados e dos produtos realizados.

    Essa anlise ser obrigatoriamente quantitativa.

    Isto no quer dizer que os fatores qualitativos

    devam ser desprezados. O desenvolvimento econmico

    funo do homem, envolvendo, portanto, todo o

    comportamento da comunidade humana no respectivo

    momento histrico. A necessidade de quantificar a

    Histria Econmica para efeito de melhor apreciar os

    fatos econmicos nico meio objetivo e comparar

    custos e benefcios sociais no implica em desprezar

    ou minimizar os fatores qualitativos.(2)

    As etapas inevitveis para a construo de uma

    Histria Econmica do Brasil como de outras

    comunidades seriam, portanto: 1) a anlise dos fatos

    econmicos produtos, fatores de produo, custos,

  • 23

    23

    preos, rendas, etc. quase totalmente quantitativa (3);

    2) sntese dos fatos econmicos aspectos

    macroeconmicos, estruturas, instituies, etc.; 3)

    sntese final, englobando todos os fatos culturais em

    cada momento histrico para determinar-se sua

    interdependncia (4). Obviamente, pelas necessidades

    de exposio, as trs etapas poderiam ser atacadas em

    conjunto, porm nunca com a preterio das etapas

    iniciais.

    * * *

    Um programa de trabalho para a Histria

    Econmica do Brasil, deveria seguir as mesmas etapas,

    sob pena de chegar a concluses inadequadas ou

    incoerentes.

    Esta formulao programtica no implica na

    negao do que foi feito at agora no campo das

    pesquisas e da elaborao de snteses quantitativas.

    Quanto s primeiras, no podem ser citados aqui todos

    os trabalhos realizados apesar de, em muitos casos, a

    pesquisa puramente histrica ter tido prioridade em

    detrimento da pesquisa da histria econmica (5). O que

    falta, no que foi feito, uma consolidao dos

    elementos objetivos, atualmente espalhados em vrias

    publicaes, para que se proceda a seu confronto

    verificando-lhes a coerncia. E seriam necessrias

    muitas novas pesquisas referentes a todas as pocas e,

    sobretudo, a pocas mais recentes.

  • 24

    24

    Como dizia Mauro, o sculo XIX foi pouco

    estudado apesar de muito interpretado e comentado

    (o perodo a partir da Segunda Guerra Mundial, foi

    analisado com maior objetividade pelos economistas

    brasileiros). Fala-se, por exemplo da economia

    brasileira do sculo XIX sem se ter, at agora, um

    estudo da inflao naquela poca, a no ser o trabalho

    pioneiro, e valioso sob muitos aspectos, de Oliver

    nody (6). Entretanto, a quantificao da inflao ,

    como no podia deixar de ser, bastante precria, e

    exigiria novas pesquisas para sua confirmao ou

    retificao. Os dados encontram-se esparsos em jornais,

    revistas, livros, documentos oficiais e privados,

    testamentos, inventrios, registros, e s pela sua coleta e

    ulterior confronto poderia construir-se uma escala, algo

    mais completo, dos preos no sculo XIX. O trabalho

    no ser fcil, porque se trata justamente de uma

    quantidade enorme de dados informativos espalhados

    em todo o Brasil e numa imensa variedade de fontes.

    Tentei fazer, por exemplo, um levantamento dos

    preos em perodos decenais entre 1835 e 1875, atravs

    dos anncios classificados do Jornal do Commercio,

    mas os resultados foram inexpressivos: poucas mer-

    cadorias so comparveis, no se podendo chegar a um

    resultado ponderado (7). Por exemplo, entre aquelas

    duas datas, o preo do acar mascavo subiu 79,4%, o

    do acar refinado 56,8% e o do arroz 52,9%. Os

    resultados parecem coerentes. Entretanto, durante o

    mesmo perodo o preo da carne seca elevava-se de

    224.2%. As variaes a prazo mais curto so ainda mais

  • 25

    25

    traioeiras: entre 1835 e 1845 o acar mascavo sobe de

    5,3%, o refinado de 21,2%, a carne seca de 63,2%, o

    milho de 75,5%, enquanto o preo do arroz acusa queda

    de 3,6%. (Foram comparados preos mdios, elimi-

    nando-se aqueles que destoavam, por razes desco-

    nhecidas, do conjunto). Trabalho evidentemente pre-

    crio e insuficiente, que talvez possa ser valorizado pela

    comparao com outras informaes similares. O levan-

    tamento completo fica para ser feito, com pacincia e

    esprito crtico. Como na maioria das vezes, a infor-

    mao sobre o preo da mercadoria d poucas indi-

    caes quanto qualidade. S juntando um grande n-

    mero de informaes ser possvel eliminar as eventuais

    distores. E entre um nmero reduzido de fontes a

    comparao irrealizvel, como, por exemplo, entre as

    informaes fornecidas por Leithold e Rango em

    1819(8) e as de Davatz uns quarenta anos mais tarde (9).

    Entretanto, este o nico caminho. Sem esta

    construo, embora muitas vezes precria, as discusses

    em torno dos temas da Histria Econmica do Brasil

    continuaro dominadas pelas interpretaes doutri-

    nrias, na falta de uma base objetiva de interpretao.

    Um exemplo tpico a construo, aparentemente

    coerente, da teoria da exportao das crises pelos

    pases industrializados para o Brasil e da transferncia

    do nus da crise pelos exportadores de caf para a massa

    dos consumidores brasileiros. No desprovida de

    base verdica essa dupla teoria, porm a sua

    apresentao de forma radical e excessiva, no parece

    justificar-se pelos dados estatsticos disponveis(10).

  • 26

    26

    Inmeros exemplos poderiam ser dados que

    justificassem a obra de pesquisa e reconsiderao da

    Histria Econmica do Brasil. Esta afirmao no

    implica em negar o que at agora foi feito(11). Mas,

    mesmo para o que tem sido feito, seria indispensvel

    aquele trabalho de consolidao, a fim de medir a

    coerncia dos vrios resultados (12).

    * * *

    Seria preciso organizar pesquisas sistemticas

    (obra de um eventual Instituto de Histria Econmica do

    Brasil, desejo meu talvez bastante utpico), sobre os

    aspectos micro e macroeconmicos da economia

    brasileira no perodo entre o Descobrimento e fim da

    Segunda Guerra Mundial (perodo que, por analogia

    com a terminologia clssica na Histria, constituiria, em

    muitos pontos, a fase pr-literria da Histria

    Econmica do Brasil, poca em que no houve

    levantamentos estatsticos sistematizados, a no ser em

    alguns poucos setores).

    Este programa de pesquisas deveria conter, entre

    outras (a enumerao no exaustiva):

    evoluo da populao no apenas para

    permitir o calculo da renda per capita, mas tambm,

    atravs do perfil dos grupos raciais (brancos, pretos,

    ndios) e sociais (rurais e urbanos, livres e escravos),

    para ajudar no clculo das rendas, uma vez que a

  • 27

    27

    estimativa direta do produto real poderia ser mais difcil

    (13).

    - avaliao da produo; muito difcil no que

    tange aos produtos de consumo interno, seria mais fcil

    para os produtos de exportao, mas, mesmo para estes,

    uma reavaliao ser necessria, e a base ser en-

    contrada na estatstica do movimento martimo (14);

    levantamento da evoluo dos preos locais;

    levantamento da evoluo dos preos de ex-

    portao;

    estatsticas sobre os salrios e outros ren-

    dimentos;

    volume das importaes dos escravos e de seus

    preos(15);

    quantificao do fiscalismo colonial e do nus

    resultante da intermediao comercial e financeira da

    Metrpole aspecto extremamente importante para

    determinar-se a parte de renda efetivamente aproveitada

    pela Colnia;

    despesa pblica (para a poca colonial) a fim de

    saber-se a parte da renda que, captada pela Metrpole,

    voltava para a Colnia;

    volume monetrio; para a poca independente:

    emisses de papel-moeda e volume de meios de

    pagamento;

    investimentos estrangeiros e seus lucros.(15 bis)

    Evidentemente, uma primeira operao consistiria

    no levantamento do que foi feito at agora e h muitas

    pesquisas extremamente valiosas; em segundo lugar, o

  • 28

    28

    material existente deveria passar pelo crivo crtico para

    avaliar-lhe a coerncia; novas pesquisas deveriam ser

    prosseguidas paralelamente, e medida que chegassem

    os resultados, os dados anteriores seriam novamente

    submetidos anlise crtica. Por fim, haveria a

    construo de conjuntos macroeconmicos, objetivos e

    coerentes, que dariam a imagem global da evoluo

    econmica. Tentativas desse tipo j foram feitas, tais

    como as construes de Roberto Simonsen no que tange

    evoluo das exportaes, de Maurcio Goulart sobre a

    importao de escravos, de Celso Furtado concernente

    evoluo da renda em algumas pocas e regies.

    Tentei levar adiante essas construes referentes

    ao fim do sculo XVI para melhor caracterizar, em

    termos quantitativos, a evoluo da economia nacional.

    Utilizei (16), para calcular a evoluo da renda, as

    estimativas da exportao colonial construdas por

    Simonsen, e os dados disponveis para o perodo

    independente, estabelecendo, depois, uma escala de

    propores entre o valor da exportao e o da Renda

    Interna. Tive a satisfao de encontrar um mtodo

    anlogo, embora apresentado sob forma de um modelo

    matemtico mais sofisticado (porm admitindo

    basicamente uma relao entre as flutuaes da

    exportao e da Renda Interna), num notvel trabalho

    feito por Teodoro Oniga (17).

    A diferena fundamental entre os dois mtodos

    que adotei uma relao varivel entre a renda gerada

    pelas exportaes e a renda global, enquanto Oniga

    admite que entre 1830 e 1960 o crescimento da renda

  • 29

    29

    num perodo decenal corresponde constantemente a 40%

    do valor total das exportaes no respectivo decnio.

    A aplicao de uma relao constante

    exportao/renda parece uma inadvertncia no clculo

    final, pois o prprio Oniga, com seu penetrante poder de

    anlise, fala em que a dependncia renda/exportao se

    vlida num intervalo em que as exportaes

    representam uma frao relativamente pequena e

    decrescente (entre 19% e 7.5% - entre 1947 e 1960), ela

    tem maiores chances ainda de exprimir uma realidade

    econmica no passado, quando as exportaes

    contribuem com uma frao muito mais importante no

    total da produo (nosso grifo).(18) Devo lembrar que

    eu tinha aplicado, entre 1600 e 1950, uma escala de

    relao exportao/renda partindo de 80% e chegando a

    10%. Os resultados globais da evoluo da renda so os

    seguintes:

    1000 US$ milhes

    1800 8.750 72,6

    1850 22.080 183,3

    1900 132.933 1.103,3

    1950 1.387.070 11.512,7

    Estes dados diferem bastante dos apresentados em

    livro anterior (19) por duas razes: a) adotou-se para

    1850 a relao E/RI de 35% (em vez de 40%) e para

    1900 de 25% (em vez de 30%); b) a fim de evitar as

    distores resultantes das flutuaes da exportao, a

    base do clculo no foi o valor da exportao dos anos

  • 30

    30

    1850 e 1900, e sim a mdia do valor da faixa de 10 anos

    em torno das respectivas datas.

    Os estudos contidos no presente livro representam

    tentativas de completar e reajustar os trabalhos

    realizados por outros, a fim de se chegar, com o tempo,

    a uma Histria Econmica do Brasil quantificada,

    objetiva e coerente, constituindo uma experincia

    aproveitvel para a compreenso dos rduos problemas

    do desenvolvimento econmico.

    ESQUEMA DA HISTRIA ECONMICA

    DO BRASIL

    1. Ciclos e subciclos:

    - Formao econmica determinada pelo binmio mer can-

    tilismo/colonialismo: organizao da Colnia de modo a

    garantir a balana comercial favorvel da Metrpole

    (atravs da produo de metais preciosos ou de produtos

    conjunturais de exportao).(20) Concentrao dos fatores

    de produo no produto conjuntural (tendncia para a

    monocultura); instrumentos institucionais favorecendo o

    produto conjuntural.

    - Ciclos:

    perodos em que a exportao concentrada num certo

    produto conjuntural.

    - Efeitos:

    - o produto conjuntural liderando a exportao;(21)

    - a exportao (com a intermediao inevitvel da

    Metrpole) constituindo a principal fonte criadora da renda

  • 31

    31

    colonial, o produto conjuntural (cclico) desempenha papel

    decisivo na criao da renda;

    - atrao dos fatores da produo:

    - expanso territorial;

    - expanso demogrfica;

    - entrada de capitais; alta rentabilidade (reinves --

    timento);

    - reflexo sobre outras atividades econmicas (fluxos de

    renda);

    - estratificao social correspondendo s necessidades

    do produto cclico;

    - criao de instituies polticas e sociais adequadas.

    - Ciclos:

    perodos em que o centro dinmico da economia cons -

    titudo por um certo produto conjuntural de exportao.

    - Subciclos:

    perodos em que produtos secundrios sustentaram a

    balana comercial, sem o dinamismo de um verdadeiro

    ciclo; ligao com o consumi interno.(22)

    Cronologia dos ciclos:

    1503- 1550: ciclo do pau-brasil (23)

    1550-1650: ciclo do acar (24)

    1560 at o fim do perodo colonial: subciclo do gado

    1642 at o fim do perodo colonial: subciclo do fumo (25)

    1694-1760: ciclo da minerao (diamantes: a partir de 1729)

    1780-1790: subciclo do algodo

    1790-1810: ressurgimento do ciclo do acar

    1825-1930: ciclo do caf

    2. Do Descobrimento at meados do sculo XVI

    2.1 Quadro histrico

    1492 Bula Inter Caetera do papa Alexandre VI

    1994 Tratado de Tordesilhas

    1500 Pedro lvares Cabral no Porto Seguro

    1501-1503 Expedies de reconhecimento

  • 32

    32

    1504 Incurses francesas no Brasil

    1506 Novos progromos contra os judeus nos pases

    ibricos

    1516-1519 e 1526-1528 Expedies de Cristvo Jacques

    1519-1521 Conquista do Mxico por Corts

    1524-1532 Conquista do Peru por Pizarro

    1530-1532 Expedio de Martim Afonso de Souza

    1532 Fundao de So Vicente

    1534 Criao das primeiras Capitanias Hereditrias

    Constituio da Companhia de Jesus

    1545 Descobrimento das minas de prata de Potosi (Peru)

    1548 Regimento de Tom de Souza

    1549 Constituio do Governo Geral do Brasil

    Fundao da cidade de Salvador

    Chegada dos padres jesutas (Manuel da

    Nbrega)

    2.2 Ciclo do pau-brasil

    Condicionamentos externos aumento das rendas e do

    consumo na Europa Ocidental; demanda de tecidos;

    expanso do artesanato; demanda de corantes (preos

    altos, suportando o alto custo do transporte transoce -

    nico); rentabilidade (custo local: 1.000 ris por quintal;

    venda para o consumidor: 4.000 ris).

    Condicionamentos internos fatores de produo:

    - recursos naturais: planta nativa, sem exigir cuidados

    especiais;

    - mo-de-obra; ndios (livres ou escravos), para derru-

    barem as rvores e transportarem-nas at o local de

    embarque;

    - tecnologia: rudimentar (corte de rvores), conhecida

    pelos ndios;

    - capital: reduzida exigncia no local (pagamento dos

    ndios in natura ou sua utilizao como escravos; cons-

    tituio de feitorias temporrias para o embarque do pau-

  • 33

    33

    brasil); necessidade de volumosos capitais para transporte

    e comercializao (apelo para os cristos novos).

    Funcionamento:

    - monoplio da Coroa;

    - arrendamento (1) grupo de cristos-novos liderados por

    Ferno de Noronha 1503);

    - limitao da renda pela demanda ( 20.000 quintais por

    ano = 80.000); (26)

    - dificuldades criadas pelos ataques dos ndios e pelas

    incurses dos corsrios, piratas, comrcio entrelopo;

    - substituio por um produto mais rendoso (acar); (27)

    - persistncia da exportao de pau-brasil durante o

    perodo colonial;

    - liquidao do produto pela inveno dos corantes

    artificiais (ndigo artificial).

    Efeitos:

    - prioridade na pauta de exportao (at 1540-1550,

    provavelmente, 90-95% do valor anual da exportao);

    - criao de renda (fora da Colonia);

    - valor da exportao de pau-brasil no perodo colonial:

    15.000.000 (2,8% da exportao total, 1,7% da Renda

    Interna colonial);

    - poucos reflexos no conjunto econmico-social: sem

    penetrao territorial, sem crescimento demogrfico (a no

    ser, ambas muito superficiais); sem criao de classes

    sociais, e outras atividades reflexas (quase sem carter de

    verdadeiro ciclo); entretanto, justificando a necessidade da

    criao de um sistema poltico-militar da defesa:

    capitanias hereditrias. (28)

    3. De meados do sculo XVI a meados do sculo XVII

    3.1 Quadro histrico

    1551 Criao do bispado da Bahia

    1554 Fundao do Colgio Jesuta de So Vicente

  • 34

    34

    1555-1565 Franceses no Rio de Janeiro (Villegaignon)

    1565 Fundao da cidade do Rio de Janeiro

    1571 Batalha de Lepanto

    1573-16578 Instituio de dois governos

    1578 Batalha do Alccer-Qubir

    1580-1640 Portugal unido Espanha

    1583-1591 Ataques ingleses ao Brasil

    1584 Conquista da Paraba

    1588 Desastre da Invencvel Armada

    1589 Conquista de Sergipe

    1591-1595 Primeira visitao do Santo Ofcio

    1594-1597 Ataques franceses

    1599-1604 Ataques holandeses

    1599 Conquista do Rio Grande

    1600 Constituio da Companhia Inglesa das ndias

    Orientais

    1602 Constituio da Companhia Holandesa das ndias

    Orientais

    1608-1612 Instituio de dois governos

    1609 Trgua Espanha-Holanda

    1612-1615 Franceses no Maranho

    1618-1648 Guerra de Trinta Anos

    1621 Fundao do Estado do Maranho e Gro-Par

    Constituio da Companhia Holandesa das ndias

    Ocidentais

    1624-1625 Holandeses na Bahia

    1630-1654 Holandeses em Pernambuco, Itamarac, Rio

    Grande, Paraba, Sergipe e Maranho

    1637 Expedio de Pedro Teixeira na Amaznia

    1637-1644 Governo de Nassau

    1642 Tratado Portugal-Inglaterra

    1645 Insurreio pernambucana

    1648 Reconquista da Angola pelos portugueses

    1651 Ato de Navegao de Cromwell

    1652-1653 Guerra Inglaterra-Holanda

  • 35

    35

    3.2 Ciclo do acar 1550-1650

    Condicionamentos externos:

    - elevao das rendas na Europa Ocidental;

    - aumento do consumo de acar;

    - dificuldades do abastecimento do Oriente Prximo e

    Extremo Oriente;

    - elevao geral dos preos em decorrncia do afluxo de

    metais preciosos do Novo Mundo (arroba de acar em

    1500: 400 ris; em 1650: 1.800 ris).

    Condicionamentos internos fatores de produo :

    - recursos naturais: terra disponvel de qualidade

    relativamente boa (massap), clima, florestas prximas

    (lenha para fornalhas), rios (fora motriz e transporte); em

    toda a extenso da costa, mas sobretudo de Sergipe a Rio

    Grande do Norte; necessidade de animais de carga (v.

    subciclo do gato);

    - mo-de-obra: ndios (livres ou escravos) inadaptados;

    reduzida mo-de-obra branca; importao macia de

    escravos africanos (29)

    - tecnologia: experincia anterior dos portugueses

    (Madeira);

    - capital: necessidade de capitais volumosos (um engenho:

    10-15.000); dificuldades financeiras dos donatrios (30);

    papel dos cristos-novos e dos intermedirios comerciais e

    financeiros; capitalizao na prpria economia aucareira,

    porm com dificuldades de capital de giro (31);

    Funcionamento:

    - unidade de produo: engenho de acar (economia

    autrquica); formao: donos de engenho, trabalhadores

    livres, escravos, cultivadores livres (arrendatrios

    fornecedores de cana); agregados, forros, artesos, etc.;

    - favores oferecidos aos donos de engenho pela Me-

    trpole(4);

  • 36

    36

    - fiscalismo: dzimo do acar (1/10 da quantidade

    produzida); intermediao obrigatria da Metrpole na

    exportao (papel dos grandes centros europeus de

    comercializao: Anturpia);

    - insegurana: ataques dos ndios, corsrios, piratas e

    comrcio entrelopo; ocupao holandesa(33);

    - expanso durante a conjuntura ascendente (1550-1650):

    aumento das quantidades produzidas e exportadas (1600?

    1.200.000 arrobas; 1650: 2.000.000 arrobas), ao mesmo

    tempo que os preos se elevavam;

    - alta rentabilidade;

    - mudana da conjuntura aps 1650: concorrncia

    antilhesa, queda dos preos (fim da inflao europia);

    - ressurgimento por causa da revoluo nas Antilhas

    (1789);

    - Bloqueio Continental (1806): acar de beterraba.

    Efeitos:

    - prioridade na pauta de exportao: 1600 - 2.100.000

    (90% do total); 1650 - 3.800.000 (95% do total); no

    perodo colonial: 300 milhes 56% da exportao total

    (34);

    - importante receita para a Coroa (e para os intermedirios

    comerciais e financeiros);

    - criao de renda (talvez 2/3 fora da Colnia); do total da

    renda colonial, 33% gerados pelo acar;

    - fixao dos colonos; ocupao territorial (embora apenas

    litornea);

    - expanso demogrfica: atrao dos colonos, integrao

    de ndios, importao macia de escravos africanos;

    - estruturao social (criao de latifndios, situao

    subserviente dos demais cultivadores); isolamento dos

    engenhos; hbitos de consumo mais elevados nos

    engenhos (em grande parte, com produtos importados);

    reduzida urbanizao (35);

  • 37

    37

    - criao de atividades conexas: presa de escravos (ndios:

    bandeirantes; pretos: mercadores); atividades adjuntas no

    engenho; criao de gado.

    3.3 Subciclo do gado

    Condicionamentos:

    - ligao indireta com o setor exportador: fornecimento de

    fora motriz, meio de transporte, alimentao e matria -

    prima artesanal para os engenhos de acar (mais tarde,

    sustentao no ciclo da minerao, inclusive para gado

    cavalar e muar);

    - ligao direta: exportao de couro (tambm como

    envlucro para fumo);

    - para consumo interno: alimentao e artesanato (aspecto

    anticclico) (36);

    - facilidade para fatores de produo: extenso territorial;

    mo-de-obra ndia adequada; pouca necessidade de capital

    (capitalizao natural no prprio setor).

    Funcionamento:

    - pontos de expanso: Bahia, Pernambuco, So Vicente;

    - expanso ao longo dos rios (So Francisco); limitaes

    legais para no prejudicar a cultura da cana;

    - grandes currais (em torno dos engenhos) e pequenos

    currais;

    - rentabilidade modesta.

    Efeitos:

    - sustentao da balana comercial (sobretudo nas pocas

    de crise do acar); total da exportao no perodo

    colonial: 15.000.000 (2,8% do total);

    - receita para a Metrpole;

    - fortalecimento do setor autnomo (composio do setor:

    agricultura de subsistncia mandioca, algodo, etc.

    pesca de baleia, criao de gado, colheita tropical,

    pequenas ocupaes agropecurias e hortigranjeiras;

  • 38

    38

    reduzido artesanato; inexistncia de um grande mercado:

    nveis baixos de renda, falta de ligaes entre os ncleos,

    pouco interesse dos investidores, economia no -

    monetria);

    - criao de uma classe mdia rural (maior mobilidade

    social);

    - grande expanso territorial (37).

    4. A Segunda Metade do Sculo XVII

    4.1 Quadro histrico

    1632 Criao do Conselho Ultramarino

    1649 Constituio da Companhia Geral do Comrcio do

    Brasil

    1654 Expulso dos holandeses

    Tratado Portugal-Inglaterra

    1657 Instituio do Governo de Pernambuco

    Lutas na fronteira Sul

    1661 Tratado Portugal-Inglaterra

    Tratado de paz da Haia

    1665 Franceses em So Domingos

    1669 Dissoluo da Companhia Holandesa das ndias

    Ocidentais

    1680 Fundao da Colnia do Sacramento

    1681 Tratado de Lisboa

    Perda das ndias Portuguesas

    1682 Constituio da Companhia do Comrcio do

    Maranho

    1633-1713 Guerra dos Brbaros (Confederao dos Cariris)

    1684 Revolta de Beckman

    1695 Destruio do quilombo de Palmares

    1703 Tratado de Methuen

    4.2 Hiato econmico Subciclo do fumo

    - queda do ciclo do acar: baixa das cotaes (aumento

    da oferta em decorrncia da criao dos centros produtores

    nas Antilhas; queda geral dos preos); o acar mantm-

  • 39

    39

    se, entretanto, como principal produto de exportao do

    Brasil; queda da rentabilidade - descapitalizao do setor

    (38);

    - medidas de defesa da receita colonial:

    - criao do Conselho Ultramarino;

    - constituio de organizaes monopolistas para comer-

    cializar os produtos da Colnia: Companhia Geral do

    Comrcio do Brasil (1649-1663) e Companhia do

    Comrcio do Maranho (1632-1685); sucesso relativo da

    primeira, apenas;

    - monoplio do fumo (1642);

    - monoplio do sal (1658);

    - liberao do comrcio em navios estrangeiros (1671);

    - navegao obrigatria em frotas (1688);

    - importncia relativamente maior dos produtos sub -

    cclicos na exportao e na gerao da renda: couro,

    algodo (Maranho), fumo.

    Subciclo do fumo (a partir da segunda metade do sculo XVII)

    - conjuntura: aumento do consumo na Europa Ocidental;

    produto importante para o escambo dos escravos africanos; em

    pequena proporo, para o consumo interno (39);

    - condicionamentos: planta indgena; tecnologia tradicio nal;

    mo-de-obra local ou escrava; necessidade reduzida de capital;

    - funcionamento:

    - rentabilidade relativamente reduzida;

    - monoplio da Coroa importante receita pblica;

    - participao da economia colonial: exportao total

    12.000.000 (2,2% do valor da exportao colonial, 1,3% da

    Renda Interna do perodo colonial).

    Resultados do perodo

    - queda da exportao, apesar das medidas de defesa e da

    participao dos subciclos;

    - queda da Renda Interna, sendo dependente da exportao;

  • 40

    40

    - crescimento relativo do setor autnomo da economia (no

    dependente da exportao): mandioca, milho, plantas

    alimentcias, frutas, trigo, etc. (fumo, algodo, pecuria na

    medida em que no se exportavam); artesanato (muito

    reduzido);

    - em termos per capita a exportao caiu, entre 1650 e 1700,

    de 23.10.0 para 6.14.0, a Renda Interna, de 29.8.0 para

    11.8.0.

    4.3 Panorama do sculo XVII

    - Evoluo da exportao (aspecto cclico) reflexo sobre

    a gerao de renda (boa parte da Renda Interna talvez

    2/3 ficava fora da Colnia) crescimento relativo do

    setor autnomo (40).

    Exportao (E) Renda Interna (RI)

    Setor autnomo

    (RI-E)

    1000 variao

    %

    1000 variao

    %

    1000 variao

    %

    1600

    1650

    1700

    2.400

    4.000

    2.400

    . . .

    + 67%

    40%

    3.000

    5.000

    4.000

    . . .

    + 67%

    20%

    600

    1.000

    1.000

    . . .

    + 67%

    + 60%

    - Composio da exportao:

    1600 1650 1700

    1000

    % do

    total 1000

    % do

    total 1000

    % do

    total

    acar

    pau-brasil

    fumo

    couro

    minerao

    2.160

    100

    15

    . . .

    90%

    4%

    0

    . . .

    3.800

    75

    . . .

    . . .

    95%

    2%

    . . .

    . . .

    1.800

    45

    . . .

    100

    310

    75%

    2%

    . . .

    4%

    13%

  • 41

    41

    - Expanso territorial e demogrfica:

    rea ocupada

    (km2)

    Populao

    (hab)

    Densidade

    (hab / km2)

    1600

    1650

    1700

    25.800

    . . .

    110.700

    100.000

    170.000

    350.000

    3,9

    . . .

    3,2 (41)

    5. A primeira metade do sculo XVIII

    5.1 Quadro histrico

    1693 Ouro em Taubat

    1694 Fundao da Casa da Moeda (Bahia; no Rio de

    Janeiro em 1702)

    1700 Tratado de Lisboa

    1704-1705 Ataques espanhis a Sacramento

    1708 Guerra dos Emboabas

    1709 Criao da Capitania de So Paulo e Minas Gerais

    1710 Guerra dos Mascates

    Corsrios franceses na Costa do Rio de Janeiro

    1715 Tratado de Utrecht

    1720 Criao da Capitania de Minas Gerais

    Brasil Vice-Reinado

    1725 Criao de Casas de Fundio

    1729 Diamantes em Serro Frio

    1735-1737 Ataques espanhis a Sacramento

    1744 Criao da Capitania de Gois

    1747 Primeira tipografia no Rio de Janeiro

    1749 Capitania de Mato Grosso

    1750 Tratado de Madrid

    1763 Mudana da capital para o Rio de Janeiro

    5.2 Ciclo da minerao (1693-1760)

    Condicionamentos externos:

    - importncia do ouro como moeda internacional;

  • 42

    42

    - mercantilismo crisofilia (procura constante desde o

    Descobrimento: entradas, bandeiras).

    Condicionamentos internos:

    - condies naturais: ouro e diamantes a flor da terra em

    grandes quantidades;

    - mo-de-obra: novos colonos ou atrados de outras zonas;

    importao de escravos;

    - tecnologia: bastante simples, conhecida na Metrpole e

    at pelos negros;

    - capitais: necessidade de pouco capital (escravos,

    equipamento); transferido de outras zonas, trazido pelos

    novos colonos ou criado pela prpria minerao.

    Funcionamento:

    - descoberta de ouro em Taubat (1693); extenso para

    Mato Grosso e Gois; diamantes em Serro Frio (1729);

    - fiscalismo: quinto do ouro (1735-1750: capitao);

    derrama; monoplio dos diamantes (1731);

    - obrigao da cunhagem (Casas de Fundio);

    - medidas de defesa em relao ao contrabando

    (organizao administrativa na regio da minerao);

    importncia do contrabando (20% de produo);

    - entrada macia de novos colonos na regio da minerao

    (guerra dos Emboabas);

    - queda da produo na segunda metade do sculo XVIII;

    excesso do fiscalismo (Inconfidncia Mineira -Tiradentes

    1789). (42)

    Efeitos:

    - exportao: no perodo colonial, 170 milhes (31,7%

    da exportao total);

    - importante fonte da receita para a Coroa;

    - criao de renda (no perodo colonial, 19,0% da Renda

    Interna total);

    - reflexos sobre outras atividades (comrcio, artesanato);

  • 43

    43

    - elevao (passageira, dos nveis de consumo; urbaniza-

    o (comrcio, artesanato, administrao);

    - novas classes (parcialmente desaparecidas aps a queda

    do ciclo proletariado rural e urbano);

    - monetizao da economia;

    - elevao dos preos (inflao) na regio mineira. (43)

    6. De meados do sculo XVIII at a Mudana da Corte

    6.1 Quadro histrico

    1750-1777 O marqus de Pombal, secretrio de Estado

    1751 Criao do Estado do Gro-Par e Maranho

    1759 Expulso dos jesutas

    1762 Capitulao de Sacramento

    1763 Mudana da capital para o Rio de Janeiro

    1772 Criao do Estado do Maranho e Piau

    1774 Escolas Rgias no Rio de Janeiro e

    So Joo del Rei

    1778 Guerra da Independncia dos Estados Unidos

    1789 Revoluo Francesa Revolta no Haiti

    Inconfidncia Mineira

    1798 Conjurao Baiana

    1802 Revolta em So Domingos

    1807 Bloqueio Continental

    Criao da Capitania do Rio Grande do Sul

    1808 Mudana da Corte para o Rio de Janeiro

    6.2 Hiato econmico Subciclo do algodo

    - queda do ciclo da minerao (esgotamento das r eservas

    facilmente alcanveis);

    - contnua decadncia do acar (entretanto, pequeno res -

    surgimento aps a revolta nas Antilhas, destruindo ins -

    talaes e eliminando temporariamente um concorrente);

    golpe definitivo com o aparecimento do acar de

    beterraba;

    - fraqueza da economia de subsistncia;

    - medidas de defesa:

  • 44

    44

    - constituio da Companhia Geral do Comrcio do

    Gro-Par e Maranho (1755-1777) e da Companhia

    Geral do Comrcio de Pernambuco e Paraba (1759-

    1780);

    - polticas de Pombal: criao da Mesa de Inspeo

    (1759), maior liberdade de navegao (1765), reduo

    dos fretes martimos (1766);

    - proibio das indstrias (1785).

    Subciclo do algodo

    Condicionamentos:

    externos: revoluo Industrial na Inglaterra: demanda

    maior de algodo; guerra da Independncia

    norte-americana: falta de matria-prima norte-

    americana.

    internos: condies ecolgicas (planta indgena); mo -

    de-obra escrava (ndia); pouca necessidade de

    capital;

    - Sustentao da balana comercial: exportao

    12.000.000 durante o perodo colonial (2,2% da expor-

    tao total);

    - Ligao com o setor autnomo (consumo local);

    - Criao de renda (importncia regional: Norte).

    Resultados do perodo

    - queda da exportao;

    - queda da Renda Interna;

    - crescimento relativo (embora em condies precrias) do

    setor autnomo da economia;

    - queda da exportao per capita ( 2 9/10 em 1750, 1

    1/10 em 1800) e da renda per capita ( 4 8/10 em 1750,

    2 2/3 em 1800).

  • 45

    45

    6.3 Panorama do sculo XVIII

    - Nova variao cclica graas minerao; depois, queda

    da exportao (porm menor, graas interveno de

    outros produtos); contudo, ligeiro crescimento da renda

    (graas ao desenvolvimento relativo ao setor autnomo)

    (44).

    Exportao (E) Renda Interna (RI)

    Setor autnomo

    (RI-E)

    1000 variao

    %

    1000 variao

    %

    1000 variao

    %

    1700

    1750

    1800

    2.400

    4.300

    3.500

    40%

    + 79%

    19%

    4.000

    7.200

    8.800

    20%

    + 80%

    + 22%

    1.600

    2.900

    5.300

    + 60%

    + 81%

    + 83%

    - Composio da exportao:

    1700 1750 1800

    1000

    % do

    total 1000

    % do

    total 1000

    % do

    total

    acar

    pau-brasil

    fumo

    couro

    minerao

    algodo

    1.800

    45

    . . .

    100

    310

    . . .

    75%

    2%

    . . .

    4%

    13%

    . . .

    2.000

    30

    100

    110

    2.035

    . . .

    47%

    0

    2%

    2%

    47%

    . . .

    1.100

    60

    225

    200

    855

    200

    31%

    0

    6%

    6%

    24%

    6%

    - Expanso territorial e demogrfica:

    rea ocupada

    (km2)

    Populao

    (hab)

    Densidade

    (hab / km2)

    1700

    1750

    1800

    110.700

    . . .

    324.000

    350.000

    1.500.000

    3.300.000

    3,2

    . . .

    10,2 (45)

  • 46

    46

    NOTAS (1) Frdric Mauro, LXXIX, pg. 10. (2) Apesar da insistncia quanto necessidade de quantificar a Histria Econmica do Brasil, como metodologia analtica, enfatizei sempre a importncia primordial do conjunto dos fatores culturais em que se processa o desenvolvimento econmico (v. Mircea Buescu-Vicente Tapajs XXI). (3) No se pode negar a precariedade dos estudos quantitativos referentes a pocas remotas em que as informaes estatsticas so muito escassas, principalmente por causa do desinteresse dos cronistas pela quantificao do fenmeno social at, pelo menos, o sculo XVI (v. John V. Nef LXXXVI bis). Caso tpico a crtica feita a Earl J. Hamilton pela precariedade dos clculos sobre a evoluo dos preos nos sculos XVI e XVIII. Evidentemente, os clculos devem ser aceitos com cautela, mas de qualquer forma a tentativa de quantificao represen tou um progresso com vistas a uma interpretao mais objetiva do fenmeno. Como diz Frdric Mauro, o que fez melhor que nada (op. cit., pg. 18). Os estudos publicados no presente volume so tentativas no mesmo sentido e sou o primeiro a compreender as limitaes de tais exerccios de quantificao. Insisti em quo audaciosa a tentativa de calcular a renda inte rna do Brasil em 1600 (v. infra, pgs. 81-90: BRASIL 1600), mas achei que este o caminho para um estudo mais objetivo do passado brasileiro. Tive a satisfao de encontrar um apoio, embora no referente ao meu estudo, em Frdric Mauro (op. cit., pg. 28): Mas, ser objetado, para que serve estudar a renda nacional do sculo XVII, quando, naquela poca, ningum pensava nisso? Duas razes para faz-lo nos parecem essenciais. De uma parte, este o nico meio de compreender a organizao de conjunto da economia nesta poca e de op-la organizao das economias seguintes. De outra parte, este o nico meio de compreender as flutuaes a longo prazo desta economia, de discernir as variveis mais interessantes para estudar, de precisar seu valor e sua significao. (Para a perspectiva da evoluo da renda no Brasil, v. infra, o grfico da pg. 224). (4) O livro citado de Frdric Mauro, depois de adotar, teori-camente, as mesmas posies quanto metodologia da Histria Econmica, contm vrios estudos enquadrando-se nas duas

  • 47

    47

    etapas mencionadas. De um lado, pesquisas quantitativas micro e macroeconmicas contribuindo para o conhecimento do compor-tamento da economia em vrias pocas: atividades do mercador Ferno Martins na primeira metade do sculo XVII, contabilidade do Engenho Sergipe do Conde na mesma poca, anlise do livro -razo de Antnio Coelho Guerreiro no fim do sculo XVII e o incio do sculo XVIII. De outro lado , snteses como o Imprio Portugus e o Comrcio Franco-Portugus nos meados do sculo XVIII, ou, sobretudo, o brilhante estudo Acerca de um modelo intercontinental: a expanso ultramarina europia entre 1500 e 1800. (Sobre o assunto, v. do mesmo autor LXXVIII).

    (5) o caso dos excelentes trabalhos divulgados pelos

    ESTUDOS HISTRICOS da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Marlia exemplo de dedicao e entusiasmo pela pesquisa histrica.

    (6) Oliver nody LXXXVIII.

    (7) v. infra, pgs.244-249: Preo de escravos no sculo XIX.

    (8) T. von Leithold L. von Rango LXX.

    (9) Thomas Davatz XLI. Um livro excelente cujas fontes de informao foram, tambm, os anncios de jornal, mas que

    oferece igualmente poucas possibilidades de comparao entre os

    preos no perodo imperial: Delso Renault CII.

    (10) v. infra, pgs. 250-268: Caf, cmbio e inflao no Brasil (1850-1900). Outro caso interessante aquele da poltica da defesa do nvel de renda durante a Grande Crise de 1929, atravs da compra e da queima pelo Governo dos excedentes de caf: v.

    uma refutao da tese tradicional em Carlos Manuel Pelaez XC.

    (11) v. na bibliografia final os grandes trabalhos de Capistrano de

    Abreu, Roberto Simonsen, Afonso Taunay, Celso Furtado,

    Maurcio Goulart e outros.

    (12) No que concerne quantificao da economia brasileira em

    fins do sculo XVI por Celso Furtado, v. infra, pgs. 81 -90:

    Brasil 1600. Quanto reconsiderao da estimativa feita por

  • 48

    48

    Simonsen para a receita da exportao no perodo colonial, v.

    infra, pgs. 196-198: Sobre o valor da exportao colonial.

    (13) Foi esta a tcnica que utilizei para o clculo da Renda Interna

    no fim do sculo XVI v. infra, pgs. 81-90: Brasil 1600.

    (14) Frdric Mauro (LXXiX, pg. 78), insiste, com razo, nessa

    pesquisa. Exemplos de levgantamentos dessa natureza encontram -

    se nos grandes trabalhos de Pierre Chaunu XXXIX bis e do prprio Mauro LXXVI.

    (15) v. infra, pgs. 201-208: Notas sobre o volume da importao de escravos; pgs. 209-218: Novas notas sobre a importao de escravos.

    (15 bis) Enquanto se aprontava o presente livro, um grupo de

    professores e alunos, do qual faz parte o autor, constituiu o Centro

    de Pesquisas de Histria Econmica do Brasil (CEPHEB). Espera-

    se que, com o tempo, este Centro consiga preencher a lacuna

    apontada no texto.

    (16) v. infra, pgs. 81-90: Brasil 1600; tambm, M. Buescu V. Tapajs op. cit., pg. 166.

    (17) Teodoro Oniga LXXXVII bis.

    (18) As mesmas ponderaes so vlidas a respeito das esti -

    mativas feitas por Srgio Nunes de Magalhes Junior (LXXII bis);

    v. infra, pgs. 272-279: A Renda interna (1920-1940): uma tentativa de quantificao.

    (19) M. Buescu V. Tapajs ibidem.

    (20) O mercantilismo pode ter sua filosofia sintetizada no sorites:

    o poder dado pela riqueza; a riqueza dada pelos metais

    preciosos; os metais preciosos so dados pela balana comercial

    supervitria.

    (21) Para certas limitaes a essas caractersticas, v. Mircea

    Buescu Vicente Tapajs XXI pgs. 24-25.

  • 49

    49

    (22) Podem ser chamados anticiclos na medida em que contriburam para interiorizar a economia conf. M. Buescu V. Tapajs op. cit., pg. 25.

    (23) Sobre o fim do ciclo do pau-brasil, v. infra, pgs. 45-50:

    Novas indicaes sobre o primeiro sculo do Brasil.

    (24) Sobre o fim do ciclo do acar, v. infra, pgs. 109 -131: O Engenho Sergipe do Conde no sculo XVII: um levantamento

    quantitativo.

    (25) v. infra, pgs. 74-80: Contribuio para a histria do subciclo do gado.

    (26) v. Roberto C. Simonsen CXII, pgs. 63-64 um clculo sobre a rentabibilidade do ciclo.

    (27) Sobre a persistncia do ciclo do pau-brasil, v. infra, pgs. 45-

    50: Novas indicaes sobre o primeiro sculo do Brasil.

    (28) v. Vicente Tapajs CXXI.

    (29) Sobre a rentabilidade do escravo, v. M. Buescu V. Tapajs XXI, pg. 124.

    (30) v. supra, pgs. 45-50: novas indicaes sobre o primeiro sculo do Brasil.

    (31) v. infra, pgs. 169-174: Uma controvrsia em torno de Antonil.

    (32) Sobre os direitos dos donatrios V. Tapajs CXXI.

    (33) v. infra, pgs. 139-149: Invaso holandesa no sculo XVII: perdas da economia aucareira. Dois livros so fundamentais: Hermann Wtjen CXXXIX e C. R. Boxer XIII.

    (34) A quantificao da exportao colonial foi feita por Roberto

    Simonsen (CXII). Sobre uma possvel reavaliao dos nmeros, v.

    infra, pgs. 196-198: Sobre a exportao colonial.

  • 50

    50

    (35) Sobre a vida social da poca, fundamental o livro de

    Gilberto Freyre LIV.

    (36) A importncia relativa do gado aparece quando relacionamos

    o nmero de cabeas existentes em 1600 (650.000) com o nmero

    de habitantes (100.000): isso d 6,5 cabeas por habitante. No

    Brasil de 1960, a relao no passava de 0,8.

    (37) v. infra, pgs. 167-168: Panorama do sculo XVII.

    (38) Sobre a decadncia do setor aucareiro, v. infra, pgs. 169 -

    174: Uma controvrsia em torno de Antonil.

    (39) v. infra, pgs. 189-193: A economia do fumo segundo Antonil.

    (40) As estimativas aqui alinhadas, forosamente precrias , so

    resultado de um mtodo de clculo que foi exposto em M. Buescu

    V. Tapajs XXI, pgs. 132-140.

    (41) A queda da densidade (N.B.: em relao rea econo -

    micamente ocupada) pode ser interpretada como reflexo do sub -

    ciclo do gado, atividade tipicamente extensiva.

    (42) Livro fundamental o de C. R. Boxer XII.

    (43) Informaes valiosas em Andreoni (Antonil) IV.

    (44) Detalhes quantitativos em M. Buescu V. Tapajs XXI Para um balano da Colnia, v. infra, pgs. 219-224: Desen-volvimento econmico do Brasil razes histricas.

    (45) Numa economia de agricultura extensiva, o aumento da den -

    sidade demogrfica, no acompanhado por progressos tecnol -

    gicos, poderia explicar, em parte pelo menos, a queda global da

    renda per capita.

    (Transcrito de Histria Econmica do Brasil , Rio de Janeiro:

    APEC, 1970, pgs. 25-33).

  • 51

    51

    OS TRS PRIMEIROS SCULOS

  • 52

    52

    A ECONOMIA AUCAREIRA EM 1600

    E OS SEUS ASPECTOS QUANTITATIVOS

    O fenmeno econmico essencialmente

    quantificvel. Pelo carter especfico do seu suporte

    material o valor econmico, ao contrrio das outras

    categorias axiolgicas, apresenta duas dimenses: ao

    lado das conotaes qualitativas, definem-no, e de

    maneira mais patente, as conotaes quantitativas. No

    deve ser exagerado o mrito destas ltimas, pois atrs

    do quantitativo, de aparncia rigorosa, sempre aparece o

    qualitativo mas, do ponto de vista formal, a

    quantificao resolve o problema, como, por exemplo, o

    preo unido do mercado estabelece o equilbrio aparente

    entre as partes, embora tenha, muito provavelmente,

    significado qualitativo diferente para cada uma delas. A

    apreciao objetiva do fenmeno econmico no seu

    desenrolar histrico ficar extremamente precria se no

    se basear na quantificao. Como se poder falar

    objetivamente em progresso ou retrocesso se a

    afirmao se sustenta, apenas, em sinais exteriores, bem

    precrios?

    Afirmar a necessidade da quantificao na

    Histria Econmica no significa minimizar as

    dificuldades de empreend-la por falta de documentos.

    Como se sabe, a tendncia de precisar o fenmeno

  • 53

    53

    social em termos numricos hbito recente que,

    mesmo na Europa, mais avanada culturalmente, no

    apareceu antes da segunda metade do sculo XVI.(1).

    fcil imaginar a penria de elementos num Brasil

    Colonial que a Metrpole manteve em quarentena

    cultural. Contudo, as informaes existem: por exemplo,

    se em 1618, Brandnio, apesar de sua origem e

    profisso, se apega bastante pouco aos nmeros,

    Gandavo, uns 70 anos antes, j tratava em termos

    quantitativos a economia aucareira incipiente.

    L onde os dados faltam, poder-se- interpolar ou

    extrapolar mtodo matemtico de usar a imaginao.

    Dever aplicar-se com cautela e prudncia, exigindo-se

    que a construo resultante seja racional e coerente. No

    ser fcil chegar a uma quantificao de uma certa

    amplitude, abrangendo todo o passado da economia

    brasileira. At l, ser preciso juntar dados, conferi -los,

    complet-los, construindo-se, aos poucos, a imagem

    quantificada. Brilhante exemplo foram dados por

    Roberto Simonsen(2) e Celso Furtado(3). Tentativas

    mais ousadas, portanto mais aleatrias, foram feitas num

    livro meu, em co-autoria com o Prof. V. Tapajs (4).

    A necessidade de reconsiderar e conferir alguns

    dados tornados tradicionais aparece ao analisar-se um

    documento recentemente elaborado pelo XXI Curso da

    CEPAL BNDE (5).

    No vou referir-me aos valores indicados em

    vrias ocasies e transformados em moeda atual, pois

    parecem mais um erro grfico. Por exemplo, diz-se que

    o rendimento do acar era de 300.000 cruzados ou

  • 54

    54

    Cr$ 28 mil. O equvoco evidente. Simonsen fala em

    28 contos da sua poca. Na realidade, 300 mil cruzados

    do incio do sculo XVII correspondiam a 120 contos

    daquela poca, ou seja, pouco mais de 115.000 (ouro).

    Em valor atual (numa equiparao muito precria

    quando se trata de pocas to distantes), seriam cerca de

    US$ 955.000.

    Essa confuso entre valores atuais e valores da

    poca de Simonsen (que tambm no teve o cuidado de

    indicar o que era objetivamente o valor da moeda da sua

    poca) repete-se em vrias ocasies, Mais grave a

    impreciso de um trecho referente ao rendimento total

    do pau-brasil durante 30 anos de explorao. Indica-se a

    soma de 120.000 contos, porm sem precisar-se em que

    moeda. Poderia presumir-se que se trata da moeda do

    sculo XVI, mas, ento, o valor indicado seria 100 vezes

    o calculado por Simonsen para toda a exportao

    colonial do pau-brasil, isto , em 300 anos, e no apenas

    em 30. Cem vezes o valor e dez vezes o perodo, a

    diferena seria de 1 para 1.000. Isto mostra mais uma

    vez a necessidade de adotar-se um instrumento de

    medio objetivo e unitrio na quantificao do passado

    (6).

    Incidentalmente, vale lembrar, tambm, os nme-

    ros indicados no Relatrio CEPAL-BNDE a respeito da

    populao escrava, quando se diz que em 1700 j havia

    trs milhes (de escravos) aproximadamente. Ora, de

    acordo com as fontes mais seguras de informao e

    clculo, toda a populao do Brasil em 1700 devia

    situar-se em torno de 350 mil almas. Como pode

  • 55

    55

    explicar-se o nmero de trs milhes inscritos en toutes

    lettres no Relatrio? Nem um eventual erro grfico

    (1700 em vez de 1800) salva a situao. Em 1800 o

    Brasil tinha aproximadamente 3.300.000 habitantes, do

    que resultaria que a populao escrava teria

    representado 91% do total o que seria um absurdo

    evidente. Admite-se que no ponto culminante da

    participao dos escravos na composio demogrfica,

    no perodo 1750-1800, essa participao devia ser de

    cerca de 50%.

    Voltando para a economia aucareira, vale a pena

    confrontar, mais uma vez, os nmeros concernentes

    produo de acar em 1600. Repetindo Porto Seguro

    (apesar das srias restries feitas por Simonsen), o

    Relatrio CEPAL-BNDE indica 120 engenhos com

    produo de 70.000 caixas de 10 quintais a unidade.

    Uma pequena anlise mostra, entretanto, a incoerncia

    da informao: 70.000 caixas a 10 quintais so 700.000

    quintais ou cerca de 41 milhes de quilos ou 3,7 milhes

    de arrobas. Divididos entre 120 engenhos, estes 3,7

    milhes de arrobas dariam 30 mil arrobas por engenho e

    por ano.

    Ora, as informaes so abundantes no sentido de

    que a produo anual de um engenho, por maior que

    fosse, era muito mais modesta. Em 1570, Gandavo

    falava numa mdia de 3.000 arrobas por ano, e outra

    informao sua sugeriria ainda menos (cita, para a

    Bahia, uma produo excepcional de 50.000 arrobas

    para 23 engenhos pouco mais de 2.000 arrobas por

    engenho). Brandnio, em 1618, diz que havia engenhos

  • 56

    56

    pequenos de 3 a 5.000 arrobas e outros, maiores,

    constituindo provavelmente a maioria, de 6 a 10.000

    arrobas. Laet, na poca da ocupao holandesa, d um

    mnimo de 3.000 e um mximo de 8.000. O prprio

    Relatrio CEPAL-BNDE adota os extremos de 3.000 e

    10.000 arrobas. Como poderiam ser 30.000?

    Mesmo adotando, conforme a advertncia de

    Simonsen (baseada na informao de Antonil), o peso de

    35 arrobas por caixa, as 70.000 caixas dariam 2.450.000

    arrobas, as quais, divididas para 120 engenhos,

    corresponderiam a pouco mais de 20.000 arrobas por

    engenho e por ano o que , tambm, inadmissvel (7).

    O problema deve ser reconsiderado sob os dois

    aspectos, do nmero de engenhos e da produo, a fim

    de se chegar a um conjunto coerente de dados. No que

    tange ao primeiro aspecto, deve-se, mais uma vez (8), e

    apesar da autoridade de Varnhagen e Capistrano de

    Abreu (que aderiu ao clculo cf. prefcio aos Dilogos

    das Grandezas do Brasil), verificar se o nmero de 120

    engenhos para o ano de 1600 sustentvel. Este exame

    crtico parece ousado face aceitao, quase unnime,

    do nmero oferecido por Varnhagen, aceito en passant

    por Capistrano, discutido, porm sem concluso

    definitiva, por Simonsen, adotado por Celso Furtado e,

    finalmente, pelo Relatrio CEPAL-BNDE.

    Um levantamento das principais informaes a

    esse respeito permite estabelecer o seguinte quadro, com

    os engenhos apontados pelos respectivos informantes

    nas vrias Capitanias do Brasil (9):

  • 57

    57

    1570 1583 1584 1587 1612 1627

    Rio Grande

    Paraba

    Itamarac

    Pernambuco

    Bahia

    Ilhus

    Sergipe

    Porto Seguro

    Esprito Santo

    Rio de Janeiro

    So Vicente

    -

    -

    1

    23

    18

    8

    -

    5

    1

    -

    4

    -

    -

    -

    66

    36

    3

    -

    1

    6

    3

    -

    -

    -

    -

    60

    40

    -

    -

    2-3

    4-5

    -

    3-4

    -

    -

    3

    50

    36

    6

    -

    2

    6

    2

    3

    1

    12

    10

    99

    50

    5

    1

    1

    -

    -

    -

    -

    18-20

    18-20

    100

    50

    -

    -

    -

    -

    40

    -

    Fontes: 1570 Gandavo; 1583 Ferno Cardim; 1584 Anchieta; 1587

    Gabriel Soares; 1612 LIVRO DE D RAZO DO ESTADO DO BRASIL;

    1627 Frei Vicente do Salvador.

    Observa-se que nenhuma fonte abrange todas as

    Capitanias. Portanto, para estabelecer a situao de

    1600 deve-se proceder a uma corroborao, e a uma

    interpolao dos dados disponveis. Mas ser possvel

    admitir que o nmero de engenhos cresceu de 60 em

    1570 para 115 em 1583, isto , de 90% em 13 anos,

    para, depois, passar em outros 17 anos (de 1583 a 1600)

    de 115 para 120, ou seja, um crescimento de apenas 3%?

    A poca foi de intensa expanso do ciclo, e o fato que,

    em 1627, corroborando os dados de Frei Vicente do

    Salvador com os anteriores, pode-se aceitar um nmero

    global de 240 engenhos.

    Comparando-se os dados existentes, constata-se,

    como era previsvel, a reduo da taxa de crescimento

    em decorrncia da elevao dos nmeros absolutos. No

    perodo 1583/1612 de 2-2,5%: em 1612/1627 pouco

  • 58

    58

    superior a 1%. Isto permitiria a interpolao da taxa de

    crescimento de 3 a 4% para o subperodo de 1583 a

    1600. As vrias hipteses poderiam levar a cifras entre

    160 e 190 engenhos em 1600, porm, face informao

    do Livro que d Razo, etc., pareceria mais plausvel a

    cifra menor, 160 ou170 engenhos. O nmero poderia ser

    ligeiramente aumentado levando-se em conta as

    inevitveis omisses das fontes informadoras. Isto nos

    levaria perto de 200 engenhos em 1600, bem longe dos

    120 tradicionalmente admitidos.

    Se, outra vez, ao tentar quantificar a economia

    aucareira, em 1600, adotei o nmero de 200 engenhos

    foi para chegar a um conjunto coerente de dados, pois ,

    aceitando a quantidade anualmente exportada de acar ,

    tal como foi calculada sob a autoridade de Simonsen

    (1.200.000 arrobas), chega-se mdia de produo

    anual de 6.000 arrobas por engenho, que parece

    adequada, conforme as informaes j citadas sobre a

    capacidade produtiva dos engenhos. Afinal de contas,

    poder-se-ia dizer que, face penria de dados, o nmero

    de 200 apenas indicativo, e 190 ou 180 engenhos so

    da mesma ordem de grandeza. Pareceria ate que o

    nmero mais baixo de 160 engenhos seria coerente,

    pois corresponderia mdia anual de 7.500 arrobas

    (contando que se aceite o volume global de 1.200.000

    arrobas por ano, e no mais). Isso sugeriria que os

    pequenos engenhos eram muito poucos o que, em

    termos gerais, est certo. Mas at que ponto a maioria

    era de engenhos de 7,8 ou 10 mil arrobas? Proceda-se,

    como exerccio, a imaginar uma distribuio de

  • 59

    59

    engenhos, com a maioria de capacidade de 8-10.000

    arrobas, mas admitindo-se, tambm, a existncia de

    engenhos mdios e pequenos, ainda que em reduzida

    proporo, e verificar-se- difcil admitir a mdia de

    7.500 arrobas por engenho. Por isso, parece-me mais

    plausvel uma cifra aproximando-se de 200 engenhos.

    Uma pesquisa mais detalhada da produo dos engenhos

    ajudar elucidao da questo (10).

    Essa pesquisa no seria to estril quanto poderia

    parecer primeira vista. com base em informaes

    setoriais desse tipo que se poder proceder construo

    de uma imagem mais objetiva, quantificada, da

    realidade econmica do Brasil histrico (11) .

    NOTAS

    (1) John U. Nef. LXXXVI bis.

    (2) Roberto C. Simonsen CXII. Parece-me, contudo, que certos

    nmeros deveriam ser reconsiderados. V. infra: Sobre o valor da

    exportao colonial, (pgs. 196 -198).

    (3) Celso Furtado LVI. H excelentes tentativas de

    quantificao macroeconmica dos ciclos aucareiro e mineiro,

    bem como de outras pocas e setores. Demonstrei, entretanto, em

    outra ocasio, que o confronto dos dados fornecidos para o ano de

    1600 mostrava certa incoerncia (V. infra, pgs. 81 -90).

    (4) Mircea Buescu Vicente Tapajs XXI.

    (5) A Economia do Nordeste vista pelo XXI Curso da CEPAL -

    BNDE (JORNAL DO BRASIL 27.10.1967).

  • 60

    60

    (6) M. Buescu V. Tapajs, op. cit., pgs. 30 e 145.

    (7) Rocha Pombo (Simonsen op. cit., tabela da pg. 382) admite

    200 engenhos e 2.800.000 arrobas por ano o que daria, ainda,

    14.000 arrobas em mdia por engenho, bem acima do mximo

    indicado por todas as fontes.

    (8) Para uma primeira anlise, v. M. Buescu V. Tapajs, op. cit.,

    pgs. 21-22.

    (9) Brandnio no figura por ser sua informao totalmente

    imprecisa: em Pernambuco os engenhos so infinitos, na Bahia

    so muitos, na Paraba no poucos, no Esprito Santos

    alguns, e assim por diante (v. infra, pg. 92).

    (10) A pouca probabilidade da mdia de 7.500 arrobas por

    engenho aparece, por exemplo, da leitura das contas do Engenho

    Sergipe do Conde (o admirvel levantamento feito pelo Dr. Gildo

    Moura, sob a gide do IAA e publicado no II volume de

    DOCUMENTOS PARA A HISTRIA DO ACAR XLVI).

    Num grande engenho, como aquele, a produo mdia anual

    oscilava em torno de 10.000 arrobas. No se deve esquecer que as

    informaes mais numerosas se referem a mdias menores:

    Gabriel Soares d 120.000 arrobas para 40 engenhos na Bahia/

    Ferno Cardim, 350.000 arrobas para 115 engenhos. Nestes, a

    mdia situa-se em torno de 3.000 arrobas.

    (11) Assim foi tentada uma quantificao da Renda Interna e da

    Renda per capita em 1600, para comparao, mediante

    interpolaes, com as pocas subseqentes: v. M. Buescu V.

    Tapajs, op. cit., pgs. 165-168 e 174-176; v. tambm infra, pgs.

    81-90.

    (Transcrito de Histria Econmica do Brasil. Rio de Janeiro:

    APEC, 1970, pgs. 62-67).

  • 61

    61

    SOBRE O VALOR DA EXPORTAO

    COLONIAL

    Roberto Simonsen foi um grande pioneiro na

    tarefa rdua de quantificar a economia colonial

    brasileira, partindo de dados esparsos, incompletos e

    incertos. (1) Outros trabalhos foram feitos com o mesmo

    intuito, mas nenhum, excetuando-se as tentativas de

    Celso Furtado, com mesmo sentido amplo de oferecer

    uma viso global da economia brasileira, em termos

    numricos, objetivos. (2)

    A sua estimativa do valor da exportao colonial

    tornou-se ponto pacfico e indiscutvel: 536 milhes,

    das quais 300 milhes a cargo do acar. O quadro

    que ele redigiu o seu clssico tratado (3) indica,

    segundo diversas fontes, os valores da exportao de

    acar em vrias pocas, escolhendo aqueles que lhe

    pareceram mais vlidos.

    No se trata, nesta pequena nota, de proceder

    anlise crtica das fontes e, conseqentemente, dos

    valores-base adotados para a construo do quadro

    global. Quero apontar apenas data venia uma

    contradio interna nos prprios dados adotados por

    Simonsen, aspecto at agora despercebido pelos

    estudiosos.

  • 62

    62

    Para isso, suficiente dirigir um olhar

    estatstico para o grfico que consigna, no mesmo

    local do livro, as concluses estatsticas, referentes

    exportao de acar. Numa apreciao muito

    aproximada, mas vlida como ordem de grandeza,

    encontram-se as seguintes posies:

    Perodo

    N de

    anos

    Valor mdio

    ( 1000)

    Valor do perodo

    ( 1000)

    (a) (b) (a x b)

    1536-1570

    1571-1580

    1581-1600

    1601-1630

    1631-1641

    1642-1650

    1651-1670

    1671-1710

    1711-1760

    1761-1776

    1777-1783

    1784-1795

    1796-1814

    1