cartilha de causos

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Cartilhas criadas pelo Laboratório de Estética Ártemis com a ajuda de vários alunos e professores da UFSJ.

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Page 1: Cartilha de Causos
Page 2: Cartilha de Causos
Page 3: Cartilha de Causos

UFSJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REIREITOR

Valéria Heloísa KempVICE-REITORA

Sérgio Augusto Araújo da Gama CerqueiraPRÓ-REITOR DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS

Prof. Paulo Henrique CaetanoCHEFE DE DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

E MÉTODOSProf. Dr. Antônio Rogério Picoli

COORDENADOR DO CURSO DEFILOSOFIA

Prof. Dr. Fábio Barros SilvaCOORDENAÇÃO GERAL DO PROJETO

Prof. Drª. Glória Maria Ferreira Ribeiro (DFIME)

EQUIPE DE EXECUÇÃODaniela da Conceição Diniz

Débora Cristina ResendeEtienny Natya Fonseca F Trindade

Isabela Alline OliveiraLucas Bertolino dos Santos

Nilson Anderson Lemos

EQUIPE DE APOIOFernanda Senna

Monique Kelly da Cunha

AGRADECIMENTOSBalbino de Souza Rezende

José Omar JunqueiraJuvenal José de Sousa

Lazarino Francisco de SousaLuiz de Ávila e Silva

Maria Aparecida Sales RibeiroMaria José Ribeiro

Nagibe Francisco MuradRaul Nogueira do Nascimento

Sebastião Vicente da Silva

Page 4: Cartilha de Causos

A oralidade é a ferramenta, que, culturas no mundo inteiro e em todas as épocas, utilizam para exprimir eventos reais ou fictícios em palavras e sons. A denominação de Literatura oral é de 1881, tendo sido criada por Paul Sébillot com a sua Lit-térature Oral de Ia Haute-Bretagne embora a definição concreta tenha ocorrido muito depois. “La littérature orale comprend ce qui, pour Le peu-ple qui net lit pás, remplace les pro-ductions litéraires”.* Essa literatura são as estórias contadas nas fazendas e cidades por peões e por gente comum, são as can-tigas de roda ou de acalanto, músicas de domínio popular, poemas, lendas, jogos de adivinhações, entre outros generos. Contadas e recontadas de geração em geração, essas narrativas preservam a história de um povo, seus costumes, suas crenças, seus conheci-mentos. Segundo o professor Luís da Câmara Cascudo, as narrativas tradi-cionais não têm somente a finalidade de distrair ou fazer dormir as crian-ças, seu principal objetivo é passar os ensinamentos morais e religiosos do grupo. Mas também são resguardados outros aspectos da cultura popular como cura a partir de plantas medici-nais, hábitos alimentares, técnicas de plantio entre outros saberes e fazeres. O importante é que esse tipo de literatura ensina de forma difer-ente, pois quem aprende não aprende

de forma passiva, as expressões da lit-eratura oral são estimulam o raciocínio e a curiosidade, ela recebe o ensina-mento e reage a ele, dialoga com ele modificando-o. O conhecimento pas-sado pela literatura oral é do tipo mais imediato; absorvido rapidamente são os primeiros ensinamentos recebidos (através de pessoas mais próximas), que se usa para dar sentido ao mundo. Suas características são a im-pessoalidade e a atemporalidade isso, quer dizer que, nas obras orais não con-seguimos saber definidamente quem as criou e em que época. Dessa forma, elas se perpetuam no tempo, mas nun-ca da mesma forma. Muito mais que só lembrar-se do passado, a literatura oral quando contada é comemorada, revivida sempre de forma diferente, de modo que, quem as ouve pode reviver o passado no presente e refletir sobre sua ação futura. Cascudo indica que existe em toda e qualquer sociedade duas formas de cultura paralelas: a oficial e a não-oficial. A oficial é regular que acon-tece sempre em um lugar próprio (em nosso tempo são mais comuns nas escolas) ou ensinadas pelos sacerdotes e conta sempre com certo tipo de au-toridade em relação a quem aprende, a não-oficial seria justamente a literatura oral. Com isso faz-se extremamente necessário inserirmos a literatura oral no ambiente escolar, não no intuito de

transformá-la em oficial ou instituir a es-cola como o local de morada desse tipo de literatura, mas despertar no educando um sentimento de reconhecimento de sua própria cultura, fazer se afirmarem através dos costumes de seu povo e se enxergarem como agentes construtores e constituidores da realidade. Além disso, os contos e estórias populares, cantigas, charadas, entre outros são ótimas ferra-mentas para a transmissão do conteúdo, por seu caráter lúdico e interdisciplinar.

Nilson Anderson Lemos

* Linguagem e cultura: múltiplos olhares - Biblioteca Digital.

Page 5: Cartilha de Causos

SUMÁRIO

EDITORIAL6

8 APRESENTAÇÃO

14 BIOGRAFIA

19 NARRATIVAS

32 INTERDISCIPLINARIDADE

JOGOS E BRINCADEIRAS37

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS41

Page 6: Cartilha de Causos

EDITORIAL

A memória deve ser antes a dimensão de celebração de comemoração da própria ex-istência. Isto porque para podermos preservar o patrimônio cultural de um povo é preciso, an-tes de mais nada preservar a própria existência humana, a própria dinâmica de manifestação da vida. “O Senhor ... mire veja: o mais importante e bonito , do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam” ( Rosa, Guimarães. Grande Sertão: Veredas”).

Existência que está sempre se fazendo, se retomando desde o jogo do tempo que a constitui. Tempo que escreve a história na qual os destinos se cruzam, se entrecruzam e se re-alizam. A cada época dessa história a existência se retoma, se reapropria de si mesma, de seu ser, de um modo novo e sempre velho. Velho porque são sempre as mesmas possibilidades de ser e novo porque a existência sempre descobre um outro modo de se apropriar de si mesma, de interpretar-se. Deste modo, cada uma época da história se mostra como um modo possível

de elaborar a questão sobre a existência do homem. Existência compreendida desde a relação íntima e in-dissociável do homem com o seu mundo – mundo que se revela no comércio cotidiano com as coisas e com os outros. A cidade se mostra como a trama concreta na qual esse comércio com o mundo se deixa ver, tornando-o tangível. Trama que sempre de novo se renova, se utilizando sempre dos mesmos fios. Sendo assim,todo trabalho que vise a preservação do patrimonio cultural de um povo deve, antes de mais nada, viabilizar condições para que essa existência se mantenha. Por isso, em nos-sas reflexões sobre a Educação Patrimonial, estamos tendo sempre como elemento norteador o próprio cultivo da existência humana, ao propormos ações que celebrem (lembrem em conjunto, que co-memo-rem) a nossa condição que é a de estarmos sempre “afinando e desafinando”. As nossas cartilhas são uma tentativa de celebração desse nosso modo de ser cotidiano – do qual faz parte o ato de comer, de celebrar o divino, de contar estórias. É celebrar isso é deixar que as pessoas brilhem porque “gente é feita para brilhar” – seja o mediante o suor no corpo do trabalhador, seja no brilho nos olhos da criança ao perceber o caráter extraordinário do mundo, que faz com que ele possa sempre ser reinventado (rein-ventado pelas brincadeiras de fundo de quintal, pelo trabalho dos homens, pelo esforço e empenho dos meus iestimáveis bolsistas de extensão. Gente é para brilhar!

Glória Ribeiro

Existência, Memória e Patrimônio

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“O Senhor ... mire veja: o mais impor-tante e bonito , do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afi-

nam ou desafinam”

(Rosa,Guimarães. Grande Sertão: Veredas”)

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“Quando eu estiver velho, gostaria de ter no corredor da minha casaUm mapa de Berlim com legenda Pontos azuis designariam as ruas onde morei Pontos amarelos, os lugares onde moravam minhas Namoradas Triângulos marrons, os túmulos nos cemitérios de Berlim onde jazem os que foram próximos a mim E linhas pretas redesenhariam os caminhos no Zoológico ou no Tiergarten que percorri conversando com as garotas E flechas de todas as cores apontariam os lugares nos arredores onde repensava as semanas berlinenses E muitos quadrados vermelhos marcariam os aposentos Do amor da mais baixa espécie ou doamor mais abrigado do vento”.

Walter Benjamin, “Fragmento”, 1932

“Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paiçandu deixem meu sexo Na Lopes Chaves a cabeça Esqueçam O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a Liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaraguá Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, SaudadeAs mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro Diabo, Que o espírito será de Deus Adeus”. (Mario de Andrade, ao escrever sua Lira Paulistana (1944)

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Em difer-entes contextos so-ciais e em distintas épocas históricas o termo cultura foi, e vem sendo utilizado de diferentes for-mas, para falar dos hábitos de vida do homem, entretanto seu uso indistinta-mente carrega uma concepção ideológi-ca de seu significa-do. Dentre es-sas concepções de cultura podemos perceber que muitas pessoas associam a cultura a algo que se adquire ou que se pode obter. O perigo desse tipo de com-preensão e de que a cultura acabe as-sumindo um caráter de mercadoria na sociedade. Quando se pensa a cultura desde essa concep-ção, ela deixa de ser associada aos hábitos de vida do homem que lhe são naturais, e passa a ser associada à algo que o homem pode adquirir como um simples conjunto de bens. Adquirir cultu-ra significa o mesmo que poder possuir um carro, uma casa, ou ter uma rica bib-lioteca. Logo aque-

les que não podem ter capital financeiro o suficiente para en-riquecer seu legado cultural são tidos como ignorantes, pessoas sem cultura, que estão separadas das outras na socie-dade por essa con-dição. Daí surge os desníveis de cultura, que são fruto da di-visão cultural entre as pessoas. Sobre isso Alfredo Bosi em seu livro Cultura Brasileira: tradição/contradição nos diz:

“Quer dizer que as pessoas que tem cultura devem exibir certos tipos de comporta-mento, e devem ser poupa-das de certas ações. Logo aprece a divisão, os que tem cultura de um lado, e os que não tem cultura de outro. A cultura dá a aureola da difer-ença’’. (BOSI, Alfredo, 1987, pg. 35).

C o n s i d e r a r a cultura como um conjunto de coisas que se pode possuir é a principal carac-terística da chama-da cultura reificada, pois a cultura deixa de ser entendida como um processo que segue a linha sutil da existência humana, para ter seu significado con-cebido fora dessas vivências humanas. Logo o que antes se

remetia as relações sociais entre os ho-mens passa a ser associado a uma relação entre ho-mens e coisas. As-sim sendo, o que era uma ideia fruto da relação entre homem e a socie-dade, passa a ser apenas uma relação entre homens e ob-jetos. E a cultura que era a pura e simples expressão da minha condição humana, passa a ser vista como um objeto fora de mim.

“Na sociedade de massa as pessoas sempre estão diante de objetos da tecno-logia mesmo que não sejam a obras de arte. O fato delas não participarem da con-strução do objeto, porque são obra de uma indústria especializada, apesar de-las comprarem vender e, estabelecer relação de uso, elas não compreendem seu mecanismo interno, alien-ação. Eu possuo um objeto mais não compreendo como ele funciona”. (BOSI, Al-fredo, 1987, pg. 37).

Podemos ver expressa em várias esferas da sociedade essa concepção, pois a cultura está sem-pre ligada ao que tem que ser visto, apreciado, preser-vado e mantido tal como é sem que se leve em consider-

ação a relação dire-ta com o cotidiano, porque nesse tipo de compreensão do que seja a cultura, as coisas e ações do co-tidiano não são con-sideradas bens cul-turais.Cultura como ação e trabalho. Repensar o ideário de cultura di-fundido em nossa so-ciedade é essencial para que possamos falar de uma socie-dade democrática, e assumir dessa forma uma prática coerente. Para isso nossos esforços de-vem direcionar-se em desconstruir, em nosso espírito e na sociedade, a ideia de cultura como objeto. É necessário repensarmos essa terminação de cultu-ra como mercado-ria, pois ela é seg-regadora, e faz com que existam níveis de cultura e distin-ção entre aqueles que possuem cultu-ra e os outros que dela são destituí-dos. Por isso, ao re-pensarmos a noção de cultura desde a própria condição da existência humana, estaremos indireta-mente contribuindo para repensar a dis-tinção de classes.

APRESENTAÇÃO

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Isto porque desde essa concepção de cultura como mercadoria, tería-mos que somente aqueles que pos-suem bens cul-turais, seriam cultos;enquanto que aqueles que não possuem con-dições financeiras para possuí-los, não têm cultura. Para que torne possível redimensionar a noção de cultura é necessário con-siderar todos os momentos do pro-cesso produtivo e não somente ao produto (o bem) cultural que é seu resultado. A con-cepção que nos guia em nossas atividades exten-sionistas, é aque-la que desloca a ideia de cultura como mercadoria, para uma concep-ção de cultura que diga respeito dire-tamente à relação que o homem es-tabelece com o meio onde vive – meio no qual ele estabelece as relações sociais que propriamente o constitui. Portanto a obra (enquanto o produto cultural elab-orado nas relações sociais entre ho-mens) é aquela que exprime ex-atamente o próp-rio trabalho en-quanto processo e resultado. Um projeto

de cultura explicito através das dimen-sões da memória e identidade O termo cultu-ra diz respeito de ao conjunto de sa-beres, crenças, leis, costumes e todos os outros hábitos e mo-dos de vida de um povo. De origem lati-na, a palavra cultura deriva do verbo colo, significando, “eu cul-tivo”, referenciando particularmente, o cultivo do solo e da terra, sendo, portan-to, o cuidado que se mantinha com aq-uilo que se preten-dia cultivar. Quando se pensa em cultu-ra, pensa-se em um processo que vem sendo trabalhado há muitos anos, há séculos, que se re-cebe e se transmite de geração a ger-ação. Do mesmo modo a palavra cul-tus, diz respeito ao verbo colo, que traz em si a determinação de cultura que nos interessa, pois nos remete a importân-cia da memória no processo de con-stituição da identi-dade do individuo. A cultura é compreen-dida como o conjun-to de técnicas, práti-cas e valores que se devem transmitir às novas gerações. No uso cotidiano, fala-mos em memória nos referindo ao ar-quivamento de fatos passados, a “fac-uldade de reter as ideias, impressões

e conhecimentos adquiridos anterior-mente”. Dessa for-ma, lembrar é um fenômeno individu-al. Porém, podem-os compreender a memória fora de seu conceito usual, como um fenômeno coletivo; a memória como o fruto da con-strução coletiva e submetida a trans-formações e mudan-ças constantes. Se a cultu-ra é algo que se busca transmitir às novas gerações, e necessário que ten-hamos um projeto, um caminho a ofer-ecer as “novas ger-ações”, e isso acon-tece, na junção do que foi com o que é, e o que se pre-tende ser, da mesma forma, o ponto de encontro entre pas-sado, presente e fu-turo. Por isso, Bosi nos fala sobre o ver-bo cultus, não sendo somente a lembran-ça do labor pre-sente, mais do con-junto de coisas que possibilitaram que esse labor, se tor-nasse presente, e de um projeto implícito na sua realização. A respeito disso o his-toriador Alfredo Bosi em seu livro Dialé-tica da Colonização nos diz:

Quando os cam-poneses do Lácio chama-vam culta às suas plan-tações, queriam dizer algo de cumulativo: o ato em si de cultivar e o efeito de incon-táveis tarefas, o que torna o particípio cultus, esse nome que é verbo, uma forma sig-

nificante mais densa e vivida que a simples nomeação do labor presente. O ager cultus, a lavra, o nosso roçado (também um deverbal), junta a denotação de trabalho sistemático a, quali-dade obtida, e funde-se com esta no sentimento de quem fala. Cultus é sinal de que a so-ciedade que produziu o seu ali-mento já tem memória. (BOSI, 1992, p.13).

Nesse processo a identidade ganha seu lugar; pois, da mesma forma que nos iden-tificamos com um lu-gar marcado por uma experiência individu-al, também acontece com as experiências coletivas que ganham um aspecto marcante para um determinado grupo, fazendo com que indivíduos se iden-tifiquem e tenham coesão a partir de ex-periências e vivências comuns. No dicionário Aurélio, identidade é definida como: 1. Qualidade de idêntico; 2. Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profis-são, sexo, defeitos físicos, im-pressões digitais, etc.; 3. O as-pecto coletivo de um conjunto de característicos pelas quais algo é definitivamente recon-hecível, ou conhecido. (FER-REIRA, 2004, p.1066).

Identidade é aq-uilo que faz com que uma coisa seja exata-mente aquilo que ela é, e não seja outra coisa. Desta forma, a identi-dade só pode ser con-cebida em comparação com o diferente: “eu sei o que sou à medida que percebo que sou diferente, desse ou daquele outro.

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Assim também é possível a con-strução da identi-dade de grupo. Isto acontece quando percebo que di-vido com outras pessoas a mesma origem ou os mes-mos costumes. É esse sentimento de compartilhamento que faz com que eu me sinta integrante daquele grupo. Essa noção de identificação nos remete nova-mente para a ideia de cultura como “cultivo de”, pois eu cuido e busco man-ter e preservar aq-uilo do qual eu faço parte, onde consigo me perceber numa relação de semel-hança, no qual eu me reconheço.

Desenvolvimento

A Educação PatrimonialCom o processo de modernização das cidades, percebe-se a constante desvalorização e desconhec imen-to em relação ao patrimônio cultural. Portanto, desdeque em 1930 foi criado o Institu-to do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), uma nova percep-ção em relação a patrimônio, am-pliou os instru-mentos e meios de atuação, e estão diretamente aliados á criação das in-stancias estaduais

e municipais de preservação. O campo de educação pat-rimonial no Brasil tem uma produção acadêmica ainda incipiente, são mui-tas as publicações utilizadas em ações de educação patri-monial - e, em sua maioria, essas pub-licações, não levam em consideração o aspecto central da existência humana – que é o fato de ela estar num pro-cesso contínuo de realização que só acaba com a morte. Dentre os trabalhos acadêmicos que discutem o tema, a maioria trata de atividades pontuais e estão ligadas a uma análise circun-scrita de casos. Embora a ed-ucação patrimonial seja consensual-mente considerada como peça chave para uma política pública efetiva de preservação do patrimônio cultural, ainda é um tema pouco estudado, principalmente se tratando de práti-cas institucionais. Dentro da temática, a edu-cação patrimonial pode ser basica-mente entendida como um processo durável que busca levar os indivíduos a um processo acio-nado de conheci-mento, apropriação e valorização do patrimônio cultural,

com o intuito de que sejam agentes da preservação. Neste aspecto, devemos pensar o patrimônio de forma ampliada. As escolas ao longo dos tempos estão tendo sua es-trutura depredada, e desvalorizada dia após dia, pelos seus próprios ben-eficiários, com isso acreditamos que para a efetivação da Educação Patri-monial no contexto escolar devemos partir da realidade dos alunos, possi-bilitando sua partic-ipação nas soluções dos problemas.

“Chamamos de Educação Patrimonial o processo permanente e sistemático de trabalho educativo, que tem como ponto de partida e centro o Patrimônio Cul-tural com todas as suas manifestações.” (GRUNBERG, 2007, p. 02).

Cons idera-mos a partir do conceito de edu-cação patrimo-nial, que esse tipo de ação utiliza os bens culturais como fonte primária do conhecimento. Ge-rando um diálogo permanente entre os indivíduos e os bens culturais. Por-tanto, o maior de-safio é fazer com que o individuo crie o hábito de val-orizar e preservar o patrimônio cultural, pondo em prática a própria noção de cidadania. Fazendo com que as pessoas possam desenvolv-

er um conhecimento crítico e uma apropri-ação consciente de seu patrimônio. Um fator indispen-sável no processo de preservação sustentáv-el desses bens culturais é o fortalecimento do sentimento de identi-dade e lugar no espaço estudado. Uma das maiores dificuldades encontra-das em se estabelecer um ensino eficiente em relação a patrimônio é o complexo relaciona-mento entre a comu-nidade e os órgãos de preservação. O IPHAN na maioria dos casos é tachado como um in-imigo da sociedade, um dos principais mo-tivos deste impasse é o desconhecimento das pessoas sobre suas me-todologias e ações utili-zadas por esse órgão do governo federal. Acred-ita-se que com a reali-zação de boas práticas educativas voltadas para a comunidade, esse quadro pode ser revertido. Apesar da im-portância do tema re-tratado, na história nunca houve uma visão e atuação por parte do IPHAN e outros órgãos de preservação patri-monial que colocasse como política publica exclusiva visando a ed-ucação patrimonial, ou mesmo como um pro-cesso de importância equivalente ás demais atividades essenciais por eles desempenha-das (tombamento, fis-calização, identificação, etc.).

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Assim, a educação patri-monial vem sendo tratada apenas como atividade complementar no currículo escolar, que se reflete di-retamente no Ip-han, e isso ocorre devido a sua pou-ca estruturação e institucionalização no setor respon-sável pela edu-cação patrimonial. Além disso, a comunidade dá ao patrimônio cultural pouca importância por não possuir um e n t e n d i m e n t o aprofundado em relação aos bens culturais. Segundo o IPHAN:

“O Patrimônio material (...) é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos qua-tro Livros do Tombo: ar-queológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão di-vididos em bens imóveis como os núcleos urba-nos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens in-dividuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográ-ficos, arquivísticos, vid-eográficos, fotográficos e cinematográficos’’. (Disponível em: http://www3.iphan.gov.br/ bib-liotecavirtual/ ?page_id=283)

E n q u a n t o que o Patrimônio Imaterial: “O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração

e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em fun-ção de seu ambiente, de sua in-teração com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, con-tribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana’’. (Disponível em: http://www3.iphan.gov.br/bibliotecavirtual/?page_id=283, acesso em 11 de abril de 2011) .

Por sua vez, a UNESCO define como Patrimônio Cultural Ima-terial:

“(...) as práticas, representações, expressões, conhecimentos e téc-nicas - junto com os instrumen-tos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte inte-grante de seu patrimônio cultural”. (Disponível em http://www.un-esco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/cultural-heritage/, acesso em 13 de abril de 2011).

A proposta me-todológica de educação patrimonial foi introduz-ida no Brasil em 1983, balizada por um trabalho educacional já desen-volvido na Inglaterra, ao ser desenvolvido foi adaptada aos contextos patrimoniais locais. Em alguns estados este tra-balho está bem emba-sado e se solidifica, no Rio Grande do Sul, por exemplo, o tema esta sendo trabalho por Maria Beatriz Machado (2004), José Itaqui entre outros. Em suas pesquisas, eles enfatizam a importância de orientar os profes-sores do ensino funda-mental e médio de como trabalhar e aplicar esta metodologia no ambi-ente escolar. Apesar de estar sendo muito bem suce-dida a atividade reali-

zada no Rio Grande do Sul, esse é um processo que está ocorrendo de forma isolada repercutindo apenas nas regiões onde se desen-volvem. A proposta consiste na formação de grupos de pesqui-sas para desenvolver uma forma contínua de projetos e ações, que possam ser apli-cadas igualmente em todo o território brasileiro. Existem di-versas formas de se trabalhar com o patrimônio cultural dentro de sala de aula, articulando todas as discipli-nas do currículo es-colar, matemática, história, geografia e ciências podendo ser elaborados exer-cícios e textos rela-cionados à educação patrimonial. O im-portante neste caso é estabelecer a in-terdisciplinaridade, com isso os alunos podem desenvolv-er por si só ou jun-tamente com seus professores, ações dentro da escola que incentivam a multiplicação deste conhecimento. Um ótimo exemplo do que pode ser gerado é a construção de um memorial, um pequeno museu, ou ainda uma roda de “contação” de histórias, fazer ofici-nas e várias outras atividades, a partir destes métodos os alunos desenvolvem

uma visão critica. Ações realizadas conjuntamente por to-dos os professores den-tro das escolas podem gerar atividades muito interessantes - como investigar em forma de pesquisa monumentos da cidade em que mora isso ajuda a enfatizar o patrimônio coletivo e a memória coletiva, além disso, investigar a própria casa como patrimônio cultural através de desenhos. Essa programação diferenciada promove uma identidade em relação ao patrimônio coletivo e gera um re-speito em relação ao patrimônio cultural.

A transversalidade mantém uma relação com a interdisciplinaridade, bastante difundida pela Pedagogia. São maneiras de se trabalhar o conhecimento buscando uma reintegração de aspectos que ficaram isolados uns dos outros pelo tratamento das disciplinas (MORAES, s. d., p. 7-8).

A Educação pat-rimonial no ensino de história é outra forma que viabiliza formação de pessoas capazes de conhecer a sua própria historia cultural. Lev-ando a educação para este contexto nos faz perceber que os indi-víduos podem se difer-enciar um dos outros, e com isso podem vis-ualizar a própria vida, a própria cultura, a própria história e, con-struir a sua memória afetiva, além disso, sua identidade cultur-al.

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Page 12: Cartilha de Causos

O patrimônio cultural vem sofren-do grandes prejuízos com a modernização - um exemplo disso ocorre aqui em São João del Rei, onde durante os anos de 1999 e 2001,mui-tos casarões históri-cos foram derruba-dos para dar lugar a supermercados, a casas de venda de materiais de con-strução. Outro ex-emplo aconteceu em Araxá-MG, onde uma praça com mais de cinqüenta anos totalmente arbori-zada, foi substituí-da por um calçadão sem nenhuma ar-borização e sequer bancos para as pes-soas sentarem. Outra questão muito importante a ser trabalhada é a questão da identi-dade local nas es-colas de ensino fun-damental. Os alunos aprendem muitas coisas relacionadas ao mundo, e ao Bra-sil; mas, na maioria das vezes, o ensino é muito generaliza-do, fazendo com a história do município ao qual esses alunos pertencem, fique esquecida o que causa no individuo um afastamento em relação as suas ori-gens perdendo de vista o processo for-mador de sua identi-dade social. Muitos estu-diosos acham que é mais fácil trabalhar o patrimônio cul-

tural no âmbito dis-ciplinar das ciências humanas, por ela estar muito próxima do tema. Em outras áreas do currículo, o professor tem certa dificuldade, porque o tema não está presente em suas analises e reflexões cotidianas. Contudo, isso é uma limitação e não pode ser lev-ada ao pé da letra, com a criatividade dos pesquisadores e professores podem ser desenvolvidas atividades dentro da área de exatas, ciências biológicas, das ciências da ter-ra, etc..

Metodologia Através das atividades exten-sionistas desen-volvidas em nosso projeto (nas Oficinas de Educação Patrimo-nial realizadas na Es-cola Municipal Maria Tereza bem como nas oficinas realizadas no espaço do Fortim dos Emboabas localizado no Alto das Mercês) foi possível perceber que as pessoas que participaram dessas atividades não se reconhecem como agentes culturais dentro da sociedade da qual fazem parte. Isto porque elas reconhecem como patrimônio cultural, apenas aquilo que é registrado e recon-hecido pela chama-da cultura erudita. A distinção

entre cultura popu-lar e cultura erudita recorrente em nossa sociedade, produz efeitos catastrófi-cos na construção da identidade dessas pessoas. Mesmo ex-pressões fortes como o congado ou os ofí-cios e saberes passa-dos de geraçãoem geração, se tor-nam eixos de re-sistência de suas raízes na sociedade, não são reconhecidos como tal. Por isso se jus-tifica nosso trabalho de responder a de-manda da lei munici-pal n° 3.826/2004 que torna obrigatório o ensi-no de educação patrimo-nial nas escolas da rede municipal. Nosso trabal-ho é um tanto desafiador quando aos métodos, pois eles não podem ser os métodos tradicionais que são utilizados para o ensino da chamada cultura erudita. Pela caracte-rística mutável do patrimônio imaterial não é de nosso in-teresse resguardá-lo tal como é (como um objeto pronto e acabado), mas sim preservá-lo através de métodos que se sintetizam exclusiva-mente nas vivencias que A C ultura pop-ular nos oferece. Dar luzes para que ela por si mesma se mostre e se mantenha. Somos receptáculos dessas vivências. “Se o sistema so-cial é democrático se o povo

vive em condições digamos razoáveis de sobrevivên-cia ela próprio saberá gerir as condições para que a cultura seja conservada, não pela cultura em si, mais enquanto expressão da co-munidade de grupo e de in-divíduos em grupo’’. (BOSI, Alfredo, 1987, pg. 44). Atuando prin-cipalmente em São João del Rei e região o programa de ex-tensão “Embornal de Causos - segundo ano” é o desdobra-mento do projeto de extensão “Embornal de Causos a imagem e o som, a escrita, e o universo virtual como veículo de reg-istros e preservação do patrimônio ima-terial” sob a orien-tação da Dra. Glória Ribeiro, junto com os bolsistas de ex-tensão Isabela Alline Oliveira e Etienny Trindade, e a bolsis-ta atividade Daniela da Conceição Diniz.Como já foi men-cionado, o trabalho consiste atender á lei municipal n° 3.826/2004 que dis-põe sobre a criação do Programa Municipal de Educação Patrimo-nial em suas escolas municipais - buscando através do referencial teórico pesquisado, capacitar os profes-sores para o ensino da educação patrimonial dentro das escolas, voltado para a cultura regional e local.

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Page 13: Cartilha de Causos

Neste senti-do, o programa bus-ca utilizar as novas mídias e redes soci-ais como ferramen-tas trazendo para os professores do ensino fundamental a narrativa oral, sa-beres e fazeres em-butidos na cultura local. Nosso tra-balho também teve como produto a produção cartil-has para as escolas públicas de ensino fundamental, os bolsistas desenvolv-eram três cartilhas, uma de culinária, outra de causos e a outra de festas re-ligiosas; as quais ainda estão em processo de aval-iação – recebemos a avaliação apenas de uma das escolas da região, como poderá ser observado nos anexos do nosso relatório final. O material possui jogos, exer-cícios para serem aplicados dentro de sala de aula, tex-tos e imagens. Cada cartilha possui uma peculiaridade difer-ente: a cartilha de culinária contém re-ceitas de São João del Rei e região, relatos de como o queijo é fabricado a r tesana lmente , como são fabrica-dos os fornos a par-tir da utilização do barro e das fezes de gado; a cartilha de causos tem alguns causos transcritos

das entrevistas reali-zadas com moradores de diferentes regiões, além da bibliografia de cada um dos contado-res; e por fim a de fes-tas religiosas descreve manifestações religio-sas presentes em São João Del Rei. Foram realiza-das durante o ano de 2013 em parceria com o programa de Implan-tação do Centro de Referência de Cultura Popular de São João del Rei, promovemos atividade conjuntas como foram as oficinas do Inverno cultural, contando com cerca de 6 oficinas realizadas no Fortim dos Embo-abas entendendo que por ser tratar de uma população de risco , que entretanto man-têm uma tradição de cultura popular muita arraigada, nossos es-forços em atuar prin-cipalmente com as cri-anças se justifica pelo fato de as oficinas ser-em para as crianças do Alto das Mercês uma possibilidade de aces-so, diversão e espaço de lazer que a comuni-dade por si só não tem condições de oferecer. Também foram oferecidas Oficinas de Educação Patrimoni-al desenvolvidas dos dias 4 a 8 de Março de 2013 na Escola Munici-pal Maria Tereza, tendo como público atingido cerca de 150 alunos do ensino fundamental.

Conclusão Embora seja um trabalho mui-

to importante para a preservação do patrimônio cultural, as nossas ações ain-da se mostram como uma forma pontual de se aplicar a edu-cação patrimonial. Para que um trabalho como este possa se desenvolver de forma continua no ensino fundamental precisaríamos de uma parceria entre o IP-HAN, o governo fed-eral e os órgãos locais de cada município. O que observamos na analise deste conteú-do é que as ações são desmembradas umas das outras, não tendo assim um elo entre as iniciativas que já es-tão sendo produzidas e os órgãos públicos. No entanto, o IPHAN ainda é desor-ganizado em relação à educação patrimo-nial e não existe um interesse por parte dos professores em aplicar o assunto den-tro de sala de aula, criando uma barreira a este processo. O patrimônio cultural ainda se en-contra vulnerável. A ideia que se passa entre a juventude é que não existe o novo sem destruir o velho, e isso faz com que a memória caia no es-quecimento. Como podemos lembrar-nos do passado, das histórias contadas por nossos avôs sem pas-sar de geração a ger-ação? Na atual pós-modernidade o ser humano está sendo

tratado como ob-jeto, uma boa parte de idosos que fizer-am parte da história são abandonados e isolados em locais fora da área de con-vívio social intenso (como é o caso dos abrigos e albergues), e não paramos para pensar que através deles as manifes-tações culturais vem sendo passa-das de geração para geração. Portanto, ne-cessitamos de uma mudança radical em relação ao patrimônio, e por isso justificamos neste estudo a im-portância da educação patrimonial. Esta ação pode ser comparada como a “luz no fim do túnel” porque a partir dela os indi-víduos podem repen-sar a relação entre a memória e sua própria identidade social.

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Eu gostaria de contá uma estória pra vocês que... é estória ac-onticida mêmo, que a gente já viu comentário, que conteceu na nossa região. Uma estória até engraçada, uma estória que... Contando assunto de folia de reis, né? Na nossa região aqui, é um lugar que tem muito esse negócio de folia de reis. Então me contaro essa estória pra mim que ac-onteceu, mas que foi estória contada que aconteceu mêmo! E diz que tinha uma folia de reis, saiu numa zona rural, na região da cidade, por perto aqui. E chegô nessa região tinha muita casa pá... po povo cantá e ês já chegaro de tarde, nessa região.Chegô lá, cantô um pouco nas casa que tinha. Chegô numa fazenda dum fazendêro muito bão, e o fazendêro, a atividade dele era duas coisa: era tirá leite, tinha um gado de corte e tamém tinha um negóço de fazeção de pinga, né? Que sempre isso é uma das coisa que sempre tem mêmo. E o fazendêro fazia muitas qualidade de pinga e todas que fazia diz que era boa. Aí, a folia de reis chegô na fa-zenda desse fazendêro de tarde, fa-zendêro tamém muito bão, mandou o povo entrar pra dentro. E o currar da fazenda, o gado chegava até na porta da sala da fazenda. E aí o povo chegô, dexô a bandêra da folia de reis dês lá em riba da escada, dexô os instrumento e en-trô pra dentro da fazenda do home. Chegô lá, o fazendêro muito bão, dava um golinho da pinga pá pessoa porvá. A pessoa porvava, achava a pinga muito gostosa. Por causa que achô gostosa, bebia mais um golo daquela. Aí o fazendêro: - Tem mais uma, vem cá, o senhor exprementa essa. Aí dava um golim pá pessoa porvá. A pessoa: - Ah não! Mais um golo! Tomava mais um golim. Aí todo mundo ficô tonto e durmiu. Esqueceu os instrumento em cima da escada lá do currar, em riba da es-

cada que entrava na porta da fazenda, mas era dentro do currar. Esqueceu os instrumentos, ficou, esqueceu tamém a bandeira da folia de reis. E aí, bão. E durmiro e nem lembrô que tinha dexa-do os instrumento do lado de fora, nem bandêra e nem nada e durmiro. E quando ês cordaro no ôtro dia cedo, aí que ês foi recordá que tin-ha dexado os instrumento, a bandeira e tudo em cima daquela escada. E aí veio pá mó pegá os instrumento, pegá a bandêra pa cantá. Porque logo naquele lugar que tinha muita casa pr’ês cantá. Pegá os instrumento e a bandeira pá mode ês saí, pá mode cantá novamente naquela região. Aí chego lá, achô os instrumento tudo, mas num achô a bandêra - Mas cumé que faiz ué? Folia de reis, o primeiro da folia de reis que anda na frente é a bandêra.Cês tudo sabe disso, né? A bandêra que anda na frente. Marungo pega a bandei-ra e vai na frente. Aí não achô a bandêra, - Cumé que faiz, cumé que num faiz pá cantá, seno que num tinha bandêra? E ali no meio tinha um rapaiz novo, ansim, muito inteligente. Olhou pr’um lado, pr’outro e viu aquele pauz-inho que carrega a bandeira. Aí falou pro outro: - Ô fulano! Pega aquele pauzim lá e leva aquele pauzim mêmo. Nóivaivê o que dá pra fazê memo. Aí a pessoa pegô aquele pauz-inho e saiu na frente. Chegô na primeira

casa, aquela pessoa que tinha mandado ele levá aquele pauzinho, chegô na primeira casa e cantô pá dona de casa assim, ó.(Cantado)

“Ai da licença dona de casa,não pergunte o que aconteceu,

dá esmola pr’esse pau,que a bandêra o boi cumeu.”

É... aí é a estória: o gado cumeu a bandêra e não tinha bandêra mais. O rapaz falou: - Não, leva esse pauzinho mêmo! Levou o pauzinho, chegou lá imprevisô desse jeitinho, cantando bem. Cantô direitinho que era pá móde dá esmola pr’aquele pau por que não tinha bandêra. Porque sempre pede esmola é pra bandeira, né? Agora, não tinha bandêra, ia dá esmola pá quem? Aí pidiu pá dá esmola pr’aquele pau, que a bandei-ra o boi tinha cumido. Essa ai é a estória de folia de reis, o povo fala que é estória de mentiroso, né? Mas, diz que isso aí foi aconticido mêmo!

BIOGRAFIA Sebastião Vicente da Silva, mais con-hecido comoTiãozinho da Lavrinha, nasceu em 1957 em Luminárias – MG e é lavrador. No vídeo a seguir ele narra um divertido conto.

SEBASTIÃO VICENTE DA SILVA

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UM CASO DE FOLIA DE REIS

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Eu gostaria de contar uma estória pra vocês: - É estória acontecida mesmo, que a gente já viu co-mentário, que aconteceu na nossa região. Uma estória até engraçada, uma estória que... ...Contando assunto de folia de reis, não é? Na nossa região aqui, é um lugar que tem muito esse negó-cio de folia de reis. Então me con-taram essa estória, que aconteceu, mas foi estória contada que acon-teceu mesmo! E diz que existia uma folia de reis que saiu numa zona rural, na região da cidade, por perto aqui. E chegou nessa região existiam muitas casas pro povo cantar e eles já chegaram de tarde. Chegaram lá, cantaram um pouco nas casas que exis-tiam. Chegaram na fazenda de um fazendeiro muito bom, e o fa-zendeiro, as atividades dele eram duas coisas: era tirar leite, tinha um gado de corte e também tinha um negócio de fabricação de pinga, não é? Que sempre isso é uma das coisas que sempre tem mesmo. E o fazendeiro fazia muitas quali-dades de pinga e todas que ele fa-zia dizem que eram boas. Aí, a folia de reis chegou na fazenda desse fa-zendeiro de tarde, fazendeiro mui-to bom, mandou o povo entrar. E o curral da fazenda, o gado chegava até na porta da sala da fazenda. na porta da sala da fazenda. E aí o povo chegou, deix-ou a bandeira da folia de reis deles lá em cima da escada, deixou os instrumentos e entrou para dentro da fazenda do homem. Chegou lá, o fazendeiro muito bom, dava um golinho da pinga para a pessoa provar. A pes-soa provava, achava a pinga muito gostosa. Porque achou gostosa, bebia mais um gole daquela.

Aí o fazendeiro: - Tem mais uma, vem cá, o senhor experimenta essa. Aí dava um golinho para a pessoa provar. A pessoa: - Ah não! Mais um gole! Tomava mais um golinho. Aí todos ficaram tontos e dormiram. Esqueceram os instrumentos em cima da escada lá do curral, em cima da escada que entrava na portada fa-zenda, mas era dentro do curral. Es-queceram os instrumentos, esquecer-am também a bandeira da folia de reis. E aí, bom. Dormiram e nem lembraram que tinham deixado os instrumentos do lado de fora, nem bandeira e nem nada. E quando eles acordaram no outro dia cedo, aí que eles foram recordar que tinham deixado os instrumentos, a bandeira e tudo em cima daquela escada. E aí vieram para pegar os instrumentos, pegar a bandeira pra cantar. Porque logo naquele lugar que tinha muita casa para eles can-tarem. Pegar os instrumentos e a bandeira para eles poder sair para cantar novamente naquela região. Aí chegaram lá, acharam os instrumen-tos todos, mas não acharam a bandei-ra. - Mas como é que faz ué? Na folia de reis, o primeiro da folia de reis, que anda na frente é a bandeira. Vocês todos sabem disso, não é? A bandeira é que anda na frente. O Marungo pega a bandeira e vai na frente. Aí não acharam a bandeira. - Como é que faz, como é que não faz pra cantar, sendo que não tinha bandeira? E ali no meio tinha um rapaz novo, muito inteligente. Olhou para um lado, para o outro e viu aquele pauzinho que carrega a bandeira, aí falou para o outro: - Ô fulano! Pega aquele pauzinho lá e leva aquele pauzinho

mesmo. Nós vamos ver o que dá para nós fazermos. Aí a pessoa pegou aquele pauz-inho e saiu na frente. Chegou na primeira casa, aquela pessoa que tinha mandado ele levar aquele pauzinho, chegou na primeira casa e cantou para a dona- de- casa assim: (Cantado)

- “Ai, da licença dona- de- casa, não pergunte o que aconteceu,

dê esmola para esse pau porque a bandeira o boi comeu.”

É... aí é a estória, o gado comeu a bandeira e não tinha bandeira mais. O rapaz falou: - Não, leva esse pauzinho mesmo! Levou o pauzinho, chegou lá im-provisou desse jeitinho, cantando bem. Cantou direitinho que era para dar esmo-la para aquele pau por que ele não tinha bandeira. Porque sempre se pede esmola é para a bandeira, não é? Agora, não tin-ha bandeira, ia dar esmola pra quem? Ai pediu para dar esmola para aquele pau, porque a bandeira o boi tinha comido. Essa ai é a estória de folia de reis, o povo fala que é estória de mentiroso, não é? Mas, dizem que isso aí foi aconte-cido mesmo!

Transcrição

Sebastião Vicente da SilvaFotos: Débora Resende

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Um fato que foi acontecido no município de São Bento Abade, num lugar chamado de... Sítio do Tira Côro. E... sete irmão Silva, daí brigô, tava brigano com os irmão Januário Garcia e João Garcia por causa de... duma divisa de terra, de gado, entrava no terreno do outro. E nas discussões dês lá, entre os... os irmãos Silva e o João Garcia, aí, ês pegô o João Garcia e... os sete irmão marrô ele numa árvre, numa figuêra e tirou o côro dele vivo. Aí o Januário Garcia fêis um juramento, um juramento de... de ma-tar os sete irmão Silva e cortá a orêia e fazê um colar de orêia do... dos sete irmão Silva. Aí o quê que ele fez: na época não tinha, num existia delega-cia no município aqui de São Bento e Luminária. Aí é só em São João dé Reis que... que tinha delegacia e del-egado. Aí foi em São João dé Reis e contô o caso pro delegado que tinha acontecido. Aí o delegado deu uma... uma escrita pr’ele e falô ó, uma órde pr’ele e falô: – Ó: cê pode matá, matá os sete, sete irmão Silva. Aí veio com a órde, com a escrita lá do delegado. E chegô e... e ficô sabeno que ês ía fazê um baile de despedida, que ês ficô sabeno que o Januário ia matá ês, falô em matá ês, ês fez um baile de despedida. E no dia do baile ele... ele foi e ficô escon-dido, ele conseguiu matá dois, matô dois. Aí sumiu os ôtro cinco. Aí... foi, passô muito tempo, ele foi, entregô a família dele pr’ôtra pessoa cuidá lá e falô que enquanto ele num cumprisse o juramento, ele num vortava em casa.E saiu andano, percurando. E... diz que chegô numa cidade e ficô sabeno que tinha dois que ia... tava casano, tava no artar pá casá. Aí chegô e... num sei expricá direito como que foi, se ele matô no artar, na hora do casamento e... sei que ele matô mais dois, e cortô a orêia daquês dois, aí interô quatro, né? Aí passô... passou... andô

mais um pôco. E... aí achô mais um, achô mais um e, matô. Dipois ficô um. Aí passô muito, muito tem-po, ele tava bem velho já, mas pro-curano... procurano... e num achava. Aí muito, muitos ano depois ele viu uma fumacinha de dentro dum mato, no fundo dum mato, en-trô um pouco pro mato pra vê quem era naquele mato abaixo. E... chegô num ranchinho. Aí chegô lá era um velhinho que tava morando lá. E, pediu pouso. Aí ele deu pouso, deu janta pro Januário e ele não conhe-ceu o Januário. Aí de noite o Januário perguntava ele, perguntano por que que ele tava morano naquele lugar, quê que tinha acontecido, sozinho naquele mato. Aí ele disse: – Óia, nóis fez isso, fez aq-uilo ôtro, tirô o côro do... do João Garcia. Aí posô. O Januário posô lá no ranchinho dele, ele deu janta, deu pôso. Quando foi no ôtro dia cedo, ele perguntô o veizinho, perguntô: - Cê sabe quem que eu sô? Aí ele falô assim : -Não. - Eu sou Januário Garcia. Aí ele pediu perdão, ajueiô e pediu perdão. Aí Januário falou: - Ó: o perdão que eu posso te dá, é cê contá cem passo, você com... se antes você contá cem passo se ocê... se eu errá cê tá perdoado. Agora, se eu acertá cê é... é a úrtima orêia que me farta pra... pra inte... pra interar o juramento. Aí ele contô cem passo, ele atirô e matô. Aí ele dispois ele vortano, ele muito cansado chegô numa casa tinha um... pediu pouso, aí tinha um... uma turma de jogador de baraio, jogando baraio, e convidô ele pra jogá baraio e ele não quis. - Sabe? Não, eu tô cansado, vô deitá pá durmí porque eu num... num gosto de baraio. Aí os jogadô de baraio faze-no baruio, não deixava ele durmí. Aí ele, quê que ele fez? Ele levantô lá e

veio, falô assim: - Ah! Resorvi, vô jogá um pouco.Aí quando ele sentô na mesa lá, que deu uma trucada ele jogô... falô seis e jogô o colar de orêia em cima da mesa. Aí aquêis... aquêis turma de jogadô de baraio saiu tudo correno que num ficô um na casa. Aí ele deitô na cama e dormiu o resto da noite. E dipois veio vortando, vortô. Chegô na casa dele a mulher dele tinha arrumado ôtro homi e tava cuidano dela, cuidando da família dele lá. Que ele chegô e falô assim: - Não, agora nóis vai ficar mora-no junto. Cê... cê cuidou da minha mulher, cuidô da minha família. E ficou morando. Assim o povo antigo conta: que ficô morano o homi que já morava com a mulher dele , que fazia muitos ano, num sabia se ele ia vortá, se tinha morrido. Aí terminô o trecho da estória do Januário Garcia.

BIOGRAFIA O senhor Juvenal José de Souza é natu-ral de Luminárias - MG onde vive com sua famíl-ia e trabalha como extrator de pedra. No vídeo a seguir ele narra dois acontecimentos: um ocorrido com ele e outro com sua mãe. São aparições de misteriosos “clarões”. Narrativas deste tipo são muito comuns na cidade de Luminárias, que rece-beu este nome justamente em função da aparição de luzes até hoje inexplicadas.

JUVENAL JOSÉ DE SOUSA

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O TIRA-COURO OU O SETE ORELHAS

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Transcrição Um fato que foi acontecido no município de São Bento Abade, num lugar chamado Sítio do Tira Couro. E os sete irmãos Silva, daí brigaram, estavam brigando com os irmãos Januário Garcia e João Gar-cia por causa de uma divisa de terra, de gado que entrava no terreno do outro. E nas discussões deles lá, entre os irmãos Silva e o João Gar-cia, eles pegaram o João Garcia. E os sete irmãos, amarraram ele numa árvore, numa figueira e tiraram o couro dele vivo Aí o Januário Garcia fez um juramento, um juramento de matar os sete irmãos Silva e cortar as orelhas, e fazer um colar de orelhas dos sete irmãos Silva. Aí o quê ele fez? Na época não existia delega-cia nos municípios de São Bento e Luminárias. Aí era só em São João del -Rei que existia delegacia e del-egado. Aí ele foi em São João del- Rei e contou o caso para o delegado, o que tinha acontecido. Aí o delegado deu uma escrita para ele, e uma or-dem para ele e falou: – Ó, você pode matar, matar os sete, os sete irmãos Silva. Aí ele veio com a ordem, com a escrita do delegado. E chegou e fi-cou sabendo que eles iam fazer um baile de despedida, que eles ficaram sabendo que o Januário ia matá-los, falou em matá-los, eles fizeram um baile de despedida. E no dia do baile ele foi e ficou escondido e conseguiu matar dois, matou dois. Aí, sumiram os outros cinco. Aí... foi, passou muito tem-po, ele foi e entregou sua família para outra pessoa cuidar e falou que enquanto ele não cumprisse o jura-mento, ele não voltava. E saiu andando, procuran-do. E... dizem que ele chegou numa cidade e ficou sabendo que tinha dois que estavam se casando, esta-vam no altar para casar. Aí chegou e, não sei explicar direito como foi, se ele os matou no

altar na hora do casamento em casa. . Sei que ele matou mais dois, e cortou a orelha daqueles dois, aí in-teirou quatro, não é? Aí passou... passou... andou mais um pouco. Aí achou mais um, achou mais um e matou. Depois ficou um. Passou muito, muito tempo, ele estava bem velho já, mas procuran-do... procurando... e não achava. Aí muitos anos depois ele viu uma fumacinha saindo de dentro de um mato, entrou no mato, entrou um pouco no mato para ver quem era naquele mato abaixo. E chegou a um ranchinho. Chegou lá, era um velhinho que estava morando lá. E ele (Januário) pediu pouso. Aí ele deu pouso, deu jan-ta para o Januário e ele não reconheceu o Januário. A noite o Januário pergun-tou a ele, ficou perguntando por que ele estava morando naquele lugar, o que tinha acontecido, sozinho naquele mato. Aí ele disse: - Olha, nós fizemos isso, fize-mos aquilo, tiramos o couro do João Garcia. Aí pousou, o Januário pousou no ranchinho dele, aí ele (o velhinho) deu janta, deu pouso. No outro dia cedo, ele per-guntou para o velhinho: - Você sabe quem eu sou? Ele respondeu: - Não. - Eu sou o Januário Garcia Aí o velhinho pediu perdão, ajoelhou e pediu perdão. Aí Januário falou: - Ó, o perdão que eu posso te dar, é você contar cem passos, se eu er-rar, você está perdoado. Agora, se eu acertar, sua orelha é a última que me falta para inteirar meu juramento. O velhinho contou os cem passos, então, ele atirou e matou. Na volta, o Januário, muito cansado, chegou numa casa e pediu pouso. Ali havia uma turma de joga-dores de baralho que o convidaram para jogar e ele não quis. - Sabe? Não, eu estou cansado,

eu vou me deitar para dormir porque eu não gosto de baralho. Aí os jogadores de baralho faziam muito barulho e não deixavam ele dormir. Então o que ele fez? Ele levantou, foi e falou assim: - Ah! Resolvi jogar um pouco. Aí, quando ele sentou na mesa, assim que deram uma trucada, ele falou: - Seis! - e jogou o colar de orelhas em cima da mesa. Aí aquela turma de jogadores de baralho saiu toda correndo, e não ficou um na casa. Aí ele deitou na cama e dormiu o resto da noite. E depois ele veio voltando. Voltou. Chegou a sua casa, sua mulher havia arrumado um outro homem, que estava cuidando dela e de sua família. Ele chegou e falou assim: - Não, agora nós vamos ficar morando juntos. Você cuidou da min-ha mulher, cuidou da minha família. E ficaram morando juntos. Assim o povo antigo conta: que ficou morando ele, sua mulher e o homem que já morava com ela há muitos anos, porque eles não sabiam se ele ia voltar, ou se ele havia morrido. Aí terminou o trecho da es-tória do Januário Garcia.

20 Fotos: Débora Resende

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Fotos: Débora Resende

Fatos verídicos: Na década de trinta, o nosso comércio era feito por carros de bois, cargueiros e tudo atras-ado como era em todo o Brasil. O co-mércio era de pequenos comerciantes, o povo não tinha condições financeira e poder, de poder de compra. A crise era geral. Era e é tradição fechar o co-mércio na sexta-feira santa, desde essa época, em nosso distrito. Aconteceu o seguinte: havia um comerciante, Evar-isto de Sousa, que resolveu fechar a sua venda na quinta-feira santa ao meio-dia. Rua do Cruzeiro, esquina com a Praça Nossa Senhora do Carmo. E abriu na sexta-feira ao meio-dia.

Ele tinha filhos pequenos, a gaveta onde colocava o dinheiro era na parte arta da prateleira, para as cri-anças não tirarem dinheiro. Então ele começou a vender ao meio-dia de sexta-feira santa. O comércio dele era de gênero alimentí-cio, quitanda, doce, etecetera. Depois de argum tempo, ali pelas três hora da tarde, em determinado momento ele foi atender um freguês, e aí, ao ir à gaveta onde colocava o dinheiro, para dar o troco, ele achou uma cobra coral dentro da gaveta. Assustado, ele tirou-a e matou-a, em seguida, fechou a venda. O povo recebeu esse con-

tecimento como castigo pela farta de respeito no dia de sexta-feira santa.

BIOGRAFIA O senhor Nagibe Francisco Mu-rad, mais conhecido como seu Bíbi, é natu-ral de Lavras mas foi para a cidade de Luminárias muito criança e lá mora desde então. Sempre trabalhou e continua trabal-hando como comerciante.No vídeo a seguir, seu Bíbi conta um fato que ocorreu na cidade de Luminárias e que é relembrado como um sinal da importância de se respeitar o dia de sexta-feira santa.

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NAGIBE FRANCISCO MURAD

CAUSO DE SEXTA FEIRA SANTA

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Fatos verídicos: Na década de trinta, o nosso comércio era feito por carros de bois, cargueiros e tudo atras-ado como era em todo o Brasil. O co-mércio era de pequenos comerciantes, o povo não tinha condições financeiras e poder de compra. A crise era geral. Era, e é tradição fechar o co-mércio na sexta-feira santa, desde essa época em nosso distrito. Aconteceu o seguinte: -Havia um comerciante, Evar-

isto de Sousa, que resolveu fechar a sua venda na quinta-feira santa ao meio-dia. Rua do Cruzeiro, esquina com a Praça Nossa Senhora do Car-mo. E abriu na sexta-feira ao meio-dia. Ele tinha filhos pequenos, a gaveta onde colocava o dinheiro era na parte alta da prateleira, para as crianças não tirarem dinheiro. Então ele começou a vender ao meio-dia de sexta-feira santa. O comércio dele era

de gêneros alimentícios, quitandas, doces e etecetera. Depois de algum tempo, por volta das três horas da tar-de, em determinado momento ele foi atender a um freguês, e ao ir à gaveta onde colocava o dinheiro para dar o troco, ele achou uma cobra coral den-tro da gaveta. Assustado, ele tirou-a e matou-a, em seguida, fechou a venda. O povo recebeu esse acon-tecimento como castigo pela falta de respeito no dia de sexta-feira santa.

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NAGIBE FRANCISCO MURAD

Fotos: Débora Resende

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Ês tava viajano. Deu uma chu-va muito forte, e por conta da chuva ês chegô numa fazenda antiga pá abrigá, né? E nessa fazenda tinha quatro pe-dreiro trabaiando, né? Aí ês, tudo ami-go, ficô por ali bateno papo. Um, com-pradô de galinha, pá revendê, o ôtro, negociante de gado, né? É... viajando. Aí num pudero í pra casa, com a chuva muito forte, o corgo encheu, aí ficô lá e jantaro com, com os pedreiro, contaro caso até uma certa hora. Na hora dês... í deitá, cuô um café. Aí, na hora que cuô o café, um desses visitante num cumbinava com o moradô que morreu na fazenda. Aí ele foi tomá o café, chamô o que morreu, que chamava Tonho dos Reis: - Vamo chamá o Tonho Reis

pá tomá café. Então falô assim. Entrô, fez tudo quanto é baruio que pôde exis-tir na fazenda. E pagava a luz, jogano pedra, balaio de galinha jogava pra cima, caía no chão, mas não acertava ninguém. No muvimento da fazen-da roncava pombim, latia cachorro, miava gato, brigava com a esposa dele, chegava carro cantando, cavalo rinchando, vaca berrando, munho ro-dando, na distância de longe. Aí ele mandô pro mei do inferno, quando ele viu que o trem tava... mandô pro mei do inferno, e ficou muito... E dipois já tava os cumpanheiro desmaiado, o medo foi apertano, ele mandô pro mei do in-ferno, quando aquele trem sumiu um

instante. Quando vortô, vortô muito pior, mais nervoso. Aí ele se viu aper-tado mêmo, o medo foi aumentando tamém, suzinho, aí apelou pras... gritou pras trêis missa de Natal. E foi a sal-vação dele!

BIOGRAFIA O senhor Raul Nogueira do Nasci-mento, conhecido serralheiro da cidade de Itu-mirim, nasceu no ano de 1932 em Andrelân-dia - MG, mas foi para a cidade de Itumirim - MG ainda jovem. No vídeo a seguir ele nos conta algumas passagens misteriosas que ocor-reram na vida de seu irmão, um homem que, segundo o senhor Raul, não tinha medo de nada.

RAUL NOGUEIRA DO NASCIMENTO

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Eles estavam viajando. Deu uma chuva muito forte, e por conta da chuva eles chegaram numa fazenda an-tiga para se abrigarem. E nessa fazenda tinha quatro pedreiros trabalhando. Aí eles, todos amigos, ficaram por ali ba-tendo papo. Um, comprador de galin-ha, para revender, o outro, negociante de gado, viajando. Aí não puderam ir para casa, por causa da chuva muito forte, o córrego encheu, aí ficaram lá e jantaram com os pedreiros, contaram causo até uma certa hora. Na hora deles irem deitar, coaram um café. Na hora que coaram o café, um desses visitantes não combi-nava com o morador que morreu na fa-zenda. Aí ele foi tomar o café, chamou o que morreu, que se chamava Tonho dos Reis. - Vamos chamar o Tonho Reis para tomar café. Então falou assim. Então, fez tudo o quanto é barulho que pôde existir na fazenda. E apagava a luz, jogando pedra, balaio de galinha jogava pra cima, caía no chão, mas não acertava ninguém. No movi-

mento da fazenda roncava pombinho, latia cachorro, miava gato, brigava com a esposa dele, chegava carro (de boi) cantando, cavalo rinchando, vaca berrando, moinho rodando, na distân-cia de longe. Aí ele mandou para o meio do inferno, quando ele viu que o trem estava... mandou pro meio do inferno, e ficou muito... E depois que já esta-vam os companheiros desmaiados, o

medo foi apertando, ele mandou pro meio do inferno, quando aquele trem sumiu um instante. Quando voltou, voltou muito pior, mais nervoso. Aí ele se viu apertado mesmo, o medo foi aumentando também, sozinho, aí ape-lou para as... gritou para as três missa de Natal. E foi a salvação dele!

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ESTÓRIA DE ASSOMBRAÇÃO

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Casado de pouco. E a moça que casô, era, virava a tar de mula-sem-cabeça. E então, o marido dela, brigano, brigano com ela com essa história dela virá a tale de mula-sem-ca-beça. Aí ela saiu de tarde, quando o marido tava quetinho. Ela saiu, foi lá numa moita de bananeira, é, plantou uma bananeira lá, largou a cabeça lá na moita de bananeira e saiu soz-inha sem cabeça. O marido dela foi lá, pegô essa cabeça da mulher dele e trouxe prá dentro. Quando a mula-sem-cabeça chegô lá prá procurar, nada... num acho! Chegô lá pelo cheiro, batia com as mão nas porta, nas janela, A seguir temos duas variações de um mesmo conto. Ele foi narrado pelo senhor Luíz de Ávila e Silva e por sua filha, Maria José Ribeiro, ambos naturais de São João del Rei, ele nascido em 1912 e ela em 1940. É interessante notar as diferenças en-tre as duas narrações, o que comprova que os contos populares, por serem transmitidos oral-mente e guardados apenas na memória, sofrem inúmeras variações a cada vez que são reconta-dos. Este é um conto que pertence ao grupo que Luís da Câmara Cascudo classifica como contos catequísticos, pois tem a finali-dade de transmitir um valor religioso, no caso, o hábito de pedir a bênção aos pais.né? Caçando dentro de casa, pelo cheiro ela percebeu que tava dentro de casa. Aí o marido dela levantô, abriu a por-ta, ela entrô, pegô a cabeça que o marido tinha guardado. Mais ela... ela foi... levô... É, ela levô a cabeça lá na moita de bananeira e torno vestí a cabeça. Veio o pai dela, o marido dela falô as-sim: - De agora em diente cê pode marcá o rumo, que eu num quero te vê mais nunca! Porque a mulher virou o bicho de ver-dade, né?

LUIZ DE ÁVILA E SILVA Eram casados há pouco tempo e a moça que casou virava a tal mula-sem-cabeça. E então o marido dela, brigando, brigando com ela por causa dessa história dela virar a tal mula-sem-cabeça. Aí ela saiu de tarde, quando o marido estava quietinho. Ela saiu, foi numa moita de bananeira e “plantou uma bananeira”, lá largou a cabeça, lá na moita de bananeira e saiu sozinha sem cabeça. O marido dela foi lá, pegou a ca-beça da mulher dele e trouxe para dentro. Quando a mula-sem-cabeça chegou lá para procurar, nada... não achou! Chegou lá pelo cheiro, batia com as mãos nas por-tas e nas janelas. Caçando dentro de casa, pelo cheiro ela percebeu que (a cabeça) estava dentro de casa. Aí o marido dela levantou, abriu a porta, ela entrou e pegou a cabeça que o marido tinha guardado. Mas ela foi... levou... É, ela levou a cabeça lá na moita de bananeira e voltou a “vestir” a cabeça. Veio o pai dela e o marido dela, falou as-sim: - De agora em diante você pode marcar o rumo, que eu não quero te ver mais nunca! Porque a mulher virou o bicho de verdade, né?

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MULHER QUE VIRA MULA SEM CABEÇA

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Bom, esse... é uma estória, né? Uma estória não, um caso verídico de todas as cidades, né? Que... Vem de muitos anos atrás, a estória das pastorinhas, como existe, é... Embaix-ada de Reis e outras coisa que se faz pra angariá din-heiro, donativos pra reforma de igreja, construção de igreja, católica, né? Então, aqui em Itumirim, eu consegui montá um grupo de pas-torinha, na época eu tinha a minha filha que era ado-lescente e meus filho eram pequenos. Então eu não trabalhava fora porque eu tinha que cuidá dos meus filho e da minha casa. Aí nós montamos as pastorinha. Que era mui-to divertido e muito bom, era feito com muita alegria, com muita... sabe? Só que era bem ensaiadinho, coisa bem feitinha, com muita fé. Tinha as menininha que tocava violão... Então aí eu resolvi montá e montei: são oito pastorin-ha, uma Nossa Senhora, um violeiro e uma senhora mais, assim, de mais re-sponsabilidade pra cuidá das meninas. Onde a gente ia de casa em casa, cada uma com um bastão. Era lindo, lindo... Eu tenho vontade de fazê isso de novo, um dia eu vô fazê, eu vô montá de novo. Onde a gente ia de porta em porta. Cantava pedindo a esmola, expricando que era pra barraquinha ou pra igreja. E a gente pedia es-

mola, esperava recebê, né? O donativo, que era falado es-mola mesmo, que era esmola pra igreja. Depois disso a gente cantava agradecendo. Era muito divertido. A gente chegava em muitas casa, aquelas pessoa assim de bem idade, recebia a gente com o maior carinho. A gente carre-gava um Menino Jesus, a Nos-sa... a menina vestida de Nossa Senhora carregava a imagem do Menino Jesus. E nós íamos pra zona rural, pras fazenda. Divertia muito porque vaca corria atrás da gente... cachorro... a gente se perdia nas trilha... Era muito divertido. Só que era feito com muita fé, as vêis a gente reza-va terço no caminho, chegava em algumas casa da zona ru-ral, eles davam um lanche pras menina. E com isso era muito lindo, muito lindo... É uma coisa que não pode deixá acaba. É... eu acho que inda existe em algum lugar em Minas que eles ainda sai com as pastorinha. Eu saí deve tê mais ou menos uns quatorze anos que eu sai com um grupo de pastorinha. Fomos ao Ma-cuco, Rosário, percorremo Itu-mirim inteirinha, a zona rural. Onde angariamo bastante, mas muito mesmo! Depois, no fi-nal do dia era contado aquele, aqueles donativos, anotado numa caderneta. Na zona rural a gente ganhava porco, galinha... Só que a gente, não tinha con-dição de carregá, ia carro, né? Da prefeitura, da igreja ou al-gum amigo ia buscar pra gente pra conseguí dinheiro pra con-strução das igreja, ou reforma.

Transcr ção

Aí nós montamos as pastorinhas. Que era muito divertido e muito bom, era feito com muita alegria, sabe? Só que era bem ensaiadinho, coisa bem feitinha, com muita fé. Havia as menininhas que tocavam violão... Então eu resolvi montar e montei: são oito pastorinhas, uma Nossa Senhora, um violeiro e uma senhora de mais re-sponsabilidade para cuidar das meninas. Onde a gente ia de casa em casa, cada uma com um bastão. Era lindo, lindo... Eu tenho vontade de fazer isso de novo, um dia eu vou fazer, eu vou montar de novo. Onde a gente ia de porta em porta. Cantava pedindo a esmola, expli-cando que era para a bar-raquinha ou para a igreja. E a gente pedia esmola, es-perava receber o donativo, que era falado esmola mes-mo, que era esmola para a igreja. Depois disso a gente cantava agradecendo. Era muito diver-tido. A gente chegava em muitas casas, aquelas pes-soas assim de bem idade, recebiam a gente com o maior carinho. A gente car-regava um Menino Jesus, a menina vestida de Nossa Senhora carregava a ima-gem do Menino Jesus. E nós íamos para a zona rural, para as fazen-das. Nos divertíamos mui-to porque as vacas corriam atrás da gente... cachor-ros... a gente se perdia nas

trilhas... Era muito diver-tido. Só que era feito com muita fé, às vezes a gente rezava o terço no caminho. Chegávamos em algumas casa da zona rural, eles davam um lanche para as meninas. E com isso era muito lindo, muito lindo... É uma coisa que não se pode deixar que acabe. Eu acho que ainda existe algum lugar de Mi-nas em que eles ainda saem com as pastorinhas. Deve haver mais ou menos qua-torze anos que eu saí com um grupo de pastorin-has. Fomos ao Macuco, Rosário, percorremos (a cidade de) Itumirim inteir-inha e a zona rural. Onde angariamos bastante, mas muito mesmo! Depois, no final do dia eram contados aqueles donativos e anota-dos em uma caderneta. Na zona rural a gente ganhava porco, gal-inha... Só que a gente não tinha condição de carre-gar. Ia carro da prefeitura, da igreja ou algum amigo ia buscar pra gente, pra conseguir dinheiro para a construção das igrejas ou reforma.

MARIA APARECIDA SALES RIBEIRO

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AS PASTORINHAS

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Então, é o seguinte: o gado... Meu pai era sitiante, nós possuía mui-tos rebanho, tinha muita vaca, porco, carneiro. Mas meu pai era muito nervo-so e xingava muito nome feio. Levan-tava cedo, xingano nome feio. Lá em casa num tinha, num tinha luz elétrica, naquele tempo num tinha luz, era lam-parina de querosene. Ele levantava, se a lamparina apagava, ele jogava a lampa-rina no chão e metia o purrete nela até amassá tudo. Aí, pegava ôtra. Se uma vaca... ele ia tirar leite, a vaca andava, ele pegava o purrete e metia o purrete na vaca! E xingava aquês nome feio, aquelas coisa. Aí entrô uma coisa triste no curral: as vaca, daqués vaca nova, bon-ita, comia uma fruta-de-loba lá, mor-

ria. Eu tinha uma vaca que dava trinta litro de leite, chamava Criôla. Tinha um bezerro que era uma maravilha! E ela tava lá no curral, e ele acabou de tirar o leite, tinha uma égua mansinha que chamava Mulata. A égua deu um coice no bezerro. O bezerro morreu em cima ali... perdeu. Ele foi veno aquilo, os pórco, porco. Chegava lá o porco tremia, as-sim, começava a tremer, morria sem sentir doença, sem sentir nada... Ele chamô lá um home, um velho que chamava sô Antônio, pra ir lá ben-zê. Que ele achô que... criditava em macumba, achava que podia sê uma coisa. O home tirô o chapéu, andô lá, berando a casa, lá no curral. Falou: - Óia, seu Hipólito, aqui

não tem nada aqui. Aqui não tem macumba, não tem male oiado, não tem nada. A única coisa que tem aqui é os nome feio que o senhor xinga aqui. E judia muito com as criação. Então, em tempo de o senhor xingá, o senhor pede a Deus, o senhor reza. E assim ele fez. Ele levanta-va carmo, parô com aquela xingação, de judiá com as criação e foi pro-gredino as coisa, nunca mais morreu uma criação ali, não teve mais nada ali.

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Então, é o seguinte: - O gado... meu pai era sitiante, nós possuíamos muitos rebanhos, tínhamos mui-tas vacas, porcos, carneiros. Mas meu pai era muito nervoso e xingava muitos nomes feios. Levantava cedo, xingando nome feio. Lá em casa não havia luz elétrica, naquele tempo não havia luz, era lamparina de querosene. Ele le-vantava, se a lamparina apagasse, ele jogava a lamparina no chão e metia o porrete nela até amassar toda. Aí, pegava outra. Se uma vaca... ele ia tirar leite, se a vaca andasse, ele pegava o porrete e metia o porrete na vaca! E xingava aqueles nomes fei-os, aquelas coisas. Aí entrou uma coisa triste no curral: as vacas, daquelas vacas novas, bonitas, comia uma fruta-de-loba e morria. Eu tinha uma vaca que dava trinta litros de leite, chamava Crioula. Tinha um bezerro que era uma maravilha! E ela estava lá no curral. E ele acabou de tirar o leite, tinha uma égua mansinha que chamava Mulata, a égua deu um coice no bezerro. O bezerro morreu em cima ali... perdeu. Ele foi vendo aquilo, os porcos, porco. Chegava lá o porco tremia, assim, começava a tremer, morria sem sentir doença, sem sentir nada... Ele chamou lá um homem, um velho que chamava senhor Antônio, para ir lá ben-zer. Que ele achou porque... (ele) acreditava em macumba, achava que podia ser uma coisa. O homem tirou o chapéu, andou lá, beirando

a casa, lá no curral. Falou: - Olha, seu Hipólito, aqui não tem nada aqui! Aqui não tem macumba, não tem mal olhado, não tem nada. A única coisa que tem aqui é os nomes feios que o senhor xinga. E judia muito com as criações. Então, em tem-po de o senhor xingar, o senhor pede a Deus, o senhor reza.

LAZARINO FRANCISCO DE SOUSA

26 Fotos: Débora Resende

SOBRE A IMPORTÂNCIA DE NAO XINGAR PALAVRÃO

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Fotos: Débora Resende

Era uma moça muito bon-ita. Então um rapaz conheceu ela e ficou doido por ela. Aí namorava e tudo. Mas sempre, quando ele ia le-var ela na casa dela, ela não deixava ele chegá perto da casa dela. Chegava numa altura do caminho, ela falava: - Não, daqui cê volta porque meu pai é muito bravo e ele não pode vê nin-guém conversando comigo. E também não beijava ele tamém não. Nunca deixava ele dá um beijo nela. Aí ele foi ficano intrigado com aquilo. Quando chegô numa se-mana santa, era sexta-feira santa, aí ele falô com ela - e não podia, é... na sexta-feira santa, esses coisa que ês fala: alma penada, lobisome, essas coisa assim não podia saí - mas ele

insistiu tanto com ela que ela deixô... que ela saiu pra encontrá com ele. E também ele insistiu muito quando ele foi levá ela pra casa, pra... pra ela, é... deixá ele í com ela, até na casa e ela deixô. Então saíro de uma rua próxi-ma à rua do cemitério, entraro na rua do cemitério. E lá bem no final da rua era o cemitério. Aí ela entrou no portão, e lá dentro do cemitério tinha umas pes-soas que morava lá, tinha casa. Aí chegô perto de uma casa ele falou as-sim: - É nessa casa que cê mora? Ela falou assim: - Não, é ali na frente. E tinha um túmulo muito bonito, muito enfeitado, aí nesse mo-

mento a tampa do túmulo abriu. E ela abraçô nele e foi ficano, foi virano uma múmia, só os ossos. Aí ele, muito assus-tado. E então é... ele sempre falava com ela que, que ele queria ficar junto. E ela respondia que eles iam ficar junto sim pra eternidade, eternamente. E nessa hora que ela abraçô ele, ela falou com ele que: - Uai! Ocê não qué ficá comigo eternamente? Aí ele pegô e ficô com muito medo e lembrô de uma oração que afastava os mórto, que a vó dele havia ensinado. E ele pensô na oração e ela soltô ele e ai ele saiu correndo. Só que ele enlouqueceu de medo. Quem contô a estória foi o cov-eiro do cemitério.

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-Era uma moça muito bon-ita. Então um rapaz a conheceu e ficou doido por ela. Aí namorava e tudo. Mas sempre, quando ele ia levá-la em casa, ela não deixava ele chegar perto de sua casa. Quando chegavam numa altura do caminho, ela falava: - Não, daqui você volta porque meu pai é muito bravo e ele não pode ver ninguém conversando comigo. E também não beijava ele. Nunca deixava ele dar um beijo nela. Aí ele foi ficando intrigado com aquilo. Quando chegou numa semana santa, era sexta-feira santa, aí ele falou com ela - e não podia, na sexta-feira santa, essas coisas que eles falam: alma penada, lobisomem, essas coisas não podiam sair - mas ele insistiu tanto com ela que ela deixou... que ela saiu para encontrar com ele. E também ele insistiu muito quando foi levá-la para casa, para ela deixá-lo ir com ela até na casa e ela deixou. Então saíram de uma rua próxima à rua do cemitério, ent-raram na rua do cemitério. E lá bem

no final da rua era o cemitério. Aí, ela entrou no portão, e lá dentro do cemitério havia umas pes-soas que moravam lá, havia casas. Aí chegou perto de uma casa, ele falou assim: - É nessa casa que você mora? Ela falou assim: - Não, é ali na frente. E havia um túmulo muito bonito, muito enfeitado, aí nesse mo-mento a tampa do túmulo abriu. E ela abraçou ele e foi virando uma múmia, só os ossos. Aí ele, ficou muito as-sustado. E ele sempre falava com ela

que..., que ele queria ficar junto. E ela respondia que eles iam ficar juntos sim, eternamente. E nessa hora que ela abraçou ele, ela falou com ele: - Uai! Você não quer ficar comigo eternamente? Aí ele pegou e ficou com muito medo e lembrou de uma oração que afastava os mortos, que a avó dele havia ensinado. E ele pensou na oração e ela o soltou, ai ele saiu correndo. Só que ele enlouqueceu de medo. Quem contou a estória foi o coveiro do cemitério.

MARIA JOSÉ RIBEIRO

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A ESTÓRIA DA ALMA PENADA

Page 28: Cartilha de Causos

Havia um lugar que fabricava um vinho muito bom. E tinha um len-hador - desses que corta lenha lá pro mato. E... ele gostava muito de vinho, e lá fabricava esse vinho muito bom. E aí um dia ele tava lá cortando lenha e pensando: - Ô gente, eu gosto tanto desse vinho que ês fabrica aí! E eu num gan-ho nada. O que eu ganho não dá nem pá minha despesa e pá minha esposa. Se o Diabo quisesse fazê um negócio comigo eu fazia, pra mim tê dinheiro pra comprá esse vinho. Ah! Foi ele falá isso, o bichão apareceu: - Eu tô às suas ordem! Tem aqui um saco de dinheiro, um saco de ouro pr’ocê bebê o seu vinho à von-tade. Ele ficou mei espantado com aquilo, porque num fazia... pensá no diabo pra arrumá o dinheiro e o diabo aparecê. Ele ficô mei sem jeito e tudo. E o diabo: - Não! Não precisa ter medo não! Só tem uma coisa, o que eu vou exigir é só isso: a hora que ocê fô em-bora, que ocê apontá no morro lá, que vê a sua casa, o que tivé na... a primeira coisa que cê enxergá na porta da sua casa, cê traz pra mim, é só! Não precisa mais nada. E pode bebê seu vinho aí, tem dinheiro que dá pr’ocê bebê vinho até... a vida inteira. Ele pensô assim:

- Ah, lá na porta da minha casa o que eu vou enxergá lá é uma cachor-rinha magra que eu tenho... ou uma gat-inha... umas galinhinha... não tem prob-lema não! E foi. Quando ele apontô, que viu a casa, a esposa dele na porta! Ele perdeu o jeito, mas perdeu o jeito de uma vez. - E agora? Mas o jeito que tem é levá a esposa. Porque se eu não levá a esposa, eu é que vou morrê. O trato dele lá é esse. E chegô em casa sem jeito, falô pra esposa: - Amanhã cê vai comigo lá, pr’ocê ajudá a empilhá a lenha. Ela achou mei esquisito aquilo porque ela tinha ido lá há pouco tempo, né? Pil-hado... Agora tornô chamá... Ela ficou mei sem jeito com aquilo, mas aceitô e foi. Ele falô pra ela: - Cê vai lá na mula, que ela tá meiguinha e eu vou a pé. E pegou a mula e tudo no out-ro dia, e foi, a esposa muntou e ele foi. E a esposa dele costumava rezá numa igrejinha que tinha perto da casa onde ês morava, no caminho tinha uma igrejinha, de vez em quando ela costu-mava rezá lá. Quando chegô perto des-sa igrejinha ela falô pra ele: - Espera um pouquinho aqui, que eu vô ali rezá uma Ave Maria e vor-to, num demoro não.

Foi e vortô logo. Muntô na mula e foi embora. Quando foi che-gando lá ele já viu o bichão lá. Lá, com o esporão! Raspava aquela es-pora no chão: - Opa! Hoje eu tô feito! Quando chegô perto, o bichão olhô na cavaleira assim: - Num é essa não! Num é essa não e coisa! Num é essa não! - É essa mêmo uai, minha esposa é essa aí. E deu aquele estouro, deixô um cheiro de enxofre lá e sumiu! Ele vortô do susto... - É... Eu trouxe a esposa, ele num quis! Agora eu fico com o dinheiro. E a esposa. Fico com o dinheiro e a esposa. Já, ela num chegô nem descê do cavalo, ele pegô na rédea e puxô e foi embora. Quando chegô na igreja, ela disse pra ele: - Cê espera um pouquinho aqui, vô rezá uma Ave Maria e vorto. E foi... Mas chegô lá e não vortava nunca! Uma hora, duas... e ele inco-modado: - Gente! E nem... e nem o meu fumo eu trouxe... e palha pá fazê um cigarro... e essa mulher não vem nunca. O jeito é ir lá, ir lá ver o quê que ela tá fazeno. Quando chegou lá ela tava deitada, ele foi e chamô: - Ô, mas eu tô pensano que cê ta rezano, cê ta deitada dormino aí? Ela acordô e falô pra ele: - Ô, mas ocê me acordô numa hora ruim! Eu tava sonhano que ocê me vendeu pro diabo! E eu cheguei aqui, Nossa Senhora falô pra mim: “Fica aqui fia, que o seu marido vendeu ocê pro Diabo, e eu vou no seu lugar!” Muntou na... Aí ela levantô, muntô na mula e foi. E aí ele pegô o saco de dinheiro e jogô lá... fora e converteu. Não quis sabê mais de ouro pra bebê cachaça não. Nossa Senhora sarvô a esposa dele, sarvô por causa da reza dela de todo dia.

JOSÉ OMAR JUNQUEIRA

28 Fotos: Débora Resende

O MARIDO QUE VENDEU A MULHER PRO DIABO

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Fotos: Débora Resende

Transcrição Havia um lugar em que fabrica-vam um vinho muito bom. E havia um lenhador desses que cortam lenha lá no mato. E ele gostava muito de vinho, e lá fabricavam esse vinho muito bom. E aí um dia ele estava lá cortando lenha e pensan-do: - Ô gente, eu gosto tanto desse vinho que eles fabricam aí! E eu não ganho nada. O que eu ganho não dá nem para minha despesa e para minha esposa. Se o Diabo quisesse fazer um negócio comigo eu faria, para eu ter din-heiro para comprar esse vinho. Ah! Foi ele falar isso, o bichão apareceu: - Eu estou às suas ordens! Tem aqui um saco de dinheiro, um saco de ouro para você beber o seu vinho à vontade. Ele ficou meio espantado com aquilo, porque não imaginava que pudesse pensar no Diabo para arrumar o dinheiro e o Diabo aparecer. Ele ficou meio sem jeito e tudo. E o diabo: - Não! Não precisa ter medo não! Só tem uma coisa, o que eu vou exigir é só isso: a hora que você for embora, que você apontar no morro lá, que ver a sua casa, a primeira coisa que você enxergar na porta da sua casa, você traz pra mim, é só! Não precisa mais nada. E pode beber seu vinho aí, tem dinheiro que dá para você beber vinho a vida inteira. Ele pensou assim: - Ah, lá na porta da minha casa o que eu vou enxergar é uma cachorrinha magra que eu tenho, ou uma gatinha, umas galinhinhas, não tem problema não! E foi. Quando ele apontou, que viu a casa, a esposa dele na porta! Ele per-deu o jeito, mas perdeu o jeito de uma vez. - E agora? Mas o jeito que tem é levar a esposa. Porque se eu não levar a es-posa, eu é que vou morrer. O trato dele lá é esse. E chegou em casa sem jeito, falou para esposa: - Amanhã você vai comigo lá, para você ajudar a empilhar a lenha. la achou meio esquisito aquilo porque ela tinha ido lá há pouco tempo, não é? Empilhado...

Agora voltou a chamar... Ela ficou meio sem jeito com aquilo, mas aceitou e foi. Ele falou pra ela: - Você vai lá montada na mula, porque ela está mansinha, e eu vou a pé. E pegou a mula e tudo no outro dia, a esposa montou e ele foi. E a esposa dele costumava rezar em uma igrejinha que havia perto da casa onde eles moravam, no caminho havia uma igrejin-ha, de vez em quando ela costumava rezar lá. Quando chegaram perto dessa igrejinha ela falou pra ele: - Espera um pouquinho aqui, que eu vou ali rezar uma Ave Maria e volto, não demoro. Foi e voltou logo. Montou na mula e foi embora. Quando foram chegando lá, ele já viu o bichão lá. Lá, com o esporão! Raspava aquela espora no chão: - Opa! Hoje eu estou “feito”! Quando chegou perto, o bichão olhou na cavaleira assim: - Não é essa, não! Não é essa, não, e coisa! Não é essa não! - É essa mesmo uai, minha esposa é essa aí. E deu aquele estouro, deixou um cheiro de enxofre lá e sumiu! Ele voltou do susto... - É... Eu trouxe a esposa, ele não quis! Agora eu fico com o dinheiro. E a esposa. Fico com o dinheiro e a esposa. Já, ela não chegou nem a descer

do cavalo, ele pegou a rédea e puxou e foi embora. Quando chegou na igreja, ela disse para ele: - Você espera um pouquinho aqui, vou rezar uma Ave Maria e volto. E foi. Mas chegou lá e não voltava nun-ca! Uma hora, duas... e ele incomodado: - Gente! E nem o meu fumo eu trouxe, e palha para fazer um cigarro. E essa mulher não vem nunca. O jeito é ir lá ver o que ela está fazendo. Quando ele chegou lá, ela es-tava deitada, e ele a chamou: - Ô, mas eu estou pensando que você está rezando, você está deitada dor-mindo aí? Ela acordou e falou para ele: - Ô, mas você me acordou em uma hora ruim! Eu estava sonhando que você me vendeu para o Diabo! E eu cheguei aqui, Nossa Senhora falou para mim: “Fica aqui filha, que o seu marido vendeu você para o Diabo, e eu vou em seu lugar!”. Aí ela levantou, montou na mula e foram. E aí ele pegou o saco de dinheiro e jogou fora e se converteu. Não quis saber mais de ouro para beber cachaça não. Nossa Senhora salvou a es-posa dele, salvou por causa da reza dela de todo dia.

JOSÉ OMAR JUNQUEIRA

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Balbino de Souza Rezende

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O CASO DO PEAO PAULINO Antigamente, aqui em Carrancas, pareceu um peão argentino aí. Chamava Paulino Franco, aí veio mansar tropa, mansá tropa nas fazenda aí. Ficô aí, ficô mais de um ano aí mansando tropa. E muito es-perto, muito ativo, louco, era forçoso... Aí ficô gostano de uma moça na fazenda aí, né? Ela chamava Jorgina. Aí começô um namorico lá e ele pediu ela em casamento. Naquele tempo o namoro era bem... os pai parpi-tava muito, a famía, né? Dava muito parpite e tudo, né? Mas ele ficô gostano dela, ela era uma costureira, aí pediu ela em casamento, mas não sabe por que... a famía não aceitô. Não quis o casamento dela com o peão Paulino não. Aí quando foi na festa aqui de dezembro, todo ano faz a festa em dezembro aqui. Em mil oitocentos e noventa e dois, dezembro de mil oitocentos e noventa e dois! Aí muita barraca na rua, aquele movimento de gente, era muito animada a festa, né? De repente, pusero lá, não sabe quem que pusero, uma tabuinha envernizadinha, arru-madinha com o nome né? Com o nome do peão. Quando o leiloeiro gritô lá, botô no leilão, e veio, ninguém pôs lance não né? Mas o leiloeiro já veio com a tábua e entregô pro peão, né? Uma tabuinha bonitinha assim com o nome dele, né? Aí ele não sabia do cos-tume não, ele era argentino. Aí: - Pra quê? O quê que representa essa tábua aí? Ês riro muito dele, que a turma do lugá já sabia, né? Da história... Aí um virô pra ele e falô: - Não, isso aí é as-

sim: quando um rapaz pede em casamento pra uma moça que não aceita, ês fala: “Leva a tábua! Toma a tábua!” Levou a tábua. Ê... mas o rapaz ficou envenenado! Nossa! O peão foi na lua e vortô. Num aceitô a história nem vê. E quando foi de noite, no outro dia ia ter um leilão, teve leilão e depois teve uma festa, um baile, no casarão, ainda existe até hoje lá na praça, lá em-baixo, né? O casarão da família do Coronel Rozendo. Aí ele arrumô direitim tudo, aprontô, pra vingá da moça. Aí quando foi certa hora ele – dizem que tava dançano com a moça, outros fala que não tava – quando a moça foi passano perto, ele punhalô ela. Ele era muito treinado, esperto, ativo, né? E foi uma facada só, a moça logo, logo caiu e mor-reu mêmo. Quando ês cataro no chão já tava morta. Aí foi aquele arvoroço e tudo lá, no salão. E ele encostô na parede com a faca, com o pun-hal na mão, e ninguém chegava perto dele. Í... mas ficô valentão mêmo! Aí quando foi certa hora, um home, um fazendêro que tava dormino, viu o arvo-roço, acordô, né? Veio por trás escondido, pegô a tranca da porta, deu uma trancada na ca-beça dele! Aí ele bambeô e jogô no chão, né? Aí ês pegaro, chegaro, marraro, marrô ele tudo, né? E começô a judiação, até no ôtro dia! Mas o home num morria nem vê, sô! Ele era muito forte, né? E até falaro que ele tinha pacto com o Coisa-ruim, antiga-mente usava essas coisa, né? E quando ele, pôs ele lá no terreiro lá, marrô depois levô, marrô deitado, depois levô pra

praça. Tinha um cruzêro na praça ali em baixo, né? Marrô ele no pé do cruzeiro, um cruzêro muito forte tamém, uma maderona grossa, né? Aí... mas... judiava! Dava tiro no home, mas o home não morria nem vê. Aí foi priciso, uma dona muito religiosa é que trouxe uma vela benta, uma bala benta, né? Passô na vela da igreja, aí con-seguiu terminá com ele, né? Mas ó: mesmo assim ainda correu com ele pra cidade inteira. Falava que ia até quemá o corpo! Depois um fazendêro da época num aceitô não, quemá não. Fizero um túmulo, uma sepultura pra ele de fora da igreja - aí depois dismanchô - de fora do cemitério, né? E enterrô ele lá. Fez lá um túmulo, pôs um monte de pedra assim, né? Aí ês fala que até quem pegava caso difícil pá resorvê, pegava com a “arma” dele e era atendido, diz que recebeu até graça com a “arma” do peão Paulino. Agora, isso foi em mil oitocentos e noventa e dois, já tem muitos anos, né? Cento e tantos anos, né? Mas até hoje o povo lembra dessa história, num esquece. Conteceu aqui em Car-rancas e esparramô aí por roda, por Minas Gerais inteira aí né? Na época foi uma novidade mui-to grande, uma brutalidade dessa, umas coisa esquisita, né?

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cruzeiro na praça ali em baixo. Amarraram ele no pé do cruzeiro, um cru-zeiro muito forte também, uma madeirona grossa. E judiavam! Davam tiros no homem, mas o homem não morria de jeito nen-hum. Então foi preciso, uma dona muito religiosa é que trouxe uma vela benta, uma bala benta, né? Passaram na vela da igreja, aí conseguiram terminar com ele, né? Mas mesmo assim ainda correram com ele pela ci-dade inteira. Falavam que iriam até queimar o corpo! Depois um fazendeiro da época não aceitou quei-mar não. Fizeram um túmulo, uma sepultura para ele de fora da igreja - aí depois se desmanchou - de fora do cemitério, né? E enterraram ele lá. Fizer-am lá um túmulo, colocar-am um monte de pedras. Eles falam que até quem pegava caso difícil para resolver, pegava com a alma dele e era atendido, dizem que recebiam até graça com a alma do peão Paulino. Agora, isso foi em mil oitocentos e no-venta e dois, já tem muitos anos. Cento e tantos anos, né? Mas até hoje o povo se lembra dessa história, não se esquece. Aconteceu aqui em Carrancas e es-parramou-se pelas redon-dezas, por Minas Gerais inteira. Na época foi uma novidade muito grande, uma brutalidade dessas, umas coisas esquisitas.

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nenhum. E quando foi a noite, no outro dia teria um leilão. Teve leilão e depois teve uma festa, um baile, no casarão, ainda existe até hoje, lá na praça, lá embaixo. O casarão da família do Coro-nel Rozendo. Aí ele arrumou tudo direitinho, aprontou, para se vingar da moça. Quando foi certa hora ele – uns dizem que estava dançando com a moça, outros falam que não estava – quando a moça foi passando perto, ele a apunh-alou. Ele era muito treinado, esperto, ativo, né? E foi uma facada só, a moça logo, logo caiu e morreu mesmo. Quan-do eles pegaram ela no chão, já estava morta. Aí foi aquele alvo-roço e tudo lá, no salão. E ele encostou-se à parede com a faca, com o punhal na mão, e ninguém chegava perto dele. Í... mas ficou valentão mes-mo! Quando foi certa hora, um homem, um fa-zendeiro que estava dorm-indo, viu o alvoroço e acor-dou. Veio por trás escondido, pegou a tranca da porta, deu uma trancada na cabeça dele! Aí ele bambeou e caiu no chão. Aí eles pegaram, chegaram, amarraram, amar-rou ele todo, né? E começou a judiação, até no outro dia! Mas o homem não morria de jeito nenhum! Ele era muito forte. E até falaram que ele tinha pacto com o Coisa-ruim, antigamente era nor-mal essas coisas. E quando puseram ele lá no terreiro, amarraram ele deitado e depois levar-am para a praça. Havia um

tempo o namoro era bem... os pais palpitavam muito, a família. Davam muito palpite e tudo, não é? Mas ele ficou gostando dela, ela era uma costureira. Aí ele pediu ela em casamento, mas não se sabe por que, a família não aceitou. Não quis o casamen-to dela com o peão Paulino não. Quando chegou a festa de dezembro, todo ano se faz a festa em dezembro aqui. Em mil oitocentos e noventa e dois, dezembro de mil oitocentos e noventa e dois! Aí, muita barraca na rua, aquele movimento de gente, era muito animada a festa. De repente, puser-am lá, não se sabe quem pôs, uma tabuinha enverni-zadinha, arrumadinha com o nome né? Com o nome do peão. Quando o leiloeiro gritou lá, botou no leilão, e veio, ninguém pôs lance não né? Mas o leiloeiro já veio com a tábua e entregou para o peão, né? Uma tabuinha bonitinha assim com o nome dele. Aí ele não sabia do cos-tume não, ele era argentino. - Pra quê? O quê representa essa tábua aí? Eles riram muito dele, porque a turma do lugar já sabia, né? Da história... Aí um virou para ele e falou: - Não, isso aí é as-sim: quando um rapaz pede em casamento pra uma moça que não aceita, eles falam: “Leva a tábua! Toma a tábua!” Levou a tábua. Ê... mas o rapaz fi-cou envenenado! Nossa! O peão foi na lua e voltou. Não aceitou a história de jeito

Antigamente, aqui em Carrancas, apareceu um peão argentino. Chamava-se Paulino Franco, aí ele veio amansar tropas, amansar tropas nas fazendas. Ficou aí, ficou mais de um ano aí amansando tropas. E muito esperto, muito ativo, louco, era forçoso... Aí ficou gostando de uma moça na fazenda. Ela se chamava Jorgina. Começar-am um namorico e ele pediu ela em casamento. Naquele

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ABUSÕES: superstições.ADRO: pátio.ALAZÃO: diz-se do cavalo que tem cor de canela.ALFAIA: Utensílio de uso ou adorno doméstico.BAIÚCA: pequena taberna ou casa; bodega.BARBICACHO: cordel que prende o chapéu ao queixo.BURLÃO: enganador; trapaceiro.

CACATEADO: importunado.CACHAÇÃO: pescoção, pancada na parte posterior do pescoço;CACHACEIRO: aquele que se em-briaga com cachaça; arrogante, soberbo;CATITA: enfeitado; elegante; bonito.CHALEIRAR: bajular; adular.CHILREIO: ato de chilrear; sons agudos e estridentes dos pássaros.CHOÇA: choupana; cabana; rancho.CHOCHO: sem suco; sem miolo; sem grão; seco.CHUMBADO: embriagado.CHUPADO: embriagado.Circunstante: pessoa que está presente.DESDITA: desventura.DESVELO: cuidado.ESPAVENTO: espanto; susto.ESPORA: instrumento de metal que se põe no tacão do calçado para incitar o animal que se monta.ESTÚRDIA: estroinice; travessura; extravagância.FACETO: chistoso; alegre; gracioso; faceto.FAMULAGEM: criadagem.GINETE: cavalo de montar.HILARIDADE: alegria; riso; von-tade de rir.LODAÇA: lábias; astúcias; gabolices.

LOGRADO: enganado, iludido.LUSTRO: o espaço de cinco anos.MAROTO: malicioso; brejeiro; lascivo.MARRECO: astuto; sagaz.MATULA: corja.MODORRENTO: estúpido.MOTE: conceito de ordinário expresso num dístico ou numa quadra; para ser glo-sado; tema; epígrafe.PELEGO: a pele do carneiro com a lã que serve de forro ao assento do lombilho ou noEMBORNAL DE CAUSOS a me-moria do cotidianoserigote.PERQUIRIR: pesquisar, inquirir minu-ciosamente.PIASSAVA: (piaçava) nome de duas palmeiras que produzem fibras empregadas no fabrico de vassouras.PICAÇO: designativo do cavalo escuro com testa ou pés brancos.RELHO: azorrague feito de couro tor-cido; cinturão; fivelão; cinto.ROSETA: roda dentada da espora.SÓTA: dama, nas cartas de jogar.SUÇUARANA: animal carniceiro da família dos felídeos; puma; onça vermelha.TABUADO: assoalho; tapume de tábuas.TIRADOR: tira de couro que os laça-dores põem ao redor da cintura quando laçam a pé.TOLDA: turva.TREMENTE: que treme; trêmulo.TROPELIAS: desordem; confusão; tu-multo.VANTE: proaVOLUTUOSO: sensual

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GLOSSÁRIO

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CASCUDO, Luís da Câmara; ANDRADE, Mario de, Cartas, 1924 – 1944. Organizador: Marcos Antonio de Moraes. São Paulo: Global, 2010.______, Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: MEC, 1954.______, Literatura Oral no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora/ MEC, 1978a.______, Seleta. 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.DETIENNE, Marcel, Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.ELIADE, Mircea, O sagrado e o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001.FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004.LE GOFF, Jacques, História e Memória. Tradução Bernardo Leitão... [et al.]. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala-de-aula. São Paulo: Contexto, 1997.TEIXEIRA, Simonne; VIEIRA, Silviane de Souza... [et al.], Educação patrimonial: novos caminhos na ação pedagógica. Campos dos Goytacazes: EDUENF. 2006Informações do IPHAN disponíveis em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSe-cao.do;jsessionid=092730D01A132E79E32EBCBE412DF280?id=10852&retorno=paginaIphan

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Número de ISBN978-85-8141-046-3