hipnose na prática clinica

785
8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica http://slidepdf.com/reader/full/hipnose-na-pratica-clinica 1/785 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

Upload: milton-alencar

Post on 07-Jul-2018

233 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    1/785

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    2/785

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

       

    PSICOLOGIA, PSIQUIATRIAE PSICANÁLISE

         

           

       

           

       

       

           

     

        

         

         

                     

           

                   

     

       

     

           

     

       

               

         

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    3/785

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte

        Neurologista, Eletroencefalografista e Neurorradiologista.

     Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia.

     Membro da Sociedade de Hipnologia do Paraná

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    4/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    EDITORA ATHENEU 

    São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30Tels.: (11) 3331-9186 • 223-0143 •  222-4199 (R. 25, 27, 28 e 30)

    Fax: (11) 223-5513E-mail: [email protected]  Rio de Janeiro — Rua Bambina, 74

    Tel.: (21) 2539-1295Fax: (21) 2538-1284E-mail: [email protected] 

     Ribeirão Preto — Rua Barão do Amazonas, 1.435Tel.: (16) 636-8950 • 636-5422Fax: (16) 636-3889

     Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — Conj. 1.104

    PLANEJAMENTO GRÁFICO — CAPA: Equipe Atheneu

    FERREIRA M.V.C. Hipnose na Prática Clínica

    ©Direitos reservados à EDITORA ATHENEU – São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2003

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Ferreira, Marlus Vinicius CostaHipnose na prática clínica/Marlus Vinicius Costa Ferreira.

     — São Paulo: Editora Atheneu, 2003.

    1. Clínica médica. 2. Hipnotismo – Uso terapêutico. I. Título.

    CDD-61002-5468 NLM-WM 415

    Índices para catálogo sistemático:1. Hipnose: Prática clínica: Ciências médicas 610

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    5/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    O autor conferiu cuidadosamente a posologia, os nomes genéricos e comerciaisdos medicamentos mencionados, de modo que todo esforço foi feito para conseguir exatidão do conteúdo no momento da publicação. Como a medicina está em

    constante evolução, novas pesquisas, experiências clínicas e aparecimento de novosefeitos colaterais de drogas, ampliam o conhecimento, tornando-se necessáriasmodificações nas condutas terapêuticas, e no tratamento com medicamentos.O editor e o autor, nem qualquer outra pessoa que esteve envolvida na preparaçãoou publicação deste trabalho, garantem que as informações contidas aqui sejam emtodos os sentidos exatas e completas, de modo que não são responsáveis por qualquer erro, omissão ou pelos resultados obtidos pelo uso destas informações.Os leitores são estimulados a confirmar as informações em outras fontes,especialmente as fornecidas pelos fabricantes. As fraseologias sugestivas

    apresentadas e adaptadas às necessidades de cada paciente para as condiçõesclínicas indicadas não foram submetidas a um estudo controlado randomizado.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    6/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    7/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

     À Eliane, minha esposa, uma usina nuclear de energia,que muito me estimulou para a conclusão deste livro.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    8/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    9/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

     

    Sou muito grato ao professor de Psiquiatria e Neurologia, Octávio Augusto daSilveira, de Curitiba, que me deu grande oportunidade e tem sido meu verdadeiro amigo.

     Ao professor Dr. Rubens Moura Ribeiro, de Ribeirão Preto, que me transmitiu

    valiosos conhecimentos sobre eletroencefalografia. À professora de Radiologia Anne G. Osborn, da Escola de Medicina da

    Universidade de Utah, em Salt Lake City, que, pelo seu exemplo, entusiasmo eeficiente comunicação despertou meu interesse para publicações científicas.

     Agradeço ao meu amigo Márcio Mortensen Wanderley, pelo auxílio nanavegação pela Internet.

     Meu reconhecimento aos pacientes anônimos que com maior ou menor capacidade hipnótica contribuíram para a criação de muitas fraseologias.

    Curitiba, inverno de 2003 Marlus Vinicius Costa Ferreira

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    10/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    11/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Hipnose na Prática Clínica  foi elaborado para auxiliar o estudante de hipnose, omédico, o psicólogo e o odontólogo a atuarem clinicamente junto ao paciente. Minha meta foi escrever um livro razoavelmente compreensível, com capítulos de fácil memorização, sem ser exaustivo, mas que auxiliasse a execução da hipnose na prática diária.

    Em várias condições clínicas explicito muitas opções de fraseologias para seremtransmitidas ao paciente com o objetivo de proporcionar aos iniciantes modelos a partir dos quais eles possam desenvolver seus próprios estilos para cada condiçãoclínica, especificamente adaptados à realidade de cada paciente. Algumas vezes, a preferência é propiciar alternativas para que o estudante faça a sua escolha. Oespecialista experiente cria a fraseologia a partir da história clínica e dos aspectos psicológicos de cada paciente e vai desenvolvendo-a durante a hipnose de acordocom as respostas do próprio paciente.

     No Capítulo (8) sobre facilitar a hipnose, sugestionabilidade e suscetibilidade,

    há um enfoque com opiniões divergentes sobre a existência ou não de um estadoespecial denominado estado hipnótico ou estado de transe hipnótico ou condiçãohipnótica ou simplesmente hipnose.

     Nos Capítulos relacionados à hipnose para dormir bem (22), terapia por meio daauto-hipnose (25), hipnoterapia para permanecer afastado das bebidas alcoólicas(27), e técnicas de reprogramação mental para tornar-se e permanecer esbelto (29),há instruções detalhadas para elaboração de fita gravada ou disco compacto (CD),especialmente para o paciente que está diante de você. Muitas vezes, o tratamento pelahipnose é seguido com auto-hipnose, por meio de uma fita gravada personalizada,

    que o paciente recebe para executá-la diariamente em sua residência. Incluo ainda,nos Capítulos (4) e (27), considerações sobre aspectos da sugestão subliminar, cujas

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    12/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

     palavras e frases podem ser algumas vezes acrescentadas a uma fita gravada de forma artesanal com fraseologia hipnótica. Nos Capítulos (27) e (29) apresentoaspectos de como elaborar uma fita gravada com dupla voz.

     Meu contato inicial com a hipnose aconteceu durante minha primeira década devida, formalmente, quando assistia aos vários espetáculos de mágicos e ilusionistas

    que incluíam apresentações de hipnose nos seus programas. Aos 13 anos de idade,tínhamos nossa própria companhia, denominada Quarteto Mágico, que tambémincluía na apresentação números de hipnose e de mnemotecnia. Nessa época, 1958,tive a oportunidade de adquirir meu primeiro livro sobre hipnose, Hypnotism and thepower within,  escrito pelo médico australiano S.J. Van Pelt, e traduzido para oespanhol com o título VD. y el hipnotismo. Em 1961, fiz o Curso de Hipnotismo do Instituto Haim, de Porto Alegre, cujo grande mérito foi deixar-me totalmenteconfiante para sua prática. Em 1963, entrei para o curso médico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Durante os seis anos de graduação

    tive a oportunidade freqüente de exercitar a hipnose objetivando minorar osofrimento dos pacientes ou aumentar a capacidade de aprendizado para estudantesque iriam prestar o exame vestibular. Em 1969, tive a oportunidade de aprender eletroencefalografia no Departamento de Neurologia do Hospital de Clínicas daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, USP,o que favoreceu, posteriormente, a sua aplicação em alguns pacientes hipnotizados. Na década de 1970, durante os anos que passei no Instituto de Neurologia daUniversidade de Londres, no The National Hospital Queen Square, paralelamenteao estudo da neurologia, procurei conhecer as informações sobre hipnose médica

    que circulavam na Inglaterra.Os temas são apresentados de diferentes maneiras nos diversos capítulos,objetivando o mais fácil aprendizado, isto é, a assimilação de informações comraciocínio crítico para suas aplicações com sabedoria e criatividade, relacionada aoutros conhecimentos, possibilitando ao hipnólogo exercer sua especialidade comeficiência. Determinados assuntos e fraseologias reaparecem mais de uma vez naseqüência dos capítulos.

     A meta de Hipnose na Prática Clínica é proporcionar informações essenciais eorientar os procedimentos dos estudantes interessados pela hipnose diante dos pacientes, porém a melhor maneira para adquirir experiência no tratamento dos pacientes pela hipnose é praticando-a.

    Espero que a leitura de Hipnose na Prática Clínica  seja agradável, proveitosa, favoreça a criatividade, a prática e estimule a pesquisa.

    Curitiba, inverno de 2003

     Marlus Vinicius Costa Ferreira

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    13/785

     

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    1 Hipnose na Vida Diária, 12 Modelos Conceituais e Natureza da Hipnose, 7 3 Características do Paciente Hipnotizado, 47 

    4 Comunicação Sugestiva — Tipos de Sugestões, 655 Defesas, Medos e Conceitos Errados sobre a Hipnose, 1156  Aspectos da Comunicação Hipnólogo-Paciente-Hipnólogo, 1317  Preparação do Paciente para o Tratamento pela Hipnose, 1398 Facilitar a Hipnose, Sugestionabilidade e Suscetibilidade, 1619 Perguntas e Respostas Relacionadas com a Hipnose, 179

    10Efeitos Secundários Adversos e Complicações do Uso Clínico da Hipnose, 203

    11 Vamos Começar a Hipnose (Ajuste a Indução Hipnótica ao Paciente), 21312 Como Terminar a Consulta Deixando o Paciente Alerta, 25313 Respostas Motoras, Amnésia e Hipermnésia, 26114 Analgesia e Anestesia por Meio da Hipnose, 277 15 Dissociação, Ilusões, Alucinações e Distorção do Tempo, 30516  Como Relembrar e Revivificar (“Regressão de Idade”), 31317  Respostas Psicoplásicas, Ansiedade e Manejo de Algumas Condições Clínicas, 329

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    14/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    18 Reprogramação Mental para a Superaprendizagem, 34319 Hipnose para Aumentar a Autoconfiança e a Auto-estima,  36120 Hipnose para o Progresso Individual, 373

    21 Hipnose para Vencer a Depressão,  38322 Hipnose para Dormir, 40523 Hipnose no Tratamento da Enurese Noturna, Gagueira, Onicofagia, Chupar

    os Dedos, Sudorese Excessiva no Corpo e Rosto Corado,  427 

    24 Eliminar Fobias, 437 25 Terapia pela Auto-hipnose, 45126  Técnicas para Permanecer Longe do Tabagismo, 48927  Hipnoterapia para Permanecer Afastado das Bebidas Alcoólicas, 51928 Informações sobre Obesidade e como se Tornar e Permanecer Esbelto,  56329 Técnicas de Reprogramação Mental para Tornar-se e Permanecer Esbelto. Como

    Elaborar uma Fita Gravada ou um Disco Compacto (CD), 607 

    30 A Hipnose nos Transtornos de Estresse Pós-traumático, 64931 Usuário Patológico da Internet, 659

    32 Ser um Vencedor em Competições, 66533 Hipnose em Pacientes Hospitalizados, 67534 Aspectos da Hipnose em Odontologia, 69535 Técnicas de Psicoterapia com Hipnose (Hipnoterapia), 70336  Anexo A – Registro das Observações sobre o Paciente, 71537  Anexo B – Aprender a Estudar, a Fazer um Exame ou uma Prova, 721

    38 Anexo C – Hipnose para Dormir, 72539 Anexo D – Permanecer Respirando Ar Puro, 72940 Anexo E – Permanecer Afastado de Bebidas Alcoólicas, 73541 Anexo F – Tornar-se e Permanecer Esbelto, 73942 Anexo G – Superando o Diabetes Melito, 749

    Índice Remissivo, 757 

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    15/785

      

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    As manifestações da hipnose ocorrem navida diária sem que a maioria das pessoasperceba. Quando assistimos a um filme nocinema ou na televisão e estamos realmente

    gostando, nós nos emocionamos com as ce-nas do filme. Podemos rir, chorar, ficar re-voltados ou alegres com determinadas cenas.A freqüência cardíaca pode aumentar emdeterminadas seqüências do filme; em ou-tras pode ocorrer sudorese nas mãos, redu-ção do ritmo respiratório. Nesses momentosem que nossa atenção está focalizada nascenas (sugestões visuais, verbais, extraver-

    bais, subliminares), respondemos a elas se-gundo nossa imaginação, segundo o conteú-do das próprias cenas e segundo nossas ex-periências passadas (estamos hipnotizados).Durante essas cenas nosso juízo crítico dei-xa de analisar se estão passando 24 quadri-nhos por minuto na tela, ou se a resolução daimagem é de 240, 336, 425, 724 ou até 1.000linhas horizontais no monitor da TV de alta

    definição, ou se as cenas foram feitas comminiaturas dentro de um computador, ou se

    outras pessoas estão 

    conversando. Não fi-camos pensando que é apenas um conto, nósnos envolvemos com as cenas, sentimos ascenas com todos os nossos sentidos, e mui-

    tas vezes deixamos de ouvir ou de prestar aatenção num barulho estranho ao filme comoo som da campainha da nossa residência.

    Quando estamos interessados na leiturade um determinado livro, reagimos emocio-nalmente às descrições das situações inte-ressantes sem estarmos analisando critica-mente o tamanho das letras, a ortografia, fa-lhas na impressão ou se uma letra está com

    a impressão mais fina do que a outra. Dessemodo, limitamos a nossa atenção visual aoconteúdo do que estamos lendo e somos auto-hipnotizados. Quando estamos ouvindo comentusiasmo uma música de nossa preferên-cia, permanecemos sem analisar criticamentea afinação do cantor ou a performance daorquestra. Essencialmente, concentramos anossa atenção no som musical, permitindo

    que a música entre em nossa mente e emnosso corpo, e até podemos ser hipnotiza-

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    16/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    dos pela música, a qual pode nos fazer recor-dar de um acontecimento passado, ocorrendouma relembrança ou mesmo revivificação.

    Por outro lado, as manifestações da hip-nose apresentam-se como atos não do cons-

    ciente, mas sim do subconsciente, comoaquelas experiências que aprendemos nopassado e ficaram gravadas no nosso cére-bro, e no presente instante não estão consci-entes, mas que podem ser acessadas quandonecessitarmos. As manifestações da hipno-se podem também brotar das aferências ar-mazenadas no subconsciente, mesmo quetenham ido para o subconsciente aparente-

    mente sem a percepção e o criticismo doconsciente. Quando estamos dirigindo nos-so carro de casa para o trabalho, prestamosatenção consciente ao trânsito, contudo, adireção do carro é realizada em nível sub-consciente. Nós não ficamos conscientementeengatando as marchas e pisando no freio.Assim mesmo, enquanto dirigimos o veículoprestando atenção ao trânsito, uma série deestímulos chega ao nosso cérebro sem tornar-se consciente nesse exato momento e podeser armazenada em algum lugar do encéfalo.

    Quando uma pessoa está aprendendo adançar, presta atenção ao compasso musical,presta atenção na sua posição do corpo, olhapara os pés para saber onde irá posicioná-los. Enfim, procura seguir o professor ou oseu par. Essa fase pode ser comparada àssugestões que o médico formula ao paciente

    durante o tratamento pela hipnose. Posterior-mente, quando a pessoa já sabe dançar, sim-plesmente ouve a música, deixa-a entrar peloseu corpo e sai dançando automaticamente.Analogamente, corresponde ao tratamentobem-sucedido pela hipnose quando, porexemplo, o paciente reprogramou seu modode alimentar-se para tornar-se e permaneceresbelto; quando, por meio da hipnose, am-

    pliou sua capacidade de aprender e relembraro aprendido ou eliminou uma fobia.

    Desde o nascimento vamos acumulandoinformações e experiências com conteúdoemocional, algumas poucas estão no nossoconsciente no momento presente, mas a mai-oria está no disco rígido de nosso compu-

    tador mental, chamado encéfalo. Isto é, nanossa memória subconsciente que se arma-zena em vários locais no nosso encéfalo, es-pecialmente nas estruturas do hipocampo,para-hipocampo e sistema límbico ou talvezsimultaneamente em vários locais e circui-tos neurais do sistema nervoso central. Al-gumas dessas experiências armazenadas nosubconsciente com conteúdo emocional trau-

    mático para o consciente são mantidas nosubconsciente pelo senso crítico de nossoconsciente. Mas, mesmo do subconsciente,podem causar problemas para a nossa vidaconsciente. É possível que durante uma via-gem de turismo, uma paisagem visualizadaacesse algumas dessas experiências traumá-ticas, tornando-as conscientes, facilitando aresolução de problemas conscientes. Pormeio da hipnose podemos ter acesso direcio-nado para essas experiências armazenadas nosubconsciente, e podemos trazê-las para oconsciente com diversas técnicas de hipno-terapia como análise de sonhos, escrita auto-mática, relembrança e revivificação. Muitoembora essas experiências passadas possamnão brotar exatamente do mesmo modo comoaconteceram, as cargas emocionais associa-das a elas podem facilitar o tratamento.

    Durante uma conferência ou uma aula,quando o aluno se interessa pela matéria e oprofessor é habilidoso, o aluno permanececom sua atenção tão focalizada e limitadaao assunto (hipnotizado) que os ensinamen-tos são gravados no seu subconsciente e mes-mo no seu consciente. Ao terminar a confe-rência ou a aula, o aluno sai satisfeito comos ensinamentos compreendidos, sendo ca-

    paz de lembrá-los durante uma prova (res-postas positivas às sugestões de ensino). Al-

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    17/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    ternativamente, quando o professor é chato,fala baixinho e apenas lê os diapositivosprojetados, o aluno não se interessa pelamatéria e se distrai com qualquer coisa (nãohá focalização da atenção, nem hipnose), e,

    conseqüentemente, não há adequado apren-dizado. Muito provavelmente o aluno seráincapaz de lembrar durante uma prova, nempara o seu proveito durante a sua vida, o queesse professor tentou transmitir.

    Na vida cotidiana, uma mãe que ama seufilho, durante à noite dorme um sono pro-fundo, sem ser despertada pelo som da tele-visão, por trovões de uma tempestade, pelo

    bater de portas. Contudo, o choro do seu fi-lho acorda a mãe (há uma ligação emocio-nal entre as características do choro do filhoe a mãe). Comparativamente, durante a hip-nose o paciente está atento às sugestões ver-bais (palavras) ou não-verbais do hipnólogo,deixando de se importar com o que se passaem torno.

    Enquanto o presidente de uma empresaestá discursando numa reunião da diretoria,algumas vezes um diretor — muito embora,aparentemente, esteja ouvindo a exposiçãodo presidente — permanece durante todo otempo batendo ritmicamente com a ponta dopé direito sobre o tapete, sem perceber o queestá fazendo. O diretor está executando ummovimento automático. O seu pé e seu mem-bro inferior direito movimentam-se automa-ticamente, como que dissociados do restan-

    te do corpo.Num curso interativo de aperfeiçoamen-

    to destinado para funcionários já especia-lizados de uma firma, alguns deles encon-tram-se rabiscando o papel com uma caneta,embora estejam atentos ao desenvolvimen-to do curso. A mão desses funcionários apa-rentemente escreve automaticamente comose estivesse dissociada do corpo, como ocorre

    durante a técnica da escrita automática nahipnoterapia.

    Em Brasília, durante uma reunião do pre-sidente da República com os seus ministros,convocada para criar diretrizes para aumen-tar as exportações, o presidente comunicaenfaticamente ao ministro das Relações Ex-

    teriores que está concentrado nas palavrasdo chefe da nação, a necessidade de dizer atodos que o lema é exportar ou morrer. Oministro das Relações Exteriores aceita eacredita nessa idéia porque o seu objetivotambém é exportar cada vez mais. Ao sairda reunião, ao ser entrevistado por uma emis-sora de televisão, comunica a imprensa a fra-se de efeito “exportar ou morrer”. O mesmo

    ocorre quando um paciente atento às pala-vras do hipnólogo recebe uma sugestão pós-hipnótica que está de acordo com as suasidéias. Posteriormente, o paciente cumpriráa sugestão.

    O aprendizado das crianças é enorme-mente influenciado pela maneira como sãoensinadas, especialmente pelos pais e tam-bém pelos educadores. Frases repetidas cons-tantemente, como “você precisa comer, comatudo que está no seu prato”, geralmente as-sociadas às sugestões táteis e à sugestão pelaatitude dos pais, ficam gravadas no subcons-ciente da criança. Na idade adulta essasidéias podem desencadear uma vontade de-senfreada pela alimentação constante, faci-litando o desenvolvimento do excesso depeso e da obesidade. Muitas das dificulda-des na vida advêm do subconsciente estar

    armazenando informações erradas, negativase experiências de fracasso.

    Muitas sugestões indiretas ocorrem no co-tidiano e conduzem a respostas similares àsocorridas durante a hipnose formal. Quantasvezes estamos passeando num shoppingcenter  com o desejo de adquirir alguma peçapara o vestuário quando, passando pela frentede uma lanchonete, sentimos o odor do café

    (sugestão sensorial olfativa indireta) e somoslevados a entrar e saborear um cafezinho.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    18/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Uma sugestão direta aplicada na horacerta com palavras corretas e poderosas, comtom emocional adequado ao contexto, podefazer uma multidão mover-se imediatamen-te sem que as pessoas parem para raciocinar

    e optar pela melhor alternativa de compor-tamento. Isto ocorre quando num cinemadurante a exibição de um filme alguém gri-ta: “Fogo! Está pegando fogo!”

    Quantas vezes ao tirarmos uma roupa des-cobrimos que nos arranhamos num braço ounuma extremidade do corpo, sendo que nomomento do arranhão nada sentimos (está-vamos com a atenção concentrada em ou-

    tras coisas), estávamos anestesiados.Algumas vezes, quando estamos commuita vontade de comer algum alimento queapreciamos muito, como uma laranja, sim-plesmente imaginamos essa fruta e nosvisualizamos descascando a laranja e colo-cando um pedaço dentro da boca. Imedia-tamente começamos a salivar, sentimos naboca o gosto de laranja e percebemos o odordesta. Essas percepções sem objeto seriamcomo se estivéssemos facilitando o surgi-mento de alucinações visuais, olfativas egustativas.

    Na televisão, os anúncios de produtos eserviços são cuidadosamente preparados erepetidos várias vezes para influenciar aspessoas-alvo. Muitas vezes deixam de mos-trar os aspectos técnicos e operacionais paracriar um clima emocional de sucesso, rique-

    za e prazer que são associados à marca anun-ciada. A propaganda escolhe e associa asimagens do que está sendo anunciado compessoas adequadas, com tom de voz adequa-do, com música de fundo, e, algumas vezesincluindo sugestões subliminares, de modoa deixar o cliente em potencial com interes-se pelo produto (como que hipnotizado).

    Quantas vezes uma pessoa que usa ócu-

    los fica procurando seus óculos em várioslugares, e depois de algum tempo percebe

    que eles estão justamente no local que deve-riam estar, sobre seus olhos. A pessoa atéencontrá-los apresentava uma ilusão negati-va visual e tátil, pois não percebia pela visãonem pela sensibilidade tátil os óculos.

    A sensação ou sentido do tempo pode serpercebida de modo expandido ou concentra-do nos acontecimentos cotidianos. Por exem-plo, quando estamos assistindo a uma parti-da de futebol entre Coritiba e Atlético Para-naense, dois times que disputam o campeo-nato brasileiro. O primeiro está vencendo por2 x 1 e estamos nos 42 minutos do segundotempo. Os torcedores do Coritiba têm a sen-

    sação de que os três minutos finais demo-ram muito a passar, parecendo uma eterni-dade, isto é, têm sensação de tempo expan-dido. Por outro lado, os torcedores do Atlé-tico têm a sensação de que os mesmos trêsminutos finais passam muito rapidamente,parecendo passar num relâmpago, isto é, têma sensação de tempo concentrado. Durante ahipnose pode-se utilizar a sensação de ex-pansão do tempo para permitir que aconte-cimentos agradáveis “demorem” para pas-sar e o paciente possa curtir esse tempo dealegria, sucesso e felicidade. A sensação decontração do tempo é empregada para fazer“passar mais depressa” os acontecimentosdesagradáveis.

    Durante atividades muitas vezes cotidia-nas, as pessoas podem entrar em hipnose semque nenhuma sugestão verbal seja pronun-

    ciada: simplesmente dirigindo um veículonuma estrada com longas retas ou numa auto-estrada; outras vezes simplesmente assistin-do a um programa na televisão.

    Nos intervalos de um trabalho ou de umestudo, uma pessoa pode perceber e ouvirnitidamente uma música que aprecia muito,sem nenhum aparente estímulo externo; oupode ser estimulada pela imagem da capa de

    um CD deixado sobre a mesa, com o nomedessa música visível, a começar a escutar

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    19/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    essa música. Outra pessoa, estando em casadescansando, ocasionalmente ao ver uma fo-tografia tirada de uma festa que participoudurante as férias em um outro país, pode sercapaz de conseguir perceber vivamente as

    imagens dela na festa, dançando com deter-minada pessoa, como se tudo estivesse ocor-rendo neste momento. Uma pessoa cami-nhando na rua ao passar pele frente de umabanca que vende frutas pode sentir o gosto

    da fruta de sua preferência na boca, e inclu-sive salivar.

    A hipnose na vida diária ocorre mais fre-qüentemente do que imaginamos, e contribuipara a compreensão de que não é necessária

    a indução formal para obtermos a hipnose.No consultório do profissional médico,odontólogo ou psicólogo, faz-se a induçãoformal da hipnose para obtê-la no momentodesejado e com finalidades específicas.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    20/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    21/785

      

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    O conceito de hipnose e as tentativas paraexplicar o que exatamente ocorre durante ahipnose variam com o passar do tempo. Cadacultura tem usado a hipnose de uma forma ou

    de outra, e tem passado seus conhecimentosadiante para outras culturas. A base funda-mental da comunicação hipnótica é a suges-tão sob suas diferentes formas e diferentesaspectos. A prática do que hoje chamamoshipnose ou hipnotismo vem da mais remotaantigüidade. A evidência mais primitiva daexistência da hipnose foi encontrada entre osxamãs,1 que eram também referidos como

    “doutores bruxos”, “homens de medicina”, ou“curadores”. Os xamãs, que são quase sem-pre homens, usaram (e seus remanescentesainda usam) muitas técnicas de visualizaçãopara curar seus pacientes ou para amaldiçoarseus inimigos. Há ainda alguns remanescen-tes xamãs na África, Lappland, Havaí, ao lon-go do Alto Amazonas na América do Sul, nosprimitivos da Austrália e mesmo entre índios

    norte-americanos.2

      Para o antropólogoMichael Harner que pratica a cura xamânica

    desde 1961, e que recebeu o doutorado da Uni-versidade de Kerkeley, a palavra shaman, nalíngua original da tribo Tungus da Sibéria,refere-se a uma pessoa que faz a viagem para

    a realidade não ordinária, num estado altera-do de consciência.3 Para Mircea Eliade, xama-nismo é a técnica de êxtase.4 Os xamãs alcan-çavam o estado alterado de consciência devárias maneiras, incluindo cantos, sons pro-duzidos por tambores, movimentos do corpo,danças e plantas psicoativas.

    Há 2400 a.C. sacerdotes caldeus já eramtidos como capazes de transmitir fluidos por

    meio de passes, que colocavam em transe ossofredores.5 O hipnotismo foi a base das ciên-cias ocultas no antigo Egito, na Grécia e naÍndia. As manifestações da hipnose eramconsideradas como “milagres” com que osfeiticeiros, bruxos ou sacerdotes pagãos, di-zendo-se mensageiros dos deuses, empolga-vam o povo.6

    No antigo Egito, que absorveu os conhe-

    cimentos dos Caldeus, nos chamados tem-plos do sono, os enfermos eram pacientes de

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    22/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    sugestões terapêuticas e passes mágicos. Umpapiro dessa época (1552 a.C.), o papiro deTebas (onde hoje se localiza a cidade deLuxor) e, portanto, com mais de 3.550 anos,conta técnicas de hipnose muito semelhantes

    às empregadas atualmente.7 Esse papiro, des-coberto por Ebers e traduzido em 1860 porChabas, é o mais completo registro conheci-do da medicina egípcia, está na biblioteca daUniversidade de Leipzig. Um baixo-relevoencontrado num sarcófago de Tebas mostraum sacerdote em pleno ato de indução hipnó-tica de um paciente.5 Este baixo-relevo aindahoje pode ser visto no Museu Britânico, em

    Londres. Na Grécia no templo de Esculápio,o deus grego da medicina, os sacerdotes usa-vam processos semelhantes, invocando a pre-sença daquela divindade para colocar os do-entes em transe hipnótico. Na Índia, tambémsão conhecidas manifestações do hipnotismoque chegaram aos nossos dias pelos Yogas.

    No século X o persa, de origem árabe,Abu-Ali-Hussain Ben Abdallah Ibn-Sina(Avicena 980 a 1036),8  que era filósofo emédico, foi o verdadeiro precursor da refle-xologia pavloviana. Ele achava que a imagi-nação humana tinha poderes e forças, quepodiam atuar não só sobre o seu próprio corpo,como também sobre o funcionamento corpo-ral de outras pessoas.8 Avicena afirmava quepela palavra, pela vontade e pela persuasãomuitos padecimentos poderiam ser curados.

    No seu excelente livro Aplicações clíni-cas da sugestão e da hipnose  em 1958,William T. Heron dizia que “a hipnose é edeve ser considerada como um fenômenopsicológico natural, e o papel do hipnotistaé, simplesmente, o de um instrutor ou pro-fessor que auxilia o paciente a realizar o es-tado de hipnose”9 (p.51).

    A existência de muitas teorias indica quea natureza real da hipnose é desconhecida.

    Os modelos conceituais sobre a hipnose vãoaparecendo e modificando-se com a evolu-

    ção do mundo, e vão permitindo seu melhorentendimento e utilização. Na explanação dosmodelos conceituais, os anos mais importan-tes no desenvolvimento de cada teoria estãoseguindo o nome do autor.

    PRINCIPAIS MODELOS CONCEITUAISSOBRE A HIPNOSE E A SUA NATUREZA

    1. Tratamento pelo ímã (Paracelso)2. Magnetismo animal (Franz A. Mesmer)3. Sonambulismo artificial (Armand M.

    J. de Chastenet, Marquês de Puységur)

    4. Sono lúcido (José C. de Faria)5. Hipnotismo (James Braid)6. Sugestionabilidade aumentada (Esco-

    la de Nancy)7. Escola da Reflexologia (Ivan P. Pav-

    lov e sua escola)8. Comportamento dirigido (Robert W.

    White)9. Fenômeno psicossomático (Lewis R.

    Wolberg)10. Superconcentração da mente (Sydney

    J. Van Pelt)11. Exclusão psíquica relativa (Raphael

    H. Rhodes)12. Desempenho de um papel (Theodore

    R. Sarbin e William C. Coe)13. Estado emocional intensificado (Ga-

    lina Solovey e Anatol Milechnin)

    14. Regressão atávica (Ainslie Meares)15. Psicoplasia acrescentada pela concen-

    tração total da mente (Marcelo Lerner)16. Teoria da neodissociação (Ernest R.

    Hilgard)17. Teoria do controle dissociado (Ken-

    neth S. Bowers)18.Estado particular da mente (John

    Hartland)

    19. Estado de consentimento (David L.Scott)

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    23/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    20. Regressão psicológica topográfica(Michael R. Nash)

    21. Estado alterado de consciência (Char-les T. Tart e Erika Fromm)

    22. Comportamento cognitivo (Theodore

    X. Barber)23. Modelo sociocognitivo (Nicholas P.Spanos)

    24. Hipnose como obediência e crença(Graham F. Wagstaff)

    25. Teoria do aprendizado social (IrvingKirsch)

    26. Modelo social-psicobiológico (Éva I.Bányai)

    27. Relaxamento hipnótico (William E.

    Edmonston Jr.)28. Sistema de comunicação influencia-

    da (Michael D. Yapko)29. Abordagem interativa centrada no pa-

    ciente (Milton H. Erickson)30. Modelo integrado de hipnose (Steven

    J. Lynn e Judith W. Rhue)31. Perspectiva do ecossistema aplicada

    à hipnose (David P. Fourie)

    32. Hipnose como compromisso cogniti-vo motivado (Peter W. Sheehan)33. Paradigma multidimensional (Theo-

    dore X. Barber)

    TRATAMENTO PELO  ÍMà (PARACELSO —1529)

    Philippe Bombast von Hohenheim (Para-

    celso) era médico e filósofo suíço, viveu de1493 a 1541, e considerava que todos os se-res humanos estavam sobre a ação do influ-xo sideromagnético dos astros.5 Para ele,considerado o pai da medicina hermética, ocorpo humano se comportava como um ver-dadeiro ímã, que podia atrair o fluxo dosastros e absorvê-lo, bem como assimilar oueliminar os elementos terrestres. O pólo norte

    do corpo humano corresponderia aos pés e opólo sul aos genitais. Ele empregava mine-

    rais magnéticos para o tratamento das doen-ças e relatava várias curas. Em virtude dassuas idéias Paracelso foi perseguido, tendoque ir de uma cidade para a outra.

    MAGNETISMO ANIMAL (FRANZ A.MESMER — 1776, 1779)

    Franciscus Antonius Mesmer, conhecidocomo Franz Anton Mesmer nasceu em 23 demaio de 1734 em Iznang, junto ao lagoConstança, pertencente à Áustria, que em1805, por meio de um tratado, passou a fazer

    parte do território alemão.5, 8

     Mesmer fez es-tudos de filosofia, teologia e, em 1759, estu-dou jurisprudência. Depois fez o curso demedicina na universidade de Viena, forman-do-se com 32 anos de idade em 1766, com aapresentação da tese  Dissertatio Physico- Medica de Planetarum Influxu (DissertaçãoFísico-médica sobre a Influência dos Plane-tas). Sua tese considerava que um “fluido su-til” unia todos os corpos do universo, fazendocom que uns atuassem sobre os outros. Osastros, principalmente o sol e a lua, exerciaminfluência sobre os homens. O fluido emana-do pelos astros teria a capacidade de ser cap-tado e armazenado nos metais especiais, e pelasua analogia com as propriedades do ímã, foichamado de magnetismo animal. O padre je-suíta Maximillian Hehl (1720-1792), interes-sado em magnetismo, e astrônomo real para a

    corte da Áustria, tomou conhecimento da tesede Mesmer e fez alguns ímãs nas formas dosórgãos, que estavam destinados a curar.10 Opadre Hehl ou Hell como muitos grifam (queem alemão significa luz), conta isso ao seuamigo Mesmer, que pede ao padre para con-feccionar alguns ímãs e começa a fazer expe-riências conseguindo bons resultados. Inici-almente Mesmer usou placas imantadas

    condensadoras e condutoras de “fluido mag-nético” para a cura de pessoas. Mais tarde,

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    24/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Mesmer chegou à conclusão de que as pla-cas imantadas eram um intermediário inútil,porque o corpo humano sendo um depósitonatural do “fluido” seria o agente por exce-lência atuando sobre outros corpos. Em 1777

    tratou uma jovem de 18 anos de idade cha-mada Maria Thereza Paradis, pianista preco-ce, que havia subitamente perdido a visão des-de os três anos de idade, e já havia consultadoeminentes médicos da época. Mesmer, consi-derando a necessidade de um rapport   ade-quado, transferiu-a para a sua própria clínica.Com o tratamento a paciente começou a en-xergar, e Mesmer afirmou que ia levá-la para

    a Imperatriz (que era madrinha da paciente) afim de demonstrar a cura. Contudo, isso des-pertou a indignação da conservadora socie-dade médica vienense, que procurou os paisda paciente afirmando não acreditar que elaestava enxergando, e que se isso fosse verda-deiro ela perderia a pensão que recebia porser excelente pianista cega. Se voltasse a verseria simplesmente mais uma pianista. Dessemodo, convenceram os pais da paciente aentrar na clínica de Mesmer para retirá-la, àforça. Como resultado desse episódio MariaThereza teve uma recaída, perdeu novamen-te a visão e Mesmer foi convidado a encerrarsua prática médica ou deixar Viena. Mesmerfoi para Paris e, em fevereiro de 1778, insta-lou o consultório na Place Vendôme e lá idea-lizou um aparelho denominado “Baquet” (tina).O “Baquet” era uma caixa de madeira circu-

    lar, cheia de limalha de ferro. Sobre a limalhaestavam garrafas com água “magnetizada”,que se comunicavam entre si. Do interior dacaixa saíam hastes de ferro móveis as quaisos doentes aplicavam sobre a parte doente docorpo. Ao redor desse aparelho reuniam-seao mesmo tempo 130 pessoas na penumbra ecom fundo musical de órgão. Nessas condi-ções ideais de sugestão indireta, os doentes

    eram acometidos de “convulsões terapêuti-cas”. Na época de Mesmer os ímãs eram con-

    siderados um mistério, e muitos acreditavamque eles tinham grande poder. As pessoas daépoca acreditavam nos ímãs e estavam con-vencidas de que eles podiam produzir curas;logo resultados eram esperados e resultados

    eram produzidos. Mesmer publicou nova teseem 1779,  Mémoire sur la découvert dumagnétisme animal, modificando alguns con-ceitos sobre o magnetismo animal. Agora,Mesmer reconhecia no corpo humano proprie-dades semelhantes às do ímã, tendo tambémdois pólos opostos, e “a ação do fluido” oumagnetismo animal, entre uns e outros cor-pos animados e inanimados, sem a interven-

    ção de intermediários. O “fluido”, muito em-bora fosse universal, não existiria em igualintensidade em todos os corpos, e naquelesem que estivesse mal distribuído ou ausente,ocorreriam as doenças. A função do magneti-zador era fornecer o “fluido” necessário aoórgão afetado, favorecendo o equilíbrio maisharmônico do organismo. Em 1781 Mesmerconsiderou a importância da relação entre omagnetizador e o paciente, dizendo que omagnetismo “devia em primeiro lugar sertransmitido pelos sentimentos”.11 Em 1784seus adversários persuadiram o rei Luís XVIa nomear uma comissão constituída por cin-co membros da Academia de Ciências, qua-tro membros da Faculdade de Medicina e cin-co membros da Sociedade Real de Medicinada França, para analisar os trabalhos deMesmer. Essa comissão concluiu unanime-

    mente que as curas eram decorrentes da ima-ginação e da imitação. A comissão concluiuque a imaginação sem magnetização produ-zia as convulsões, e que o magnetismo semimaginação nada produzia.12,13 Como a ima-ginação não era aceita pelos estudos científi-cos da época, o magnetismo foi consideradosem valor para ser comentado ou uma fraudeproduzida por um charlatão. Um dos partici-

    pantes da comissão, o eminente botânicoAntoine Laurent de Jussieu, escreveu que os

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    25/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    efeitos positivos do magnetismo não haviamsido considerados e achou que a estimulaçãoda imaginação poderia ser terapêutica.14 Umcolega de Mesmer chamado Charles d’Eslonreagiu contra o relatório da comissão afirmando

    que a imaginação desempenha o maior papelnos efeitos do mesmerismo, e que as forçasda imaginação poderiam ser um agente realresponsável pela eficácia do magnetismo ani-mal.15 Com o resultado da comissão, a popu-laridade de Mesmer caiu bastante e ele partiupara a Inglaterra, depois para a Alemanha,voltando a Paris em 1801. Em 1803 foi paraFrauenfeld perto do lago Constança na Suíça.Em 5 de março de 1815 ele morre emMeersburg na Suíça.

    SONAMBULISMO ARTIFICIAL (MARQUÊSDE PUYSÉGUR — 1784)

    Um discípulo de Mesmer chamado Mar-quês Puységur (Armand Marie Jacques deChastenet) tratando separadamente um pa-

    ciente de 23 anos de idade de nome VictorRace, em 1784, observou que ao invés de omesmo apresentar convulsões como ocorriacom os pacientes de Mesmer, ele dormia tran-qüilamente e durante esse sono podia falar,responder ordens, e após ser acordado nãolembrava de nada.5,8 Então denominou esseestado de sonambulismo artificial por analogiaao sonambulismo do sono fisiológico. O Mar-quês de Puységur também enfatizou a idéiade que os fenômenos do magnetismo ocorri-am mais provavelmente em certas condições,que ele denominou “rapport  exclusivo” entreo hipnotista e a pessoa hipnotizada.

    SONO LÚCIDO (JOSÉ CUSTÓDIO DE FARIA— 1813)

    Um sacerdote português de nome JoséCustódio de Faria (1756-1819), nascido em

    Condolim de Bardez (Goa), Índia Portugue-sa, chegou em Paris por volta de 1813, e con-siderava que não podia haver influência deum “fluido” nas experiências do Marquês dePuységur. Para o abade Faria era a vontade

    do paciente que conduzia ao que chamavade “sono lúcido”.16  Faria foi o primeiro aafirmar que a vontade receptiva do pacientee o rapport  entre o paciente e o magnetizadordeterminavam a formação do processo decura.6

    Em 1826, Simon Mialle publicou um livrorelacionando grande variedade de desordensorgânicas e mentais, em ordem alfabética,

    nas quais o magnetismo animal havia sido em-pregado com êxito, e apresentando uma refe-rência à nomenclatura baseada no prefixohypn- que dá origem às palavras hipnose ehipnotismo.17 Essa terminologia já existia nosdicionários franceses.

    HIPNOTISMO (JAMES BRAID — 1843)

    Com James Braid (1795-1860), nascidoem Fifeshire na Escócia, adepto do ocultis-mo, médico oftalmologista e cirurgião deManchester, Inglaterra, apareceram os pri-meiros conceitos científicos sobre o hipno-tismo. Braid estava inclinado a juntar-seàqueles que consideravam o magnetismoanimal como sendo um sistema de coopera-ção secreta ilegal e prejudicial ou uma ilu-

    são, ou de imaginação exaltada, simpatia ouimitação.18 Ele foi assistir pela primeira vezàs demonstrações de Lafontaine no dia 13de novembro de 1841 e saiu com a mesmaimpressão que entrou. Contudo, assistiu auma segunda demonstração seis dias depoise o fato de o indivíduo não poder abrir aspálpebras lhe chamou a atenção.18  Braidachou que aí estava a causa do fenômeno, e

    ao voltar para casa fez experiências com asua esposa, um amigo e um criado.8,10,17,18

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    26/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Pediu para que olhassem fixamente um de-terminado ponto brilhante até que seus olhosse entregassem extenuados ao repouso. Apartir desse momento teve em suas mãosessas pessoas “magnetizadas”. As primeiras

    conclusões de James Braid foram: (a) o fenô-meno do mesmerismo era puramente subje-tivo e não dependia de qualquer poder má-gico, de nenhuma influência astral, de qual-quer fluido mineral ou animal, nem sequerde qualquer influência da pessoa do opera-dor; (b) esses fenômenos deviam-se exclu-sivamente à natureza física, mecânica e fun-cional, produzindo alterações nos órgãos dos

    sentidos, especialmente na visão, levando aum esgotamento do centro visual pela esti-mulação continuada e monótona; (c) intro-duziu o método de indução da fixação doolhar, que ainda hoje pode ser utilizado, comou sem modificações.

    Em 1843 Braid publica Neurypnology or the rationale of nervous sleep no qual apa-rece a primeira terminologia sobre o hipno-tismo.18 Ele achava que o fenômeno era de-vido a um tipo de sono nervoso e por istoaplicou a palavra “Hipnose”. Muito emboracom James Braid a palavra hipnotismo te-nha ficado consagrada, foi o francês EtienneFelix d’Henin de Cuvillers,19 que aplicou 20anos antes o prefixo hypn- para uma varie-dade de palavras descritivas do processo deMesmer.

    Mais tarde, Braid percebeu que a indução

    da hipnose dependia da contribuição pessoaldo paciente, da sua concentração mentalnuma idéia ou numa vontade, ou seja, de-pendia do domínio de sua atenção. E aindaBraid afirmava que uma vez obtida a hipno-se poder-se-ia facilmente plantar idéias evontades no cérebro do paciente. A anestesiaobtida sob hipnose era devida a uma inibi-ção de uma parte do cérebro do paciente.

    Braid também achava que existiam acentua-das diferenças no grau suscetibilidade de

    diferentes indivíduos à influência hipnótica,muitos tornando-se rápida e intensamenteafetados e outros lenta e discretamente afe-tados. Em 1847 descobriu que os fenômenosdo hipnotismo, como catalepsia, anestesia e

    amnésia e poderiam ser produzidos sem anecessidade de a pessoa dormir.

    Em abril de 1843 outro médico escocês,John Elliotson, professor de cirurgia da Uni-versidade de Londres, criou o primeiro jor-nal para artigos de mesmerismo (hipnose) efisiologia cerebral denominado  Zoist ,5,8,10

    publicado trimestralmente até 31 de dezem-bro de 1855.

    Em 1891 a Associação Médica Britânicadesignou uma comissão para investigar a na-tureza do fenômeno hipnótico, seu valorcomo agente terapêutico e suas indicações.O relatório da comissão foi apresentado em1892, destacando: (a) estavam convencidosdos fenômenos hipnóticos; (b) o termo, hip-notismo, não traduz bem a natureza do fenô-meno, já que este é diferente do sono fisio-lógico; (c) a hipnose é um eficaz agenteterapêutico no alívio de dores, no tratamen-to da embriaguez e na possibilidade de rea-lização de atos cirúrgicos; (d) a hipnose deveser usada exclusivamente por médicos parafins terapêuticos, somente em pacientes dosexo masculino e quando em mulheres, ape-nas na presença de familiares ou de pessoasdo mesmo sexo; (e) condena veementemen-te quaisquer exibições recreativas, popula-

    res e teatrais de hipnotismo.

    SUGESTIONABILIDADE AUMENTADA(ESCOLA DE NANCY — 1854-1890)(AMBROISE A. LIÉBEAULT E HIPPOLYTEBERNHEIM)

    Os conceitos a seguir expostos foram de-

    senvolvidos pela escola de Nancy, pelo gru-po liderado pelo médico rural Ambroise

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    27/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Auguste Liébeault (1823-1904), que utilizavaa fixação do olhar associada à sugestão ver-bal, e pelo neurologista, professor da Univer-sidade de Nancy, Hippolyte Bernheim (1840-1919). O primeiro livro científico sobre hipno-

    se, De la sugestion et de ses applications ala therapeutique20 foi escrito por Bernheim,em 1886. A sugestionabilidade segundoBernheim é a aptidão do cérebro de receberou evocar idéias e sua tendência a realizá-lasou transformá-las em atos. Toda a idéiasugerida tende a se transformar em ato, ou,dito fisiologicamente, todo neurônio acionadopor uma idéia transmite impulsos para as fi-

    bras nervosas eferentes, as quais conduzemos impulsos para os órgãos que devem efetuaro ato. Denominou-se isso lei do ideodinamis-mo. Bernheim também afirmou que qualquerfenômeno hipnótico poderia ser produzido pelasugestão em vigília. Na época dessa teoria,Bramwell considerava cinco os pontos princi-pais:21 (1) Nada diferencia o sono natural dosono artificial. (2) Os fenômenos hipnóticossão análogos à maioria dos atos normais auto-máticos, involuntários e inconscientes. (3) Umaidéia tem tendência a gerar uma realidade. (4)Na hipnose a tendência de aceitar as suges-tões é algumas vezes aumentada pela açãoprópria da sugestão. (5) O resultado da su-gestão na hipnose é análogo ao resultado dasugestão no estado normal.

    Por volta de 1875 o neurologista JeanMartin Charcot (1825-1935), que tratava pa-

    cientes histéricos no hospital dela Salpêtrièreem Paris, deduzia que a hipnose era umamanifestação histérica. E, ainda, que a hip-nose era obtida essencialmente por meiosfísicos, dando mínimo ou nenhum valor àsugestão. É óbvio que foram dois enormeserros desse famoso neurologista, que, segun-do a história, nunca teria hipnotizado nin-guém porque seus pacientes histéricos eram

    preparados pelos seus assistentes. É de au-toria de Charcot, em 1878, a teoria de três

    estágios hipnóticos, sempre relacionados comos pacientes com transtorno de conversão:6

    (1) Catalepsia, produzida pela fixação doolhar do paciente num foco luminoso forte,ou pela súbita produção de um som como o

    de um gongo ou diapasão. Na catalepsia,havia rigidez nos membros que permaneci-am na posição colocada pelo médico. Osolhos estavam abertos. (2) Letargia, obtidapelo fechamento dos olhos do paciente oupelo apagamento do foco luminoso. Na le-targia havia surdez, mudez e hiperexcitaçãoneuromuscular. (3) Sonambulismo, obtidopela simples pressão ou fricção no alto da

    cabeça. A hiperexcitabilidade tornava-secutânea. Segundo Schnek22 os estádios des-critos por Charcot não são inerentes à hip-nose, nem há métodos específicos pelos quaispossam ser produzidos.

    As observações da escola de Nancy, reu-nidas por Nicolas, incluem:23

    1. Jamais observaram os três estados, le-targia, catalepsia e sonambulismo. A hipno-se é a mesma quer com pacientes histéricosquer com outros pacientes. As três fasesmencionadas não existem nem mesmo compacientes histéricos.

    2. A histeria não é um bom terreno paraestudar o hipnotismo. Muitos dos sintomas“histeriformes” (chamados hoje de conver-são ou dissociativos), de origem emotiva ouresultantes de auto-sugestão, misturam-seaos fenômenos hipnóticos e para um obser-

    vador inexperiente é difícil de separar.3. O estado hipnótico não é uma neurose.

    Os fenômenos que ocorrem na hipnose sãonaturais e psicológicos, podendo ser obtidosem muitas pessoas durante o sono natural.

    4. Todos os procedimentos de hipnotiza-ção se resumem na sugestão, e a sugestão éa chave de todos os fenômenos hipnóticos.

    A escola de Paris ou tão-somente chama-

    da Escola da Salpêtrière, da qual faziam partenomes como Babinski, Binet, Fere, Jean Janet,

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    28/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Richet, Gilles de la Tourete, com relação à hip-nose jamais prosperou. Durante o II Congres-so Internacional de Psicologia realizado emParis, Sidgwick, o presidente na seção de aber-tura, reconhecia publicamente a vitória da es-

    cola de Nancy.24 A Escola de Nancy expan-diu-se e ficou mais fortalecida com nomescomo Emil Coué (1857-1926), um farmacêu-tico que se tornou célebre com seu método deauto-sugestão consciente,25 e sua célebre frase“A cada dia, sob todos os aspectos, vou cadavez melhor”. Para Coué não é a sugestão que ohipnotizador faz que realiza alguma coisa, é asugestão que é aceita pela mente da pessoa.

    Bernheim numa palestra proferida naUniversidade de Nancy em 12 de dezembrode 1906 descreve três estágios mais impor-tantes na história da hipnose até então. Oprimeiro estágio, magnetismo animal elabo-rado por Mesmer; o segundo, sono hipnóti-co ou hipnotismo devido a Braid; o terceiro,a teoria da sugestionalidade de Liebeault.

    ESCOLA DA REFLEXOLOGIA (IVAN P.PAVLOV E SUA ESCOLA — 1901,1904)

    A doutrina da inibição e excitação corticalpara Ivan Petrovich Pavlov (1849-1935) regea atividade nervosa superior dos animais edos seres humanos e foi baseada em estudosde neurofisiologia com cães. Ele começou atrabalhar com os reflexos condicionados26

    em 1901. As teorias de Pavlov sobre o hip-notismo originaram-se de seus experimen-tos com cães publicado no trabalho Sobre a fisiologia no estado hipnótico do cão. Em1904 Pavlov usou pela primeira vez os ter-mos reflexos incondicionados e reflexos con-dicionados.27  O reflexo incondicionado éuma ligação nervosa permanente, entre umexcitante determinado, imutável e uma açãobem definida do organismo. É um reflexoinato, estável, imutável, característico da es-

    pécie, que alguns estudiosos denominam ins-tintos. Os reflexos condicionados são adqui-ridos, temporários, ocasionais e constituemuma característica do indivíduo, não da es-pécie. Para o aparecimento do reflexo con-

    dicionado é necessário que o excitante indi-ferente preceda sempre o estímulo absoluto,que haja coexistência de tempo entre os agen-tes absoluto e o indiferente, que a ação sejareforçada, e no momento do estabelecimen-to do reflexo condicionado não haja nenhumoutro estímulo indiferente. Os reflexos con-dicionados são responsáveis pela adaptaçãodo indivíduo ao seu meio ambiente.

    Os estímulos podem ser exteroceptivos,

    isto é, originados no meio ambiente (som, luz,cheiro, pressão etc.), ou interoceptivos quan-do originados dentro do próprio organismo.Os estímulos são recebidos pelos receptores.Pavlov introduz o conceito de analisador parasignificar o conjunto formado pelo receptor,vias aferentes e conexões centrais. Ele consi-derava que a atividade nervosa superior ba-seava-se em dois sistemas de sinalização: (1)

    O primeiro sistema representado pelos refle-xos condicionados. São os sinais que con-dicionam respostas absolutas. (2) O segundosistema representado pelos conceitos conti-dos nas palavras. A palavra contém um estí-mulo sonoro (primeiro sistema de sinalização)e um conteúdo de idéias e imagens (segundosistema de sinalização). Nos seres humanos,os reflexos condicionados podem ser estabe-lecidos a partir de um som, como também a

    partir do conteúdo (mensagem) da palavra.Nós podemos considerar não somente o con-teúdo da palavra como representando o se-gundo sistema de sinalização, mas tambémestímulos táteis, térmicos, dolorosos, olfati-vos, gustativos, cinestésicos, labirínticos,interoceptivos, independentemente da respos-ta condicionada da sensação tátil, da sensa-ção de calor ou de frio, da sensação dolorosa

    etc., podem transportar um conteúdo (mensa-gem) específico para cada indivíduo. O me-

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    29/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    canismo do sono fisiológico para a escolapavloviana é devido à inibição cortical, quese propaga para centros do sono localizadosmais profundamente. O sono fisiológico se-ria produzido pela soma de estímulos débeis,

    monótonos, atuando durante um certo perío-do de tempo, produzindo sobrecarga dos pro-cessos (e vias) inibitórios levando ao espa-lhamento da inibição. Poderia também serproduzido por estímulos extremamente for-tes, que ocasionariam uma inibição corticalpela sobrecarga dos processos (e vias) ex-citatórios. Pavlov, já na sua época, presumiaque os processos de excitação e de inibição

    dependessem de substâncias químicas dife-rentes (os neurotransmissores de hoje). Asdiferentes funções do córtex cerebral são ca-racterizadas por diferentes graus de excita-ção e inibição em várias áreas, formando oque Pavlov denominou mosaico cerebral.

    O que ocorreria durante a hipnose segundoos conceitos da escola pavloviana? Há um focoexcitatório inicial no córtex cerebral, que podeestar relacionado com as áreas: auditiva, visu-al, tátil ou cinestésica, dependendo dos estímu-los usados. Com predominância de estímulosauditivos, e pedindo ao paciente para que abrae feche os olhos para produção de fadiga dosmúsculos palpebrais, o arco reflexo condicio-nado seria assim formado: Os analisadores au-ditivos →  a área cortical auditiva →  zonamotora oculopalpebral subcortical→ músculospalpebrais. O estímulo indiferente a condicio-

    nar é, no caso, a palavra; o estímulo incondi-cionado é, no caso, o exercício muscular. En-tão a palavra débil, monótona, repetida produza formação de um foco de excitação no córtexcerebral e a simultaneidade do estímulo indi-ferente e do absoluto estabelece o primeiro arcoreflexo temporário no cérebro.26 O foco inicialé reforçado pela repetição. O foco inicial espa-lha essa excitação para todo o córtex cerebral.

    Essa excitação provoca uma onda inibitória re-flexa de todos os pontos dirigida ao foco inici-

    al de excitação, tentando bloqueá-lo por meiode uma zona envolvente inibitória ativa. Essainibição agora se espalha para todo o córtex. Ofoco auditivo irradia a inibição pelo fenômenoda indução negativa, quanto mais excitado seja

    ele, maior a intensidade da inibição que deleparte. Contudo, continua em estado vígil pelaexcitação constante (estimulação com as pala-vras). Com a estimulação auditiva, agora opaciente está preparado para receber a sinali-zação para resposta oculopalpebral desejada,isto é, a fadiga. Ao afirmarmos que as pálpe-bras estão cansadas, pesadas etc. seus olhosfecham-se. Pelo foco auditivo o paciente ouve

    as nossas palavras e estabelece-se um novo pon-to de inibição cortical (centro da percepção sen-sorial da visão). Como o analisador visual tam-bém foi cercado pelo segundo sistema de sina-lização (o conteúdo da palavra, a imagem), cria-se, em torno do centro sensorial da visão, umsegundo foco de inibição. Deste foco tambémse espalha a onda inibitória que, independen-temente da onda inibitória auditiva, tende a es-palhar-se pelo córtex cerebral. Agora são doisfocos de inibição que se espalham pelo córtex.O hipnólogo deve multiplicar os focos de ini-bição, e isso pode ser feito pela utilização deestímulos variados. Contudo, o paciente per-manece ligado ao hipnólogo pelo foco auditi-vo que agora vamos denominar foco vígil, quepermite a maior parte da comunicação dohipnólogo com o paciente.

    Para a escola pavloviana a hipnose está

    associada a uma inibição da atividade refle-xa condicionada, que se espalha através docórtex cerebral, muda a interação dos siste-mas de sinalização, inibindo o segundo sis-tema de sinalização. Esta inibição diminui ocontrole do segundo sistema de sinalizaçãosobre o primeiro. Isso facilita a memória deevocação para fatos do passado e para ima-gens visuais. Essa inibição do córtex propor-

    ciona um aumento da excitação de focos es-timulados pela sugestão.26

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    30/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Existem objeções à teoria de Pavlov sobrea hipnose. A teoria afirma que a hipnose seriauma inibição difusa cortical com a presençade um ponto vígil. Na realidade, transmitindosugestões sensoriais verbais, extraverbais, não-

    verbais, sugestões táteis, sugestões de imagensvisuais, forçosamente haveria mais de um pontovígil. Segundo menciona Lerner, um indiví-duo desperto fazendo uma complicada contamatemática ou pronunciando uma conferên-cia, dificilmente teria um estado difuso cu-mulativo de inibição cortical, senão mais pro-vavelmente predomínio de processos de ex-citação cerebral.28 Como explicar que o mes-

    mo indivíduo em hipnose profunda seja ca-paz de fazer uma operação matemática com-plicada ou ministrar uma conferência (proces-sos que exigem elevada excitação cortical),tendo um estado de inibição difusa cumulati-va cortical, com a preservação de um pontovigente, e logo acorde com absoluta amné-sia? Haveria necessidade de aceitar que tudofoi possível apenas por meio do ponto vígil,apesar de toda a inibição cortical?

    COMPORTAMENTO DIRIGIDO (ROBERT W.WHITE — 1941)

    A teoria do comportamento dirigido29

    (goal-directed-behavior ) foi exposta porWhite em 1941. Define o comportamento hip-nótico como um esforço dirigido, cujo obje-

    tivo principal é levar a pessoa hipnotizada acomportar-se do modo como é continuamen-te definido pelo operador e entendido por elamesma. A conduta apresentada pelo pacientehipnotizado nada mais é do que um esforçodirigido pelo mesmo, com a finalidade de com-portar-se conforme ele julga que deva atuarum indivíduo hipnotizado. Este autor acredita-va que as respostas hipnóticas envolviam um

    estado alterado de consciência, mas o que de-terminava as respostas eram as expectativas

    implícitas do indivíduo, guiadas pelo esforçode apresentar a eles mesmos o que eles acre-ditavam que o hipnólogo estava esperando. Asrespostas hipnóticas são muito complexas paraserem consideradas como resultado automá-

    tico das sugestões. O comportamento hipnó-tico era motivado, objetivo-dirigido, relaciona-do com a interpretação da sugestão pelo pró-prio indivíduo e interpessoal.

    FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO (LEWIS R.WOLBERG — 1948)

    Wolberg acha que o transe não pode serexplicado quer em bases psicológicas, querem bases fisiológicas exclusivas.30 O transeé uma reação psicossomática complexa queabrange tanto elementos psicológicos comofisiológicos. Fisiologicamente há um proces-so inibitório que parece estender-se aos cen-tros corticais resultando numa diminuição dasensação de realidade, alterações na cons-ciência das sensações, das imagens e docorpo, e também uma liberação das açõesmotoras. Psicologicamente cada pessoa éindividual para experimentar as experiênciashipnóticas internas. Essa experiência inter-na pode depender da comunicação do hip-nólogo com a pessoa e vice-versa, do signi-ficado simbólico da experiência hipnóticapara a pessoa durante a indução do transe.

    SUPERCONCENTRAÇÃO DA MENTE(SYDNEY J. VAN PELT — 1949)

    Para este especialista em hipnose médi-ca, nascido na Austrália, que exerceu a me-dicina em Londres, a hipnose seria uma su-perconcentração da mente31 (1949). No es-tado comum a mente se ocupa com muitas

    impressões diferentes de modo que o seupoder fica disperso. Durante a hipnose a

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    31/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    mente concentra-se num grau muito maiselevado do que no estado comum. Van Peltintroduz a terminologia, “unidade de podermental”, sem defini-la. No estado comum,somente poucas “unidades de poder mental”

    estão afetadas pela sugestão e, portanto, o efei-to é fraco. Durante a hipnose as “unidades depoder mental” são concentradas e todas afe-tadas pela sugestão, portanto o efeito é forte.Após a hipnose as “unidades de poder men-tal” dispersas agora estão carregadas de umadose de sugestão. A capacidade da hipnosereside no paciente, o hipnólogo possui so-mente o conhecimento técnico para manipu-

    lá-lo. Contudo, o próprio S. J. Van Pelt em1956 afirma que “aún cuando ningún doctor, psiquíatra u hombre de ciencia de alguna

    importancia en el mundo arriesgaría hoy día

    su reputación negando la existencia del hip-

    notismo y la realidad de sus fenómenos, nadie

     puede decir exactamente qué es”10 (p. 33).*

    EXCLUSÃO PSÍQUICA RELATIVA(RAPHAEL H. RHODES — 1950)

    Cada indivíduo possui duas mentes: a men-te subjetiva e a mente objetiva.32 A menteobjetiva é capaz de raciocínio tanto indutivo(dadas as diversas particularidades, chega-se a uma generalização) como dedutivo (dadauma generalização, chega-se às particulari-dades); embora seja impossível considerar

    qualquer coisa como uma “particularidade”ou uma “generalização”, porque cada gene-ralização pode ser considerada com umaparticularidade sob certas circunstâncias.Contudo, isso não invalida os processos in-

    dutivos e dedutivos. A mente objetiva con-trola os sentidos: audição, visão, gustação,tato, cinestesia e olfato. A mente subjetivasó é capaz de raciocinar dedutivamente. Amente subjetiva controla a memória. Em cada

    indivíduo essas duas mentes estão em esta-do de equilíbrio mútuo, como se fossem osdois extremos de uma balança. O predomí-nio da atividade de uma delas exclui relativae concomitantemente os processos da outra.Quando uma mente se evidencia, a outra re-trocede. Como a mente subjetiva raciocinaapenas dedutivamente, ela aceita como ver-dadeira qualquer generalização que lhe seja

    apresentada, porque sendo incapaz do racio-cínio indutivo, não tem como contestar a ge-neralização. O modo de combater uma gene-ralização é chegar a uma generalização con-trária com base em particularidades obser-vadas, mas isso implica o processo indutivo.Quando uma das mentes predomina, reduzem grau concomitante a outra mente e, porisso, o nome de exclusão psíquica relativa.

    Rhodes propôs que essa é a mais amplaexplicação para todos os fenômenos psico-lógicos manifestados por indivíduos quan-do em vigília, em sono ou em hipnose.32 Navigília a mente objetiva predomina e a pes-soa é capaz de raciocínio indutivo e deduti-vo, enquanto a mente subjetiva com menorpredomínio apresenta-se ainda suficiente-mente ativa para as funções de memória.Durante o sono predomina a mente subjeti-

    va e há redução da mente objetiva. Durantea hipnose o hipnólogo induz a menteobjetiva do paciente a retroceder, deixandopredominar a mente subjetiva. A mente sub- jetiva predomina, mas diferentemente dosono, aqui ela predomina de certo modoorientada pela comunicação do hipnólogocom o paciente, quer seja verbal, extra-verbal ou não-verbal. Na auto-hipnose, a

    mente subjetiva é orientada pela mente ob- jetiva do próprio indivíduo.

    * “Ainda que nenhum médico, psiquiatra, homem deciência de alguma importância no mundo, arriscassehoje em dia sua reputação, negando a existência do

    hipnotismo e a realidade dos seus fenômenos, ninguémpode dizer exatamente o que é”. (Tradução do autor.)

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    32/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    Rhodes considera a hipnose “como umacondição em que se consumou uma troca nasposições relativas das mentes subjetiva e ob- jetiva, em que a subjetiva foi posta em evidên-cia na expectativa de ser controlada pelo

    hipnotizador ou pela mente objetiva em reces-so”32 (p.31). A amplitude do controle hipnóticoestá limitada pelo grau de desativação da menteobjetiva do paciente. Quanto maior a desati-vação, tanto menor o controle hipnótico. Emvirtude do poder de atuação da mente subjeti-va do paciente, em termos gerais, um pacien-te não executaria durante a hipnose qualquersugestão que fosse contrária aos seus instin-

    tos básicos e a sua ética. O próprio autor afir-ma a validade da teoria diante da existênciade uma só mente, apresentando dois fatoresdistintos, um fator subjetivo e um fator objetivo.

    DESEMPENHO DE UM PAPEL (THEODORER. SARBIN — 1950, 1956, 1972 EWILLIAM C. COE — 1972, 1991)

    Partindo da teoria do comportamento di-rigido, Sarbin considera a hipnose como umaforma especial de comportamento sociopsi-cológico conhecida como “desempenho deum papel”.33  O indivíduo esforça-se paradesempenhar o papel de uma pessoa hipno-tizada. O sucesso desse esforço depende depelo menos três fatores:34 (a) Motivação fa-vorável onde o papel a desempenhar e asconvicções próprias não sejam incongruen-

    tes. (b) Exatidão da percepção do papel. (c)Aptidões motoras e imaginativas para desem-penhar o papel. Depois foram identificadasseis variáveis que influenciam a qualidadeda representação hipnótica:35 (a) Expectati-vas do papel do indivíduo. (b) Acurácia dalocalização do eu do indivíduo na miniaturada estrutura social. (c) Habilidades motorase de imaginação. (d) Exigências do papel ge-

    radas pelas características específicas da si-tuação clínica ou experimental. (e) Congruên-

    cia do papel hipnótico com as autoconcepçõesdo indivíduo, posteriormente modificada34 paracongruência da performance do papel hipnó-tico com a seqüência da autonarrativa do indi-víduo. (f) As propriedades de dirigir e de re-

    forçar a audiência do indivíduo.Estudos comparativos entre pacientes que

    são instruídos para se comportar “como seestivessem hipnotizados”, e pacientes quesão formalmente hipnotizados, mostra quequando misturados num grupo único e espe-cialistas em hipnose sejam desafiados a afir-mar quais pacientes estão hipnotizados equais pacientes não estão verdadeiramente

    hipnotizados, os pacientes que apenas de-sempenhavam o papel de hipnotizados po-dem confundir os especialistas. Os autoresdesta teoria destacam alguns pontos: (a) Pa-pel das expectativas como sendo as coleçõesde crenças, probabilidades subjetivas, peda-ços de conhecimento que especificam condu-tas apropriadas para uma pessoa ocupandouma particular posição. O indivíduo represen-tante traz consigo expectativas preconcebidassobre como as pessoas hipnotizadas agem,além do hipnólogo proporcionar mais expec-tativas durante a hipnose. (b) O consultóriodo profissional ou o laboratório do experimen-tador é o palco, local da situação hipnótica. Asituação hipnótica depende da habilidade dosdois atores, hipnólogo e paciente, em usar einterpretar metáforas amplificadas.

    Em 1972 Sarbin e Coe expuseram a teoria

    da hipnose em termos dramatúrgicos a partirda teoria do desempenho de um papel.36 Nomodelo dramatúrgico da hipnose a preparaçãodo paciente corresponde à preparação do pa-pel que o paciente irá desempenhar. Acongruência do paciente com o papel se esta-belece pela eliminação das defesas, medos econceitos errados sobre a hipnose e pela cria-ção de expectativas positivas. A indução

    corresponde à colocação do paciente no palco,isto é, na poltrona reclinável, com a diminuição

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    33/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    da luminosidade do ambiente e com a modifi-cação da maneira como o hipnólogo expressaas sugestões capazes de criar as expectativaspositivas no paciente. A interpretação das su-gestões pelo paciente é a representação do

    papel no palco (consultório do especialista). Arepresentação do papel é involuntária no sen-tido de que é realizada sem atenção, mas nãosem intenção. Neste sentido a experiência não-voluntária é construída por quatro aspectos:37

    (a) Intensificação do controle verbal. (b) Con-dução da atenção. (c) Rotulação da experiên-cia particular. (d) Apresentação das ações comoocorrências. Em Alvarez há uma explanação

    desta teoria da hipnose em termos teatrais.38

    ESTADO EMOCIONAL INTENSIFICADO(GALINA SOLOVEY E ANATOLMILECHNIN — 1957)

    O estado hipnótico num sentido mais am-plo não é mais do que um estado emocionalintensificado.39 Toda emoção ao alcançarcerto nível de intensidade ocasiona determi-nadas particularidades psicofisiológicas que,por sua vez, provocam determinados fenô-menos de conduta. Esses aspectos da con-duta se correlacionam com aspectos hipnóti-cos, sendo independentes se a emoção é es-pontânea ou deliberadamente provocada.Os autores diferenciam dois tipos de emo-ções: estabilizadoras e perturbadoras. A re-

    lação interpessoal na qual se suscitam essestipos de estados emocionais básicos é de-nominada relação interpessoal hipnóticaprincipal, que é complementada pelas rela-ções interpessoais hipnóticas secundárias. Arelação interpessoal hipnótica principal éconstituída por relações hipnóticas constan-temente reativadas, como a do filho e seuspais, do aluno e do mestre. As relações hip-

    nóticas interpessoais secundárias são as quese mantêm por pouco tempo. O conceito de

    estado hipnótico é generalizado para as rela-ções comuns da vida diária. A indução hip-nótica seria a intensificação de um estadoemocional de qualquer tipo ou matiz. A es-sência do estado hipnótico adulto é um pro-

    cesso de emoção intensificada, consistindonuma retrogressão aos mecanismos psicoló-gicos da primeira infância, o qual criaria ascondições favoráveis para aceitar e experi-mentar aquelas fantasias que são inerentes àpsicologia da criança. A sugestionabilidade éa motivação da criança para aceitar proposi-ções verbais ou extraverbais e cumprir asexigências de seus pais quando estes fazem

    carícias, no momento que a criança necessitadestas, ou assumem uma atitude autoritária.Holland Jr. propõe ser o estado hipnótico

    um estado emocional intensificado. Ele achaconveniente distinguir transe hipnótico (ouestado hipnótico no sentido estrito) da hip-nose em geral, sendo a hipnose o fenômenoreal e básico, e o transe hipnótico uma secçãoconceitual, artificial e convencionada taci-tamente entre hipnotizador e hipnotizado, do“todo” constituído pela relação hipnóticaglobal.40 Esse autor pretende que se chametranse hipnótico “aquela parte do conjuntototal de inter-relações que começa por umsinal convencionado tácita e conjunturalmen-te (fechamento dos olhos, levantamento au-tomático da mão etc.), continua-se por umaseqüência de outros acontecimentos, duran-te os quais a atuação do designado hipnoti-

    zado é, geralmente, passiva (permanecendorelaxado, vivendo sonhos espontâneos ou in-duzidos por sugestão ou ab-reações etc.), etermina por outro sinal ou conjunto de sinaisimplicitamente convencionados (em geralabertura dos olhos, e início de um conjuntode elementos comportamentais de quem ‘estáno seu estado comum fora do transe’).

    “Desse modo, o fenômeno básico em si

     já existe antes que o transe ‘comece’, e con-tinua depois que ele ‘termina’40 (p. 129).”

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    34/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    A obtenção do melhor transe hipnóticopossível num paciente não depende de treiná-lo muito ou pouco, de falar baixinho, monó-tona, rítmica, repetidamente, ou de realizarcomplicadas manobras para encontrar “pas-

    sos” e graus hipnóticos que, ao final, nãoexistem. Enfim, não depende de ações físi-co-mecânicas, nem de aspectos quantitativosdos estímulos. Obtém-se o transe optimalpela adaptação indutiva a cada paciente in-dividual, o que se consegue pela conscien-tização e utilização, por parte do hipno-tizador, daquilo que é efetivamente regentena hipnose, isto é, os fatores software: ade-

    quação do código portador das mensagens,respeito às programações preexistentes, in-cremento, pelas vias apropriadas, de um es-tado emocional com regressão psicológicaconseqüente, utilização das múltiplas men-sagens implícitas que, quer o hipnotizadorqueira ou não, quer ele saiba ou não, estãosendo levadas ao paciente pelo tom de vozutilizado, pelas associações semânticas, pelaatitude geral do hipnotizador, pelos seus ges-tos, inflexões verbais, pelo ambiente, isto é,por tudo aquilo que se chama de paralin-guagem.

    Morris41 afirma que “a hipnose é um esta-do de consciência no qual você fica receptivoàs sugestões mais do que ordinariamente, podepensar com mais clareza, pode ver mais viva-mente com os olhos da mente, pode sentir commais atenção e pode realmente ouvir o próprio

    íntimo com maior profundidade e mais crité-rio. Neste estado você tem um singular contro-le sobre seus processos mentais, suas emoçõese suas atitudes” (p. 25). E ainda de acordo comoutros autores, ela diz que o estado hipnóticonão tem nenhuma correlação física conheci-da e não pode ser definido por quaisquer cri-térios exteriores, mas apenas por sua própriaexperiência subjetiva. O estado hipnótico não

    é um estado alfa, não é um estado de movi-mentos oculares rápidos associado ao sonho,

    não é um estado que possa ser delineado porquaisquer medidas de ondas cerebrais atéagora conhecidas, ou por medidas da resis-tência da pele ou pelo potencial elétrico docorpo. Morris afirma que “a hipnose é real-

    mente um estado de consciência desenvol-vido pelo hipnotizado como resultado de umprocesso psíquico íntimo que poderá orientá-lo através de caminhos que conduzem maisdiretamente ao aperfeiçoamento pessoal”41

    (p. 35). Um especialista não pode afirmarque uma pessoa esteja hipnotizada por meiode qualquer tipo de teste inventado até hoje.Entretanto você sabe quando está hipnotiza-

    do, depois que aprender o que sente nesseestado e depois de ter experimentado os po-derosos efeitos sobre você. A hipnose é sen-tida diferentemente por diferentes pessoas.A hipnose é diferente para a mesma pessoa emocasiões diferentes. O que uma pessoa podesentir durante a hipnose é o mesmo que umapessoa pode sentir no estado de vigília, vi-vendo, respirando. O que é sentido com ahipnose depende do que você espera, e o quevocê espera é o resultado das sugestões quevêm do hipnólogo e das sugestões que vêmde dentro de você mesmo durante a expe-riência hipnótica.

    REGRESSÃO ATÁVICA (AINSLIE MEARES— 1960)

    Em psiquiatria o termo regressão somen-te se aplica para denominar o processo deretorno a um tipo anterior de comportamen-to. A hipótese do atavismo requer que a re-gressão seja aplicada não somente no cam-po da conduta, mas da função mental.42 Afunção mental do adulto normal e sadio, quetranscorre num plano lógico e intelectual,regressa a um nível arcaico de funcionamen-

    to mental, no qual o processo da sugestãodetermina a aceitação das idéias. Desta ma-

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    35/785

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    36/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    ceitua a hipnose como “uma transformaçãosubstancial da personalidade, baseada numestado psicossomático sui generis, caracte-rizado pelo rapport   e hipersugestionabili-dade, induzidos por sugestão, no qual a men-

    te se concentra e unifica em forma global,desenvolvendo ao máximo o fenômenopsicoplásico e ao que se coadjuva a supres-são extensa do juízo crítico”. Tudo isso de-termina o acesso por via psíquica aos núcleosneuroendócrinos da pessoa profunda, brin-dando rendimentos em todos os planos do serpsicofísico que transcendem em muito os al-cances da vontade consciente. Lerner con-

    sidera ainda que cinco estímulos coadjuvan-tes, a saber: relaxamento, monotonia do estí-mulo, fixação da atenção espontânea, ausên-cia de estímulos perturbadores e emoçãocoadjuvante facilitam a instalação da modifi-cação psicoplásica sui generis no indivíduo,sendo uma modificação profunda de seu es-quema corporal e dos limites do eu. Essamodificação dos limites do “eu” é seguidapor uma integração dos limites do “eu”, con-tudo, com a imagem do hipnólogo vivida comoparte de si mesmo.

    TEORIA DA NEODISSOCIAÇÃO (ERNESTR. HILGARD — 1965, 1986, 1991)

    Foi denominada neodissociação para in-dicar que esta teoria não está fundamentada

    na dissociação patológica.44  Basicamente,em certas circunstâncias, níveis mais baixosde controle podem funcionar de uma manei-ra dissociada de centros de controle executi-vos mais elevados. O fluxo de informaçãoentrando e saindo da consciência pode tor-nar-se dissociado, fora das vias cognitivasusuais, e a pessoa não percebe consciente-mente a informação. Esta teoria parte de três

    suposições:45

      (1) Existência de sistemascognitivos subordinados, cada qual com al-

    gum grau de unidade, persistência e autono-mia funcional. Esses sistemas seriam inte-rativos, mas sob circunstâncias especiaispodem se tornar um pouco isolados uns dosoutros. (2) Existência de alguma espécie de

    controle hierárquico que gerencia a interaçãoou competição entre essas estruturas. Essahierarquia pode ser modificada sob o con-trole da função executiva do ego. (3) Exis-tência de alguma monitoração ou controledas estruturas caracterizada pela atenção se-letiva. Seria um “Eu” executivo ou estrutu-ral de controle, com funções de planejar,monitorar e gerenciar os pensamentos e

    ações, envolvendo toda a pessoa. Esta teoriapostula modificações do controle sobre ospensamentos e ações mais do que nas altera-ções de qualidade da experiência conscientesubjetiva. Hilgard44 sugere um estado alte-rado no sentido de uma modificação na qua-lidade das experiências conscientes apenaspara pacientes altamente hipnotizáveis. Eleacha que muito embora sua teoria tenha sidodesenvolvida a partir da experimentação comindivíduos hipnotizados, ela é mais abran-gente do que apenas para a hipnose.

    Este modelo conceitual começou a ser de-senvolvido na década de 1960,46 a partir dasdiferenças individuais da resposta hipnótica.Nessa época foi afirmado que a dissociaçãoseria parcial, porque não era encontrada com-pleta independência entre o material dissocia-do e outros aspectos da consciência, e que

    dissociações específicas desenvolvidas na hip-nose devem ser correlacionadas com experi-ências (developmental) desenvolvidas.46 Estateoria considera o indivíduo hipnotizado querdo ponto de vista do próprio indivíduo, quer doponto de vista do hipnólogo ou do ponto devista de observadores, como estando num es-tado especial, diferente da vigília, que pode-ria ser chamado de “estado hipnótico” ou

    “estado de transe hipnótico”, mas que prefe-rem denominar de condição hipnótica. Esta

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    37/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    condição hipnótica não é uma condição demudança tipo tudo ou nada com relação à con-dição normal de vigília.

    A suscetibilidade hipnótica de uma pes-soa é considerada uma característica relati-

    vamente estável, sendo isto suportado pelamesma resposta obtida na mesma escala desuscetibilidade hipnótica (Stanford Hyp-notic Susceptibility Scales, Forms A and 

     B), com os mesmos indivíduos testados pri-meiro durante o college americano, e pos-teriormente dez anos e 25 anos após ocollege.47 Eles ainda demonstraram que in-divíduos altamente receptivos, com o uso

    de técnicas como a escrita automática ouequivalente denominada fala automática,podiam relatar considerável dor ou memó-ria dela a partir de informações que esta-vam previamente num nível coberto. A dorque o paciente não havia conscientementesentido ou relatado durante o experimento,foi revelada. Esses relatórios eles denomi-naram metaforicamente como vindos de“um observador oculto”.48 Contudo, o pró-prio autor constatou que mesmo entre aspessoas altamente suscetíveis à hipnose,apenas em torno de 50% apresentavam o“observador oculto”. Esse “observadoroculto” também pode ocorrer com a ceguei-ra, a surdez, a amnésia e com as alucina-ções induzidas pela hipnose.

    Segundo este modelo conceitual, os indiví-duos entram na condição hipnótica porque as

    sugestões transmitidas pelo hipnólogo tomammuito do controle usual do paciente, isto é, ohipnólogo influencia as funções executivas dopaciente e modifica o arranjo hierárquico dassubestruturas. Isso ocorre quando é alteradoo controle da motricidade, das percepções, damemória e alucinações são percebidas. Nestalinha de raciocínio, a amnésia sugerida repre-senta uma tentativa bem-sucedida para esque-

    cer alguma coisa. Esta teoria, segundo o seupróprio autor, ainda está inacabada.

    Os defensores do ponto de vista do esta-do de transe postulavam no início que osprocedimentos de indução hipnótica origi-navam um estado especial de funcionamen-to psicológico com alterações na memória,

    percepção e pensamento. Mais tarde consi-deram que para os pacientes altamentehipnotizáveis, o estado especial (transe hip-nótico, condição hipnótica, estado de transeou estado hipnótico) é, em termos de modi-ficação do padrão da experiência subjetivaque origina a aparência hipnótica, um altonível de respostas às sugestões testes, alte-rações nas sensações do corpo e relato de ter

    sido hipnotizado. Para a maioria das pesso-as (com média suscetibilidade hipnótica),pela teoria da neodissociação, há modifica-ções dos controles sobre o pensamento ecomportamentos mais do que modificaçõesna qualidade da experiência subjetiva.

    Os críticos dessa teoria não aceitam a exis-tência de um estado ou condição especial de-nominada “condição hipnótica”, e considerama suscetibilidade hipnótica modificável.

    TEORIA DO CONTROLE DISSOCIADO(KENNETH S. BOWERS — 1992)

    Estes conceitos partiram da teoria daneodissociação e foram ampliados porBowers com o nome de teoria do controledissociado, que persiste com a idéia da

    interação de múltiplos sistemas para coor-denar objetivos e comportamentos, que sãocontrolados por dois mecanismos qualitati-vos.49 Um mecanismo de baixo nível, quemanipula seleções e comportamentos roti-neiros, sem necessidade de controle consci-ente ou da atenção; e um mecanismo de altonível, sistema da atenção supervigilante(Supervisory Attentional System — SAS),

    que intervém numa situação nova ou com-petitiva, para governar essas ações não roti-

  • 8/18/2019 Hipnose Na Prática Clinica

    38/785

      

    © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

    neiras, de uma maneira qualitativa e centra-lizada50  e influenciando indiretamente ocomportamento pela modulação do sistemade baixo nível. Segundo esta teoria, o iníciodo ato voluntário e o seu controle estão rela-

    cionados com o SAS. Se o SAS está ativa-mente modulando a seleção de esquemas(que pode ser interpretado como um filtro daconsciência), o indivíduo está realizando umato voluntário; se o SAS não está modulan-do, nem monitorando a seleção de esquemas,o ato é experienciado como automático.51 Aindução hipnótica reduz o controle frontaldos esq