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  • Hipnose: mito ou realidade?

    O estudo mostra os efeitos positivos significativos na sade de pacientes oncolgicos aps sesses de hipnoterapia, relatanto melhora no quadro clnico, no humor e desenvolvimento de estratgias e enfrentamentos eficazes.

  • Psico-USF, v. 17, n. 1, p. 153-162, jan./abr. 2012 153

    Hipnose em pacientes oncolgicos: um estudo psicossomtico em pacientes com cncer de prstata

    Licia Ferreira Caire Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, Brasil

    Resumo A presente pesquisa tem como objetivo interpretar e compreender o impacto das ressignificaes vivenciais experienciadas em estado hipntico por pacientes com cncer de prstata sobre a autopercepo de sade, crena no tratamento e capacidade de prospectar o futuro. Foram acompanhados 12 sujeitos durante 5 sesses de 1 hora de hipnoterapia escalonadas semanalmente. Os instrumentos consistiram em entrevistas individuais, intervenes hipnticas e registros das entrevistas. Foi eleita a Tcnica de Anlise Temtica para a seleo de temas a serem analisados. Os discursos emergidos nas entrevistas iniciais apresentaram semelhanas no que concerne s vivencias coexistenciais e os tpicos notveis analisados foram: Sentimentos e impulsos ao impacto do diagnstico, Significado do cncer e crena na cura, Autopercepo da melhora do cncer, Retomada da capacidade de prospectar o futuro. A concluso indicou que 100% dos pacientes acompanhados referiram melhora na sade, certeza da cura, retomada do humor e incremento nas estratgias de enfrentamento s situaes estressgenas. Palavras-chave: Psicossomtica; Hipnose; Cncer de prstata.

    Hypnosis in oncological patients: a psychossomatic study on prostate cancer patients Abstract This research aims at interpreting and understanding the impact of experiential experienced resignifications under the hypnotic state by each prostate cancer patient about of the self-perception of health, thrust in treatment and capability of prospecting the future. 12 patients were companied along 5 one-hour sessions of hypnotherapy weakly. The instruments consisted of individual interview, hypnotic interventions and interviews records. It was chosen the Thematic Analysis Technique to select the subjects to be analyzed. The speeches in initial interviews showed similarities about life experiences. The notable topics analyzed were: Feelings and impulses about the impact with the diagnosis, Meanings of cancer and thrust in cure, Self-perception about cancer improvement and Resumption of capacity of prospecting the future. Conclusion indicated that 100% of the followed patients mentioned felling themselves better about the health, thrust in cure, improvement in the humor and increases on the strategies with stressing situations. Keywords: Psychossomatic; Hypnosis; Prostate cancer.

    Hipnosis en pacientes oncolgicos: un estudio psicosomtico en pacientes con cncer de prstata Resumen La presente investigacin tiene como objetivo interpretar y comprender el impacto de las resignificaciones vivenciales experienciadas en estado hipntico por pacientes con cncer de prstata sobre la autopercepcin de salud, creencia en el tratamiento y capacidad de prospectar el futuro. Fueron acompaados 12 sujetos durante 5 sesiones de 1 hora de hipnoterapia escalonadas semanalmente. Los instrumentos consistieron en entrevistas individuales, intervenciones hipnticas y registros de las entrevistas. Fue escogida la Tcnica de Anlisis Temtico para la seleccin de temas a seren analizados. Los discursos emergidos en las entrevistas iniciales presentaron semejanzas en lo que respecta a las vivencias coexistenciales y los tpicos notables analizados fueron: Sentimientos e impulsos al impacto del diagnstico, Significado del cncer y creencia en la cura, Autopercepcin de la mejora del cncer, Retomada de la capacidad de prospectar el futuro. La conclusin indic que 100% de los pacientes acompaados refirieron mejora en la salud, certeza de cura, retomada del humor e incremento en las estrategias de enfrentamiento a las situaciones estresgenas. Palabras-clave: Psicosomtica; Hipnosis; Cncer de prstata.

    Uma questo curiosa na histria da hipnose que,

    mesmo sem atender s exigncias de cientificidade, ela sempre foi marcada pela eficincia teraputica de suas abordagens, tendo a discusso sobre a hipnose sido inicialmente retomada, em termos clnicos, a partir da obra de Milton Erickson (Neubern, 2006). Um aspecto sobre o tema hipnose que, certamente, levanta questionamentos quanto a sua validade enquanto mtodo cientfico a ausncia de um consenso quanto ao que seria e quais as suas tcnicas e domnios. Assim sendo, no presente trabalho as ideias e concepes de Erickson nortearo as intervenes e conjecturas de objetivos.

    De acordo com Erickson (2007), a hipnose fundamentalmente um mtodo de comunicar ideias ao

    outro. Na hipnose, ao se colocar a pessoa em estado de transe, estabelece-se uma condio de predisposio s ideias, um estado de disposio para utilizar aprendizagens (p. 19). A hipnose no um sono fisiolgico determinado da conscincia; um estado psicolgico determinado da conscincia, que difere do estado comum da conscincia (Erickson, 2003, p. 53), visto ter havido um rebaixamento do estado de conscincia: o transe.

    Ernst (2001) define a hipnoterapia como uma forma cognitiva de processamento de informao que se realiza a partir do rebaixamento da conscincia com o objetivo de promover mudanas aparentemente involuntrias na percepo, humor, memria e fisiologia.

  • Podemos, sucintamente, diferenciar hipnose clssica de hipnose Ericksoniana da seguinte maneira: na hipnose clssica a induo de transe formal est associada s sugestes diretas (Bauer, 2003, p. 64), enquanto a hipnose Ericksoniana consiste num mtodo criado por Erickson de se fazer um tipo exclusivo de transe para cada cliente, fazendo-o ficar ao molde de cada cliente (Bauer, 2003, p. 240), sendo a essncia da hipnoterapia evocar respostas e potencialidades de dentro do paciente (Erickson & Rossi, 2003, p. 40).

    Uma vez que Erickson (2003) prope uma hipnoterapia que coloca em foco a singularidade do sujeito e que os novos conceitos de hipnose teraputica enfatizam os processos psicobiolgicos naturais de transduo de informao para acessar e facilitar a utilizao dos prprios recursos interiores dos pacientes para a soluo do problema (Rossi, 2003, p. 300), a tcnica da hipnose pode representar uma ferramenta coadjuvante importante no tratamento de pacientes com cncer de prstata.

    Por outro lado, a progresso do cncer de prstata explicada a partir do mau funcionamento da glndula prosttica, ou seja, quando esta no detm o controle sobre a regulao do hormnio andrognico intraprosttico; o que faz com que o cncer cresa, sendo regido a partir dos fatores hormonais de modo autnomo, explicam Denis, Gospodarowicz e Griffiths citados por Pollock e cols. (2006).

    Considerando essas concepes, Bloch, Love, Macvean, Duchesne, Couper e Kissane (2007) referem que ao se dar o diagnstico de cncer de prstata e de seus consequentes tipos de tratamentos, estamos colocando disposio do paciente e de seus cnjuges questes existenciais concernentes a possveis sequelas decorrentes de tais intervenes; o que implica a capacidade de enfrentamento e de adeso do paciente ao tratamento e o desenvolvimento de comorbidades de ordem psicolgica ou psiquitrica. Dessa forma, os autores propem que as pesquisas sobre o tema atentem para compor estratgias de interveno cujo objetivo sejam as necessidades psicolgicas.

    Portanto, podemos observar que h dois focos centrais quanto ao adoecimento nos pacientes que recebem o diagnstico de cncer de prstata: o biomdico, inerente ao fato de ter cncer, e os decorrentes desse diagnstico e das angstias existenciais que o mesmo deflagra. Esse todo psicossomtico demanda uma estratgia de interveno que implique a psique e o corpo de carne, como observou Spiegel (2007) ao afirmar haver a necessidade de se desenvolver uma ferramenta holstica que permita acessar tanto a conexo mente-corpo quanto o contexto clnico.

    Nas palavras de Mac Dougall (1983), o corpo, enquanto invlucro carnal que , trata-se de um objeto para a psique, o que implica o fato de que sem corpo no haveria psique, e vice-versa. Desse modo, no h como se entender nem mesmo o afeto como um acontecimento puramente psquico ou puramente fsico; a emoo essencialmente psicossomtica (Mac Dougall, 2000, p. 107), posto que, segundo a autora, h uma relao entre os terrenos do soma e da psique, propiciada pela dor, que surgindo em um destes terrenos, provoca inevitavelmente sofrimento ao outro; pelo menos enquanto o psicossoma funcionar como um todo saudvel (1983, p. 152-153), ou seja, integrado.

    Ainda, segundo Rossi (2003), qualquer intromisso ou mudana feita pelo mundo exterior pode desencadear uma doena cuja caracterstica a de ser um esforo para manter o equilbrio homeosttico (p. 82). O autor explica essa dinmica adaptativa considerando que o ser humano dotado de um sistema detentor do papel central de mediar a comunicao entre a fenomenologia da mente, tal como memria, aprendizagem, emoes, comportamento e suas manifestaes psicossomticas no corpo (p. 146).

    Logo, adotei uma postura teraputica na qual considero a psicossomtica como uma ideologia sobre a sade, o adoecer e sobre as prticas de sade. Um campo de pesquisas sobre esses fatos e, ao mesmo tempo, uma prtica... (Mello Filho & cols., 1992, p. 19), sendo a psicossomtica uma nova viso da patologia e da teraputica, a qual foca a prtica assistencial em se tratar doentes e no doenas, completa o autor (p. 19).

    Mediante tais concepes, neste trabalho elegi a tcnica da hipnose como ferramenta para promover a ressignificao das vivncias relacionadas concepo de sade; instigar a ressignificao atribuda ao cncer de prstata e ao impacto desta na autopercepo de recuperao da sade e da crena na cura; investigar como a hipnose contribuiu para o incremento da vontade de viver e, consequentemente, de projetar o futuro.

    Pelo carter subjetivo dessas vivncias e autopercepes, utilizei o mtodo qualitativo e a tcnica de anlise temtica dos resultados como recursos cientficos para a compreenso das propriedades benficas da hipnose ante a dor, ansiedade, bem-estar, qualidade de vida, melhora do cncer, dentre outras.

    A metodologia qualitativa

    Em termos gerais, Neubern (2009) salienta que os procedimentos metodolgicos estatsticos e

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  • experimentais distanciam-se do contexto relacional em que os processos hipnticos emergem, para se centrar apenas nas respostas isoladas dos indivduos. Dessa forma, a pesquisa qualitativa estaria a oportunizar que as emoes quanto ao processo e tudo o que possa contribuir para constituir a subjetivao presente na hipnose seja assumido dentro de sua complexidade, que engloba a autopercepo quanto ao fenmeno hipntico.

    Turato (2003) ressalta como caracterstica central da pesquisa qualitativa a ateno voltada para se investigar como os fenmenos so vivenciados e interpretados pelos sujeitos da pesquisa, sendo algumas peculiaridades inerentes ao mtodo qualitativo: 1) a pesquisa naturalstica; 2) tem dados descritivos; 3) a preocupao com o processo; 4) ela indutiva e 5) a questo da significao essencial (Turato, 2003, p. 245). Assim sendo, como pondera o prprio autor, tem-se que os sentidos e as significaes dos fenmenos so o cerne para os pesquisadores qualitativistas, de modo que devemos procurar captur-los observando os sujeitos da pesquisa, bem como dar as interpretaes (p. 246).

    Assim, a fim de atender s premissas cientficas qualitativistas e dar suporte ao objetivo do presente trabalho, a amostra foi composta a partir do critrio de saturao de dados, considerando, portanto, que os sujeitos so includos e reunidos pelo critrio da homogeneidade ampla; a amostra fechada quando as

    respostas de novos informantes tornam-se expressamente repetitivas, na avaliao do pesquisador (Turato, 2003, p. 366).

    A pesquisa

    Foram acompanhados pacientes com cncer de prstata que realizavam tratamento mdico no Setor de Oncologia do Hospital de Fora Area do Galeo HFAG. Estes realizaram tratamento hipnoterpico consistindo de cinco sesses, escalonadas semanalmente, com durao mdia de uma hora cada, tendo como critrio de incluso ser paciente do Setor de Oncologia do HFAG, diagnosticado com cncer de prstata, e no possuir diagnsticos psiquitricos delineados nem fazer uso de substncia psicoativa.

    Apresento a seguir os participantes desta pesquisa (Tabela 1), com a finalidade de oportunizar ao leitor observar o critrio de heterogeneidade ampla que norteia os dados amostrais. No entanto, observo que apesar desta caracterstica heterognea dos participantes, os dados obtidos e analisados foram homogneos.

    As entrevistas tiveram como norteadores dois roteiros de entrevista semidirigida (Quadros 1, e 2) para a coleta de dados, sem contudo limitar-se a estes; de modo a permitir que o fluxo flusse naturalmente e que seu contedo pudesse ser abrangido em maior profundidade.

    Tabela 1. Caracterizao amostral dos pacientes participantes desta pesquisa

    Sujeito Caracterizao 1 J.C.S., 53 anos, casado, dois filhos, reservista, kardecista, ps-cirurgiado h 7 anos, cintilografia ssea sem

    meststases sseas, bipsia: adenocarcinoma gleason 7 (3+4). 2 L.A.S., 80 anos, segundo casamento, um filho, ps-cirurgiado h 9 anos, cintilografia ssea sem alteraes,

    bipsia: adenocarcinoma gleason 2 (1+1). 3 N.C.S., 71 anos, casado, dois filhos, reservista, evanglico, ps-cirurgiado h 7 anos, cintilografia ssea sem

    meststases sseas, bipsia: adenocarcinoma gleason 7 (3+4). 4 J.S., 66 anos, casado, dois filhos, policial civil aposentado e reformado, kardecista, ps-cirurgiado h 5 anos,

    cintilografia ssea sem meststases sseas, bipsia: adenocarcinoma gleason 6 (3+3). 5 A.S.S., 69 anos, casado, dois filhos, catlico, sem interveno cirrgicas, cintilografia ssea indicando sseos

    blsticos secundrios, bipsia: ainda aguardando o resultado. 6 I.O.B., 59 anos, segundo casamento, dois filhos, enfermeiro, catlico praticante, sem antecedentes cirrgicos,

    cintilografia ssea indicando aumento da atividade osteognica, bipsia: adenocarcinoma Gleason 8 (4+4). 7 A.S.B., 60 anos, casado, trs filhos, empresrio, catlico, ps-cirurgiado h 1 ano, cintilografia ssea sem

    metstases, bipsia: adenocarcinoma gleason 6 (3+3). 8 L.G.T., 59 anos, segundo casamento, dois filhos, reservista, catlico, sem interveno cirrgica, cintilografia ssea

    apresentando osteopenia e osteoporose, bipsia: adenocarcinoma gleason 8 (4+4). 9 J.T.C., 84 anos, casado, 2 filhos, reservista, catlico, sem interveno cirrgica, cintilografia ssea sem metstases,

    bipsia adenocarcinoma gleason 6 (3+3). 10 U.M., 97 anos, casado, 3 filhos, reservista, catlico, sem interveno cirrgica, cintilografia ssea sem metstases,

    bipsia: adenocarcinoma gleason 4 (2+2). 11 A.C., 69 anos, casado, 2 filhos, catlico, ps-cirurgiado h 9 anos, cintilografia ssea sugestiva de alteraes

    degenerativas, bipsia: adenocarcinoma gleason 6 (3+3). 12 W.A., 73 anos, casado, 3 filhos, catlico, sem interveno cirrgica, cintilografia ssea sem alteraes, bipsia:

    adenocarcinoma gleason 6 (3+3).

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  • Quadro 1. Roteiro de entrevista realizada com cada paciente antes do incio do tratamento hipnoterpico Quando o senhor recebeu o diagnstico? Como recebeu a notcia? Quais foram os seus primeiros pensamentos? Aps a notcia de que tinha cncer, realizou cirurgia? Quais foram os prs da cirurgia? Quais foram os contra? O senhor diria que a cirurgia correspondeu s suas expectativas? Quais eram as suas expectativas? Continua a sua rotina como antes da interveno e do diagnstico? O que mudou? Na ocasio do recebimento do diagnstico quais imagens te vieram mente? Como visualiza as clulas de seu cncer atualmente? O que significa ter cncer para voc? J tinha imaginado esta possibilidade em algum momento de sua vida? Quando? Por qu? Como se sentiu? Conhece algum que teve cncer? Como foi a evoluo do quadro clnico desta pessoa? Voc acha que pode ajudar a se curar mais rpido? Como? Por qu? Qual a sua lembrana mais agradvel?

    Quadro 2. Roteiro de entrevista realizada com cada paciente antes de cada sesso de hipnoterapia Quais as suas expectativas para a sesso de hoje? Quais so os seus projetos para a sua vida hoje? Como o senhor descreveria as suas clulas de cncer no momento? Qual o significado de ter cncer para o senhor? Como tem sido a sua rotina?

    Tomando por base os contedos dos discursos

    emergidos nas entrevistas quanto visualizao que cada paciente fazia de suas clulas oncolgicas e do significado de ter cncer para cada um, e associando essas percepes s expectativas individuais foi conformada cada interveno hipntica. A segunda entrevista tinha como funo nortear as estratgias de aprofundamento do transe em cada sesso, a fim de facilitar a ressignificao das vivncias.

    Instrumento

    Concisamente pode-se compreender que o processo da psicoterapia Ericksoniana tem basicamente trs passos, que so: preparao, interveno principal e acompanhamento. Devendo ser na primeira destas etapas que o terapeuta tem que fazer mais operaes, ou seja, na hora de preparar (Robles, 2005, p. 191).

    Esto a seguir as estratgias de induo e aprofundamento do transe hipntico, observando que durante a fase de aprofundamento, sugestes hipnticas so feitas. Ressalto ainda, a utilizao do treinamento Autgeno de Schultz no processo de induo. Este consiste, segundo Masson (1986), em conduzir o paciente a uma concentrao descontrativa, sucessivamente, nos msculos, sistema vascular, corao, respirao, rgos abdominais e cabea. 1 Momento: Preparao/Induo

    Sente-se e procure uma posio o mais confortvel possvel... Perceba seu corpo... Relaxe... Solte os braos, libere as pernas. Relaxe o pescoo... Encha lentamente os pulmes de ar... e veja uma luz branca passando por suas narinas e entrando em seu

    corpo... chegando at os pulmes... Veja seus pulmes inflarem... Sopre o ar pela boca. Lentamente. Veja uma fumacinha saindo... Levando embora qualquer tenso, desconforto, preocupao... Sinta o peso do seu corpo sobre a poltrona... Sinta o cansao do seu corpo... Relaxe. Sinta-se leve. Encha mais uma vez os pulmes de ar... Vagarosamente... Solte, mais uma vez, o ar pela boca. Perceba o peso de seu corpo... o cansao... o peso leve de seu corpo... Sinta seu corpo ficando leve, leve, leve... flutuando... E nesta leveza voc s ouve a minha voz, e o som da msica... calma e agradvel... Segura. Encha mais uma vez os pulmes de ar... Libere o pensamento... Pensamento gaivota! Passa. Voc fica. Voc . Nada pode afetar a sua alegria na vida... porque pensamento gaivota... passa... O movimento a grande constante... Seu corao bate no perfeito ritmo circadiano. Sua presso arterial se mantm na justa medida a fim de que voc possa descansar. Descanse. Sua respirao abdominal est cada vez mais plena. Sinta o sangue dentro de seu corpo... O calor vital dentro de voc... A sade. O sangue circulando e levando calor, energia, vida, sade e harmonia desde a pontinha de seu dedo at a ponta do fio de cabelo mais distante... Veja a unha de seu dedo corar. Voc sente-se ainda mais relaxado e com uma agradvel vontade de adormecer para uma noite de sono aconchegante e revigorante. Uma noite na qual voc poder sonhar e tornar realidade seus desejos mais profundos... Permita-se.

    2 Momento: Aprofundamento do Transe

    Voc pode dormir... isso o que voc quer, no ? Durma pesado... profundamente. Mas a todo o tempo continuar escutando a minha voz e o som da msica ao fundo... seguro... em harmonia... Durma!... Durma profundamente!... Descanse... Durma. Agora voc se encontra

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  • em um belo campo. Veja! Aprecie... Sinta a brisa fresca da manh... Sinta o sol morno do amanhecer..., como que te abraando... Trazendo uma agradvel sensao de carinho, pertencimento, segurana... Pise o orvalho fresco do amanhecer. O cu est azul... Neste enorme campo h muitas rvores... rvores altas, rvores baixas, rvores com folhas muito verdes, rvores com folhas mais secas... rvores com folhas amareladas... mas cada uma guarda a sua beleza. Observe! Perceba... Oua o som dos pssaros... Neste enorme campo voc tambm pode ver uma clareira... uma clareira rodeada de flores raras e muito belas... Sinta seu perfume. Assim feita a vida. Feita de estaes, de momentos... H momentos para plantar. Momentos para colher... Momentos de espera. Mas cada um tem a sua beleza... Sinta a tranquilidade e a harmonia. E voc dorme cada vez mais pesado; mais profundo...; no ? Indo cada vez mais de encontro aos seus desejos mais ntimos, mais inconscientes... Neste campo voc ouve um som de gua... caminhe... caminhe em direo ao som de gua... Pode ser um rio, um mar, um riacho, uma fonte... V em direo ao som agradvel e calmante da gua. L voc encontra uma escada; uma escada em espiral que desce; uma escada em espiral com degraus de mrmore branco; uma escada curta... em espiral... que desce... So apenas cinco degraus de mrmore branco, muito branco... uma escada fcil de descer...em espiral... E a cada degrau que voc desce, voc dorme mais profundo, mais pesado... seu estgio de sonho fica cada vez mais profundo e pleno... Mas voc sempre continuar ouvindo a minha voz, e s a minha voz. Desa o primeiro degrau da escada em espiral que desce, e o degrau de mrmore branco se acende com a luz laranja... Sinta a vitalidade desta cor... de um brilho jamais visto por voc... Demore-se quanto quiser neste degrau... e rejuvenesa. Desa agora o degrau de nmero dois da escada em espiral que desce... uma escada curta... Permita-se... Aceite de bom grado o que as sensaes e os sonhos te trazem... Voc pode se assim o desejar. So apenas cinco degraus... e quando voc chegar ao degrau de nmero cinco voc estar sonhando profundamente com a realizao de seus desejos mais profundos e inconscientes de paz, harmonia, alegria, sade, juventude, tranquilidade... Mas apenas quando eu falar o nmero cinco. Este degrau de nmero dois se acende com a luz amarela. como se um holofote te iluminasse... Desa o terceiro degrau de mrmore muito branco..., da escada em espiral que desce... Este se ilumina com a luz azul... o azul da paz, da confiana, da certeza da realizao... Um azul jamais visto igual... Aprecie... Sinta... Descanse... Durma... Desa agora o degrau de nmero quatro; sabendo que to logo voc pisar o degrau de nmero cinco voc se encontrar deitado confortvel e aconchegantemente numa praia, ou sobre uma nuvem... macia... Mas apenas quando eu falar o nmero cinco. O degrau de nmero quatro se acende e se ilumina com a sua cor preferida, que se espalha por todo o seu ser... E voc se sente livre... como se flutuasse sobre uma nuvem... em uma nuvem muito macia... segura, e l do alto voc pode apreciar a terra, a sua vida... e voc dorme ainda mais...descansa... Voc agora olha para baixo, para o ltimo

    degrau da escada de mrmore branco da escada em espiral que desce... Pise o degrau de nmero cinco.

    importante ressaltar que as estratgias de aprofundamento de transe sofreram variaes de acordo com as lembranas e relativas imagens relatadas pelos pacientes durante as entrevistas, bem como foram configuradas respeitando o estado de relaxamento atingido a partir da induo, o nvel de tenso apresentado em cada sesso e a maior facilidade ou no de se entregar ao processo hipnoteraputico.

    As entrevistas foram registradas, e as falas transcritas encontram-se fielmente reproduzidas.

    Resultados e anlise dos dados

    Os discursos emergidos nas entrevistas iniciais

    apresentaram semelhanas no que concerne s vivncias coexistenciais, como se pode observar nos trechos seguintes. Associaes do cncer com sofrimento, preconceito, covardia, impotncia, decreto de morte, aprisionamento, dentre outras emoes, estiveram presentes em todos os relatos, assim como a dificuldade em contar o diagnstico para seus familiares. As falas a seguir ilustram essas vivncias.

    Quando fala de cncer s lembra sofrimento... H pessoas que quando falam de voc at sentem nojo (J.C.S.). Vejo o cncer como algo que limita o indivduo. Poda!

    Aceitam entre aspas. Porque ningum aceita um problemas desses... A minha mulher foi minha maior preocupao, porque ela achava que eu no tinha cncer (A.S.S.) referindo-se sobre como foi difcil lidar com a situao de contar para seus familiares que tinha recebido o diagnstico de portador de cncer de prstata).

    Esta doena covarde, sinistra (W.A.). Eu no penso no cncer. No gosto nem que comentem. Perguntam sobre outras coisas: corao, edema da perna...

    Na hora a gente s pensa no pior. Cncer!! (N.C.S.). Os mdicos operam, mas no garantem... O pensamento s que chegou ao fim.

    O impacto do diagnstico foi terrvel... (A.C.). Ningum gosta de lembrar... Chorava no metr igual criana... Para sair sozinho tinha dificuldade.

    Quando o mdico disse encarei com naturalidade... mas quando cheguei para a famlia... Poxa! Muito grave a minha situao. Quase que eu fiz um testamento. Foi como uma sentena de morte (I.O.B.).

    No me abalei muito porque j convivo com o (cncer) da minha me (A.S.B.). Quando fui pegar o resultado do exame pensei: eu posso estar... [com cncer]. Ento me preparei para o pior. Mas nunca querendo que acontecesse... Mas se acontecesse eu ia superar... Mas torcendo para que no estivesse.

    Minha nica preocupao era tirar o tumor de dentro de mim... Ficar livre... (J.S.).

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    Psico-USF, v. 17, n. 1, p. 153-162, jan./abr. 2012

  • As vivncias existenciais experimentadas por esses pacientes implicavam um medo intenso acompanhado de forte sentimento de desamparo. Um medo muito mais do desconhecido do que das reais possibilidades de cura, tratamentos e efeitos colaterais e sequelas decorrentes de seu diagnstico. Observou-se uma grande concepo mtica do cncer ainda nos dias atuais, pois apesar da coragem de proferir a palavra cncer, todos os pacientes relataram algum tipo de preconceito seu, de seus familiares ou de seus amigos no que diz respeito ao que era na realidade seu estgio de cncer e a respectiva gravidade de seu quadro. Esses preconceitos foram muito responsveis pela dificuldade de aceitao, por parte dos entes queridos, do diagnstico de cncer. Consequentemente, dificultaram ao paciente que este pudesse compartilhar seus temores e angstias. Fato que contribuiu significativamente para o sentimento de solido e desamparo experimentado pelos portadores de cncer.

    Outro aspecto importante foram as diversas comorbidades apresentadas por todos os pacientes. Essas funcionaram como vlvula de escape para o medo, a ansiedade, a preocupao e a tenso com o cncer na medida em que serviram como doenas encobridoras ao diagnstico principal de cncer de prstata, levando os pacientes a diversas clnicas, que no a oncolgica, e a variados profissionais, que no o oncologista.

    As variveis estado civil e religio mostraram-se relevantes na medida em que, a princpio, ambas poderiam ser ingenuamente compreendidas como elementos facilitadores para lidar com o diagnstico, com o tratamento, suas implicaes e possveis reaes adversas. Entretanto, aspectos relacionados ao estado civil revelaram no serem indicadores de menor sentimento de desamparo. Isso porque, embora todos os pacientes entrevistados fossem casados, pode-se observar que o cnjuge no foi algum com quem pudessem compartilhar as angstias diante do diagnstico e implicaes ante o tratamento. Esse estado civil foi, sobretudo, algo que deixou os pacientes mais angustiados e preocupados, pois temiam que seus cnjuges no conseguissem lidar com aspectos burocrticos da vida, tais como bens, contas a pagar etc. Ainda, o fato de serem casados os forou a analisar a possibilidade de morte iminente a fim de que pudessem tomar as atitudes cabveis de forma a no deixar seus cnjuges desamparados. Preocupaes semelhantes foram associadas aos filhos.

    Por seu turno, a religio tambm no apresentou carter confortador. O medo, a angstia e o desamparo suplantaram todos os nveis de f, inclusive a de um pastor protestante. Este, aps o diagnstico optou por se afastar da funo. Em vrios casos, os pacientes

    referiram que em outras circunstncias no teriam pensado na hipnose.

    Este levantamento propiciou, com base na Tcnica de Anlise de Contedo (Bardin, 1979), a emerso de tpicos notveis, cuja presena ou frequncia de apario na comunicao podiam significar algo sobre o objetivo escolhido para esta pesquisa, e que detinham propriedades suficientes para se tornarem categorias ou temas e, por essa razo, foram eleitos para aprofundamento.

    As categorias que mereceram destaque de anlise de contedo em virtude da grande recorrncia e angstia que despertavam nos pacientes foram as seguintes: 1) Sentimentos e impulsos ao impacto do diagnstico; 2) Significado do cncer e crena na cura; 3) A auto-percepo da melhora do cncer; 4) Retomada da capacidade de prospectar o futuro.

    Sentimentos e impulsos ao impacto do diagnstico

    Bloch e cols. (2007) pontuam que a adaptao psicolgica ao diagnstico de cncer de prstata trata-se de algo complexo, pela trajetria em potencial deflagrada desde o momento do diagnstico, considerando desde o seu impacto imediato at a fase de cuidados paliativos, a qual acompanhada por vrias questes existenciais, conforme indicam as falas a seguir:

    Foi um susto muito grande. A primeira coisa que eu fiz foi parar, sentar e ficar pensando... (J.S.)

    Na hora a gente s pensa no pior: cncer! O pensamento s que chegou ao fim... Tenho conhecidos que venderam tudo quando souberam do diagnstico (N.C.S.)

    Pensei logo em deixar tudo... Passei carro, casa, telefone... tudo para minha esposa, porque no tenho seguro de vida... No quero dar trabalho para minha esposa. (L.A.S.)

    Sendo assim, atentei para o estado de angstia e de desesperana verbalizado ou no pelo paciente no momento inicial ao tratamento hipnoterpico. Esse cuidado se justificou porque quanto mais intensa a carga afetiva que uma situao desperta, mais conflitos, dvidas e inseguranas o indivduo tende a apresentar, bem como maior ser a sua descrena na possibilidade de ser ajudado e, portanto, retomar a cura e a sade.

    Nos relatos colhidos e analisados, a palavra cncer possua significado de morte iminente. Compreender o cncer como sentena de morte apresentou repercusses nocivas aos pacientes, dificultando, num primeiro momento, a elaborao do diagnstico e a verbalizao clara de suas angstias quanto ao diagnstico e s limitaes e efeitos colaterais dos tratamentos. Os pacientes precisavam manter um controle rgido de seus egos, a fim de evitar uma psicossomatizao que repercutisse em sua capacidade de racionalizar a situao, e ento tivessem

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  • foras para superar o trauma. Dessa forma, uma interveno psicolgica com roupagem hipntica foi algo muito bem recebido por todos, uma vez que no os deixava em descoberto com eles mesmos num momento de intenso conflito egoico. Ao mesmo tempo, oferecia-lhes a oportunidade de dividir suas angstias e posteriormente escut-las de si prprios e permitir que as mesmas pudessem ser vivenciadas e resignificadas.

    Quando o mdico falou do ndulo, eu pensei: eu posso estar... ento eu me preparei para o pior...

    uma sentena. Eu no entendi por que eu estava o tempo todo to tranquilo. (A.S.B.)

    ... Impotncia em todos os sentidos. E agora? Como que vai ser? Eu me senti acuado. Comecei a pensar em morte... No pensei em vida. (I.O.B.)

    Dr.: Perdi, n?! (J.S.) As queixas relativas a alteraes de humor,

    aparecimento de dores diversas, edemas e outras, aps o diagnstico, tambm foram recorrentes. Todas desempenhavam funo de sintoma encobridor de uma angstia ou conflito inominvel inerente quela conjuntura e/ou atuavam como vlvula de descarga psquica para as inquietaes existenciais que o diagnstico de cncer deflagrou, as quais representaram estratgia inconsciente crucial no restabelecimento da sade, provavelmente por duas razes: seus sintomas despertaram a ajuda familiar e a busca pelo auxlio mdico, ao mesmo tempo em que espiaram uma parte da carga aflitiva no-elaborvel naquele momento de vivncia de sentena de morte.

    Ainda, a anlise qualitativa dos contedos das falas dos pacientes indicou exatamente o que Mac Dougall (2000) afirma: que aqueles pacientes que foram capazes de somatizar suas dores mentais nos momentos em que suas defesas habituais falharam diante do sofrimento psquico (p. 66) foram aqueles cujos melhores resultados de cura se sucederam.

    Enquanto psicoterapeuta, tudo o que se teve de fazer foi reconhecer as deixas e a variedade da conduta humana, das respostas corporais, das respostas neurolgicas e depois se dar conta de que para todas estas respostas somticas existe um componente psicolgico de algum tipo (Erickson, 2007, p. 41), a partir do que foi composta a hipnoterapia sob medida.

    Significado do cncer e crena na cura

    Outro aspecto relevante remete s autopercepes dos pacientes no momento das entrevistas que diz respeito imagem negativa e pessimista que os pacientes tinham sobre as caractersticas de malignidade e desenvolvimento das clulas do cncer, como se pode constatar:

    So como uma madeira quando ela est apodrecendo. (J.S.)

    Uma criatura capenga... fica meio manco, coxo... (A.S.S.)

    tipo assim um caroo que forma... as clulas ficam mortas... dali cria uma massa. Para mim ela maligna. Fica dentro do organismo e no serve para nada... (N.C.S.)

    No entanto, suas percepes encerravam um carter ainda no elaborado da concepo da clula oncolgica como algo inferior, de menor qualidade e poder; embora nenhum dos pacientes apresentasse conscincia disso.

    Porm, apesar de todos os pacientes entrevistados descreverem essas clulas como debilitadas, todos demonstravam em seus discursos a certeza de que era como se as mesmas fossem portadoras de livre-arbtrio, maior fora e poder que as demais clulas de todo o corpo, bem como de poder de deciso diante da eficcia ou no do tratamento medicamentoso. Essa crena exacerbada e irracional na malignidade das clulas repercutia em sua qualidade de vida, dificultava a crena na cura e nos tratamentos realizados, bem como na projeo de um futuro longnquo e agradvel.

    Entretanto, o decorrer das sesses de hipnose oportunizou a emerso de um novo rumo para as questes de crena na cura, percepo das clulas de cncer e capacidade de projetar o futuro. Isso foi sendo possvel porque, atravs das vivncias hipnticas, as quais instigavam a ressignificao dessas questes, o significado do cncer e, consequentemente, o do que ter cncer, foi se modificando. E o diagnstico, o grande vilo, passou a produzir uma dinmica psquica com base em contedos traumticos verbalizveis, portanto, elaborveis.

    Assim sendo, coube-me oportunizar um estado de transe o qual sintetizasse visualmente, em forma de vivncias reorganizadoras, a regulao dos estados fsicos neuroendcrinos, a transduo de informaes celulares e, consequentemente, uma melhora no humor geral. Ao mesmo tempo, era de suma importncia que logo num primeiro momento as experincias sensoriais a serem reaprendidas, em forma de sentimentos, fossem vivenciadas sob hipnose de forma agradvel emocionalmente e, consequentemente, integradas ao todo psicossomtico. Essas vivncias repercutiriam nas aprendizagens dependentes de estado (Rossi, 2003), ou seja, nos estados psicoendocrinoneuroimunolgicos, os quais refletem na sade psique-soma.

    No que concerne ao humor, a primeira mudana constatada foi a do carter pessimista do pensamento quanto malignidade e autonomia das clulas oncolgicas, refletindo num humor mais autoconfiante e oportunizando a elaborao de novos conceitos e compreenses sobre as mesmas.

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  • Ela [a clula oncolgica] igual s outras do organismo, mas mais fraquinha... Mais debilitada. (J.C.S.)

    como se eu no tivesse nada. Eu t engordando de novo... no t me atrapalhando em nada. Eu sei que o problema existe nos exames, mas fisicamente como se eu no tivesse. (I.O.B.).

    Autopercepo da melhora do cncer

    Robles (2005) pondera que, para que um tratamento hipnoterpico atinja seu objetivo, necessrio que este possua uma meta; apenas dessa maneira saberemos para onde devemos levar a psicoterapia. Portanto, faz-se necessria a investigao dos significados, das angstias e das expectativas de cada paciente quanto a sua doena e sua vida, durante todo o processo do tratamento hipnoterpico.

    Uma vez que a hipnose faz com que o paciente tenha sua disposio os seus prprios potenciais para a auto-ajuda (Zeig, 2003, p. 35), pude constatar que, conforme se revive hipnoticamente o episdio traumtico do diagnstico e dos possveis prognsticos que o mesmo pode representar, oportuniza-se que o paciente ressignifique essa vivncia de uma maneira mais aceitvel para si prprio, com uma roupagem mais amena, a qual permita a elaborao do trauma.

    Foi, de fato, o que ocorreu, como indicam as seguintes percepes:

    A minha expectativa que eu venha a recuperar toda a minha sade, que est abalada. (A.S.S.)

    Essa clula [do cncer] de acordo com aquilo que a gente sente, com o estado de humor. (I.O.B.)

    Como eu t criando alguma coisa, eu tenho que ajudar tambm. (A.S.B.)

    A minha tranquilidade aumentou... A gente fica mais seguro. (N.C.S.)

    Ao permitir a elaborao do trauma, automaticamente o indivduo pode prescindir do recurso de gerar atos-sintoma, sintomas encobridores, somatizaes, transtornos de humor e de ansiedade; o que por outro lado possibilita que o indivduo encare com maior serenidade e destitudo de pr-conceitos socialmente compartilhveis s expectativas diante das oportunidades e possibilidades do futuro, apesar de ter o diagnstico de cncer.

    Retomada da capacidade de prospectar o futuro

    Cada nova autopercepo funcionou para mim, enquanto psicoterapeuta, como uma dica de que passei a ter a meu dispor mais uma ferramenta teraputica, posto que qualquer comportamento, qualquer manifestao... podem ser utilizados como ferramenta teraputica (Zeig, 2003, p. 85).

    Isso porque, se relembrarmos que os problemas psicossomticos so disfunes da comunicao

    mente-corpo num mbito virtual (Rossi, 2003, p. 91), uma vez havendo a sincronia mente-corpo, os pacientes readquiririam a capacidade de gerenciar e planejar novamente suas vidas. Assim, ressignificando a autopercepo da doena, do adoecimento e da sade fez-se possvel a aquisio de um estado psicossomtico apto a elaborar as implicaes decorrentes do diagnstico e dos tratamentos, assim como uma diminuio da dor inconsciente ante essas questes.

    Estando esta sincronia estabelecida, as prospeces sobre o amanh retornaram e os pacientes comearam a apresentar projetos de retornar ao trabalho, de viajar, de comprar a to esperada casa de praia da aposentadoria, ou um carro novo... A vida aps o cncer passou a existir, ou seja, a crena de que o cncer era passageiro, cambivel e destrutvel.

    Consideraes finais

    O tratamento hipnoterpico desencadeou, com o

    transcorrer das sesses, uma reaproximao de cada indivduo consigo mesmo, e uma decorrente compreenso de que seu estado atual de sade era passageiro e cambivel. Estes, gradativamente se apropriaram do lugar de ser uma personalidade total recuperando-se (Erickson, 2007, p. 55), para o qual foram convocados a participar desde o incio das sesses de hipnoterapia, ou seja, participavam ativamente de um processo de recuperao de sua sade.

    Certamente que a experincia de reassociar e reorganizar sua prpria experincia de vida foi o que pde resultar em uma cura (Rossi, 2003, p. 99), uma vez que a autopercepo de melhora pareceu estar diretamente relacionada ao aumento da capacidade dos pacientes de voltarem a ocupar a posio de agentes centrais de suas vidas.

    Mediante essa constatao, foi possvel observar que a noo eminentemente humana de qualidade de vida que, segundo Minayo, Hartz e Buss (2000), tem sido aproximada ao grau de satisfao encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e prpria esttica da existncia, tomou conta desses pacientes, e se encontrava refletida de uma maneira muito intensa em seus comportamentos e discursos. De modo que estes voltaram a acreditar na vida, na recuperao da sade, no relacionamento conjugal e em si prprios enquanto seus maiores e melhores aliados.

    A hipnoterapia sob medida Ericksoniana apresentou-se como estratgia muito relevante no sentido de auxiliar e oportunizar a cada paciente se perguntar e encontrar em seu inconsciente uma maneira de lidar e resolver seu conflito. Portanto, um

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  • trabalho interno que aproxime os desejos mais inconscientes e profundos pode trazer diversos ganhos para os pacientes, dentre eles a melhora do humor, a crena na cura e a melhor adeso ao tratamento, a melhora do cncer e a retomada da vontade de viver.

    Os resultados obtidos por meio deste estudo indicam que a hipnose pode ser um importante aliado no tratamento das doenas autoimunes, auxiliando no restabelecimento do equilbrio psicossomtico e na ressignificao das experincias e significados subjacentes ao preconcebido sobre cada doena, adoecer, comorbidades, implicaes e efeitos colaterais psicossomticos inerentes.

    Alm disso, a capacidade de transduo celular em estado hipntico guarda a possibilidade de associar, mediante a contiguidade entre vivncias agradveis ao paciente e sugestionamento de apropriao celular de funes, o restabelecimento de habilidades orgnicas perdidas. No entanto, h a necessidade de estudos sistematizados sobre o assunto.

    Portanto, os estudos futuros devem atentar para ampliar o tamanho da amostra, delimitar o intervalo de idade dos participantes, o gnero, o tipo de cncer e o estadiamento do mesmo, o tratamento a que foi submetido, e a mensurao da suscetibilidade hipntica. O atendimento dessas variveis implica que o pesquisador seja acolhido em local com quantitativo de pacientes e staff engajados na referida pesquisa, assim como seja detentor de financiamento para a realizao de exames comparativos entre os quadros inicial e final.

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    Recebido em 10/08/2011

    Reformulado em 05/03/2012

    Aprovado em 06/03/2012

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  • Sobre a autora: Licia Ferreira Caire mestre em Psicologia Clnica: ncleo de psicologia hospitalar e psicossomtica pela PUC-SP. Ps-graduada em Psicologia Mdica e Psicossomtica. Psicloga Clnica e Pedagoga. Hipnloga Clnica e Hipnoterapeuta. Acupunturista Auricular Clnica. Professora de cursos de graduao e ps-graduao. Contato com a autora: Rua Leo de Morais, 231 apto: 51B, CEP: 04165-150. So Paulo. Email: [email protected]

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