história econômica, rephe, 2008

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  • 8/8/2019 Histria Econmica, Rephe, 2008

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    Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 5

    Histria Econmica: consideraes sobre um

    c ampo disc iplinar

    Jos DAssun o Barros1

    1.Histria Ec onmica : atualidade de um cam po histrico

    A historiog ra fia tem passado, na s dc adas rec entes, po r

    uma sistemtica reviso de seus pressupostos, e ao mesmo

    tempo por uma expanso de seus objetos, de suas

    abordagens, de seus aportes tericos, de seus dilogos

    interdisciplinares. Dentro da Histria, enquanto campo de

    conhecimento mais amplo, vrias das mais antigas

    modalidades historiogrficas tm passado por esta

    redefinio de seus fazeres e fronteiras. Tem sido assim com a

    Histria Poltica, com a Histria Social, ou com a Histria

    Econmica. O presente artigo pretende discutir este ltimo

    campo historiogrfico, os seus deslocamentos temticos, areviso dos seus fazeres e de seus modos de examinar a

    dimenso econmica das sociedades historicamente

    localizadas. Aborda-se a questo de dentro da perspectiva

    da p rp ria historiog ra fia , e no d a Ec onomia, que , desta rte,

    a disciplina fundamental com a qual dialoga esta

    modalidade historiogrfica.

    De modo bastante evidente, as ltimas dcadashistoriogrficas assistiram a um claro crescimento da rejeio

    idia de que a vida social e cultural seja direta e

    1 Doutor em Histria Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF); ProfessorVisitante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor titular daUniversidade Severino Sombra (USS) de Vassouras, nos Cursos de Mestrado eGradua o em Histria, ond e lec iona disc iplinas ligad as ao c am po da Teoria eMetodologia da Histria. Entre suas publicaes mais recentes, destacam-se os

    livros O Campo da Histria (Petrpolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa emHistria (Pet rp olis: Vozes, 2005) e Cida de e Histria(Pet rp olis: Vozes, 2007).

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    linearmente determinada pelas dimenses da Economia e da

    vida material uma crtica que se estabelece inclusive no

    interior de algumas das correntes do prprio marxismo, a partir

    da admitindo que processos culturais podem ser igualmentedete rminantes, inc lusive agindo ou rea gindo sob re a d ime nso

    eco nmica de uma Soc ieda de 2. Ao m esmo temp o, pa tente

    tambm que os modelos quantitativos de levantamento e

    anlise de dados tambm tm sido criticados

    significativamente nos ltimos anos, o que refora o fato de

    que vem se enunciando j h algumas dcadas a tendncia

    rejeio d e uma certa Histria Ec onmic a linea r, red utora

    e tambm a proposta de novos mtodos para alm das

    tcnicas quantitativas, que j no so compreendidas

    nec essariam ente c omo a nic a b ase d e leg itimidade de uma

    histria cientfica, ou mesmo garantia desta ltima.

    Posto isto , considerarem os que, de todo m od o, a Histria

    Econmica j se constitui efetivamente em um campo

    histrico bastante antigo antigo, porm, muito longe da

    possibilidade de ser taxado de inatual. Esta combinao de

    antiguida de c om atualida de tem a sua histria. p arte a s

    trilhas epistemolgicas que possuem um traado anterior ao

    prprio mbito da Ec onom ia Histric a ta l c om o a entendemo s

    hoje isto , parte aqueles caminhos que j d esde o sc ulo

    XIX vinham sendo percorridos pelos Economistas que seinteressaram pela Histria como meio para solucionar alguns

    problemas do seu prprio campo disciplinar3 datam pelo

    2 Sob re isto, ve r os po siciona me ntos de E. P. Thom pson relat ivos a uma rejei o dodeterminismo de via nica (THOMPSON, E. P. Tradic in, revue lta y consc inc ia dec lase: estud ios sob re la c risis de la soc ied ad p re-ind ustrial. Barc elona : Ed itorialCritica , 1979, p.64.3 Sobre esta questo, bastante oportuno o seguinte trecho escrito por Witold Kulano primeiro captulo de seu livro Problemas e Mtodos da Histria Econmica: En

    cambio, desde su nacimiento la economa poltica busc las leyes y lasvinculaciones constantes, llegando hasta sobreestiomar em principio esa

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    me nos da terce ira dc ada do sc ulo XX os investimentos ma is

    decisivos dos historiadores em constituir a Histria Econmica

    como um campo historiogrfico especfico, ou como uma

    disciplina j bem constituda no interior de uma Histria denovo tipo4. Neste empreendimento, que em diversos focos

    diferenciados da Europa e das Amricas comeam a ter

    explicitadas as suas primeiras realizaes em torno de 1930,

    freq entem ente se misturaram ec ono mista s e histo riadores em

    uma empresa m ista . Ma is a inda , freq entemente ec onomistas

    se fizeram histo riadores, e histo riad ores se fizeram ec onom ista s.

    Diante d este d om nio historiog r fic o em c om um, no qual

    se encontram em incessante d i log o ta nto o s ec onomistas por

    formao como os historiadores que se apropriaram de um

    conhecimento significativo pertinente s cincias

    ec onmica s, foroso a dmitir que a Histria Ec onmic a um

    daqueles setores intradisciplinares da Histria que exige dos

    seus praticantes certos conhecimentos e tcnicas bastante

    espec fic as, possivelmente m a is d o q ue q ua lquer outro c ampo

    histrico. Alm disto, convm lembrar que, se a Histria

    Econmica j uma das modalidades historiogrficas mais

    antiga s em a tual vig nc ia , isto se d porque c onjuntamente

    constancia. Ello fue causa de que la naciente ciencia econmica no le bastara laobservacin de un corto lapso de tiempo, denominado presente. Para ampliar su

    ca mpo de observac in, para a segurarse d e q ue la relacin com probad a e ra unavinculacin constante, deba explorar el pasado. De esta manera abri por otraparte un camino a la historia econmica. En este aspecto la piedra miliaria es laaparicin de La Riqueza de las Naciones de Adam Smith (1776) (KULA, Witold.Problemas y Mtodos de la Historia Econmica. Barcelona: Ediciones Pennsula,1973).

    4 Na ve rda de , tal com o ressalta Witold Kula, j d esde a primeira meta de do sc uloXIX sobretudo na Inglaterra e Alemanha a histria econmica j se apresentacomo uma clara esfera de interesse, ainda que distante de estar plenamenteconformada como uma disciplina independente (KULA, Witold. op.cit. p.14). Ostemas de interesse e motivaes nesta poca so bastante especficos: NaInglaterra, os direitos dos pobres e a liberdade de comrcio; na Alemanha, apoltica aduaneira. Quanto a mtodos, estamos aqui, obviamente, ainda muito

    distanciados das possibilidades de leituras seriais de grandes massas documentaisque se d esenvolveriam p osteriormente na seg unda meta de do sc ulo XX.

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    com a Histria Social ela foi das primeiras que na primeira

    metade do sculo XX comearam a ser empunhadas como

    bandeiras a se agitarem contra a velha Histria Poltica que

    at ento se fazia bem de acordo com o modelo do sculoXIX, esta histria essencialmente preocupada com fatos

    polticos relacionados aos grandes Estados-Nacionais, e que

    quase sempre se apresentava como uma histria

    essencialmente factual, narrativa no mau sentido, pouco

    problematizada.

    contra este padro historiogrfico extremamente

    antigo este sim francamente inatual que se insurgiu a seu

    tempo a moderna Histria Econmica conjuntamente com a

    Histria Social seja atravs das realizaes inauguradas pela

    Escola dos Annales, seja atravs das primeiras obras mais

    propriamente historiogrficas desenvolvidas no mbito do

    Materialismo Histrico, filosofia da Histria que havia sido

    fundada ainda no sculo XIX por Marx e Engels mas que s

    ento, no sculo XX, comeava a render realmente seus

    primeiros fruto s em forma de histo riografia5.

    O nosso objetivo em seguida ser refletir sobre a Histria

    Econmica como campo intradisciplinar da Histria

    examinar seu estatuto epistemolgico, seus aportes tericos e

    possibilidades tcnicas, seus objetos preferenciais.

    5 Ante tod o es prec iso ha c er nota r que en la po c a inic ial, tanto Enge ls c omoKautsky y toda una serie de marxistas no se solan ocupar de la problemticahistrico-econmica. Sus principales afanes investigadores y propagandsticos ibanpo r otro c am ino, es de c ir, tend an a de mo strar el cond ic ionamiento c lasista d e losfenmenos ideolgicos y polticos. Es verdad que al investigar el condicionamientoc lasista de c ualquier fenm eno tuvieron que reflexionar respe c to a la estructura declases de una poca determinada y al mismo tiempo sobre el carcter de laec onoma de una soc ied ad c oncreta. Sin emb argo, esto no a ltera el hecho d e q uestos no fueron los fenmenos que constituyeron el objeto preciso de susexploraciones (KULA, Witold. op.cit. p.18). J seria praticamente na virada dosculo que surgiriam as primeiras duas obras marxistas que tematizariamdiretamente dois processos histricos especficos: O desenvolvimento do

    capitalismo na Rssia, de Lnin (1899), e O Desenvolvimento Industrial da Polnia,de Rosa Luxemburgo (1899) [id.ibid., p.19].

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    Eventualmente, falaremos de algumas correntes especficas

    tanto as inseridas no seio das Cincias Econmicas como as

    orig inadas no p rp rio seio da Histo riog ra fia que a travessaram

    ou tm atravessado esse campo intradisciplinar quepassaremos a chamar de Histria Econmica. Mas no

    estaremos nos utilizando da expresso Histria Econmica

    para remontar a correntes historiogrficas ou economicistas

    especficas, a no ser entre aspas, e nos casos especficos em

    que a designao for de uso de grupos que empregam a

    palavra como uma auto-referncia (por exemplo, o grupo da

    New Economic History, nos Estados Unidos a partir dos anos

    1960). Via de regra, Histria Econmica estar sendo

    ab orda da aq ui c omo um c am po histric o d efinido que a briga

    muitas correntes, que acumulou certo repertrio de discusses

    conceituais e potencialidades metodolgicas, que se volta

    para determinados objetos especficos que adquirem sentido

    no en trec ruzamento d as questes ec onmic as e das questes

    histricas.

    Um ponto de partida ser discutir algumas noes

    fundamentais que fundam esta modalidade historiogrfica

    desde suas origens, e outras noes que se desenvolveram

    posteriormente no seio dos estudos de Histria Econmica

    como noes e conceitos importantes. A primeira destas

    noes, no caso uma noo fundacional, a prpria noode sistema econmico j que freqentemente os

    historiadores e economistas que se irmanam em torno do

    interesse pelos objetos mais habituais da Histria Econmica

    est o interessados em desvend ar c onjuntos c oe rentes que so

    referidos como sistemas econmicos de uma poca ou

    outra, de uma determinada espacialidade social. Ou seja,

    como estes historiadores e economistas esto interessados em

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    examinar um sistema integrado no interior do qual os diversos

    fatos econmicos adquirem algum sentido relativamente a

    uma determinada sociedade historicamente localizada, o

    c once ito c lam a aq ui por uma reflexo atenta a c erca de suasprincipais implicaes.

    2. Alguma s no es fundam entais da Histria Econmica

    Considerando que o primeiro conceito a ser

    oportunizado pela Histria Econmica o de Sistema

    Ec onmico , toma rem os de emprstimo a de finio propo sta

    por Witold Kula um historiador polons que j um clssico

    ta nto entre historiadores c om o entre ec ono mista s historicista s:

    Um sistema econmico , pois, um conjunto dedep endnc ias ec onmic as rec iproca mente liga da sque, pelo fato de estarem vinculadas, surgem maisou menos ao mesmo tempo e se desfazem,tambm, aproximadamente no mesmo momento.Datar emp iric am ente a sua a pa ri o e d esap ari o

    fixar os limites cronolgicos de um dado sistemaeconmico. E elaborar a teoria econmica de umsistema econmico dado determinar (e aindaempiricamente) a lista mais completa possvel dasrelaes de dependncia que o mesmo admite edeterminar as vinculaes recprocas que fazemdeste c onjunto de rela es um sistem a nico 6

    Em primeiro lugar, Kula admite falar em um Sistema

    Ec onmico c om o um c onjunto ma ior que integra d e ma neiracoerente certos fatos econmicos que de outra maneira

    estariam dispersos, ressaltando que este sistema possui uma

    historicidade definida esta definida por um conjunto de

    rela es rec p roc as que os fatos ec onmicos de d ete rminad o

    tipo estabelec em entre si. Assim surgem em uma dete rminad a

    6 KULA, Witold. Thorie c onom ique d u systm e fo da l. Paris: Mouton, 1970.

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    sociedade historicamente localizada estas interaes

    especficas de fatos econmicos, relacionadas a um certo

    padro que pode ser identificado e decifrado por

    historiadores e economistas, estas relaes se desfazem acerta altura. Vale dizer, um sistema econmico no uma

    realidade nem esttica e eterna ele de um lado tem uma

    dinamicidade prpria e uma tendnc ia a se transforma r, e de

    outro lado as transformaes podem conduzi-lo, a certa

    altura, a adquirir uma outra identidade que j pouco tem a

    ver com a situao inicial do sistema. Em uma palavra, um

    sistem a ec onmico possui uma historic idade.

    Os alertas e conselhos implcitos na definio proposta

    por Kula so bem evidentes: o historiador s deve elaborar a

    teo ria g eral que lhe permitir examinar de terminad a realidade

    ec onmico -soc ia l depois de estudados os c asos c onc reto s, e

    no o contrrio. Sobretudo, mostra-se aqui fundamental a

    idia d e q ue p rec iso c onstruir a teoria dos d iversos sistema s

    ec onmico s a serem a nalisados porque n o h um s, como

    de resto propem algumas correntes da Histria Econmica

    que buscam transplantar uma determinada racionalidade

    econmica que tpica do Capitalismo mesmo para

    soc iedades p r-ind ustria is.

    c ontra este t ipo d e a nac ronismo muito espec fic o, por

    vezes pouco percebido por economistas de algumascorrentes especficas que se dispuseram a estudar a Histria

    Ec onmica , que Mauric e G od elier, num a lerta b astante simila r

    ao de Kula, pretende contrapor a idia de que cada

    sociedade produz a sua prpria racionalidade econmica,

    no sendo esta diretamente aplicvel ou mesmo vlida em

    relao a uma outra sociedade no tempo e no espao.

    Godelier nos traz um exemplo muito esclarecedor ao dar a

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    perceber que a motivao de maximizar a produo e

    minimizar os c ustos somente tem a lgum sentido no mb ito de

    um a hierarquia de necessidades e valores que se impem

    aos indivduos no seio de determinada sociedade e que tm

    seu fundamento na natureza das estruturas desta

    sociedade7. Ou seja, a racionalidade tpica da economia

    capitalista no de modo nenhum transplantvel para as

    sociedades pr-industriais, ou mesmo para outras

    espa c ialida des j no p erod o m od erno p orm ma is afa stad as

    do c ap italismo europ eu.

    Para j mencionarmos um exemplo relacionado

    Histria Econmica Brasileira, h um interessante aspecto

    examinado por Joo Fragoso e Manolo Florentino com

    relao a um movimento aparentemente paradoxal que se

    d no Rio de Janeiro da passagem do sculo XVIII para o

    sculo XIX8. Aps dua s ge ra es de c ontnua a c umula o no

    mercado, os dois historiadores brasileiros verificaram umamudana de ativida de econmica em uma pa rcela ba stante

    significativa das famlias que haviam constitudo a elite

    empresarial mercantil. Estas abandonavam seus negcios e

    passavam a se dedicar a atividades rurais e rentistas, que

    eram de modo geral muito menos lucrativas que suas antigas

    atividades mercantis.

    Este paradoxo aparente s pode ser compreendidoquando recolocamos no contexto histrico examinado uma

    adequada racionalidade econmica. Vive-se aqui em uma

    sociedade onde a ascenso social aparece diretamente

    7 GODELIER, M. Racionalidad e irracionalidad em la Economia. M xico: Siglo XXI,1967. p.303.

    8 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. Arcasmo como Projeto. Rio de Janeiro:Diadorin, 1993. p.104-105.

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    ligada aquisio de terras e cativos, que neste caso so os

    bens que identificam o prestgio. Desta maneira, um aspecto

    relacionado cultura e s relaes de sociabilidade que

    estaria comandando o deslocamento de atividadeseconmicas, que se mostraria incompreensvel se o

    analisssemos a partir de uma racionalidade econmica

    alicerada na obsessiva busca por lucros to tpica da

    mentalidad e c ap italista.

    Kula d-nos diversos exemplos como este para o caso

    da ec onomia polonesa de perod os ma is rec uad os. Assim, em

    uma de suas anlises dos latifndios poloneses nos sculos XVII

    e XVIII, proc ura demo nstra r que o c ompo rtam ento e c onm ic o

    dos proprietrios de terras parecia ser o oposto do que

    preveria a economia clssica. Quando aumentava o preo

    de seu principal produto, o do centeio, produziam menos, e

    quando o preo abaixava, produziam mais. A explicao

    deste paradoxo tambm deveria ser encontrada no mbito

    da cultura, ou das mentalidades. Os aristocratas poloneses,

    neste caso, no estavam interessados em lucros, mas em

    manter um estilo de vida, um status quo, da maneira a que

    estavam acostumados, e a sua forma de racionalidade

    econmica os levava a controlar as variaes na produo

    c omo tentativas de ma nter uma renda pa dro.

    Neste como em outros exemplos, Kula mostra como asrelaes e comportamentos econmicos em sociedades

    diversas, que no podem ser assimiladas ao modelo

    capitalista previsto pela economia clssica, se acham

    atravessadas por fatores diversos que pertencem ao mundo

    da cultura entre os quais os mecanismos formadores de

    identidade de classe, as relaes de parentesco, os sistemas

    de dotes, as estratgias culturais de incluso ou excluso

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    soc ial. Para a lm da indica o de que no h uma , mas sim

    diversas racionalidades econmicas, casos como estes

    tamb m d emonstram q ue o mundo ec onmic o no p od e ser

    explicado apenas atravs dos fatos econmicos, sendo estauma questo igualmente importante qual retornaremos

    oportunamente.

    Alm de oferecer inmeros exemplos concretos que

    ajudam a c ompreende r a singularida de d as ec onom ias soc ial

    e historic amente loc a lizadas, Kula mo stra no apena s que nos

    diversos perodos histricos as prticas so distintas,

    freqentemente contrrias a uma prtica e racionalidade

    c ap italista q ue no po de ser tomad a c omo m od elo universal,

    como tambm d a perceber a diversidade de sentidos e

    conotaes que, nestas sociedades, adquirem expresses

    como cmbio, investimento, consumo 9. Por outro lado,

    no se trata de cair no absoluto relativismo. Kula mostra que

    haveria algumas dimenses inerentes s diversas realidades

    econmicas que poderiam ser tomadas como aspectos

    irredutveis, como por exemplo o fato de que nenhum grupo

    humano pode sobreviver consumindo mais do que produz ou

    do q ue c onseg ue se a prop ria r de outras rea lidades p rod utivas.

    Uma sociedade que colhe menos que semeia, deve

    encontrar uma soluo que re-equilibre a produo e o

    c onsumo sob o risc o de sua p rp ria sob revivnc ia . Esta umalei que paira acima da diversidade de racionalidades

    econmicas. H, portanto, questes importantes a serem

    compreendidas pelos historiadores no confronto de certos

    imperativos associados s dimenses econmicas ou mesmo

    biolgicas, com as mltiplas formas de racionalidade

    9

    KULA. Witold.Da Tipologia dos Sistemas Econmicos in FOURASTI (org.).Economia. Rio de Janeiro: FGV, 1979. p.97.

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    econmica, conforme as vrias sociedades historicamente

    localizadas.

    A questo das rac iona lida de s ec onm ic as merec e ser

    refletida com cuidado, pois no tem sido encarada de formaunnime entre economistas e historiadores no decurso da

    histria da Histria Econmica. Teremos aqui duas questes

    interligadas: de um lado a indagao acerca da

    universalidade ou no de uma possvel teoria sobre os

    desenvolvimentos econmicos; de outro, uma antiga questo

    a qual devem se preocupar todos os historiadores, sejam os

    associados Histria econmica ou a outras modalidades

    historiog r fic as a questo do anac ronismo .

    Estes problemas bsicos aparecem amide quando o

    historiador toma a si a tarefa de levantar e analisar

    economicamente os fatos relativos a uma sociedade cujos

    prprios critrios para constituio de uma massa de dados

    esto presos a uma especificidade temporal, diferindo

    partic ula rme nte d os c ritrios que p residem a p rp ria rea lidade

    econmica do historiador. Em uma palavra, alguns problemas

    comeam a surgir quando o historiador impe a si a tarefa de

    fazer uma an lise econmica retrospec tiva.

    O problema no novo, pois ele tem tocado tanto os

    historiadores econmicos como, antes deles, os economistas

    histricos (isto , aqueles que partem da formao deec onom istas pa ra empreende rem um a a nlise ec onm ic a d e

    perod os do passado). As a titudes bsic as, de um lad o ou d e

    outro, oscilam neste caso entre duas posies extremas,

    admitindo inmeras intermediaes e posicionamentos

    tericos-metodolgicos. Em um extremo estariam os

    historiadores e economistas que partem de uma teoria

    ec onm ic a em seu estad o a tual, toma da aq ui c omo universal

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    (isto , ap licvel a tod as as soc ied ades e sistem as ec onmico s

    de modo absoluto). No outro extremo estaria esta posio

    que poderia configurar um relativismo radical: aquela que

    c onsidera q ue c ada sistem a ec onmico tem suas leis p rp rias(ou, dito d e o utra forma , pa rte-se a qui do p ressupo sto d e q ue

    os mecanismos econmicos so distintos em cada sistema). A

    prime ira posi o pod e ser rep resenta da pelos ec onomistas d e

    Chicago da dcada de 1930, articulados em torno de Earl

    Jefferson Hamilton. A outra encontra sua representao mais

    amide entre os historiadores, ou entre os ec ono mista s que se

    fizeram historiadores em meio torrente de estmulos por uma

    reno va o historiogrfic a d esde os anos 1930, send o q ue d ela

    pode ser dado como um nome bastante representativo o de

    Ernest Labrousse.

    Hamilton queria aplicar ao estudo de todas as

    economias do passado a teoria econmica em seu estado

    atual, ou seja, produzida na e pela sociedade regida pela

    economia capitalista da sua poca. Haveria, nesta maneira

    de ver, uma teoria econmica que em tese seria aplicvel

    para sociedades to diversificadas no espao e no tempo

    c om o tod as aquelas da Europ a situadas entre o sc ulo XVI e o

    sculo XX, mesmo que de fato se relacionem a nuances

    distintas dentro do capitalismo, como o capitalismo comercial

    (patrimonial ou annimo) ou como o capitalismo industrial(patrimonial, annimo, financeiro, tecnocrtico, apenas para

    c ita r a lgum as variantes). J nem toc arem os na q uesto a inda

    mais delicada que concerne s economias da Antiguidade

    Clssica e dos perodos medievais.

    Os historiadores, de modo geral, reagiram ou tm

    reagido mais enfaticamente a posies como esta que

    ad voga a universalida de d e uma mod erna teo ria e c onmica,

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    e e sta s c rtica s inc luem nom es que vo desde Pierre Vila r10 at

    Jean Meuvret11 ou o prprio Labrousse12. Este ltimo, por

    exemplo, em clebre estudo sobre as crises do Antigo Regime

    Econmico 13, apresentou como pedra de toque para umaaproximao verdadeiramente consciente do problema o

    fato de que, se as crises cclicas do capitalismo industrial so

    crises de superproduo industrial, j as crises do Antigo

    Regime so sempre crises de subproduo agrcola (seu

    universo d e a nlise, no c aso, a Frana da p oc a).

    Haveria tambm estdios intermdios entre as posies

    da teoria econmica de validade absoluta e a teoria do

    relativismo econmico de acordo com cada sociedade

    histric a . Pod e-se, p or exemp lo, a dvog a r que embora no

    haja um sistema ec onmico ou uma teoria a ser expo rtad a na

    sua integralidade para todos os perodos anteriores

    existiriam certos mecanismos fundamentais que a princpio

    apareceriam para o caso de todas as sociedades, ou pelo

    menos para um grande nmero delas. Esta tendncia

    tambm apareceu com os economistas de Chicago, mas a

    partir da dcada de 1950, tendo entre alguns de seus nomes

    mais remarcveis os de Milton Friedman e Oskar Lange (o

    primeiro exps suas idias nos seus Ensaios de Economia

    10 VILLAR, Pierre. Desenvolvimento econmico e anlise histrica. Lisboa: EditorialPresena, 1982. Para considerar um estudo econmico mais especfico de PierreVillar, ver Ouro e Mo ed a na Histria(So Paulo: Paz e Terra , 1980).

    11 MEUVRET, Jean. La Prod uc tion d e C ra les et la Soc it Rurale. 2vo ls. Pa ris: Ec oleDes Hautes tudes en Sciences Sociales, 1987.12 LABROUSSE, Ernst. Histoire conomique et sociale de la France. Paris: Puf, 1979.Para c onsidera r os estud os mais espe c ficos de Lab rousse, ver (1) LABROUSSE, Ernst,La crise de lconomie franaise la fin de lancien rgime e au dbut de la

    Revolution. Paris: 1944, e (2) LABROUSSE, Erne st. Esquisse du mouvement des prix etdes revenus en Franc e du XVIII sic le. 2 vol. Paris: 1932.13 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouve me nt d es prix et des revenus en Franc e d uXVIII sic le. 2 vol. Paris : 1932.

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    Positiva)14. A idia matriz que anima esta posio

    intermediria precisamente a de que existiriam certos

    mecanismos fundamentais concernentes a determinadas

    variveis que deveriam ser o objeto de estudo do historiadoreconmico. Ainda que, em relao a sistemas mais

    complexos, estes mecanismos fundamentais sejam capazes

    de c om binar-se em prop ore s variveis e d iversific adas, seria

    possvel descobrir estes fundamentos, e nisto consistiria a

    ta refa do historiador ec onmico ou do ec onomista historiador.

    Discute-se, por exemplo, o fundamento da tendncia

    pressupo stame nte p resente na ma ior pa rte das soc ied ades d e

    obter a chamada vantagem mxima, o que consistiria em

    uma determinada atitude que se faz constante tanto em

    sociedades capitalistas desenvolvidas como

    subdesenvolvidas. Existiriam fundamentos que se relacionam

    com a tecnologia (a produo do ferro necessita de

    determinada quantidade de carvo), ou com as tcnicas

    contbeis (os balanos da contabilidade clssica resistem ao

    tempo).

    Poder-se-iam discutir fundamentos mais ou menos

    universais para modelos econmicos de um mesmo tipo (ou

    seja, fundamentos que se aplicassem a todas as sociedades

    submetidas ao padro capitalista, por exemplo,

    independentemente do recorte espacial ou cronolgicodentro do Capitalismo). Aqui se enquadraria, no caso, a atrs

    citada lei da procura do lucro mximo, que poderia ser

    validvel para todas as sociedades capitalistas (embora no

    pudesse ser verificada para as sociedades medievais). a

    possibilidade de discutir fundamentos mais ou menos perenes

    14

    FRIEDMAN, Milton. The M etho do logy o f Positive Ec ono mic s. Chicago: University ofChicago Press, 1953.

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    como estes que habilitaria falar naquilo que Franois Perroux

    chamou de cincia econmica generalizada 15. O

    importante para o historiador, naturalmente, seria trabalhar

    com a conscincia dos limites de sua generalizao (cadatipo de funda-mento pode implicar em uma aplicabilidade

    relat iva a um mb ito ou universo m eno s ou m a is extenso).

    As posies atrs referidas com relao

    universalidade possvel ou relatividade radical de toda

    teoria econmica apenas ilustram o terreno pantanoso que,

    ainda no campo das tomadas de posio conceituais, o

    historiador econmico precisa enfrentar16. Abordar os

    aspectos econmicos da Histria no pode significar apenas

    um trabalho de coleta quantitativista. Este tipo de trabalho,

    para no recair na coleta anacrnica de fatos econmicos

    do passado, deve estar vinculado a uma posio que

    tam b m filosfic a, teric a, me tod olg ic a.

    Outro mbito de parmetros basilares para a Histria

    Econmica refere-se ao tipo de modelos explicativos com os

    quais o historiador econmico trabalha. De um lado,

    mencionaremos o par que ope as explicaes endgenas

    em oposio s explicaes exgenas. De outro lado,

    registraremos o par que ope as explicaes dedutivas em

    contraste com as explicaes empricas. Busquemos

    esclarecer estes parmetros, ressaltando contudo o fato deque diversas das explicaes que tm sido elaboradas para

    os desenvolvimentos histricos de economia, particularmente

    15 Acerca das generalizaes possveis de serem consideradas para as sociedadescapitalistas, ver os desenvolvimentos propostos por Franois Perroux em Capitalismeet communaute de travail. (Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1937). Relativamente aao rec orte d o c ap italismo ma is avan ado , ver PERROUX, Fran ois, A economia dosc ulo XX. Lisboa: Herder, 1967.16 Para um balano mais detalhado das posies que atrs descrevemos verFrdric MAURO, Nova Histria e Novo Mundo, So Paulo: Perspec tiva , 1969. p .44-51[o rig inal: 1968].

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    as explicaes mais plausveis, procuram na verdade

    contrabalanar no seu processo de argumentao e

    demonstrao fatores exgenos e endgenos, bem como

    elementos ded utveis e em pricos.Uma explic a o exc lusivam ente exgena a que la que

    prope como fatores de esclarecimento para a Histria da

    Economia fatores exgenos isto , vindos de fora. Guerras,

    epidemias, fatores meteorolgicos eis aqui uma srie de

    fatores, todos externos economia, que as teorias exgenas

    evocam para explicar as flutuaes econmicas. So estas

    excita es e m otiva es externas que a c iona riam o p roc esso

    de transformao econmica, ou mesmo presidiriam seus

    ritmos e encaminhamentos. Um curioso exemplo de

    explic a o exg ena foi dado pe lo ec onom ista ingls Jevons,

    que em alguns artigos escritos entre 1875 e 1878 chegou a

    deslocar para as alteraes nas manchas solares o ponto de

    partida de sua explicao para a regularidade aproximada

    dos ciclos econmicos. De acordo com Jevons, os efeitos de

    intensidade decorrentes da atividade solar influenciariam as

    c olheitas, e conseq entemente d itariam o ritmo da ec onom ia

    com seus ciclos marcados por movimentos de expanso e

    contrao17. Conforme podemos ver nesta explicao, a

    excitao externa e a influncia continuada de fatores

    exteriores francamente utilizada para explicar osdesenvolvimentos ec onmico s.17 Os textos nos quais Williams Stanley Jevons desenvolve estas idias sorespectivamente The Sola r Period and the Princ e o f Co rn(1875); The Period icity o fCommercial Crises and Its Physical Explanation (1878), e, finalmente , Com mercialCrises and Sun-Spots (Crises Co me rcia is e m arca s sola res), pub lic ado na p restig iosarevista Natureem novem bro d e 1878. Este ultimo ensaio fo i rep ublic ad o p elo a utorem seu livro Investiga tions in Currenc y a nd Financ e (Lond on: Mac millan , 1884). Ma ista rde, o filho de W.S. Jevons H. S. Jevo ns ainda insistiria nas me sma s prop osi e sem um artigo intitulado Trade fluctua tions and solar ac tivities (Contemporaryreview, August, 1909), terminando por escrever, no ano seguinte, um livro mais

    completo sobre a questo (JEVONS, H. S. The Sun's hea th a nd t rade a c tivity.London: 1910).

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    Contrastando com as explicaes exgenas que

    evocam fatores de ordem externa para solucionar questes

    econmicas freqentemente ressaltando fatores polticos,

    culturais, climticos ou demogrficos como detonadores doprocesso de transformao j uma explicao endgena,

    no p rime iro sentido que vnham os c onsiderand o, a quela q ue

    procura esclarecer um certo desenvolvimento histrico

    relacionado Economia exclusivamente no interior dos

    prprios fatores econmicos. Por exemplo, consideremos as

    explicaes de Histria Econmica que costumavam ser

    desenvolvidas por Juglar o famoso economista francs do

    sc ulo XIX que estab elec eu c omo unida de op erac iona l pa ra

    a identificao dos movimentos econmicos os ciclos

    decenais20. Juglar tendia a fornecer suas explicaes

    exclusivamente atravs de fatores endgenos como as

    variaes de juros, as polticas dos bancos centrais e as

    modificaes no estoque dos metais. Assim, inteiramente

    ba sea da em fa tores end genos, notada mente na questo d o

    monetarismo, a sua explicao para a Histria da Economia

    no sc ulo XVI este sc ulo q ue no quad ro d e tend nc ias

    seculares constitui sabidamente a um padro de expanso

    econmica, alis marcado por uma subida vertiginosa nos

    preos. Do mesmo modo as flutuaes econmicas que se

    expressam a travs dos c ic los da ec onomia c ap italista , por eleestudados pela primeira vez de maneira sistemtica

    merecem uma explicao exclusivamente em termos

    (org.). A Transi o d o Feud a lismo pa ra o Ca pita lismo, Rio de Janeiro: Paz e Terra,1989. Particularmente sobre as consideraes de Sweezy acerca dos fatoresexgenos envolvidos na passagem da economia europia para a Modernidade,ver Uma Trp lic a (Sc ience and Soc iety. Londres: spring, 1953), que responde a umartigo anterior de Dobb (Uma Rplica, Sc ienc e and Soc iety. Londres: spring,1950).20 JUGLAR, C . Des crises co me rciales. Paris: 1889. 2 edio.

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    monetrios, considerando como elementos centrais as

    modificaes nos estoques de metais preciosos, a poltica dos

    bancos centrais e as variaes de juros. No entram

    elementos exge nos nesta explic a o.Consideremos, por exemplo, uma explicao que leve

    em conta para sua elaborao fatores exclusivamente

    econmicos que pudessem ser desdobrados uns dos outros

    (veremo s logo que, alm de ser uma explic a o e ndge na ,

    aq ui tam b m teramos um tipo de explic a o exc lusivamente

    dedutiva, j que para ser produzida no leva em

    considerao dados empricos recolhidos atravs de fontes

    d iversas que so sub met idos a an lises esta tsticas). A t tulo de

    exemplificao, vejamos a seguinte cadeia argumentativa:

    uma populao que revele a tendncia a aumentar a sua

    poupana em determinado perodo produz como

    c onseq nc ia uma red u o d o consumo; com isto, as venda s

    caem e aumentam os estoques. Com o aumento dos

    estoques h diminuio na fabricao dos produtos que j

    no apresentam a mesma demanda, o que ocasiona uma

    dispensa de mo-de-obra e uma diminuio nos lucros dos

    grandes capitalistas. Com a reduo dos salrios, o processo

    tender mais tarde a estabelecer um equilbrio entre o

    c onsumo e o s estoq ues ac umulad os. Nesta explic a o21, no

    entraram elementos externos, e na verdade o sistemadedutivo tambm operou por si mesmo sem necessitar da

    c omp rova o emp rica , o que nos co loc a diante da questo

    do segundo par de fatores a ser examinado nas questes

    21 O exemplo proposto, a ttulo de ilustrao para uma anlise endgena, porCiro Flamarion Cardoso em Os Mtodos da Histria (CARDOSO, Ciro Flamarion e

    BRIGNO LI, Hc to r Prez. Os Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1990, p.278-279).

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    econmicas: a deduo em oposio induo atravs de

    dados empricos.

    J uma explicao emprica apia-se ou deve se

    apoiar diretamente nos dados empricos observveis,procedendo por uma generalizao a partir de casos

    concretos, normalmente base de dados levantados e

    analisados criteriosamente atravs de mtodos estatsticos.

    Um exemplo est nas obras de Claphan sobre a Histria da

    Economia na Inglaterra Moderna22, ou nos trabalhos de

    Mitche ll sob re o s c ic los da ec onomia financ eira 23.

    Outra dicotomia importante a ser considerada no jogo

    de parmetros explicativos disposio dos historiadores

    econmicos a relao entre equilbrio esttico e

    dinamicidade. At a dcada de 1930 predominaram os

    sistemas econmicos dirigidos para o equilbrio esttico,

    tendncia que foi fortemente abalada pelo impacto da

    Grande Depresso e por um novo contexto que passa a

    estimular os economistas e historiadores econmicos a

    compreenderem melhor o dinamismo das transformaes

    econmicas em alguns casos visando inclusive a proposta

    de polticas anticclicas. Desde ento os problemas centrais

    da histria econmica se deslocaram preferencialmente para

    indagaes que levavam em conta sobretudo a

    transformao na temporalidade. A Cliometria, entre outroscampos de possibilidades, surge j neste novo quadro de

    motivaes. Mas tambm surge uma Histria Econmica-

    Soc ial profunda mente preoc upa da c om a repercusso d os

    fatos econmicos da vida social. De uma Histria Econmica

    cujos objetos preferenciais relacionavam-se ao problema do

    22 CLAPHAM, J. H. An Ec ono mic History o f Mo dern Britain. 3 vol. 1926-1938.23 MITCHELL, W. C. Business Cyc les. The Prob lem and its Setting. 1927.

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    eq uilb rio g eral de um me rcado d e b ens e servi os, pa ssa-se a

    problemas como as relaes entre os desenvolvimentos da

    economia monetria e o pleno emprego, o custo de vida, o

    em pob rec imento p op ulac iona l e outras queste s ma is.A tendncia da historiografia econmica, a partir da

    me tade d o sc ulo XX tornar-se m a is c omplexa e eq uilib rada

    com relao considerao de uma srie de fatores. Atribui-

    se importncia tanto a fatores exgenos como a fatores

    endg enos, ao m esmo tempo e m q ue as explica es tendem

    a entremear de forma equilibrada a deduo terica e a

    demonstrao emprica, com ampla utilizao de

    metodologias estatsticas mas sem dispensar as anlises

    qualitativas. Ao mesmo tempo, considera-se tanto o equilbrio

    do sistema econmico como a sua dinamicidade, para alm

    de se lanar problematizaes que indagam mais

    profunda mente p ela intera o entre ec onomia e soc ieda de.

    Os prprios dados aparecem mais problematizados. Os

    historiadores econmicos no se contentam apenas em

    levantar criteriosamente os dados que estaro expressos em

    uma curva de preos e salrios, mas procuram indagar que

    significado tero aqueles preos e salrios para a sociedade

    sobre a qual eles incidem. Vo mais alm, investigando as

    repercusses econmicas nos diversos grupos sociais. A

    Histria Econmica, assim, torna-se mais complexa.Exemplo de tratamento complexo da Histria

    Econmica pode ser encontrado quando o analista

    compreende o prprio fato econmico como produto de

    uma complexidade que transcende a dimenso econmica

    propriamente dita. Rigorosamente, disto cada vez mais se

    acerca a moderna Histria Econmica, no existe o fato

    econmico propriamente dito, isolvel de outros fatores, de

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    modo que cada vez mais os pensadores e estudiosos da

    Economia tm recolocado a questo de que os fatos

    econmicos freqentemente acham-se imbricados com fatos

    polticos, sociais, culturais, institucionais, ou mesmo ligados smentalidades.

    A esse respeito, ser oportuno registrar a contribuio

    da Nova Economia Institucionalde Douglass North24. Aqui, no

    mbito de uma leitura institucional da histria econmica de

    cada sociedade, mostra-se precisamente ressaltada a

    importnc ia dos asp ec tos instituc iona is e , ma is a inda , po lticos,

    na constituio dos processos econmicos. Assim, tal como

    observa North ao considerar os desenvolvimentos do

    Capitalismo, sobretudo nas suas ltimas fases, os sistemas

    polticos trazem ou devem trazer eles mesmos uma

    contribuio fundamental para a constituio dos sistemas

    ec onm ic os, e, de c erto m od o, pode -se d izer que em muitos

    casos quem institui as regras do jogo econmico a Poltica.

    Recolocar nestes termos o papel dos sistemas polticos e das

    instituies para o desenvolvimento dos processos

    econmicos examin-los, na tica da Economia

    Institucional, a partir de uma perspectiva mais rica, complexa,

    interdisciplinar.

    As Instituies so aqui vistas tambm na sua dimenso

    de estruturas de incentivo, que interferem nos mercados, eno c om o estruturas que so me ramente c riadas para ajustar-

    se a certas funes deste mercado, tal como propunha o

    24 (1) NORTH, Doug lass. Emp irica l Stud ies in Institutiona l Change (Politica l Ec onom y ofInstitutions and Dec isions). New York: Lee J. Alston, 1996 e (2) Institutions, InstitutionalChange a nd Eco nomic performa nce. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.Antes destas obras, uma referncia tambm fundamental Structure a nd C hang ein Economic History (NORTH, 1981), na qual North j se prope a analisar a histriaeconmica, da pr-histria contemporaneidade, atravs de uma leitura dastransforma e s instituciona is. Vale ressa ltar ainda, c om o integran tes impo rtante s da

    corrente que ficou conhecida como Nova Economia Institucional, os nomes deOliver Williamson e Ronald Coase.

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    institucionalismo funcionalista25. Recupera-se, assim, a

    perspectiva de uma dinmica de reciprocidade entre

    Instituies e sistemas econmicos, de modo que as idias de

    North orientam-se no sentido de perceber que h umainterrelao entre o crescimento econmico sustentado e o

    fortalecimento institucional. A solidez das instituies

    constituiria precisamente um estmulo produtividade, ao

    investimento tecnolgico, ao aprofundamento da inovao

    e aqui seria preciso atentar tanto para as instituies formais

    (leis impostas pelo governo e instituies reguladoras) como

    para as instituies informais, que constituiriam normas e

    cdigos de conduta formados pela prpria sociedade26.

    Neste contexto, o Estado, ou o sistema poltico, tambm teria

    seu papel fundamental, no sentido de assegurar o ambiente

    de forma o e m anuten o d as institui es forma is.

    Uma tal abordagem da Histria Econmica, atenta s

    transforma e s instituc iona is e p oltica s que se d o no seio d as

    diversas sociedades, permitiria examinar e esclarecer as

    d iferen as de d esenvolvimento e c onmico que se e xpressam

    entre as histrias econmicas dos diversos pases, notando-se

    que, ainda segundo North, seria possvel explicar com base

    nas diferenas de desenvolvimento institucional a partir do

    sculo XIX os distintos nveis de desenvolvimento econmico

    alcanados pelos Estados Unidos em comparao com os

    25 importante ressaltar que, para North, as instituies incluem uma legislaocapaz de assegurar os direitos de propriedade e o cumprimento das obrigaescontratuais, bem como um sistema judicirio eficaz e diversas outras agnciasdestinadas regulamentao em diversos nveis da vida social. Importanteressaltar que, para a questo econmica, as instituies desempenhariam umpapel fundamental no sentido de atenuar a incerteza fator que afeta apossibilidade de transao econmica entre pessoas e que por isso geraria,concomitantemente, o que North denomina custos de transao. Instituiesfortes facilitariam a coordenao do sistema econmico ao reduzir os custos detransa o e ame nizar as incertezas (NORTH, 1990, p. 27).26 NORTH, Institutions, Institutional Change and Economic performance, p .36.

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    pases da Amrica Latina 27. Para a lm disto , uma out ra

    coordenada importante a ser aqui considerada refere-se s

    diferenas de recepo que cada sociedade historicamente

    localizada apresentou em relao implantao etransformaes de cada modelo institucional28. As

    explicaes proporcionadas pela anlise de North, por outro

    lado, vinculam-se s discusses e polmicas que se do em

    torno do pensamento econmico liberal contemporneo. Eis

    aqui, de todo modo, questes que mereceriam certamente

    um de senvolvimento ma is ap rofunda do em outro artigo .

    Por fim, para alm da complexidade dos processos

    econmicos como produtos de interaes entre aspectos

    para alm do econmico propriamente dito, h que se

    considerar a complexidade rtmica dos processos

    econmicos. Assim, outro aspecto fundamental sobre o qual

    deve refletir o historiador econmico que se lana a uma

    investigao refere-se ao questionamento acerca da

    sincronicidade de fatos econmicos relativamente a uma

    determinada unidade de observao. Deve-se considerar a

    possibilidade de que haja diferenas de ritmo entre distintos

    27 Para North, teria sido precisamente a fragilidade de suas instituies, desde osprocessos de Independncia, o que teria bloqueado para pases com amplosrecursos naturais como o Brasil, Mxico e Argentina a possibilidade de que estesviessem a se tornar naes ricas como os Estados Unidos da Amrica, nao

    extraordinariamente fortalecida no aspecto institucional. Por outro lado, asdiferenas de modelos institucionais implantados nas colnias remeteriam sheranas recebidas das prprias metrpoles, que j apresentavam profundoscontrastes perceptveis na comparao entre o modelo institucional ingls e omodelo institucional ibrico, este ltimo caracterizado por instituies ineficientes.Estes contrastes remetem, concomitantemente, a aspectos polticos que no limiteexpressam -se na c ontrapo si o e ntre o po de r absoluto d os reis ib ric os e o p od erde med ia o ec onmica exerc ido pelo Parlamento pa ra o ca so d a Inglaterra. Emuma palavra, na Inglaterra as finanas pblicas eram controladas por instituiesfortes, e no po r mera d ec iso rg ia.28 Vale lem brar ainda o diag nstico de North pa ra a histria do s pa ses da Amric aLatina, que desde a poca colonial teriam apresentado uma tendncia dapersonalizao das relaes comerciais entre indivduos, afastando estas

    soc ieda de s da c ria o de me c anismo s formais eficientes (isto , do fortalec imentoinstitucional).

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    setores econmicos de um mesmo pas ou regio, por

    exemp lo, em c ontraste c om a idia de que na ec onomia de

    uma determinada sociedade todos os seus elementos

    evoluem ou desenvolvem-se consoante ritmos idnticos.De igual ma neira , em se t ra tand o de estudos nac iona is,

    as diversas pesquisas realizadas por historiadores econmicos

    regionais tm mostrado que no possvel enquadrar os

    desenvo lvime ntos ec on micos nas d iversas reg ies de um pa s

    no mb ito d e um nic o p erfil eco nmico . Os antigos mode los

    explicativos que buscavam dar conta da totalidade da

    economia ao nvel nacional comearam, em muitos pases, a

    serem confrontados pela realizao de trabalhos empricos

    realizados ao nvel regional, que obrigaram a srias revises

    relativamente a modelos generalizantes que antes eram

    ad mitido s sem c ontesta o .

    Foi o que ocorreu no Brasil a partir dos anos 1980, e

    sob retudo, dos anos 1990, com uma srie d e traba lhos sob re a

    Sociedade Escravocrata no Brasil, onde foi confrontado o

    antigo modelo da Monocultura Agro-Exportadora voltada

    nica ou preponderantemente para o mercado externo 29, e

    na q ual o esc ravo d esem pe nhava um p ap el espe c fic o d e um

    tipo de unidade produtiva e de hierarquia que parecia

    dicotomizar as posies entre senhores e escravos30. As

    29 Em um artigo de 1985 no qual analisa a economia mineira da segunda metadedo sculo XIX, Robert Slenes chama ateno para a diversificao econmicadaquela regio, para a produo de gneros voltada para o mercado interno, epara o dina mismo da ec ono mia no -exportadora (SLENES, Rob ert. O s mltiplos deporcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no sculo XIX.Ca dernos ICHL/ UNICAMP, Campinas, n. 17, 1985). De igual maneira, no mbito depesquisas que evidenciam a diversificao da economia colonial, podemos citar,entre outros, o trabalho de Hebe Castro, que, ao analisar um municpio fluminensedo sc ulo XIX, p de pe rceb er pa ra os ma iores prod utores loca is uma diversific a ode produ o e spec ific am ente voltada pa ra o mercad o loc al (CASTRO, HebeMa ria Matto s de . Ao Sul da Histria. So Paulo: Brasiliense, 1987).30 Assim, po r exem plo, a tese d e M ary Ka rasc h sob re a vida dos esc ravos no Rio d e

    Janeiro (1988) j chama ateno para a presena importante de pequenossenhores que, na sociedade escravocrata, possuam apenas um ou dois escravos,

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    investiga es ao nvel reg iona l permitiram que se verific assem

    inmeros fatores importantes como a importncia do

    mercado interno, a eventual diversificao de culturas, o

    papel dos homens livres pobres na economia e na sociedadeescravocrata 31, as estra tg ias de ne go c ia o d os esc ravos no

    interior da sociedade que os oprimia e do sistema econmico

    que os incorporava como fora de trabalho 32. Para alm

    disto, estas mesmas monografias tambm revelaram toda

    uma diversidade inter-regional que os grandes modelos

    ec onmico s explic a tivos nem sempre p reviam.

    3. Fontes e Mtodos

    Relativamente s fontes e mtodos disponveis aos

    historiadores econmicos, destaca-se o notvel advento da

    Quantific a o e d a Serializa o c omo c am inhos pa ra o

    levantamento e anlise das fontes e dados da Histria

    Econmica. A noo de srie ser aqui fundamental. Umasrie um determinado conjunto de fontes estabelecido pelo

    historiador com vistas quantificao e serializao de

    dados, sendo estas fontes necessariamente assinaladas por

    o q ue pe rmitia co nfrontar o mod elo dicotm ico que a os escravos opunha ap enaso grande latifundirio proprietrio de inmeros escravos, ignorando todo umc ont ingente d e peq ueno s senho res (KARASCH, Mary. A Vida dos Esc ravo s no Rio d eJaneiro. So Paulo: Co mp anhia da s Letras, 2000). Pesqu isas co mo esta , e tamb m

    a d e Stuart Sc hwa rtz pa ra o Rec nc avo Baiano , c onfronta vam a id ia de q ue aproprieda de escrava ap resentava -se radica lmente co nc entrad a no na s mos degrandes proprietrios de terras (SCHWARTZ, Stuart. Padres de propriedades deesc ravos nas Amrica s: nova evid nc ia p ara o Brasil , Estudos Econmicos, XIII, n1,1983, p .259-287).31 Uma referncia j clssica para este aspecto a obra de 1969 produzida porMaria Sylvia de Carvalho Franco sobre os Homens Livres na Ordem Escravocrata(So Paulo: UNESP, 1994), certamente um trabalho pioneiro que j chamavaateno para uma questo que seria cada vez mais abordada nas dcadasseguintes.32 A esse respeito, tem-se um marco importante com o livro Cam pos da violnciade Slvia Lara (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988). Mais ainda, fundamental areferncia obra conjunta de Joo Jos REIS e Eduardo SILVA intitulada .

    Negociao e conflito: a resistncia negra no Brasil escravista (So Paulo:Co mp anhia d as Letras, 2005).

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    uma relao de continuidade e, freqentemente,

    abundantemente disponveis para o historiador (pelo menos

    em modalidades como a Histria Econmica e a Histria

    Demogrfica). Alm deste requisito de que as fontesconstitutivas da srie conservem uma relao de

    continuidade (isto , sem lacunas que afetem a constituio

    da srie), estas devem ser ainda homogneas isto , de

    uma mesma na tureza .

    No caso em que a srie ser utilizada com vistas a

    uma quantificao de dados, como ocorrer habitualmente

    c om a Histria Ec onmic a , terem os um enc ontro fortuito entre

    a Histria Serial e a Histria Quantitativa. Estas expresses no

    so sinnimas, embora possam estar relacionadas,

    particularmente quando estabelecem uma conexo com a

    Histria Econmica. A Histria Serial refere-se ao uso de sries;

    a Histria Quantitativa remete a um levantamento e anlise

    de dados. Esta, inclusive, freqentemente se valer das

    abordagens estatsticas, pois atravs delas o historiador

    buscar compreender uma grande quantidade de dados

    que se coloca sua disposio de forma globalizada,

    identific and o tendnc ias.

    O tratamento quantitativo em histria, no que se refere

    a uma exposio de suas tcnicas e recursos operacionais, j

    conta com algumas obras especficas que procuramdisponibilizar metodologias quantitativas para historiadores. Tal

    o objetivo, por exemplo, da obra de Roderick Floud

    intitulada Uma Introduo aos Mtodos Quantitativos para

    Historiadores 33. J em um mbito mais especfico de crtica

    33 FLOUD, Rod eric k. An Introduction to Quantitative Methods for Historians. Lond res :Methuen, 1973. Ver tambm CARMAGNANI, Marcello. La Historia Econmica enAme rica Latina. I : Situac in y mtod os. M xic o: Sep / Setenta s, 1972. p.253-264.

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    historiog r fic a , textos teric o-metod olg ic os importantes sob re

    Histria Serial e Histria Quantitativa seriam elaborados em

    meados do sculo XX por Franois Furet34 e Pierre Chaunu35,

    sendo que este foi autor de uma das teses maisimpressionantes sobre o Comrcio Atlntico, ao ter lanado

    m o d e uma qua ntida de monumental de fontes e d ad os que

    foram expostos em um trabalho que ocupa nada menos que

    onze volumes. Mas antes de chegarmos monumental obra

    de Histria Econmica e Serial de Pierre Chaunu, produzida

    nos anos 1950, ser preciso pontuar o princpio de tudo: as

    realizaes de historiadores econmicos como Labrousse,

    Simiand e Hamilton em torno dos anos 1930.

    Atravs destes auto res, a a plica o da Quantificao

    Histria Econmica faz a sua entrada na historiografia atravs

    do estudo da Histria dos Preos. Os grandes historiadores

    ec onmico s da p rime ira m eta de d o sc ulo XX mo stra ram q ue

    o historiador podia dispor, neste caso, de dois tipos de fontes

    basicamente funda menta is: de um lado as esta tstic as oficiais

    de preos de um determinado perodo fontes conhecidas

    como mercuriais para perodos anteriores e de outro lado

    os livros contbeis referentes aos registros administrativos de

    instituies, hosp ita is, moste iros, c asas nob ilirquica s, fa zendas.

    Para dar do is exem plos j c lssico s de usos destes dois tipos de

    fontes em um trabalho de Histria econmica de naturezaQuantitativa-Serial, Labrousse fez amplo uso das mercuriais em

    seu estudo sob re o movimento d e p re os na Frana d o sc ulo

    34 FURET, Pierre. O Q ua nt ita tivo em Hist ria in Histria novos problemas. Rio deJane iro: Franc isc o Alves, 1988.35 (1) CHAUNU, Pierre. Histo ire qua ntita tive et histo ire srielle in Cahiers VilfredoPareto. Ge nebra: Droz, 1964. n3. p .165-175. / (2) CHAUNU, Pierre. LHistoireSrielle in Revue Historique. Pa ris : PUF, 1970. ab ril-jun.

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    XVIII36. Earl Hamilton valeu-se de registros contbeis de vrios

    tipos em seu estudo sobre Moeda e Preos em Valena,

    Arago e Navarra 37. Entre estes dois tipos de fontes

    fundamentais as estatsticas oficiais e os registros contbeisao nvel da s unidades p rod utivas ou d e c irc ula o h a inda

    que c onsiderar uma srie de o utras fontes d isponve is Hist ria

    dos Preos, como documentos aduaneiros, jornais que

    apresentem em algum momento cotaes de determinados

    produtos, registros cartoriais que permitam apurar preos de

    bens de raiz, testamentos, sries de documentos de compra e

    vend a , e assim p or diante .

    Nos anos 1950, para alm da j mencionada

    contribuio de Chaunu com sua obra sobre Sevilha e o

    Atlntico, surge na Amrica do Norte uma corrente que se

    denominou a si prpria como Histria Quantitativa a partir

    dos trab a lhos de Kuznets e, j na Fran a a partir dos anos

    1960, com os trabalhos de Jean Marczewski38. Tratava-se de

    uma Histria Econmica preocupada em classificar ano a

    ano, para d iversos perodos histrico s, os fluxos aqui inc luind o

    tanto as produes como os intercmbios e os estoques,

    intencionando resumir a atividade econmica em seu

    conjunto. Por outro lado, o enfoque concentrava-se em

    aspectos como a demanda de bens e servios, a produo

    interna, a receita total familiar de uma sociedade, e outrosfatores que muitas vezes pareciam excluir a presena mais

    efetiva dos homens e das foras econmicas de base, de

    acordo com algumas crticas que partiram de setores

    36 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouve me nt d es prix et des revenus en Franc e d uXVIII sic le. 2 vol. Paris : 1932.37 HAMILTON, Ea rl. Money, Prices and Wages in Valencia, Aragon and Navarra,1351-1650. Ca mb ridge: 1936.38

    MARCZEWSKI, Jean. Buts et mthods de lhistoire quantitative in Cahiers VilfredoPareto. Ge nebra : Droz, 1964. n3. p .125-164.

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    historiogrficos contra esta Histria Econmica que era

    habitualmente realizada por economistas, mais do que por

    historiadores.

    Em 1957 constitui-se ta mb m a New Ec ono mic Histo ry ,uma corrente que compartilhava entre seus membros certas

    prticas e concepes acerca do que deveria ser a Histria

    Econmica. Esta Escola, desenvolvendo o que passou a se

    chamar Econometria, trouxe a novidade de trabalhar com

    contrafactuais simulaes histricas para verificar a

    importncia de determinados elementos no desenvolvimento

    de uma dada Economia abstraindo-os do processo e

    projetando como seria o desenvolvimento econmico sem

    tais elementos. Um exemplo pode ser visto com as obras de

    Fogel39 e Fishlow40, que para verificar a importncia da

    construo de ferrovias na histria econmica dos Estados

    Unidos produziram simulaes de uma histria americana que

    no t ivesse conta do c om a construo destas ferrovias.

    De qualquer modo, considerando todas estas correntes

    inseridas no interior da Histria Econmica que tem utilizado

    francamente a quantificao, podemos concluir que a

    serializao e a quantificao incorporaram-se

    definitivamente como aspectos importantes do metier do

    historiador econmico nos dias de hoje. Poucas vezes

    possvel explorar adequadamente esta rea sem algumdomnio destas possibilidades. Em seguida, examinaremos os

    vrios riscos, limites e aspectos a serem contornados ou

    evitad os em um t raba lho d e Histria Ec onmica .

    39 FOGEL, R. W. Railroads and American Economic Growth: Essays in EconometricHistory. Baltimore: 1964.40

    FISHLOW, A. Americ an Railroa ds and the Transforma tion o f the Ante -BellumEconomy, Harvard Ec ono mic Stud ies. Vol.127. Camb ridge, Mass: 1965.

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    4. Limites, risc os e obje tos privileg iados da Histria Econmica

    J menc iona mo s a lguns dos risc os ma is graves c on tra os

    quais devem se prevenir os historiadores econmicos. O

    primeiro deles aquele que ronda o trabalho de todos os

    historiadores, nas diversas modalidades da Histria: o

    anacronismo. Em Histria Econmica, o principal tipo de

    anacronismo fundador de todos os outros o de importar

    indevidamente para uma determinada sociedade

    historicamente localizada um sistema ou uma racionalidade

    econmica que so os de nosso tempo. A racionalidade

    ec onmic a tpica do mundo Ca pitalista, enquanto m od elo d e

    comportamento para os fatos econmicos a serem

    exam inad os, po de no te r nenhuma c ongrunc ia em rela o

    ao mundo histrico que o historiador est examinando. Assim,

    nada implica em que a obsesso pela busca do lucro seja

    um fator que v ditar as normas em todas as sociedades ousituaes histricas.

    Tamb m j menc iona mo s a iluso da sinc ronicida de

    ou seja, a idia de que em uma determinada economia

    nacional, por exemplo, todos os fatores progridem ou

    regridem juntos. Os fatores integrados em um determinado

    sistema ec onm ic o p od em ter cad a qua l o seu ritmo prprio.

    De maneira anloga, as diversas regies ou sub-unidades

    espaciais de um mesmo pas podem no se comportar da

    mesma maneira em uma determinada realidade histrica: a

    economia das pequenas unidades pode apontar,

    eventualmente, para especializaes econmicas e

    desenvolvimentos diferenciados. O historiador, aqui, deve

    esta r p ron to para se a fasta r da iluso do m od elo globa lizador

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    nic o , da ge nera liza o q ue busc a subm eter indevida mente

    todas as regies e prticas inseridas em uma determinada

    sociedade, como ocorreu na historiografia brasileira de certa

    poca, por exemplo, com a generalizao de um Modo deProduo escravista-Colonial baseado quase que totalmente

    em uma monocultura exportadora, sem considerar seja as

    espec ific idades de c ada reg io, seja os me rc ados internos ou

    as interaes entre os elementos internos da economia

    colonial da Amrica Portuguesa. Neste caso, a louvvel

    tentativa de entender a histria econmica brasileira como

    uma totalidade tpica de uma historiografia que vai desde

    Caio Prado Jnior nos anos 1930 at Ciro Flamarion Cardoso e

    Jac ob Gorender em temp os ma is rec entes41 te rminou por se

    confrontar com limites que s seriam contornados pelas teses

    de ps-graduao brasileiras que comeam a surgir nas

    ltimas dcadas do sculo XX, voltadas para as realidades

    loc a is dos perod os c olonial e imp eria l.

    Estes, enfim, so os riscos tericos da Histria Econmica:

    totalizao sem apoio emprico, reducionismos vrios. Por

    outro lado, agora que j discutimos algumas tcnicas

    presentes no trabalho de Histria Econmica, particularmente

    a Quantificao, poderemos discutir outros riscos. O primeiro

    deles o que poderia ser chamado de fetiche da

    quantificao, a saber, a quantificao por ela mesma, nocomo meio mas como fim. Uma Histria Econmica que se

    limite descritivamente a enunciar informaes quantificadas

    seria an log a , na histria narra tiva, me ra fac tua lidade. Uma

    curva de preos no pode ter valor por si mesma. Ao

    contrrio, seu valor estaria em servir para uma interpretao

    histric a que a c onsiderasse c om o m ateria l de anlise, e no

    41 Ver nota n42.

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    como finalidade a ser atingida. Ernst Labrousse, um dos

    pioneiros da quantificao na Histria, postulava que a

    quantificao, destinada a desvelar uma determinada

    realidade conjuntural, deveria contribuir para a realizao deuma Hist ria Tota l que esc larec esse a d inm ica das estruturas,

    das crises sociais e institucionais, e assim por diante. Quando

    ele elaborava uma curva de preos, tinha em vista

    compreender uma realidade scio-econmica mais

    complexa, para cuja compreenso a curva de preos

    funciona ria c om o um sina lizador p rivileg iado.

    Esta postura, de fundar toda uma explicao histrica

    complexa apenas no trabalho quantitativo ou, mais ainda,

    em um nico aspecto quantificado pode eventualmente

    conduzir a um problema diverso: o da supervalorizao da

    quantificao. Acreditar por exemplo que uma curva de

    preos pode dar conta da explicao de todo um

    desenvolvimento histrico-social, sem o concurso de outros

    fatores e recursos historiogrficos, pode produzir resultados to

    questionveis quanto a mera descrio quantitativa.

    Com relao aos objetos de estudo privilegiados pela

    Histria Econmica, dificilmente pode haver maiores dvidas.

    Estuda-se qualquer um dos trs aspectos envolvidos pelas

    atividades econmicas: a Produo, a Circulao ou o

    Consumo. O campo da Produo foi objeto de interesseprimordial da historiografia marxista. Neste sentido, aqui

    encontra o seu espa o o c onceito de modo de p rodu o ,

    que procura da r co nta de toda a produo d a vida m aterial

    de uma sociedade a partir da apropriao do trabalho

    humano e da utilizao dos meios de produo (matrias

    primas, instrumentos). Fora da teoria marxista, pode-se falar

    em sistemas de produo, o que apenas uma outra

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    maneira de se referir a este mbito produtivo que constitui o

    ponto de pa rtida da vida econmica de uma sociedade.

    Naturalmente que, notadamente com a historiografia

    marxista e outras preocupadas com a dimenso social daHistria, considera-se que o sistema de produo est em

    inseparvel interface com a organizao social e poltica de

    uma sociedade. Da que, para este tipo de histria

    ec onm ic a, impresc indvel ca minhar conjuntame nte c om a

    Histria Soc ia l e c om a Histria Poltica . Qua lquer g rupo soc ia l

    ocupa uma posio central ou perifrica, ativa ou

    parasit ria , c onsc iente ou a liena da no sistem a de p rod u o

    de uma sociedade, e todos estabelecem entre si relaes

    que, alm de sociais, so relaes polticas. Para o

    materialismo histrico, por exemplo, a Histria a histria dos

    modos de produo e tambm a histria das lutas de classe.

    Uma coisa est sobre-posta outra, pois se os modos de

    produo vo se desenvolvendo e derivando em outros no

    decurso de uma durao mais longa, a luta de classes aflora

    cotidiana e conjunturalmente sobre estas grandes estruturas

    em mutao. Percebe-se assim que, nesta linha de

    perspectivas, a Histria Econmica est em permanente

    inte rface c om uma Histria Poltica e uma Histria Soc ia l.

    Por outro lado, o enfoque do historiador econmico

    tambm pode se dirigir para a esfera da Circulao (ou dadistribuio). Sero estudados aqui os ciclos econmicos, os

    preos, as trocas, o sistema financeiro. O interesse no estudo

    dos ciclos econmicos, por exemplo, tornou-se muito

    marcante a partir da dcada de 1930, com historiadores da

    economia associados Escola dos Annales (mas neste caso

    ta mb m ao m arxismo) c om o Ernst Labrousse. Desta c a-se uma

    interface evidente da nova Histria Econmica com os

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    diversos desenvolvimentos na cincia social da Economia. Na

    verdade, o estudo dos ciclos, das conjunturas, da flutuao

    de preos e salrios (e tantos outros aspectos) tornou-se

    possvel a partir do dilogo com a Estatstica. Estes novoscampos da Histria Econmica tornam-se precisamente

    possveis com a quantificao com aquela abordagem

    que logo p assaria a ser cha ma da de Histria Qua ntita tiva.

    Fec hando o c irc uito d e interesses da Hist ria Ec on mic a

    aparece a esfera do Consumo, com objetos que podem ir

    desde os aspectos relativos aos salrios (poder de compra)

    at os hbitos de consumo dos vrios grupos sociais. Estudar o

    consumo estudar os modos como a riqueza apropriada

    pelos vrios grupos e foras sociais que se encontram em

    interao no interior de uma determinada sociedade. As

    tenses sociais, enfim, tambm se expressam nas relaes de

    consumo, nas ostentaes, nas carncias, nos contrastes que

    do a revelar a riqueza apropriada e que a colocam em

    contraposio riqueza produzida. Esta ponta do tringulo

    econmico, portanto, estabelece uma interface com a

    Histria Social.

    Por outro lad o, ta mb m da Histria Econmica estudar

    os modos ou estruturas de produo nas suas linhas gerais, no

    mbito de temporalidades diversificadas como a Economia

    Antiga, a Economia Medieval ou a Economia Capitalista.Neste campo, o interesse do historiador desloca-se das

    espec ific idades quantitat ivas para os aspec tos relac iona dos

    intera o entre Ec onomia e Soc ied ade, surgindo aqui as

    clebres e polmicas questes concernentes ao tipo de

    interao que nesta interface se produz (determinao linear

    e direta, determinao em ltima instncia, reciprocidade,

    relativa autonomia?).

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    5. A Histria Ec onmica no Brasil

    No Brasil, a Histria Econmica tem sido desde os anos

    1930 um campo bem freqentado pelos historiadores. Osobjetos e interesses de estudo se diversificam. Entre 1930,

    menc iona rem os, ao lad o d e outras tem tic as, as tenta tivas de

    elaborar modelos econmicos globais, que dessem conta de

    entender a histria econmica brasileira como uma

    tota lidade. Surgiram ent o grand es mo delos explic a tivos para

    a realidade colonial, para a sociedade escravista-colonial,

    para a economia no Estado Novo ou do perodo

    desenvolvimentista, atravs de autores que vo de Caio

    Prado Jnior, um pioneiro na rea, at historiadores,

    economistas ou socilogos como Fernando Novais, Celso

    Furtado, Ciro Flamarion C ard oso, Jac ob Gorend er42. As ltimas

    dcadas do sculo XX assistem ecloso de trabalhos mais

    monogrficos, interessados em perceber atravs de

    investigaes locais muitas vezes com o apoio da Histria

    Serial precisamente aquelas especificidades e

    complexidades que os grandes modelos explicativos

    deixavam escapar, por vezes em frmulas ou modelos

    reducionistas.

    Desta lavra, e das dcadas seguintes, so alguns dos

    mais importantes trabalhos sobre a economia brasileira nosseus perodos histricos. H desde as investigaes regionais

    ou mais localizadas sobre o perodo escravocrata, como a

    42 (1) PRADO JNIOR, Caio. Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo:Brasiliense, 1977. (2) NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do AntigoSistema C olonial. So Paulo: Hucitec, 1983, 2 ed. (3) FURTADO, Celso. FormaoEconmica do Brasil. So Pau lo: Comp anhia Edito ra Nac iona l, 1976. (4) CARDOSO,Ciro Flamarion. Observaes sobre o dossier preparatrio da discusso sobre omodo de produo colonial in PARAIN, C (org). Sob re o Feuda lismo. Lisboa:

    Esta mpa , 1973, p. 71-ss. (5) G ORENDER, Jac ob . O Escravismo Colonial. So Paulo:tica , 1978, 2 ed.

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    verdadeira reviso dos modelos generalizantes que, antes dos

    anos 1970, vinham send o e laborad os para a c om preenso d a

    economia brasileira no perodo colonial. Ao lado do j

    mencionado trabalho de Ktia Mattoso sobre a Bahia,traremos o exemplo de uma ob ra que rep resenta certam ente

    um marco para a historiografia econmica brasileira mais

    recente: o estudo de Joo Fragoso intitulado Homens de

    Grossa Aventura acumulao e hierarquia na praa

    mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830) 48. Esta obra, como a

    de Ktia Mattoso e outras, permitiu precisamente nova

    historiografia econmica brasileira examinar os ritmos internos

    da economia colonial, suas assincronias em relao ao

    mercado internacional, suas diversidades regionais, suas

    complexidades irredutveis ao desgastado e generalizador

    modelo que retratava a economia colonial como um sistema

    exclusivamente escravista-agro-exportador, diretamente

    dep end ente d os c entros europeus.

    Objetivando examinar as formas de acumulao que

    perpassam a economia colonial brasileira em fins do sculo

    XVIII e primeiras dcadas do sculo XIX, Fragoso elege como

    lcus privilegiado de observao o funcionamento do

    mercado do Rio de Janeiro e suas formas de produo. Mas,

    sob retudo, o q ue a qui se emp reend e m ais uma c ontribui o

    vigo rosa c rtica em rela o a os antigos mo delos explic a tivosda economia colonial brasileira, alcanada atravs da

    exposio de uma srie de novas complexidades que se

    tornam bastante claras a partir de uma bem fundamentada

    48 FRAGOSO, Joo. Homens de Grossa Aventura acumulao e hierarquia napraa mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1998.

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    pesquisa em prica amp arada em an lises seria is de um a va sta

    documentao.

    A p rimeira c omplexida de a ser exam inad a a d e q ue a

    economia colonial brasileira apresenta atravs dos nmeroslevantados um complexo jogo de ajuste e desajuste em

    relao ao ciclo econmico internacional. Ao invs de uma

    economia inteiramente atrelada ao ritmo internacional, o

    autor vem mostrar que ainda que esta sintonia se expresse

    em algumas oportunidades a economia colonial brasileira

    tambm tem seus ritmos prprios. A conscincia de que os

    ritmos coloniais no se ajustam inteiramente e em todos os

    momentos s tendncias internacionais j vinha sendo

    expressa atravs das pesquisas de Ktia Mattoso, que

    examinara atravs de uma sistemtica metodologia

    quantitativa os preos na Bahia do mesmo perodo,

    demonstrando seu comportamento de acordo com ritmos

    prprios49. Assim, e nquanto os p re os europ eus haviam sofrido

    uma inflexo geral para cima entre 1810 e 1815, at atingir

    neste ano a c rise mund ia l que inaugura um a fase dep ressiva,

    esta inflexo s oc orreria na Bahia a pa rtir de 1822.

    O objetivo de Fragoso seguir nesta mesma trilha:

    demonstrar que tambm o Rio de Janeiro tinha seus ritmos

    prp rios. O rec orte d a pesquisa situa-se no e nqua dramento de

    um ciclo de Kondratieff que tem uma fase A positiva entre1792 e 1815, e uma fase negativa (B) entre 1815 e 1850.

    Contudo, se por um lado verifica-se a sintonia entre uma

    expanso econmica brasileira e a ampliao do comrcio

    no plano internacional, j para o perodo seguinte (a fase B)

    esta sintonia no se verifica. Entre 1815 e 1817, ocorre uma

    49 MATTOSO, Ktia de Queiroz. Os preos na Bahia de 1750 a 1930 in LHisto irequantitative du Brsil de 1800 a 1930, C IVRS 1973, p .167-182.

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    crise mundial que se expressaria sob a forma de uma

    depresso econmica at 1850, afetando diretamente os

    preos do acar e do algodo. Conforme a interpretao

    clssica, a montagem da economia cafeeira apresenta-secomo uma resposta ao declnio destes produtos e

    c onjuntura ec onm ic a internac iona l de sfavorvel.

    O modelo confrontado e criticado pelo autor (e mais

    especificamente considerando o contexto especfico das

    transformaes que se do na passagem do sculo XVIII para

    o sculo XIX) o da economia colonial exclusivamente

    fundada na monocultura exportadora, destinada a fornecer

    excedentes para as economias centrais europias. Segundo

    este modelo, no haveria lugar na colnia para um mercado

    interno suprido por produes locais, nem para possibilidades

    de acumulaes endgenas, e tampouco para ritmos

    econmicos prprios, desvinculados das economias que

    dominavam o mercado internacional50. Contudo, so

    precisamente estes aspectos que Fragoso verifica, mostrando

    por exemplo que o comportamento da economia colonial

    no pode ser medido apenas pelo desempenho do setor

    expo rtad or. Assim, c ontra uma queda de preo s de produtos

    ligados ao setor exportador, como o acar branco, Fragoso

    demonstra uma realidade diferente relativa aos produtos

    coloniais de abastecimento que desembarcam no porto doRio de Janeiro51. Sintetizando a questo, o mercado interno

    colonial produz os seus prprios ritmos, que interagem de

    muitas maneiras com os ritmos ditados pelo mercado

    internacional, respondem ou resistem a eles. O mercado

    interno, portanto, uma rea lidad e e fetiva, imp ortante pa ra a

    50 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p .16-17.51 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p .20.

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    compreenso da histria econmica. Conforme as palavras

    de Fragoso, a e c onomia c olonial um pouc o ma is c omp lexa

    do q ue uma p lanta tion esc ravista , subm etida aos sabores das

    conjunturas internacionais52. todo um antigo modelointerpretativo, demasiad o simp lific ador, que aqui se questiona .

    Mais ainda, diante da verificao emprica de uma

    verdadeira flexibilidade da economia colonial que a permite

    confrontar-se queda de preos internacionais e retrao

    da exportao, Fragoso identifica a possibilidade de

    realizao de acumulaes endgenas no espao colonial,

    um dos objetivos centrais de seu estudo. Questiona-se,

    tam b m, as po stulad as rela es de estrita de pe ndncia que,

    segundo antigos modelos explicativos, estariam

    necessariamente presentes nas relaes da economia

    c olonial c om a Metrp ole.

    Vale ressaltar, por outro lado, que o trabalho de Joo

    Fragoso se refere mais especificamente virada do sculo

    XVIII para o sculo XIX um perodo de crise do antigo sistema

    colonial. Para os trs sculos anteriores de colonizao da

    Amrica portuguesa, decerto, o modelo de anlise

    econmica proposto por Caio Prado Jnior e seguido de

    perto por Celso Furtado e Fernando Novaes conserva

    considervel poder explicativo. De todo modo, as obras de

    Joo Fragoso e Ktia Mattoso foram aqui evocadas apenascomo suporte exemplificativo. Elas constituem sintomas claros

    de uma historiografia brasileira em pleno desenvolvimento e

    renova o, que se liberta de mo delos fec hados e irred utveis,

    que busca novas complexidades e que, sobretudo,

    em preende um trab a lho sistem tic o sob re a s fontes a partir do

    52 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.21.

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