café receitas causos

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Page 1: Café Receitas Causos
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Causos,café e

companhia

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Este livro é uma publicação do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais – SINPRO-MG.

Filiado à Fitee, CONTEE e CUT

Os textos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Ilustração da capa Eunice Carattiero da Paixão

Programação VisualMark Florest

EdiçãoDenilson Cajazeiro

Revisão Tomaz Nogueira

Digitação Maria Helena Diniz

Maria da Glória MoyleMiriam Fátima dos Santos

Departamento de Comunicação Débora JunqueiraDenilson Cajazeiro

Departamento de Professores AposentadosHeleno Célio Soares

Maria da Glória MoyleMiriam Fátima dos Santos (organizadora)Nardeli da Conceição Silva (organizadora)

Impressão Gráfica do SINPRO-MG

Novembro de 2006

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Page 5: Café Receitas Causos

Índice

Apresentação........................................................................... 7

A falecida..................................................................................9

A noiva do Zequinha............................................................. 10

Abaixa no pinico, Tiana, que eu desço a calça................... 12

Ataque de nervos.................................................................. 14

Causo poético....................................................................... 15

Causos com broa................................................................... 18

Dr. Crispim............................................................................. 20

Duca criatura......................................................................... 22

Em alguns casos até que eles têm razão,

mas a recíproca também é verdadeira!.............................. 24

Estória de pescador.............................................................. 27

Folhas urbanas, memórias em papéis................................. 28

Lembranças de minha infância............................................ 31

Mais um “causo” de arrepiar................................................ 33

Males que vêm para o bem................................................... 35

Marias de fé........................................................................... 36

Negócio de compadres......................................................... 38

O homem do saco................................................................. 41

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O morto vivo.......................................................................... 40

O substituto do motorista..................................................... 43

Pipa e Brisa............................................................................ 44

Quando o mineiro toma café, uai !..................................... 47

Que assombração que nada.................................................. 55

Reminiscência........................................................................ 57

Sacadura................................................................................ 60

Te esconjuro.......................................................................... 62

Terezinha............................................................................... 65

Testemunho.......................................................................... 68

Zé Redondo e a banda do porco.......................................... 71

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ApresentaçãoO café não fazia parte dos hábitos alimentares dos brasileiros

até o século XIX. Hoje, a bebida é servida em diversos momentos. Émarca registrada da hospitalidade brasileira. Significa o início de umdia, a pausa no trabalho, a conversa com amigos, ou seja, é presençaconstante em nosso cotidiano.

Em Minas, na terra do queijo, o café ganha um sabor especial,diferenciado. Ele vem recheado de causos e moda de viola, poismuitas famílias cresceram ouvindo e contando causos em volta deum fogão a lenha ou de uma mesa repleta de saborosas quitandas.

Os causos são histórias simples, mas nem por isso menos ricas,pois fazem parte da nossa cultura. Contar histórias é dar vida aoacontecido, o que o mineiro faz com muita propriedade. Você seenvolve, se sente aconchegado. É como se nada existisse de tristeou perigoso neste mundo. As montanhas que pareciam nos isolar, naverdade, nos protegem até mesmo da solidão.

Por isso, convidamos você a fazer esta viagem, neste universode aconchego, e saborear o bom café, acompanhado das nossas deli-ciosas receitas de quitandas, apresentadas em muitos de nossos“causos”.

Aproveitamos para registrar o nosso agradecimento a todos osprofessores que contribuíram com este trabalho, enviando seus“causos”.

Sindicato dos Professores do Estado de Minas GeraisDepartamento de Professores Aposentados - Deasinpro

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A falecida

Era sexta-feira. O dia na repartição parecia ser de alegria. Oscolegas combinavam sair para uns instantes de lazer e descontração.Foi quando chegou a notícia. Morrera uma ex-funcionária de nomeOdete.

Lá era assim. Quando morria algum funcionário ou ex-fun-cionário ou mesmo algum parente de funcionário da empresa, osseus empregados ficavam em alvoroço. O motivo era que saíam daempresa duas kombis lotadas para o velório. A explicação era óbvia:os funcionários só iam porque era no horário de serviço. Se fossefora do expediente, não ia nenhum para contar notícia.

As kombis saíram lotadas, e os funcionários iam alegres. Maisparecia festa e não velório. Na primeira kombi, Valter, o motorista,seguia com mais gente que esta comportava. Valter já havia traba -lhado com a falecida, mas não sabia onde era a casa dela. Depois dealgum tempo, roda daqui e dali, pede informação a algumas pessoase a kombi pára na residência da dita cuja. O local estava tranqüilo enão parecia que havia morrido alguém. Naquele tempo, usava-sefazer o velório na própria residência.

Valter desceu do carro e tocou a campainha. A porta abriu, equem vem atender a turma? A suposta falecida. Valter, muito assus-tado, perguntou a ela: “Uai, telefonaram lá para a empresa e disse -ram que você tinha morrido!” Odete, achando graça, olhou para elee disse: “É, eu morri sim, mas como não tinha ninguém para atendera porta eu mesma vim”. Todos riram e confraternizaram com a fale-cida que, na verdade, não estava nada falecida.

Miriam Fátima dos Santos

Edílson Luiz dos Santos

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A noiva do Zequinha

Muitos eram os boêmios daquela cidadezinha pacata, alegre,cercada de montanhas que tornava o verão bem quente e poucoventilado. Nesta estação do ano, não havia para muitos outra opçãopara refrescar, mesmo nas noites chuvosas, senão procurar o fielgrupo do Bar do Ponto. Uma cervejinha daqui e outra caipirinha dalianimava o bate-papo, que já atraía muitos fregueses. Depois um tira-gosto para completar e os amigos poderem saborear os deliciososquitutes do Barroso. O bolinho “sonho” era bem solicitado já nomeio da noitada. Parecia que eles despertavam naqueles sisudoscompanheiros a vivência de sonhos já concretizados e outros aindaalmejados. Sempre sonhavam... Até com o retorno ao seu “Lar doceLar”, onde seriam bem acolhidos, com caldinho quente ou um escal-da-pés feitos pela esposa carinhosa que (quem sabe!) esperavaansiosa o companheiro arredio. Bom sonho este!

Muitos casos eram lembrados, muitas fofocas sem malícia epiadinhas engraçadas tornavam o ambiente caloroso e descontraído.E até o caso da Inês, noiva do Zequinha, foi lembrada por um deles:“Linda moça a Inês!” Pele clara, corpo esguio, alegre e prendada,preparou-se durante muito tempo para o solene dia do casamento.Trabalhou, juntou vintém por vintém e no dia marcado, 27 de maio,tudo estava pronto. O vestido branco realçava a pureza da noiva quealimentou o lindo sonho de sua adolescência e que agora iria setornar real. Na capela, os convidados assentados aguardavam oacontecimento e cochichavam pelo atraso do noivo. O padre ia evinha, seu olhar se perdia no fundo e a noiva, cansada de ficar de pé,resolveu entrar ao som do órgão, vacilante e apreensiva, para espe -rar o noivo perto do altar. Nenhuma notícia, nenhum sinal, nenhumnoivo.

O tempo passou, os convidados sorrateiramente foram se reti-rando, deixando a noiva ver seu sonho se desmoronar e ser trocadopela decepção, pela angústia, pelo desespero. E ouviu-se o choro, ogrito e a saída da noiva sem o som do órgão. Apenas o som do pran-

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to. Ela não soltou o buquê de flores naturais tão perfumado quetrazia nas mãos. Ela não tirou o vestido branco nem o véu rendadoque embelezava seu semblante. Saiu do altar e continuou com o toc-toc dos sapatos, andando pelas ruas da cidade à procura de seuamado, sem destino, sempre na esperança de tê-lo um dia de voltapara concretizar seu desejo. Perdeu o juízo. O buquê era sempresubstituído, o vestido sempre renovado pelas pessoas da cidade quese compadeciam com sua dor. E todos davam flores de seu jardimpara a Inês renovar a cada dia sua vontade de reencontrar seuZequinha.

Um dia, ele voltou, feio e cabeludo. Também perdera um poucode seu juízo. Mas ela não o reconheceu. Não era aquele o Zequinhaque amou. O outro era jovem, limpo e cheiroso. Ela não percebeu otempo passar.

O Zequinha hoje é um vendedor ambulante que passa pelas ruascom seu balaio de vime e gritando: “Olha a cuia de cuieté e a melan-cia putaiada (por talhada). Quem qué comprá?”

RECEITA DO SONHO

6 xícaras de farinha de trigo3 ovos1 xícara de açúcar1 e meia colher (de sopa) de pó Royal3 colheres rasas de manteiga1 colherinha de salLeite até dar ponto de enrolar.

Modo de fazer: enrolar, fritar e passar no açúcar misturado comcanela.

Maria de Fátima Azevedo Maffra

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Abaixa no pinico, Tiana, que eu desço a calça

Zé de Durvalina era o homem mais preguiçoso daquela região edaqueles tempos. Se alguém precisasse de ajuda no roçado, na ca -pina, na lida com o gado ou no engenho e mandavam chamar o Zéde Durvalina ele nunca estava em casa. Durvalina e as meninasestavam sozinhas na lida com a horta, a roça de milho e feijão, oquintal e uma meia dúzia de galinhas. Zé estava no meio do mato.Tinha mania de caçar bichos. Prendia os bichinhos em gaiolas e nosábado ia com a família para a venda de Tiana. Esperava o caminhãode Valadares passar e negociava os bichos com o motorista.

Um dia, Zé de Durvalina pegou no mato um bicho preguiça edois filhotes e foi para a venda levando os bichos agarrados em umgalho de árvore. Ele segurava em uma ponta e Durvalina na outra,as meninas iam andando atrás, carregando cada uma duas gaiolascom uns marrequinhos, dois periquitos e um tatu. Zé encontravacom as pessoas pelo caminho e elas caçoavam dizendo: “Zé deDurvalina vai vender a parentada toda”... Animado, ele respondia:“E por um bom preço quero comprar um corte de casimira de riscae fazer uma calça nova para a festa de Santa Rita”.

Chegou na venda, negociou os bichos e juntou gente curiosapara ver as preguiças. Muita chacota, pois a notícia que se espalhouera de que Zé da Durvalina estava vendendo a parentada toda.Alguns chegavam a acreditar que ele estava disposto a mandar paraValadares a mulher e as filhas. Pôs o dinheiro no bolso e a bichara-da na carroceria do caminhão. Entrou na venda. Pediu uma garrafade pinga, abriu e foi bebendo devagar.

Durvalina observava, reconhecia o ambiente, ficou observandoas novidades, umas bacias esmaltadas de branco e uns pinicosgrandes e esmaltados também. Examinou os dois, ficou com umpinico na mão. Zé contava o dinheiro e olhava a casimira riscada naprateleira. Durvalina pediu Tiana para separar uma lata de

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querosene, um pacote de sal, mandou descer da prateleira trêscortes de chita, um para ela e dois para as meninas, ia fazer vestidosnovos para a festa de Santa Rita, colocou o pinico em cima do bal-cão e pediu para Tiana somar tudo. Zé recontava o dinheiro e bebiaa pinga. Tiana somou. Zé reconfere o dinheiro e diz: “Durvalina, praque pinico se eu quero um corte de calça”. Ela retruca: “Tá pre-cisando Zé. O nosso é pequeno e tá furado, todo dia tem um poço demijo debaixo da cama”. Ele pega o pinico, examina, olha o fundo,coloca na virilha, repara o traseiro da mulher, novamente confere alargura do pinico, faz um sinal afirmativo com a cabeça e diz: ”Então,tire o querosene”. Ela argumenta: “Zé, precisa molhar o pavio dalamparina, faz uma semana que o querosene acabou”. Ele pega nopacote de sal, nos três cortes de chita, pergunta de novo o preço dopinico. Olha para Tiana. Bebe mais um gole da pinga, bate com amão no balcão e grita: “Abaixa no pinico que eu desço a calça”.

RECEITA - PASTELÃO

24 colheres de farinha de trigo1 colher de fermento1 ovo2 pires de queijo raladoSal1 copo de leite morno3 colheres de manteiga

Modo de fazer:Misturar todos os ingredientes e ir acrescentando o leite aos

poucos. Abrir metade da massa em uma forma untada com man-teiga, rechear a gosto (frango desfiado com catupiry, palmito, baca -lhau...), cobrir com a outra metade da massa e dourar com umagema de ovo e um pouco de manteiga. Depois, assar em fornoquente por 40 mi nutos.

Luiza Marilac de Pinho Marques França

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Ataque de nervosO vizinho de frente da minha mãe, lá em Diamantina, era muito

farrista. Quase toda noite chegava em casa pelas tantas. A mulheracordava, chorava, reclamava, chamava a filha mais velha, já moci -nha, a Idalina, para ver a cena enquanto o marido se desculpava,inventando mentiras. Ele falava com a mulher que iria “se largardela” se não parasse com aquela amolação toda vez. Mas, na próxi-ma vez, chegava tarde e tudo se repetia.

Naquela noite, a farra se estendeu até mais tarde ainda. Ohomem chegou em casa na ponta dos pés, mas o ouvido afiado damulher já havia percebido sua entrada desde o portãozinho dos fun-dos.

A cena toda recomeçou. Desta feita, a mulher ainda caiu nochão, tendo um “ataque de nervos”... Ao ver a filha tão novinha depé, assistindo aquilo mais uma vez, o pai lhe falou: “Corre, Idalina,apanha um balde grande, enche de água fria do tanque e me tragaaqui, depressa”. A jovem fez direitinho o que o pai lhe mandara. Aochegar com o balde d’água, perguntou-lhe: “Mas o que é que o se -nhor vai fazer com isso, pai?” “Idalina, minha filha, o senhor Antônio,o farmacêutico, me disse que é ótimo jogar água fria na pessoa nahora em que ela está tendo um acesso”.

E foi logo pegando o balde para arremessar a água. Nestemomento, a mulher se levantou, arrumando a roupa, e exclamou:“Que diacho. Nesta casa não se pode nem mais ter um ataquesossegada!”.

Maria de Lourdes César da Rocha Bueno

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Companheiros professores, atenção a esta história,Do PÃO DE QUEIJO das dores, da emoção e da vitória.Vou divulgar a vocês, o CAUSO que ouvi contarÉ interessante ao freguês, mesmo se ele arrepiar.Acredite se quiser! O poema é da Silvinha!Se o pão de queijo fizer, a receita é da Ivoninha.

Causo poéticoVenho contar a vocês, algo que me surpreendeu:No velório do Juarez, quem foi lá se arrependeu.Cheguei, fui logo abraçar cada parente... tristonho.Ao defunto fui rezar, parecia mesmo um sonho!Às quatro da madrugada, com frio, estava a tremer,Mas a turma foi chamada, pra um cafezinho beber.Jamais eu me esquecerei do Pão de Queijo quentinho,A RECEITA ensinarei! Leia o CAUSO direitinho.Pão de queijo é uma receita do Estado bem brasileiroMinas Gerais é perfeita, na exportação é o primeiro.A sua ORIGEM incerta vem do século dezoito,Mas, mineira é nota certa que sabe fazer biscoitoTodo artista em culinária quer a receita e insiste,Delícia extraordinária, sempre a elogiar persiste.O pão de queijo fofinho, a você adiantarei,Todo feito de carinho, o seu amor é uma lei.Três ovos quebro de leve, e a tudo vou misturar,Não precisa clara em neve, basta mexer sem parar.Um pote novo, bem cheio, de manteiga ou margarina,Com leite e água, então mexo, colocados na terrina.Três batatas descascadas, cozidas, tipo ao desejo:Inglesas, bem amassadas, seiscentos gramas de queijo.Queijo canastra ralado, bem curado é especial,O pão fica temperado, com uma pitada de sal.

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Polvilho DOCE é indicado! Dá consistência cremosa,Mas seca, pegue um punhado, faça a bolinha famosa!Pão de Queijo na assadeira e no forno pré-aquecidoCrescerá, sobremaneira e em meia hora, dourado.Pão de Queijo recheado, pode ficar bem gostosoDeixe seu regime ao lado do pedaço saborosoSei que na dispensa o mineiro cafezinho,O seu corpo sentirá a delícia do carinho.Pão de Queijo bem mineiro vai à Europa e ao Japão,Américas, mundo inteiro! É produto exportaçãoHá receitas diferentes com polvilho azedo e queijos...Coma pães de queijo quentes, entre aplausos ganhe beijos.A receita posso dar! E afirmar que vai dar certoPão de queijo pra lanchar, deixa o coração abertoMas a história continua, na receita que é só suaO fato é de arrepiar! E juro que desmaieiVer o Juarez a virar, no caixão não agüenteiEu fui parar no hospital, por pouco, quase morriNunca mais vi uma coisa igual! Eu aceitei, mas sofri!!O médico foi chamado e o pão de queijo servidoO pão de queijo aprovado: pelo ex-defunto? Comido!Entre abraços de alegria, milagre de fé vivida.Só resta mesmo a poesia, do Pão de Queijo da Vida,Hoje quem vai visitar o Juarez, vivo e robusto, ele diz: “Pude voltar, mas quase morri de susto”.

RECEITA - PÃO DE QUEIJO POLVILHO DOCE

Ingredientes:1 kg de polvilho doce, peneirado para dissolver os grânulos

(Marinez ou Amafil)3 ovos inteiros1 pote de manteiga (ou margarina) de 250 grEncher o pote vazio de margarina ou manteiga com uma medi-

da de leite e outra medida de água

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1 pitada de sal3 batatas cozidas e amassadas, de tamanho médio (inglesa)600 gr de queijo canastra (ralado)

Modo de fazerMisturar bem todos os ingredientesEnrolar os pães de queijo no tamanho desejadoPré-aquecer o fornoAssar durante 30 minutos em forno com temperatura média.

Ivone Aparecida Carvalho de Oliveira

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Causos com broa

Em algumas cidades do interior, até hoje são realizadas emnoites enluaradas ou em ocasiões especiais as famosas serenatas.Tive a bênção de curtir a minha adolescência em uma cidade dointerior de Minas, Bocaiúva, ao norte, onde Montes Claros é a refe -rência mais conhecida.

Possuíamos um grupo que, de tanto fazer serenatas e tocar emfestas, acabou transformando-se em uma banda. Por ocasião dasserenatas, reuníamo-nos na praça dos coqueiros, definíamos ascasas onde iríamos tocar, a quantidade de músicas, o repertório eonde iríamos roubar as rosas para deixar nas janelas.

As serenatas eram feitas em casas das namoradas e das mães,nas ocasiões próprias (dia dos namorados e dia das mães). Às vezes,encontrávamos também quando alguém do grupo tencionava “ga -nhar” uma menina. E foi quando Charlão, um parceiro da banda,resolveu conquistar uma garota que conheceu por acaso. É aqui quecomeça nosso causo.

Encontramo-nos na pracinha, fizemos o repertório, ensaiamostodas as músicas, e ele, desesperado, não nos dava paz, sempremudando as letras das músicas, procurando aquelas mais românti-cas. Nada podia dar errado.

Saímos à noite. Lá pelas três, quatro horas da manhã, a turmi -nha estava toda reunida. Eu e meu irmão tocávamos e os outros can-tavam as melodias escolhidas. Demoramos uns quarenta minutos,cantando, tocando e dedilhando o violão para impressionarmos amenina que o Charlão queria conquistar.

Ele tinha um voz muito bonita e chegava a fechar os olhos, can-tando e empolgado com as melodias. Fazia gestos para continuar-mos a tocar, encantado com o momento. Bom, adivinhem o toquefinal? Rosas. Uma janela cheia de rosas vermelhas que normalmenteroubávamos antes das serenatas. E agora! Lugar pequeno, todos seconhecem. A garota sabia que as nossas assinaturas eram as rosasna janela.

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Aí, um companheiro olhou ao redor e descobriu uma soluçãopara nosso tormento...

Fomos embora, satisfeitos, por ter cumprido com nossa missão,confiantes de que o Charlão iria conquistar a garota dos seus so -nhos.

No dia seguinte, era comum participarmos da missa e depoisíamos todos para casa de Vó Tiana tomar café com broa, feitosnaquele forno do quintal que só existe no interior. Estávamos lá, namaior farra, contando as novidades do dia anterior, quando chega onosso amigo Charlão com cara de choro. Tinha recebido um tele-fonema de sua “pretendida”. Ela não queria vê-lo nem pintado deouro, e lhe tinha dito palavras cruéis que acabaram com suasilusões.

Descobrimos que o desastre do resultado, imaginem, ocorreuporque as rosas que foram para a janela saíram da roseira da casa daprópria pretendente... Ainda por cima, era a roseira predileta damãe, que sempre as colhia para enfeitar a igreja local, coisa comumem nossa cidade. Que dureza, depois de tanto esforço!..

Olhamos para a cara triste do nosso amigo e pensamos: que iro-nia do destino. Logo por causa de umas simples rosas. Caímos narisada e o convidamos, para consolá-lo, a juntar-se a nós e comermosas deliciosas broas de fubá da Vó Tiana, pelo menos para consolar oestômago, pois o coração, este tinha que dar um tempo.

Neusa Faria

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Dr. CrispimDr. Crispim era médico e político na pequena cidade onde pas-

sei a minha juventude. De medicina não sabia muita coisa e, depolítica, acreditava mesmo só no “eleitor de cabresto”. Entendia queo povo humilde devia votar sempre de acordo com a cabeça dopatrão. Mas o que o Dr. Crispim fazia com maestria era contar van-tagens. Adorava ir para a pracinha da Matriz e ali ficar se pavonean-do, falando de seu prestígio e da riqueza que possuía.

Quando havia alguém de fora, então, é que ele descia a avenidatodo garboso, de camisa de colarinho engomado, gravata, suspen-sório e vendendo importância, à espera do forasteiro que certa-mente viria ter ao “ponto chic” e conhecer a igreja.

Certo dia, enquanto um dos seus amigos mostrava a praça a umhóspede vindo lá do norte de Minas, o nosso doutor se aproximou e,sem mais nem menos, começou a falar com o visitante:

- “Estou vendo que o senhor não é daqui”.- “Isso mesmo. Eu sou lá das bandas de Montes Claros. O se nhor

conhece?” - “Ainda não, mas o senhor é que está tendo a honra de co -

nhecer e apertar a mão do homem mais rico desta cidade!”Um pouco assustado, o visitante concluiu:- “Com muito gosto”.Era o que faltava para que o doutor continuasse:- “Eu sou o doutor Crispim, hoje apenas médico e fazendeiro.

Aqui no município tenho uns cinco mil alqueires de terra boa,cheinha de gado leiteiro. Lá na roça possuo uma casa de fazenda quedeixa ‘no chinelo’ qualquer uma das casas aqui da cidade, dos meusconterrâneos. Para falar a verdade, de riqueza não posso mequeixar! Está vendo ali aquele prédio? Nele funciona o cinema queé meu. As duas farmácias da cidade também são de minha pro-priedade, bem como os três armazéns. Isso sem falar das casas dealuguel que possuo. Dinheiro no banco, então, nem se fala”.

O visitante, de olhos arregalados, perguntou:- “O senhor nasceu em berço de ouro?”

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- “Não senhor. Nasci pobre!”- “Mas então o senhor teve muita sorte na vida, foi premiado na

loteria?”- “Quem me dera! Se isso tivesse acontecido, eu estaria hoje

muito mais rico ainda!”O homem criou coragem e arriscou já mais desinibido:- “Ah! Imagino que tenha se casado com mulher rica ou compar-

tilhado de sua herança”.Ele deu um certo risinho crítico, pois começava a desconfiar de

tanta soberba.- “Também não, meu amigo, também não”.- “Bom, de duas, uma: ou o povo da cidade adoece muito”, falou

com ar de malícia, “ou o senhor já foi prefeito!”Apelou, dando uma gostosa gargalhada de pura troça.

Enchendo o peito, Dr. Crispim ergueu a mão direita, escondeu opolegar e abriu bem os outros dedos, e exclamou:

- “Prefeito sim; quatro vezes, quatro vezes!!!”

Maria de Lourdes César da Rocha Bueno

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Duca criatura

No final dos anos 60 e início dos 70, Santa Luzia era uma paca-ta cidade no cenário mineiro. As pessoas se conheciam, era comumsempre encontrar grupos proseando nas portas das casas. E o hos-pital era também um local de encontro, pois era dirigido por ummédico que também era o prefeito. Ali, amigos e políticos se reuni-am para falar de política ou jogar conversa fora. Suas salas grandeslembravam as fazendas do século XVIII.

Mas uma sala era mais especial, pois havia nela uma grandemesa rodeada de pesadas cadeiras. À tarde era comum ser servidoali um gostoso café com saborosas quitandas para esquentar o bate-papo.

Um certo dia, Dr. Oswaldo, o referido médico, estava em voltada mesa com alguns amigos, entre eles um político de uma cidadevizinha. Conversa vai, conversa vem, até que chega na porta umafigura muito conhecida na cidade por sua habilidade política, e hábilprincipalmente em se sair bem de situações embaraçosas que àsvezes ele mesmo criava, pois era um pouco distraído. Era o famosoDuca, “Duca criatura” como era conhecido. O Dr. Oswaldo, como umbom anfitrião, convidou Duca para fazer parte daquela mesa e logoo apresentou ao político. “Oi, Duca, este é de Jaboticatubas, veiohoje nos visitar”.

Duca, sempre muito simpático, deu as boas-vindas ao visitantee falou do seu carinho pela cidade. Para ser mais simpático aindadisse: “Que bom sô, ocê por aqui, eu tenho em Jaboticatubas umgrande amigo; ele até já foi prefeito lá”. “Vai então eu devo conhecer,pois também já fui prefeito”, respondeu o visitante. “É um amigão,eu sempre me encontro com ele; é o Zequinha”. “Uai sô, Zequinhasou eu?”

Dr. Oswaldo ficou vermelho. Levantou-se e saiu da sala, poisficou sem lugar. Mas Duca, muito articulado, ajeitou-se na cadeira elogo respondeu: “Mas criatura, ocê mudô foi demais. Eu quase nemte conheci”. Eles se abraçaram e começou ali uma amizade, pois na

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realidade nunca tinha visto e nem falado com o Zequinha, apenas jáhavia escutado algo sobre ele.

Nardeli da Conceição Silva

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Em alguns casos até que eles têm razão,

mas a recíproca também é verdadeira!

Eu viajava a trabalho e, a cada 45 dias úteis, morava em umacidade diferente em Minas Gerais. Se o município ficasse próximo aBelo Horizonte, eu passava os finais de semana em casa. Caso con-trário, ia conhecer alguma cidade vizinha.

Estava em Paraguaçu, no sul de Minas, e resolvi trocar minhaviagem de ônibus, na sexta-feira à noite, por uma carona oferecidapela dona do hotel, que iria para BH no sábado. Ela ia se encontrarcom o marido e, pelo jeito, a saudade é quem dirigia pra ela, pois opé pesava no acelerador de tal forma que raramente um carro fica-va por muito tempo na nossa frente.

Em um determinado trecho da rodovia, deparamo-nos com umafileira enorme de caminhões que provavelmente nos fariam perderminutos preciosos da nossa viagem, mas ela nem vacilou: sem qual-quer raciocínio, jogou o carro para a esquerda e saiu cortando umpor um. Não tínhamos atingido nem a metade na nossa meta quan-do, próximo a uma curva, apontou um carro, também em alta veloci-dade, vindo em nossa direção.

Difícil descrever o que sucedeu naquele momento, pois o acon-tecimento é muito mais amplo do que o relato que a gente conseguefazer dele depois. E muito mais rápido também!

Imagino que o motorista da carreta que estava ao nosso ladoreduziu a velocidade na tentativa de impedir a batida que, para mim,seria inevitável, e a minha companheira, entendendo o seu recado,conseguiu, com grande maestria, entrar naquele espaço mínimo queficou entre um caminhão e outro.

O alívio de me ver sã e salva foi tamanho que nem me lembrei

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daquele que me proporcionou continuar respirando e poder aindahoje relatar este caso, até que li no pára-choque do caminhão querodava na nossa frente:

“Obrigado, Senhor, por mais um dia!”

Outro causoDias depois, nessa mesma cidade, a diretora da escola na qual

eu estava trabalhando me convidou para ir com ela até Alfenas.Como estava com tempo livre, ainda não conhecia a cidade e ademora seria pouca, aceitei prontamente. Quase me arrependi. Amulher dirigia de uma forma que me causava desespero.

Não corria, pelo contrário! O carro se arrastava pelo asfaltodando umas sacudidas tão estranhas que a impressão que se tinhaera a de que a qualquer momento ele fosse estragar. A certa alturao irmão dela, que viajava no banco do carona, não se conteve mais edisse:

- “A quarta, a quarta!” Ao que ela responde:- “A quarta o quê?”Ao relembrar este fato fiquei imaginando: será que hoje ela vive

se esbravejando contra a indústria automobilística que a cada diaincorpora uma marcha nova aos seus veículos ou será que ela já setornou uma adepta dos carros hidramáticos?

RECEITA - BOLINHOS DE ARROZ

É muito comum, na minha família, alguém sofisticar a mesa comum prato francês. Às vezes, costumamos servir, em alguns dias,“sobré de almocé” e, em outros, “resté de janté”. Mas é comum, tam-bém, aproveitar algumas sobras para fazer bolinhos e o mais comumé o de arroz.

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Modo de preparar:

Passe o arroz na máquina de moer carne ou no processador e,se estiver bem cozido, pode até amassar com garfo. (Utilize umprato – sopa – como medida).

Coloque a massa numa vasilha e acrescente 1 ovo para cadamedida de arroz. Se este estiver bem temperado, não precisa colo-car sal.

Acrescente cheiro verde bem picadinho e pimenta, se for do seugosto, e misture bem.

Com duas colheres, passando de uma para a outra, coloque osbolinhos diretamente no óleo quente.

Retire-os quando estiverem dourados, deixe escorrer e... Bomapetite!

Glória Moyle

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Estória de pescador Carlos era presidente de um sindicato do interior. Ele mantinha

grande amizade com os demais membros da diretoria. Toda vez queum amigo tinha alguma dificuldade, justificava que estava com eleno samba, numa pescaria ou numa outra farra, como era comum naturma.

Em um primeiro de maio, dia do trabalhador, que caiu numaquinta-feira, e, como é normal neste período, a turma enforcou asexta-feira. Carlos teve que participar de uma manifestação em SãoPaulo. À noite, já no hotel, ele passou mal e foi levado para o hospi-tal, teve um enfarte e faleceu. Foi um choque na cidade e no sindi-cato. Os companheiros do Carlos começaram a comunicar-se parainformar o que havia ocorrido e tomar as providências do transladopara a cidade e o velório.

Nesta confusão, o Fernando, que era muito amigo do Carlos,não foi localizado. Como era um feriado prolongado, muitos tinhamviajado. Ligaram para a casa do Fernando, que não estava. Falaramcom Regina, esposa dele, que, chocada, tentou entrar em contatocom o marido pelo celular. Com muito cuidado, para não dar umchoque, foi perguntando:

- “Fernando, onde você está?” Fernando, para se justificar com a esposa que sempre esteve

com Carlos em todas as farras, foi logo falando:- “Estou com o Carlos numa pescaria, e está ótima, pois já pe -

gamos vários peixes”.Regina virou uma fera e pediu esclarecimento:- “Como assim, se eu estou tentando te avisar que o Carlos fale-

ceu em São Paulo hoje de manhã, e todo mundo está no sindicato,tentando te achar?”

Essa pescaria resultou na separação do casal.

José Carlos Padilha Arêas

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Folhas urbanas,memórias em papéis

Era uma família de 14. A mãe viúva, com seus seis filhos. O paiviúvo, com seus seis filhos. E Emanuel Chagas Santiago. Nasceudessa união de família em uma casa pequena, onde ainda bebêdividia o quarto com suas irmãs para que elas pudessem tomarconta dele na única hora que a mãe dormia. Eram sete mulheres,cinco homens, o pai, a mãe e Emanuel. Franzino que nem ele só,todos achavam estranho sua orelha desproporcional, seu olhararregalado e a boca sempre aberta. Cresceu no meio daquele tantode gente, sempre os mais velhos implicando com ele: "Emanuel,quantos filhos tem sua mãe?". "Sete", respondia ele. "Emanuel,quantos filhos tem seu pai?". "Sete". E aí vinha o deboche: "Então,Emanuel, vocês são quatorze?". "Não, somos treze". E todos riam dacriança que não conseguia se explicar.

Com o passar do tempo, sua timidez se aguçou de tal formaque, quando da morte do pai aos seus nove anos, Emanuel já nãoconversava com ninguém além de sua mãe. Dona Palma, professoraformada, costureira de mão cheia, parteira e curandeira, entreoutros atributos de boa dona de casa, teve de desenvolver uma fór-mula para sustentar sozinha seus filhos e enteados. Educava as cri-anças dentro de casa para não ter mais gastos com escola, espicha-va até não poder mais a pensão de dois maridos falecidos, costura-va vestidos para as moças e madames e distribuía favores pela vilaafora fazendo partos e curando males em regiões aonde médicos eenfermeiros não chegavam. Sempre Emanuel na barra de sua saia.Emanuel não desgrudava de sua mãe, e todos achavam que ele tinhaum problema sem solução. Achavam estranha sua face um tantodestorcida, sua forma de ignorar qualquer um que estivesse à suavolta, não respondia, não olhava nos olhos de ninguém, ficava a ba -lançar a cabeça em diagonal de cima para baixo e a boca sempreaberta com o queixo caído e o beiço inferior avantajado.

Agitado, sem bulir com ninguém, chamava atenção por seus

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repentinos descontroles de gritos e tremores de mãos, quase sebatendo no rosto. A mãe dizia: "Emanuel é meu anjo, não bula comele, senão se verá comigo". E assim foi crescendo grudado à mãe.

Aos dezesseis anos, Emanuel perdeu a mãe. Todos ficaram pre-ocupados com o futuro daquele jovem. Não por condições de mora-dia, pois ao ficar viúva pela segunda vez, o governo concedeu à suamãe o direito à casa própria. Muito mais pela solidão em si. Aprimeira providência a ser tomada era como contar a Emanuel doocorrido. Chamaram então o filho do prefeito, primo de Emanuel,que era médico para conversar com ele. Doutor Eloízio, meu pai,explicou várias vezes de inúmeras formas diferentes sobre o que eramorte e o que havia acontecido com a mãe. Após todas as tentati-vas, já exaurido, o primo lhe pergunta: "Emanuel, você entendeu?"Emanuel lhe pisca em sinal afirmativo. Intrigado, o médico ques-tiona: "Mas você não vai chorar? É a sua mãe." Após muitos anos desilêncio, ele soltou uma frase: "Chorar agora, não, agora ela não sofremais". Assim como o médico, toda a cidade ficou comovida com oentendimento daquele jovem que ninguém esperava quase nada.Então todos começaram a cuidar de Emanuel. A cidade se revezavadando-lhe alimento e roupa. Ele comia bem, mas não usava asroupas que lhe eram dadas.

Após um mês da morte da mãe, Emanuel, sem qualquer expli-cação, começou a varrer a cidade. Começava de manhã e só paravano final da cidade no começo da noite. Todos os dias. Pequenasparadas para comer quando alguém lhe dava comida, e seguia emfrente. Produzia suas próprias roupas de jornal e cola. Uma roupadiferente por dia para varrer a cidade. Um dia a mulher do prefeitoo viu parado sentado ao meio fio, lendo um catálogo telefônico. Elacomeçou a lhe trazer um livro por dia, e ele os devorava em poucashoras e voltava a varrer. Um mês, uma média de trinta livros lidos.Ele não aceitava livros repetidos. Usavam dar o mesmo livro comuma nova capa, não adiantava, ele não aceitava. Começava a ler,jogava o livro fora, e voltava a varrer. A cidade desenvolveu talcuidado com aquela entidade municipal que, quando viajavam paracidades maiores como Governador Valadares, Ipatinga, Caratinga ouaté mesmo Belo Horizonte, todos traziam livros para Emanuel.

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Inúmeros livros, difíceis ou fáceis, Emanuel os adorava. Aos trinta e dois anos, Emanuel morreu dormindo. Sem neces-

sidade de uma autópsia detalhada, a cidade entendeu a morte mor-rida de Emanuel. Acharam-no no terceiro dia de falecido, apósarrombar sua porta por causa de um mau cheiro e um amontoado defo lhas pela cidade. Aberta a porta de sua casa, havia uma imensaquantidade de livros, um colchão e Emanuel sobre ele. Ao retirar ocorpo, levantaram o colchão e descobriram inúmeros contra-cheques debaixo do colchão. Emanuel nunca havia parado de rece-ber o dinheiro da pensão de sua mãe, mas também nunca os haviadescontado. Guardava-os. Ao ver aquela casa abandonada, todoaquele dinheiro e os livros, o prefeito só podia fazer uma única coisa:abrir uma biblioteca. E assim foi feita em Inhapim a bibliotecaEmanuel Chagas Santiago.

Natália Pereira Chagas

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Lembranças de minha infânciaEu tinha mais ou menos uns seis a sete anos quando morava na

fazenda em Ipanema, Minas Gerais. Minha mãe sempre festejava oaniversário do meu irmão mais novo que eu, nascido no dia de SãoJoão Batista (24 de junho).

Para a realização da festa havia uma preparação enorme e commuita alegria. Meu pai e meus irmãos mais velhos eram responsáveispela fogueira, foguetes, bandeirinhas, ventarolas, cachaça etc.Minha avó preparava a bandeira de São João, retrato grande pinta-do em tecido e enfeitado com flores de papel. Minha mãe era quemfazia todas as quitandas como broas de fubá, bolos de farinha detrigo, doces de mamão, de cidra, de leite, canjica, pés-de-moleque eos famosos e deliciosos “biscoito de polvilho”, que eram assados noforno de barro, como as outras quitandas.

Mas o que eu tenho vivo em minha memória e com muitasaudade é quando minha mãe fazia os biscoitos de polvilho, porqueera uma farra só. Ela fazia uma verdadeira obra de arte com aquelamassa que saía por um buraco bem redondinho em um pedaço depano, sobre as folhas de bananeira. Ela ia desenhando, ou melhor,esculpindo as letras maiúsculas iniciais de nossos nomes e contan-do histórias sobre ela, sobre a família de seus pais e sobre nós, os fi -lhos que éramos quase uma dúzia e meia de irmãos. Ah! Até o nomedo meu pai ela fazia e contava uma história, senão ele ficava comciúmes. Ih! Como era maravilhoso e divertido tudo aquilo, pois,enquanto os biscoitos assavam, nós apostávamos qual biscoito iriaficar maior e mais bonito. Eu gostaria de viver isso tudo de novo,mas como é impossível na realidade, vivo em meu pensamento essadoce lembrança de minha infância.

A RECEITA DO FAMOSO E DIVERTIDO BISCOITO DE POLVILHO É A SEGUINTE:

Ingredientes:1 prato de polvilho

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1 prato de gordura de porco1 dúzia de ovosUma pitada de salÁgua

Modo de fazer:Em uma gamela ou bacia, escaldar o polvilho com água quente

e a gordura de porco, e misturar com as mãos até desmanchar todasas bolinhas. Acrescentar aos poucos os ovos e misturar a massa atéfichar um mingau, no ponto (nem ralo, nem muito grosso).

Colocar a massa aos poucos em um pano, com um buracopequeno ou em um espremedor de massas de biscoito e fazer os bis-coitos de acordo com sua criatividade nas folhas de bananeira outabuleiro. Coloque para assar em forno a lenha bem quente durante30 minutos. E aí é só esperar assar para saborear o delicioso biscoitode polvilho com café ou leite.

Obs: Escrevi esta história em homenagem a minha mãe, MariaSoares de Faria, que tem 85 anos, e em agradecimento a minhaamiga Nardeli, com muito carinho e alegria.

Maria da Conceição Ribeiro de Faria

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Mais um “causo” de arrepiar...Eu me lembro quando assentávamos na cozinha, próximo ao

fogão de lenha, onde mamãe preparava deliciosas guloseimas e papaise punha a contar seus famosos “causos” de assombração. Sob a luzda lamparina, papai olhava bem para mim e meus irmãos e se sentiafeliz quando percebia que estávamos morrendo de medo, pois sabiaque ele era o centro das atenções. Ele contava estórias como esta:

“Certa vez, eu e meu ajudante Zezinho voltávamos do trabalhomais tarde do que de costume, pois o velho caminhãozinho havia sequebrado e não foi fácil de arrumá. A noite tava bem escura e aestrada deserta, onde só se ouvia, na carroceria do caminhão, osacolejar das latas de leite e dos caixotes e grades vazias que servi-ram para o transporte do leite, das galinhas, ovos e verduras pracidade. Eu e Zezinho tava bem distraído a cantarolá umas modinha,quando, de repente, começou uma ventania e uns relâmpagos quedava medo. Comecei então a apertá o pé no aceleradô do caminhão,mas ele não me obedecia muito porque já tava muito velho. Nós doisnão via a hora de chegar em casa. Certa hora, nós avistamos umvulto branco lá longe e Zezinho, muito medroso, foi falando:

- “O que é aquilo sô Valico? Parece uma muié!...” Eu fui firman-do a vista, fomos chegando mais perto e deu pra vê que era mesmouma muié e que queria carona. Eu, que não sou medroso, fiqueitodo arrepiado, mas tive que parar o caminhão porque a muié tavabem no meio da estrada. Então falei com muito custo:

- “Noite dona! Pra onde a senhora vai a essas hora?” Ela nãorespondeu nada, ficou me olhando e pulou em cima do paralamas,bem do meu lado. Fiquei de perna bamba e comecei suá frio, quan-do, de repente, ela, numa rapidez enorme, esticou todo o corpo,passou por cima da buléia do caminhão e ficou encarano o Zezinho,que chorava e tremia de batê o quêxo. Aí, então, ela ficou no vai evem, ora encolhia e me encarava e ora esticava toda e encarava oZezinho.

Apavorado, apertei mais o pé pra chegar rápido na cidade,quando, de imediato, ela desapareceu. Aí eu parei o caminhão e vi

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que ela tinha sumido bem na horinha que passamos na frente docemitério.

Quando peguei o relógio que carregava na algibeira, vi que erameia noite e que aquela muié só podia ser uma alma penada.Começamos então a rezar e, enquanto eu dirigia, o Zezinho faziauma cruz com os dedo indicador, até chegar em casa”.

Quando papai terminava, ele ria das nossas caras de assustadose ainda olhava para a mamãe e dizia: “Isso é fato acontecido, tá aí aDete que não me deixa mentir.”

RECEITA - BROA DE FUBÁ

Ingredientes:3 ovos2 colheres (sopa) de margarina1 xícara de óleo2 xícaras açúcar1 pitada de sal2 xícaras de leite azedo2 xícaras de farinha de trigo1 xícara de fubá 1 colher de sopa de pó Royall xícara de queijo ralado2 colheres de coco ralado

Modo de fazer:Bater bem (na batedeira ou no liquidificador) os ovos, a man-

teiga, o óleo, o açúcar e o sal. Acrescentar o leite e bater mais umpouco. Despejar essa mistura em uma bacia e acrescentar aospoucos a farinha, mexendo sempre. Em seguida, acrescentar o fubá,o pó Royal e bater bastante até formar bolhas. Depois, misturar àmassa o queijo ralado e o coco, e despejar em tabuleiro untado ecolocar para assar em forno quente.

Neide Monteiro de M. Santos

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Males que vêm para o bemEra jovem, de 20 anos mais ou menos, quando a minha falecida

mãe cismou ter engolido a dentadura superior. Dizia ela ter ouvidocasos semelhantes. Com isso, criou a hábito de retirar a dentaduraantes de dormir. Ao lado da cabeceira da cama, ficava uma malinhade madeira, sobre esta, ela colocava a dentadura todas as noites.

Um dia, ao se levantar, não encontrou a dentadura no lugar.Procurou-a por todos os cantos do quarto, por detrás da mala e nadade encontrá-la. Assim disse: “Esqueci de retirar a dentadura antesde dormir, acho que a engoli”. Uns 15 minutos mais tarde verifiqueique minha mãe estava pálida, ansiosa e queixando-se de dor nopeito. Sentia um peso estranho no local e que seria a dentadura quehavia engolido.

Por mais que eu tentasse convencê-la desse equívoco, nada adi-antava. Pediu-me para levá-la ao Pronto-Socorro, pois estava fican-do sufocada. Sem outra alternativa, aprontei-me para levá-la, quan-do minha irmãzinha de nove anos arrastou a mala e encontrou adentadura que havia caído. Minha mãe tomou a dentadura, mas nãoquis usá-la. Preferiu repousar, pois sentia ainda o mesmo incômodono peito como se uma coisa estivesse ali.

Sei que a impressão da dentadura durou por mais de duashoras, até que desaparecesse de vez. Ela contou o “causo” a outraspessoas, que acharam muita graça, pois uma dentadura não passariapela garganta. Não foi somente esse “causo” que aconteceu com aminha mãe.

Há um ditado popular: “há males que vêm para o bem”. Com taiscausos, pude concluir que a auto-sugestão tem dois pólos, um ne -gativo e outro positivo. Com isso me livrei de uma bronquite asmáti-ca que há anos me torturava. Porém, por faltar espaço, não vourelatar aqui, fica para outro “causo”.

Silvio Gomes

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Marias de féEra mês de maio, mês de Nossa Senhora, mês das mais lindas

coroações e do friozinho gostoso de Diamantina, em 1902. Minhaavó, Maria Amélia, estava grávida e olhava as crianças. Resolveufazer no terreiro da casa uma pequena fogueira para assar batata-doce e distrair os filhos. Eram quatro: Quinquim, José, Luzia e João.Todos se esquentavam e comiam naquela tarde que já deixavaperceber o frio forte do próximo inverno.

Meu avô, como sempre, no trabalho, homem honrado e respon-sável que era. De repente, vovó se agacha pela dor forte que lhecomprime a barriga grande e redonda. Por uns instantes, ficou aliagachada. Depois falou ao Quinquim:

- “Corra até a casa da comadre Maria, a parteira, e conte paraela que sua mãe mandou dizer que a ‘hora chegou’”.

Minha avó se levantou devagarzinho e, andando mais devagarainda, foi até a cozinha colocar um caldeirão de água para ferver.Procurou os panos limpos, na gaveta, arrumou a cama e esperou.Dona Maria chegou espavorida.

- “O que é isso, sinhá? Chegou mesmo a hora?”- “Chegou sim, comadre, e não vai demorar nada!”As crianças continuavam lá fora rindo e brincando ao redor da

fogueira que as aquecia. Nem ouviram o choro fraquinho de maisuma irmã que Nossa Senhora lhes trouxera. Tudo feito, a comadrese desculpou:

- “E eu que deixei o leite no fogo fraco... para fazer um doce....Ainda bem que tem de ferver muito até secar...

Minha avó pensou: “Agora já não preciso mais dela. Tenho acompanhia das minhas cinco crianças e da Mãe maior, a Mãe deJesus”.

- “Comadre, vai ver seu doce, que meu marido já esta chegando.Vai com Deus, vai...”

Vovó continuava ouvindo as risadinhas lá fora. A pequeninaMaria, que acabara de nascer, estava de olhinhos fechados, tranqüi-la, dormindo... Devagarzinho, vovó foi se levantando e, mais devagar

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ainda, caminhou até o terreiro. Puxou o tamborete e se assentou.Ali, ficou “cismando”!...

Meu avô Joaquim abriu o portão dos fundos. Viu a cena, sorriue foi abraçar a esposa. Olhou-a surpreso e começou a chorar!

- “O que é isso sinhá? Onde está a sua barr...”- “Está lá na cama, sinhô! E é uma menina! Vá lá ver a nossa

Maria de Lourdes”.

Era a minha mãe, outra Maria de fé.

Maria de Lourdes César da Rocha Bueno

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Negócio de compadres

Totonho vivia lá pros lados das Contenda, onde morava tambémum tal de coronel Bilico. Eles eram compadres. Totonho, que seachava muito esperto, deu seu único filho para o coronel batizar. Ocoronel, homem de muitas posses e sem filhos, poderia um dia agra-ciar o afilhado com alguma herança. Sempre que Totonho podia eleaproveitava e, em qualquer situação, ia logo lembrando do dinheirodo compadre.

Um dia, Totonho percebeu que seu burrinho já estava velho ecansado, mas não podia deixar o bichinho morrer e ficar no prejuí-zo. Tinha que tentar negociar aquele animal antes que ele desse oúltimo suspiro.

Esperou ansioso a visita do compadre coronel. Num domingo detardinha, quando viu que ele apontou na estrada, chamou a mulhere o menino, disse para os dois que ia vender o burrinho para o coro-nel e que, quando começasse a falar no negócio, que eles dessem ocontra. Mandou que o menino chorasse, estrebuchasse e implorassepara não vender o burrinho.

O coronel chegou e ele começou a lorota, disse que gostavamuito do burrinho, que o menino e a mulher tinham muita afeiçãopelo animal, que eles não iam conseguir ficar sem o burrinho, masque o coronel ia ficar muito bem servido. Era burro de montaria, decarga e de engenho. A mulher começou a apelar que não vendesse,o menino se agarrou no burrinho e chorava, e gritava, dizendo quese o burrinho fosse ele também tinha que ir junto. Era grito e choropara todo lado. O coronel comprou o burro, pagou e foi embora,arrastando o animal e ouvindo os gritos do menino.

Uma semana depois, o coronel aponta novamente lá na estrada.Totonho, muito preocupado, pede para a mulher separar o dinheiroda venda do burro, põe no bolso e vai para a varanda. Comenta como menino que o burrinho devia ter morrido e o coronel vinha buscaro dinheiro de volta. Fica agitado, segurando o dinheiro com a mãono bolso.

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O coronel chega, apeia do cavalo, abençoa o afilhado e fala procompadre: “Vim buscar a comadre e meu afilhado emprestados poruns dias. É que estou com uma vacada velha lá em casa, amanhãvem uns compradores lá de Itamarandiba e eu preciso vender tudi -nho compadre. Fechando negócio eu venho aqui devolver os dois”.

RECEITA - BOLO ECONÔMICO

2 xícaras de açúcar4 ovos inteiros1 xícara de óleoBater bem e acrescentar:1 colher de fermento1 xícara de leiteCanela em póSal3 xícaras de farinha de trigo

Modo de prepararUntar as formas com manteiga, polvilhar com farinha de trigo e

despejar metade da massa nas formas. Na outra metade acrescentarchocolate em pó e despejar por cima, completando as formas. Assarem forno quente por 40 minutos.

Luiza Marilac de Pinho Marques França

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O morto vivoEra uma daquelas noites geladas de inverno em São Gotardo.

Toda a cidade estava no velório. Seu José havia falecido subita-mente. A mulher o teria encontrado caído no chão do quarto quan-do lhe trazia um café quentinho, “da hora”, para lhe aquecer natarde que já findava. Agora, os amigos de verdade, aqueles de infân-cia, estavam ali, velando pelo corpo do conterrâneo ainda tão moço!E, como aquela madrugada estava fria, fria!

Pouco a pouco, as pessoas menos chegadas foram se desculpan-do e saindo. Os que ficaram começaram a esfregar as mãos comforça, queixando-se da friagem.

Foi quando um dos “amigos de verdade” correu até em casa evoltou com uma garrafa de cachaça das boas, a “garciana”, famosano lugar. Outro deles lembrou que havia ganhado um lombo deporco fresquinho para assar. Foi buscá-lo.

Um gole de pinga daqui, um pedacinho de carne assada dali, asala acabou se esvaziando e começou um vozerio lá nos fundos, nacozinha. Ficou mesmo firme só a viúva, chorosa e bem agasalhada,ao lado do marido defunto.

Em determinada hora, cansada, começou a cochilar. Acordouassustada, com um barulho estranho, completado por um gemidoforte e as palavras: “O que é isto, Maria; que carne cheirosa! Genteconversando alto! Tá tendo festa no vizinho?”

O morto havia se assentado no caixão e falava com a mulher“vivinha” de pavor. Ele estava só desacordado, com uma tal doençaque se parece com a morte, mas ninguém se apercebeu.

Maria de Lourdes César da Rocha Bueno

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O homem do sacoÉ tempo de divertir... É tempo de amedrontar as crianças com

os “causos” contados pelos adultos.Bem na época da chuva, eu, meus irmãos, primos e amigos,

quando crianças, corríamos para o terreiro para brincar de fincanaquela terra molhada da chuva grossa que acabava de cair.

Com as carinhas felizes, os pés descalços, passeávamos nas en -xurradas, deliciando a água límpida, caída das nuvens escuras docéu, lavando toda rua e nossa alma. De repente, era o entardecermais lindo que existia! Iluminado pelo sol, eis que surgia no céu ogigantesco arco-íris. “Quem passar debaixo do arco-íris se for mu -lher vai virar homem, e se for menino vai virar menina”.

Depois de tantas brincadeiras e correria, entrávamos para nos-sas casas, tomávamos banho, às vezes fazíamos o dever de casa, jan-távamos e conversávamos até a hora de dormir.

Ao anoitecer, outra tempestade, trovões e relâmpagos, até quea luz acabava. Era aquela escuridão! Assustados com a chuva, afamília toda reunida em volta da mesa, acendia as velas e logocomeçavam as brincadeiras. Com as mãos fazíamos teatro de som-bra em forma de animais e pássaros e logo começavam os pavorosos“causos” narrados pelos meus pais, tios e avós ou algum agregado.Assentados, que lá vem um dos “causos” que mais me impressionouquando criança...

Aqui mesmo em Belo Horizonte, num bairro desconhecido elongínquo do centro, onde havia poucos moradores, lá existia umindivíduo muito esquisito. Era um homem feio, mulato, muito mal-tratado, vestido com trapos de retalhos, olhos sempre vermelhos,seus dedos defeituosos com unhas grandes e sujas, e cabelosesgandaiados. Seu rosto, horripilante, todo cortado e ensangüenta-do. Era um monstro. “Daco, o homem do saco”. Esse era seu nomee por todos conhecido. Hum! Era assustador. Daco perambulavapelas ruas do bairro o dia todo, cantarolando e gesticulando, car-regando um saco de alinhagem todo sujo.

Naquele instante, me lembro como se fosse hoje... Eu e a cri-

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ançada com carinhas de anjo, rostinhos pálidos por causa daschamas das velas e os olhinhos arregalados, começávamos a ba -lançar as perni nhas e a tremer de medo.

Assim, o contador do dia saboreava com prazer a história comsuas palavras e expressões tão significativas. Cada vez que alteravasua voz, nós, a molecada, íamos encolhendo nas cadeiras ou nobanco, logo as lágrimas escorriam pela face de tanto pavor e o choroaumentava exageradamente.

Ah! Sabem por quê? Porque naquele saco sempre havia uma cri-ança malcriada, desobediente e atrevida, encontrada pelo “Daco, ohomem do saco”.

Por isso, meninada, quando for fazer malcriação, tenha muitocuidado. “Daco, o homem do saco” está sempre espiando à procurada próxima vítima...

O desespero da criançada era tão grande que o contador debu -lhava-se em risos. Com dó das crianças, convidava-as para saborearum delicioso cafezinho com biscoitinhos caseiros, queijo mineiro edelicada brevidade, que ali se encontravam em cima da mesa.

Oi, minha gente! Vamos fazer uma gostosa brevidade, feita pelaminha mãe, minha vó, bisavó e tataravô...

RECEITA - BREVIDADE SABOR DE INFÂNCIA2 xícaras de chá de maisena1 xícara de chá de açúcar refinado3 ovos inteiros1 colher de sopa de manteiga ou margarina1 colher de sopa de pó Royal

Modo de prepararBater na batedeira os ovos, a manteiga e o açúcar até formar bo -

lhas. Depois, acrescentar a maisena e o pó Royal. Distribua a massa emforma untada ou em forminhas de papel e asse em forno moderado.

Conte você também os seus causos de criança e depois é só deli-ciar e lamber os lábios com as apetitosas brevidades!!!!!

Maristela Seabra Rocha Jorge Corrêa

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O substituto do motorista O motorista de um sindicato tirou licença médica por uns

quinze dias. Diante disso, houve necessidade de contratar, portempo determinando, um outro motorista, o Celso.

Logo no primeiro dia da substituição, o presidente do sindicatotinha duas reuniões no mesmo horário. Ligou para o João, tambémdiretor do sindicato e que já foi presidente da entidade, e perguntouse ele poderia participar dessa reunião. João disse que podia, mas,como estava sem carro, quis saber se havia um motorista disponívelno sindicato para buscá-lo em casa e levá-lo até o local.

O presidente respondeu que sim e passou a ligação para Celso.João explicou-lhe onde ele morava, deu-lhe o endereço e ficouaguardando a chegada do motorista.

O tempo foi passando, e já havia mais de vinte minutos e nadade o motorista chegar. Preocupado, João ligou para o sindicato. Foiinformado que o motorista deveria estar chegando, pois tinha saídohá trinta minutos.

Passaram mais uns quinze minutos e nada. João, já estressado,resolve ir para a porta de sua casa esperar o carro a fim de levá-lo àreunião. Naquela altura, já estava atrasado. Quando o ônibus parouno ponto em frente à sua casa, Celso desceu e caminhou em direçãoa ele:

- “Podemos ir?” João, indignado, pergunta:- “Cadê o carro!?” E o rapaz informou que o veículo estava na

oficina para uma revisão, o que deixou João mais indignado e irrita-do:

- “Eu não sou aleijado, não preciso de muleta, sei ir sozinho! Nãopreciso de você para me levar!”, disse, muito irado, e foi procurarum táxi para ir ao local da reunião. O rapaz, sem entender o porquêda ira de João, pediu o dinheiro da passagem do ônibus de volta,pois não tinha dinheiro para voltar ao sindicato.

José Carlos Padilha Arêas

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Pipa e Brisa

Vivia nas nuvens. Era quase impossível vê-la conectada aomundo real. As coisas acontecendo aqui e ela flanando... leve... co -lorida... alegre. Por isso, vou dar a essa professora o pertinentenome de Pipa. Suas estórias fazem a gente chorar, irritar-se, duvidar,mas, acima de tudo, rir.

Pipa tinha uma colega de trabalho tão distraída quanto ela oumais. Seu apelido pode ser Brisa. Trabalhavam em duas escolas etinham que ir de uma para a outra de ônibus, aqueles vermelhos,lotados. Naquele tempo andavam de ônibus, hoje não; hoje elas têmcarro e viajam de avião até para o exterior.

Um dia, saíram do trabalho, no intervalo do segundo para o ter-ceiro turno na outra escola e entraram no ônibus. Começaram acomentar casos de alunos, do diretor, dos colegas, do cotidiano, eriam muito. Pipa achou um lugar para sentar-se e Brisa ficou de pé,segurando-se em um suporte vertical. O cano parecia estar meiosolto e ela girava pra lá, pra cá, sempre rindo das conversas de Pipa.Perto da escola, um operário de uniforme tocou em seu braço efalou: “A senhora quer dar licença do meu cano? Vou descer nopróximo ponto”. Assim, às gargalhadas, e sem nenhum constrangi-mento, as duas chegaram ao trabalho naquela tarde.

E Pipa? Estava sempre correndo: pra escola, pro colégio das fi -lhas, médico, dentista, salão e hidroginástica. Ia a pé, pois a acade-mia era perto, às vezes de carro.

O que vou contar foi uns anos depois, quando ela já tinha com-prado um Chevette do seu colega, professor de inglês. O camaradaera tão econômico que seu carro tinha teias de aranha em seu inte-rior. Nas vezes em que ia de carro, Pipa pensava: “vou mandar lavaro carro (o posto era na esquina da academia). Ah, eu não trouxedinheiro!”. E passava. Um dia, pegou o dinheiro e foi muito feliz,porque sua memória estava boa. Dentro da piscina, planejava o queia fazer, enquanto o carro ficava pronto: ler algum trabalho de aluno,corrigir provas ou escolher um texto para a aula do dia seguinte

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(tudo estava no carro). Terminada a aula, saiu da academia e andouna direção do posto. Quase chegando, o susto: estava a pé. Não tinhaido de carro!

Era assim. Tomava ônibus sem dinheiro (esquecia a carteira emoutra bolsa) e não ficava ansiosa, pois alguém se oferecia para pagar.Um dia, o trocador deixou-a passar sem pagar e ainda ofereceu umvale para ela voltar.

No trânsito, era uma tsunâmi. Uma tarde ia para uma reunião naescola. A certa altura da avenida Amazonas, ligou a seta e ia virar àesquerda sem ver que havia um carro ao lado. Vendo, parou, mas omotorista desceu e foi tirar satisfação. Ela ficou quieta no seu banco.Desceu lentamente, olhou em silêncio para o carro dele todo arra -nhado e perguntou: “Qual risco aqui que é o meu? Não estou vendonenhum risco novo, são todos velhos”. O rapaz se irritou, entrou nocarro e foi embora, depois de dizer: “Oh!, dona Maria, pra dirigir naavenida Amazonas é preciso ser mais esperta”. Mais ainda? Certavez, um motorista de táxi gritou para ela: “Volante é difícil, viu?” Eela: “Você acha?”.

Pipa e Brisa, apesar de distraídas, eram respeitadas pelos cole-gas e alunos porque eram professoras que conseguiam criar víncu-los, entrosamento e cumplicidade, e eram seguras nas informaçõesdo conteúdo que ensinavam. Eram sempre amigas da garotada. Vezou outra, eram indicadas para fazer palestras fora da escola e darcursos em cidades do interior. Uma vez, foram de ônibus paraCristais. Na primeira parada desceram, lancharam e ficaram conver-sando e dando risadas. Um dos motoristas começou a buzinar eBrisa disse: “tem gente entrando no ônibus errado”. Você já sacouquem era, né? Mas nos debates, seminários, painéis e outras ativi-dades de atualização, as duas opinavam com muita categoria, poismantinham a leitura em dia.

Não posso esquecer as façanhas de Pipa quando ela estava como professor de Eletrônica. Tinham o mesmo horário para o almoço eiam juntos ao restaurante mais próximo da escola. As férias estavamchegando e eles aproveitavam o momento para pensar em possíveisviagens. “Pipa, vamos viajar juntos? Podemos ir para Bonito mergu -lhar (Pipa não sabia nadar), podemos acampar, ir para uma praia...

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Que acha?”. “Nossa, não podemos andar juntos de jeito nenhum! Eusou distraída, você vai morrer de rir ou de raiva”. “O perigo é euesquecer você em algum lugar. Também sou bem desligado”.

Pagaram a conta depois de procurarem o ticket em todos os bol-sos e voltaram para a escola contando casos de esquecimento oufalta de atenção. Chegando ao portão da escola, o professor pôs amão na cabeça e falou: “Nossa, esqueci minha pasta no restau-rante!...”

Há muitos casos engraçados, outros não, mas, certamente, elesajudavam a segurar a barra com bom humor e preservar o lado boni-to da convivência com os alunos, razão do seu sucesso.

ARSilva

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Quando o mineiro toma café, uai !

Tomar café é um hábito cultural de todo brasileiro. Afinal,somos o maior produtor e exportador do grão para o mundo inteiro.Esse costume já tem mais de três séculos e é bastante conhecidoaqui e nos quatros cantos do mundo. Em Minas Gerais, a tradiçãotem seu próprio ritual. É um hábito que é sinal de sociabilidade,mineiridade e brasilidade. Quando um brasileiro vai ao exterior,todo mundo exclama: Brasil, Pelé, café, futebol, Carnaval!!!

Embora o café não seja originário do Brasil, pois foi trazido daEtiópia (país da África), aqui se desenvolveu. Foi descoberto pelosjesuítas que observaram que as cabras que comiam o grão do frutocafé ficavam mais espertas e vistosas. Daí passaram a fazer infusãodo café para dar aos escravos que passavam a trabalhar com maisdisposição.

A partir daí, o café foi descoberto como produto fundamentalpara começar o dia com mais energia e bem estar. O seu cultivo foiintroduzido na agricultura com intensidade e ganhou renome.Passou a ser produzido em massa para consumo nacional e expor-tação. Chegou a ser o principal item de nossa exportação. Fazendase fazendas de café surgiram e tornaram ricos e prósperos inúmerosproprietários, principalmente na fase do Brasil República. Ali osbarões do café dominavam a cena política e a economia. Tudo gira-va em torno do precioso grão. Muitos presidentes da Repúblicaforam eleitos ou depostos pelos barões do café que eternizaram acena política com a fase da política Café com Leite. Não só os barõescomo também os coronéis.

A tradição contaminou outros países como a França, onde osCafés e as Cafeterias tornaram-se ponto de encontro para paqueras,conversas, negócios, artes e centros de decisões políticas e empre-sariais. Tomar um cafezinho era uma palavra de ordem para discu-tir, avaliar e decidir alguma coisa. O Brasil herdou da França estaidéia dos cafés e introduziu no Rio Janeiro (então capital do Brasil)

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as primeiras cafeterias. Elas se transformaram em centros dedecisão da história nacional.

O mineiro toma café várias vezes ao dia. Pela manhã, após le -vantar-se, vamos para a mesa. Ali o café é completo e ricamentepreparado e ornamentado. Acompanha leite, frutas, doces, geléias,manteiga, presuntos, queijos, requeijões e uma variedade de pães(pão francês, pão doce, pão de batata, pão de queijo, pão de milho),bolos, broas e biscoitos.

Depois, quando chega ao trabalho, há sempre um cafezinho àespera. Lá pelas 9h, outro intervalo para tomar café e comer algunsbiscoitos. Há sempre um espaço social para esse lanche em que ocafé é item essencial. Quando chega alguém, serve-se de novo ocafezinho. Assim, tomam-se quantos cafés foram necessários paraagradar ou receber alguém, iniciar uma conversa de negócio ouamizade. Até mesmo iniciar um namoro ou sedução.

Depois do almoço, sempre há um bom café para tomar. Pois,segundo a tradição, o café serve “para ajudar na digestão”. Lá pelatardinha, três ou quatro horas da tarde, é hora do encontro do café.Um encontro mais demorado, mais descontraído, mais recheado deguloseimas também. Pois aí vem o pão de queijo, o queijo do Serroou frescal, manteiga, requeijão, biscoitos, bolos e doces.

Mais tarde, em vez do jantar, sentamo-nos à mesa para mais umcafé requintado. No meio da noite ou antes de dormir, o café requin-tado acompanhado de guloseimas é mais uma vez servido como últi-ma refeição do dia do mineiro e do brasileiro.

Aqui em Belo Horizonte, a gente tinha um ponto de encontro naPraça Sete, no centro da cidade, nas esquinas das avenidasAmazonas e Afonso Pena. Era o Café Pérola. Ali se encontravampessoas diversas das mais variadas idades e posições sociais paratomar um cafezinho e prosear um pouco. O ponto de encontroserviu também para as campanhas políticas de vereador, deputadoe presidente da República. Todos os candidatos, de Collor a Lula,pararam ali para tomar um cafezinho e cumprimentar as pessoas. Alio cardápio tem dois itens: um cafezinho e boa prosa. Nada mais, masjá é o bastante para dar resultado.

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ALGUMAS ESTÓRIAS/HISTÓRIAS

Relaciono abaixo alguns “causos” do café aqui em Minas e tam-bém no mundo, nos lugares onde passei em minhas andanças comorepórter.

1Em campanha política, com alguns candidatos, a gente percor-

ria vários pontos da cidade, bairros pobres e ricos. O candidato,quando anda pelas ruas e é chamado a entrar em uma casa, recebelogo um cafezinho. “Vem cá, doutor, tomar um cafezinho”. O políti-co não pode negar, tem que aceitar. Aí há vários tipos de cafés:quente, morno, sem doce, amargo, fraco, forte! Tomar o café é sinalde simpatia e adesão ao candidato. Às vezes, se o café vem com póou está sem doce, o sorriso tem que ser igual senão atrapalha oencontro. Já vi candidatos passarem apertado com a quantidade decafé e a qualidade do mesmo.

2Cada região e cada povo têm sua própria forma de tomar café.

O mineiro toma um cafezinho depressa, engole rápido, até queima alíngua, conversa e vai embora. O francês toma lentamente o cafe -zinho, deixa esfriar, e em torno de uma xícara conversa mais de umahora. Em Portugal, toma-se uma Bica de Café, é o nome do cafezi -nho. Em São Paulo, o paulista gosta da média de café (café com leiteservido em xícara ou copo grande). No Rio, o carioca gosta do pin-gado, o café com leite que pode ser grande ou pequeno. Na Bahia,toma-se café saboreando um acarajé ou comendo um cassetinho(pão de sal). No nordeste brasileiro, toma-se café com cuscus outapioca. Já o grego faz o café e deixa o pó na xícara. Come um pãode bisnaga só com uma xícara. O inglês prefere o chá preto (daÍndia), mas toma café em alguns momentos. O irlandês já prefere ocafé frio, com chantilly e uísque, e demora em tomar, aproveitandopara conversar. O indiano toma café com leite e em alguns lugares

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da Índia, como o Cachemira, usa-se o sal e não o açúcar (por causada altitude, o sal não deixa a pressão cair). O italiano é quem criouo café expresso, uma receita que conquistou o mundo. Usa-se boaquantidade de pó para fazer apenas uma pequena xícara de café. Abebida, assim, fica mais forte.

3Uma vez, em viagem aos Estados Unidos, na Flórida, com minha

esposa, ficamos em um hotel em Miami. No primeiro dia, o café veiocomo um primeiro almoço: café, leite, omelete, frutas, sucos, pre-suntos, salsichas, torradas, croissants, bolos, biscoitos, pães e quei-jos. No segundo dia, minha esposa quis mudar e pediu um café tro -pical. O garçom serviu uma xícara de café com leite, um croissant eum pão com manteiga. Só. Ela tomou um grande susto, pois pensouque o café tropical seria com maior variedade de frutas e sucos trop-icais.

4Uma vez fomos a Portugal, chegamos a Lisboa e de lá fomos

para a casa de amigos. No outro dia, fomos a Sintra, cidade termalperto de Lisboa, onde os reis tinham o Palácio de Verão. Lá,entramos na cafeteria mais conhecida para tomar um cafezinho. Atradição de tomar cafezinho em Portugal chegou com os brasileiros.Os primeiros expressos em Portugal foram vendidos no café ABrasileira, em Lisboa. Muitos clientes acharam o gosto do produtoum tanto amargo. Para contornar o problema, a direção da cafeteriacriou um slogan para atrair os clientes: Beba Isso Com Açúcar. Acampanha deu certo e a frase ficou tão marcada que o uso das inici-ais de cada palavra - bica - passou a ser sinônimo de cafezinho nopaís.

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Receitas mineiras

BISCOITO MENTIRA

Uma vez, a Comissão Mineira de Folclore resolveu fazer umareunião, um encontro em forma de confraternização, na casa do fol-clorista e jornalista Carlos Felipe. Cada um levou um tipo de coisa:biscoitos, bolos, pães diversos e quitandas. O Frei Xico, franciscanoholandês, pesquisador de folclore, levou uma novidade: Mentira, umtipo de biscoito em forma de farrapos (formato irregular), masmuito saboroso. Foi um sucesso. Eis a receita:

Ingredientes2 xícaras de chá de açúcar1 xícara de farinha de trigo2 ovos

Modo de preparoBater os ovos como para pão de ló, juntando aos poucos o açú-

car e a farinha. Pingar numa assadeira untada e polvilhada. Assar emforno quente.

CAFÉ TEMPERADO

Nos dias quentes de verão, nas fazendas mineiras, costuma-setomar um café diferente à tardinha. Em algumas de minhasandanças aprendi a receita abaixo conhecida como CaféTemperado.

Ingredientes3 xícaras (chá) de café solúvel de boa qualidade, quente e forte,

feito com sete colheres (chá)

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2 favas de baunilha abertas ao meio4 cravos da Índiafolhas de hortelã4 colheres (sopa) de creme de leite frescogelo moídoAçúcar a gosto

Modo de preparoColoque o café quente sobre a baunilha e os cravos da Índia e

deixe descansar por uma hora. Coe o café e adicione o creme deleite. Adoce a gosto. Coloque o gelo moído nos copos altos, acres-cente a mistura e sirva com canudos. Decore com folhas de hortelã.

CACHAFÉ

Mineiro, que é da gema mesmo, usa cachaça para dar gosto aocafé. É o Cachafé. Usa-me muito nas noites frias das montanhas deMinas. Ajuda a esquentar e passar o frio.

Ingredientes2 colheres (sopa) de gelo moído100 ml de cachaça de boa qualidade100 ml de licor de creme100 ml de café de boa qualidade, forte e gelado

Modo de preparoColoque o gelo em um copo alto e acrescente a cachaça, o licor

e o café. Se preferir, acrescente açúcar a gosto e mexa. Sirva comcanudo e decore o copo como você preferir.

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BOLO DE BANANA COM CAFÉ E CASTANHA PICADA

Cada vovó tem suas receitas que guarda em caderno com muitocarinho. Quando quer fazer uma coisa diferente, vai lá no baú, tira ocaderno e prepara a receita. Vai aí uma receita diferente de bolo dofundo do baú da mineiridade.

Ingredientes7 bananas3 xícaras de farinha de rosca3 xícaras de açúcar 5 ovosuma xícara de óleouma colher de sopa de café solúvel de boa qualidadeuma colher (sopa) de fermento100g de castanha picada

Modo de preparoBata no liquidificador as bananas, os ovos e o óleo. Misture com

os demais ingredientes, acrescentando por último o fermento e cas-tanha picada. Leve ao forno (temperatura média) para assar emuma forma untada com manteiga e farinha de rosca por 40 minutos.

TIRAMISSU

Variedade e criatividade na cozinha. Este é um traço fundamen-tal da culinária mineira. Ela reflete a influência cultural de váriospovos, além do branco português, do negro africano e o índio. Poisaqui em Minas recebemos libaneses, sírios, turcos, árabes, france-ses, espanhóis, alemães, italianos, holandeses, japoneses, chineses,gregos e outros mais. Portanto, a nossa cultura é uma mistura detudo isto. Segue aí uma receita de tiramissu para saborear no calordo verão.

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Ingredientes6 gemas1/2 xícara de chá de açúcar1 pitada de sal450g de requeijão firme2 xícaras de chá de café de boa qualidade, frio e forte30 biscoitos champagne com açúcar fino1 colher de chá de baunilha2 colheres de sopa de licor de cacau100g de chocolate meio amargo raspado

Modo de preparoBata por 5 minutos as gemas, o açúcar, o sal e a baunilha na ba -

tedeira. Acrescente o requeijão e bata até ficar cremoso e firme.Reserve. Em um prato fundo coloque o café e o licor, molhando ra -pidamente parte dos biscoitos nessa mistura. Forre o fundo e as la -terais de seis xícaras de chá com biscoitos. Despeje a mistura dequeijo e o chocolate ralado. Molhe os biscoitos restantes, arranje-osem pé nas laterais das xícaras e coloque o restante da mistura parafirmá-los. Por cima coloque o restante do chocolate. Gele por 4horas antes de servir.

Sebastião Breguez

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Que assombração que nadaO Joãozinho nasceu lá pelas bandas do Ouro Preto, num arraial

chamado Engenheiro Correa. Naquele tempo, por volta de 1934, eraum lugarejo pequeno, sem luz elétrica, com poucas moradiaserguidas em torno da estação de trem. E foi nesse lugar que, umbelo dia, o pai de Joãozinho deu-lhe uma ordem:

- “Joãozinho, sele o seu cavalo e vá lá na fazenda dos Pereiralevar uma encomenda por mim recebida na estação e um recadoimportante”.

Joãozinho estremeceu, pois a tal fazenda era muito distante e ocaminho cheio de histórias de arrepiar. Escondeu-se por um tempo,enrolou, argumentou que era a vez do irmão mais velho, mas nãoteve jeito, teve mesmo que ir.

Contrariado e ao mesmo tempo arrependido de ter feito tantahora que já podia estar quase de volta, montou no seu Alazão e láse foi. No meio do caminho, já entardecendo, começou a escutargemidos repetidamente, acompanhados de uma rajada de ventosleves: “Hummm, cabruuumm, hummm, cabruuumm”...

Com olhos arregalados, cabelos arrepiados e tremendo demedo, não pensou duas vezes; deu meia volta e, galopando compressa, chegou em casa. Seu Aprígio, pai de Joãozinho, logo perce-beu que o recado e a encomenda não haviam chegado ao destino,pois o tempo não foi suficiente para ir e vir da fazenda dos Pereira.Bravo, perguntou: “O que foi, Joãozinho? Por acaso viu assombraçãopra voltar tão depressa e assustado?”

Joãozinho respondeu: “Vi eu não vi não, mas que ele estava lá,isto eu tenho certeza que estava, estava mesmo. Por causa disso,voltei e lá eu não volto mais, não passo nem por perto, não passomesmo”.

Como já era tarde, foram todos se deitar e deixar a pendengapara o outro dia. Joãozinho deitou e o sono não vinha. Aqueles gemi-dos não saíam de sua cabeça... Hummm, cabruuumm, hummm,cabruuumm.

Lugar pequeno, logo a notícia de que Joãozinho tinha se avista-

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do com a assombração se espalhou. Foi aí que Neném, irmão maisvelho de Joãozinho, resolveu tirar essa questão a limpo.

Selou um cavalo, montou e foi, foi, foi, bem devagarinho, atéchegar no ponto em que Joãozinho dizia que começavam os gemi-dos. E não deu outra. Neném começou a ouvir também os gemidos,hummm, cabruuumm, hummm, cabruuumm... Deu meia volta echegou em casa, coração quase saindo pela boca, num arrepio só.

Seu Aprígio juntou outros homens do arraial e foram juntosespantar a tal assombração, ou o que lá que fosse. Saíram todosgalopando bem devagarinho, devagarinho, até chegar no pontodescrito pelos dois irmãos, e descobriram que não era assombração.Era um galho de árvore que, lá do alto e com o vento que batia,abaixava e levantava, abaixava indo quase ao chão e levantava,fazendo hummm, cabruuummm, hummm, cabruuumm...

O tempo passou, mas até hoje, quando alguém pergunta como éque faz pra chegar na fazenda dos Pereira, a indicação é uma só:“Ah, é só seguir o caminho da assombração que ocê chega lá”.

RECEITA - JOÃOZINHO

200 gramas de amido de milho200 gramas de farinha de trigo200 gramas de açúcar200 gramas de queijo1 colher de sopa de fermento2 colheres de margarinaOvos o bastante para amassar

Modo de fazerFazer os biscoitinhos do formato que desejar, untar uma única

vez o tabuleiro e assar em forno de 180º

Miriam Fátima dos Santos

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Reminiscência

“Bom dia, Flor do Dia,Há quanto tempoEu não te via?”

Era assim que Vovó Mercê nos saudava quando chegávamos àsua casa. Seu nome: Mercedes Arantes Borges – mulher forte,dinâmica, astuta, perspicaz e sobretudo “mãe e avó” excepcionais.

Lançando mão de provérbios, pensamentos e histórias dan-tescas, marcou durante noventa anos sua presença entre nós. Éimportante um dia ter história para contar. Uma história feita, vivi-da e transmitida com amor de alguém que não parou no meio docaminho, que enfrentou cascatas mas que chegou.

São muitas as lembranças – algumas estão sempre presentes.Lembro-me de que, nas noites de luar, ela nos levava para fora decasa e mostrava-nos as estrelas. Falava sobre o Cruzeiro do Sul queficava bem em frente de sua casa, a Estrela D’alva, a Via Láctea;parecia uma professora a nos ensinar, e sempre dizendo um versi -nho como este:

“A noite é serena,Só vejo o LuarProfundo silêncio Que me faz chorar”.

Certa vez, minha irmã Marina (com 6 anos mais ou menos) per-guntou: “Vovó, como a senhora faz com o cabelo (ela usava umcoque preso com dois grampos grandes) quando vai dormir?”. E elarespondeu: “Não me faça pensar nisso, se não eu não vou conseguirdormir”, e deu uma sonora gargalhada.

Em outra ocasião, ela pediu ao meu tio Marcelo para ferver água

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para o café, e recomendou: “não se esqueça de passar água nocoador”. Depois de um certo tempo, ela chegou na cozinha, ondeestávamos todos esperando pra tomar café, e, vendo a água ferven-do, indagou ao Marcelo: “por que você não passou a água nocoador?”. E ele prontamente mostrou o coador limpinho, ao que elaretrucou: “não era assim, você tinha que aproveitar a última coadapra economizar no pó”. Foi aquela risada geral, com todos dizendo:“Vovó, não sabíamos que a senhora era tão pão-dura”. Ela, na maiorcalma, retrucou:

“Não me amolaQue te dou uma violaE se não me amolarAinda te ensino a tocar”.

Outros versinhos que todos os netos sabem de cor:

“Se eu tivesse aventuraDe morrer quando nasciEstava hoje ausente De sofrer tanto por ti”.

“Os filhos de minhas filhasNetos sãoDe meus filhos Serão ou não”.

“A rosa para ser rosaTem que ser de AlexandriaA mulher para ser formosaTem que se chamar Maria”.

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“Guarda bem sim... dentro deTeu peito esta quase murcha florSímbolo de nossa amizadeLembrança de nosso amor”.

“Quem inventou a partidaNão sabe o que é o amor.Quem parte, parte chorandoQuem fica morre de amor”.

Marília Faria Côrtes

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SacaduraSacadura era um apelido dado ao meu pai que, quando eu era

criança, ficava encucada. Queria saber o porquê desse nome.Quando nós perguntávamos o que é sacadura, nem ele mesmo sabiaexplicar.

Homem muito trabalhador, foi operário da antiga Central doBrasil, sempre de camiseta branca debaixo do macacão e um chapéutipo “Santos Dumont”. Parecia um operário europeu, era assim o seuestilo. Talvez porque era exigente, teimoso, mas muito inteligente,seus amigos o apelidaram de Sacadura.

Quando se preparava para sair, passear ou mesmo pra fazercompras no centro da cidade, lá estava ele, calçando meias, comligas até o joelho. Dizia que era para que as meias de algodão ficas-sem bem esticadas. Não dispensava o chapéu, que parecia mais deum detetive da época de Al Capone. Eu e meus irmãos perguntáva-mos: “Onde você vai papai?” E ele respondia: “No especula, noespecula”.

Assim, surgia mais uma palavra pra nossa curiosidade. O queseria especula? A gente era muito criança para entender. Meu paiera italiano, e mesmo tendo vindo muito pequeno para o Brasil,mantinha muitos dos costumes de sua terra natal, falava muito alto,cantarolava pela manhã músicas em italiano que meu avô certa-mente também cantava, enquanto tratava de suas dezenas de pas-sarinhos. Eu e meus irmãos não entendíamos muito bem as letrasdas músicas, mas era muito divertido.

De vez enquando, falava algumas palavras em inglês, mas muitomal, isso porque em 1929 havia morado na América do Norte, épocada lei seca e de Al Capone. Seu trabalho era feito em segredo: ele eseus primos fabricavam vinhos às escondidas em porões, para nãoserem descobertos.

Depois que comecei a me entender por gente, descobri queSacadura Cabral foi um aviador, teimoso, perfeccionista e queespeculava. Vinha do verbo especular, de investigar, procurar saberonde e o que é que as pessoas iam fazer.

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Assim, me lembro de meu pai, severo, rígido, mas feliz com oque a vida lhe ofereceu. Veio para o Brasil com meus avós, imi-grantes de vida simples, tocava saxofone e cantarolava músicas ita -lianas. Constituiu nossa família honestamente e nos deu muita edu-cação de valores que carregamos de geração para geração.

Eunice Carattiero da Paixão

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Te esconjuroCervantes é que tinha absoluta razão. Sabedoria, aliada à refina-

da ironia, caminham, até hoje, dentro de nós, e suas palavras con-tinuam nos confundindo.

- “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”!Povoam nos indivíduos o mistério do após morte, a curiosidade

pelo desconhecido, a eternidade, impossível de ser entendida peloshumanos, espíritos voltando ao reino dos vivos por alguma finali-dade. Aqui e ali, no imaginário de muitos, há sinais, quase inequívo-cos, que anunciam o extraordinário. É uma rajada repentina devento, o crepitar vermelho do fogo, um passo diferente ao seu redor,um barulho inesperado, um arrepiar súbito dos cabelos do braço, seilá mais o quê.

Ensinaram-me que, se algo vier a me acontecer, que eu faça osinal da cruz, ou jogue água-benta, sal grosso, tenha um pé-de-arru-da no quintal, um raminho atrás da orelha ou comece já a correr.

Pois bem! Escutem só! Pai não mente. E esta história escuteidele: Homem de fala grossa e apressada, sorriso largo, cigarro depalha, pele trigueira e queimada do sol, um metro e quase noventade altura, tocador de viola.

Estávamos, como de costume, fim de semana, ali na beirada dofogão à lenha. Minha mãe, Salena, meus dois irmãos mais velhos,nosso caseiro do sítio, com seu sorrisinho finório e lábios leporinos,o Joãozinho-das-Moças. Mais três ou quatro convidados de meu pai,para o bate-papo e o contar “causos”. Esses enfeitavam as noites deminha infância e me faziam dormir com medo de assombração.

Mas... vamos lá! Assim, depois de escutarmos alguns relatos,muito verdadeiros, todos diziam cruz-credo sem parar. Seu Jonas,meu pai, começou.

De início, um pigarro. Silêncio total. Uma bicada na xícara decafé de rapadura, fumegante e forte, o olhar fixo no teto enfumaça-do, com suas telhas escuras e o crepitar brincalhão do fogo na bocado fogão, o cigarro de palha, levado ao tição aceso e uma baforadagostosa misturando o novo pigarro com a atmosfera fantasmagóri-

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ca criada pelo personagem, e que tanto nos contagiava. O clima parao novo causo estava criado.

- “Foi assim”... Levantou-se meu pai, e com gestos de galã detelenovelas foi contando.

- “Saí de Lavras e fui pela Estrada de Ferro Oeste de Minas,bitola 1(um), rumo a São João Del Rey. O trem de ferro, no cami -nho, tomava água na velha estação de Aureliano Mourão, e, a partirdaí, novo trem e vagões, nova linha, agora bitola de 0,75, bitolaestreita, até São João.

Era 1965. Junho. Um frio de rachar, crescendo à medida que avelha Maria-fumaça, pachorrenta, cortava a tarde e depois a noite.Eu deveria passar alguns dias na cidade fazendo meu trabalho comorepresentante comercial do Curtume Mineiro lá de Campo Belo.

Mais ou menos onze horas da noite, o apito longo da locomoti-va, o som estridente e rachado dos freios cantando nos ferros. Avelha estação surgia, aos poucos, no nevoeiro noturno da fria SãoJoão Del Rey. Poucas pessoas desceram, recebidos pela lanternaarisca do agente da estação. Tirei o chapéu, minha mala de courorevestida de uma capa de pano branco para protegê-la e respireiprofundamente aquele ar úmido e nebuloso. Lá atrás, a garagem dasmáquinas e a rotunda. À frente, recebia-me a ponte de metal, sópara pessoas e que dava entrada para a praça Brasil. E lá no meiodela, o coreto.

Fui andando distraído, pela avenida Rui Barbosa, passei pelohotel Hudson, virei uma outra rua, sei lá o nome, aproximando-meda igreja do Carmo”.

- “Pai, o senhor está enfeitando muito. Conta logo o caso!”- “Pois é! Algo estranho acontecia. Uma luz fraca se movia ao ladoda matriz e a porta central da igreja, de madeiras pesadas, com

um rangido rouco, começou a abrir. Muitas pessoas, de um lado homens, de outro mulheres, vinham

saindo em procissão, em silêncio, vestidas de preto, as mulheres devéus negros ou brancos, se viúvas, casadas ou solteiras. Um grupode seis homens, carregando um caixão roxo e, atrás, a banda, tãosingular nos enterros do interior mineiro, tocando música fúnebre,devagar e chorosa”.

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- “Seu Joneta!”, gritou Joãozinho-das-Moças, “espera aí! Deixaeu tomar uma abrideira pra escutar o resto.”

Começamos a rir dos olhos arregalados que eram também osnossos.

- “Pois então”, continuou meu pai, “caía uma chuvinha arisca alina rua Direita, de onde eu observava, atento, o cortejo que desciacompadecido aquela longa rua de paralelepípedos irregulares. Osom da banda de música se aproximava de mim e, aos poucos, ocortejo fúnebre estava à minha frente. Respeitosamente tirei ochapéu e permaneci em posição de reverência a todos e, principal-mente, ao morto que fazia sua última viagem. Fiz até uma oraçãopelo defunto.

Mas, gente! Alguma coisa estava errado naquilo que eu presen-ciava. O cemitério de gavetas era ao lado da igreja do Carmo. Porque então aquelas pessoas se direcionavam, levando o morto para aestação ferroviária? E todos, lentos e cadenciados, continuavam adescer a ladeira e a música fúnebre sumindo na névoa gelada.

Veio-me um nó na garganta. Estremeci. Não sou de ter medo,vocês me conhecem... mas... naquele momento...

A procissão foi caminhando e, aos poucos, aproximando-se daestação ferroviária. Todos entraram lá.Tenho certeza disso. Eu vi.Não é que fiquei tranqüilo. Na verdade, fiquei curioso,para não dizerque estava incomodado. Podia até ser que estivessem levando ofinado para ser enterrado em outra cidade. E, aí então... não há dúvi-da! É levar de trem. Havia lógica no meu raciocínio. Continuei olhan-do, absorto. Mas...Ah! Voltei à estação. Não iria dormir sem enten-der aquilo. Lá chegando, procurei o agente e lhe perguntei:

- Ô homem! Cadê aquele pessoal que veio trazer o defunto paraembarcar?

- O quê? Você também está doido?- Não! Eu vi o ...- Nossa, moço! Te esconjuro! Você, nesta semana, é a terceira

pessoa que vem aqui e me conta isso!”

Heleno Célio Soares

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TerezinhaDepois de seis anos morando na cidade de São Paulo, decidi

retornar a Minas Gerais e fixar residência na capital mineira. SãoPaulo foi um período muito importante para minha formaçãohumana, política e pessoal. Contudo, a distância da minha família,dos meus amigos e da minha terra falou mais alto.

Foram seis meses para decidir o que fazer, onde morar e quan-do mudar. Com algumas idas e vindas, estava tudo resolvido:deixaria a direção nacional da Central Única dos Trabalhadores eregressaria como candidato à Presidência do Sindicato dosProfessores de Minas Gerais. Um objetivo e um sonho que acalen-tara desde o meu ingresso na entidade, no início dos anos noventa.A possibilidade de assumir o cargo de presidente foi logo apoiadapela maioria dos diretores da entidade.

Resolvido o que fazer, era hora de decidir sobre outra questãonão menos importante: onde morar. A decisão foi uma guerra devárias batalhas. Mãe é daquele tipo de ser que jamais admite queseus filhos crescem e que precisam construir seu próprio destino.Mãe sempre quer ter seus pintinhos próximos, mesmo que os anostragam para aquele frangote cabelos brancos, rugas, pés-de-galinha,reumatismo, espinhela caída e por aí vai.

- “Você mora comigo!”, bradou minha mãe. “Seu quarto está dojeito que você deixou há seis anos e não tem cabimento algum vocêmorar sozinho”.

Depois de muito diálogo e muita argumentação, convenci minhaquerida mãe que morar sozinho era mais que um projeto pessoal.Era também uma necessidade, pois ficaria mais próximo do Sinpro-MG. Guerra com mãe nunca se ganha, também não se perde, o me -lhor resultado é o empate. Estava “empatado o jogo”.

Alugado o apartamento, hora da mudança. Rumei para SãoPaulo, embalei meus livros, meus CDs, meus quadros, meusretratos, meus sapatos, meus sonhos. Desmontei a cozinha, a sala, oquarto e as boas lembranças que passei naquele apartamento da ruaBarata Ribeiro. Depois de tudo empacotado, fui despedir dos vizi -

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nhos, coisa de mineiro que paulista nunca compreenderá. Despedido padeiro, do açogueiro, do turco da esquina, do cabeleireiro, damocinha da lavanderia e por último do porteiro, homem forte, nasci-do em Ouro Preto e profundo conhecedor da alma dos monta -nheses.

Resolvida as questões particulares, o que fazer, onde morar equando mudar, estava na hora de fazer o planejamento de trabalho.O primeiro desafio era concentrar no processo eleitoral do sindica-to. Depois de algumas viagens pelo interior do Estado, numa tarderelativamente calma, estava eu, no sindicato, pensando nos próxi-mos passos: viagens, reuniões, contatos por telefone, e-mails, visitasa escolas, enfim, várias possibilidades e muitas necessidades. Foiquando entrou na sala onde trabalho professores do departamentode aposentados do Sinpro-MG, que disseram em tom cerimonial:

- “Querem te conhecer?” - “Quem”. - “O nosso grupo de aposentados do Deasinpro”. Na mesma

hora, veio à minha mente o quanto o trabalhador aposentado, nãosomente os professores, mas de todas as categorias, têm sido maltratados nestes últimos anos. Reformas neoliberais na previdência,diminuição de direitos, achatamento de salários, aumento do tempode serviço e, não satisfeitos, a cada momento anunciam mais e maisreformas contra os trabalhadores e aposentados.

Naquele instante, exclamei: “marquem a data, porque os traba -lhadores aposentados serão prioridade em nosso trabalho sindicalno próximo período!” No dia e na hora marcados, estava eu, senta-do na sala de reunião, esperando ansioso pela chegada dos nossosprofessores e professoras. Chega um, chega outra e vai chegando,um após o outro. Alguns com cara desconfiada, outros sorridentes,noutros um semblante sério, até que surge na entrada da sala umasenhora elegante de estatura pequena, acompanhada com um se -nhor não menos elegante e sedutor.

Olhei para aquela mulher e instantaneamente regressei trintaanos de minha vida. Estava frente a frente com Terezinha, minhaquerida professora de História do colégio Padre Eustáquio.Imediatamente fixei em seus olhos e dirigi a palavra a ela. “Você é a

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Terezinha, a Terezinha Quintão?” “Sim, sou eu, e você foi meualuno”.

Naquele momento, tudo ficou muito mais forte e claro paramim. Retornar a Belo Horizonte não representou somente mudançade casa ou de função, mas definitivamente um retorno às lem-branças do passado, à esperança do presente e às lutas do futuro.Naquela tarde, compreendi que nada no mundo ocorre por acaso,aquela reunião, naquele dia, com a presença da minha professora,Terezinha, que muito me ensinou, inclusive contribuindo na minhaformação, logo, na minha condição de candidato a presidente doSinpro-MG.

Era a confirmação incontestável que o passado e o presentesempre estarão de mãos dadas; o que plantamos hoje colhemosamanhã. Terezinha é a presença marcante do ontem, do hoje e doamanhã, pois não existe futuro sem passado e os próximos diasserão de muita organização, mobilização e luta, dos milhares de tra-balhadores aposentados, professores e operários, de Terezinhas eJosés que estão guardados em nós.

RECEITA - BROA DA VOVÓ MARLENE

4 ovosMeio copo de óleo20 colheres de sopa de açúcar4 colheres de queijo Minas50 gramas de coco ralado1 colher rasa de canela6 copos de farinha de trigo12 colheres de fubá1 colher cheia de pó RoyalModo de prepararBater tudo no liquidificador e assar em forno quente até ficar

bem corada.

Gilson Reis

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TestemunhoSô Neco vinha pela trilha no meio da mata quando, lá na frente,

no fim da picada, percebeu que à porta do casebre de Nhá Mariaestavam, além dela, mais dois sujeitos a conversar. Um era conheci-do, seu compadre; o outro, além de desconhecido, não tinha o feitiodo povo local. Pelo contrário, a fala rápida e ansiosa denunciava queo tal era da cidade.

Sô Neco tinha ido a uma outra tapera de onde voltava trazendoum bode preso por uma corda, um peru seguro sob o sovaco, umtacho de cobre e uma vara de bambu. Como tudo por aquelas ban-das acontece desde cedo do dia, ainda estava em tempo de trocarumas prosas com aquela gente. O problema era a tralha que carrega-va.

- “Dia”, disse ao se aproximar da turma.- “Dia”, responderam os nativos ao mesmo tempo.- “Se é de paz pode se chegar”, disse Nhá Maria.- “Sou de paz, só que carrego essas coisas todas e se deixá-las

por aí corro o risco de perdê-las. Daí que não posso parar”.- Uai, compadre, finca o chucho e amarra o bode, vira o tacho e

põe o peru debaixo, como é que não pode? sugeriu-lhe seu com-padre.

Diante de tamanha filosofia, não havia porque deixar de fazerparte daquela turma que, aliás, estava tomando café. Após apear atralha, Sô Neco recebeu uma caneca das mãos de Nhá Maria e aco-corou-se junto a uma folha de zinco que, apoiada num velho pneu detrator, valia de mesa e serviu-se do café. Aí, seguindo o gesto dosdois outros, voltou-se para o tal da cidade que havia interrompidouma narrativa à sua chegada. O tal dizia sobre uma reunião de queparticipara:

- “Todos éramos convidados e estávamos em volta de uma mesade forma estranha, meio que corpo de gente. Em volta da cabeçasentavam-se os donos da festa que, por pura conveniência, insistiamser a mesa redonda. Muitos ali não percebiam, mas para os donosera imprescindível que todos pensassem que a mesa era redonda

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mesmo. Ao longo dos braços longos sentavam-se alguns áulicoscujas cabeças sem cérebro balançavam aprovando cada palavra dosdonos. Em volta do tronco ficavam pessoas deficientes, todas elassem ver, ouvir e falar e absolutamente imóveis. Apenas junto às per-nas curtas, por terem sido deliberadamente atrofiadas, é que as pes-soas comuns se chegavam, individualmente. Sobre a mesa, as comi-das concentravam-se mais para perto dos donos, que as repartiamem quantidades desiguais, dando mais para si próprios, sendo,porém, generosos com os áulicos e os deficientes. Aos comunsrestava o nada ou alguma migalha que escapava. Enquanto reparti-am os alimentos, os donos insistiam na comunhão de todos, sendoaplaudidos pelo cabecear dos áulicos e pela inércia dos deficientes.Alguns poucos dos comuns percebiam as manobras dos donos, maspor serem apenas indivíduos, não tinham como fazer coisa alguma.Entretanto um deles tentou. Esse, que não era herói e nem covarde,sendo apenas um, tentou alertar os áulicos e os deficientes e os ou -tros comuns como ele, mas os donos silenciaram sua voz. Ele falou,insistiu, tentou até provar uma tese sobre o formato da mesa, emvão, que os donos impediam que sua voz tivesse som. Depois disso,com os áulicos continuando a balançar suas cabeças ocas em sinalde aprovação e com os deficientes apenas de corpo presente, osdonos continuaram pregando suas verdades absolutas em nome dademocracia”.

Quando o tal da cidade terminou de contar seu causo, os trêsoutros se entreolharam e, como é de costume naquelas brenhas, nãoprecisaram de palavras para dizerem, uns aos outros, a impressãoque lhes ficou dessa história. Ao se levantar para seguir seu rumo,Sô Neco relanceou o olhar para dentro do casebre simples de NháMaria e viu, sobre o tosco fogão a lenha e envolto pela fumaça quefiltrava raios do sol, o coador que ainda gotejava, suspenso pela abado mancebo.

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RECEITA - BISCOITO DE GUARANÁ

Ingredientes: 3 xícaras de farinha de trigo1 xícara de açúcar refinado1 ovo1 colher (sopa) de manteiga1 colher (sopa) de fermento químicosalrefrigerante de guaraná até o ponto de enrolarFormar os biscoitos e fritar em gordura quente.

George Rafael Maia

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Zé Redondo e a banda do porcoUm dia, passeando pelo Rio Piracicaba, em Minas Gerais, na casa de

Helvécio e Márcia, ouvi um causo que achei muito interessante. O per-sonagem é Zé Redondo, que, para início de conversa, é a pessoa maismagra que alguém já viu; sua magreza chega a espantar. Mas não é a suamagreza que chama mais atenção. O que chama mais atenção mesmo éa sua facilidade de passar as pessoas para trás.

Um dia, ele foi visitar seu compadre, um fazendeiro da região. Ocompadre estava com um porco para terminar de engordar e o ofe -receu para levá-lo. Quando o animal estivesse no ponto de matar, ouseja, um pouco mais gordo, ele ficaria com uma parte e o compadrecom outra. Zé Redondo aceitou e foi embora.

Quando o fazendeiro contou a sua mulher o acontecido, a casaveio abaixo. Ela ficou irritada, dizendo que o marido conhecia afama do seu compadre. “Nunca mais ocê vai ver esta carne, escreveo que eu tô te falano”.

Passado mais ou menos três horas, Zé Redondo aparece nafazenda de novo, já com uma parte do porco. “Uai”, questiona ofazendeiro, “ocê não levou o porco pra sua casa, sô?” Zé Redondorespondeu: “Ele não deu conta da viagem, então achei mió matá etrazê a sua parte já que o combinado foi esse”.

A comadre ouviu a conversa e pediu desculpas: “Oh!, cumpadre,ocê me disculpe, eu pensei muito mal do sinhô, eu tô com meucoração dueno”. “Ora, comadre, isso acontece. Às vezes a genteacusa pessoas que num tem curpa de nada mesmo”. Ele se despediue foi embora com a outra parte do porco.

O fazendeiro olhou bem para a sua mulher e disse: “Ocê pidiudiscurpa pra ele que acabô de passá a gente pra trás?” “Uai, porquê?” “Ocê nem percebeu que o combinado era ele terminá deingordá o porco. Ele só matô e ficô com uma parte do nosso porco,e saiu com a cara mais limpa”.

Nardeli da Conceição Silva

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Diretoria - Gestão 2006-2009

Presidente: Gilson Luiz Reis, 1º Vice–Presidente: Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp,2º Vice–Presidente: Marco Eliel Santos de Carvalho, Tesoureira Geral: Lavínia RosaRodrigues, 1º Tesoureiro: Luiz Augusto Pinto, Secretária Geral: Marilda Silva, 1º Secretário:Dimas Enéas Soares Ferreira, Conselho Fiscal: Terezinha Lúcia de Avelar, Maria das Graçasde Oliveira, Sebastião Geraldo de Araújo, Suplentes do Conselho Fiscal: Valdir ZeferinoFerreira Júnior, Valéria Chiode Perpétuo, Rui da Silva Sales.

Diretoria: Adelmo Rodrigues de Oliveira, Aerton de Paulo Silva, Ailton de Soza Santos,Albanito Vaz Júnior, Alex Jordane de Oliveira, Altamir Fernandes de Sousa, Alzira dos ReisSilva, Ana Paola de Morais Amorim Valente, Andrea Luiza Drumond das Chagas, AngelamariaS. Burgarelli A. Kneipp, Anivaldo Matias de Sousa, Antônio de Pádua Ubirajara e Silva,Aristides Ribas de Andrade Filho, Benedito do Carmo Batista, Cândido Antônio de SouzaFilho, Carla Fenícia de Oliveira, Carlos Afonso de Faria Lopes, Carmem Cristina RodriguesSchffer, Cássia Beatriz Batista e Silva, Cecília Maria Vieira Abrahão, Celina Alves PadilhaArêas, Clédio Matos de Carvalho, Clóvis Alves Caldas Filho, Débora Goulart de Carvalho,Décio Braga de Souza, Edimar Balbino de Aquino Póvoa, Edson de Oliveira Lima, Edson dePaula Lima, Edward Neves Monteiro de B. Guimarães, Eliane de Andrade, Elizabeth AvelarNunes, Elizabeth Barbosa, Elizabeth do Nascimento Mateus, Elmindo de Rezende, Eni deFaria Sena, Eudson Carlos Souza Magalhães, Eustáquio Vieira da Silva, Evangelina SenaFulgêncio Jardim, Fábio Alex Lopes de Almeida, Fabio dos Santos Pereira, Fátima AmaralRamalho, Flávio Correa de Andrade, George Rafael Lima Souza Maia, Gilberto Alves daCunha, Heleno Célio Soares, Humberto de Castro Passarelli, Iara Prestes Stoessel, JandiraAparecida Alves de Rezende, Jones Righi de Campos, José Alves Pereira, José ArmandoBorges, José Carlos Padilha Arêas, José Flávio Perpétuo, Josiana Pacheco Silva Martins,Juliana Maria Almeida do Carmo, Júnia Aparecida Rios Barcelos, Liliani Salum Alves Moreira,Luiz Antônio da Silva, Marcos Paulo da Silva, Marcos Vinicius Araújo, Maria Cézar FerreiraBarbosa, Maria da Conceição Miranda, Maria da Glória Moyle Dias, Maria de Lourdes Coelho,Maria Eliane Serafim de Andrade, Maria Esperança Amat Dutra, Maria Helena PereiraBarbosa, Maria Irene Pereira Vale, Maria Julieta Martins de Albuquerque, Mario César MotaII, Mark Alan Junho Song, Mateus Júlio de Freitas, Matilde Agero Batista, Maurício KriegerAmorim, Miguel José de Souza, Miriam Fátima dos Santos, Mozart Silvério Soares, MuriloFerreira da Silva, Nacib Rachid Lauar, Nalbar Alves Rocha, Nardeli da Conceição Silva, NatáliaPereira Chagas, Nelson Luiz Ribeiro da Silva, Newton Pereira de Souza, Onofre Martins deAbreu, Osvaldo Sena Guimarães, Patrícia Pinheiro de Souza, Paulo Augusto Malta Moreira,Paulo César Reis Cardoso de Mello, Pitágoras Santana Fernandes, Regina Célia de AquinoXavier, Renato Sérgio Pereira Pina, Rita Simone Oliveira e Silva, Rodrigo Ferreira Queiroz,Rodrigo Salera Mesquita, Romário Lopes da Rocha, Rossana Abbiati Spacek, Rozana MarisSilva Faro, Sandra Lucia Magri, Sérgio Luiz da Costa, Valéria Peres Morato Gonçalves, WagnerRibeiro, Welber Salvador Zóffoli, Zeuman de Oliveira e Silva.

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