história de euler

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«Leiam Euler, leiam Euler, ele é o mestre de todos nós. » — Pierre-Simon de Laplace "Estamos habituados a hipérboles. Os anúncios de televisão, outdoors, os comentadores desportivos e os músicos famosos usam frequentemente expressões sensacionais, como o maior, o melhor, o mais inteligente, o mais rápido ou o mais brilhante. Sendo usados no processo normal de vender um produto ou entreter o espectador, estas expressões perderam o seu significado literal. Assim, quando afirmamos que Leonard Euler foi um dos mais influentes e prolíficos matemáticos que o mundo alguma vez viu, o leitor poderá revirar os olhos, com enfado. Mas não estamos a exagerar a verdade. Euler é considerado, juntamente com Arquimedes (287-211 a. C), Isaac Newton (1643-1727) e Carl Friedrich Gauss (1777-1855), um dos dez — ou mesmo cinco — mais importantes matemáticos da história. Ao longo da sua vida de 76 anos, Euler concebeu matemática suficiente para preencher 74 volumes substanciais, mais páginas do que qualquer do que qualquer outro matemático Quando a totalidade do seu trabalho foi finalmente publicada (novos materiais continuaram a aparecer decorridos 79 anos após a sua morte) verificou-se que este chegou aos 866 artigos, em que se incluem artigos científicos «, livros sobre a maioria dos temas tratados na época, livros didáticos, livros elementares para não especialistas, e manuais técnicos. Estes números não levam em conta os quinze volumes planeados, de correspondência e outros cadernos de apontamentos, que ainda estão a ser compilados. A importância de Euler não é devida à sua produtividade volumosa, mas às contribuições fundamentais e inovadoras que fez na matemática. Euler não se especializou numa área particular. Ele foi um dos grandes generalistas: o seu conhecimento estendia-se por várias disciplinas. Publicou artigos e livros com grande influência em análise, teoria dos números, análise complexa, cálculo, cálculo de variações, equações diferenciais, teoria das probabilidades e topologia. Esta lista não inclui as suas contribuições

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História de Euler

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Leiam Euler, leiam Euler, ele o mestre de todos ns.

Pierre-Simon de Laplace

"Estamos habituados a hiprboles. Os anncios de televiso, outdoors, os comentadores desportivos e os msicos famosos usam frequentemente expresses sensacionais, como o maior, o melhor, o mais inteligente, o mais rpido ou o mais brilhante. Sendo usados no processo normal de vender um produto ou entreter o espectador, estas expresses perderam o seu significado literal. Assim, quando afirmamos que Leonard Euler foi um dos mais influentes e prolficos matemticos que o mundo alguma vez viu, o leitor poder revirar os olhos, com enfado. Mas no estamos a exagerar a verdade. Euler considerado, juntamente com Arquimedes (287-211 a. C), Isaac Newton (1643-1727) e Carl Friedrich Gauss (1777-1855), um dos dez ou mesmo cinco mais importantes matemticos da histria.

Ao longo da sua vida de 76 anos, Euler concebeu matemtica suficiente para preencher 74 volumes substanciais, mais pginas do que qualquer do que qualquer outro matemtico Quando a totalidade do seu trabalho foi finalmente publicada (novos materiais continuaram a aparecer decorridos 79 anos aps a sua morte) verificou-se que este chegou aos 866 artigos, em que se incluem artigos cientficos , livros sobre a maioria dos temas tratados na poca, livros didticos, livros elementares para no especialistas, e manuais tcnicos. Estes nmeros no levam em conta os quinze volumes planeados, de correspondncia e outros cadernos de apontamentos, que ainda esto a ser compilados.

A importncia de Euler no devida sua produtividade volumosa, mas s contribuies fundamentais e inovadoras que fez na matemtica. Euler no se especializou numa rea particular. Ele foi um dos grandes generalistas: o seu conhecimento estendia-se por vrias disciplinas. Publicou artigos e livros com grande influncia em anlise, teoria dos nmeros, anlise complexa, clculo, clculo de variaes, equaes diferenciais, teoria das probabilidades e topologia. Esta lista no inclui as suas contribuies para algumas disciplinas aplicadas tais como a ptica, eletricidade e magnetismo, mecnica, hidrodinmica e astronomia. Alm disso, Euler possua uma caracterstica que era, e ainda , rara entre os investigadores de topo: ele era tambm um divulgador de primeira categoria. Ao contrrio dos matemticos que o precederam, Euler escrevia usando uma linguagem clara e simples, tornando o seu trabalho acessvel tanto a especialistas como a estudantes.

Euler era um homem gentil e despretensioso cuja vida foi centrada em torno da sua grande famlia e do seu trabalho. Viveu na Sua, Rssia, Prssia, e depois novamente na Rssia, e manteve uma correspondncia frequente com muitos pensadores importantes do sculo XVIII. A sua vida profissional ficou ligada aos trs grandes governantes da Europa, Pedro, o Grande, Frederico, o Grande, e Catarina, a Grande. Os legados destes lderes incluem a criao ou revitalizao das respectivas academias nacionais de cincia. Estas academias forneceram as condies materiais para que Euler dedicasse o seu tempo investigao em cincias puras. Em troca, apenas se esperava dele o uso ocasional dos seus conhecimentos cientficos para os assuntos do Estado, e o reconhecimento internacional que o seu trabalho trazia para a nao.

Leonhard Euler nasceu em Basileia, Sua, a 15 de Abril de 1707, filho de Paul Euler e Marguerite Brucker Euler. Pouco depois, a famlia mudou-se para a cidade vizinha de Riehen, onde Paul foi designado pastor da igreja calvinista local.

Os primeiros ensinamentos matemticos que Leonhard teve foram dados pelo seu pai. Apesar de Paul no ser matemtico, ele havia estudado matemtica com o famoso Jacob Bernoulli (1654-1705). Esta instruo teve lugar quando os jovens Paul e Johann Bernoulli (1667-1748), irmo mais novo de Jacob, ambos estudantes na Universidade de Basileia, viviam na casa de Jacob. Jacob e Johann Bernoulli foram membros do que se viria a tornar uma das famlias de matemticos mais respeitadas de sempre. Por mais de um sculo o cl Bernoulli desempenhou um importante papel no avano da matemtica, tendo pelo menos oito Bernoullis realizado contribuies duradouras.

Leonhard comeou os seus estudos formais na Universidade de Basileia, aos catorze anos. No era uma idade muito precoce para um estudante universitrio naquela altura. A universidade era muito pequena tinha apenas algumas centenas de alunos e dezanove professores. Paul Esperava que o seu filho seguisse uma carreira religiosa, para a qual Leonhard tinha estudado teologia e hebraico. Mas as suas capacidades matemticas eram inegveis , e ele rapidamente chamou a ateno do amigo do seu pai, Johann Bernoulli. Nessa altura Johann era um dos matemticos mais proeminentes da Europa.

Johann era um homem arrogante, brusco e as suas caractersticas competitivas tinham produzido rivalidades histricas (entre outros, com o seu irmo e com um dos filhos). Apesar disso, reconheceu o notvel talento do menino e encorajou-o a continuar os estudos em matemtica. Euler escreveu na sua autobiografia: Quando me deparava com algum obstculo ou dificuldade, foi-me dada autorizao para vista-lo todos os sbados da parte da tarde e ele gentilmente explicava-me tudo o que eu no podia entender. Estas lies desempenharam um papel importante na maturao das capacidades matemticas de Euler.

Apesar de Leonhard se distinguir nos seus estudos particulares de matemtica, Paul Mantinha a esperana de que os eu filho entrasse no Ministrio. Com dezassete anmos, Eulerb terminou o seu mestardo em filosofia,. Johann temeu a grande perda que seria para a matemtica se o seu protegido se virasse para a Igreja, e interveio dizendo a Paul, em termos inequvocos, que Leonhard tinha o potencial de se tornar um grande matemtico. Devido ao seu gosto pela matemtica, Paul cedeu. Apesar de Euler ter abandonado os estudos religiosos, permaneceu um devoto calvinista ao longo de toda a sua vida.

O primeiro sucesso, conseguido de forma autnoma, de Euler na matemtica ocorreu quando tinha dezanove anos de idade. O seu trabalho terico sobre a colocao ideal de mastros num navio garantiu-lhe uma meno honrosa numa prestigiada competio patrocinada pela Academia das Cincias de Frana. Esta faanha seria extraordinria para qualquer matemtico, mas era ainda mais especial para um jovem suo que nunca tinha visto um navio no oceano. Euler no ganhou o primeiro prmio desta competio, o que teria sido equivalente a ganhar um Prmio Nobel nos dias de hoje, mas nos anos seguintes ser-lhe-iam atribudas as mais altas honras em doze ocasies.

Na poca do nascimento de Euler, a mil quilmetros a nordeste de Basileia, o czar russo Pedro, o Grande (1672-1725) estava a construir a cidade de So Petersburgo. Esta foi fundada em 1703 no pntano onde o rio Neva corre em direco ao mar Bltico. Pedro usou trabalho forado para construir a cidade, estrategicamente localizada na fortaleza de Pedro e Paulo numa ilha do Neva. Ele adorava a nova cidade, chamando-a o seu paraso e deu-lhe o nome do seu santo padroeiro. Apesar do facto de a Maioria dos russos, especialmente os oficiais do governo, no compartilharem o mesmo gosto de Pedro por este lugar frio e hmido, ele mudou a capital russa de Moscovo para So Petersburgo. O jovem Euler no fazia ideia de que esta cidade seria a sua casa durante grande parte da sua vida.

Pedro, o Grande, uma figura fisicamente imponente com quase dois metros de altura, foi o lder enrgico, autodidacta e determinado da Rssia entre 1682 e 1725. Conhecido como um reformador implacvel, ele comeou a transformao do seu pas de uma nao agrria e feudal, dominada pela Igreja, num poderoso imprio. O seu objectivo de modernizar isto , de ocidentalizar o governo russo, a cultura, a educao, as foras armadas, e a sociedade em geral foi, em grande parte, concretizado. Como um historiador russo escreveu: De repente, saltando por cima de vrias pocas escolsticas, a Renascena e o Reformismo, a Rssia passou de uma civilizao paroquial, eclesistica e quase medieval, directamente para a Idade da Razo

Como parte do processo de ocidentalizao, Pedro queria reformar o sistema de educao da Rssia, inexistente antes do seu reinado, com excepo do ensino mnimo facultado pela poderosa Igreja Ortodoxa. Como resultado, a Rssia no tinha cientistas. Por causa da forte presena Da Igreja, os russos tinham medo de explicaes cientficas do mundo, preferindo as tradicionais explicaes religiosas. Pedro reconheceu a necessidade de melhorar a imagem internacional da Rssia, e de dissipar a ideia de que os russos desprezavam a cincia. Ele tambm sabia que um Programa para a Cincia era crucial para a criao e manuteno de um Estado poderoso.

Pedro visitou a Royal Society de Londres e a Acadmie des Sciences de Paris, ambas fundadas em 1660. Ficou impressionado com o que viu. Ele tambm admirava a nova Academia de Cincias de Berlim, fundada em 1700, segundo uma proposta de Gottfried Leibniz (1646-1716). Leibniz o famoso matemtico que, a par de Isaac Newton, considerado o inventor do clculo. Estas academias no eram universidades; elas dedicavam-se busca de novos conhecimentos e no comunicao do conhecimento existente. Os membros das academias eram investigadores, no professores; o seu objectivo principal era o avano do conhecimento.

Pedro queria fundar uma academia, como as de Paris, Londres e Berlim, e queria estabelec-la na sua nova cidade de So Petersburgo. De modo a aconselhar-se, ele contactou Leibniz. Durante quase duas dcadas, Pedro e Leibniz mantiveram longas conversas, tanto por meio de cartas como presencialmente, sobre a reforma da educao e sobre a criao de uma academia de cincias.

Em 1724, Pedro tinha finalizado os seus planos para a criao da Academia de Cincias de So Petersburgo; este foi o projecto final e o mais ambicioso na sua busca para melhorar o sistema de educao da Rssia. No entanto, ele no podia criar a sua academia de forma exactamente igual s academias europeias. Como a Rssia no tinha cientistas nativos, ele teria que persuadir talentosos cientistas estrangeiros a mudarem-se para So Petersburgo. Do mesmo modo, como a Rssia no tinha sistema universitrio, a Academia de Cincias deveria funcionar tambm como uma universidade. Parte do mandato da Academia seria o de treinar russos nas cincias, para que a Academia no tivesse que contar sempre com estrangeiros.

Pedro nunca viu os frutos do seu trabalho, pois morreu no incio de 1725. Graas nova imperatriz, a segunda esposa de Pedro, Catarina I (1684-1727), os planos da Academia continuaram. Estudiosos estrangeiros comearam a chegar decorridos alguns meses aps a morte de Pedro, e a Academia das Cincias realizou a sua primeira reunio ante do final do ano. Pedro teve a sorte de Catarina adoptar o projecto da Academia. Nos anos que se seguiram, a Academia no esteve sempre abenoada por governantes entusiastas. Durante os 37 anos entre a morte de Pedro e a coroao de Catarina, a Grande (1729-1796), a Rssia foi conduzida por seis governantes, e a Academia esteve sempre merc destes indivduos poderosos e opinativos.

Inicialmente, a Academia contava com dezasseis cientistas: treze alemes, dois suos, um francs e nenhum russo. A grande presena alem e a ausncia de russos constituiria, mais tarde, um foco de tenso. Por causa do clima frio, do local remoto, e do isolamento acadmico, era necessrio proporcionar altos salrios e alojamento confortvel para atrair os cientistas para So Petersburgo. A nova academia era pequena, mas rapidamente cumpriu a sua promessa de se tornar uma importante instituio cientfica reconhecida internacionalmente. Com o passar do tempo, tornou-se o centro do mundo acadmico e cientfico da Rssia. Esta Academia de Cincias mudou vrias vezes de nome, mas ainda hoje existe e conhecida como a Academia Russa de Cincias. Dois dos investigadores estrangeiros que se tornaram as estrelas desta Nova instituio eram amigos de Euler: os filhos de Johann Bernoulli, Nicolaus (1695-1726) e Daniel (1700-1782) Bernoulli. Os dois irmos tinham conversado com Euler sobre a Academia antes de sarem da Sua, e prometeram assegurar-lhe uma posio to depressa quanto possvel. Aps a sua chegada Rssia, comearam logo a fazer campanha, junto dos administradores da Academia, no sentido de contratar o seu jovem e brilhante amigo. Esta campanha teve rapidamente sucesso. Em 1726, ofereceram a Euler uma posio na Seco de Medicina e Fisiologia. Infelizmente, Euler no pde desfrutar plenamente nem comemorar esta emocionante oferta de trabalho. Esta proposta seria para preencher a vaga deixada livre pela trgica e inesperada morte de Nicolaus.

Euler ficou muito grato por este emprego, mas no se mudou imediatamente para a Rssia. Havia duas razes que o levavam a permanecer em Basileia e deixar o seu novo trabalho em espera. Em primeiro lugar, tinha acabado de aceitar um emprego em medicina, apesar de possuir um conhecimento mnimo na rea. Assim, decidiu continuar na Universidade de Basileia enquanto estudava anatomia e fisiologia. Em segundo lugar, preferiu adiar a deciso por algum tempo e esperar para saber se lhe seria oferecido um lugar no Departamento de Fsica na Universidade de Basileia. Na Primavera de 1727, quando soube que no tinha sido escolhido para esse cargo, partiu ento rumo Rssia. Assim comeou a sua estadia em So Petersburgo, onde viveria nos 14 anos seguintes e, mais tarde, durante os seus ltimos 17 anos de vida.

A viagem de Euler at So Petersburgo por barco, a p e carruagem durou sete semanas. No dia em que ele finalmente pisou o cho da Rssia, a imperatriz Catarina I faleceu, aps governar por apenas dois anos. O destino da nova Academia era incerto. Aqueles que comandavam o pas em nome do czar Pedro II (1715-1730), de 11 anos de idade, neto de Pedro, o Grande, viam a Academia como um luxo dispensvel e consideraram fechar as suas portas. Felizmente, a instituio manteve-se aberta, e, na confuso que se seguiu, Euler acabou por ficar onde naturalmente pertencia a Seco de Fsica-Matemtica, e no na Seco de Medicina. Este primeiro ano da carreira matemtica de Euler, 1727, foi tambm o ano em que o gigante matemtico Isaac Newton morreu.

A vida na Academia era difcil no tempo de Pedro II; desta forma, aps a morte do czar aos quinze anos de idade, em 1730, os seus membros esperavam que a sorte melhorasse. A Academia estaria um pouco melhor durante o reinado de dez anos de Anna Ivanovna (1693-1740), mas as condies na Rssia tornaram-se desoladoras. Anna conduziu o seu governo com uma forte influncia alem, principalmente atravs do seu amante Earnst-Johann Biron (1690-1772). Biron era um tirano cruel que mandou executar vrios milhares de russos, e exilar outras dezenas de milhares para a Sibria. Os alvos de Biron incluram criminosos comuns, os crentes da Igreja Ortodoxa Russa e os adversrios polticos de Anna. Mais tarde, em Berlim, a Rainha -me da Prssia perguntou a Euler por que razo era ele to taciturno. Ele respondeu: Cara Senhora, porque eu acabo de vir de um pas onde quem fala enforcado.

Em 1733, j cansado do difcil estilo de vida russo e da poltica interna da Academia, Daniel Bernoulli regressou Sua e, com os seus 26 anos, Euler tomou a posio de Daniel como matemtico principal.

Nesta altura, Euler pensava que podia ficar na Rssia por um longo perodo de tempo, talvez para o resto da sua vida. Com a excepo das dificuldades impostas pelo clima poltico na Rssia, Euler achava a vida confortvel. Ele tinha adquirido um bom domnio da lngua russa, e sentia-se financeiramente seguro graas a uma salrio mais elevado, que resultou da sua promoo. Assim, em 1733, decidiu casar-se com Katharina Gsell, que tinha sido trazida para a Rssia por Pedro, o Grande. Leonhard e Katharina formaram uma grande Famlia, e chegaram a ter treze filhos. Como no era raro naquela poca, apenas cinco filhos sobreviveram aps a infncia, e apenas trs viveram at mais tarde do que os seus pais.

A vida de marido e pai no abrandou o ritmo de publicaes de Euler. Tanto agora como noutros perodos da sua vida profissional, ele permanecia um investigador extremamente activo. difcil exagerar a produtividade macia de Euler. Lendas matemticas dizem que ele conseguia escrever artigos cientficos enquanto andava com um beb ao colo, e que podia compor um tratado entre as primeiras e segundas chamadas para o jantar. Ele escreveu sobre tudo e sobre mais alguma coisa. Produziu obras-primas, notas curtas, correces, explicaes, resultados parciais, ideias de demonstraes, textos introdutrios e livros tcnicos.

No havia revs capaz de fazer Euler abrandar. Nem mesmo a cegueira foi suficiente para impedir o fluxo da sua produo matemtica. Em 1738, adoeceu depois de dedicar trs longos dias de trabalho a um problema de Astronomia. Embora a medicina moderna ponha causa a seguinte a afirmao, acreditou-se durante muito tempo que a doena teria sido causada pela deteriorao da sua viso, que culminou na perda completa da vista do seu olho direito. Euler aceitou a perda da viso como mais um passo no seu caminho. Na sua maneira de ser, geralmente modesta, comentou: Agora vou ter menos distraces. Mais tarde, perdeu a viso do seu outro olho, e viveu em escurido quase total nos seus ltimos 17 anos de vida. Apesar de no poder ver, continuou a fazer importantes contribuies matemticas at ao dia da sua morte.

Parecia que o crebro de Euler estava afinado para fazer matemtica de uma forma que outros crebros no esto. Ele era capaz de manipular vrias noes abstractas em simultneo, e conseguia realizar clculos mentais surpreendentes. Numa famosa histria, dois alunos de Euler precisavam de adicionar 17 termos fraccionrios, e os resultados obtidos por eles no coincidiam. Euler imediatamente efectuou a soma de cabea e resolveu o diferendo, fornecendo a resposta correcta. Tal como o matemtico Franois Arago (1786-1853) famosamente escreveu, Euler calculava sem esforo aparente, tal como os homens respiram, ou as guias se sustentam com o vento. Modestamente, Euler afirmava que a sua capacidade de manipular smbolos substitua o raciocnio, dizendo que o seu lpis o superava em inteligncia.

Euler era igualmente abenoado com uma memria incrvel. Ele Memorizava inmeros poemas de do incio ao fim; desde criana at sua morte era capaz de recitar a Eneida de Virglio, sendo capaz de recordar a primeira e a ltima frase de qualquer uma das suas pginas. Um exemplo mais matemtico da sua memria prodigiosa era a sua capacidade de indicar rapidamente as seis primeiras potncias dos primeiros cem nmeros. Para pr isto em perspectiva, observe-se que a sexta potncia de 99 o nmero 941 480 149 401.

Durante a sua permanncia em So Petersburgo, Euler dedicou algum do seu tempo a projectos para o Estado. Em 1735, foi nomeado director da Seco de Geografia da Academia, tendo posteriormente feito contribuies importantes para a criao de um mapa, muito necessrio, da Rssia. Escreveu tambm um livro de dois volumes sobre construo naval que foi to apreciado que a Academia decidiu duplicar-lhe o seu salrio nesse ano.

Enquanto Euler gozava de uma produtividade notvel, uma vida familiar feliz, e um salrio considervel, as condies na Rssia continuavam a piorar. A atmosfera na Academia tornou-se muito tensa, at mesmo hostil. A maioria dos membros seniores da faculdade eram alemes, e ainda havia uma reduzida presena de russos. Nos primeiros 16 anos de existncia da Academia, apenas um russo foi tornado membro, sendo membro auxiliar que nunca foi promovido a professor. Os russos estavam incomodados com o poder dos alemes e algumas opinies anti-alems foram expressas abertamente. Felizmente, o calmo e reservado Euler foi capaz de manter-se neutro na poltica interna da Academia, embora tenha tornado a sua vida de trabalho bastante tensa.

Com a presena de Biron e do grupo alemo nos governos de Anna, o medo e averso aos alemes continuaram a aumentar no seio da populao russa, No final de 1740, pouco antes da sua morte, Anna nomeou Biron como regente do seu sucessor, Ivan VI (1740-1764) que tinha dois meses de idade. Aps a morte de Anna, a animosidade dos russos para com os alemes atingiu o clmax em apenas um ms, Biron foi derrubado, e um ano mais tarde, Ivan e todo o grupo alemo foram retirados do poder. Isabel I (1709-1762), filha de Pedro, o Grande, tornou-se a nova imperatriz.

Durante este perodo, a vida na Rssia tornou-se perigosa, especialmente para os que no eram Russos. Os acadmicos estrangeiros eram vistos com desconfianas, como possveis espies para o Ocidente. Euler reagiu a estas condies mantendo-se quieto e dedicando todo o seu tempo ao seu trabalho e sua famlia. Em 1741, Euler j no conseguia tolerar a vida na Rssia por mais tempo, e ento decidiu deixar So Petersburgo e ir para Berlim."