história da educação - roma

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as coisas. De fato, se ambos são necessários, o lazer é mais desejável que os negócios, e é o objetivo destes; temos portanto de perguntar: como de- vemos fruir nosso lazer? Certamente não será jogando, pois se assim fosse os jogos seriam o objetivo de nossa vida; como isto é impossível e as diversões são mais úteis no tempo em que nos dedicamos aos negócios (quando se está fatigado tem-se necessidade de relaxar, e o relaxamento é o objetivo dos jogos, ao passo que os negócios são acompanhados de fadiga e concentração), ao introduzir as diversões na cidade devemos discernlr os momentos favoráveis para as usarmos, pois as empregamos como se fossem remédios; a sensação que elas criam na alma é relaxante para a mesma, e é relaxante por ser agradável. Mas o lazer parece conter em si mesmo o prazer, a felicidade e a bem- aventurança de viver, e isto não está ao alcance dos homens ocupados, e sim dos que usufruem o lazer; o homem de negócios se ocupa na busca de algum objetivo ainda não alcançado, mas a felicidade é um objetivo alcançado, que todos os homens consideram acompanhado não pelo sofrimento, e sim pelo prazer; nem todos os homens, porém, definem este prazer da mesma forma; cada um o concebe segundo sua própria natureza e seu próprio caráter, e o . prazer que o melhor dos homens considera ligado à felicidade é o melhor prazer e provém das mais nobres fontes. ~ claro, portanto, que há ramos do conheci- mento e da educação que devemos cultivar apenas com vistas ao lazer dedicado à atividade intelectual, e tais ramos devem ser apreciados por si mesmos, enquanto as formas de conhecimento relacionadas com os negócios são culti- vadas como necessárias e como meios para atingir outros fins. Por esta razão os antigos incluíram a música na educação, não por ser necessária (nada há de necessário nela), nem útil no sentido em que escrever e ler são úteis aos negócios e à economia doméstica e à aquisição de conhecimentos e às várias atividades da vida em uma cidade, ou como o desenho também parece útil no sentido de tornar-nos melhores juízes das obras dos artistas, nem como nos dedicamos à ginástica, por causa da saúde e da força (não vemos qualquer destas duas resultarem da música); resta, portanto, que ela seja útil como uma diversão no tempo de lazer; parece que sua introdução na educação se deve a esta circunstância, pois ela é classificada entre as diversões consideradas próprias para os homens livres. . (Aristóteles, Política. Trad. de Mário da Gama Kury. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, f985 , p. 269-270.) 62 Antiguidade romc: na : a humanltas . sua vez o rude vencedor e A Grécia vencida conqulsto~ ~or ácio) levou a civilização ao bárbaro t.acto. (Hor _. onse uido submetê-Ios a não ser .par- As armas ,:,aotmha~ c 9 domou. (Plutarco) cialmente; foi a educaçao que os Primeira parte Contexto histórico 1. Introdução ao segundo milênio a.C., quando a Os primeiros tempos remontam h da por tribos de provável , Ia se ac a povoa di P arte centro-sul da peUin~u . 't 'l'cos que se subdividem em 1- é ' s ztalwtas ou l a l , dif t origem indo-europ ia, o , I de desenvolvimento 1 eren es, d s costumes e Uive versos povos e mgua , 'outros à agricultura. dedicando-se alguns a~ pastorelO" e de comunidade primitiva, não ha~ O povo latino Vive ~m reglm, d da terra, Os membros do clã vendo, de início, a propnedade pn~;a~ a autoridade máxima do paier- rendem culto aos antepassados e aLc~l, regl'-ao onde mais tarde, prova- r as do acio, ' t fam ílias Ocupam as co m d id de de Roma aconteclmen o . C 'f nda a a Cla ' velmente em 753 a. ., e u envolto em lendas. çam a colonização do sul da No século VII a.C., os gre~os come M Grécia. Bem ao norte, heclda como agna d península que passa a ser con , mais adiantado e conhecedor a na Etrúria (atual Toscana), ~ P~v~:I os etruscos iniciam sua expansão escrita. Por' volta do mesmo se~~ o d Lácio onde o regime gentílico se conquistando, inclusive, a reglao _o , achava em processo de .des~gregaç:~'a em três períodos: Vamos dividir a hlstóna rem f d - de Roma à queda do último Realeza (de 753 a 509 a.C.): da un açao rei etrusco. 63 .

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História da Educação - Roma.

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Page 1: História da Educação - Roma

as coisas. De fato, se ambos são necessários, o lazer é mais desejável queos negócios, e é o objetivo destes; temos portanto de perguntar: como de-vemos fruir nosso lazer? Certamente não será jogando, pois se assim fosseos jogos seriam o objetivo de nossa vida; como isto é impossível e as diversõessão mais úteis no tempo em que nos dedicamos aos negócios (quando se estáfatigado tem-se necessidade de relaxar, e o relaxamento é o objetivo dos jogos,ao passo que os negócios são acompanhados de fadiga e concentração), aointroduzir as diversões na cidade devemos discernlr os momentos favoráveispara as usarmos, pois as empregamos como se fossem remédios; a sensaçãoque elas criam na alma é relaxante para a mesma, e é relaxante por ser agradável.

Mas o lazer parece conter em si mesmo o prazer, a felicidade e a bem-aventurança de viver, e isto não está ao alcance dos homens ocupados, e simdos que usufruem o lazer; o homem de negócios se ocupa na busca de algumobjetivo ainda não alcançado, mas a felicidade é um objetivo alcançado, quetodos os homens consideram acompanhado não pelo sofrimento, e sim peloprazer; nem todos os homens, porém, definem este prazer da mesma forma;cada um o concebe segundo sua própria natureza e seu próprio caráter, e o .prazer que o melhor dos homens considera ligado à felicidade é o melhor prazere provém das mais nobres fontes. ~ claro, portanto, que há ramos do conheci-mento e da educação que devemos cultivar apenas com vistas ao lazer dedicadoà atividade intelectual, e tais ramos devem ser apreciados por si mesmos,enquanto as formas de conhecimento relacionadas com os negócios são culti-vadas como necessárias e como meios para atingir outros fins. Por esta razãoos antigos incluíram a música na educação, não por ser necessária (nada há denecessário nela), nem útil no sentido em que escrever e ler são úteis aosnegócios e à economia doméstica e à aquisição de conhecimentos e às váriasatividades da vida em uma cidade, ou como o desenho também parece útil nosentido de tornar-nos melhores juízes das obras dos artistas, nem como nosdedicamos à ginástica, por causa da saúde e da força (não vemos qualquerdestas duas resultarem da música); resta, portanto, que ela seja útil como umadiversão no tempo de lazer; parece que sua introdução na educação se devea esta circunstância, pois ela é classificada entre as diversões consideradaspróprias para os homens livres. .

(Aristóteles, Política. Trad. de Mário da Gama Kury. Brasília, Ed.Universidade de Brasília, f985 , p. 269-270.)

62

Antiguidade romc:na:a humanltas

. sua vez o rude vencedor eA Grécia vencida conqulsto~ ~or ácio)

levou a civilização ao bárbaro t.acto. (Hor

_. onse uido submetê-Ios a não ser .par-As armas ,:,aotmha~ c 9 domou. (Plutarco)

cialmente; foi a educaçao que os

Primeira parte

Contexto histórico

1. Introduçãoao segundo milênio a.C., quando a

Os primeiros tempos remontamh

da por tribos de provável, Ia se ac a povoa di

Parte centro-sul da peUin~u . 't 'l'cos que se subdividem em 1-é' s ztalwtas ou l a l , dif torigem indo-europ ia, o , I de desenvolvimento 1 eren es,

d Ií s costumes e Uiveversos povos e mgua , 'outros à agricultura.dedicando-se alguns a~ pastorelO" e de comunidade primitiva, não ha~

O povo latino Vive ~m reglm, d da terra, Os membros do clãvendo, de início, a propnedade pn~;a~ a autoridade máxima do paier-rendem culto aos antepassados e aLc~l, regl'-aoonde mais tarde, prova-r as do acio, ' tfamílias Ocupam as co m d id de de Roma aconteclmen o. C 'f nda a a Cl a 'velmente em 753 a. ., e uenvolto em lendas. çam a colonização do sul da

No século VII a.C., os gre~os come M Grécia. Bem ao norte,heclda como agna d

península que passa a ser con , mais adiantado e conhecedor ana Etrúria (atual Toscana), ~ P~v~:I os etruscos iniciam sua expansãoescrita. Por' volta do mesmo se~~ o d Lácio onde o regime gentílico seconquistando, inclusive, a reglao _o ,achava em processo de .des~gregaç:~'a em três períodos:

Vamos dividir a hlstóna rem f d - de Roma à queda do último• Realeza (de 753 a 509 a.C.): da un açao

rei etrusco.63 .

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• República (de 509 a 27 a.C.): a República é marcada, de início, pelaluta entre patrícios e plebeus e, depois, pelo expansionismo militar.

• Império (de 27 a.C. a 476 d.C.): da instauração do Império à suaqueda com a invasão dos bárbaros.

2. Realeza

No período da Realeza, a economia passa do pastoreio à culturade cereais. Roma, com o desenvolvimento do comércio, começa a setransformar em urbs (cidade). A posse comum da terra é substituídapela propriedade privada.

Surge, então, a divisão de classes: de um lado a aristocracia denascimento, representada pelos patrícios, e de outro a maioria da popu-lação, constituída de plebeus, geralmente homens livres (camponeses,artesãos, comerciantes), mas sem direitos políticos. Há também umacamada intermediária, os clientes, plebeus ou estrangeiros que se colocamna dependência de uma família patrícia para obter proteção jurídica emtroca da prestação de serviços. Nessa época também há escravos, emboraainda em número reduzido.

3. República

Com a queda do último rei etrusco, inicia-se a República que re-presenta os interesses dos patrícios, únicos a terem acesso aos cargospolíticos. O poder executivo é representado por dois cônsules eleitos.O Senado, composto por membros vitalícios, é o principal órgão daRepública.

No entanto, algumas camadas da plebe enriquecem _ sobretudoaquelas que se dedicam ao comércio -, e são intensas as lutas para aobtenção de iguais direitos políticos e civis. Os plebeus alcançam diversasconquistas nos séculos V e IV a.C., como a criação do Tribunato daPlebe, a publicação da Lei das Doze Tábuas, a permissão do casamentomisto etc.

O que de fato está ocorrendo é o surgimento de uma nova aristo-cracia (não mais pelo nascimento, mas pela riqueza) que passa a ocuparos altos cargos públicos. Os plebeus pobres continuam à margem doprocesso político e têm sua situação econômica piorada com o aumentoda importação de escravos estrangeiros em razão das guerras de con-quistas. Com isso, muitos pequenos agricultores perdem suas terras, eos artesãos vêem o trabalho manual ser desvalorizado ao se tornar tra-balho de escravos.

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Page 3: História da Educação - Roma

Evidentemente são grandes as transformações ocorridas. Intensifi-cam-se as relações comerciais e surgem grandes fortunas. Aumenta con-

. sideravelmente o número de escravos, conseguidos nas guerras, pelapirataria e por dívidas. Muitos deles pertencem ao Estado e se ocupamcom a construção de monumentais obras públicas. Outros são propriedadede particulares e trabalham no campo ou na cidade,' onde desempenhamaté função de preceptores, quando instruídos. Às vezes tornam-se libertos,geralmente por recompensa a serviços prestados. A situação em que seencontram é tão brutal e desumana que, nos séculos II e I a.C., ocorremdiversas revoltas de escravos, das quais a mais famosa foi a de Espár-taco (73 a.C.).

A expansão romana altera profundamente as tradições devido à in-fluência estrangeira, sobretudo do helenismo (a Grécia fora anexada em146 a.C.). A influência oriental também é marcante, fazendo-se sentir noluxo dos costumes e nos governos cada vez mais personaHstas, à imagemdo despotismo oriental.

4. Império

As manobras de César em busca do poder absoluto demonstrama fragilidade da República. Em 27 a.C. Otávio recebe o título de Augusto(filho dos deuses) e implanta o Império. .

O "Século de Augusto" é conhecido pelo grande desenvolvimentocu1turaL~rbano. São construídos templos, aquedutos, termas, estradase edifícios públicos. As artes são incentivadas e, nessa época, Virgílio,Horácio, Ovídio e Tito Lívio refletem nítida influência helenístíca.

Novos portos e estradas abrem novos mercados e fazem expandir ocomércio. Grandes latifúndios se especializam em alguns produtos, e oescravismo continua na base do processo econômico.

O Império. atinge sua extensão máxima no início do século II d.C.e necessita uma incrível máquina burocrática para manter a adminis-tração. Daí a importância dos funcionários' do governo, sobretudo parao controle da arrecadação dos impostos das províncias. Dada a comple-xidade das questões de justiça, desenvolve-se a instituição do DireitoRomano.

O surgimento do cristianismo foi um fato importante. Cristo nasceuna época de Augusto, e suas idéias foram levadas além da Palestina porobra dos evangelístas que convertiam os pagãos. A doutrina cristã éconsiderada subversiva por não aceitar os deuses pagãos, não render cultoao divino imperador e por ter, entre seus adeptos, os pobres e os escravos.

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A perseguição aos cristãos se inicia com Nero (ano 64) e se repeteriodicamente até que, em 313, Constantino permite a liberdade de

ulto. No final do século IV o cristianismo se torna reHgião_ oficial.. Aprópria doutrina se modifica nesse t~mpo: ~onsegu!n.do a adesao ~a elite,1\ sume cada vez mais a estrutura hierarquizada típica do Império, co~representantes em todas as suas partes. Numa. época em qu~ o próprioImpério se descentraliza e se fragmenta, a Igreja passa a surgir como umpólo aglutinador. A • , • • •

A partir do século 11 d.C. inicia-se a decadência do Império: difi-culdades em manter a máquina burocrática; corrupção; lutas pelo poder,que se torna cada vez mais personalista; altos impostos; esvaziamentodos cofres públicos e dissipação dos costumes, afrouxados pelo luxo.

Com o cessar das guerras de expansão dá-se, no século 111, a crisedo escravismo, que faz surgir, lentamente, o sistema de colonato. O de-clínio do artesanato e do comércio leva a uma ruralização da economia.Nas fronteiras, os bárbaros vão se infiltrando como colonos ou sol.dados.No início do século V uma onda de guerreiros bárbaros, de diversasorigens, invade o Império, fragmentando-o. Em 395 é dividido em Impé-rio Ocidental (com sede em Roma) e Império Oriental (com sed~ emConstan tinopla). Em 476 a Itália cai em poder de Odoacro, rei doshérulos.

Segunda parte

A educação romana

1. Introdução

De maneira geral, podemos distinguir três fases na educação .ro-mana: de início, trata-se da educação latina original, de naturez~. patríar-cal; depois, a admiração pelo helenismo é entremeada com crítícas dosdefensores da tradição; por fim, dá-se a fusão da cultura romana com ahelenística (que já supõe elementos orientais), notando-se nítida supre-macia dos valores gregos.

A fusão dessas culturas traz um elemento novo, a bilingüismo (eàs vezes até o trilingüismo), pelo qual, desde cedo, as crianças aprendemo latim e o grego.

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Vale ressaltar ainda alguns aspectos remanescentes da antiga edu-cação, qual seja o papel da família, representado pela onipotência paterna(que não é destituída de afeto), e a ação efetiva da mulher, de que sãoexemplos as célebres "mães romanas".

2. A educação herõíco-patrícía

. A educação dos patrícios (proprietários rurais e guerreiros) é decunho aristocrático, visando perpetuar os valores da nobreza de sanguee cultuar os ancestrais da família.

B bom lembrar que não se trata da família nuclear moderna, masda ~xtensa família composta também pelos filhos casados, pelos escravose chentes, dos quais o paterfamilias é proprietário, juiz e chefe religioso.

Até os 7 anos as crianças permanecem sob os cuidados da mãeou de outra matrona ("mulher respeitável") da família. Depois dessaidade, as meninas continuam no lar aprendendo os serviços domésticos,enquanto o filho é assumido pelo pai, que se encarrega pessoalmente dasua educação.

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Os gregosassimilaram ainvenção ienicledo alfabeto eprovavelmente atransmitiram aoslatinos durante acolonização dosul da Itália eda Slcllia.

Sendo essa uma sociedade agrícola, o menino aprende a cuidar daterra, trabalho que, de início, colocava lado a lado o senhor e o escra-vo. Aprende também a ler, escrever e contar, torna-se destro no manejodas armas, na natação, na luta e na equitação. Tais exercícios físicosvisam antes a preparação do guerreiro do que propriamente o esportedesinteressado. O filho acompanha o pai às festas e acontecimentos maisimportantes, ouve o relato das histórias dos heróis e dos antepassados,aprende de cor a Lei das Doze Tábuas. Isso desenvolve a consciênciahistórica e o patriotismo.

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Quando cresce um pouco mais (15 anos), acompanhao pai ao foro,praça central onde são tratados os assuntos públicos e privados, e emtorno da qual se erguem os principais monumentos da cidade, inclusiveo tribunal. Aí o jovem aprende o civismo.

Caso o pai não pudesse desempenhar pessoalmente essas tarefas -que às vezes ocorria devido às guerras -, elas eram assumidas por

um parente ou mesmo por um escravo instruído.Aos 16 anos o jovem é encaminhado para a função militar ou

política. O que ressalta nessa educação é a aprendizagem pela vida epara a vida, a importância da imitação (não só do pai, mas dos ante-passados) e o caráter predominantemente moral e menos intelectual.

3. A educação cosmopolita

Já na época da República, o desenvolvimento do comércio, o enri-quecimento de uma certa camada de plebeus e o início da expansãoromana tornam mais complexa a nova sociedade que está sendo cons-tituída. Daí, a necessidade de um outro tipo de educação.

A partir do século IV a.C., aparecem escolas elementares particula-res, que se generalizam no século seguinte. São as escolas do ludi magistertludus, ludi, "jogo, divertimento"; magister, "mestre"), onde dos 7 aosl2 anos aprende-se demoradamente a ler, escrever e contar. Os mestressão pessoas simples e mal pagas, ajeitando-se em qualquer espaço (umatenda, a entrada de um templo ou de um edifício público). As criançasusam tabuinhas enceradas nas quais escrevem com estiletes. Tudo se apren-de de cor, e o mestre, muitas vezes, recorre ao castigo.

Por volta dos séculos 111 e 11 a.C., as incursões militares e o co-mércio colocam os romanos em contato com os povos helênicos, provo-cando a exigência da aprendizagem do grego. Inicia-se a educação bilín-güe, que resulta no aparecimento de inúmeros professores gregos.

Surgem então as escolas dos gramâticos, onde dos 12 aos 16 anosos jovens entram em contato com clássicos gregos. Ampliam, assim, seusconhecimentos literários e têm acesso às "disciplinas reais" como geo-grafia, aritmética, geometria e astronomia. Iniciam-se na arte de bemescrever e bem falar. Seguindo a tradição helenística, consideram que ohomem livre deve ter uma educação encíclica, isto é, enciclopédica.

Tais novidades assustam os mais conservadores, e Catão, o Antigo,critica aquilo que considera influência deformadora da tradição romana.

Com o tempo, o aperfeiçoamento da retórica exige o aprofundamen-to do conteúdo e da forma do discurso. Surge, então, a necessidade deum nível terciário de educação, representado pela escola do retor (pro-

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fessor de retórica). Dos três tipos de professores, são os retores os maisconsiderados e bem pagos. '

Essas escolas desenvolvem-se no decorrer do século I a.C. (época deCícero) e crescem durante o Império. São freqüentadas pelos jovens daelite que se destacarão na vida pública e devem ser preparados para asassembléias e as tribunas. Estudam política, direito e filosofia, sem es-quecer as disciplinas reais, próprias de um saber enciclopédico. Acres-centa-se a isso uma viagem de estudos à própria Grécia.

A educação física também merece a atenção dos romanos, mas comcaracterísticas menos voltadas para o esporte e mais para as artes 'mar-ciais. Em vez de freqüentarem ginásios, lutam nos circos e anfiteatros.Trata-se, afinal, de formar soldados.

Como se vê, predomina a educação aristocrática, não só porqueprivilégio da elite, mas também por estar voltada para as atividadesconsideradas mais nobres e que excluem o trabalho manual.

4. A educação no Império

A educação romana durante o Império não é muito diferente da-quela a que já nos referimos, a não ser quanto à sua complexidade eorganização.

Um fato notável é a crescente intervenção do Estado nos assuntoseducacionais. Isso se explica pelo fato de a administração do Impériorequerer uma bem montada máquina burocrática, cujos funcionários de-'vem ter, pelo menos, instrução elementar. A continuidade dos estudosé exigida no caso de se aspirar a posições mais altas como cargos pró-prios da justiça e da administração superior.

De início o Estado é mero inspetor, mais ou menos distante dasatividades da educação, sempre restrita à iniciativa particular. Com otempo, passa a oferecer subvenção, depois controla por meio da legis-lação e, por fim, toma para si a responsabilidade da educação.

Assim, no século I a.C. é estimulada a criação de escolas municipaisem todo o Império. O próprio César concedera, nessa época, o direitode cidadania aos mestres de artes liberais.

No século I d.C. Vespasiano libera de impostos os professores deensino médio e superior e institui o pagamento de alguns cursos de re-tórica, de que se beneficiou o famoso mestre Ouintiliano. Pouco tempodepois, Trajano manda alimentar os estudantes pobres. Mais tarde, outrosimperadores legislam quanto à pontualidade do pagamento feito aos pro-fessores, pelos particulares, e quanto ao montante a ser-lhes pago.

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Mas foi o imperador [uliano (ano 362) que praticamente oficializouo ensino ao exigir que toda nomeação de professor fosse confirmada pelo

stado. E bem verdade que esse imperador, também chamado o Após-tata, opunha-se à expansão do cristianismo e pretendia, com essas me-didas, impedir a contratação de professores cristãos.

Outro aspecto a ser destacado na época do Império é o desenvolvi-mento da educação terciária, com os cursos de filosofia e retórica a quejá nos referimos, e a criação de cátedras de medicina, matemática, me-cânica e, sobretudo, escolas de direito.

Durante a República, a formação do jurista era informal, bastandoacompanhar com freqüência os trabalhos dos tribunais. Já no Impérioexige-se a formação sistemática por quatro ou cinco anos, tal a comple-xidade que adquirira a nova ciência do direito, cujos grandes centrosde estudo eram Roma e Constantinopla.

Inúmeras bibliotecas são criadas, e muitos manuscritos são apropria-dos pelos romanos nas regiões conquistadas. Os grandes centros de es-tudos helênicos continuam florescendo, como o Museu de Alexandria, oCírculo de Pérgamo e a Universidade de Atenas. Em Roma, no século11 d.C., Adriano funda o Ateneu, no Capitólio, que se torna centro dediscussão e cultura. Também as distantes províncias da Espanha, Gáliae África recebem o estímulo imperial e criam importantes escolas, ondeestudam homens da categoria de Sêneca, Ouintiliano e, posteriormente,Marciano Capella e Santo Agostinho.

Terceira parte

A pedagogia romana

1. Características gerais

Para compreender melhor a pedagogia romana, convém estabeleceralgumas comparações com a pedagogia grega. Ambas, Roma e Grécia,constituem, na Antiguidade, sociedades escravistas. O trabalho manual édesvalorizado, enquanto a atividade intelectual é restrita à aristocracia,a única a desfrutar do "ócio digno". Isso ocorre até na Atenas demo-crática, pois vimos que tal democracia se destina a uma parcela mínimade cidadãos livres.

Resulta daí que o modelo de homem a ser-objeto das reflexões sobrea educação é justamente o do homem racional, capaz de pensar corre-

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tamente e se expressar de forma convincente. l! evidente que tal modeloé o mais adequado à elite dirigente.

Agora vamos apontar algumas diferenças. Na Grécia, a pedagogia(de Platão, por exemplo) é fundada em uma visão filosófica sistematizadae também supõe que o próprio aluno, nos estágios superiores, se dediqueà filosofia no seu sentido mais amplo, incluindo sobretudo a metafísica.

Por outro lado, em Roma, a reflexão filosófica não recebe atençãode forma tão sistemática. Quintiliano e outros até encaram a filosofiacom certa descrença e, quando recorrem a ela, têm preferência pelosassuntos éticos e morais, influenciados que são pelos pensadores estóicose epicuristas do período helenístico. Isto se deve ao fato de os romanosterem uma postura mais pragmática, voltada para a prática cotidiana,para a ação política efetiva e não para a mera contemplação e teorizaçãodo mundo. Percebe-se o prevalecimento da retórica sobre a filosofia. Atrama do discurso é sempre mais literária que filosófica e daí decorremos riscos do formalismo oco típico do período de decadência. De fato,com o tempo, há em Roma um declínio da formação científica e artística,prevalecendo uma cultura de letrados, preocupados com as minúcias dasregras gramaticais e questões filológicas e com os artifícios que permitemao cidadão o brilho nas conversações.

Outra diferença entre Grécia e Roma é que a primeira, enquantoautônoma, nunca constituiu uma nação, mas se dividia em inúmeraspóleis. Já a segunda desenvolve a concepção de Império e se estende porvários povos diferentes. Mas Roma não discrimina o vencido e lhe con-fere o direito de cidadania romana em troca do pagamento dos impostos.Em vez de impor o latim, incorpora o idioma grego da civilização helêni-ca, bem como vários padrões dessa cultura que se torna universal.

A cultura universalizada pode ser expressa na palavra humanitas,o equivalente romano à paidéia grega. Mas distingue-se desta por seruma cultura predominantemente "humanística": busca no homem aqui-lo que '0 caracteriza como homem, em todos os tempos e lugares, enão se restringe ao ideal do sábio, mas também ao do homem virtuoso,como ser moral, político e literário.

Com o tempo, o ideal da humanitas degenera, restringindo-se, comojá vimos, ao estudo das letras, mas descuidando-se das ciências.

2. Principais representantes

Assim como a produção filosófica é pequena entre os romanos,também a pedagogia não merece tanta atenção e, quando existe, quasesempre é voltada para questões práticas. Também é tardia, e os principais

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presentantes aparecem sobretudo por volta dos século~ I a.C. e I d.C.,figuras de Cícero, Sêneca e Quintiliano. Mas, o mais antigo desses

nsadores é Catão, o Antigo (234-149 a.C.), cujos dois livros sobreducação desapareceram. Ele defende a tradição romana contra o início

da influência helênica, conclamando ao retorno às suas raízes.Um século depois, Varrão (116-27 a.C.) representa bem a transição

que termina por aceitar a influência grega. Seu trabalho é sobretudoprático, tendo escrito uma enciclopédia didática, que servirá de base atrabalhos posteriores, onde discute o ensino da gramática. Escreveu tam-bérn sátiras que, por meio de máximas edificantes, orientam o jovemna virtude.

Cícero (106-43 a.C.) se destaca entre os grandes pensadores roma-nos, se bem que sua filosofia não seja original, mas ecléticà. Em todocaso, ampliou sobremaneira o vocabulário latino a partir de .larga expe-riência com o grego e uma vasta erudição. Famoso pela oratória brilhante

contundente, mais de uma vez interferiu nos rumos da política doImpério, do qual foi cônsul. Tal atividade política culmina com seuassassinato.

Homem culto, de saber universal, Cícero valoriza a fundamentaçãofilosófica do discurso, no que difere de seus conterrâneos. E um dosmais claros representantes da humanitas romana. Suas idéias pedagógicastratam da formação integral do orador, desde a importância da funda-mentação filosófica, da cultura geral, da formação jurídica e dos aspectosliterários e até teatrais que o exercício da persuasão requer. Preocupa-setambém com os aspectos psicológicos do educando, a partir do caráterpessoal de cada um.

. A importância de Cícero não se restringe à. Antiguid.ade, pois tor-nou-se um dos principais modelos dos pedagogos renascentístas. A modado ciceronismo foi tão grande que chegou a merecer duras críticas deRabelais.

Sêneca (4 a.C.-65)· nasceu na Espanha e tornou-se preceptor doimperador Nero, por ordem de quem foi obrigado a abrir ~s p:óp~iasveias. Filósofo de influência estóica, mas aberto a outras influências,compreende a filosofia corno um assunto prático, capaz de orientar ohomem pata o "bem viver". Para ele a filosofia tem a função docentede ensinar a vida humana verdadeira, que não se confunde com o gozodos prazeres, mas com o domínio das paixões, pois a verdadeira felicidadeconsiste na tranqüilidade da alma.

Sêneca apresenta uma visão prática da educação que deve prepa-rar o homem para o ideal de vida estóico: o domínio dos apetites pessoais.Por isso, ele enfatiza menos as qualidades do retórico e mais as da

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formação moral do educando. Aponta também o valor da psicologia naprocura da individualidade de cada um. Para Sêneca, a educação deveser prática, voltada para a vida e vivificada pelo exemplo.

Plutarco (45-c. 125) é de origem grega, tendo ensinado muito tempoem Roma. Sua formação filosófica também é eclética. Reconhece naeducação a importância da música e da beleza, bem como a formaçãodo caráter. Dentre suas obras destaca-se Vidas paralelas, onde reúnevalores gregos e romanos, fazendo uma comparação biográfica de fi-guras importantes das duas nacionalidades, como, por exemplo, Périclese Fábio Máximo, Demóstenes e Cícero e assim por diante.

Um dos mais respeitados pedagogos romanos foi Ouintiliano (c.35-c.95), nascido na Espanha. Em Roma abre uma escola de retórica, quese toma famosa e onde leciona por 20 anos.

Foi o primeiro retor a receber pagamento diretamente do governodo imperador Vespasiano. Ao contrário de Cícero, vê a filosofia comuma certa desconfiança, preferindo discorrer sobre os aspectos técnicosda educação, sobretudo da. formação do orador. Escreveu várias obras,com destaque para A educação do orador.

Ouintiliano valoriza a psicologia como instrumento para conhecer aindividualidade do aluno. Não se prende a discussões teóricas mas pro-cura fazer observações técnicas e indicações práticas. Assim, consideraque os cuidados com a criança devem começar na primeira infância,desde a escolha da ama. Ao iniciar a criança nas primeiras letras, sugerea aprendizagem simultânea da leitura e da escrita, criticando as formasvigentes que dificultavam a aprendizagem. Recomenda alternar trabalhoe recreação para que a atividade escolar seja mais proveitosa. Consideraimportante que a criança aprenda em grupo, pois a educação coletivafavorece a emulação que ele considera altamente saudável e estimulante.

No ideal da formação enciclopédica, Ouintiliano inclui os exercíciosfísicos, desde que sem exagero. No estudo da gramática, busca a clareza,a correção, a elegância. Valoriza o recurso aos clássicos Homero e Vir-gílio, reconhecendo na literatura não só o aspecto estético mas, também,o espiritual e o ético.

Por fim, na formação do orador, Ouintiliano enfatiza as caracterís-ticas morais. Baseando-se em Aristóteles, analisa os aspectos físicos, psi-cológicos e morais que compõem a figura do orador. Além disso, acres-centa a importância da instrução e dos exercícios que tornarão a apren-

. dizagem uma segunda natureza.

A repercussão do trabalho de Ouintiliano também não se restringea seu tempo, retomando com vigor na época da Renascença. Outrosrepresentantes do estoicismo romano são Epicteto (c. 50-130), ex-escravo

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admirado pelo seu talento filosófico, e o imperador Marco Aurélio (121-180), que nos intervalos de longas guerras anotava suas reflexões, reu-nidas depois em Meditações.

3. Outras tendências

Convém lembrar que a crescente desagregação do Império Romanoleva Constantino a transferir, em 330, a sede do governo de Roma paraConstantinopla (hoje Istambul). E quando, em 395, o Império é divididoem duas partes, o Império do Oriente (Bizâncio) continua durante todo operíodo subseqüente a desenvolver uma vida cultural e reli~ios~ i?tensa.Bizâncio será, no início da Idade Média, o local da. efervescenCla mtelec-tual onde inúmeros copistas desenvolvem as técnicas cuidadosas de re-produção das obras clássicas. , ~ . ,

Outro aspecto digno de nota, nesse penodo de decadência, e a cres-cente importância da educação cristã. Inicialmente essa educação é decaráter exclusivamente doméstico mas, à medida que o cristianismo atingemaior nível de expansão e se torna religião oficial, surgem os teólogos,que procuram adaptar os textos clássicos pagãos à, v~rdade ~evelada '. Poruma questão didática, tratamos desse assunto no próximo capítulo, no ítemreferente aos padres da Igreja.

Dropes

Pater _ A palavra [pater] é a mesma em grego, em latim e em sãnscrito,e assim podemos já concluir ser esta palavra. datada.d~ tem.po e~ que os ant~-passados dos helenos, dos italianos e dos hindus vrvrarn aln~a Juntos ,n.a ÁSiaCentral. Qual o seu sentido e que idéia podia representar en.tao ao ~SP.'~ltOdoshomens? Podemos conhecê-Ios porque guardou o seu significado prllT~ltlvo nasfórmulas da linguagem rellgipsa e do vocabulário jurídico. ( ... 1 ~m linguagemreligiosa aplicava-se esta expressão a todos os deuses; no vernacuio do foro,a todo o homem que não dependesse de outro e tendo autoridade sobre umafamília e sobre um domínio, paterfamilias. Os poetas mostram-nos que eraempregada indistintamente a todos quantos se desejava honrar. O escravo e ocliente usam-na para com seu senhor. ( ... 1 Encerrava, em si: n~o o con~eito depaternidade, mas aquele outro de poder, de autoridade, de dignidade majestosa.(Foustel de Coulangesl

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Amas _ Era costume romano as famílias ricas recorrerem a amas-de-Ieiterigorosamente escolhidas, que deveriam não só amamentar, mas também banhar,

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cuidar e até dormir com o recém-nascido. O que não se comenta é que aama é também mãe, e que seu próprio filho deveria ser desmamado, alimentadocom papas sem leite, rel~ado a segundo plano.

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É ~nteressante observar como foi importante o papel desempenhado pelaeducaçao no processo de expansão do Império Romano. Diz o argentino AníbalPonce: "Tão logo os exércitos romanos ocupavam um novo país, os retoresinstalavam as suas escolas junto às tendas dos soldados. O retor seguia as pe-gadas dos comerciantes, e isso tanto nas areias da África, quanto nas neves daBretanha. Plutarco descreveu com que habilidade foi necessário servir-se daeducação para habituar os espanhóis a viverem em paz com os romanos. 'Asarmas não tinham conseguido submetê-Ios, a não ser parcialmente; foi a educa-ção que os domou' ".

Atividades

Questões

1. L~ia a citação de Horácio, constante da epígrafe deste capítulo, e explique quemfoi Horácio, o que é o Lácio e qual é o significado da frase.

2. Mostre e justifique a importância da educação pública durante o Império.3. E:m que sentido a economia escravista determina o teor das concepções pedagó-

gicas?4. Quais são as características comuns aos diversos pedagogos romanos?

Pesquisa

5. "Mente sã em corpo são" (Mens sana in corpore sano), eis a famosa máximado poeta Juvenal, Explique o significado dela para os povos da Antiguidadegreco-romana. Em seguida, faça um levantamento da história da educaçãosubseqüente, para uma análise da questão, observando o lugar que a educaçãofísica passa a ocupar. Veja também os autores que a valorizam. Por fim, reflitasobre o fato de que, a partir da década de 60, e durante as décadas de 70 e 80do século XX deu-se uma explosiva valorização do corpo.

·6. "De que me serve saber dividir um campo, se não sei dividi-Io com um irmão?"(Sêneca). Diga que tipo de crítica Sêneca faz a uma certa educação. A partirdisso mostre o que,· para ele, é mais importante ensinar. Mostre como essacaracterística também aparece em outros pensadores romanos.

Leituras complementares

1. Dos deveres

~á um ano, querido filho Marcus, você vem recebendo as lições de Cratipo,precisamente em Atenas. Embora as lições de tão grande mestre e a vida numaCidade tão famosa, um com o tesouro da Ciência, outra com seus ilustres

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xemplos, tenham permitido a você, sem dúvida, armaze~ar copi~sa doutrinalIIosófica, não considero tudo isso suficiente à sua educaçao. Por ISSO, ac?nse-lho-o a fazer o mesmo que fiz para minha utilidade pessoal: servi-me da ImguaIltlna e grega, não só para meus estudos de Filosofia, como também para meus

xercícios de Oratória. Assim agindo, você poderá adquirir igual facilidade nop rfeito manejo de ambos os idiomas. Devido a iS~O, d~z-se que prestei. ~juda elavor, sem dúvida importantes, aos nossos concídadãos, por ter facilitado ocaminho do conhecimento das letras gregas, não apenas aos que estavam poucoversados nelas, senão também aos doutos que, por esse meio, puderam tiraralgum proveito no tocante à eloqüência, filosofia e educação do gosto.

Deixo-o em liberdade, portanto, para aproveitar-se, quanto puder, e pelotempo que quiser, das lições do grande mestre, príncipe dos filósofos de nossotempo; e você não deixará de querer prosseguir estudando, enquanto não lhepesar o muito que tiver aproveitado e aprendido. •. _ .

Ao ler minhas obras de Filosofia, vera que, na essencia, nao discrepam daopinião dos peripatéticos; coloque-se em absoluta liberdade para seguir seucritério próprio e pessoal, mas esta liberdade de juízo, que de bom .gradooutorgo a você, não o impedirá, como lhe digo, de colher o fruto essencial daleitura de meus escr.itos, o que tanto lhe desejo: enslná-lo a fazer uso dariqueza de nossa Ifngua.

Não quisera que alguém tomasse por vaidade minhas pala~ras, porq~e,embora aceite prazerosamente o fato de muitos me serem superiores na Filo-sofia, no que concerne à Oratória, quer dizer, verossimilhança,. claridade e el~-gância do discurso, reclamo, com justiça, vantagem sobre muitos outros, pOISconsagrei minha vida inteira ao estudo e cultivo desse. ramo do _sabe!.

Por esta razão, meu filho, exorto-o a ler com a máxima atençao, nao somentemeus discursos forenses, mas meus trabalhos filosóficos, estes quase tãonumerosos quanto aqueles. Nos primeiros, há elevação e eloqüência; ma~, ne_mpor isso, desdenhe o estilo simples e ponderado dos segundos. Ademais. naosei de nenhum grego que haja cultivado, como eu, ao mesmo tempo, a elo-qüência dos tribunais e a tranqüila simplicidade das obras didáticas, a ~ã? serDemétrio de Faleros, filósofo sutil e orador pouco veemente, mas suficiente-mente delicado para deixar-se reconhecer como discípulo de Teofrasto. Quantoa mim, o leitor estimará quantos progressos obtive num e noutro gênero, postocultivei os dois.

(Cícero, Dos deveres, in M. da Glória de Rosa, A história daeducação através dos textos, p. 63-65.)

2. [A educação da criança]

Trazido o menino para o perito na arte de ensinar, este logo perceberá suainteligência e seu caráter. Nas crianças, a memória é o principal índice de inte-ligência, que se revela por duas qualidades: aprender faci.lmente a guardar ?o_mfidelidade. A outra qualidade é a imitação que prognostica \.~mbém _a aptidãopara aprender desde que a criança reproduza o que se lhe ensma, e nao apenasadquira certo 'aspecto, certa maneira de ser ou certos ditos ridículos. ( ... ) .

..'. o mestre deverá perceber de Que modo deverá ser tratado o espíritodo aluno. Existem alguns que relaxam, se não se insistir com eles Incessante-mente. Outros se indignam com ordens; o medo detém alguns ~ enerva outros;alguns não conseguem êxito senão através de um trabalho contínuo: em outros,

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a violência traz mais resultados. Dêem-me um menino a quem o elogio excite,que ame a glória e chore, se vencido. Este deverá ser alimentado pela ambição;a este a repreensão ofenderá, a honra excitará; neste jamais recearei a preguiça.

A todos, entretanto, deve-se dar primeiro um descanso, porque não há nin-guém que possa suportar um trabalho contínuo; mesmo aquelas coisas privadasde sentimento e de alma, para conservar suas forças, são afrouxadas por umaespécie de repouso alternado; além do mais, o trabalho tem por princípio avontade de aprender, a qual não pode ser imposta. ( ... )

Haja, todavia, uma medida para os descansos; senão, negados, criarão oódio aos estudos e, em demasia, o hábito da ociosidade. Há, pois, para aguçara inteligência das crianças, alguns jogos que não são inúteis desde que serivalizem a propor, alternadamente, pequenos problemas de toda espécie.

(Quintiliano, De lnstítutlone Oratoria, in M. da Glória de Rosa,A história da educação através dos textos, p. 76-78.)

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6. Idade Média:a formaçãodo homem de fé

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