história de vn contos e causos 2ª edição

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História de Venda Nova em contos e causos

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História de Venda Novaem contos e causos

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Este livro é resultado da 2ª edição do Concurso“História de Venda Nova em Contos e Causos”,criado com objetivo de incentivar a produçãoliterária da comunidade, resgatar e valorizar a ricamemória de nossa gente e transmitir a história deVenda Nova transcrita a partir da história oral edocumental, recontada por pessoas da região.

Belo HorizonteSetembro/2005

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Ficha Técnica:

Comissão Organizadora do Concurso

Ricardo EvangelistaTânia Cássia Cossenzo

Claudia Andrade de BarrosAndrea Lourdes RibeiroVicente Paula de Souza

Comissão Julgadora do Concurso

Ricardo EvangelistaTânia Cássia Cossenzo

Claudia Andrade de BarrosNelma Aparecida Vieira Gonçalves

Eliane Vieira de SalesJoão Batista Santiago Sobrinho

Correção de redação

João Batista Santiago SobrinhoJanete Dias Ribeiro

Gerência Regional de Comunicação Social Venda NovaSecretaria Adjunta Regional de Serviços Sociais Venda NovaSecretaria de Administração Regional Municipal Venda Nova

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Apresentação

O lançamento do primeiro livro “Venda Nova em Contos e Causos”tinha como objetivo estimular a pesquisa e fazer resgatar e registrar a históriaoral da região, rica em dados, porém sem registro.

Diante do sucesso e do engajamento de todos os profissionais daEducação e Cultura em participar da organização naquela edição, estamosagora apresentando mais um livro para valorização da cultura, do patrimônioe da memória local.

Foram realizados vários encontros entre professores, bibliotecários,pessoas da comunidade e integrantes da equipe da Educação e da Cultura,para levar adiante este projeto. De acordo com o regulamento foramselecionados 14 contos, dentre os 74 contos escritos pertencentes às categoriasA,B,C,D e E.

Entregamos à comunidade vendanovense um pouco de nossa históriae esperamos que este projeto continue criando asas e galgando espaços noâmago de nossas mentes para não deixar esmorecer esta brilhante idéia.

A Comissão

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Palavras do Secretário

Prezado(a)s belo-horizontino(a)s de Venda Nova,

As obras literárias nos encantam. Têm o dom de transportar-nos paraépocas passadas, antecipar o futuro, rever sonhos e sentimentos, inspiraratitudes, recordar-nos vontades e ocorridos tais, de modo que somente oescrever e o ler – estas formas mágicas de transmissão de vida – são capazes.

Quando à obra literária junta-se a descrição dos valores, conhecimentos,impressões, crenças e vivências de um povo, mais ainda esta literatura se tornaviva. Ao se acrescentar a esses ingredientes a história de uma região tão fértile plena de vida quanto é Venda Nova, tem-se uma tocante narrativa, podemosdizer, do mundo, que não é mais que a extensão dos quintais e ruas – visto apartir das experiências de uma gente de muito boa qualidade. Este é o caso daobra que temos em mãos - guarnecida do fato de ser acessível, em sualinguagem, para crianças e jovens.

A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, através da Secretaria deAdministração Regional Venda Nova, entrega aos belo-horizontinos estacoletânea, que completa a anterior, já publicada. Com ela, pretendemoscolaborar para o resgate histórico desta região que ostenta quase trezentosanos de ocupação humana conhecida. Ao mesmo tempo, buscamos incentivaros jovens, de todas as idades, a manter viva sua história – ação necessária paraa boa compreensão do presente e para a construção do futuro.

Em nome de nossa equipe e do Prefeito Municipal Fernando DamataPimentel, enviamos a todos os leitores nosso abraço. Até a próxima publicação!

Geraldo Magela Luzia da SilvaSecretaria de Administração Regional Municipal Venda Nova

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Caros leitores,

No processo de correção das histórias do II concurso “História de VendaNova em Contos e Causos”, procuramos respeitar, ao máximo, as escolhasescriturais de cada autor. Somente interferimos, delicadamente, quando oentendimento do texto ficou prejudicado e em questões de lapsos ortográficos,muito comuns no momento de escrever ou transcrever um texto.

Também reduzimos, quando necessário o número de parágrafos dealguns textos, no intuito de obter uma melhor coerência. Portanto, o quefizemos, de maneira alguma interfere nas idéias e proposições dos escritoresque nos deu a honra de compartilhar conosco suas histórias, as quais fazemparte do imaginário e da identidade do povo Vendanovense.

Obrigado.

Cordialmente,

João Batista Santiago SobrinhoEscritor, Mestre em Teoria da Literatura pela UFMG

e professor de Literatura na FAMINAS

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Prefácio

A vida da gente, de nossa família e de nossos antepassados é semprerica em aprendizados.

Recuperar a memória do lugar em que nascemos ou onde moramos éum bom caminho para preservar a cultura e as tradições de nosso bairro, denossa região. É ainda uma oportunidade de saber e entender como chegamosaté aqui. Conhecer nossas raízes nos ajuda a construir melhor nosso futuro.

Esta é a importância que vejo neste livro sobre a história de VendaNova narrada para crianças e jovens. As novas gerações têm muito a ganharquando ouvem o que dizem e ensinam os mais experientes. Estes, por suavez, prestam uma enorme contribuição à sua comunidade quando se dispõema colaborar no resgate de sua história. Ainda mais se a história é a deVenda Nova, que é mais antiga que Belo Horizonte.

É com grande alegria, pois, que apresento este belo volume ao público.Boa leitura!

Fernando Damata PimentelPrefeito de Belo Horizonte

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Índice

A LAGOA SECA.........................................................................................13

O DEMÔNIO DA QUADRA DO VILARINHO.........................................15

O HOMEM MISTERIOSO..........................................................................17

AS HISTÓRIAS QUE REALMENTE VALEM A PENA...........................19

UM CAIPIRA DIFERENTE........................................................................24

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS..........................................................................27

UMA ÁRVORE PODEROSA......................................................................29

TODAS AS SAUDADES DO MUNDO......................................................32

CONTO DAS ÁGUAS.................................................................................37

CONTOS DE VENDA NOVA.....................................................................39

SIMPLESMENTE MEMÓRIA ..................................................................42

O CASARÃO DO EUROPA........................................................................44

ETERNAMENTE VENDA NOVA..............................................................46

EXISTE ASSOMBRAÇÃO?.......................................................................51

VÁ À VENDA NOVA!................................................................................53

A VELHA VENDA NOVA..........................................................................59

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

A LAGOA SECA

Plínio Eliote da Silva Magalhães

Esta história aconteceu, não sei bem em que ano. Parece-me que

recentemente, antes das novas obras com a Lagoa da Pampulha.

Tudo começou quando a Prefeitura de Belo Horizonte iniciou o projeto

da limpeza da Lagoa da Pampulha. Para isto foi preciso secá-la. Meus pais

resolveram ir assistir a uma missa na igreja da Pampulha e chamaram minha

avó e um primo meu para irem com eles. Eles foram e assistiram à missa.

Chegada a hora de ir embora meu pai teve uma idéia. Sugeriu que todos

atravessassem a Lagoa da Pampulha para encurtar o caminho. Para dar a volta

pela lagoa demoraria muito tempo e como a lagoa estava seca, facilitaria a

travessia e pouparia tempo a eles.

Ao colocar o primeiro pé dentro da lagoa, tudo pareceu estremecer.

Parecia que todos iam afundar. Meu primo, apesar do medo, decidiu ir. E

andava rezando baixinho: “Pai Nosso, que estais no céu, santificado seja

Vosso nome! Venha a nós o Vosso reino! Seja feita a Vossa vontade! Assim

na terra como no céu...”

Até minha avó tremia. E tremendo, dando passo por passo, morria de

medo e também rezava: “Ave Maria, cheia de graça! O Senhor é convosco!

Bendita sois vós entre as mulheres! Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus!”

Estava até engraçado os dois rezando. Não era possível entender

nenhuma palavra do que eles diziam, pois tremiam tanto que as palavras se

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

misturavam umas com as outras. Eles esqueciam-se de algumas partes das

orações e retornavam ao início, tremendo e tremendo...

Quando eles estavam chegando à outra margem da lagoa, meu pai pisou

em um buraco e afundou o pé. Minha mãe tentava puxá-lo e não conseguia.

Começaram a desesperar-se. Todos tentavam puxar meu pai. De longe, a cena

parecia muito engraçada. Até que conseguiram arrancá-lo do buraco. Porém,

ninguém conseguia andar adiante.

Conseguiram sair do buraco, mas quem tinha coragem de tentar ir

adiante? Tiveram que retornar pelo mesmo caminho que vieram. Acabaram

por ter que dar a volta em torno da lagoa toda.

MORAL DA HISTÓRIA: “ Todo caminho fácil pode tornar-se difícil”.

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

O DEMÔNIO DA QUADRA DO VILARINHO

Geisiane Gonçalves Ribeiro

Aline Ramos Teixeira

Esta história aconteceu em determinada época, entre os anos de 1988 e

1989, na região central de Venda Nova, mais precisamente nas quadras do

Vilarinho. Ainda existe uma grande polêmica sobre o acontecimento e sobre

as quadras!

Tudo começou quando apareceu um rapaz aqui na região de Venda

Nova. O rapaz era alto, tinha cabelos loiros, olhos azuis, usava capa e chapéu

preto e sabia dançar muito bem.

As pessoas tinham o costume de pular Carnaval na quadra do Vilarinho.

Todas as noites de sexta-feira, sábado e domingo eram dias de festa, aqui em

Venda Nova nas quadras do Vilarinho.

O rapaz recém chegado à região de Venda Nova passou a participar

sempre das tais festas. Não perdia uma. Ele escolhia a menina mais interessante

e bonita da festa e passava a noite inteira dançando com ela. Ele tinha o costume

de pendurar sua capa preta na parede, sem nada para segurar e sempre

desaparecia misteriosamente. Estes fatos começaram a despertar a curiosidade

de todos.

Certa noite, o tal rapaz escolheu uma menina, como sempre, e dançou

com ela a noite toda. Em um determinado momento ela resolveu perguntar:

- Quem é você? O que você faz?

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Ele respondeu:

- Meu nome é Alex! Eu não sou deste mundo! Eu sou o diabo!

A menina começou a rir, pois não acreditava no que ele havia dito.

Pediu-lhe então uma prova. Ele disse que daria.

Ele sempre usava calçados que eram de formato redondo. Todo mundo achava

que fazia parte de uma moda que ele inventou. Pois, além daqueles calçados,

ele utilizava somente roupas pretas e diferentes, além de uma capa preta.

Então ele resolveu tirar o sapato. Ao tirá-lo, mostrou a menina o seu

pé. Era uma pata de bode. Nesse momento, o chapéu do rapaz caiu no chão. E

em sua cabeça havia dois chifres.

A menina ao ver tal fato desmaiou e nada foi provado. E quanto ao

rapaz, mais uma vez, misteriosamente, no meio do povo, desapareceu. Até

hoje se ouve falar nele, mas ninguém nunca mais o viu.

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

O HOMEM MISTERIOSO

Scarlat Fabielle Freire

Uma velha de oitenta anos, que morava numa casa de madeira com mais

cinco pessoas, conta que, antigamente, este local era uma grande e linda fazenda.

O dono da fazenda resolveu viajar deixando sua esposa e sua filha.

Viajou por três anos sem falar seu destino. O tempo passou, quando retornou

não mais encontrou a esposa e a filha. Perguntou à vizinha Dona Carmém para

onde elas foram e a vizinha disse que elas venderam a fazenda para uma

construtora e foram embora, havia dois anos.

O homem ficou espantadíssimo porque a fazenda era dele e não

poderiam ter vendido e nem poderiam ter ido embora. Ele foi rapidamente

procurar a tal construtora e exigiu a saída do dono imediatamente de lá, porque

o dono daquele local era ele.

O novo dono da fazenda levantou e disse que quem era ele para invadir

daquele jeito a propriedade dele e falar esse absurdo. E logo chamou os

capatazes, que levaram o homem até o portão e o jogaram na rua. Disseram

que se ele pisasse naquele local de novo iriam matá-lo e enterrá-lo sem caixão.

O homem, nem um pouco assustado, levantou-se e foi embora.

No dia seguinte ele pareceu lá na antiga fazenda, mas não entrou,

parecendo tramar alguma coisa. As quatro horas da madrugada, invadiu o

local ameaçando matar o dono da construtora. Na mesma hora os dois capatazes

chegaram por trás dele e cortaram seu pescoço. O homem morreu na hora, foi

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enterrado ao lado de uma árvore e de uma pequena casa de madeira (onde a

velha mora hoje). Depois de muito tempo esse homem começou a gritar e

gemer de dor e começou a aparecer escritas na árvore. Muitas pessoas do

bairro ficaram aterrorizadas com esse fato estranho.

A velha pediu ao genro para cortar a árvore. Diz ela que um dia a casa

tremeu toda e todos ficaram com medo, as netas se esconderam num guarda-

roupa. Depois de quinze minutos, tudo se acalmou.

Até hoje, ele continua aterrorizando os moradores com seus gritos e

gemidos às quatro da manhã.

A fazenda não é mais linda como antes, parece um pasto, continua

sendo da construtora. O nome da rua da fazenda é rua Horácio Terena

Guimarães.

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Histórias de Venda Nova

AS HISTÓRIAS QUE REALMENTE VALEM A PENA

Paula Fernanda de Oliveira Souza

Poderíamos, aqui, relatar diretamente a história de Venda Nova. Seu

surgimento, seu desenvolvimento, suas conquistas e tudo o que podemos ver

até hoje. Porém resolvemos resumir a história de uma única vida.

Lídia nasceu no bairro Céu Azul, no dia 7 de novembro de 1964. Mesmo

nascendo em um tempo de muitas repressões, Lídia trouxe a alegria e a

esperança de que sua família tanto precisavam naquele momento.

Em laços de ternura e aconchego, Lídia crescia e se desenvolvia, e

com seus olhos atentos e curiosos desvendava, a cada dia, os mistérios que a

vida colocava em seu caminho.

Mesmo no auge da sua infância, sempre fora uma menina responsável:

conseguia, com muita precisão, discernir o momento apropriado para suas

brincadeiras daquele dedicado ao cumprimento de suas obrigações.

E, a cada dia, crescia em sabedoria e conhecimento, sempre sabendo

poupar alguns deles para que a vida não perdesse sua sutileza e seu sabor.

Porém, mesmo tendo tantos conhecimentos e virtudes, havia algo que

Lídia nunca tentara desvendar: seu interior. E foi, exatamente com a chegada

da adolescência, que ela percebeu a necessidade de satisfazer suas dúvidas.

Lídia procurou respostas em livros, enciclopédias, dicionários, mas

tudo era vaidade. Em determinados momentos, desejou desistir da busca por

seu conhecimento, pois não havia ciência no mundo que pudesse satisfazer

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

seus questionamentos. E, como dizia nosso velho amigo Carlos Drummond

de Andrade:

“só resta ao homem

a dificílima dangerosíssima viagem

de si a si mesmo!

Pôr o pé no chão de seu coração

experimentar

colonizar

civilizar

humanizar

o homem

descobrindo em suas próprias

inexploradas entranhas

A perene, insuspeitada alegria

de con-viver.”

(O homem; as viagens – Carlos Drummond de Andrade)

Foi então, que ela percebeu que para conhecer a si mesma seria preciso

conhecer os seres que a ela se assemelhavam. E, pela primeira vez, Lídia olhou

a sua volta e notou que nunca havia descoberto os mistérios da vida.

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Neste momento, a pobre menina deparava-se com a missão mais

embaraçosa de sua vida: vencer a timidez. Assim, observava cautelosamente

quais pessoas poderiam corresponder a sua ânsia de se envolver com os que

estavam a sua volta.

Mas, para sua terrível sorte, Lídia se deparou com o monstro

que há no homem. A inveja, a ganância e a falsidade foi tudo o que

encontrou, depois de uma busca tão exaustiva e deprimente. E pela

primeira vez, desejou abrir mão de uma novo conhecimento: o homem.

Lídia viu-se tomada pela sombra. Seus dias se tornaram escuros e suas

noites, negras e melancólicas. Temia procurar a si própria e encontrar o mesmo

terror que encontrara no seu próximo.

Mas, em meio a um céu que a muito não cessava de nublar, surge uma

estrela que, com seu brilho discreto, porém glorioso, trouxe consigo uma

esperança.

Fernando era seu nome. Talvez nem tivesse tanta beleza quanto outros

rapazes que estavam a sua volta, mas seus olhos tão firmes, fixos e brilhantes,

como nenhum outro conseguia ser; e seu sorriso tão radiante, trazia consigo

toda a magia e a alegria que uma vida, mesmo sendo a de um simples rapaz

mortal, poderia trazer.

A muito, este jovem rapaz observava os passos de Lídia. Até que um

dia resolveu dar os seus próprios passos e tomar coragem para ir ao seu encontro.

Mas ao se aproximar daquela jovem tristonha, todas as suas palavras se

perderam restando apenas aquele intrigante olhar, que só ele sabia dar.

Lídia acabou deixando-se levar pela magia contida naquele olhar. Sentiu

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

uma leve brisa a lhe tocar a face, fazendo-a, assim, desviar os olhos de sua

envolvente leitura e notar a presença daquele ilustre rapaz. E fingindo tirar os

finos fios de cabelos castanhos que impediam sua visão, olhou para aqueles

olhos que transmitiam tanta intensidade e sentiu-se tomada pela velha e

conhecida timidez de sempre, que a impediu de acrescentar alguns segundos a

mais àquele momento que será, por toda a sua vida, inesquecível.

E notando a timidez que encobria o rosto de nossa heroína, o

caloroso rapaz lançou aquele contagiante sorriso costumeiro, o que a

deixou bastante surpresa, pois em sua busca pelo conhecimento da vida

humana, ela nunca havia presenciado um sorriso sincero.

No outro dia, naquela mesma praça dos ocorridos passados, a moça,

que já podia perceber em si a presença de um novo sentimento, resolveu esperar

para ver se encontrava aquele misterioso rapaz novamente. Horas se passaram,

até que uma fúria incontrolável subiu à cabeça de Lídia, e quando ela percebeu,

já estava atravessando a rua, e um carro desgovernado vinha em sua direção.

Fernando, que estava do outro lado da rua, sentiu-se possuído por um desespero

tão intenso que nem percebeu o quanto suas pernas se moveram para retirar

Lídia daquela situação. E, agarrando-a com pressa, atirou-a contra a árvore

que ficava no centro da praça, E deixando-se levar pelo impulso, atirou-se

sobre ela.

Os dois, que de tão assustados não conseguiam se mover, ficaram ali,

parados, estagnados, surpresos com aquela fatalidade. Seus corações, que de

tão próximos, batiam acelerados num mesmo ritmo, numa mesma condição.

Até que Fernando olhou para dentro dos olhos de Lídia e lhe agraciou com

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Histórias de Venda Nova

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aquele vagaroso sorriso. E a jovem, comovida, abraçou-o com força.

Casaram-se, foram felizes, e acima de tudo, se amaram. E desse amor

muitos frutos surgiram. Tiveram três filhos maravilhosos. E Lídia finalmente

descobriu porque antes não encontrava a razão da sua vida. Viu que,

simplesmente, não existe vida sem amor e quando se está sozinho.

Lídia tem uma história. Venda Nova é como Lídia, pois, assim como

ela, nossa cidade nasceu, cresceu, desenvolveu, buscou novos conhecimentos

e aprendeu que mais importante que tudo é saber se relacionar com seus

moradores. Alguns, que de certa forma, a desprezam, mas outros que, assim

como Fernando, a amam e fazem dela, um lugar maior e ainda melhor.

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Histórias de Venda Nova

UM CAIPIRA DIFERENTE

Rosana Pereira Sathler

Ariana da Silva

Meu nome é Jorge Almerindo Santos. Sou de uma família que veio do

interior de Minas para viver em Venda Nova no início do século XVIII. Já

tenho 79 anos, mas ainda me lembro bem de como meus antepassados

participaram da história de Venda Nova. As histórias de suas vidas vem sendo

passadas de geração em geração, sendo a mais importante de meu

“tatatata....tataravô”. Querem saber? Querem mesmo? Então me acompanhem:

- “Uai! Mas que lugar movimentado sô! Disse meu tata...tataravô” ao

chegar em Venda Nova. - Má é aqui memo que eu vô me ajeitá.

Ele era um caipira “daqueles” e com o passar do tempo, ambicioso em

mudar a vida das pessoas que viviam ali, deu início a um movimento que

revolucionou a história daquele lugar (pois ainda não era a região de Venda

Nova). Querem saber porquê? Esperem só mais um pouco que logo saberão...

- Qui lugar doido sô! Tem vendinhas espaiadas por toda parte... mais...

num sei não... Tá fartando alguma coisa... Uns tem muito e outros quase nada...

Esse lugar precisa crescê. Disse ele, um sonhador.

Para quem não sabe, naquela época, existiam muitas vendinhas em

que muitos boiadeiros que percorriam grandes distâncias descansavam e eram

também o ponto de desvio de bandeirantes que subiam pelo Rio das Velhas.

Com tanta movimentação, meu “tata...tataravô” teve uma grande idéia!

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

- Eu vô é aproveitá esse tantão de gente! Vô fazê o comércio

crescê! Vô também ajudá os que mais precisa. Intão eu vô acabá

primeiro com minha ignorânça e dá um jeito de trabaiá.

Meu “tata...tataravô” estudou, formou e se tornou um grande

comerciante. Agora, já uma pessoa culta, convocou secretamente as pessoas

pobres da região para uma reunião à noite em sua casa.

- Boa noite, obrigado pela presença de todos, iniciou o seu discurso. -

Não querendo tomar muito tempo de vocês vou direto ao assunto. Quero dizer

que já passei pela mesma situação que a de vocês e peço que me deixem

ajudá-los. Juntos vamos transformar esse lugar! Unam-se a mim e formaremos

a maior venda de todas, que se chamará Venda Nova.

E assim foi feito. Mas para que construíssem essa grande venda tiveram

que enfrentar vários obstáculos: realizaram greves, protestos por igualdade

social e finalmente a última e definitiva rebelião aconteceu. Uma batalha entre

trabalhadores e militares (que defendiam os nobres), onde muitos se feriram e

outros morreram.

A batalha estava empatada, porém, os trabalhadores não desistiam,

lutavam com muita bravura. E infelizmente no auge de tudo isso, Augustos

José Almerindo Santos, meu “tata...tataravô”, adoeceu no meio de tudo aquilo.

Ele contraiu tuberculose, doença para a qual, na época, não havia cura.

Quando os trabalhadores quase venciam os nobres, Augustos morreu. Mas

deixou um filho de 18 anos chamado Joaquim Eduardo Almerindo Santos, que

concluiria sua obra. Talvez ele tivesse a certeza de que seu filho não fracassaria.

Joaquim então passou a liderar o povo. Encarou com firmeza o seu

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

cargo. Lutava pelas pessoas, mas principalmente para vingar a morte de seu

pai. Queria completar sua obra tão sonhada que não conseguiu terminar. Então

o dia final chegou: todos estavam cansados, mas os trabalhadores perseveraram

até a última “gota” de força. Os militares já não conseguiam mais lutar e

desistiram. Os trabalhadores vibravam e festejavam pela vitória.

Depois de tudo isso, construíram a tão sonhada Venda Nova, que foi

dedicada a seu pai Augustos.

Conta-se ainda que todos faziam da venda um referência dizendo:

“Vamos parar na Venda Nova! Vamos parar na Venda nova!” Devido então a

essa expressão, aquele local começou a ser chamado de Venda Nova”.

Essa realmente foi uma história incrível. E histórias assim acabam

virando “contos”, como se nunca houvesse acontecido. Pessoas reais viram

apenas heróis fictícios. Mas não devemos deixar de acreditar que isso ainda

pode acontecer como no passado. Talvez nos dias atuais surjam pessoas com a

mesma coragem de Augustos, capazes de quebrar regras. E como será Venda

Nova no futuro? Pode continuar a mesma, mas também pode se transformar

em algo melhor do que já é. É só acreditar...! E então, gostaram? Eu posso

afirmar que essa é uma história verdadeira, mas...

Acreditem se quiser!

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS

Vânia Pereira Silvério

Moradora de Venda Nova há vinte anos, minha idade atual, fico

fascinada cada vez que ouço uma história ou estória de acontecimentos em

Venda Nova. É realmente fascinante desde as histórias, onde visualizo com

detalhes, do cotidiano de uma Venda Nova recém-descoberta, rodeada de matas

e um córrego Vilarinho de águas cristalinas (que emoção!), até as estórias

como a do capeta da quadra do Vilarinho, fantasmas das fazendas, casas mal

assombradas, entre outras. Todas constituindo a história de um povo trabalhador

e bem humorado que habita a antiga mas sempre Venda Nova.

É, com efeito, que todos conhecem ou viveram essas hilárias,

emocionantes e assustadoras histórias ou estórias. E eu, como legítima moradora

vendanovense, venho relatar minha ativa participação em acontecimentos que

constituem, também, parte nestas histórias contadas, sejam elas vividas ou

inventadas, por nosso povo.

Na rua Maria borboleta, no bairro Novo Letícia, há uma casa enorme,

dois andares, paredes sem reboco, quintal cheio de árvores com todo tipo de

mato dando ao lugar um verdadeiro ar sombrio, que provocava real excitação

em todos nós que acreditávamos que aquela casa era mal-assombrada. Diziam,

que todos os membros daquela casa haviam morrido, mas continuavam naquele

lugar. À noite, afirmavam alguns, já terem ouvido os passos dentro da casa e

ranger de correntes sobre o telhado. Muitos diziam não acreditar, mas não

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

arriscávamos, passávamos do outro lado da rua e a noite, o jeito era sempre

passar correndo.

A casa ficou vazia por vários anos. Hoje, uma família mora na parte

inferior da casa. Dizem que foi invadida. Não sei como conseguem morar lá,

talvez seja porque eles nunca ouviram essa nossa história ou estória. Vizinha

dessa mesma casa está o SESC de Venda Nova, outro lugar que afirma uma

funcionária, já ter visto um vulto de machado na mão entre as matas do SESC.

O tal fantasma do Sr. Raimundo Fernandes, antigo gerente do SESC, causa

polêmica até hoje tantos anos após sua morte.

Eu sou atriz e certa noite participava de um ensaio no teatro “Os

Lusíadas” do SESC, no meio do ensaio uma porta se fechou sozinha, verificado

por todos os presentes não havia passagem de ar para culparmos o vento. O

ensaio continuava apesar do medo e nesta mesma noite ouvimos ruídos como

se estivessem quebrando os banheiros da entrada, onde não havia mais ninguém.

É verdade que dizem que todos os teatros abrigam um fantasma, mas pode ser

bem verdade que o do Lusíadas seja o Sr. Raimundo, tentando nos pregar uma

peça neste dia.

Bom, verdade ou não, as situações foram vividas e o susto da hora faz

com que a gente acredite em qualquer coisa. Não afirmo que o fantasma do Sr.

Raimundo exista, mas confesso que não entro nunca nesse teatro sozinha. È

sempre melhor prevenir do que remediar.

História ou estória, sabe-se lá?

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Histórias de Venda Nova

Histórias de Venda Nova

UMA ÁRVORE PODEROSA

Florisbela Vieira Sales Serra

Minha protagonista é uma árvore mais que centenária, situada no bairro

São João Batista, em Venda Nova. Seu nome? Ela é conhecida, popularmente

por Pau d’óleo. É um exemplar de porte rijo e vigoroso, que venceu, através

dos tempos modernos, a batalha pela sobrevivência. Impera num lugar onde já

não há tanto espaço para vida verde. Muitos transeuntes que passam por ali

têm o prazer de olhá-la. Deleitam-se diante de tanta majestade. Oxalá pudessem

perceber que existe algo selvático naquela maravilha que produz um êxtase à

alma e, logo após, transforma-se em uma calma assustadora, dando-nos a

sensação de estar diante de um pedacinho do paraíso de Deus.

É assim o Pau d’óleo para mim. Pena que hoje viva solitário em meio

a uma confusão cinza e barulhenta, todavia é capaz de transmitir uma atmosfera

de paz podendo assim irradiar sensações preciosas aos moradores daquele

lugar.

É com grande comoção que relembro minha infância, cujos melhores

momentos passei perto dessa amiga poderosa. Relembro bem como vivia a

nossa heroína: rodeada de companheiros altos, fortes, rasteiros torcidos,

retorcidos dos mais variados tons de verdes e marrons. O “habitat” era mesmo

aconchegante, com as mais variadas formas de folhas agitando-se ao som

provocado pelo vento. Admirável era a quantidade de pássaros e borboletas

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Histórias de Venda Nova

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que iam e vinham agitando o lugar, envolvendo-o numa sinfonia indescritível.

Interessante, também, era poder observar os animaizinhos de asas que

viviam em derredor. Na época, eu não tinha nenhum interesse por eles.

Posteriormente, descobri que eram importantes, como eu também sou na

natureza. Convém constatar, eles faziam parte do cenário, embora não fossem

percebidos diante da beleza da minha amiga.

Vale lembrar que os fenômenos apareciam: a chuva caía, o sol brilhava,

o vento roçava pra lá e pra cá, e nada se perdia. Era como se cada milagre

celeste tivesse um papel preponderante na vida de cada ser presente; sobretudo

daquela beleza que a cada dia parecia mais próxima de um céu distante e

misterioso.

Nós, da Vila Santo Antônio, crianças felizes e saudáveis, normalmente

aparecíamos por lá. Chegávamos afoitas e logo o rebuliço começava. É claro

que os olhos buscavam primeiramente aquele Pau d’óleo místico: subíamos

nos galhos mais baixos e ouvíamos o vento agitar de mansinho o cimo da

árvore, escutávamos o grilo com seu canto estridente, brincávamos de esconder

nas moitas cerradas, deitávamos e admirávamos as folhas miudinhas da amiga,

embora respeitássemos a sua pujança e grandeza.

Engraçado! As crianças dessa época, eram tão inocentes que

procuravam tesouros escondidos no meio do mato. Mania estranha essa de

procurar na natureza coisas mágicas, que parecem apenas existir nos livros de

histórias de fadas!

Mas, como diz a Bíblia, há tempo para todas as coisas debaixo do céu.

Um dia a história mudou. Derrubaram o cenário da árvore e construíram um

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conjunto habitacional no lugar. Abriram estradas. Apareceram casas ao redor.

Vale dizer (se assim posso dizer): coisas do progresso! A nossa velha amiga

felizmente foi salva. Sobreviveu graças aos sentimentos ecológicos de alguns

moradores da região que lutaram pela sua permanência. O lugar progrediu aos

olhos dos homens, contudo, ela só teve perdas: perdeu os companheiros verdes,

os cipos, as borboletas. Nós, as crianças da vila, crescemos e não voltamos ao

lugar. Estamos ocupados com outros sonhos. A poeira e a fuligem do asfalto

estão sempre rondando-a. A violência urbana está próxima dos seus galhos.

Mas, mesmo assim, ela está lá, firme e forte. Foi preservada e ninguém

conseguiu apagar a beleza exuberante da minha protagonista.

Venda Nova deve se orgulhar de possuir em suas terras um tesouro de

tão grande valor, porque a história dela foi escrita nos corações daqueles que a

conhecem. Esse presente da natureza faz parte do nosso patrimônio cultural

porque a ação do homem impediu que o cimento e a pedra a derrubassem.

Enfim, ela resistiu ao tempo e ainda vive para mostrar a todos a importância

de proporcionar uma sombra, um aconchego, e, sobretudo, um ar puro para os

que vivem no planeta Terra.

Quem não a conhece, passe por lá e a contemple. Veja com os olhos do

coração. Sinta o que é imponência, altivez e tranqüilidade.

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TODAS AS SAUDADES DO MUNDO

Vilmar Luiz de Sousa

O sol se aproximava do poente. Chegaria ao distrito de Venda Nova à

noite. Em pequeno cálculo mental adicionou o tempo que levaria para arrear a

tropa ao que perderia pelo caminho: “No morro da fazenda de Joaquim Cândido

é difícil acertar a trilha no escuro. O gado fica ruminando no deitado na

estrada e não se move para a passagem. Os cachorros do Senhor Manoel de

Matos podem desviar a égua madrinha, além do Ribeirão Pampulha, um

atoleiro para quem erra a vereda de baixo”.

Apertava a charrua do último animal quando “Coroné Candinho” se

aproximou, garrou prosa e estendeu a conversa perguntando por quantos

conhecia em Venda Nova. Quis saber de Zé Cleto, do povoado, das famílias,

da igreja e ainda deu-lhe a nova de que Del Rei estava sendo visitada por

ilustres figurões, responsáveis pela construção da nova capital do estado.

Deixou o coronel ainda falando e soltou a guia da tropa. Num instante,

enfileiraram-se todos os cargueiros em direção ao norte. O velho já ia indagar

por detalhes quando percebeu que não dava mais tempo. Abílio havia passado

a perna no pelego, em apenas um golpe, e já esporava o cavalo em rápida

arrancada.

O polaque da cabeça de tropa soava distante. Era de confiança a danada

da madrinha. Sabia o melhor caminho para casa sem se desviar nas

encruzilhadas. As encomendas chegariam...

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A Serra do Curral ficava cada vez mais azul acinzentado brilhando de

um lado só, onde os raios fracos do sol se despediam. Não há qualquer outra

visão mais bonita. Nada o afastaria desse lugar e por temê-lo, já pensava em

quando não pudesse mais voltar.

Correu os olhos pelo balanço das cargas. Nada de irregular.

Provavelmente precisaria apertar a barrigueira de alguns. Evitava paradas

inúteis. Muitos pontos críticos já haviam sido vencidos. Creditou na conta de

Deus e agradeceu, mas o Ribeirão Pampulha prometia problemas. Não se

detinha nas dificuldades e se imaginava chegando, desarreando os bichos, dando

banho e colocando no pasto. As cargas poderiam dormir no tempo. Estavam

cobertas com bolsas de couro cru.

Já não identificava corretamente o lugar em que se encontrava. Contra

a claridade das estrelas viu um cruzeiro no topo da colina. Estava no

Cachoeirinha, certamente. Lembrou-se de que as almas de recém-nascidos,

mortos sem batismo, vagavam por toda noite. “Não há de ser nada”. Além do

mais, tinha uma oração para essas ocasiões:

“Valei-me mar sagrado

Valei-me Virgem Maria

Valei-me Jesus Cristo

Valei-me estrela guia

Valei-me cordeiro divino

Valei-me Jesus amado

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Que neste mundo veio

Logo foi alumiado

Da lua e das estrelas

Todo foi arrodiado

Varinha de condão

Força de Sansão

Valei-me

No alto daquele morro

Há um cruzeiro armado

Virtude que ele traz

Jesus crucificado

Quem esta reza rezar

Um ano continuado

Nesta vida será rei

Na outra será coroado

Três dias antes que morra

Aparecerá a Virgem Maria

Dizendo: filho, confessa seus pecados que deus mandou te buscar

Sua alma será salva

Posta em bom lugar. Amém.”

Sentia a alma em silêncio. Nenhum medo. De repente, os animais

começaram a se amontoar em círculo. O coração de Abílio bateu forte. Teriam

pressentido algum perigo. Não forçou-os com gritos ou estalos de soiteira

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como de costume. Algumas mulas se deitaram com a carga e levantá-las era

trabalhoso. Nada enxergava direito. Torceu para que não quebrassem parte da

carga. Desceu do cavalo e foi apalpando com uma mão e segurando a rédea

com a outra. Tateava ainda quando deu de cara com a porteira de varas com

que Manoel de Matos cercou um pequeno talhão. Sentiu alívio. Pelo menos

sabia que ali não haveria risco de atolar. A égua madrinha seguiu a trilha da

plantação e na verdade não houve as temidas dificuldades imaginadas.

Avistou ao longe um fogo aceso. Outros tropeiros acamparam nas

margens do Córrego Vilarinho para seguirem para o Rio das Velhas. Convidou-

os para a festa de Santo Antônio que se realizaria na capelinha e correu para

alcançar os animais que já estavam se misturando aos demais.

Naquele dia, dormiu em paz. As encomendas do patrão, festeiro de

Santo, estavam no celeiro e D. Lucinda madrugou para a missa da manhã

mexendo em tudo com leveza para não acordá-lo.

Naquela época, a leveza de D. Lucinda o irritava. No casebre deles

não faltavam sandices: a banca de lavar vasilhas fora feita de modo que se não

estivesse sendo utilizada, a água se desviaria num bambu lascado até o pote.

Assim era sempre fresca a água de beber. Não cansava de mostrar sua invenção

às visitas e fechar o causo com uma gargalhada totalmente sem dentes.

Dizia que cada pedaço de enchimento de seu rancho fora preenchido

com lutas e bravuras. Colecionava uma extensa lista de inimigos contra os

quais teve de lutar. Abílio desconfiava de que esta lista aumentava a cada

versão da história.

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Quando as pessoas iam embora, sentava-se na porta e olhava o caminho.

Parecia estátua nesta espera pelo filho.

O tempo passou e agora Abílio era um velho. Ou pelo menos se sentia

assim. O progresso tratou de dar fim ao seu ofício. Tentou algumas vezes

retomá-lo, mas não tinha mais idade nem alguém a esperá-lo. Fato é que Abílio

ajuntava em si todas as saudades do mundo. Tudo o que passou eram visões de

muitos lugares e de vários sentimentos que escaparam. Queira ver de novo

como era Abílio jovem. De onde partira e nunca mais poderia encontrar-se.

O consolo era que, pelo menos, fora longe buscar os sonhos e parecia

que se perdeu. O desejo precisava de dinheiro e o dinheiro estava lá. Ele,

garoto pobre, foi atrás, despedindo-se de alguns sonhos e fazendo outros.

Deixando-os sozinhos a esperar em cada lugar que passou um dia. Ainda não

voltou para retomá-los nas mãos. Em dias de falta de amor, ouve seus gritos lá

no fundo e então os lugares de Venda Nova, as pessoas, as situações e os

sentimentos se enchem de um brilho maior e de intensa ternura. Aí, ele percebe

que o ontem valeu a pena porque sonhou e o hoje está ganho por ter sonhado.

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CONTO DAS ÁGUAS

Luciana Cirino Lages Rodrigues Costa

A história que lhes conto aqui, nas seguintes linhas, é possível de ser

vista nos meses de dezembro a fevereiro, em um lugar chamado Venda Nova.

Eu moro nessa região desde meus 6 anos, e já vi muita água passar por

debaixo das pontes e por sobre a terra, e há alguns anos, por sobre o asfalto. É

bem verdade que, hoje, muitas pontes foram substituídas por galerias

subterrâneas, que nos impede de ver a água dos córregos, sejam limpas ou

sujas.

Quando pequena, esperava com ansiedade a época das chuvas, porque

assim eu poderia tomar “banho de cachoeira” formada pelas águas da enxurrada.

Claro que meus pais não poderiam saber disso mas, sempre tinha um irmão ou

uma irmã “x9” para “informá-los” dos meus feitos.

A água esteve muito presente em minha vida, especialmente em minha

infância. Lembro-me das vezes que eu ia pescar peixinhos com peneira, aos 8/

9 anos de idade, no córrego que hoje está coberto pela Av. Cristiano Machado.

Lá ia a menina com sua peneirinha na mão, olhando para os lados para fugir

dos olhos dos fofoqueiros ou procurando alguma companhia. Chegava ao

córrego sem preocupar-se com a qualidade da água, apesar de saber que onde

há peixe há vida! Até que um dia viu um sapinho que a assustou e fugiu de lá,

como relâmpago em dia de chuva.

Relâmpagos e trovões faziam a sonoplastia e os efeitos especiais nos

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dias chuvosos. Dentro de casa tinha também a contribuição do ritmo frenético

das goteiras, que aumentavam sempre que a chuva caía com sua potência total!

E eu que ficava querendo ir para a rua, curtir a cachoeira da enxurrada, mesmo

tendo cachoeira particular para cada um dos sete filhos!

Sete? É! Sete barcos de papel teríamos se cada um fizesse o seu para

navegar nas poças da água da chuva. Poças que secavam sempre que o sol

aparecia.

Sol e chuva...

O sol aparece nesse conto que lhes conto, nas inúmeras vezes em que

eu desenho um, bem bonito e sorridente, para colocá-lo no terreiro ou na rua.

Era na minha infância, como um ritual, uma oração. Era um pedido para Deus

trazer algo mais confortável e menos molhado. Afinal, de água eu ficara por

algum tempo, molhada.

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CONTOS DE VENDA NOVA

Sueli de Abreu dos Reis

Me lembro de anos atrás, eu gostava de ir ao campo de futebol, lá tinha

festivais e muitas brincadeiras. Tinha o pau-de-sebo que era engraçado, a

criançada subia e logo descia por causa do sebo passado na madeira. Meus

irmãos eram espertos e deixavam que os colegas subissem para limpar o sebo,

então eles subiam nas costas dos outros e pegavam a nota e isto era uma festa.

O jogo de malha e o perna de pau tinha muita animação. As pessoas

aproveitavam para vender coisas como: caneca de lata de massa de tomate e

leite em pó. Era uma tristeza lavar aquelas canecas, pois elas enferrujavam e

tinham que ser areadas com areia mesmo, que sufoco! Não me esquecendo da

fantástica queima do Judas, quando, na praça, era feita a leitura do seu

testamento deixando várias coisas como carroças, bacias, roupas, penicos e

outros pertences que eles roubavam a noite nas casas. Então era feita a entrega

para os proprietários, perto da capelinha que tinha na pracinha, onde hoje é

um bonito jardim.

Lembro-me também do chafariz. De dia, ficavam filas de pessoas com

latas para pegar água, pois não havia água encanada nas casas. Fazíamos uma

rudilha de pano e colocávamos na cabeça para equilibrar a lata d’água.

Ficávamos com o pescoço encolhidinho por causa do peso da lata d’água. O

chafariz ficava na rua Santa Cruz e lá tinha um bambuzal que muitos diziam

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ser assombrado. Eles afirmavam que lá aparecia um caixão no alto desse

bambuzal.

Venda Nova era muito animada. Tinha serenatas que os rapazes faziam

para as moças, as quadrilhas marcadas pelo Senhor João Gualberto, as contra

danças eram uma maravilha! A esposa do Sr. João não deixava ele dançar com

nenhuma moça, pois ele era muito assanhado. Ele tinha apelido de João da

Chica e sua esposa, Mariana Amélia de Azevedo, era conhecida como dona

Inhá. Que animação! A Folia de Reis dançava noite e dia e tinha que dar um

trocado para os dançarinos, senão eles não dançavam.

Os comícios na pracinha de Venda Nova eram assim: o partido da

vassoura de um lado e o partido do pintinho de outro. Ninguém falava em

quem ia votar, era sigilo.

Os parques que chegavam em Venda Nova eram uma festa. As moças

ficavam esperando que os rapazes mandassem tocar músicas para elas. As

moças ficavam passeando de braço dado de um lado para o outro e os rapazes,

muitos até de terno, ficavam nos cantos da rua mexendo com elas. Falavam

assim: “oi de cá, fala para a de lá, que eu quero conversar com a do meio.” A

gente fingia que não tinha visto. Tinha uma figura interessante na praça. Era

um senhor que se chamava tio Domiro. Mas, se chamasse ele de galo capão,

era pedra voando para todos os lados, era uma correria.

Venda Nova tinha também seu lado triste. Tinha os enterros que eram

conduzidos pelas ruas. O cortejo seguia ao som do sino da Igreja até chegar ao

cemitério. Venda Nova inteira ficava sabendo que tinha morrido alguém. Mas

também nascia muitas crianças pelas mãos de Dona Inhá, a parteira de Venda

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Nova. Chegava gente de toda a redondeza e ela montava na garupa do cavalo

e ia atender o chamado. Venda Nova não tinha maternidade e nem muitos

comércios. Havia poucas vendas e butecos, padaria era uma só. A lenha para

aquecer o forno era trazida por tropas de burros e o pão era levado de porta em

porta dentro de balaios. Os pães eram pãozinho ou pão de meio quilo.

Escolas, haviam duas: Santos Dumont, no centro de Venda Nova, e

Sinimbú, que era muito longe e tinha-se que passar no meio do mato e em uma

estradinha de terra.

Mas éramos muito felizes, conhecíamos toda a comunidade de Venda

Nova. Que saudades tenho da minha velha Venda Nova.

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SIMPLESMENTE MEMÓRIA

Lecy Pereira Sousa

Para dizer a verdade, não são poucas as pessoas que ajudam a compor

a história de uma região ou de um bairro. O bairro Lagoa em Venda Nova, por

exemplo, um dos mais simples da região, é pródigo em fatos dignos de nota,

que remontam à época do seu surgimento e foram vividos ou testemunhados

por vários cidadãos comuns, mas com uma memória extraordinária.

Apenas uma dessas evidências é o Seu Carlos, 35 de Lagoa, ex-policial

militar e eletricista aposentado. Trata-se de um desses cidadãos que atuam

nos bastidores, mas sem eles as coisas não andam e o bairro não se desenvolve.

Seu Carlos fala sobre um tempo em que, onde hoje viceja um campo

de futebol, reinava uma perigosíssima lagoa, verdadeiro cartão-postal e atrativo

para turistas onde, todo fim de semana, alguém morria afogado. Por se tratar

de uma época em que energia elétrica, água tratada e encanada, rádio e televisão

eram artigos de luxo, as mortes na lagoa eram acontecimentos que

movimentavam todo o bairro e, por mais macabro que pareça, tudo era motivo

de lazer. Afora as pescarias diárias, já que peixe não faltava. Traíras, lambaris,

sarapós e tilápias incrementavam a fauna de água doce do local. Para matar a

fome, muitos desses pescados eram fritados na famosa banha chapecó que

tinha cheiro insuportável.

Procurando contornar a frustração de não localizar o corpo de uma

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pessoa afogada no mesmo dia, os bombeiros criaram o mito de uma gigantesca

serpente marinha que habitava a lagoa e devorava os corpos. Os moradores

acompanhavam as buscas sem perder um detalhe. De repente, um dos

bombeiros emergia das águas e gritava: “Olha a cobra!” Era o suficiente para

que as pessoas corressem apavoradas.

Para se ter uma idéia da dureza daqueles tempos, as missas eram

celebradas praticamente no curral de uma fazenda, onde hoje está a Escola

Estadual Professora Adir Andrade Albano. Trabalho e compra de mantimentos

só era possível no centro de Belo Horizonte. Quanto ao ônibus, só o que atendia

o bairro Justinópolis, em Ribeirão das Neves. A situação era tal que se comprava

o frango vivo em BH, embrulhava-o em jornal e quando se chegava no bairro

Lagoa ele já estava mortinho, tamanha a demora nas filas dos ônibus e a lotação.

Seu Carlos, mesmo, foi protagonista de uma tragicomédia. Ao ir

trabalhar num ônibus abarrotado de gente, sua marmita ficou presa do lado de

fora da porta. Alguém, espertamente, passou a mão no rango. Naquele dia o

eletricista ficou com os nervos em alta voltagem.

No decorrer do tempo, muitas coisas mudaram naturalmente ou pela

intervenção humana. Muitas soluções foram encontradas e novos problemas

urbanos surgiram. Ainda assim, seu Carlos nem pensa em sair do bairro que

viu surgir ao seu redor.

Uma de suas mais recentes alegrias é que, após muitos anos, a antiga

rua Sete, local onde sempre morou, está sendo preparada para receber o

asfaltamento. Esse dia seu Carlos, cidadão comum, jamais esquecerá.

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O CASARÃO DO EUROPA

William Pascoal da Silva

Era idos de... Ah! Nem me lembro da data ao certo, só sei que era ali

que a gurizada vivia de roubar goiabas e nadar na lagoa ali existente. A casa

imponente (e abandonada) era o que mais impressionava a garotada e quem

por ali passava. Os mais velhos do lugar afirmavam, com convicção, que o

casarão era assombrado, pelo fato de um jovem donzela ter-se enforcado num

dos esteios da casa, e que a causa do enforcamento foi um amor não

correspondido.

A história daquele lugar era controversa, pois havia os que confirmavam

o suicídio da moça, por outro lado, outros afirmavam ter ali enterrado uma

mala cheia de ouro, fruto de um pacto do proprietário (que queria ter poder e

fortuna) com o “coisa ruim” e que o dito não cumprira o trato, ficando louco à

gritar pelos caminhos do lugar (era a explicação para os gritos ouvidos à noite,

sobretudo em noite de lua cheia). Isso só aguçava a nossa curiosidade de menino

em descobrir o exato paradeiro da tal mala, que seria gasta com alegria em

manivelas, linhas, papagaios, sacos de coloridas bolinhas de gude e carrinhos

de guia. Qual garoto não sonhara com tal diversão? Até mesmo gente adulta

ficava encantada com tais brinquedos de meninos! A ansiedade e a curiosidade

eram forças que nos empurravam para aquela aventura. O medo, ao contrário,

nos retraía da ação.

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Chegamos a montar um plano de ação (os filmes do Cavaleiro Negro e

do Zorro assistidos em preto e branco – por aquela renca de garotos – na única

televisão da rua, eram a nossa inspiração), para a semana seguinte, começamos

a sonhar com a invasão daquela imponente e medonha casa; só faltava ela, já

que sua lagoa e seus pés de goiaba nos pertenciam. Só a casa nos metia medo,

que em breve iríamos derrotar.

À véspera da empreitada, o final de semana parecera uma eternidade

de tão longo. No domingo à tarde, as estratégias do plano foram cuidadosamente

repassadas. A invasão tão sonhava, estava prestes a se concretizar. Dava “inté”

arrepio na gente. Os pais descobriram o plano e alertaram para não “brincá

com aquilo” que não se conhece.

Para nossa surpresa, na segunda-feira pela manhã, fomos acordados

por um barulho de estranhas vozes, ruídos de motores e martelos que

desmanchavam o casarão da fazenda, que até ali, fora o maior mistério de

nossas vidas juvenis e hoje conserva em nós lembranças e saudades daquele

tempo. Será que os fantasmas continuam por lá? Mistérios!....

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ETERNAMENTE VENDA NOVA

Liete Aparecida Bernardes de Paula

Houve um tempo... em que eu ainda não existia, mas Venda Nova

começava a engatinhar num povoado bem distante, onde havia uma pequena

venda bem simples, mas que vendia de tudo um pouco.

Era um povoado com poucas casa, mas cercado de muita natureza:

extensas matas verdes, que abrigavam diversos animais, pastos imensos para

sustento do gado. Tinha um córrego de nome Vilarinho, onde corria água

transparente e sem poluição. E nele... os moradores gostavam de pescar. No

meio deste povoado tinha um caminho; era uma estrada de terra por onde

passavam bois e boiadas, tropeiros e viajantes, que iam e vinham, trazendo

novidades do mundo de lá.

Os moradores, eram amigos de verdade uns dos outros, e assim,

formavam uma comunidade unida, que tinha o mesmo sonho: fazer daquele

povoado, um lugar que perpetuasse na memória do tempo e das pessoas. Mas,

o sonho do dono daquela pequena venda, era construir uma venda maior para

atender melhor os moradores do povoado e ter mais comodidade para acolher

os viajantes e tropeiros, que por ali passavam.

Passa-se o tempo... E no passar do tempo, a nova venda foi inaugurada,

para alegria de toda a comunidade. E depois deste dia, os moradores quando

saíam tinham o prazer de dizer: Vou na venda Nova. Venho de Venda Nova.

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Comprei na Venda Nova.... “ e como a voz do povo é a voz de deus”, o povoado

passou a ter um nome: Venda Nova. Era o primeiro passo de Venda Nova, e

que por três centenas de anos, ainda iria caminhar até chegar ao progresso.

E décadas foram passando e, em cada uma delas, Venda Nova viveu

um novo tempo, tempo de crescer, mudar, progredir e tempo de se transformar.

Casas começaram a brotar por toda parte, se misturando às árvores, mudando

o cenário de Venda Nova. Tempos difíceis foram vividos, pois não havia água

encanada, luz elétrica, nem rede de esgoto. Mas, mesmo assim, muitos lotes

foram vendidos, ao redor de Venda Nova, pois os compradores tinha certeza

de que um dia o progresso ia chegar. E assim... Venda Nova não parava mais

de crescer, novos comércios iam se abrindo, bairros iam surgindo ao redor e

moradores iam chegando para neles habitar. Pontes foram construídas e

pinguelas foram feitas sobre o Córrego do Vilarinho. Girando ao redor de

Venda Nova.

O meu bairro surgiu lentamente como um pequeno planeta. Sabem

que bairro era? Era a Vila Satélite composta pelas ruas Marte, Mercúrio, Urano,

Saturno e Vênus. O bairro tinha muitas árvores e áreas verdes, mas as paineiras

eram todas cor de rosa, parecia roça. As casas eram poucas e distante uma das

outras e das poucas que tinham, umas, só eram habitadas nos finais de semana

por famílias que queriam descansar da cidade. E, nos sábados, elas vinham

trazendo as crianças para desfrutar desse pedaço de Venda Nova. E aqui as

crianças jogavam bolinha de gude, pulavam amarelinha desenhada no chão e

caçavam borboletas. E à tardinha, as crianças da cidade brincavam de roda

com as crianças do bairro. E todas eram felizes.

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Mas quatro décadas se passaram, chega o progresso e tudo se

transforma; o Cine São Pedro vira praça da igreja. O Córrego Vilarinho vira

uma extensa avenida e o Shopping Norte passa a ser o norteador de Venda

Nova.

Sem fotos para registrar a evolução de sua história, Venda Nova quase

nada guardou de sua forma original, mas na minha memória, guardo os fatos

que vivi e outros de que ouvi falar:

− Na margem da Estrada Velha de Santa Luzia, onde é hoje o Pronto

Socorro de Venda Nova, havia um enorme pasto. Era o pasto do Moura e lá

havia um campo, onde uma multidão se concentrava para assistir a uma

partida de futebol. Seguindo em frente e virando a direita entrava-se na rua

Lagoa Santa onde morava e ainda mora minha amiga Ana Luzia, e lá havia

uma ponte, bem ali, onde hoje é o movimentado cruzamento da Vilarinho

com a atual Maçon Ribeiro, ex-Lagoa Santa. Passando esta ponte e

caminhando um pouquinho, chegava no posto telefônico, onde atualmente é

o prédio Hermes Pardine. Era uma casa onde gostava de ir com minha mãe

para telefonar. O telefone era um aparelho de cor preta com uma manivela, a

qual era girada insistentemente até dar linha e depois de muitas tentativas

conseguia-se falar. E em frente ao posto telefônico, onde hoje funciona o

UPA, era um terreno baldio, onde circo e parque vinham habitar para a

alegria e diversão de toda Venda Nova. E tinha também um cruzeiro para o

qual os homens tiraram o chapéu. Ele ainda continua lá onde a rua Maçon

Ribeiro e a Padre Pedro Pinto se encontram.

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Histórias de Venda Nova

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Lembro também de um fato que minha mãe contava, sobre uma cantora

mineira que fez um show aqui em Venda Nova e no dia seguinte, no seu

programa de rádio, fez um agradecimento à hospitalidade do povo da cidade

de uma rua só. Era Venda Nova e a rua Padre Pedro Pinto.

Ônibus só passava na rua Padre Pedro Pinto. Era um ônibus monobloco

movido a óleo diesel, seu barulho parecia ronco de avião e seguia a lentidão

da avenida Nossa Senhora da Piedade atual Dom Pedro I, rumo a Belo

Horizonte, soltando fumaça preta para o ar. Não tinha roleta, ao pagar a

passagem os passageiros recebiam do cobrador uma ficha colorida para, na

hora de descer, ser colocada numa espécie de cofre que ficava perto do

motorista.

Na rua Cascalheira com Padre Pedro Pinto, lembro que tinha a farmácia

Santo Antônio, nela trabalhavam dois farmacêuticos, um negro e um branco,

ambos de nome Antônio. No local onde havia esta farmácia, hoje é um açougue.

O Grupo Escolar Santos Dumont foi, por muito tempo, a única escola

de Venda Nova e funcionava onde hoje é o CESU. E agora funcionando em

outro local, é Escola Estadual Santos Dumont, uma das mais conceituadas da

região de Venda Nova. E eu... me sinto feliz porque fiz o primário lá.

Não podia me esquecer da loja Bisteni, que ficava na rua Padre Pedro

Pinto esquina com a rua que desce da Igreja Santo Antônio. Hoje só restam

muralhas que sustentam outdoor. Recordo também do bar do Paulo Japonês,

era o ponto de referência mais tradicional de Venda Nova.

Era fascinante ver as lenheiras passarem todas as tardes. Eram mulheres

brancas de pouca, muita e de meia idade. Usavam saias longas e rodadas e

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carregavam na cabeça feixes de lenha, iam uma atrás da outra, pareciam

formiguinhas. E eram chamadas lenheiras, porque vendiam lenha para as

pessoas de Venda Nova cozinhar.

A idade de venda Nova, com certeza não sei, o que importa é que ela

foi, é , e sempre será, eternamente Venda Nova!!!

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EXISTE ASSOMBRAÇÃO?

Lucília Alves Miranda

Foi com imensa alegria que recebemos a grande notícia! O circo do

Carequinha estava chegando no bairro. Minha irmã caçula e eu ficávamos

olhando de longe com uma louca vontade de ver o que se passava por baixo da

lona. As músicas animavam fazendo a alegria da criançada que marchavam

em direção ao circo. A bandinha tocava a canção “o bom menino”, do

Carequinha.

O cheiro da pipoca misturava-se com a poeira do “campinho” (hoje

panificadora O pão de todos, São João Batista).

Com jeitinho de moleque, despistamos o vigia, passamos por baixo da

lona, e deslumbradas conseguimos ver um número de trapézio. Estávamos

encantadas com a leveza e a coragem daqueles artistas. A criançada batendo

palmas, admiradas e contentes gritavam: Viva! Viva!

O palhaço Carequinha era mais bonito do que eu imaginava, e como

ele era divertido! De repente, uma mão bem grandona e peluda pegou-me pelo

suspensório do uniforme. Suspensa no ar, vi que minha irmã estava na outra

mão do vigia grandalhão. Aquele homem peludo nos jogou para fora do circo,

fazendo ameaças.

Resolvemos então, seguir a rua do cerrado, em direção à igreja do

padre Mathias. Tamanha foi nossa surpresa! Percebemos que não havia ninguém

na igreja, sendo dia de missa. Resolvemos então, apanhar flores perto do

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cemitério na rua da Matriz, mas desistimos porque ventava muito e tínhamos

pavor da assombração.

Não havia outro jeito de voltar para nossa casa na rua Olhos d’água,

sem passar pelo circo. Resolvemos então, enfrentar o medo e seguir a trilha do

Pau D’óleo ( lugar onde hoje está construído o conjunto Bolivar de Freitas ).

O vento estava cada vez mais forte. Vez por outra, passava por nós um

redemoinho levando folhas e gravetos e muita poeira para o céu. Parecíamos

ouvir a voz do vento com seus uivos e gemidos.

De repente ficamos “petrificadas”, com os olhos arregalados, fitávamos

um frade, com um cordão de São Francisco na cintura e um rosário na mão.

Passou por nós sem nada dizer, sabíamos que aquele lugar era mal assombrado,

mas nunca havíamos visto aquilo, assim de perto.

Não sei como foi, só sei que de uma hora para outra criamos asas nos

pés e voamos em direção à nossa casa. Passando pela rua do “Zé capeta” (rua

Pedra do Indaiá), encontramos uma procissão que ia em direção ao orfanato

Santo Antônio. O padre Mathias estava lá. Tremendo de medo, embolamos no

meio daquele povo até chegar em casa.

Naquele dia não conseguimos fazer mais nada, nem dormimos à noite.

No dia seguinte fomos ao catecismo no orfanato. Logo que terminou o

catecismo nossa catequista nos levou à capela. Começava a missa, quanto

entrou o padre. Darcy me cutucou, olhei e não contive o riso. A assombração

que vimos no Pau D’óleo era nada mais nada menos que o “Frei Otto”, capelão

do orfanato Santo Antônio.

Ficou-nos uma pergunta: será que assombração existe mesmo?

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VÁ À VENDA NOVA!

Eleciana Tavares da Cruz

Quando passamos na Rua Padre Pedro Pinto em Venda Nova, o vai e

vem das pessoas é tão grande e com tanta rapidez que não temos tempo para

nos perguntar se o centro deste distrito sempre foi assim. A resposta é lógica.

Claro que não! No entanto, quem foram as pessoas que contribuíram para o

desenvolvimento desta região? A urbanização rápida e recente permitiu que

ficassem apenas poucos vestígios da história de Venda Nova. E quem

possibilitará a reconstrução desta história serão os próprios moradores.

Naquele dia Pedrinho estava preocupado. Sua professora havia dado o

trabalho para a turma fazer uma investigação sobre Venda Nova. Não tivera

tempo, esteve ocupado demais com suas brincadeiras de criança. Seus pais

trabalhavam durante todo o dia e quando chegavam a noite mal queriam

conversa com o filho. “Tentar eu bem que tentei, mas não havia ninguém que

pudesse auxiliar-me”, pensava ele em voz alta. “Ah, vou dizer para a professora

que fiz o trabalho, mas um vento muito forte fez com que ele caísse em um

bueiro da Av. Vilarinho”. Naquele momento, acabava de atravessar a avenida,

subia a rua Cascalheira para chegar à rua Padre Pedro Pinto. Já estava de

frente para a escola, mas havia chegado muito cedo. Resolvera então subir

para a praça da igreja e aguardar até que desse a hora para entrar para a aula.

Sentou-se na porta da igreja que estava entreaberta. Havia apenas

algumas pessoas, que pareciam fazer orações. Sentiu um pouco de remorso

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quando lembrou-se que iria mentir para a professora. “Mas vai ser por uma

boa causa, afinal de contas preciso dos pontos para mudar de série. E depois,

se eu repetir não ganharei minha bicicleta”. Resolve entrar na igreja. Passa

pela água benta, benze-se e senta em um banco onde encontrava-se uma

senhora.

E foi assim que Pedrinho conheceu dona Josefina, uma senhora já de

idade que freqüentava a igreja todos os dias para fazer suas orações.

“Naquele dia encontrei-a no primeiro banco da Igreja de Santo Antônio,

fitava a imagem do Cristo crucificado a sua frente. Sentei-me ao seu lado e,

como de costumes, ajoelhei-me para iniciar minhas orações. Aquela senhora

segurava entre seus dedos um pequeno rosário e embora não proferisse qualquer

palavra, eu conseguia identificar em teus olhos uma grande fé. Parecia realmente

que conversava com aquela imagem que ali se encontrava. Ao notar minha

presença, começa a conversar comigo: “você me faz lembrar meu filho caçula.

Seus olhos demonstram travessura assim como os dele”. E eu deixo minhas

orações para me por a ouvi-la: “Pensas que quando eu vim para cá esta igreja

era assim, toda pomposa cheia de luxo? Nada disso! Era apenas uma capelinha,

tudo muito simples assim como o povo que aqui freqüentava. Não tínhamos

nada, mas a gente era feliz e o nosso povo tinha muito mais fé do que hoje”.

Parecia que naquele momento ela havia voltado no tempo.

“Quando cheguei aqui, trazia comigo apenas alguns utensílios

domésticos, meus cinco filhos e a esperança de uma vida melhor. Acabara de

ficar viúva, meu falecido marido, que Deus o tenha, (e fazia o sinal da cruz,

em respeito ao defunto) havia morrido na pedreira onde trabalhava no interior.

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E a única saída que tive foi vir morar em um pequeno rancho. Hoje, próximo

a garagem do ônibus. Meu cunhado viva lá sozinho e arrumou para que eu

pudesse morar com meus filhos. Restara-me somente uma pensão mensal para

manter-me e à minhas crianças. Aqui não tinha nada, a grande avenida era

tanto mato, que só deus vendo! Lenha? Tinha de sobra, que servia para nós

cozinharmos, aquecer água para nosso banho e fazermos fogueiras nas épocas

festivas dos santos. No meu casebre apenas encontrei um pequeno fogão à

lenha, uma velha mesa com algumas cadeiras e uma cama onde dormíamos eu

e meus filhos. Também, coitado do meu cunhado! Era pobre tanto quanto nós.

Cansado do sofrimento em que vivia aqui, foi-se embora para São Paulo na

esperança de melhorar de vida e deixou-nos o que possuía.

Existia uma casa, a mais luxuosa da região. Era a que ficava mais

próxima da capela. Mais abaixo tinha o brejo, onde podíamos retirar “tabôas”

com as quais fazíamos esteiras para a gente dormir. Através deste brejo somente

era possível passar pelas pinguelas existentes e, à noite, somente escutávamos

o coaxar dos sapos e os grilos. Corujas! Era sinal de agouro. A vizinhança era

pouca e afastada, mas isso não nos impedia de ser solidários uns com os outros.

E em noites de lua clara, reuníamo-nos ao redor de uma fogueira para lembrar

dos bons tempos do sertão. Cada um possuía sua pequena horta, sua criação

de galinhas e porcos.

Aos domingos, depois de ouvirmos o sermão do padre Pedro Pinto,

podíamos contar proezas: qual galinha dera mais cria, qual seria o próximo

porco a ser abatido. Já as crianças, faziam suas diabruras ao redor da capela e,

muitas vezes, eram repreendidas pelo vigário (este que, por sinal, contribui

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com o desenvolvimento da região), que não se agradava com a situação. Com

o passar do tempo, a casa que existia próxima da igreja foi derrubada e em seu

lugar foi construída uma pequena venda, onde podíamos encontrar de quase

tudo. Se fartava o açúcar nas minhas latas eu dizia pro Maurício, meu minino

mais véio: vai na venda do Sô Zequinha, ele liberô pra gente inté qui saia o

ordenado de seu pai. E nisso, todos que precisavam de alguma coisa

procuravam a venda. Se faltava o querosene para o lampião, dizia ‘vai à Venda

Nova’ que acha, a vela para a procissão: ‘vai a Venda Nova’, o sabão para a

lavadeira: ‘vai a venda Nova’ e assim surgiu o nome.

Depois da missa, todos se reuniam na Venda Nova para saber das

novidades que haviam chegado, as crianças se enfaravam de doces de todas as

espécies, os namorados marcavam seus encontros para os sorvetes. Os mais

velhos trocavam novidades da capital. Sô Zequinha, o vendeiro, era muito

bom para o Padre Pedro e sempre ajudava nas quermesses com alguma prenda,

que era sempre a melhor. Em frente à venda foi construída uma pequena praça.

Quando o padre Matias veio pra cá, a região ainda era muito carente e

buscávamos água em latas nos poços artesianos ou em bicas da região. Aqueles

que tinham melhores condições, compravam água, que era trazida da região

da Pampulha, em caminhões pipa. Então o padre abraçou a causa dos

vendanovenses e conseguiu, depois de muita campanha com os moradores,

que a Copasa trouxesse a água até as nossas casas. ‘aquele dia foi tanta alegria,

só Deus vendo!’

A região foi crescendo, ao lado da venda, que dera o nome ao lugar.

Mais tarde foi colocada uma farmácia, a Pharmacia do seu Antônio, podíamos

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encontrar todo medicamento para nossas mazelas. As crianças já podiam estudar

em escolas ministradas pelas irmãs de caridade e também ter sua iniciação na

catequese. Aos poucos, era possível ter um parque de diversões, circos e

cinemas. O desenvolvimento foi rápido, as casas foram sendo modernizadas.

As avenidas e o córrego do Vilarinho foram pavimentados.

Meus filhos cresceram, uns casaram, outros também foram embora

por este mundo de meu Deus. Do meu filho caçula, fiquei muito tempo sem

notícias. Houve uma época que as galinhas sumiam e não entendíamos o que

acontecia. Achávamos que eram as raposas que estavam comendo. Mais tarde

ficamos sabendo que havia um grupo que andava aterrorizando a região, e

soube que Firmino, meu filho mais novo, era o chefe do bando. Começaram a

praticar pequenos furtos e depois matavam suas vítimas, deixando-as sempre

com uma marca de tortura. Devido a tais atrocidades, mais tarde foram

denominados como Esquadrão do Torniquete.”

Pedrinho ao terminar de narrar o que havia ouvido, conseguiu deixar

bem claro para a sua turma e professora, que aquela era uma das histórias do

suposto nome Venda Nova. E que todos os lugares que aquela senhora narrara

ele conhecia muito bem, pois eram os locais por onde passava todos os dias

para ir para a escola. Como aquela senhora já era bastante idosa, calculou que

o surgimento da região se dera há mais de seis décadas atrás.

Hoje Venda Nova está desenvolvida, encontra-se de tudo desde bancos

até hospitais. No entanto, as pessoas passam umas pelas outras e sequer se

conhecem. O tempo é muito curto, pois todos estão sempre com muita pressa,

A Pharmacia agora virou Farmácia e o vendedor, não mais o farmacêutico,

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somente fica sabendo o nome do cliente pela receita. O “freguês” que agora

passou a ser cliente, era reconhecido pelo seu caráter e não pelo que possuía.

Dona Josefina acabou de relatar sua história dizendo que estava ali

agradecendo à Deus por que soubera que o filho agora estava morto, pois

preferia ver seu filho morto do que sendo um marginal. E dizendo que a

modernização encurta os caminhos para se conseguir desenvolvimento material,

mas distancia as relações humanas. Sequer conhecia-me, mas sentiu uma

imensa vontade de contar sua história. E que, apesar dos benefícios trazidos

pela modernização, era mais feliz em tempos passados.

Hoje no lugar onde foi construída a Venda Nova, existe uma imensa

loja de eletrodomésticos, o Ponto frio. No lugar da farmácia do senhor Antônio,

está a drogaria Santa Marta.

Pelo conceito da professora, que era irmã de caridade, Pedrinho não

tirara total no trabalho porquê faltou algo escrito. No entanto, ele carregará

por toda vida aquela história, porquê, a partir daquele momento, ele também

fazia parte dela.

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A VELHA VENDA NOVA

Lilian Aparecida de Lana

Manhã ensolarada de domingo, pessoas caminhando pelas ruas e

trânsito tranqüilo, com exceção do fusca verde que pára em um cruzamento

sem saber para onde ir. O velho que dirigia o veículo aparentava uns setenta

anos de idade e parecia muito perdido. O barulho da buzina dos carros mais

apressados o deixava ainda mais atordoado. Acelerou e alcançou uma rua de

menor movimento. Parou, desceu do carro, coçou a cabeça e olhou ao seu

redor. Sentado no meio-fio havia um garoto arrumando sua bicicleta.

- Garoto, você sabe como eu faço para chegar em Venda Nova?

- Mas o senhor já está em Venda Nova.

O velho mordeu o lábio inferior, pensativo. Caminhou até o garoto e

sentou-se ao lado dele.

- O senhor não é daqui?

- Bom, na verdade, eu já morei aqui, mas faz muitos anos. Mais de

trinta. Quando meu pai faleceu, no interior de Minas, eu tive que ir cuidar da

minha mãe que ficou muito doente. Agora, um ano depois dela também ter

partido resolvi voltar, porém, está tudo tão diferente...

- E o senhor não gostou?

Ah! Exclamou o velho pesaroso. Não sei te responder não. Sabe, no

meu tempo era mais bonito. Cheio de árvores e de muito verde. Não tinha este

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tanto de carro buzinando na cabeça da gente. Tinha até um córrego onde

pescávamos sempre.

- E tinha peixe grande lá?

- Claro! Disse o velho entusiasmado. Uma vez pegamos um peixe de...

de... cinco quilos, isto mesmo, cinco quilos.

- Que barato! Deve ser o córrego Vilarinho que minha mãe falou.

Agora ele está canalizado e é uma grande avenida.

- Que pena! E a venda do sô Bento, você sabe onde é?

- Eu nunca ouvi falar desta venda. Eu nem sei o que é uma venda.

- Não sabe? É o lugar que vende um pouco de tudo: arroz, queijo,

feijão, milho e muitas outras coisas. Antes só existia uma venda pequena e

velha aqui, aí o sô Bento construi uma venda grande e muito bonita. A notícia

se espalhou e pessoas vinham de outros lugares para comprar. Eles diziam:

estamos indo na venda nova. Todos passaram a comprar na venda nova. É de

tanto as pessoas dizerem que iam à venda nova que o lugar passou a ser,

definitivamente, chamado assim.

- E a venda velha fechou?

- Sim fechou. Disse o velho que havia se levantado e agora caminhava

em direção ao carro.

- Aonde o senhor vai agora?

- Vou voltar para o interior. Prefiro guardar a velha Venda Nova na

memória e com ela as boas lembranças deste lugar: os amigos, as pescarias e

principalmente as recordações de Maria, o meu grande amor. Carrego comigo

meu passado. Fique com Deus, garoto!

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O menino que olhava atentamente para o velho foi surpreendido pela mãe.

- Com quem você estava conversando, filho?

- Com aquel... O velho já havia desaparecido e, com ele, uma grande

história. O garoto voltou-se para a mãe e fingiu não se lembrar da pergunta.

Vamos mamãe, ainda temos que construir nossa própria história.

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