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INTERACÇÕES NO. 34, PP. 292-311 (2015) http://www.eses.pt/interaccoes HISTÓRIA DA QUÍMICA NA SALA DE AULA PARA ENSINAR SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA: O EXEMPLO DA INTERDEPENDÊNCIA ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA Fátima Paixão Instituto Politécnico de Castelo Branco & Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), Universidade de Aveiro, Portugal [email protected] Margarida Figueiredo Instituição e/ou Centro de Investigação Departamento de Química da Universidade de Évora e Centro de Investigação em Educação e Psicologia, Portugal [email protected] Resumo Na senda da investigação que valoriza um ensino e aprendizagem de Química promotor de literacia científica desenvolvemos, no âmbito do Projeto EANCYT (Enseñanza y Aprendizaje sobre la Naturaleza de la Ciencia y Tecnología), uma sequência didática com o objetivo de melhorar a compreensão pelos alunos da Interdependência entre Ciência e Tecnologia através de um ensino explícito sobre a Natureza da Ciência. No desenho da sequência didática foram utilizados materiais que se enquadram no domínio da História da Ciência, ligados ao nome de Antoine Laurent Lavoisier, por muitos considerado o pai da Química. Os documentos usados ilustram um episódio marcante da evolução desta ciência experimental em que a conceção e a utilização de um complexo dispositivo tecnológico permitiu fazer a síntese da água a partir do hidrogénio e do oxigénio chegando às proporções em que sabemos, atualmente, que estes gases se combinam. São apresentados e analisados alguns resultados obtidos a partir das respostas a questões do COCTS (Cuestionario de Opiniones sobre Ciencia, Tecnologia y Sociedad), utilizando uma metodologia investigativa com recurso a pré-teste/pós-teste e grupo de controlo para avaliar os alunos e a sequência didática. Palavras-chave: Ensino de Química; Sequência Didática; Natureza da Ciência; Interdependência Ciência e Tecnologia; História da Ciência.

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INTERACÇÕES NO. 34, PP. 292-311 (2015)

http://www.eses.pt/interaccoes

HISTÓRIA DA QUÍMICA NA SALA DE AULA PARA ENSINAR SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA: O EXEMPLO DA

INTERDEPENDÊNCIA ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Fátima Paixão Instituto Politécnico de Castelo Branco & Centro de Investigação Didática e Tecnologia na

Formação de Formadores (CIDTFF), Universidade de Aveiro, Portugal [email protected]

Margarida Figueiredo

Instituição e/ou Centro de Investigação  Departamento de Química da Universidade de Évora e Centro de Investigação em Educação e Psicologia, Portugal

[email protected]

Resumo

Na senda da investigação que valoriza um ensino e aprendizagem de Química

promotor de literacia científica desenvolvemos, no âmbito do Projeto EANCYT

(Enseñanza y Aprendizaje sobre la Naturaleza de la Ciencia y Tecnología), uma

sequência didática com o objetivo de melhorar a compreensão pelos alunos da

Interdependência entre Ciência e Tecnologia através de um ensino explícito sobre a

Natureza da Ciência. No desenho da sequência didática foram utilizados materiais que

se enquadram no domínio da História da Ciência, ligados ao nome de Antoine Laurent

Lavoisier, por muitos considerado o pai da Química. Os documentos usados ilustram

um episódio marcante da evolução desta ciência experimental em que a conceção e a

utilização de um complexo dispositivo tecnológico permitiu fazer a síntese da água a

partir do hidrogénio e do oxigénio chegando às proporções em que sabemos,

atualmente, que estes gases se combinam. São apresentados e analisados alguns

resultados obtidos a partir das respostas a questões do COCTS (Cuestionario de

Opiniones sobre Ciencia, Tecnologia y Sociedad), utilizando uma metodologia

investigativa com recurso a pré-teste/pós-teste e grupo de controlo para avaliar os

alunos e a sequência didática.

Palavras-chave: Ensino de Química; Sequência Didática; Natureza da Ciência;

Interdependência Ciência e Tecnologia; História da Ciência.

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Abstract

In the wake of the research that values Chemistry teaching and learning

promoter of scientific literacy we developed under the EANCYT Project (Enseñanza y

Aprendizaje sobre la Naturaleza de la Ciencia y Tecnología) a didactic sequence in

order to improve students’ understanding of the interdependence between Science and

Technology through explicit teaching about the nature of science. In the design of the

didactic sequence were used materials framed in the sphere of the History of Science,

linked to the name of Antoine Laurent Lavoisier, frequently considered as the father of

Chemistry. These documents illustrate a remarkable episode in the evolution of this

experimental science, in which the design and use of a complex technological device

allowed the synthesis of water from hydrogen and oxygen reaching the proportions in

which we now know that these gases combine. Some results obtained from the

answers to some questions of COCTS (Cuestionario de Opiniones sobre Ciencia,

Tecnologia y Sociedad) are analyzed and presented, using a research methodology

with pre-test/post-test and control group to evaluate both students and the didactic

sequence.

Keywords: Chemistry Teaching; Didactic Sequence; Nature of Science; Science and

Technology Interdependence; History of Science.

Introdução

A Química está presente nos mais diversos contextos e em tudo o que

conhecemos, nas atividades humanas ou nos fenómenos e ocorrências naturais.

Contudo, em geral, os alunos do ensino básico (13-15 anos) consideram-na um

assunto árido e incompreensível não a valorizando como construção humana e como

matéria indispensável para compreender o mundo em que vivemos. Deste modo, é

necessário ensinar a estes jovens que a química faz parte do nosso envolvente e da

nossa vida e é essencial que a aproximação a esta ciência se faça de forma clara e

acessível (González et al., 2013, p. 7) e também de forma estimulante.

Os currículos de Química atuais (os que seguem as orientações internacionais

para o ensino das ciências) colocam a necessidade de trabalhar para a literacia

científica de modo a desenvolver uma adequada compreensão da Natureza da

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Ciência e da Tecnologia (NdCeT) que contribua para desenvolver uma consciência

das complexas relações da ciência com a tecnologia e com a sociedade. É neste

quadro que se devem criar intencionalmente as condições capazes de proporcionar o

pensamento indispensável para a participação crítica e responsável na tomada de

decisões pessoais e sociais sobre problemas locais e globais bem como para

desfrutar da ciência e da tecnologia como cultura e como propiciadora de uma vida

com o desejável nível de conforto. Para alcançar essa literacia científica, a

investigação em didática reconhece a relevância dos princípios associados ao

movimento ciência-tecnologia-sociedade (CTS) e à linha que se centra na valorização

da história da ciência. A educação para a literacia científica implica igualmente que se

promovam atitudes positivas em relação à ciência (Vázquez e Manassero, 1997;

Acevedo, Acevedo, Manassero, Paixão e Vázquez, 2004)

É neste enquadramento que a investigação em didática incentiva o

desenvolvimento de sequências didáticas que apresentem boas propostas de

estratégias e de atividades de ensino e aprendizagem que contemplem o ensino

explícito da NdCeT, passando-as pelo teste da aplicação em sala de aula de modo a

considerar-se validada a sua relevância para a compreensão desse amplo conceito,

mesmo que não diretamente generalizáveis.

O estudo aqui apresentado integra-se no Projeto Ibero-americano EANCYT

(Enseñanza y Aprendizaje sobre la Naturaleza de la Ciencia y Tecnología: Una

investigación experimental y longitudinal) que integra investigadores de sete países

diferentes – Espanha, Portugal, Brasil, Panamá, México, Colombia e Argentina. Este

Projeto apresenta como objetivo melhorar a compreensão da NdCeT de alunos e

professores, através da construção e aplicação de instrumentos de intervenção

educativa e de avaliação, concebidos e implementados em diferentes contextos. A

sequência didática a que chamámos «Existe dependência entre a ciência e a

tecnologia? “E fez-se água!”», para o 9º ano de escolaridade, é um exemplo desses

instrumentos, usando recursos da História da Ciência/Química centrados no episódio

da síntese da água, protagonizado por Lavoisier, tendo concebido e utilizado um

aparelho tecnológico altamente sofisticado, para a sua época.

A questão problema que impulsionou o desenvolvimento do estudo apresentado

ancorou-se na perceção do valor da sequência didática desenhada e implementada

para a compreensão da interdependência entre ciência e tecnologia.

Outros estudos já realizados com a aplicação deste tipo de sequências didáticas

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apresentaram resultados animadores, tendo conduzido a uma melhoria significativa

nos domínios analisados (por exemplo, Figueiredo e Paixão, 2012; Paixão e

Figueiredo, 2014; Zárate, Drewes e Porro, 2014).

Fundamentação Teórica

Literacia científica

A Ciência e a Tecnologia estão hoje presentes em todas as dimensões da vida

social, de forma bastante evidente. As suas repercussões fazem-se sentir em sectores

como a política, a economia, a cultura e a educação. Em consequência dessa

realidade torna-se imprescindível que todos os cidadãos tenham acesso a

conhecimentos básicos sobre Ciência e Tecnologia de modo a intervirem de forma

ativa na Sociedade. Do mesmo modo que se aceita como fundamental que todos os

cidadãos necessitam de um nível adequado de literacia relativa ao uso da língua e da

matemática, as exigências atuais da vida em sociedade tornam também indispensável

que seja facultada, a todos os cidadãos, formação científica e tecnológica identificada

com literacia neste domínio.

A importância da literacia científica é, de facto, amplamente reconhecida pelos

especialistas em Educação em Ciência. No entanto, diversos estudos realizados sobre

este tema revelam que ainda existem dificuldades na compreensão da Natureza da

Ciência, aspeto central que a enforma (Abell, Martini e George, 2001; Figueiredo e

Paixão, 2011; Lederman, 1992; Manassero, Vázquez e Acevedo, 2004; Moss, Abrams

e Robb, 2001; Ryan e Aikenhead, 1992; Vázquez, Manassero e Acevedo, 2006a).

A literacia científica é um conceito que embora multifacetado, “móvel no espaço

e evolutivo no tempo” (Martins, 2006, p.25), faz convergir muitos autores para aspetos

comuns do seu entendimento. Já na década de 60 do século passado a National

Science Teachers Association (NSTA, 1971 in DeBoer, 2000, p. 588) definia como

cientificamente literato um cidadão que “usa os conceitos científicos, competências

processuais e valores para tomar decisões do dia-a-dia, ao interagir com outras

pessoas e com o seu ambiente e compreende a inter-relação entre Ciência,

Tecnologia e outras facetas da sociedade, incluindo o desenvolvimento social e

económico”. Após a conclusão do processo do PISA 2006 (Programme for

International Students Assessment), o GAVE (2007, p. 7) aponta que a literacia

científica passou a referir-se, entre outros aspetos, “à compreensão das características

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próprias da ciência enquanto forma de conhecimento e de investigação; à consciência

do modo como a Ciência e a Tecnologia influenciam os ambientes material, intelectual

e cultural das sociedades; e à vontade de envolvimento em questões relacionadas

com Ciência e com conhecimento científico, enquanto cidadãos conscientes”. Neste

envolvente, as quatro dimensões da literacia científica identificam-se com conteúdos,

processos, contextos e atitudes. As duas últimas dimensões referem-se às situações

que envolvam Ciência e Tecnologia e não limitadas ao contexto escolar e à relação da

literacia científica com a reação dos indivíduos face à Ciência e à Tecnologia em geral.

Ou seja, uma e a outra dimensão dão relevo à compreensão de um aspeto que

compõe a Natureza da Ciência – Interdependência entre Ciência e Tecnologia.

Uma habitual justificação para ensinar desde muito cedo e a todas as crianças e

jovens a Ciência numa perspetiva de literacia científica prende-se com a necessidade

de contribuir para que todas as pessoas tenham uma melhor compreensão da Ciência

e da Tecnologia. Esta perspetiva é amplamente subscrita e opõe-se à ideia de simples

instrução que se identifica exclusivamente com a certificação do saber escolar com

vista ao prosseguimento de estudos, como aponta Acevedo (2004, referindo

Aikenhead, 2003).

De facto, a compreensão da inter-relação entre a ciência e a tecnologia é

fundamental para atingir níveis de literacia que implicam a compreensão funcional das

grandes ideias da ciência pelo seu entrosamento e repercussões relevantes para a

vida quotidiana individual e social (Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins, 2011). Ou seja, a

educação em ciências deve, em primeiro lugar, ser canalizada para a promoção da

literacia científica e a educação básica, no seu conjunto (6-15 anos), deve ser o tempo

privilegiado para a formação dessa literacia a par de outras em diferentes áreas do

saber.

CTS para o ensino de ciências

A perceção da relevância da Ciência e da Tecnologia na vida individual e social

criou um amplo consenso em torno da tese de que todas as crianças e jovens devem

aprender ciências ao longo da escolaridade básica e inscreve-se, entre outros

argumentos, na importância e no valor do conhecimento científico na satisfação da

curiosidade sobre o mundo natural. O outro argumento, a que já aludimos, prende-se

com o seu valor para a tomada de decisões informadas, no plano pessoal e social

sobre assuntos que têm uma componente científica e técnica ou tecnológica e na

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realização de atividades profissionais que envolvem estas áreas. Nesta perspetiva,

“nenhum cidadão pode alhear-se da Ciência e da Tecnologia e da relevância do

conhecimento científico e tecnológico para a compreensão dos problemas do mundo e

para a construção de propostas de resolução que permitam minorá-los” (Vieira,

Tenreiro-Vieira e Martins, 2011; p. 7). É preciso ganhar consciência de que “as

grandes descobertas/invenções/inovações da ciência e da tecnologia são imparáveis e

mudam vertiginosamente a realidade social e ambiental e, portanto, o próprio estilo de

vida das pessoas, para o bem e para o mal” (Martins e Paixão, 2011, p. 144).

Ninguém pode ser indiferente ao desenvolvimento e à exaustiva utilização de

produtos da ciência e da tecnologia, podendo nós identificar uma sociedade da ciência

e da tecnologia, que infelizmente nem sempre é acessível a todos as pessoas e que

nem sempre tem o seu significado associado ao desenvolvimento e ao progresso

civilizacional. Daí que, também o ensino das ciências nem sempre seja entendido,

nem oficialmente incentivado ou determinado, da mesma forma e segundo os mesmos

princípios de contributo para a literacia científica.

A educação CTS tem vindo a afirmar-se como campo de conhecimento,

congregando investigadores e professores de todos os níveis e em todos os

continentes e as suas ideias espelham-se em currículos, recursos didáticos e

estratégias de ensino (Martins e Paixão, 2011, p. 145). De facto, os estudos CTS na

área da educação preconizam uma nova imagem da ciência e da tecnologia nas suas

relações com a sociedade e também com relevo para o ambiente. Acevedo, Vázquez

e Manassero (2003) sistematizaram os objetivos da educação CTS pondo à cabeça

aumentar a literacia científica e criar maior interesse pela ciência e pela tecnologia.

Quanto à sua orientação, torna-se evidente que o ensino CTS abandona os

modelos de ensino por transmissão e por descoberta e os modelos exclusivamente

internalistas de mudança conceptual para se direcionar para modelos de base

construtivista de cariz social, identificados com ensino por pesquisa, assumindo-se

conscientemente a intenção de preparar os jovens para viverem e assumirem papéis

de cidadania ativa em sociedades complexas de elevada influência científica e

tecnológica (Cachapuz, Praia e Jorge, 2002; Martins e Paixão, 2011).

História da Ciência

O desenvolvimento que a Ciência e a Tecnologia atingiram nos últimos séculos,

mas principalmente nas últimas décadas que já incluíram a transição do século XX

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para o XXI, transformou-as em marcas relevantes e identitárias da sociedade atual

que com elas interatua, influenciando-se reciprocamente. De facto, a Ciência e a

Tecnologia têm, reconhecidamente, um impacto muito elevado na vida e na cultura

quotidiana, e têm-no tido noutros tempos, como revela a História da Ciência quando

entrosada na História da Civilização Humana.

A compreensão da interdependência entre Ciência e Tecnologia cria uma visão

integradora, evidenciando-as como atividades humanas dinâmicas e permite

desenvolver uma ideia mais realista e completa da ciência e do trabalho dos cientistas

(Matthews, 1994; Cachapuz, Praia e Jorge, 2002). É inevitável estabelecer-se essa

ligação da História da Ciência à História da Civilização Humana o que permite

compreender a interdependência entre Ciência e Tecnologia e a implicação no

progresso mútuo, bem como compreender melhor o papel dos cientistas na sociedade

e a influência desta no desenvolvimento conjugado daquelas.

Do que atrás se disse, evidencia-se que o recurso à História da Ciência no

ensino tem potencial para promover o desenvolvimento de competências no domínio

científico e tecnológico com ênfase para a compreensão da Natureza da Ciência.

Permite um ensino mais contextualizado no campo das aplicações da Ciência e da

Tecnologia, o que, em geral, entusiasma mais os jovens do que a Ciência apresentada

como conhecimento retificado pelo tempo. Ir ao contexto da descoberta no ensino é

um ponto fulcral para o entendimento da Natureza da Ciência. Daí o reconhecimento

do valor da História da Ciência para aprendizagem sobre Ciência (Matthews, 1994;

Paixão, 1998; Kim e Irving, 2010; Viana e Porto, 2010; entre outros).

Embora não esteja muito vulgarizado o ensino centrado na História da Ciência, a

perspetiva histórica tem sido escolhida por vários investigadores do campo da Didática

das Ciências (por exemplo, Stinner e Williams, 1993; Paixão, 1998) para

contextualizar e desenvolver sequências didáticas que incluem estratégias de cariz

CTS facilitadores do ensino explícito da NdCeT a par do ensino de conceitos

científicos e de teorias da Ciência. Nestas sequências didáticas, frequentemente,

emergem problemas cuja resolução conduz a uma aprendizagem mais significativa e

mais relevante como contributo para a literacia científica. Outro aspeto a ter em conta

são os recursos históricos de Ciência ou de Tecnologia, de que são exemplos:

excertos de textos originais; biografias de cientistas; objetos alusivos (quadros,

fotografias, filmes…), originais ou réplicas; episódios da história da ciência recriados;

artefactos científicos ou tecnológicos de outros tempos (Paixão, 2011) ou até locais

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associados ao desenvolvimento da ciência ou à utilização de tecnologia, como sejam

Museus de Ciência e, particularmente, os de arqueologia industrial (Ortigão e Paixão,

2014).

A sequência didática apresentada neste estudo recorre a um texto proveniente

de uma fonte histórica primária, concretamente, das Obras de Lavoisier, incluindo o

seu Traité Élémentaire de Chimie, que a Imprimérie Impérial editou em Paris no ano

de1864, com vista à divulgação e difusão da nova Química e também a uma imagem

do quadro intitulado “Retrato de Lavoisier e sua esposa” pintado, em vida do casal,

pelo pintor francês David, o qual exibe um curioso conjunto de instrumentos

científicos.

Metodologia

A sequência didática (SD) desenvolvida baseou-se no pressuposto de que o

recurso a episódios concretos da História da Ciência pode constituir um meio

apropriado para melhorar a compreensão, por parte dos alunos, sobre a

Interdependência entre a Ciência e a Tecnologia.

O instrumento de avaliação utilizado foi construído a partir das questões do

questionário COCTS (Cuestionario de Opiniones sobre Ciencia, Tecnología y

Sociedad), diretamente relacionadas com o tema em estudo e que melhor podiam

fornecer resultados para avaliar em que medida os objetivos da Sequência Didática

desenvolvida eram alcançados. A metodologia seguida baseou-se na aplicação de um

pré-teste e pós-teste a um grupo experimental (GE) e a um grupo de controlo (GC). Os

dois testes foram aplicados aos dois grupos na mesma altura, tendo sido desenvolvida

a SD, entre os dois momentos de aplicação, no caso do Grupo Experimental. Tanto o

GE (62 alunos) como o GC (26 alunos) eram constituídos por alunos do 9º ano de

escolaridade, com idades compreendidas entre os 15 e os 16 anos e tinham o mesmo

professor na disciplina de Ciências Físico-Químicas.

Foram incluídas no pré-teste e pós-teste as questões 10411 (Figura 1) e 10421

(Figura 2) do Cuestionario de Opiniones sobre Ciencia, Tecnologia y Sociedad

desenvolvido no âmbito do Projeto Ibero-Americano de Avaliação de Atitudes

Relacionadas com a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade (COCTS – PIEARCTS

Forma 1 e Forma 2 © M.A. Manassero, Á. Vázquez, J. A. Acevedo e M. F. Paixão).

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10411 A ciência e a tecnologia estão estreitamente relacionadas entre si: £ A. porque a ciência é a base dos avanços tecnológicos, mas é difícil ver como é que a tecnologia poderia ajudar a ciência. £ B. porque a investigação científica conduz a aplicações práticas tecnológicas, e as aplicações tecnológicas aumentam a capacidade para fazer investigação científica. £ C. porque apesar de serem diferentes, actualmente estão tão estreitamente unidas que é difícil separá-las. £ D. porque a tecnologia é a base de todos os avanços científicos, ainda que seja difícil ver como é que a ciência pode ajudar a tecnologia. £ E. Ciência e tecnologia são mais ou menos a mesma coisa.

Figura 1 – Questão F1_10411 do Questionário COCTS

10421 Para melhorar a qualidade de vida do país, seria melhor gastar dinheiro em investigação tecnológica EM VEZ DE em investigação científica. £ A. Investir em investigação tecnológica porque melhorará a produção, o crescimento económico e o emprego. Tudo isto é muito mais importante que qualquer coisa que ofereça a investigação científica. Investir em ambas: £ B. porque não há realmente diferenças entre ciência e tecnologia. £ C. porque o conhecimento científico é necessário para fazer avanços tecnológicos. £ D. porque ambas inter-actuam e se complementam entre si, por igual. A ciência dá à tecnologia tanto como a tecnologia dá à ciência. £ E. porque cada uma à sua maneira oferece vantagens à sociedade. Por exemplo, a ciência proporciona avanços médicos e no meio ambiente, enquanto que a tecnologia dá maior eficiência e comodidade. £ F. Investir em investigação científica, isto é, investigação médica ou sobre o meio ambiente, porque estas são mais importantes que fazer melhores aplicações, computadores ou outros produtos da investigação tecnológica. £ G. Investir em investigação científica porque melhora a qualidade de vida (por exemplo, curas médicas, respostas a problemas de contaminação e aumento do conhecimento). A investigação tecnológica, por outro lado, peorou a qualidade de vida (por exemplo bombas atómicas, contaminação e automatização). £ H. Não investir em nenhuma. A qualidade de vida não melhorará com os avanços na ciência e na tecnologia, mas apenas com investimentos noutros sectores da sociedade (por exemplo, bem estar social, educação, criação de emprego, artes, cultura e ajudas de outros países).  

Figura 2 – Questão F2_10421 do Questionário COCTS  

A formulação das questões baseia-se num Modelo de Respostas Múltiplas que

permite maximizar a informação disponível em cada questão (Vázquez e Manassero,

1999; Vázquez, Manassero e Acevedo, 2006a; Manassero, Vázquez e Acevedo,

2001). As Frases incluídas em cada uma das questões foram classificadas por

especialistas, em três categorias (Adequadas, Plausíveis e Ingénuas), conforme

traduzem conceções adequadas, aceitáveis ou inadequadas acerca da

interdependência entre a Ciência e a Tecnologia. Para as Questões utilizadas neste

estudo a classificação das frases encontra-se registada na Tabela 1.

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Tabela 1 – Questões do questionário COCTS incluídas no pré-teste e pós-teste e

respetiva categoria.

Tema Sub-tema Questões Categoria

Ciência e Tecnologia Interdependência

F1_10411A Ingénua

F1_10411B Adequada

F1_10411C Adequada

F1_10411D Ingénua

F1_10411E Plausível

F2_10421A Ingénua

F2_10421B Plausível

F2_10421C Plausível

F2_10421D Adequada

F2_10421E Ingénua

F2_10421F Ingénua

F2_10421G Ingénua

F2_10421H Ingénua

O cálculo de índices atitudinais normalizados entre [-1,+1], a partir da pontuação

obtida na escala direta (1 a 9), foi feita de acordo com a correspondência apresentada

na Tabela 2.

Tabela 2 – Correspondência entre a pontuação das respostas e o índice atitudinal

normalizado entre -1 e +1 em função da categoria das afirmações.

Pontuações diretas das respostas

Grau de acordo Nulo Quase

nulo Baixo Parcial baixo Parcial Parcial

alto Alto Quase total Total

Escala direta 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Índice Atitudinal normalizado

Categoria

Adequada -1 -0,75 -0,5 -0,25 0 +0,25 +0,5 +0,75 +1

Plausível -1 -0,5 0 +0,5 1 +0,5 0 -0,5 -1

Ingénua +1 +0,75 +0,5 +0,25 0 -0,25 -0,5 -0,75 -1

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HISTÓRIA DA QUÍMICA PARA ENSINAR SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA 302

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Sobre a Sequência Didática

Na sequência didática apresentada propõe-se a análise de dois documentos:

O primeiro Documento é um texto intitulado “Da combustão do gás hidrogénio e

da formação da água”, no qual, através de excertos do ponto §  V da obra de Antoine

Laurent Lavoisier, Traité Élémentaire de Chimie, se descrevem as suas experiências,

realizadas com a colaboração de Meusnier, que culminaram na síntese da água e que

ficaram célebres, não só pelos avanços científicos conclusivos que permitiram

alcançar mas também pelo instrumento tecnológico sofisticado que envolveram e que

o texto também descreve pormenorizadamente.

§  V.  

Da combustão do gás hidrogénio e da formação da água

O que a formação da água tem de particular é que as duas substâncias

que para tal concorrem, o oxigénio e o hidrogénio, estão uma e a outra no

estado aeriforme antes da combustão, e que uma e a outra se transformam,

como resultado desta operação, numa substância líquida, que é a água.

Esta combustão seria muito simples e não exigiria aparelhos muito

complicados, se fosse possível procurar-se os gases oxigénio e hidrogénio

perfeitamente puros e que não deixassem restos.

Podíamos então operar em recipientes muito pequenos; e fornecendo

continuamente os dois gases na proporção conveniente, continuaríamos

indefinidamente a combustão. Mas, até aqui, os químicos ainda não usaram

oxigénio que não estivesse misturado com gás azoto. O que acontece é que não

conseguiram manter mais do que durante um tempo limitado e muito curto a

combustão do gás hidrogénio em recipiente fechado: com efeito, o resíduo de

gás azoto aumentava continuamente, a chama enfraquecia e acabava por se

extinguir. Este inconveniente é tanto maior quanto o gás oxigénio usado é

menos puro: é então necessário, ou terminar a combustão e operar apenas

sobre quantidades pequenas, ou refazer o vazio para se desembaraçar do gás

azoto: mas neste último caso, vaporiza-se uma porção de água que é formada, e

resulta um erro muito perigoso, que não temos meios seguros para o poder

apreciar.

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(...) eis o aparelho que usámos, M. Meusnier e eu, para a combustão do

gás hidrogénio. Não haverá nada a alterar assim que pudermos procurar os

gases puros. (...)

Para operar com este aparelho, começa-se por fazer o vazio no balão A

por meio da bomba pneumática adaptada ao tubo FHh; após o que se introduz

gás oxigénio, rodando a torneira r do tubo gg. O indicador de nível do

gasómetro, observado antes e depois da introdução do gás, indica a quantidade

que entrou no balão. Abre-se em seguida a torneira s do tubo dDd' a fim de fazer

chegar o gás hidrogénio; e rapidamente, seja com uma máquina elétrica, seja

com uma garrafa de Leyde, faz-se passar uma faísca da bola L para a

extremidade d' do tubo pelo qual se faz o escoamento do gás hidrogénio, e ele

inflama-se imediatamente. Para que a combustão não seja nem muito lenta nem

muito rápida, é necessário que o gas hidrogénio chegue com uma pressão de 1

polegada 1/2 a 2 de água, e que o gás oxigénio não chegue, pelo contrário, com

menos de três polegadas, ou mais, de pressão.

A combustão assim iniciada, continua-se, mas enfraquecendo à medida

que a quantidade de gás azoto que resta da combustão dos dois gases

aumenta. Chega enfim um momento em que a porção de gás azoto se torna tal

que a combustão não pode mais ter lugar e a chama extingue-se. É necessário

prevenir esta extinção espontânea, porque no momento em que a pressão seja

mais forte no reservatório do gás hidrogénio que no do gás oxigénio, faz-se uma

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mistura dos dois no balão, e esta mistura passaria em seguida para o

reservatório do gás oxigénio. É assim necessário terminar a combustão

fechando a torneira do tubo dDd', logo que nos apercebamos que a chama

enfraquece a um certo ponto, e ter uma grande atenção para não se deixar

surpreender.

A uma primeira combustão assim feita podemos fazer suceder uma

segunda, uma terceira, etc. Refaz-se o vazio como da primeira vez, enche-se o

balão de gás oxigénio, abre-se a torneira do tubo pelo qual se introduz o gás

hidrogénio, e inflama-se pela faísca elétrica.

Durante todas estas operações, a água que se forma condensa sobre as

paredes do balão e escorre juntando no fundo e é fácil determinar o peso

quando conhecemos o do balão. Nós daremos conta um dia, M. Meusnier e eu,

dos detalhes da experiência que fizemos com este aparelho, nos meses de

Janeiro e Fevereiro de 1785, na presença de uma grande parte dos membros da

Academia. Nós multiplicamos tanto as precauções, que a considerámos exata.

Do resultado que obtivemos, 100 partes em peso, de água, são compostos por

85 partes de oxigénio e de 15 de hidrogénio.

(Tradução livre e adaptação do Traité Élémentaire de Chimie. In Ouvres de

Lavoisier, 1864, Paris: Imprimérie Impériale, pp. 354 a 357)

Após a leitura, propõe-se aos alunos que façam uma análise do texto de modo a

dar resposta às seguintes questões:

1. Quais as principais conclusões da experiência descrita no texto e que foi

realizada por Lavoisier e Meusnier?

2. O aparelho usado para a síntese da água é muito sofisticado para a época.

Evidencia alguns aspetos que evidenciem esta afirmação.

3. Que problemas tiveram que ser resolvidos para concretizar o teste

experimental que evidencia a composição da água?

4. Explicita aspetos do texto que clarifiquem a relação entre a ciência e a

tecnologia.

O segundo Documento é a Figura 3, sobre a qual os alunos devem elaborar um

texto onde interpretem a pintura de David, no século XVIII, intitulada “Retrato de

Lavoisier e sua esposa” com destaque para a presença de dispositivos científicos e/ou

tecnológicos.

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Figura 3 – “Retrato de Lavoisier e sua esposa”. Pintura de David, 1787. Metropolitan

Museum of Art. New York, USA.

A sequência didática inclui a partilha das respostas às questões e dos textos

interpretativos do retrato do químico francês e sua esposa Anne-Marie Paulze

Lavoisier. No início e no final, os alunos responderam às questões selecionadas do

COCTS, como pré-teste e pós-teste.

Resultados

Um dos resultados alcançados, embora difícil de quantificar é bastante

significativo, foi o interesse e a curiosidade que os alunos demonstraram durante a

análise dos documentos fornecidos.

Na vertente quantitativa, os resultados foram analisados através do cálculo do

Índice Atitudinal Médio (IAM) nas respostas dos dois grupos de alunos a cada uma

das frases das duas questões que integravam o pré-teste e o pós-teste.

No gráfico da Figura 4 estão representados os valores do IAM, obtidos no pré

teste e no pós-teste para os dois grupos, em cada uma das frases da Questão

F1_10411.

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HISTÓRIA DA QUÍMICA PARA ENSINAR SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA 306

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Figura 4 – Índice Atitudinal Médio obtido nas frases da questão F1_10411 do

COCTS, relativa à Interdependência entre a Ciência e a Tecnologia.

Como se pode verificar, os valores do IAM, obtidos no pós-teste são bastante

mais positivos para o GE do que para o GC, em todas as frases.

Essa diferença poderá atribuir-se aos efeitos da implementação da Sequência

Didática, pois também se verifica através dos valores representados no Gráfico que os

valores de IAM obtidos no pré-teste são muito semelhantes nos dois grupos.

No que respeita à questão F1_10411, verifica-se que, do pré-teste para o pós-

teste, o aumento mais significativo no IAM para o GE, se verificou nas frases

F1_10411B e F1_10411C, ambas classificadas como Adequadas.

Estas frases referem-se às diferenças entre Ciência e Tecnologia, conceito

trabalhado de forma explícita quando se solicita aos alunos que respondam à questão

4, sobre o texto “Da combustão do gás hidrogénio e da formação da água”, em que é

pedido que explicitem aspetos do texto que clarifiquem a relação entre Ciência e

Tecnologia.

Há ainda a observar que as frases F2_10411A (da categoria Ingénua) e

F2_10421E (da categoria Plausível) são aquelas em que se verificam diferenças

menores nas respostas quando se comparam os resultados do pré-teste e do pós-

teste.

No gráfico da Figura 5 estão representados os valores do IAM, obtidos no pré-

teste e no pós-teste para os dois grupos, em cada uma das frases da Questão

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F2_10421.

 

Figura 5 – Índice Atitudinal Médio obtido nas frases da questão F2_10421 do

COCTS, relativa à Interdependência entre a Ciência e a Tecnologia

Tal como na questão anterior, os valores do IAM obtidos no pós-teste são

bastante mais positivos para o GE do que para o GC, em todas as frases, verificando-

se resultados muito semelhantes no pré-teste, para os dois grupos. Pode ainda

verificar-se que as frases F2_10421A e F2_10421G, ambas classificadas na categoria

Ingénua, são aquelas em que os alunos apresentam uma maior diferença nas suas

respostas. Quanto à frase F2_10421D, classificada como Adequada, verifica-se uma

menor diferença nas respostas obtidas no pré-teste e pós-teste.

Conclusões

Em conclusão, os resultados obtidos no pós-teste apontam para uma melhoria

da compreensão da Interdependência entre a Ciência e a Tecnologia, por parte dos

alunos que constituíam o Grupo Experimental, após a aplicação da Sequência

Didática, relativamente às pontuações obtidas no pré-teste e às pontuações obtidas

pelos alunos que constituíram o Grupo de Controlo. A inclusão nos currículos deste

tipo de sequências didáticas, mostra assim ser um recurso com grandes

potencialidades para melhorar a compreensão sobre as questões relacionadas com a

Ciência e a Tecnologia e com a sua Interdependência.

Para além disso, os resultados obtidos e o modo interessado como os alunos

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reagiram às atividades propostas vêm reforçar a importância da utilização de

episódios marcantes da História da Ciência enquanto estratégia e recurso para

desencadear o interesse dos alunos pela aprendizagem da Ciência e da Tecnologia e

para aumentar a sua compreensão da Natureza da Ciência, domínio indispensável

para desenvolver a literacia científica.

Como reflexão final, fica a ideia de que a literacia científica é, de facto, uma meta

exigente, mas é imprescindível que seja tomada como a finalidade da educação em

ciências no final do que os sistemas educativos consideram, de modo geral, como a

educação básica (apesar de esta fase de escolaridade assumir designações muito

variadas em diferentes países). Contudo, ela fica, naturalmente, muito dependente da

qualidade do ensino de ciências proporcionado às crianças e aos jovens e, assim

sendo, incentiva-se que a investigação em didática continue a ter como uma das suas

prioridades o desenho e a validação de sequências didáticas para o ensino explícito

da Natureza da Ciência.

Agradecimientos

El desarrollo de este trabajo ha sido posible gracias al Proyecto de Investigación

EDU2010-16553 financiado por una ayuda del Plan Nacional de I+D del Ministerio de

Ciencia e Innovación (España).

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