hannigan, john a. sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

48
HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental: a formação de uma perspectiva social. Lisboa, Instituto Piaget, 1997. [cap. 2, 4, 5 e 10]. John A. Hannigan SOCIOLOGIA AMBIENTAL: A FORMAÇÃO DE UMA PERSPECTIVA SOCIAL Capítulo 2 A construção social dos problemas ambientais A abordagem construcionista dos problemas ambientais tem múltiplas origens, mas é melhor compreendida se voltarmos ao início dos anos 1970 quando explicações convencionais para a existência dos problemas sociais foram seriamente afrontados pela primeira vez. Formulação dos problemas sociais Há perto de um século, a sociologia dos problemas sociais começou a passar por um conflito paradigmático fundamental com a aparição de um artigo seminal, de Malcolm Spector e John Kitsuse (1973) intitulado «Social Problems: a reformulation». Aqui, e no livro subsequente (1977), Spector e Kitsuse desafiavam, a abordagem «estruturalmente funcional» aos problemas sociais que até então tinham dominado a área. O funcionalismo, tal como foi exemplificado pelo trabalho de Merton e Nisbet (1971), tomou por certa a existência de problemas sociais (crime, divórcio, doenças mentais), os quais eram produtos directos das condições objectivas prontamente identificáveis, distintas e visíveis. Os sociólogos eram vistos como peritos que empregam métodos científicos para localizar e analisar estas violações morais e aconselhar os fonnuladores de políticas na melhor forma de enfrentar a situação. Além disso, o papel dos sociólogos era suscitar ao público leigo uma consciencialização e compreensão das condições preocupantes, especialmente onde estas não eram prontamente evidentes (Gustfield 1984: 39). 47Spector e Kitsuse argumentam que os problemas sociais não são condições estáticas, mas «seqüências de acotecimentos» que se desenvolvem com base nas definições coletivas. Em conformidade com esta teoria eles definiram os problemas sociais como «as atividades de grupos que fazem asserções de agravos e reivindicações às organizações, agências e instituições sobre algumas condições aceitáveis» (1973: 146). Deste ponto de vista o processo de criação de exigências é tratado como mais importante, do que a tarefa de avaliar se as estatísticas destas exigências são verdadeiramente válidas ou não. Por exemplo, em vez de documentar o aumento do nível de criminalidade, o analista dos problemas sociais é impelido a centrar-se na forma como este problema é «gerado e sustentado pelas acívidades de gupos de reclamação e respostas institucionais a elas» (1973: 158). Desde 1973 que a formulação social se tem direcionado cada vez mais no sentido do âmago da teorização dos problemas sociais gerando uma massa crítica de contribuições teóricas e empíricas (ver especialmente Best 1989a; Cusfield 1981; Holstein e Miller 1993; Loseke 1992; Schneider 1985; Schneider e Kitsuse 1984). A formulação tem igualmente ganho atualidade noutras áreas de especialização curricuIar, nomeadamente na ciência e tecnologia (Knorr-Cetina 1983: Latour e Woolgar 1986; Pinch e Bijker 1987), relações de género (Laws e Schwartz 1977; Mackie 1987) e os estudos da comunicação social (Altheide 1976; Fishman 1980; Schlesinger 1978). Em cada caso, o que uma análise construcionista tem em comum é uma preocupação com a forma como as pessoas determinam o significado do seu mundo (Best 1989b: 252). Controvérsias Apesar de a abordagem social construcionista ter transformado e revitalizado a sociologia dos problemas sociais, não tem sido imune a controvérsias. Um debate central na análise construcionista diz respeito à natureza relativa ou contingente dos problemas sociais. Os analistas dos problemas sociais avisam

Upload: simone1231045

Post on 03-Jul-2015

3.413 views

Category:

Documents


31 download

TRANSCRIPT

Page 1: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental: a formação de uma perspectiva social. Lisboa, Instituto Piaget, 1997. [cap. 2, 4, 5 e 10]. John A. Hannigan SOCIOLOGIA AMBIENTAL: A FORMAÇÃO DE UMA PERSPECTIVA SOCIAL Capítulo 2 A construção social dos problemas ambientais

A abordagem construcionista dos problemas ambientais tem múltiplas origens, mas é melhor compreendida se voltarmos ao início dos anos 1970 quando explicações convencionais para a existência dos problemas sociais foram seriamente afrontados pela primeira vez. Formulação dos problemas sociais

Há perto de um século, a sociologia dos problemas sociais começou a passar por um conflito paradigmático fundamental com a aparição de um artigo seminal, de Malcolm Spector e John Kitsuse (1973) intitulado «Social Problems: a reformulation». Aqui, e no livro subsequente (1977), Spector e Kitsuse desafiavam, a abordagem «estruturalmente funcional» aos problemas sociais que até então tinham dominado a área. O funcionalismo, tal como foi exemplificado pelo trabalho de Merton e Nisbet (1971), tomou por certa a existência de problemas sociais (crime, divórcio, doenças mentais), os quais eram produtos directos das condições objectivas prontamente identificáveis, distintas e visíveis. Os sociólogos eram vistos como peritos que empregam métodos científicos para localizar e analisar estas violações morais e aconselhar os fonnuladores de políticas na melhor forma de enfrentar a situação. Além disso, o papel dos sociólogos era suscitar ao público leigo uma consciencialização e compreensão das condições preocupantes, especialmente onde estas não eram prontamente evidentes (Gustfield 1984: 39).

47↑↑↑↑

Spector e Kitsuse argumentam que os problemas sociais não são condições estáticas, mas

«seqüências de acotecimentos» que se desenvolvem com base nas definições coletivas. Em conformidade com esta teoria eles definiram os problemas sociais como «as atividades de grupos que fazem asserções de agravos e reivindicações às organizações, agências e instituições sobre algumas condições aceitáveis» (1973: 146). Deste ponto de vista o processo de criação de exigências é tratado como mais importante, do que a tarefa de avaliar se as estatísticas destas exigências são verdadeiramente válidas ou não. Por exemplo, em vez de documentar o aumento do nível de criminalidade, o analista dos problemas sociais é impelido a centrar-se na forma como este problema é «gerado e sustentado pelas acívidades de gupos de reclamação e respostas institucionais a elas» (1973: 158).

Desde 1973 que a formulação social se tem direcionado cada vez mais no sentido do âmago da teorização dos problemas sociais gerando uma massa crítica de contribuições teóricas e empíricas (ver especialmente Best 1989a; Cusfield 1981; Holstein e Miller 1993; Loseke 1992; Schneider 1985; Schneider e Kitsuse 1984). A formulação tem igualmente ganho atualidade noutras áreas de especialização curricuIar, nomeadamente na ciência e tecnologia (Knorr-Cetina 1983: Latour e Woolgar 1986; Pinch e Bijker 1987), relações de género (Laws e Schwartz 1977; Mackie 1987) e os estudos da comunicação social (Altheide 1976; Fishman 1980; Schlesinger 1978). Em cada caso, o que uma análise construcionista tem em comum é uma preocupação com a forma como as pessoas determinam o significado do seu mundo (Best 1989b: 252). Controvérsias

Apesar de a abordagem social construcionista ter transformado e revitalizado a sociologia dos problemas sociais, não tem sido imune a controvérsias. Um debate central na análise construcionista diz respeito à natureza relativa ou contingente dos problemas sociais. Os analistas dos problemas sociais avisam

Page 2: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

que a construção corre o risco de negar a existência danosa de problemas graves da «vida real» - uma acusação que está, de forma semelhante, ao nível da perspectiva social construcionista sobre o ambiente. Fazem-no, reclamam eles, sujeitando estas condições aos caprichos da definição social. No outro lado do espectro, outros críticos atribuem as tarefas dos construcionistas aos fracassos em abandonar integralmente os resíduos objetivos da teoria funcionalista. De forma mais proeminente,

48 Woolgar e Pawluch (1985) acusam o construtivismo de se empenhar na estratégia do «enredo ontológico». Querem eles dizer com isto que os autores construcionistas continuam a identificar arbitrariamente as condições problemáticas ou comportamentos válidos para estudo, ao mesmo tempo que relativizam as definições e exigências feitas sobre elas. Tipicamente, uma condição, como a da utilização de heroína, é tratada como objetivamente real e constante ao longo do tempo, enquanto que a avaliação social deste estado como problemático ou não varia de era para era. Segundo Woolgar e Pawluch isto é internamente inconsistente, visto que faz a distinção entre um conjunto de estados fixos, tal como são identificados pelo analista de problemas sociais, e um conjunto de estados contextuais que mudam, tal como é proposto pelos participantes nos problemas sociais.

Os construcionistas sociais responderam a esta acusação de enredo ontológico de diversas formas. Os «construcionistas rigorosos» mantêm a teoria de que temos de estar vigilantes ao fazer quaisquer afirmações sobre as condições sociais. Em vez disso, defendem que adoptemos a perspectiva etnometodológica, por forma a descobrir novas formas de escrever os textos da formulação social, os quais se centram inteiramente na interpretação e práticas dos participantes no problema da construção social. Por outro lado, os construcionistas contextuais argumentam que qualquer afirmação pode ser avaliada com base na dura evidência de, por exemplo, estatísticas oficiais, ou questionários da opinião pública (Best 1989b: 247), mesmo que sejam, em si próprios, construções sociais. Por exemplo, Best (1993: 139) sugere que o analista dos problemas sociais pode razoavelmente duvidar das reclamações relativas ao facto de os satânicos sacrificarem 60000 vítimas anualmente enquanto aceitam números fornecidos pelos Centros para o Controlo de Doenças para os números de vítimas americanas da SIDA. O investigador é particularmente encorajado a ter em consideração o complexo histórico no âmbito dos quais as reclamações dos problemas sociais foram formuladas, por forma a explicar o surgimento e avaliar a validade da sua reclamação (Rafter 1992).

A formulação social foi igualmente dividida em termos da utilidade da «história natural» dos problemas sociais. A formulação original de Spector e Kitsuse continha quatro fases para o modelo de história natural, no qual a criação das exigências vai desde as tentativas para transformar os problemas privados em questões públicas através do reconhecimento oficial, a insatisfação com a forma como

49 as organizações burocráticas estão a lidar com as condições atribuídas, e finalmente, o desenvolvimento de instituições paralelas ou as contra-instituições alternativas para procurar radicalmente as novas soluções para os problemas percepcionados. Contudo, tal como Schneider (1985: 225) realçou, este tipo de modelo de história natural encoraja-nos a exagerar a extensão dos tipos de atividades que ocorrem apenas em certas fases no processo de criação das exigências. De fato, as fases propostas por Spector e Kitsuse tendem a sobrepor (1981), em vez de seguir uma sucessão ordenada. Hilgartner e Bosk (1988) argumentam que é agora tempo de ir para além dos modelos de história natural e propor um modelo de alternativa ecológica em que a população dos potenciais problemas sociais compete pela atenção social no âmbito das áreas públicas. Construcionismo como ferramenta analítica.

Best (1989b: 250) realçou que o constiucionismo não é apenas útil como uma posição teórica, mas poderá ser igualmente útil como uma ferramenta analítica. A este respeito, ele sugere três focos para o estudo dos problemas sociais a partir de uma perspectiva construcionista: as próprias exigências; os formuladores das exigências e o processo de criação das exigências.

Page 3: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Natureza das Exigências

Tal como foi inicialmente conceptualizado por Spector e Kitsuse, as exigências foram exigências em relação às condições sociais que os membros do grupo entenderam como ofensivo e indesejável. Segundo Best (1989b: 250), existem várias questões a ser consideradas quando se analisa o conteúdo da exigência: O que é dito sobre o problema? Como é que o problema está a ser tipificado? Qual é a retórica da criação das exigências e como é que as exigências são apresentadas por forma a persuadir o seu público? Destas, foi a terceira questão a que gerou mais interesse entre os analistas contemporâneos dos problemas sociais.

Utilizando o exemplo das «crianças desaparecidas», isto é das fugas, arrebatamento e rapto por estranhos, Best (1987) analisa o conteúdo das exigências dos problemas sociais centrando-se na retórica da criação das exigências. A retórica implica a utilização deliberada

50 da linguagem, por forma a persuadir. As afirmações retóricas contêm três componentes principais ou categorias de afirmações: bases, garantias e conclusões.

As bases, ou dados, fornecem os fatos básicos que moldam o discurso subsequente da criação de exigências. Existem três tipos principais de afirmações de base: definições, exemplos e estimativas numéricas. As definições estabelecem as fronteiras ou domínio do problema, e dão-lhe orientação; isto é, um guia da forma como a interpretamos. Os exemplos tornam mais fácil para os corpos públicos identificarem-se com as pessoas afetadas pelo problema, especialmente quando se vêem a si próprias como vítimas indefesas. As histórias de atrocidades são um tipo de exemplo particularmente efetivo. Através da estimativa da magnitude do problema, os formuladores ele exigências estabelecem a sua importância, o seu potencial para o crescimento e o seu alcance (muitas vezes de proporções epidémicas).

As garantias são justificações para exigir que seja levada a cabo uma ação. Estas podem incluir a apresentação da vítima como inocente, realçando ligações com o passado histórico ou ligando as exigências a direitos básicos e liberdades. Por exemplo, ao analisar a literatura profissional sobre o «abuso de idosos», Baumann (1989) identificou seis garantias primárias:

1) Os idosos são dependentes; 2) Os idosos são vulneráveis; 3) O abuso põe em perigo a vida; 4) Os idosos são incompetentes; 5) O envelhecimento provoca strees nas famílias; 6) O abuso dos idosos indica, muitas vezes, outros problemas familiares. As conclusões tornam clara a ação que é necessária para aliviar ou erradicar um problema social. Isto

envolve frequentemente a formulação de novas políticas sociais de controle por instituições burocráticas existentes ou a criação de novas agências para levar a cabo estas políticas.

Best propõe posteriormente dois temas retóricos ou tácticas que variam segundo a natureza do público alvo. A retidão retórica (valores ou moralidade requerem que o problema receba atenção) é mais eficaz no seu início numa campanha de criação de exigências em que os públicos são mais polarizados, os ativistas têm menos experiência e a procura primária é um problema para ser visto de uma nova forma. Pelo contrário, a retórica da racionalidode (ratificar uma exigência

51 dará ao público algum tipo de benefícios) funciona melhor nas últimas fases da construção dos problemas sociais quando os formuladores de exigências são mais sofisticadas, quando a procura primária destina-se às agendas políticas e os públicos são mais facilmente persuadidos. Rafter (1992: 27) juntou outra tática retórica à lista de Best: a da formação do arquétipo. Os arquétipos são os modelos a partir dos quais os estereótipos são inventados e têm, portanto, um poder persuasivo considerável como parte da campanha de criação das exigências 1.

Page 4: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Um conjunto posterior de estratégias retóricas na criação das exigências foi proposto por Ibarra e Kitsuse (1993) que esboçaram uma variedade de idiomas retóricos, motivos e estilos de criação de exigências.

Os idiomas retóricas são grupos de imagens que oferecem à exigências um significado moral. Eles incluem uma «retórica da perda» (da inocência, natureza, cultura, etc.); uma «retórica da insensatez» que invoca imagens de manipulação e conspiração; uma «retórica da calamidade» (num mundo cheio de condições deteriorantes, proporções epidêmicas são reclamadas por alguns; por exemplo, a SIDA ou o efeito de estufa): uma «retórica de titularidade» (justiça e Jair play exigem que a condição, ou como Ibarra e Kitsuse o designam, a «categoria-condição», seja reformulada), e a «retórica do perigo» (categorias-condição põem riscos intoleráveis à saúde e segurança pessoais).

Os motivos retóricos são metáforas atuais e outras figuras de estilo (a SIDA como uma «praga», a destruição da camada de ozono como uma «bomba relógio») que realçam algum aspecto de um problema social e o impregnam de significado moral. Alguns motivos referem-se aos agentes morais, outros a práticas e outros ainda a magnitudes (Ibarra e Kitsuse 1993: 47).

Os estilos de criação das exigências referem-se à forma de uma exigência, para que esteja em sincronia com o público pretendido (corpos públicos, burocratas, etc.). Exemplos dos estilos de criação das exigências incluem um estilo científico, um estilo cômico, um estilo teatral, um estilo cívico, um estilo legal e um estilo subcultural. Os formuladores de exigências deverão combinar um estilo certo para a situação e públicos certos.

Formuladores de exigências

Ao olhar para a identidade dos formuladores de exigências, Best (1989: 250) aconselha que levantemos algumas questões. Os formuladores

1 Ibarra e Kitsuse (1993) realçam igualmente um conjunto de «estratégias anti-retóricas» que têm por objectivo bloquear as tentativas dos reivindicadores pflra construir um problema e ou exigências de acção.

52

de exigências estão filiados em organizações específicas, movimentos sociais, profissões ou grupos de interesse? Eles representam os seus próprios interesses ou de terceiros? Eles têm experiência ou são novatos (como vimos, isto pode influenciar a escolha de tácticas retóricas)?

Muitos estudos que foram levados a cabo no modo de formulação social apontaram para a importância do papel desempenhado pelos profissionais de medicina e cientistas na construção das exigências dos problemas sociais. Outros observaram a importância das políticas e dos «empresários de questões» - políticos, firmas de advocacia de interesse público, funcionários públicos cujas carreiras dependem da criação de novas oportunidades, programas e fontes de financiamento, etc. Os formuladores de exigências podem também estar presentes nos meios de comunicação social, especialmente visto que a criação de notícias depende dos jornalistas, editores e produtores que encontram constantemente novas tendências, formas e questões. O elenco dos formuladores de exigência que se combinam para promover um problema social podem, por vezes, ser muito diversificados. Por exemplo, Kitsuse et al. (1984) identificam três categorias principais de formuladores de exigências na identificação do problema de kikokushijo no Japão, isto é, a vantagem educacional das crianças japonesas em idade escolar cujos pais as levaram para o estrangeiro por fazerem parte de uma empresa ou do corpo diplomático: funcionários em agências governamentais influentes e prestigiosas; grupos informalmente organizados de esposas de diplomatas ou empresários; e o «meta» - um grupo de apoio de jovens adultos que foram vítimas da experiência do kikokushijo.

Processo de criação de exigências

Wiener (1981) representou a definição coletiva dos problemas sociais como uma interação com retrocesso entre os três subprocessos: animação do problema (estabelecimento de direitos territoriais, desenvolvimento de eleitorados, limitação dos conselhos e revelação de capacidades e informação); legitimação do problema (usar o conhecimento e prestígio de outrem, redefinir a sua abrangência por

Page 5: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

exemplo, de uma questão moral, para uma questão legal, construir o respeito, manter uma identidade separada); e demonstração do problema (competir pela atenção, combinar-se pela força, isto é, estabelecendo alianças com outros formuladores de exigências, seleccionar dados

53 de apoio, convencer ideologias opostas, alargar as fronteiras da responsabilidade). Estas são sobreposições, em vez de processos sequenciais que em conjunto resultam numa arena pública construída à volta dos problemas sociais.

Hilgartner e Bosk (1988) identificaram estas arenas do discurso público como um excelente local para a avaliação das definições dos problemas sociais. Contudo, em vez de examinar as fases do desenvolvimento do problema, eles propõem um modelo que realça a competição entre potenciais problemas sociais que requerem atenção, legitimidade e recursos sociais. Diz-se que os formuladores das exigências ou «operadores» adaptam deliberadamente as suas exigências para os problemas sociais, por forma a que estes se encaixem nos seus ambientes alvo; por exemplo, através da reunião das suas exigências num romance, sob uma forma sucinta e dramática ou através da estruturação das exigências numa retórica politicamente aceitável.

Best (1989b: 251) levanta um número de questões úteis sobre o processo de criação das exigências. A quem é que os formuladores das exigências se dirigem? «Os outros formuladores de exigências apresentaram exigências rivais?» Que preocupações e interesses é que o público dos formuladores de exigências levantaram, e como é que moldaram as respostas dos públicos às exigências? Como é que a natureza das exigências ou a identidade dos formuladores de exigências afetam a respostas dos públicos?

O Construcionismo Social e o Ambiente

Tal como observámos, os problemas ambientais são semelhante, em muítos formas, aos probemas social em geral. Existem, contudo, algumas diferenças importantes, enquanto os problemas sociais passam de um discurso médico para as áreas do discurso e ação públicas (Rittenhouse 1991: 412), eles, contudo, têm como origem de muito do seu poder retórico os argumentos morais, em vez dos factuais. Por exemplo, a recente elevação da «violação num encontro» ao estatuto de problema social deve-se provavelmente mais à mudança da paisagem das relações entre sexos, do que à evidência científica que sugere um súbito impulso na incidência desta condição. Pelo contrário, os problemas ambientais, como o envenenamento por pesticidas ou o aquecimento global, enquanto moralmente condenados, são ligados mais diretamente as descobertas e exigencias científicas (Yearley 1992: 117).

54

Além disso, embora eles sejam identificados com agentes humanos os problemas têm uma base física mais impositiva do que os problemas sociais gue estão mais enraizados nos problemas sociais que se converteram em questões públicas (Mills 1959).

Apesar de o ambiente nunca ter tido grande interesse para os investigadores sociais, recebeu alguma atenção limitada, primeiramente nos textos de estudantes universitários sobre os problemas sociais.2 Quase de modo uniforme, os problemas ambientais são representados como reais, identificáveis e intrinsecamente danosos. Num texto do início dos anos 1980, os autores denominam inclusivamente uma seção do seu capítulo ambiental «Dimensões objetivas do problema» e prosseguem discutindo a «extensão» da poluição do ar, água e pesticidas (Wright e Weiss 1980). Um segundo texto dos problemas sociais, publicado no mesmo ano, estrutura o seu capítulo no «Ambiente», em torno de quatro questões: Qual é a causa da crise ambiental? Quais são os efeitos da poluição a longo prazo? Como é que podemos lidar com a diminuição crescente dos recursos? Poder-se-á evitar um desastre ecológico? Os autores, referem-se aos sociólogos americanos James Coleman e Donald Cressey, ilustram resumidamente a definição construtivista de um problema social realçando que a «poluição não se tornou um problema social, até os ativistas ambientais serem capazes de convencer outros a preocuparem-se com as condições que existiram na realidade durante algum tempo». Contudo, eles enfraqueceram este princípio interrogando-se: «Se milhares de pessoas não

Page 6: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

sabiam que estavam a ser envenenadas pela fuga de radiação de uma central nuclear, a poluição pela radiação seria ainda um problema social?» (1980: 3-4).

Um dos poucos textos sobre os problemas sociais que tentou deliberadamente formular uma perspectiva conctrucionista foi o livro de Armand Mauss de 1975, Social Problems as Social Movements. Num capítulo, com a colaboração do sociólogo Stan Albrecht, Mauss lida brevemente com tópicos como «definições culturais do meio ambiente» e «interesses políticos e científicos e públicos», embora grande parte do resto do capítulo seja dedicado a uma história do movimento ambiental americano.

2 Um exemplo recente e notável disto é o capítulo de Riley Dunlap intitulado «Dos problemas ambientais aos problemas ecológicos» in Calhoun e Ritzer (1993). Contudo, tal como foi discutido no capítulo 1, a análise de Dunlap tem as suas raízes numa abordagem «ecológica» normativa dos problemas ambientais.

55

Enquanto os autores construtivistas sociais contemporâneos utilizam, por vezes, exemplos que se relacionam com as questões e problemas ambientais (cf Ibarra e Kitsuse 1993), nenhum dos problemas sociais principais editados que os leitores levaram a cabo a partir desta perspectiva incluem um artigo sobre os problemas ambíentais. Em vez disso, o ímpeto para uma perspectiva social construcionista sobre o meio ambiente tem, em grande parte, a sua origem na própria sociologia 3.

Diversos autores de renome neste campo apelaram para o desenvolvimento de um modelo construcíonista que poderia ajudar a guiar futuras investigações para a criação e legitimação do conhecimento e riscos ambientais, Freudenburg e Pastor realçaram uma perspectiva conceptual que incide sobre a estrutura dos debates sobre os riscos, levados a cabo pelos atores institucíonaís. A sua «construção social dos conflitos de risco» é justificada com base no fato de «criar riscos para a Sociologia, em vez de o inverso, realçando em vez de esconder as lutas políticas e discursivas inseridas nos riscos tecnológicos» (1992: 398). Numa linha semelhante, Buttel e Taylor argumentaram que a sociologia ambiental deve dar mais atenção à construção social do conhecimento ambiental. A construção global das questões ambientais é, argumentam eles, tanto ou mais uma questão de construção social e políticas de conhecimento da produção, visto tratar-se de uma reflexão direta da realidade biofísica» (1992: 214). Um terceiro autor que utiliza explicitamente um modelo construtivista é Stella Capek. Capek (1993) utiliza uma variedade de fontes, desde a literatura sobre o movimento social e os problemas sociais incluindo Best, Gusfield e Spector e Kitsuse para explicar a emergência de uma estrutura de «justiça ambiental» e o seu poder mobilizador nas lutas comunitárias contra a contaminação tóxica no Sul dos Estados Unidos. Finalmente, Steven Yearley (1992) que também utilizou os pensamentos de Spector e Kitsuse, examinou o «caso dos verdes», isto é, o aumento da consciência ambiental e a sua ação ao longo dos dois últimos decénios, a partir de uma perspectiva de empreendimento moral e de criação de exigências.

Empiricamente, o papel central das atividades de criação de exigências para moldar as agendas ambientais, avaliações e políticas têm sido examinadas em análises de contaminações químicas

3 Isto inclui a «Sociologia do risco» com sobreposições significativas, mas não é contíguo com a sociologia ambiental (ver Freudenburge Pastor 1992; Covello e Johnson 1987; Short 1992).

56 (Aronoff e Gunter 1992), mudança climática global (Hart e Victor 1993; Ungar 1992), cobertura dos meios de comunicação social das questões ambientais e conflitos (Burgess e Harrisson 1993; Hansen 1991; Mazur e Lee 1993; Schoenfeld ct aI. 1979) e as questões relacionadas com o risco e a segurança ( Spencer e Triche 1994; Stallings 1990).

Se a perspectiva social construcionista for compatível com qualquer outra abordagem do meio ambiente, é provavelmente a da economia política. Tal como será observado de forma diversificada nas próximas páginas, a forma como o conhecimento e risco ambientais são concetualizados e o relativo êxito destas construções, são impelidas e canalizadas para as estruturas existentes do poder econômico e político. Contudo, a economia política por si só não é suficiente para explicar os passos da carreira dos problemas ambientais. A percepção é mais do que simplesmente uma função de poder; depende de um grande número

Page 7: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

de outros fatores que se relacionam com a cultura e o conhecimento. É importante, portanto, abordar a questão de Benton e Redclift:

Quais são os processos de comunicação, processamento discursivo, orientação normativa, «empreendimento

moral» através dos quais os antagonismos do debate ambiental são formados e transformados? (1994: 9) Tarefas/processos fundamentais

Ao definir os problemas ambientais, despertando a atenção da sociedade e levando à ação, os formuladores de exigências deverão empenhar-se numa variedade de atividades. Algumas destas atividades dizem centralmente respeito à definição coletiva dos problemas potenciais, outras à ação coletiva necessária para os minorar (Cracknell 1993:4). Isto não significa que os elementos da definição e ação não se inter-relacionem constantemente. Contudo, os problemas ambientais seguem uma certa ordem temporal de desenvolvimento, visto que progridem desde a descoberta inicial até à política de implementação.

Nesta seção do capítulo identifico três tarefas principais que caracterizam a construção dos problemas ambientais. Ao fazer isso, utilizei dois modelos: os três processos de Carolyn Wiener (1981)

57 através dos quaís é construída uma área pública em torno de um problema social, e as três tarefas de William Solesbury (1976) que são necessárias a uma questão ambiental para originar, desenvolver-se e crescer poderosamente no âmbito do sistema político.

Tal como já foi observado anteriormente neste capítulo, no seu livro The Politics of Alcoholism, Wiener representou a definição coletiva de problemas sociais como uma interação de retrocesso entre estes três processos: animação, legitimização e demonstração do problema. Estes são apresentados como sobrepostos, em vez de um processo sequencial; isto é, eles interagem um com o outro, em vez de operarem independentemente.

O esquema de Solesbury está mais preocupado com o destino político das preocupações ambientais. Ele observa que a «mudança contínua na agenda das questões ambientais», a qual pode ser parcialmente justificada pelas mudanças na agenda do Estado do próprio meio ambiente (ver Ungar 1992) e parcialmente através da mudança das visões do público em relação aos assuntos que são importantes e aos que não são. Todas as questões ambientais, afirma ele devem passar por testes separados: liderar a atenção, exigir legitimidade e apelar para a ação. Tal como Wiener, Solesbury afirma que estas tarefas devem ser realiza as simultaneamente sem nenhuma ordem em particular (Cracknell 1993:5), embora fosse presumivelmente difícil apelar para as mudanças de política antes de o problema ser reconhecido e legitimado.

Ao considerar a formulação social dos problemas ambientais, é impossível identificar três tarefas fundamentais: reunião, apresentação e constestação das exigências (quadro 1, página 42) Junção das exigências ambientais

A tarefa de reunir as exigências ambientais diz respeito à descoberta inicial e elaboração de um problema inicial. Nesta fase, é necessário envolver-se numa variedade de atividades específicas: designar o problema, distingui-Io em relação a outros problemas semelhantes ou mais abrangentes, determinar a base legal, moral ou técnica de uma exigência e estimar quem é responsável por levar a cabo uma ação de melhoria.

Os problemas ambientais são frequentemente originados no mínimo da ciência. Uma das razões para isto e o fato das pessoas comuns não terem nem o conhecimento, nem os recursos para encontrar novos problemas. Por exemplo, o conhecimento sobre a camada

58

Page 8: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social
Page 9: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

de ozono não está ligado à nossa experiência diária; fica apenas disponível através da utilização das investigações da alta tecnologia numa atmosfera acima das regiões polares (Yearley 1992: 116).

Alguns problemas, contudo, relacionam-se muito mais de perto com as nossas experiências de vida. A preocupação com os resíduos tóxicos começa, muitas vezes, junto dos cidadãos locais que esboçaram uma ligação causal entre a infiltração das lixeiras e um aumento da incidência de leucemia, abortos, defeitos de nascimento e outros problemas. Isto foi o que aconteceu nas Cataratas do Niagara, no estado de Nova Iorque onde Lois Gibbs e os seus vizinhos foram os primeiros a associar os seus problemas de saúde relacionados com os resíduos químicos enterrados há trinta anos no abandonado Love Canal. Aqueles cujos trabalhos ou objetivos os colocaram em contado próximo com a natureza diariamente (agricultores, funcionários que trabalham com a vida selvagem) podem igualmente constituir a fonte inicial das exigências devido ao fato de recolherem cedo os sinais ambientais de aviso, tais como os problemas reprodutivos no gado ou as mutações no peixe. A chuva ácida surge pela primeira vez como um problema ambiental contemporâneo quando um inspector das pescas numa área remota da Suécia telefonou para o investigador Svante Oden fazendo a observação de que parecia haver uma ligação entre a subida da incidência de peixes mortos e um aumento na acidez dos lagos e rios da área.

O conhecimento prático sobre o meio ambiente tem, muitas vezes, origem na experiência do quotidiano dos aldeãos, pequenos agricultores nas sociedades do Sul. Sir Albert Howard, muitas vezes visto como criador da agricultura orgânica, esboçou muitas das suas ideias a partir da consulta de camponeses agricultores na Índia, a quem ele chamava os seus «catedráticos» (Howard 1953: 22), uma estratégia que foi considerada revolucionária no contexto da administração colonial britânica. Mais recentemente, os ativistas provenientes do povo nos países do Terceiro Mundo enfatizaram a importância do «conhecimento vulgar» (Lindblom e Cohen 1979) que depende mais da observação perspicaz e do senso comum do que das técnicas profissionais. Este conhecimento vulgar é acumulado nas redes do povo local através da respiração do ar, beber água, lavrar o solo, colher as produções na floresta e pescar nos rios, lagos e oceanos (Breyman 1993: 131). De modo semelhante, os povos nativos nas sociedades do Norte acumulam conhecimento em primeira mão sobre o meio ambiente que não poderá estar disponível para os

60 observadores não indígenas. Por exemplo, foi sugerido 4 que os biólogos que fazem a estimativa do efeito dos megaprojetos sobre a ecologia dos rios no Norte do Canadá poderão omitir a existência de um número de espécies de peixe simplesmente porque nunca se preocuparam em perguntar aos nativos residentes que conhecem profundamente a terra (Richardson et al.·1993: 87).

Ao procurar as origens das exigências ambientais, é importante para o investigador perguntar de onde é que vêm as exigências, a quem pertencem ou quem lida com elas, que interesses econômicos e políticos os formuladores das exigências representam e que tipo de fontes elas trazem para o processo de criação das exigências.

No início do movimento de conservação dos Estados Unidos, as exigências ambientais foram apanágio de uma elite da costa Leste que utilizava uma rede de velhas amizades para assegurar o financiamento e a ação política. Os amadores entusiásticos dominaram as direções dos jardins zoológicos, os museus de história natural e outras instituições públicas a partir das quais foram capazes de dirigir campanhas para salvar as sequélas, as aves migratórias, o bisonte americano e outras espécies e habitat em perigo (Fox 1981). Da mesma forma, a ameaça aos pássaros britânicos, locais de vida selvagem e outros elementos da natureza foram proclamados no final do século XIX e principio do século XX por um número de grupos de conservação frequentados por membros de classe elevada (Evans 1992; Sheail 1976).

Contrastando com esta situação, é mais provável que os formuladores de exigências ambientais atuais tornem a forma de movimentos sociais profissionais com pessoal administrativo e de investigação pago. Programas de angariação de fundos fortes e sofisticados, ligações institucionalízadas em relação aos meios de comunicação social e aos legisladores. Alguns grupos usam inclusivamente angariadores porta a porta que são pagos à hora ou ganham uma percentagem das suas solicitações. As campanhas são planeadas de antemão, muitas vezes de forma pseudomilitar. Não é encorajada a participação do povo para além do «papel de membro» com controle centralizado nas mãos de um grupo central de ativistas a tempo inteiro. O processo de reunião de uma cadeia de exigências

Page 10: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

4 Isto foi sugerido nas audiências públicas sobre a proposta ela fábrica Alberta-Pacific de branqueamento ela pasta de papel por Cindey Ciclay, dos Territórios do Nordeste, a única nativa (e mulher) presente no Alpac EIA Review Board (ver capítulo 5).

61 ambientais envolve, muitas vezes, uma divisão rude do trabalho. Enquanto existem excepções notáveis, os cientistas que investigam estão normalmente limitados a uma combinação de advertências didáticas, utilização excessiva do escalão técnico e inexperiêncía em lidar com os meios de comunicação social. Consequentemente, uma descoberta importante pode permanecer incógnita durante decénios até ser transformada numa exigência pelas organizações empresariais (Greenpeace, Friends of the Earth, Sierra Club) ou individuais (Paul Ehrlich, Jeremy Rífkin). A atividade de formulação das exigências do Greenpeace, por exemplo, não faz muito para ir para além da sua capacidade para construir problemas ambientais inteiramente novos, mas para a partir do seu génio selecionar, estruturar e elaborar interpretações científicas que teriam, de outra forma, passado despercebidas ou sido deliberadamente censuradas (Hansen 1993b: 171). Na verdade, a natureza da relação entre a comunicação social e os grupos de pressão ambiental como o Greenpeace têm-se tornado suficientemente institucionalizada (Anderson 1993: 55), tornando-se difícil para um problema emergente penetrar na área dos meios de comunicação social sem, pelo menos, uma validação simbólica dos últimos. Na reunião de um problema ambiental nem todas as explicações são criadas de igual forma. As exigências que permanecem com dificuldade em compreender os conceitos como «entropia» têm muito menos possibilidades de se adaptar, do que aqueles que têm no seu núcleo construções mais prontamente compreensíveis, por exemplo, «extinção» ou «excesso demográfico». Por vezes, a explicação básica de uma exigência apenas se torna compreensível no contexto de uma «crise» política, económica ou geográfica. Foi este o caso em 1973 quando a ação concertada da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o cartel dos produtores de petróleo, criou uma crise de energia nas nações industriais no Ocidente. De forma semelhante, o Verão anormalmente quente de 1988 deu ao problema do aquecimento global um realce experimental visível. Apresentação das exigências ambientais

Ao apresentar uma exigência ambiental os empresários têm um duplo formato: precisam liderar a atenção e legitimar a sua exigência (Solesbury 1976). Enquanto não estiverem relacionadas, constituirão duas tarefas bastante distintas. Como o modelo de Hilgartner e Bosk realça (1988), as áreas através das quais os problemas sociais

62 vieram a ser definidos e transmitidos ao público são altamente competitivas. Para liderar a atenção, um problema ambiental potencial deve ser visto como novidade, importante e compreensível - os mesmos valores que caracterizam uma nova seleçâo em geral (Cans 1979). Um modo efetivo de liderar a atenção é através da utilização pelos reivindicadores de figuras gráficas, verbalizações apelativas e figuras visuais. Assim, a extrema redução da camada de ozono tornou-se muito mais «vendável» como problema ambiental quando representada como um «buraco» que se expande; o entreterimento para crianças americana, Bill Shontz, gravou inclusivamente uma canção de sucesso intitulada Buraco no Ozono. De forma semelhante, os efeitos da chuva ácida foram dramatizados com êxito quando os ambientalistas alemães começaram a utilizar o termo Waldsterben (morte das folhas da floresta). A linguagem visual pode ser especialmente poderosa em levar a cabo esta tarefa. Por exemplo, os dados técnicos sobre o tamanho dos grupos de focas e dos stocks de bacalhau perderam instantaneamente relevância quando Brian Davics e outros ativistas publicaram fotografias, nos meios de comunicação social, de filhotes de focas a serem espancados até à morte nos campos de gelo de Labrador. Não é invulgar, contudo, que estas imagens sejam expostas por forma a realçar uma imagem central. Mazur e Lee (1993: 711) deram vários exemplos marcantes disto. As fotografias do satélite da NASA da camada de ozono por cima da Antárctida tornaram-se um «logotipo» do problema, transformou gradações contínuas na concentração real do ozono numa escala ordinal que é codificada com cores, transmitindo a impressão errada de que um buraco discreto e identificável poderia na realidade estar localizado na atmosfera por cima do Pólo Sul. Em Agosto de 1988, um artigo do New York Times sobre a

Page 11: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

destruição da floresta tropical foi acompanhado por uma impressionante fotografia de satélite da Amazônia em chamas e que foi criada por Alberto Setzer do Instituto Brasileiro de Investigação Espacial. A fotografia mostrava o que pareciam ser cerca de 100.000 fogos; contudo, foi na realidade uma montagem de muitas fotografias separadas e incluía fogos em áreas de crescimento da floresta secundária, assim como da floresta virgem. As questões ambientais podem ser forçadas a tornarem-se proeminentes quando são exemplificadas por acidentes particulares ou acontecimentos, por exemplo, os acidentes nucleares em Chernobyl e Three Mile Island, o desastre químico de Bhopal, o naufrágio elos petroleiros Torreu Canyon e Exxon Valdez. Acontecimentos dramáticos como estes são importantes porque ajudam à identificação política da natureza de uma questão,

63 as situações a partir das quais surgem, as causas e os efeitos, a identidade das atividades e os grupos na comunidade que estão envolvidos na questão (Solesbury 1976: 384-5). Staggenborg (1993) identificou seis tipos principais de «acontecimentos críticos» que afec]tam os movimentos sociais como o movimento ambiental. Os acontecimentos políticos e sócio-econômicos em larga escala como guerras, depressões e eleições nacionais influenciam as oportunidades de ação coletiva devido à alteração da percepção das queixas e às ameaças; por exemplo, a eleição do Presidente dos EUA Ronald Reagan, em 1980, conduziu ao aumento dos membros em grupos ambientais 5, visto que aumentou o espectro da livre corrida empresarial descontrolada nos parques nacionais e outros locais selvagens. Os desastres nacionais e as epidemias podem representar um ponto de viragem no movimento, realçando as queixas e levando ao crescimento do movimento. De forma semelhante, os acidentes nucleares e industriais podem ser potencialmente úteis no movimento através da simples utilização de políticas e características da estrutura do poder que estão normalmente escondidas; por exemplo, o poder das companhias de petróleo no derrame de petróleo em Santa Bárbara (Molotch 1970). Encontros críticos envolvem interação frente a frente entre as autoridades e outros actores dos movimentos centrando a sua atenção nas questões do movimento. Um exemplo recente desta série de confrontações entre os protestantes e a polícia juntamente com o derrubada de árvores de Clayoquot Sound na ilha de Vancôver. As iniciativas estratégicas são acontecimentos criados por ações deliberadas levadas a cabo por apoiantes ou opositores dos movimentos avançados ou objetivos dos contramovimentos. Os acontecimentos que tem lugar e são característicos das campanhas do Greenpeace são disto exemplos, como a publicação de livros polêmicos como o de Paul Ehrlich The Population Bomb e o de Jeremy Rifkin Befond Reef. Finalmente, os resultados das políticas são respostas oficiais à ação colectiva por um movimento ou contramovimento - conjunturas críticas em que os movimentos são forçados a renegociar as suas estratégias, táticas e objetivos em consequência das mudanças no ambiente político. A decisão da administração de Roosevelt em 1914, de começar a construção da barragem de Hetch Hetch no Parque Nacional de Yosemite, por forma a fornecer água ao oleoduto de São Francisco foi 5 O número total de membros das cerca de doze organizações ambientais nacionais nos EUA aumentou de quatro milhões em 1981 para, aproximadamente, sete milhões em 1988 (Bramble e Parker 1992: 317).

64 uma decisão desse géneto, visto que destruía qualquer possibilidade de uma aliança posterior entre a fonte dos conservadores dos recursos representados por Gifford Pinchot e os preservaclores liderados por John Muir. A discussão de Staggenborg dirigia-se primariamente às questões da mobilização e estratégias do movimento social, mas a sua tipologia de acontecimentos é relevante para a representação das exigências ambientais à medida que as organizações ambientais representam, muitas vezes, os formuladores primários das exigências nesta fase da construção dos problemas ambientais. Claro que nem todos os acontecimentos críticos são garantidos no sentido de gerar um problema de importância. Segundo Enloe (1975: 21), um acontecimento dá origem a uma questão ambiental quando:

1) Estimula a atenção dos meios de comunicação social; 2) Envolve alguma arma do governo; 3) Exige uma decisão governamental; 4) Não é eliminado; pelo público como um fenômeno que acontece apenas uma vez; e

Page 12: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

5) Relaciona-se com os interesse pessoais de um número significativo dos cidadãos.

Estes critérios são parcialmente uma função do próprio incidente, mas depende igualmente da exploração com êxito do acontecimento pelos promotores ambientais. Ao apresentar as exigências ambientais, os líderes do movimento entram no que Show et al. (1986) designou por processo de «alinhamento estrutural», isto é, grupos ambientais inserem-se e manipulam as preocupações e percepções públicas existentes: por forma a alargar o seu apelo. Por exemplo, o Greenpeace escolhe primariamente os tópicos e organiza campanhas em áreas que podem emprestar a si próprias a maior ressonância pública possível (Eyerman e Jamison 1989: 112) enquanto evitam aqueles que estão divididos. De forma semelhante, os opositores dos movimentos ambientais tentam apelar a um público mais vasto através da ligação de novas tecnologias ou programas a questões e causas populares. Assim, a indústria da biotecnologia tem tido êxito em alimentar a imagem pública de uma tecnologia benigna e de incrementação, o que é útil na promoção do desenvolvimento econômico (Plein 1991). Liderar a atenção não é, contudo, suficiente para levantar uma nova questão na agenda para debate público (Solesbury 1979: 387). Em vez disso, os problemas ambientais emergentes devem ser legitimados em múltiplas áreas - meios de comunicação social, ciência e público. Uma forma para atingir esta legitimidade é através da utilização das

65

táticas e estratégias retóricas mencionadas por Best (1987) e Ibarra e JKitsuse (1993). Em vez de seguir uma ordem cronológica, como sugere Best, a retórica ambiental tornou-se cada vez mais polarizada. As ecofeministas, ecologistas profundos e outros críticos da sociedade pós-industrial têm tendência para adoptar uma «retórica da retidão» que justifica a consideração os problemas ambientais sob bases estritamente morais. Pelo contrário, os pragmáticos ambientais, que advogam diversas versões de «desenvolvimento sustentável», têm tendência para uma retórica da racionalidade. O negócio «verde», por exemplo, é baseado na premissa de que o ambientalismo pode ser socialmente útil e proveitoso. Esta clivagem pode ser ilustrada no caso da perda da floresta tropical no Brasil, Malásia e Indonésia. Os pragmáticos argumentam que a perda destas florestas tropicais é um grave problema visto conduzir à extinção de insetos, plantas e animais indígenas raros que são valiosos para as companhias farmacêuticas como fontes de novas drogas milagrosas. Os puristas ambientais, por outro lado, baseiam as suas exigências numa retórica que realça o valor espiritual inerente a estes habitats em perigo 6.

As exigências ambientais podem igualmente ser legitimadas quando os seus patrocinadores se tornam fontes de informação legitimas e proeminentes. Hansen (1993b) demonstrou que o Greenpeace alcançou este tipo de êxito sustentado como formulador de exigências de diversas formas: agindo com uma conduta para a disseminação de novos desenvolvimentos científicos entre a comunidade de investigadores e os meios de comunicação social; tornando-se o «significado da estenografia» para tudo o que é ambiental - cuidados com o ambiente, modos de vida ecológico, atitudes ambientais conscientes - e através da produção de conhecimento e informação que pode ser utilizado nas arenas de debate público (ver Eyman e Jamison 1989). Por vezes é possível precisar um acontecimento que constitui o ponto de viragem para o problema ambiental e quando entra na zona da legitimidade. Relativamente ao aquecimento global, isto aconteceu nas audições do senado americano em 1988 quando o Dr. James Hansen fez a exigência de que ele estava 99 por cento certo de que o aquecimento dos anos 1980 não se devia ao acaso, mas ao aquecimento global. No caso da redução da camada de ozono, o acontecimento principal foi um relatório da NASA/NOAA de 1988 que forneceu 6 Note-se, porém, que no decurso da angariação de fundos e lobbies, importantes organizações de conservacionistas têm tendência a utilizar as duas retóricas, ancorando os seus apelos nos pressupostos morais e racionais (Yearley 1992: 26).

66 uma dura prova que implica pela primeira vez os CFC (Clorofluorocarbonetos) na destruição da camada de ozono. Com as dioxinas das fábricas de papel, foi o lançamento do «estudo de 5 fábricas de papel» que mostrou vestígios deste químico tóxico detectado em vários produtos de papel domésticos e que resultou na história de primeira página no New York Times, lançando este problema nos Estados Unidos e, mais tarde, no Canadá (Harrinson e Hoberg 1991). Contudo, as descobertas científicas e o seu testemunho não são

Page 13: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

sempre suficientes para impulsionar um problema ambiental, para além do ponto de ruptura da legitimidade. No caso do aquecimento global, o testemunho inicial ao senado do Dr. Hansen em 1986, onde ele previu que o aquecimento global significativo poderia ser sentido dentro de cinco a quinze anos não atraiu uma cobertura ou preocupações comparáveis. Isto só aconteceu dois anos mais tarde quando se deu uma mudança significativa nas práticas dos meios de comunicação social e na atenção do público (Ungar 1992: 492). De forma semelhante, a publicação por Molina e Rowland em 1984 no jornal Nature da sua teoria sobre a destruição da camada de ozono pelos CFC apenas originou uma cobertura limitada na imprensa californiana. Foi apenas mais tarde quando a questão se ligou a reclamações de que outros gases ele latas de aerossóis, nomeadamente o cloreto de vinil, estavam ligados ao cancro da pele, que foi prestada uma ampla atenção e legitimidade pelos meios de comunicação aos seus dados (Mazur e Lee 1993: 686). Contestação das exigências ambientais Mesmo se uma exigência ambiental emergente conseguir transcender o liminar da legitimidade, isto não assegura automaticamente uma ação de melhoramento a ser tomada. Tal como Cold et al. (1993: 229) realçaram, pode-se interpretar a história da proteção ambiental a partir da posição que os movimentos ambientais têm sido muito mais bem sucedidos na entrada na ampla lista da agenda internacional, do que em conseguir a institucionalização das suas políticas no âmbito desta agenda, especialmente onde estas políticas possam requerer a recolocação de fontes longe de interesse de capitais em larga escala e atores burocráticos do Estado. Solesbury (1976: 392-5) observou um número de fatores que podem contribuir para uma questão; que se perca no ponto de decisão ou ação. Limitações externas importantes, tais como a instalação de uma crise econômica nacional

67 podem conduzir a um problema que é adiado, e depois abanado no seu conjunto. Um problema pode ser transformado numa questão política menos ameaçadora. Os opositores no âmbito das burocracias governamentais podem utilizar um número de táticas - adiamento da discussão, recorrer de um item para posterior investigação ou emenda - assegura que um problema não será imediatamente alvo de legislação. Consequentemente, apelar para a ação numa exigência ambiental exige uma contestação em ação pelos seus formuladores procurando efetuar uma mudança política e legal. Enquanto o apoio científico e atenção dos meios de comunicação social continuam a constituir uma parte importante do pacote de exigências, o problema é principalmente contestado no âmbito da arena política. Contestar um problema ambiental no âmbito da corrente política é uma arte, dadas as pressões com que os legisladores se deparam.

Consideremos, por exemplo, um artigo recente (Geddes 1994) sobre grandes quantidades de interesses em conflito que devem ser dirigidos pela ministra do Ambiente Sheila Copps, à medida que ela se prepara para introduzir novos regulamentos controversos sobre a avaliação do ambiente federal. Se os reguladores forem demasiado ambiciosos, Copps «recorrerá a uma serra circular» proveniente das províncias do Quebeque e Alberta que interpretará isto como uma incursão nos seus poderes constitucionais. Se os regulamentos forem demasiado rigorosos, os lobbies dos negócios, especialmente os setores do petróleo e do gás, objetarão energicamente. Se ela fizer muito pouco, os grupos ambientais serão críticos, acusando-a de fracassar para concretizar bem as promessas durante a eleição do Partido Liberal em introduzir regulamentos muito mais duros do que os propostos pelo anterior governo conservador. Os empresários ambientais devem guiar com destreza as suas propostas através de um aglomerado de grupos de interesse político, muitas vezes conflituosos, a quem foi atribuída responsabilidade, sendo cada um deles capaz de impedir o trabalho ou derrubar as propostas. Tal como observou Walker:

As políticas (ambientais) raramente resultam de um processo racional em que os problemas são identificados com precisão e, depois, cuidadosamente ligados a soluções optimizadas. A maior parte das políticas emergem duvidosamente, aos poucos a partir de uma complicada série de contratos e compromissos que refletem as tendências, objetivos e necessidades de realce das agências estabelecidas, comunidades profissionais e empresários políticos ambiciosos.

(981:90)

68

Page 14: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Kingdon (1980) observa que as propostas de políticos que sobrevivem nesta selva política satisfazem geralmente este critério básico.

Primeiro, os legisladores devem ser convencidos de que uma proposta é tecnicamente exequível, isto é, se decretada, a ideia resultará. Este poderá não ser o caso do que devia ter sido feito; por exemplo, a Lei das Espécies em Perigo nos Estados Unidos resultou de forma muito menos perfeita na sua implementação do que no papel. Contudo, uma proposta deve, pelo menos, inicialmente parecer ser cientificamente e politicamente administrável.

Em segundo lugar, uma proposta que sobrevive na comunidade política deve ser compatível com os valores dos formuladores de políticas. Visto que a maior parte dos burocratas e políticos não partilham as visões ecocêntricas do vice-presidente americano AI Gore, isto significa que as soluções que refletem o Novo Paradigma Ecológico têm fortes possibilidades de ir muito longe, a menos que exista uma percepção generalizada de crise. Em vez disso, as soluções ambientais que parecem superficialmente ser neutrais têm mais possibilidades de ser aceites, do que aquelas que parecem ideologicamente fracas. Além disso, os problemas que são estruturados em termos utilitários vão, muitas vezes, mais além daqueles que não o são. Isto significa que os argumentos feitos com interesses financeiros em mente - números e estatísticas traduzidas em dólares (libras) - têm mais possibilidades de encontrar eco do que aqueles apresentados unicamente com base nas justificações morais (Hunt et aI. 1994: 200-1).

A política ambiental não é, de forma nenhuma, uma empresa perfeitamente previsível e consistente. Por exemplo, Milton (1991) sugeriu que o governo britânico adopta regularmente uma abordagem contraditória em relação ao ambiente. Nas questões da poluição doméstica adopta uma posição rígida e hierárquica que tende a retardar a mudança. Isto foi bastante evidente, por exemplo, na resposta britânica ao problema das chuvas ácidas. Pelo contrário, nos problemas ambientais internacionais, tais como o aquecimento global, o Reino Unido adotou uma abordagem «mais empresarial». Nas questões da vida selvagem e de conservação é favorecida uma abordagem que constitui uma mistura hierárquica e empresarial. Por vezes, levantar-se-á uma questão na agenda política por razões totalmente inesperadas. Isto aconteceu com o efeito de estufa que inicialmente alcançou a expressão de gravidade, não em termos de ameaça a longo prazo para o clima mundial, mas em relação ao que era basicamente uma questão secundária: as implicações

69 ambientais do desenvolvimento em larga escala do avião de transporte supersónico (55T) no início dos anos 1970 (Hart e Victor 1993-4).

Assim, contestar com êxito em relação a uma exigência ambiental na arena política requer uma única mistura de conhecimento, tempo e sorte. Este processo é, muitas vezes, pela condução dos acontecimentos em relação a um desastre como o acidente nuclear de Three Mile Island que abriu as «janelas políticas» (Kingdon 1984: 213) que, de outra forma, permaneceriam fechadas. Isto não significa que o estabelecimento da agenda e a ação legislativa sejam totalmente casuais, mas que o processo é altamente casual segundo um número de fatores internos e externos, muitos os quais não estão ligados aos momentos óbvios do caso.

Ao mesmo tempo, poderá existir igualmente concorrência em relação à «pertença» de um problema ambiental. Isto pode tornar-se particularmente rancoroso quando uma das partes que contesta é afastada das fileiras daqueles diretamente vitimados por um problema. Existem muitos exemplos disto no campo dos problemas sociais, indo desde os «movimentos de liberação em relação aos padrões», tais como a campanha dos direitos das «prostitutas americanas» (Jeness 1993; Weitzer 1991) até aos grupos de direitos de vítimas; por exemplo, o que foi formado recentemente para as doentes de cancro da mama. Isto é menos comum em relação aos problemas ambientais que geralmente têm um impacto mais difuso. Contudo, um exemplo significativo é a atual disputa em relação à questão da pertença da «biodiversidade» como recurso e como problema ambiental (ver capítulo 8). Esta luta opõe uma coligação de pequenos agricultores, ativistas ecológicos e outros no Terceiro Mundo contra o estabelecimento da conservação: biólogos, burocratas de organizações não governamentais e ministérios governamentais que lidam com o comércio e questões ambientais.

Hawkins (1993) identificou três paradigmas de tipos ideais que ocupam cada vez mais o discurso contestado sobre o futuro ambiental. A continuação do «paradigma de gestão global» advoga a detecção e

Page 15: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

solução, dos problemas no povo em geral, através de uma configuração existente de Estados e organizações internacionais apoiadas por peritos científicos e ambientalistas profissionais no âmbito das ONG (Organizações Não Governamentais). Esta abordagem diminui o papel das percepções e definições locais dos problemas, e poderá na ocasião culpar inclusivamente os pobres das

70 nações do Terceiro Mundo por causarem a degradação ambiental. O «paradigma do desenvolvimento redistributivo» reconhece a necessidade de uma maior equidade nos assuntos relativos ao desenvolvimento nos países do Sul. Propõe que tais desigualdades possam ser redefinidas através de um número de medidas inovadoras, tais como o Fundo Verde no Banco Mundial ou as negociações em relação à natureza da dívida. O «Novo paradigma da ordem de apoio internacional» apela a uma reestruturação fundamental da ordem mundial, de tal forma que as nações do Terceiro Mundo exigem uma voz mais direta no estabelecimento do equilíbrio entre o pacto económico e social.

Hawkins representa a construção do ambientalismo internacional como o reflexo de uma luta entre os apoiantes destes três paradigmas. A disputa para a pertença da biodiversidade é uma manifestação recente disto; o conflito relativo à mudança climática global é outro. Até mesmo a linguagem utilizada na definição desta área contestada é em si própria socialmente construída. Por exemplo, os países do Norte adaptaram uma linguagem «globalizada» para descrever a situação nas nações do Sul em que os «nossos» problemas ambientais (mudança climática, destruição da camada de ozono) são causados pelos «seus» problemas de desenvolvimento (perda da floresta, excesso demográfico), situação que é resolúvel apenas abraçando estratégias de «desenvolvimento sustentáveis» (Redclift e Woodgate 1994: 64-5). Atualmente, os dois primeiros paradigmas ainda predominam, mas o novo paradigma da ordem de apoio internacional parece estar a fazer algumas incursões significativas.

Audiências para as exigências ambientais

Para além das capacidades dos formuladores de exigências e a gravidade da própria situação, o êxito de uma exigência ambiental reconhecida pode também ligar-se à magnitude do público que é mobilizado em torno da exigência, isto e, a onda de apoio do público, não marca apenas o aumento da consciência de um problema, mas pode constituir também uma valiosa fonte para captar a atenção política

Para os sociólogos, o problema está na forma segura como pode medir o tamanho e influência do público. Tal como Ungar

71 (1994: 298) realçou, o potencial para os formuladores de exigências ambientaís para utilizar a opinião pública como fonte é paradoxalmente aumentada e limitada nos questionários levados a cabo. Isto é, os questionários feitos ao público hoje em dia raramente representam o apoio às posições contestadas, optando, em vez disso, por medidas mais abrangentes de preocupação ambiental, tais como a «Nova Escala do Paradigma Ambiental» desenvolvida por Riley Dunlap e os seus colegas. Isto produz um barômetro tão vago da opinião pública que virtualmente qualquer grupo do lado «pro-ambiental» pode exigir representá-Ia, mas, ao mesmo tempo, torna difícil medir reações específicas a questões específicas. Alternativamente, poder-se-a procurar por outros indicadores de apoio público - comportamento de reciclagem, consumo «verde», participação nos acontecimentos e mobilizações ambientais, mas estas são igualmente medi-à-as imperfeitas da opinião pública.

Contudo, uma onda de opinião pública pode levar uma exigência até à agenda política, por vezes, de um modo dramático. Na controvérsia de «Alar» nos Estados Unidos, por exemplo, os receios do público em relação às toxinas, traduzidos no boicote a curto prazo do consumo das maçãs, embora os dados sobre os riscos tenham mais tarde sido considerados menos seguros do que se pensou originalmente. De forma semelhante, a preocupação pública com a «Doença das Vacas Loucas» na Grã-Bretanha foi suficientemente séria para os governos terem agido de uma forma preventiva, nem sempre muito evidente no caso dos riscos potenciais.

Page 16: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

É claro que nem todas as exigências ambientais tiveram êxito no sentido de elevar a bandeira vermelha para as preocupações do público. Algumas exigências são vistas como demasiado extremistas, demasiado misantrópicas ou demasiado complexas. Outras, levantam-se contra poderosas contra-exigências. Algumas fracassam devido ao fato de os mandatos de respostas mitigantes ou as condições preventivas serem um sacrifício para a vida toda demasiado grande.

A o considerar a razão por que algumas exigências ambientais captam a atenção do público e outras não, poderá ser útil olhar para a área da investigação publicitária. Num estudo comparativo recente em larga escala que examinou as atitudes de 30 000 consumidores em 21 países, a agência nova-iorquina de publicidade Young & Rubicon elaborou um modelo de marketing, o «Brand Asset Valuator» (avaliador de produto) que isola quatro fatores

72 fundamentais que prevêem o impacto de um produto no mercado: exclusividade, relevância, estatura e familiaridade (Escócia 1994).

No caso das exigências ambientais, o exclusivo ou particularização refere-se até que ponto o público se apercebe de um problema como distinto de outros de natureza semelhante. Por exemplo, os formuladores de exigências em relação às chuvas ácidas tiveram êxito na "distinção feita desta condição em relação a outra categoria mais abrangente da poluição atmosférica. As estratégicas retóricas são aqui importantes, na criação de classificações distintivas para os problemas emergentes, assim como para a invenção de códigos simbólicos que se podem ligar a uma exigência, por forma a conferir uma identidade distintiva.

A relevância, refere-se ao grau de interesse de um determinado problema ambiental para o cidadão comum. Isto nem sempre é fácil de demonstrar, mesmo quando o problema acontece nos próprios quintais das pessoas. É especialmente difícil no caso dos problemas ambientais globais que têm as suas origens em zonas distantes do mundo. Assim, a extensão das condições de seca nas nações pobres vida África tem pouca relevância no Sudoeste dos Estados Unidos, contudo, as faltas de água a nível regional obrigando a que os cidadãos locais deixem de regar os seus relvados e encher as piscinas, são bastante significativas.

A estatura denota o quanto um consumidor sente e pensa em relação a uma determinada marca. No caso do ambiente, este refere-se às atitudes do público em relação ao local, pessoas ou espécies em perigo. Não é casual o fato de o movimento de protecção da vida selvagem, mobilizado pela primeira vez no século XIX, devido ao perigo em que se encontravam os nossos tão adorados pássaros canoros, por causa dos caçadores e do comércio de penas. De forma semelhante, os parques nacionais e os monumentos - o Yellow Stone Park nos Estados Unidos, o Lake District na Grã-Bretanha, o Great Barrier Reef na Austrália - têm uma estatura simbólica considerável que virá ao de cima se estes lugares forem postos em perigo. Pelo contrário, as comunidades negra e hispânica de baixo rendimento da América do Sul, que se deparam com graves ameaças de poluentes tóxicos, foram de há muito consideradas de baixa estatura, especialmente pelo público da classe média.

Finalmente, a familiaridade refere-se ao quanto um determinado problema é conhecido do público. Os meios de comunicação social têm um papel importante na educação sobre o meio ambiente, espécies e lugares que poderão ter estado para além do nosso domínio

73 ou experiência pessoal. Por exemplo, em 1992 foi anunciado que cientistas no Vietname central tinham descoberto a sao Ia, um mamífero desconhecido até então do resto do mundo, e parecido com uma cabra. Quase de um dia para o outro, a sao Ia tornou-se uma superestrela dos meios de comunicação social, em consequência do frenesi dos meios de comunicação social motivados pelos cientistas, ambientalistas e imprensa 7. Celebrizada nas páginas das revistas National Geographic e People, tornou-se «o equivalente zoológico à descoberta de um novo planeta» (Shenon 1994). Em alguns casos, os ativistas ambientais podem levar a cabo uma ação coletiva, por forma a familiarizar o público com a exigência. Por exemplo, as práticas de destruição óbvia nas velhas florestas da British Columbia tornaram-se recentemente amplamente conhecidas na Europa e América, em parte devido à extensa cobertura dos meios de comunicação social dos protestos pelos ativistas ambientais nas estradas feitas com o derrube de árvores e relativos às ações da legislatura provincial. Contudo, em vez de aumentar o desenvolvimento de uma exigência a familiaridade

Page 17: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

pode, em última análise, produzir o cansaço por parte do público em geral, especialmente se não surgirem novos desenvolvimentos. É este o caso mesmo que o problema seja distinto e relevante. De fato, o público tem um sentido inerente de Jair play que dita que atividades como a insensível e «esmagadora poluição» são inaceitáveis, mesmo que o criticismo seja devidamente merecido.

As exigências ambientais com êxito devem, pois, possuir elementos de vitalidade e desenvolvimento que assegurem que eles não desapareceram num mar de desinteresse ou irrelevância. Fatores necessários para a construção com êxito de um problema ambiental

É possível identificar seis fatores que são necessários para a construção com êxito de um problema ambiental. São os seguintes:

Primeiro, um problema ambiental deve ter uma autoridade científica para a validação das suas exigências. A ciência poderá muito bem 7 Infelizmente, a sao Ia ficou recentemente em perigo de extinção, devido ao facto de coleccionadores de todo o mundo tentarem obter um exemplar, chegando a oferecer quantias até um milhão de dólares (Shenon 1994).

74 ser um «amigo incerto» para o movimento ambiental, tal como Yearley (1992) sugeriu, mas, apesar de tudo é virtualmente impossível para uma condição ambiental ser transformada com êxito num problema sem um corpo de dados de confirmação que tenha origem nas ciências físicas e da vida ...

1. Autoridade científica para a validação das exigências. 2. Existência de «propagadores» que possam estabelecer a ligação entre o ambientalismo e a ciência. 3. Atenção dos meios de comunicação social onde o problema é «estruturado» como novidade e

importante. 4. Dramatização do problema em termos simbólicos e visuais. 5. Incentivos económicos para tomar uma ação positiva. 6. Emergência de um patrocinador institucional que possa assegurar legitimidade e continuidade.

Isto acontece especialmente com os problemas ambientais mais recentes, aqueles cuja existência repousa

sobre uma construção científica nova (ver discussão da perda da bíodiversidade no capítulo 8). Em segundo lugar, é crucial ter um ou mais propagadores científicos que possam transformar o que, de

outra forma, permaneceria uma investigação fascinante, mas esotérica numa exigência ambiental pro-ativa. Em alguns casos (por exemplo, Edward Wilson, Paul Ehrlich, Barry Commoner), os propagadores podem eles próprios ser empregues como cientistas; noutros (por exemplo, Jonathan Porrit, Jeremy Rifkin), eles são autores ativistas cujo conhecimento científico vem em segundo lugar. Seja quais forem os seus antecedentes, estes propagadores assumem um papel de empresários, reestruturando e construindo exigências, para que possam apelar aos editores, jornalistas, líderes políticos e outros opinion-makers.

Em terceiro lugar, um problema ambiental esperado deve receber a atenção dos meios de comunicação social, em que a exigência relevante é «estruturada» como real e importante. Tem sido este o caso em muitos dos sobejamente conhecidos problemas do presente decénio; por exemplo, a destruição da camada de ozono, a perda da biodiversidade, a destruição da floresta tropical, o aquecimento global. Pelo contrário, outros problemas ambientais significativos fracassam em chegar até à agenda pública, devido ao fato de eles não serem considerados especialmente válidos pra se tornarem notícia. Por

75 exemplo, em muitas cidades canadianas a falta de tratamento dos esgotos urbanos é endêmica, mas isto recebeu uma cobertura exígua comparado com outros problemas de poluição. Tal como o diretor executivo do Sierra Legal Defense Fund recentemente realçou, um volume de esgotos equivalente a trinta e dois petroleiros do tamanho do Exxon Valdez são despejados todos os dias em rios ou baías locais, contudo, é feito fora do alcance do público com virtualmente nenhuma atenção por parte dos meios de comunicação social (Westell1994).

Page 18: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Em quarto lugar um problema ambiental potencial deverá ser dramatizado em termos altamente simbólicos e visuais. A destruição da Camada de ozonio foi uma das candidatas à preocupação generalizada do público até o declínio da concentração ter sido geograficamente representado como um buraco sobre a Antártida. As práticas maliciosas das principais companhias florestais apenas se tornou um assunto de afronta internacional quando o Greenpeace e outros grupos ambientais começaram a exibir fotografias dramáticas de destruições óbvias na ilha de Vancôver, sendo a área designada por «Brasil do Norte». Imagens como estas fornecem um tipo de atalho cognitivo comprimindo uma discussão complexa numa que pode ser facilmente compreensível e eticamente estimulante.

Em quinto lugar, deverão existir incentivos econômicos víveis no sentido da ação sobre um determinado problema ambiental. Isto acontece com cada uma das três historias detalhadas de casos que serão apresentados em futuros capítulos deste volume. No caso das chuvas ácidas, uma variedade de grupos de interesse, desde agricultores florestais a associações de caçadores da Floresta Negra no Sul da Alemanha até aos produtores de xarope de bordo da Nova Inglaterra e Canadá oriental, apoiaram a afirmação dos cientistas e ambientalistas de que as emissões de dióxido de enxofre das fundições e centrais elétricas estavam a causar a destruição da floresta. O caso de agir corajosamente para parar a perda da biodiversidade foi levantado com base na discussão de que as florestas tropicais continham uma riqueza de produtos farmacêuticos que ainda não foram utilizados, e que desapareceria para sempre se nada fosse feito.

A campanha contra a hormona geneticamente gerada BST encontra um grande apoio nos agricultores e legisladores em diversos Estados do Norte, nos quais os produtos derivados do leite enfrentam uma perda de rendímento se a biotecnologia se tornar amplamente utilizada. Ao mesmo tempo, as exigências ambientais que trazem consigo incentivos econômicos para um grupo, podem igualmente implicar custos para outros, provocando assim uma severa oposição.

76

Este foi certamente o caso das chuvas ácidas; dos produtores de dióxido sulfúrico, como O Comité da Central Geradora de Electricidade na Crã-Bretanha contestou vigorosamente a definição e os parâmetros do problema, tal como foram apresentados pelos formuladores de exigências ambientais.

Finalmente, para um problema ambiental esperado ser completamente contestado com êxito, deveria existir um patrocinador institucional que pudesse assegurar a legitimidade e continuidade. Isto é especialmente importante quando o problema tenha feito a agenda política e se procure a legislação. Internacionalmente, isto pode ser visto no importante papel desempenhado pelas agências e ONG associadas às Nações Unidas.

Conclusão

Desenvolverei esta visão social construcionista do meio ambiente nos capítulos 3-6, começando pela análise da natureza emergente e colaboradora dos riscos ambientais e do conhecimento. Eu sustento que o conceito de ambientalismo é uma construção em si própria multifacetada que consolida um conjunto e filosofias, ideologias, especialidades científicas e iniciativas políticas. Como parte desta discussão, são dedicados capítulos separados ao papel central do discurso dos meios de comunicação social e ao da ciência na interpretação e moldagem dos contextos, as condições e consequências da crise ambiental.

Apresento depois, três estudos de casos para ilustrar a dinâmica através da qual os problemas ambientais são pressagiados, legitimados e contestados. O primeiro destes problemas são as chuvas ácidas, é um problema ambiental maturo que tem sido alvo da atenção das pessoas há mais de um quarto de século. Ao contrário do aquecimento global ou da destruição da camada de ozono, os seus efeitos têm sido mais continentais, do que globais, embora provas da precipitação ácida tenham sido encontradas em sítios tão distantes quanto a Antárctida. Um segundo e mais recente problema, a «perda da biodiversidade» tornou-se um dos problemas mais proeminentes dos anos 1990, tal como é evidenciado pelas características do seu desenvolvimento na Conferência do Rio em Junho de 1992. Não tem um impacto físico sobre todo o planeta ao mesmo tempo, como acontece com outros problemas ambientais. Contudo, a política e a economia da perda da biodiversidade são de tal forma que alcançam todo o

77

Page 19: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Norte e Sul, exigindo, assim, soluções no âmbito da arena política internacional. Um terceiro problema, biotecnologicamente como risco ambiental, é examinado através do caso específico da somatotropina recombinante bovina BST, uma hormonio formada pela bioengenharia que foi aprovada recentemente para utilização na indústria americana do produtos lácteos. A controvérsia da BST 8 oferece um exemplo onde se verifica que uma furiosa contestação continua a fazer parte das preocupações dos ambientalistas, ativistas dos direitos dos animais e outros formuladores de exigências, quer esta seja julgada válida ou não. Embora, tenha sido, até agora, limitada primariamente a um estabelecimento nacional, a natureza intrinsecamente relacionada do sistema agro-alimentar global implica que pressões pró e contra a sua utilização na agricultura transcendera inevitavelmente as fronteiras nacionais.

No último capítulo, a formulação social do risco e conhecimento ambiental é examinado no contexto do debate teórico mais amplo no âmbito da Sociologia ao longo da trajetória das sociedades contemporâneas no sentido de um futuro «da última modernidade» versus «pós-modemidade». Depois de analisar duas tentativas para concetualizar as preocupações ecológicas no âmbito de um contexto social mais abrangente - a teoria da «sociedade de risco» de Ulrich Beck a versão da «teoria da modernização ecológica» de MoI e Spaargaren. Eu sugiro diversas formas onde a formulação ambiental e pós-moderna interagem. O livro termina com algumas sugestões para o curso futuro da investigação do meio ambiente a partir de uma perspectiva da formulação social.

8 Esta controvérsia é refletida nos diferentes acrónimos que são utilizados na discussão desta hormona formada pela bioengenharia. Os opositores tentam distingui-Ia da sua forma natural designando-a de BST ou RBGH, enquanto a indústria e os defensores reguladores que alegam que não existe qualquer diferença na utilização dos acrónimos BST ou BHG.

78 Capítulo 4 A ciência como atividade geradora de exigências ambientais

É raro encontrar um problema ambiental que não tenha origem num corpo de investigação científica. As chuvas ácidas, a perda da biodiversidade, o aquecimento global, a destruição da camada de ozono, a desertificação e envenenamento por dioxinas, são exemplos de problemas que começaram com um conjunto de observações científicas. Em última instância, é o suporte científico destes problemas ambientais que os segue acima de muitos outros problemas sociais que dependem mais de exigências de base moral (Yearley 1992:17)

Além disso, os investigadores científicos atuam como «porteiros», à procura de potenciais exigências para lhes atribuir credibilidade. Em 1988, quando a organização ambiental britânica Ark, montou uma campanha de publicidade em que alegava que o degelo das calotas glaciais devido ao aquecimento global aumentaria o nível do mar cinco metros nos próximos sessenta anos, cobrindo assim a maior parte da Grã-Bretanha com água, estimativas científicas mais sensatas que referiam menos de um metro de aumento do nível rapidamente desacreditaram a iniciativa da Ark (Pearce 1991: 288-29). Contudo, paradoxalmente, a própria ciência é frequentemente o alvo deste debate contemporâneo sobre a engenharia genética e os seus efeitos potencialmente danosos sobre o meio ambiente (ver capítulo 9). Em casos como estes, os formuladores de exigências rejeitam explicitamente a racionalidade técnica da ciência a favor de uma alternativa de racionalidade cultural que apela ao «conhecimento do povo, grupos relacionados e tradições» (Krimsky e Plough 1988: 107). A ciência é severamente criticada por intervir com a ordem natural, em vez de admirada por emprestar a sua autoridade a uma exigência.

103

A ciência como atividade geradora de exigências

O perfil da ciência apresentado até agora pareceria sugerir que as descobertas científicas refletem a realidade física do mundo natural de uma forma relativamente direta. A ciência pareceria, portanto, ser uma

Page 20: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

investigação da verdade em que o objetivo global é obter uma reflexão clara da natureza, o mais desprendida possível de quaisquer influências sociais e subjetivas que poderiam distorcer os «fatos».

Contudo, a junção do conhecimento científico está grandemente dependente de um processo de formulação de exigências. A este respeito, Aronson (1984) identificou dois tipos de exigências de conhecimento feitas pelos cientistas: exigências cognitivas exigências interpretativas.

As exigências cognitivas têm por objetivo converter as observações experimentais, hipóteses e teorias em conhecimento público factual acreditado. Blakeslee (1944) descreve este processo de conversão como um processo em que os cientistas devem habilmente apostar em novas exigências enquanto, ao mesmo tempo, as encaixam numa tradição de investigação estabelecida. Ela dá como exemplo o processo cognitivo de formulação de exigências no jornal de física, Physical Review Letters, no qual as cartas dos colaboradores anunciam inovações se assemelharam a relatos jornalísticos de descobertas científicas completas com um arsenal de estratégias retóricas.

As exigências interpretativas, por outro lado, são designadas para estabelecer as implicações mais amplas das descobertas resultantes da investigação para um público não especializado. As exigências interpretativas pedem implicitamente ao público que se certifique da utilidade social da investigação, e o conteúdo da exigência fornece a razão porque deveriam fazê-lo, Por exemplo, no caso do aquecimento global, a exigência cognitiva é a seguinte: os gases dos carros, das centrais de energia e das fábricas estão a criar o efeito de estufa que aumentará a temperatura significativamente ao longo dos próximos setenta e cinco anos. A exigência interpretativa aqui é de que esta tendência para o aumento da temperatura é potencialmente perigosa porque, entre outras coisas, causará a destruição da geografia existente na Terra, a inundação das áreas de menor altitude, como a Holanda ou Nova Orleães e a seca de regiões agrícolas como o centro da América.

Os cientistas não só fazem exigências de conhecimento, mas eles constroem igualmente, de forma rotineira, «exigências de ignorância» (Smithson 1989). Isto significa que os investigadores realçam «fossos»

104 no conhecimento científico disponível, por forma a construir um caso para um posterior fundo para a investigação ou, pelo contrário, para atrasar mais a ação da política nas áreas em que não existem dados suficientes para justificar a regulação ou atividade legislativa (Stocking e Holestein 1993). Como será visto no capítulo 7, este foi o caso da investigação sobre as chuvas ácidas patrocinada pelas instituições da indústria na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos valorizada pela natureza circunstancial dos dados disponíveis. Aronson aponta três tipos de exigências interpretativas que os cientistas fazem: as do problema técnico, cultural e social.

A formulação das exigências interpretativas têm lugar quando os investigadores atuam como conselheiros científicos para a indústria e governo. Isto envolve, muitas vezes, a avaliação dos riscos provocados pelas tecnologias controversas (poder nuclear, engenharia genética) poluentes tóxicos suspeitos (dioxina, mercúrio) e os riscos globais (destruição da camada de ozono, aquecimento global). Enquanto se mantêm na teoria, os conselheiros científicos estão limitados a um papel de avaliação técnica restrito; na realidade, incorporam as suas próprias agendas políticas e exigências de conhecimento nas suas interpretações e recomendações.

Salter (1988) utiliza o termo «ciência mandatada» para se referir à ciência que é utilizada para propósitos de formulação ele políticas públicas, incluindo estudos comissionados pelos representantes e reguladores dos governos para auxiliar nas suas tomadas de decisão. A uma face de necessidade que é emitida pelos peritos da ciência, os membros de painéis de peritos fazem regularmente escolhas e exigências políticas e morais. Estas escolhas são formadas tanto pelas considerações políticas, quanto pelas normas científicas. Por exemplo, um comité de aconselhamento científico que lida com a segurança em relação aos pesticidas pode ter igualmente consciência de que banir um componente químico afetará negativamente uma indústria de 500 milhões de dólares, ao passo que recomendar a sua utilização poderia ter efeitos graves sobre a saúde que apenas se tornariam evidentes dez anos depois. Este conhecimento, observa Salter, afeta as recomendações do comitê, tanto quanto os seus dados técnicos, imbuindo, através disso, as suas atividades de um sabor fortemente interpretativo.

Page 21: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

As exigências interpretativas culturais tentam desenvolver o apoio ideológico para os gastos com a investigação científica e para a autonomia da ciência. Os meios de comunicação social através dos quais as exigências são apresentadas, constituem discursos públicos e artigos

105 em revistas científicas populares (New Scientist, Scientific American) e nas páginas de jornais influentes (New York Times, Washington Post, The Times (Londres), testemunham perante os inquéritos parlamentares e participação nos comitês e painéis do governo-indústria. Em alguns casos, o reconhecimento científico internacional permite ao investigador uma plataforma exclusiva a partir da qual ele pode esboçar preocupações políticas e sociais mais abrangentes. Isto foi o que aconteceu no Canadá quando John Polanyi ganhou o Prémio Nobel de Química e aproveitou a propagação da atenção pública para esboçar uma quantidade de assuntos ao governo, desde os baixos fundos das universidades, ao desarmamento nuclear e à paz. Noutros casos, a ameaça de uma crítica pública do trabalho científico no sentido de fazer exigências interpretativas culturais. Por exemplo, Krimsky (1979) demonstrou que a ameaça de intervenção e controlo externo na investigação da molécula recombinante de ADN nos anos 1970 transformou os cientistas americanos em lobbies surpreendentemente eficazes para a autonomia científica e liberdade de auto-regulação.

As exigências de problemas sociais interpretativos alegam a existência de um problema social que apenas uma especialidade científica particular está equipada para resolver. Aronson identificou três tipos de condições sob as quais os cientistas têm tendência para fazer tais exigências.

A primeira é quando uma nova disciplina não tem nenhuma base no mundo acadêmico e terá, portanto, de apelar a zonas externas para obter fundos e apoio político para o seu trabalho. Até certo ponto, isto tem sido o caso da ciência ambiental que tem sido continuamente criticada por muitos cientistas da corrente principal por fazerem investigação que é defensiva e de baixa qualidade (Rycroft 1991).

A segunda condição é quando cientistas de empresas, sempre na procura de novos fundos de investigação obtidos publicamente, tentam mostrar que a sua investigação em curso contribui para a solução de um problema social reconhecido ou de que resolverá com êxito um problema não reconhecido anteriormente. Isto foi característico da investigação do cancro nos anos 1970, e da investigação da SIDA nos anos 1980.

Uma terceira condição no âmbito da qual existem possibilidades da formulação das exigências relativamente aos problemas ambientais terem lugar, é quando os cientistas são confrontados com movimentos sociais que procuram restringir a sua investigação. Nesta situação, os cientistas são forçados a reunir e promover o seu próprio conjunto de exigências interpretativas, quer para justificar porque razão um problema existe e a sua investigação deveria continuar, ou porque é que a sua investigação não deveria ser interpretada como constituindo um problema.

106

Page 22: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Aronson argumenta que existe uma tendência para as duas primeiras formas de exigências interpretativas, técnicas e culturais serem eventualmente transformadas ou serem incluídas na forma do problema social, devido ao fato de que o que está basicamente em risco ser a utilidade social da ciência. Isto é, os investigadores reconhecem que é uma estratégia melhor construir pro-ativamente um caso pelos benefícios sociais do seu trabalho, em vez de esperar e subsequentemente ter de justificá-lo numa atmosfera de ceticismo e corte orçamental. Incerteza científica e a construção de problemas ambientais

O que particularmente abre portas à criação e contesta dos problemas ambientais é a incapacidade da ciência em dar pravas absolutas - prova inequívoca de segurança. Em vez disso, os cientistas são reauzidos à oferta de estimativas de probabilidades que muitas vezes variam amplamente umas das outras. Esta falta de certeza

107 permite aos formuladores de exigências, dentro e fora da ciência, afirmar que a situação é alarmante, que o risco é demasiado alto e que a sociedade deveria fazer alguma coisa.

Além disso, a corrente principal da ciência e os ativistas «verdes» diferem fundamentalmente em relação à necessidade da intervenção para proteger o meio ambiente. Esta diferença de perspectiva é agradavelmente ilustrada num debate que teve recentemente lugar nas páginas da revista de ciência britânica New Scientist.

Brian Wynne, diretor de investigação do Centro para a Mudança Ambiental na Universidade de Lancaster, e Sue Mayer, diretora científica do Greenpeace no Reino Unido, argumentam que a decisão de levar ou não a cabo uma ação oficial em relação aos riscos ambientais deveria ser governada por um princípio de prevenção. Isto assegura que se existir alguma razão para suspeitar que uma determinada substância ou prática está a pôr em perigo o meio ambiente dever-se-ia, então, levar a cabo uma ação imediata, mesmo que a prova não seja difícil de desfazer. A base lógica por detrás desta visão é de que será demasiado tarde para responder efetivamente se esperarmos por uma resolução científica final durante muitos anos. Nos locais em que o ambiente está em perigo, eles argumentam, «não existe nenhuma fronteira clara entre ciência e política» (Wynne e Mayer 1993: 33).

Page 23: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

A posição oposta é apresenta a por Alex Milne, um químico consultor que passou trinta e quatro anos a trabalhar na indústria de tintas. Milne rejeita o princípio de prevenção, que ele classifica como uma das doutrinas centrais da «ciência verde», constitui uma abordagem inteiramente errada. É pior, alega ele, do que o princípio legal da Alice nos País das Maravilhas, onde o padrão foi «sentenciado primeiro, e o veredicto veio depois; aqui é o veredicto primeiro, o julgamento depois e não há nenhuma necessidade de prova» (1993: 37). O princípio de prevenção, conclui ele, não tem nada a ver com a ciência: é inteiramente um assunto político e administrativo.

Uma grande parte do desacordo anda em torno da forma como a ciência deveria ser feita. Na ciência tradicional, predomina um princípio reducionista. Isto significa que os investigadores dividem um problema no menor número possível de partes constituintes e observam cada uma delas separadamente, controlando o mais possível cada variação. Se quiser observar o efeito dos tóxicos químicos sobre o padrão respiratório dos peixes, isola o peixe num ambiente experimental, varia os números dos químicos e regista os resultados em termos de nascimentos. Pelo contrário, um principio fundamental da ciência «verde» é a necessidade de observar o modo de forma hostil.

108 Visto que tudo está ligado a tudo o resto, não faz sentido desmontar uma teia ecológica experimentalmente. Por exemplo, a imunidade é um sistema complexo que está ligado a uma variedade de fatores, desde a genética à poluição ambiental ao stress sociopsicológico. A causalidade poderá ser indireta ou múltipla, tornando-a tudo menos invisível à perspectiva reducionista da «boa ciência tradicional» Wynne e Mayer 1993: 34).

Em termos políticos, a boa ciência manifesta-se sob a forma de uma abordagem assimiladora que se propõe definir cientificamente a capacidade de um ecossistema para assimilar os poluentes sem incutir danos, e licenciar, depois, as descargas industriais dentro destes limites de segurança «provados». O que isto ignora, acusam os ambientalistas, é a possibilidade de uma interação química entre os poluentes químicos, o que cria um potencial para terminar os efeitos que não foi antecipado pelo modelo de assimilação.

Tal como Salter (1988) observou, são aplicados conjuntos de critérios muito diferenciados dependendo do contexto em que a prova de investigação é avaliada. A ciência convencional possuí uma capacidade profundamente enraizado para lidar com a ambiguidade; na verdade, a maior parte dos artigos dos jornais terminam sempre com uma advertência «é necessário mais investigação».

Pelo contrário, o fardo da prova é mais rigoroso quando os cientistas aparecem perante as audições reguladoras ou na sala de audiências. Aqui, os conceitos legais tais como a «dúvida razoável» são um anátema proeminente para os cientistas que estão socializados para exprimir sempre as suas conclusões em termos condicionais. A este respeito Yearley (1992: 142) realça que a especialidade científica depende dos elementos e julgamentos e capacidade de astúcia, aspectos informais da ciência que pode ser realçado numa audição reguladora ou legal para fazer com que as provas científicas pareçam uma mera opinião. Esta tendência é ainda mais exagerada quando os grupos ambientalistas comunicam utilizando um discurso moral num ambiente onde a convenção exige um discurso predominante científico, legal ou regulador. Este princípio de prevenção é um bom exemplo de um princípio ambiental que opera num plano diferente de certeza em relação às instituições sociais de controlo 1.

1 A Alemanha constitui uma excepção a isto, onde o princípio de prevenção foi consagrado historicamente.

109

O dilema crucial é, pois, de que as exigências dos problemas sociais interpretativo que se mantêm em provas científicas sólidas são geralmente mais «robustas» do que as exigências apenas apoiadas pela opinião (Yearley 1992: 76), mas existe um desacordo fundamental entre ambientalistas, cientistas, reguladores e legistas sobre o que constitui uma prova científica.

Blowers (1993) observou que a prova científica é problemática como base para a formulação das políticas ambientais de cinco formas. Primeiro existe um problema de causa e efeito que temos estado a discutir: isto torna difícil estabelecer responsabilidades pelos efeitos externos produzidos pelas atividades poluidoras. Em segundo lugar, existe um problema de impactos previsíveis: por exemplo, a incerteza em relação à incidência, distribuição, temporização e efeitos do aquecimento global. Em terceiro lugar, a

Page 24: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

incerteza em relação às consequências das ações presentes e os riscos impostos às gerações futuras pela ação presente. Por vezes, outro foco do cenário futuro - o fardo arrasador de uma dívida nacional em espiral poderá desencorajar a tomada de passos profiláticos e audaciosos de melhoramento no momento. Em quarto lugar, a ausência frequente ou escassez dos dados ambientais, não só torna mais difícil fornecer julgamentos científicos sólidos, mas abre as portas à manipulação pelos interesses investidos que exigem que os ambientalistas exageraram o perigo. Finalmente, as interpretações muitas vezes frágeis da ciência ambiental podem facilmente encontrar dificuldades da política em que os conflitos de interesses dominam. Isto é especialmente o caso em que se lida com ideias amplamente especulativas, tais como a hipótese de Gaia, em vez de sistemas articulados mais restritos e mais facilmente capturáveis empiricamente.

Identificação dos problemas ambieniais como questões científicas

É, de fato, raro encontrar um problema ambiental que aparece inesperadamente de um dia para o outro sem alguns antecedentes de debate e observação científica. Em vez de crescer com um caminho linear, o processo através do qual os problemas ambientais são identificados e evoluem como questões científicas é caracterizado pela criação

110 de uma grande quantidade de conhecimentos que se expandem por acaso em direções inesperadas (Kowalok 1993). Os pedaços individuais de dados neste conjunto podem ser gerada através de projetos que empregam os métodos reducionistas da ciência tradicional, mas, no fim, é uma manifestação de análise holística que conduz à compreensão final.

Apesar das aparências no sentido contrário, a delineação básica de muitos problemas ambientais tem sido uma realidade há muito tempo. Por exemplo, a teoria de que o aquecimento do efeito de estufa é causado por emissões de dióxido de carbono geradas pelos humanos é conhecida há mais de um século, mas o efeito de estufa não foi considerado um problema prioritário até aos anos 1980 (Cline 1992: 13-14). De forma semelhante, o termo «chuvas ácidas» juntamente com os seus princípios fundamentais foi pela primeira vez apresentada pelo químico Robert Angus Smith em 1872, mas não emergiu como um problema científico completamente desenvolvido até aos anos 1970 (ver capítulo 7).

O que impulsiona um problema ambiental de longa permanência numa exigência científica atual de proporções críticas?

Em primeiro lugar, a magnitude real ou sentida de uma condição poderá subitamente assumir proporções de «crise». Por exemplo, a extínção das espécies tem-se tomado cada vez mais permanente desde 1600, à medida que os humanos se estabeleceram por todo o globo. Recentemente, contudo, tem sido alegado que nós temos desequilibrado a balança entre o aparecimento de novas espécies e a extinção das existentes (Tolba e El-Kholy 1992). Ao mesmo tempo, a perda de velhas florestas e de plantas e animais chamam a atenção e provoca a preocupação dos biólogos conservadores e outros formuladores científicos de exigências precisamente porque estas fontes naturais estão a baixar até aos últimos 20, 10 ou 1 por cento, fazendo a preservação parecer crucial.

Em segundo lugar, os novos métodos, instrumentos de investigações ou bancos de dados poderão permitir aos cientistas chegar a conclusões que eram impossíveis anteriormente. Por exemplo, os dados fomecidos pela Rede de Química Atmosférica Europeia que começou em 1950 permitiu ao investigador sueco Svante Oden avançar com as suas teorias pioneiras sobre as chuvas ácidas, enquanto as comparações de James Lovelock, sobre as concentrações de fluorocarbonetos na atmosfera inferior com quantidades anuais de produção industrial, abriram as portas aos químicos Mario Molina e Sherwood Rowland para a documentação de uma ligação chave entre os produtos com CFC e a destruição da camada de ozono (Kowalok 1993).

111

Em terceiro Iugar, o caráter holístico dos ecossistemas globais significa que aumentar o interesse

científico e público sobre um problema ambiental gera prontamente interesse noutro problema inter-relacionado. Assim, a preocupação científica com a desflorestação espalhou-se muito para além das

Page 25: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

fronteiras da silvicultura devido, em larga medida, ao papel fundamental que a perda das florestas tropicais tem no que é considerado hoje os dois problemas ambientais mais importantes: o aquecimento global e a perda da diversidade biológica. Mazur e Lee (1993) ilustram isto de um modo esquemático, demonstrando a forma como o aumento da preocupação pública com o problema do meio ambiente global é, na realidade, a interligação de diversas preocupações individualizadas, tendo cada uma delas surgido em diferentes alturas. Esta sinergia não é evidentemente sempre prontamente aparente e os empresários científicos podem ter necessidade de estabelecer explicitamente a relevância de uma questão por outra.

Em quarto lugar, o estabelecimento de programas de investigação oficiais, centros e redes podem criar uma estufa em que um problema ambiental pode ser alimentado com êxito, mesmo se esta não for a intenção original. Por exemplo, a decisão de Dezembro de 1979 pelo Conselho da então Comunidade Europeia para estabelecer um programa de investigação plurianual no campo da climatologia, foi levado a cabo, em parte, devido à preocupação com o que era essencialmente um problema regional - a seca de 1976 que afetou algumas áreas africanas e europeias. Uma vez concretizado este programa tomou-se o centro e a investigação de base no processo físico-químico relacionado com o aumento das concentrações de gases de estufa na atmosfera, e uma fonte a partir da qual as descobertas científicas e termos como «o efeito de estufa» e «mudança climática» circularam para fora dos círculos de formulação de políticas na CE (Liberatore 1992).

Em tudo isto a identificação e caracterização das ameaças ambientais está altamente dependente da rede de conferências e colaborações científicas internacionais (Kolwalok 1993: 36-7). Isto permite, não só aos investigadores tomar conhecimento de novas metodologias técnicas ou encontrar as peças que faltam nos seus próprios puzzles, mas ajuda a edificar a confiança de que não estão sozinhos, uma tentativa especialmente importante de promover a moral quando uma teoria parece radicalmente nova e controversa. Este foi o caso com a investigação que abriu caminho em relação ao problemas das chuvas ácidas, em que os investigadores americanos e canadianos não apreciaram totalmente a relevância global das suas próprias descobertas

112 até se depararem com descobertas semelhantes na Escandinávia, tal como foram apresentadas por Oden na sua digressão de palestras pela América do Norte (Cowling 1982). O surgimento: comunicação de novos problemas ambientais ao mundo não científico

A transição de exigências ambientais cognitivas para interpretativas científicas é comparável a uma cerimónia de «aparecimento» em que o ingênuo faz uma representação pública de identidade. Até um certo ponto, a circulação de informação num círculo científico essencialmente fechado é interrompida e a urgência e proeminência de um problema é partilhada com o mundo exterior.

Uma forma comum de fazer isto é juntar um fórum público, no qual uma mistura de cientistas, ambientalistas e administradores esboçam em conjunto as várias dimensões do problema com todo o resplendor da publicidade dos meios de comunicação social. Alternativamente, uma exigência pode ser articulada nas audições dos congressos ou parlamentos em que a cobertura dos meios de comunicação social é geralmente assegurada. Por exemplo, a declaração de Peter Raven e Edward Wilson no Congresso de 1981, nos Estados Unidos foi importante para o estabelecimento da utilidade econômica da preservação das espécies de insetos em perigo, tais como a borboleta ou a abelha de mel particularmente para o desenvolvimento de novas colheitas, drogas e fontes de energia renováveis (Kellert 1986). De forma semelhante, a questão da destruição da camada de ozono na Grã-Bretanha não foi efetivamente lançada até às audições parlamentares terem lugar no Verão de 1988; estiveram presentes fortes representações em ambos as câmaras com a finalidade de o Reino Unido se tornar um líder mundial no apelo para proteger, a camada de ozono (Benedick 1991). Um terceiro canal, para a disseminação pública de novos problemas ambientais recentemente formulados, é uma conferência com fins didáticos na qual os repórteres dos principais jornais estão presentes na procura de teorias «arrasadoras». Isto foi o que aconteceu em Setembro de 1974, quando o New York Times descobriu um negócio de entrega de papel que ameaçava a camada de ozono com os CFC; o artigo do Times «assinalou o início da preocupação pública em relação aos CFC e a sua utilização nas latas de aerossóis e frigoríficos» (Kowalok 1993: 19). Noutros casos,

Page 26: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

113

contudo, este procedo é deturpado quando os empresários científicos vão diretamente para os meios de comunicação social. Svante Oden, o cientista sueco do solo que primeiro proclamou a teoria das chuvas ácidas, publicou um relatório no jornal sueco de Estocolmo, o Dagens Nyheter; um ano antes tinha publicado num jornal científico, e a questão surgiu cinco anos antes na Conferência das Nações Unidas para o Ambiente em 1972. De forma semelhante, na Alemanha, a hipótese do bioquímico Bemhard Ulrich de que grandes quantidades de floresta alemãs estariam mortas dentro de cinco anos devido aos danos causados pelas chuvas ácidas foi apresentada como fato adquirido num artigo do Der Spiegel, um periódico de grande circulação, provocando um amplo alarme nacional (ver capítulo 7).

O quanto um canal é eficaz, comparado com outro, depende de um número de fatores. Se não existir nenhum consenso entre os próprios cientistas e a dura oposição da indústria, uma abordagem mais individual poderá resultar melhor. Apesar das tentativas dos periódicos para levantar a questão, o problema do envenenamento com pesticidas nos Estados Unidos estava a ser efetivamente suprimido 2, até que Rachei Carson publicou a sua acusação em Silent Spring. Subsequentmente, um número de cientistas avançou em sua

2 A preocupação científica com o envenenamento por pesticídas começou duas décadas antes da publicação de Silent Spring. Muito antes, em 1945, a própria Rachei Carson tentou, evidentemente sem êxito, interessar o Reader's Digest para autorizar um artigo sobre a sua investigação que estava a ser levado a cabo por colegas no Paxutent Wildlife Research Center, o qual indicava que o pesticida DDT tinha efeitos adversos na reprodução e sobrevivência dos pássaros depois de várias aplicações (Lear 1993:33). No início dos anos 1950, um consenso emergente no campo da saúde pública nos Estados Unidos em relação ao facto de a utilização de químicos na produção dos alimentos precisar de ser mais rigorosamente regulada, levou a 46 dias de audições do Congresso. Contudo, a questão foi vista como limitada e técnica e recebeu pouca atenção dos meios de comunicação social. Ao contrário da eventual campanha ambiental activada pelo livro de Carson, a evidência de que os pesticidas poderiam vir a causar danos não impeliu tanto os meios de comunicação social e o público quanto as imagens dramáticas dos peixes mortos (Bossa 1987:80).

Nos anos de 1957 a 1959 deram-se uma série de incidentes relacionados com pesticidas, nomeadamente uma elevada mortalidade ao longo do Estado de Nova lorque devido a uma campanha de uso de sprays contra as traças, e o Grande Susto da Arando (uva-da-monte), em que as vendas de arando decaíram em dois terços depois de alguma desta fruta ter sido considerada contaminada por resíduos de herbicida aminotriazole. Contudo, estas controvérsiasforam vistas como sendo isoladas e não foram suficientes para mudar O staius quo.

114 defesa e o problema foi legitimado quando, em Maio de 1963, uma lista de jurados do Comitê de Aconselhamento do Presidente Científico lançou um relatório em que era critícada a indústria de pesticidas. Por outro lado, adiantar-se ao estabelecimento do conselho científico poderá dar resultado no sentido de captar a atenção dos meios de comunicação social e a atenção do público, mas arriscando-se a originar pressão de colegas cientistas. Isto foi o que aconteceu em 1988, quando James Hansen, diretor do Instituto da Nasa para os Estudos Espaciais, testemunhou perante o Comitê do Senado dos EUA que as ondas de calor do Verão, tais como a que se estava a experimentar na altura, se deviam diretamente ao efeito de estufa. Esta norma no âmbito da ciência contra a revelação prematura, foi, sem dúvida, fortalecida em consequência do «engano» em relação à fusão do frio em que os investigadores anunciaram as suas descobertas numa conferência de imprensa em Utah, antes de o sujeitarem à análise e comentário dos seus colegas. A formulação de políticas amoientais e científicas

Para que uma questão científica se torne uma política deverá ser traduzida em algo que é «tratável». Em consequencia disso, na fase de formulação científica a contribuição dos cientistas naturais diminui geralmente enquanto o papel dos peritos técnicos e sócio-econômicos aumenta. Por exemplo, Liberatore (1992) achou que enquanto as descobertas das ciências naturais tinham ainda um papel importante no debate internacional sobre o aquecimento global, foi o input dos economistas, analistas políticos e peritos da tecnologia energética que foram cruciais para moldar a natureza da resposta da União Europeia.

A relação entre a ciência e a formulação de políticas foi captada de forma adequada pelos cientistas políticos que usam estes dois conceitos: comunidades epistêmicas e janelas de políticas.

Page 27: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Comunidades epistêmicas

Haas descreveu a contribuição das «comunidades epistêmicas» como críticas para alcançar os acordos de cooperação internacionais sobre as questões ambientais. As comunidades epistêmicas são «redes de conhecimento baseado na comunidade organizadas transnacionalmente»:

115 isto é, ligadas internacionalmente a grupos de especialistas que oferecem aconselhamento técnico aos formuladores de decisões políticas.

Aquilo que lhes dá um papel político num processo geralmente fechado aos «não-políticos» é a natureza incerta dos problemas ambientais. Os líderes políticos podem ter grandes capacidades para negociação de pactos de intercâmbio ou tratados militares, mas sentem-se a uma distância desvantajosa para lidar com as condições ameaçadoras do planeta, relacionadas com as mudanças atmosféricas ou sobrecargas químicas. Sob tais circunstâncias, a informação é valiosa como fonte estratégica, e quanto aos políticos, por forma a reduzirem uma tal incerteza, «poder-se-a esperar deles que tomem conta os indivíduos que poderão fornecer conselhos especializados sobre a quem atribuir a culpa por um fracasso político, ou simplesmente como medida para parar acalmar o clamor público de ação» (Haas 1992: 42).

As comunidades epistêmicas, defende Haas, não estão apenas ligadas pela especialização técnica comum, mas partilham igualmente um número de crenças casuais e de princípio. No caso das questões ambientais, estas comunidades de conhecimento têm sido amplamente constituídas por ecologistas que partilham uma crença comum na necessidade de uma análise holística - uma visão que transfere para a política o aconselhamento que eles dão. Isto foi característico de uma comunidade epistêmíca de ecologistas e cientistas marítimos que lideraram esforços intergovernamentais nos anos 1980 para controlar a poluição no mar Mediterrâneo (Haas 1990).

Uma comunidade epistêmica tem a capacidade de influenciar a definição das dimensões do problema e a identificação das soluções possíveis. Por exemplo, Haas demonstra como uma comunidade epistêmica transnacional de cientistas atmosféricos teve êxito em influenciar as negociações que conduziram à assinatura do Protocolo de Montreal para a proteção da camada de ozono, em Setembro de 1987, através de «discussões de obrigatoriedade em relação à ampla quantidade de substâncias a serem cobertas e a rapidez dos regulamentos» (Haas 1992: 49). Logo que a comunidade epistêmica organizar os parâmetros básicos do acordo, depende, depois, dos líderes políticos decidir aquilo que compromissos têm de ser assumidos para obter o acordo.

Dever-se-é notar, contudo, que nem todos os analistas políticos concordam com a elevação das coligações científicas de Haas a um lugar central no processo de tomadas de decisão ambientais. Diz-se

116 que o modelo de Haas quebra o grau do poder de autonomia acordado pela comunidade epistêmica. Isto é, as coligações científicas utilizam as suas fontes para realçar um problema, mas elas deverão compreender líderes políticos das suas nações individualmente, para terem um impacto real sobre as negociações dos tratados. Estes líderes poderão considerar vantajoso tomar, parte na resolução de problemas internacionais, mas eles são, em última análise, guiados pelas considerações políticas domésticas (Susskind 1994: 74-5).

Os governos individualmente dependem da especialização técnica construída pelas organizações de movimentos ambientais, tais como os Friends of the Earth, o Greenpeace, e a Investigação da Poluição. Nos últimos anos, estes grupos devotaram consideráveis fontes edificação das suas próprias capacidades de investigação, contratação de grande número de jovens doutorados idealistas e talentosos acabados de sair das faculdades. Além disso, as organizações de ambientais e de conservação têm tipicamente comitês de aconselhamento científico e apelam ao apoio voluntário de cientistas universitários e de funcionários públicos que sejam cientistas (Yearley 1992: 126). Como consequência, existe uma sinergia entre organizações e formuladores oficiais de políticas que consideram o conhecimento e informação produzidos pelo Greenpeace e outros grupos, de valor estratégico considerável para estabelecer as fronteiras da sua

Page 28: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

posição nos debates na arena pública sobre as questões ambientais (Eyerman e [amison 1989; Lowe e Coyder 1983).

Enquanto as comunidades epistêmicas internacionais poder-se-ão considerar internacionais no alcance, o centro da gravidade para a formulação de exigência científicas sobre questões específicas tende a residir numa nação específica. Por exemplo, foi a liderança científica dos EUA que levou à proeminência global do problema da destruição da camada de ozono, enquanto a investigação sueca (e norueguesa) sobre as chuvas ácidas foi vital para elevar essa questão no estatuto de problema. No primeiro caso, existia claramente uma infra-estrutura do programa espacial e a proeminência que deu aos Estados Unidos na investigação das ciências atmosféricas. Isto foi particularmente localizado em duas agências governamentais - NASA (Administração Nacional Aeronáutica e Espacial) e a AOAN (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional) - assim como nas grandes universidades americanas (California, Harvard, Michigan). Quando os investigadores nestas instituições expressaram a sua preocupação sobre os acontecimentos na estratosfera, o local do problema do ozono, os meios de comunicação social e o público em geral, assim como os

117 líderes políticos tiveram tendência para prestar atenção (Benedick 1991). No caso das chuvas ácidas, as florestas e os lagos eram vistos como um componente vital da economia sueca e da recriação da vida e, portanto, estavam de acordo com a prioridade da investigação. Quando as origens transnacionais da precipitação ácida se tornaram óbvias nos dados da investigação relatados por Oden e outros, o governo sueco não hesitou em apresentar agressivamente estas descobertas na Conferência de Estocolmo de 1972. «Janelas de política»

Outro modelo de ciência política que poderá ser utilizado para ligar a ciência e a formulação de políticas ambientaís domésticas é o modelo de «balde do lixo» de Kingdon. Adaptado de um modelo de escolha organizacional desenvolvido por James March e os seus colegas, este propõe a operação de três correntes de processos principais no estabelecimento da agenda govemamental:

1) Reconhecimento do problema; 2) A formação e redefinição das propostas de políticas; e 3) Políticas. Estas três correntes geralmente desenvolvem-se e operam largamente de forma independente umas das

outras. Contudo, em alturas de crise, as três correntes podem juntar-se ou «combinar-se». Kingdon descreve isto como uma abertura de uma «janela política» e atribui a principal responsabilidade por esta ação aos «empresários da política» no âmbito do sistema político. Os empresários individuais não «abrem a janela», mas tiram vantagem da oportunidade logo que esta se dê. Nos momentos fundamentais de crise as soluções juntam-se, então, aos problemas e ambos são juntos para as forças políticas favoráveis.

Hart e Victor (1993) empregaram recentemente o modelo de Kingdon para explorar o papel das elites científicas na influência sobre a mudança climática para os anos entre 1954-74. Na sua interpretação, a ciência, a política e os políticos evoluíram em correntes separadas criando soluções na investigação de problemas na procura de investigações. As elites científicas, que assumem o papel empresarial, têm um lugar central na identificação das «janelas políticas» e tiram vantagem para eles.

Isto foi o que aconteceu nos Estados Unidos, nos anos 1970. Na maior parte dos vinte anos, dois discursos científicos interessantes

118

relacionados com o clima tinham corrido de forma irregular, atraindo algum apoio, mas sendo incapazes de andar, na verdade, para a frente em termos de fundos e reconhecimento público. Estes não eram o «discurso do ciclo do carbono que esboçou a questão se as concentrações de dióxido de carbono» (CO2) atmosférico estavam a aumentar e porquê, e o discurso da «modelagem atmosférica» que se interrogava sobre o que

Page 29: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

aconteceria ao clima se se alcançassem concentrações superiores de CO2. Primeiro discurso foi coordenado por um oceanógrafo, Roger Revelle, ao passo que o último foi promovido por John Von Neumann, o pai da computação científica.

No início dos anos 1970, a ascensão do movimento ambiental americano criou uma janela de política que estes cientistas de elite exploraram com êxito, por forma a mobilizar apoio político e financeiro e aumentar a consciência pública. Hart e Vitor (1993: 661) descreveram isto como uma relação sinérgica em que as descobertas científicas, como as que se relacionam com o efeito de estufa «catalisaram o renascimento do ambientalismo», ao passo que o ambientalismo atuava como uma parteira para as novas agendas científicas - legitimando-as e fornecendo um eleitorado para os seus resultados». Especialmente influenciadora na ligação das duas correntes de investigação foi Carroll Wilson, uma professora de gestão no MIT (Instituto de Tecnologia do Massachusetts), que foi o espírito guia por detrás da publicação, em 1970, do relatório intitulado Study of Critical Environmental Problems (Estudo critico de problemas ambientais), o qual foi explicitamente interdisciplínar e ambientalista no tom.

Hart e Vitar (1993: 668) realçam que muito pouca informação científica nova sobre as previsões do aquecimento global foi produzida entre o final dos anos 1960 e o princípio dos anos 1970. Em vez disso, o que foi diferente foi o fato de as duas linhas de investigação se unirem numa agenda científica redefinida e nova que foi, depois, vendida com êxito aos formuladores de decisões políticas e aos meios de comunicação como um problema de «poluição» global ambiental. Papéis científicos na resolução dos problemas ambieniais

Susskind (1994) propôs cinco «papéis» primários que são desempenhados pelos conselheiros científicos no processo de formulação de políticas ambientais: observadores de tendências, formuladores de

119 teorias, pessoas para testar as teorias, comunicadores científicos e analistas políticos aplicados. Estes papéis sobrepõem-se freqüentemente, mas cada um tem as suas próprias tarefas e agendas.

Os observadores de tendências são cientistas, os primeiros a detectar mudanças nos padrões ecológicos e a compreender correctamente o seu significado. Ocasionalmente, o observador de tendências poderá ser um cientista isolado que observa algum padrão importante na microecologia da lagoa ou pântano, e é capaz de extrapolar isto para quadros ambientais mais amplos. Mais comum, contudo, são os observadores de tendências que fazem parte da equipe científica que está-envolvida na reunião e análise de dados longitudinais, tais como os montados pelo satélite LANSAT, ou da Rede Europeia de Química Atmosférica.

Os formuladores de teorias tentam explicar as causas para as mudanças que os observadores de tendências observam. Eles têm tendência para se envolverem na construção do modelo, para encaixar as explicações para as circunstâncias passadas e para prever os efeitos futuros.

As pessoas que testam as teorias fazem o escrutínio dos modelos sugeridos pelos formuladores de teorias utilizando testes piloto ou experiências controladas, eles tentam determinar se as hipóteses e proposições geradas pelo modelo podem ser empiricamente provadas.

Os comunicadores científicos tentam traduzir os dados difíceis-de-decifrar em termos que o público entenda. Têm um papel fundamental no processo de «aparecimento» que foi discutido na seção anterior deste capítulo. Alguns comunicadores, tais como Edward Wilson são cientistas eminentes que sentem uma forte responsabilidade moral em trazer os frutos da sua investigação até ao público. Outro, por exemplo, o genetista canadiano e locutor de rádio David Suzuki, são investigadores que tomaram uma decisão conscienciosa de passar a sua vida a popularizar a ciência e transmitir a mensagem ambiental junto de um público maior.

Os analistas políticos aplicados atuam como consultores dos formuladores de decisões políticas, convertendo as descobertas científicas em recomendações políticas. Eles desempenham um papel proeminente na formulação dos tratados ambientais, visto que eles pegam no que é, muitas vezes, informação científica abstrata e redistribuem-na em termos que são agradáveis para a legislação ou tratados internacionais.

Page 30: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Cada um dos cinco tipos de cientistas pode contribuir ao longo do processo de resolução de problemas, mas existe um grau de especialização considerável; isto é, os observadores de tendências e as pessoas que testam as teorias são geralmente mais proeminentes durante as

120 fases de encontrar os fatos, ao passo que os comunicadores da ciência e os analistas políticos desempenham papéis fundamentais durante o período de negociações chegar a um acordo (Susskind 1994: 77). Em termos das três tarefas chave na construção dos problemas ambientais discutidos no capítulo 2, poder-se-a afirmar que os observadores de tendências e as pessoas que testam as teorias caracterizam o processo de «montagem», de comunicadores na «apresentação» de uma questão e analistas políticos aplicados na «contestação» de uma exigência ambiental (ver quadro 1, página 59). A ciência reguladora e o ambiente

Uma área importante em que a ciência interage com a política é o processo regulador. A «ciência reguladora» que se encontra aqui difere da ciência de investigação ambiental de diversas formas (jasanoff 1990). Em primeiro lugar, é muito mais feita à margem do conhecimento existente onde as linhas de orientação podem, muitas vezes, estar indisponíveis. Em segundo lugar, envolve geralmente um grau superior de «síntese de conhecimento» do que a ciência de investigação que incide muito mais sobre a originalidade das descobertas. Em terceiro lugar, a regulação baseada na ciência requer um elemento de «previsão» de peso, especialmente no que diz respeito à criação do risco.

Jasanoff (1990: 230) argumenta que um modelo negociado e construído do conhecimento científico «capta de perto as realidades da ciência reguladora». Em vez de encorajar um processo adverso, as agências reguladoras procuram o input científico nas suas decisões como meio de legitimação. Isto toma, muitas vezes, a forma de comitê de aconselhamento científico. Jasanoff comenta um número de casos em que juntas de aconselhamento desempenharam um papel fundamental nas decisões da Agência de Proteção Ambiental (EPA) nos Estados Unidos. No caso da poluição atmosférica, a relação entre a EPA e o Comitê Científico de Aconselhamento Atmosfera Limpa (CASAC) foi inicialmente instável, mas depois de uma extensa negociação foi transformada numa orientação fundamentalmente harmoniosa. De forma semelhante, e apesar dos problemas durante a era Reagan, a ampla Junta de Aconselhamento Científico (SAB) da EPA foi capaz de manter uma posição respeitável e autônoma, em larga medida porque incidia sobre questões pertencentes à avaliação científica, enquanto que deixava as atividades de formulação de regras à agência adequada.

121

Neste modelo negociado de ciência reguladora, Jasanoff defende, não poderá existir nenhuma verdade «perfeita e objetivamente verificável», apenas uma «verdade aproveitável» que equilibra a aceitação científica com o interesse público. Neste contexto, a realidade científica é claramente construída socialmente, por forma a estar de acordo com o significado social. Contudo, nas circunstâncias em que conflitos agudos de construções científicas caem num comité de aconselhamento científico, a reconciliação pode, muitas vezes, ser muito difícil. Isto foi o que aconteceu em várias controvérsias reguladoras que envolveram os pesticidas agrícolas, onde a prova científica foi particularmente difícil de estabelecer, enquanto a preocupação pública tem sido grande. Nestas situações, o debate sobre o «princípio de prevenção» que observamos anteriormente neste capítulo edifica a sua direção, com conselheiros científicos que optam pela posição tradicional redutora, enquanto o pessoal da agência, mais sensível à pressão do público para agir mais cedo, em vez de mais tarde. Nos casos em que isto acontece, o debate de risco pode ser facilmente mudado para as áreas dos meios de comunicação social e políticos onde continuará sob um conjunto de regras de base diferente das confrontadas no estabelecimento regulador (Jasanoff 1990: 151). Capítulo 5 Formulação dos riscos ambientais

Page 31: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Os cachorros quentes sempre foram um símbolo da cultura americana, um suporte principal dos inumeráveis acontecimentos sociais e comunitários que vão desde os encontros de basebol aos churrascos no quintal e piqueniques da escola. Apesar do questionável valor nutricional, eles são especialmente populares nas famílias, devido ao fato de serem baratos, fáceis de preparar e desejados pelas crianças.

Agora os cachorros quentes vieram juntar-se à lista cada vez maior de produtos alimentícios que foram relacionados com um nível elevado de risco de cancro. Um recente estudo americano, relatado amplamente nos meios de comunicação social, associa moderadamente o cachorro quente com o aumento do risco de leucemia infantil. O tempo dirá se estas descobertas terão algum impacto a longo prazo, ou se elas serão rapidamente esquecidas. No entanto, durante algum tempo, é natural que as vendas de cachorros venham a cair nalguns lugares, à medida que os pais comecem a precaver-se nas suas escolhas alimentares.

Este episódio é, em grande parte, característico da forma como os indivíduos na sociedade contemporânea se envolvem no processo da percepção e avaliação do risco. Tipicamente, ouve-se falar de um item na rádio ou vemo-lo num jornal ou numa revista, que vem de uma fonte científica de renome e insere-se numá preocupação existente relativa à saúde e ou segurança da nossa família. Isto aplica-se não só às escolhas dos modos de vida e de alimentos, mas também aos riscos relacionados com a tecnologia e o ambiente natural.

Até recentemente, os livros publicados sobre os riscos refletem quase todos, sem precedentes, a crença de que os riscos poderiam ser

123 «objetivamente» determinados, isto é, a determinação era exclusivamente do domínio dos engenheiros, cientistas e outros peritos, e de que qualquer fracasso por parte dos cidadãos comuns para aceitar totalmente isto foi considerado irracional. A avaliação do risco foi, assim, concebida como atividade técnica nas situações em que os resultados deveriam ser formulados em termos de «probabilidades». Existiu inclusivamente uma categoria emergente de especialistas - o que Dietz e Rycroft (1987) denominaram de «riscos profissionais» que faziam delas o seu modo vida para elaborarem novos métodos de análise de risco. Risco e cultura

O primeiro desafio notável a esta posição veio da antropóloga social britânica Mary Douglas, e de um cientista político americano, Aaron Wildavsky, que publicou um livro provocador em 1982, intitulado: Risk and Culture: An Essay on The Selection of Technological and Environmental Dangers.

Risk and Culture faz duas perguntas simples, mas fundamentais. Por que razão as pessoas realçam alguns riscos e ignoram outros? E, mais especificamente, porque razão muitas pessoas na nossa sociedade escolheram a poluição como uma fonte de preocupação? As respostas insistem Douglas e Wildavsky, estão enraizadas na cultura. Segundo o seu ponto de vista, as relações sociais são organizadas em três padrões principais: o individualista, o hierárquico e o igualitário. As medidas dos indivíduos são personificadas pelas burocracias dos governos. Os grupos igualitários estão alinhados numa «zona fronteiriça» nas margens do poder no centro da economia política da sociedade onde estão geralmente localizados os outros dois modos da organização social.

Os grupos igualitários têm uma cosmologia ou visão mundial que é mais ou menos o equivalente ao «Novo Paradigma Ecológico» discutido por Catton e Dunlap, Cotgrove e outros. O crescimento económico descontrolado é reprovado, a autoridade da ciência é questionada, e a nossa fé ilimitada na tecnologia é declarada imponderada.

A tese central de Douglas e Wildavsky é de que a percepção do risco varia consideravelmente ao longo destas três formas de organização social. Os individualistas do mercado estão preocupados em primeiro lugar com a subida/descida do mercado de ações, os hierárquicos com as ameaças da lei e ordem domésticas, ou com o equilíbrio

124 internacional do poder, e os igualitários como estado do meio ambiente. Isto leva-os a concluir que a seleção dos riscos a que o público deverá dar atenção, é menos baseada na profundidade das provas científicas, ou na

Page 32: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

forte possibilidade de perigo, do que na voz que predomina na avaliação e processamento da informação sobre as questões de risco.

Nesta perspectiva, a percepção pública do risco e dos seus níveis de aceitação são «simulações coletívas» (Douglas e Wildasvsky 1982: 186). Nenhuma definição de risco é intrinsecamente correta; todas são parciais, visto que as exigências que competem, cada uma parte de culturas diferentes, «conferem significados diferentes a situações, acontecimentos, objetos e especialmente relações» (Dake 1992: 27).

Infelizmente, nesta altura, a teoria cultural do risco de Douglas e Wildavsky descarrila no sentido de uma área mais absorvente. Os igualitários ambientais, sugerem eles, são os equivalentes seculares das seitas religiosas, tais como os Anabatistas, os Hutteristas e os Amish. Obcecados com a pureza doutrinal e com a necessidade de lealdade interna inquestionada, os partidários são vistos como alguém que tem de criar uma imagem de diabo ameaçador a uma escala côsmica. É, portanto, necessário e «funcional» para os partidários do ambiente, como aqueles que se encontram nos Amigos da Terra, identificar constantemente novos riscos resultantes do inverno nuclear para o aquecimento global. Cada crise nova é escolhida, alegam eles, «a partir da necessidade de manter a coesão através da validação das desconfianças dos partidários do centro e das suas expectativas apocalíticas» (Rubin 1994: 236). Isto explica a razão por que viraram as costas para as causas locais favorecendo as questões globais, ao ponto de garantirem a invocação de um sentido de condenação geral. A poluição e outros riscos ambientais são, portanto, utilizadas por estes partidários provocadores como um meio de garantirem a coesão dos seus membros, e para atacar os grupos de opositores que se estabeleceram (Covello e Jonhson 987: x).

Risk and Culture despertou muito interesse e uma torrente de críticas. Grande parte dos últimos centrou-se na, exigência de que os ambientalistas se mobilizem em primeiro lugar por solidariedade, em vez de por razões úteis. Isto é, em vez de verem os ambientalistas como parte de uma resposta moral para uma crise social muito real, eles escolheram tratar os ambientalistas como meros diabos que servem o mesmo objetivo que certas proibições alimentares entre os povos tribais. Os ambientalistas não são, portanto, vistos como atores

125 racionais, mas como «verdadeiros crentes» abertos à manipulação por profetas ecológicos como Barry Commoner, David Brower e Edward Abbey.

Karl Dake, um membro do círculo de investigação Douglas-Wildavsky 1, tem insistido que estas críticas são exageradas, e que a escola cultural do risco nunca significou a implicação de que os perigos observados são simplesmente manufaturados:

Na verdade as pessoas morrem: as espécies de fauna e flora são perdidas para sempre. Em vez disso, a questão é

que as visões mundiais fornecem lentes culturais poderosas, aumentando um perigo, obscurecendo uma outra ameaça, seleccionam outros para lhes ser dado o mínimo de atenção ou mesmo ignorar.

(Dake 1992:33).

Contudo, Douglas e Wildavsky são menos comodistas, insistindo que o conhecimento do risco e o ambiente não são «tanto como uma construção eventualmente por construir, mas mais como um aeroporto sempre em construção» (1982: 192). É infrutífero, alegam, para um analista social tentar avaliar se o risco que está em discussão é real ou n80; o que importa é que o debate se mantenha com «novas definições e soluções». Rubin (1994: 238-9) rejeita totalmente este relativismo, argumentando que as considerações de política pública requerem que o nosso conhecimento definitivo se os riscos, tais como os resultantes do aquecimento global ou da destruição da camada de ozonio, são ou não ornamentos para as necessidades apocalípticas das organizações partidárias, ou se são ameaças genuínas que deverão ser trabalhadas. Enquanto o ponto de Rubin está bem levantado, a ambiguidade de muitos riscos contemporâneos torna difícil obter a certeza que gostaria de ter. Contudo, mesmo que rejeitemos o relativismo absoluto de Douglas e Wildavsky, a discussão, amplamente aceite até agora, que apresentam sobre a natureza subjetiva e imprecisa das descobertas científicas, combate a infalibilidade da opinião de peritos. Como sociedade, ainda temos de fazer julgamentos sociais sobre a magnitude do risco, embora as provas científicas possam ser uma fonte útil na tomada destas decisões.

1 Outros membros notáveis deste círculo incluem Steve Rayner e Michael Thompson.

Page 33: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

126

Perspectivas sociológicas sobre o risco

Os sociólogos do risco adoptam geralmente uma posição mais moderada que a de Douglas e Wildavsky, insistindo que, apesar de o risco ser certamente uma criação, não se pode apenas limitar às percepções e formulações sociais. Em vez disso; as análises do risco técnico constituem uma parte integral do processamento social do risco (Renn 1992). Dietz et al. observaram que as correntes principais na sociologia do risco seguiram três direções separadas, mas complementares que são reunidas através de uma incidência subjacente sobre o contexto social em que as decisões individuais e institucionais sobre os riscos são tomadas.

Em primeiro lugar, os sociólogos têm-se preocupado com a questão relativa à forma como as percepções do risco diferem ao longo de populações que se deparam com diferentes oportunidades de vida, e se a estruturação das oportunidades surge, em primeiro lugar, a partir das diferenças de poder entre os atores sociais. Assim, Heimer (1988) salienta que os residentes do Love Canal viram os riscos de deposição de resíduos químicos de forma diferente dos executivos da Hooker Chemical Company, e dos burocratas no governo estatal e várias agências estatais que lidavam com a saúde pública e o meio ambiente. De forma semelhante, os trabalhadores e os patrões vêem os riscos da saúde ambiental no local de trabalho sob perspectivas diferentes. Até certo ponto, esta questão sobrepõe a distribuição social do risco, embora a ênfase recaia sobre a forma como a localização social afeta a percepção do risco, em vez de incidir sobre a forma como este altera a probabilidade de se estar exposto a condições perigosas.

Em segundo lugar, os sociólogos do risco propuseram um modelo que volta a concetualizar o problema da percepção do risco tendo em consideração o contexto social em que as preocupações humanas são formadas; isto é, a percepção individual é fortemente afetada por uma panóplia de influências primárias (amigos, família, colaboradores) e secundárias (figuras públicas, meios de comunicação social) que funcionam como filtros na difusão da informação na comunidade. Isto é apreendido no conceito de «influência pessoal», o qual constituiu ponto crucial na investigação da comunicação dos meios de comunicação social dos anos 1950 e 1960 (ver Katz e LazarsfeI1955).

Em terceiro lugar, foram especialmente conceitualizados aqueles componentes de sistemas organizacionais complexos de origem tecnológica. Isto é exemplificado na análise, amplamente conhecida,

127 de Perrow (1984) sobre os «acidentes normais» em que uma estimativa das probabilidades de fracasso é construída no âmbito da concepção das tecnologias com um potencial catastrófico. Contudo, uma vez implementados, tais sistemas limitam seriamente qualquer capacidade humana de manipular o risco, uma vez que a sua fonte se localiza agora na própria organização (Clarke e Short 1993).

Renn (1992) classificou posteriormente as abordagens sociológicas juntamente com duas dimensões:

1. Individualista vereus estrutural; e 2. Objetiva versus construcionista.

A primeira dimensão interroga-se se a abordagem em questão reafirma ou não que o risco pode ser

explicado pelas intenções individuais ou pelos processos organizacionais. Os conceitos objetivistas implicam que os riscos e as suas manifestações sejam reais e acontecimentos observáveis, enquanto os conceitos construcionistas defendem que eles são artefatos sociais fabricados pelos grupos sociais ou instituições. Segundo esta taxinomia, a primeira das duas correntes de investigação do risco identifica das por Dietz e os seus colegas tende a ser individualistas/construcionista, enquanto que a terceira é estruturalmente objetiva. Notável pela sua ausência, é uma perspectiva «construcionista social» que Renn descreve como uma abordagem que «trata o risco como formulações sociais que são determinadas pelas forças estruturais sobre a sociedade» (1992: 71).

Definição social do risco

Page 34: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Hilgartner (1992) argumentou que a perspectiva construcionista deve começar por examinar a

estrutura conceitual das definições sociais de risco. Tais definições, reafirma ele, incluem três elementos conceituais principais: um objeto considerado como colocando riscos; um prejuízo reconhecido; um sistema articulado formando supostamente alguma relação causal entre o objeto e o dano.

Presumir que os objetos estão simplesmente à espera de serem percepcionados ou definidos como perigosos é «fundamentalmente insocíológico» (Higartner 1992: 41). Em vez disso, uma fase inicial de construção do risco consiste no isolamento e estabelecimento do(s) objeto(s) alvo que constitui (em) a fonte primária de um risco.

No final dos anos 1980, as zonas resídenciais urbanas junto ao lago onde eu e a minha família vivemos atualmente foi designada pelo

128 departamento de serviços públicos municipais para receber um par de «tanques de retenção de esgotos», um para ser instalado em Kew Gardens, um parque comunitário de utilizações múltiplas, os outros residentes na praia adjacente ao passeio. O problema, foi-nos informado, teve como origem o sistema de esgotos durante as tempestades que correu para o lago Ontário e o tornou demasiado poluído, com bactérias coliformes fecais, para se poder nadar. Segundo estudos conduzidos por uma firma de engenharia contratada pela cidade, existiam duas fontes primárias de onde emanavam igualmente duas fontes primárias de poluição colifórmica fecal: fezes humanas contidas na inundação dos esgostos e o excremento animal que foi arrastado para os esgotos pelas tempestades juntamente com a água da chuva.

A nossa associação de residentes tornou conhecimento do projeto pela primeira vez quando um membro soube da publicação de um aviso «escondído» nas páginas de um jornal diário local, e expressou preocupação, pela primeira vez, devido à perturbação que a construção traria para o parque e para a praia, sendo ambas amplamente utilizadas. Contudo, ao longo da investigação da proposta e encontro com os outros residentes, começámos a apercebermo-nos de que, na verdade, a fonte de risco não residia provavelmente, e originalmente, na água pluvial, mas no desaguamento que estava a ser feito no lago de uma importante indústria de tratamento de esgotos localizada na parte ocidental do nosso bairro. Tomámos conhecimento de que, devido a uma insuficiente capacidade, os operadores desta indústria abriam regularmente as comportas que davam para o mar exatamente antes de começar a chover, e libertavam os esgotos não tratados ou parcialmente tratados no lago a níveis 10000 vezes maiores do que aqueles que levaram as praias a ser encerradas por serem consideradas perigosas para se tomar banho. Um dia em cada três, as correntes do lago mudavam de direção, enviando os seus afluentes para as nossas praias. Uma noite imediatamente após um encontro, um operador reformado de uma fábrica de filtração de água potável, localizada na margem oriental do nosso bairro, disse-me que costumavam receber regularmente uma chamada do seu colega na indústria de tratamentos avisando-o antecipadamente da chuva, e de que iriam abrir os portões e aumentar os níveis de cloro - um aviso de que a poluição coliforme estava a deslocar-se, ao longo da área costeira

2 Até recentemente, os esgotos humanos resultantes de muitos lares misturavam-se na mesma conduta com a água proveniente das chuvas. Tem havido, desde então, um vigoroso programa de separação dos esgotos, mas alguns residentes ainda efetuam despejos no sistema de esgotos de águas pluviais.

129 num padrão idêntico à espiral que se forma no ralo da banheira. Não o conhecíamos na altura, mas uma situação algo semelhante ocorre regularmente em Sidney, na Austrália, onde o envelhecimento do sistema de esgotos que despeja o esgoto para o mar, está desenhado para inundaros esgotos pluviais durante os períodos de grandes chuvadas para que não entupa os tanques de tratamento que se encontrem já sobrecarregados (Perry 1994: WS-4).

O que aconteceu aqui é que os residentes que se opuseram à retenção dos tanques de esgotos desenvolveram uma definição alternativa de «objeto de risco». Nos encontros públicos, na Câmara Municipal e numa audição especial perante um Comitê de Aconselhamento e Avaliação Ambiental designado pelo ministro do Ambiente provincial para considerar a aceitação ou não do nosso pedido para um

Page 35: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

«aumento» (isto é, passar de uma avaliação ambiental regular para uma avaliação mais formal e individualmente rigorosa da avaliação ambiental), contestámos ativamente a designação oficial do objeto considerado perigoso e apresentámos a nossa exigência (sem êxito) de que a indústria de tratamento do esgoto principal era a vilã.

O segundo elemento que compõe a definição do risco envolve o processo de definição de prejuízo. Mais uma vez, isto não é tão óbvio quanto parece. Por exemplo, normalmente pensa-se que os fogos florestais deixam um rasto de destruição, mas os ecologistas contestam que na natureza os fogos têm uma função útil na renovação da madeira da floresta. No alto mar presume-se que as plataformas de exploração de petróleo poluem as águas à sua volta, mas os biólogos marinhos descobriram que elas também geram uma microecologia completamente nova na sua base. Alguns ambientalistas nos Estados Unidos fizeram recentemente uma campanha para reduzir os níveis aceitáveis de vestígios de selénio mineral que pode ser adicionado às rações dos animais baseando-se no fato de deixar resíduos tóxicos, mas os representantes da indústria alimentar reafirmam que os aditivos de selénio são um benefício para o meio ambiente na medida em que reduzem a quantidade de alimentos consumidos poupando, assim, energia. Em cada um destes casos, a própria definição do que o prejuízo origina num objeto ou ação particular é contestado, ativando uma variedade de alegações e contra-alegações, apesar do fato de existir um consenso mútuo em relação ao objeto de risco (fogos florestais, exploração de petróleo em alto mar, selénio como aditivo alimentar). As afirmações em relação ao risco podem frequentemente entrar em conflito em áreas ideológicas. Assim, o projeto de desvio de um rio que fornece água de irrigação para os agricultores locais

130 (um benefício humano) pode resultar na destruição de um frágil ecossistema de peixes, aves, insetos, etc. (um prejuízo biológico). De forma semelhante, o sal na estrada que é considerado tão vital para enfrentar a dureza do Inverno em partes do Canadá e Norte dos Estados Unidos foi declarado pelos cientistas constituir um prejuízo para os lagos, rios e correntes onde é eventualmente depositado. Reciprocamente, as iniciativas ambientais que são declaradas ecologicamente benéficas podem resultar em problemas para os humanos. Por exemplo, a proteção dos lobos é defendida por alguns preservadores da vida selvagem, mas é profundamente contestada pelos rancheiros que temem a perda dos animais domésticos cruciais para a sua sobrevivência econômica. Sendo o consenso impossível, a base central da contestação passa a ser a presença ou ausência de prejuízos que é gerada por um objeto de risco.

Um terceiro componente da formulação social do risco consiste nas ligações que dão origem a alguma forma de causalidade entre o objeto de risco e o potencial prejuízo. Hilgartner (1992: 42) observa que a formação destas ligações é sempre problemática devido ao fato de o risco poder ser atribuído a múltiplos objetos. Na verdade, as «leis» da ecologia encorajam este fato, visto que todas as coisas são vistas como interdependentes. Isto é, posteriormente, complicado pelo fato de a extensão completa do risco poder eventualmente não ser reconhecida até muitos anos depois. Por exemplo, um relatório recente elaborado por uma estação de rádio do Minesota sugere que o teste do Exército norte-americano em 1953, no qual as nuvens de sulfato de cádmio de zinco, um suspeito carcinogéneo, que foram espalhadas pelo espaço aéreo de Mineápolis dezenas de vezes, poderão ter causado um número invulgar de nados mortos e abortos; estes problemas apareceram particularmente em antigos estudantes de uma escola primária pública que constituía um dos locais onde foi espalhado o sulfato há quarenta anos (New York Times 1994). Os efeitos podem, por vezes, ser mais imediatos, mas são precisos anos até que os formuladores de exigências os reunam sob uma forma publicamente reconhecida. Foi este o caso relativamente à quantidade de doenças dos militares veteranos da Guerra do Golfo. Embora os sintomas começassem a fazer-se sentir logo após a sua volta, apenas agora os relatórios públicos de uma «síndrome da Guerra do Golfo» estão a começar a penetrar na corrente principal dos meios de comunicação social e a serem estruturados em termos de agentes ambientais nocivos na zona de guerra.

131

Muito do discurso no âmbito da formulação social do risco tem lugar neste domínio. A situação é posteriormente complicada pela existência de múltiplos níveis de provas: científica jurídica e moral.

Page 36: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

O fardo da prova legal é o mais oneroso, visto que não pode deixar lugar para «dúvidas razoáveis». Os requerimentos que constituem o padrão nos estudos científicos (por exemplo: «os dados são sugestivos, mas requerem mais investígação») não aparecem em tribunal. Não aparecem igualmente as provas anedóticas ou clínicas 3 Tal como os ambientalistas descobriram, muitas vezes os juizes mostram-se relutantes em abrir qualquer caminho novo, agindo para prevenir um problema antes que ocorra.

A prova científica mais fácil de obter, mas é, todavia, escrava dos níveis de significado estatísticos. É igualmente algo inconstante, a sua autoridade permanece intacta apenas até surgir o próximo estudo que a refute. Os efeitos danosos das chuvas ácidas sobre os lagos e as florestas, por exemplo, estão constantemente a ser descobertos, e redescobertos (ver capítulo 7). O nível científico da prova pode ser subdividido em dois padrões: um padrão retirado da ciência pura em que a ação não é recomendada até que as correlações atinjam o nível de 95 por cento de confiança, e um padrão utilizado pelas disciplinas médicas e, que a ação pode ser tomada antes da importância ser atingida, se a prova apontar para um problema grave de saúde.

Collingridge e Reeve (1986) demonstraram a conflitualidade entre estas duas versões da prova científica, no debate dos efeitos do chumbo proveniente da exaustão dos veículos sobre a saúde das crianças. Nos Estados Unidos, marcou os conflitos entre a EPA, que apoiava a remoção dos níveis de chumbo na gasolina, com base nas amplas diferenças dos níveis de chumbo no sangue entre as populações urbanas e suburbanas, e a Ethyl Corporation, uma grande fábrica produtora de aditivos de chumbo que argumentava que a ligação entre o sangue e os níveis de ar permaneciam estatisticamente por provar. No Reino Unido, as dificuldades surgiram no início dos anos 1980 entre o «Relatório Lawther» apoiado pelo governo, o qual rejeitava todos os estudos de animais laboratoriais e bioquímicos considerando-os irrelevantes para a compreensão dos efeitos médicos do chumbo sobre os seres humanos, e o relatório intitulado Lead ar Health (Chumbo

3 Constitui uma excepção uma decisão de 1984 no caso de Ferebee V. Cheoron Chemical Co., nos Estados Unidos, e que permitiu ao grupo de jurados confiar no testemunho individual de médicos na prova da ausência de prova epidemiológica de ferro relativa aos danos causados pela exposição aos pesticidas (ver Cronor 1993).

132 ou Saúde) levado a cabo por um grupo ambiental, a Conservation Society, a qual argumentava o contrário: «As provas morais são muito facilmente elaboradas, mas dependem fortemente da mobilização da opinião pública por forma a causar um impacto»

A utilização de provas morais permite a formação de atitudes ou opiniões sobre a questão do risco, mesmo se os níveis das provas científicas ou legais indicarem um nível de incerteza ou ambiguidade. Por exemplo, os defensores dos direitos dos animais nunca foram capazes de provar, de forma cientificamente conclusiva, que os animais «sofrem», assim, adotaram a estratégia alternativa de tentar demonstrar eticamente que é isto que acontece, sobretudo a partir do trabalho do filósofo Peter Singer. De igual modo, o processo contra a engenharia biológica de plantas e animais não é empiricamente poderoso (nenhuma-fruta alterada geneticamente teve até agora um comportamento como o protagonista na história de Roald Dahl, James and the Giant Peach), mas o caso moral contra a interferência na natureza é mais impressionante. Contudo, uma tal moralização tende a polarizar posições sobre as políticas do risco, tornando os compromissos mais difíceis (Renn 1992: 192).

Ao contrário das provas legais e científicas, as provas morais mais eficazes são, muitas vezes, aquelas que seguem uma linha simples de raciocínio. Considerar, por exemplo, a natureza da argumentação apresentada por «Kapox» - apelidado pela imprensa sulista americana como o «Tarzan da Amazônia». Kapox, que costuma nadar longas distâncias na Amazónia para publicitar o estado da poluição do rio, e a destruição da floresta circundante, não baseia o seu apelo num raciocínio sofisticado sobre a necessidade de proteger a biodiversidade. Em vez disso, prega uma mensagem simples, óbvia e moral: como maior rio do mundo que concentra um quinto da água potável do planeta, a Amazónia merece respeito (Suzuki 1994a). Areas de construção de risco

Por muito poderoso que o apelo de Kapóx possa ser, é pouco provável que influencie diretamente decisões ou políticas coletivas de risco. Em vez disso, as definições social de risco ambiental devem ser

Page 37: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

seguidas por ações políticas designadas para mitigar ou controlar o risco que foi identificado. Baseado no trabalho de Hilgartner e Bosk (1988), Renn (1992) argumenta que os debates políticos sobre

133 questões do risco são invariavelmente conduzidas no âmbito da estrutura das «arenas sociais»

O termo arena social constitui uma metáfora para descrever o estabelecimento político em que os atores dirigem as suas exigências àqueles que estão encarregues das tomadas de decisão, na esperança de influenciar o processo político. Renn concebe diversos «palcos» diferentes que partilham esta arena: legislativo, administrativo, judicial, científico e os meios de comunicação social. Embora estas estratégias de ação tradicional e ortodoxa sejam permitidas, estas arenas são, contudo, reguladas por um repertório estabelecido de normas. Por exemplo, a ação ilegal direta tal como é defendida pelo Earth First, o grupo ambiental americano rebelde, viola este protocolo. O código é, de fato, uma combinação de regras formais e informais geralmente supervisionadas e coordenadas por algum tipo de coação ou agência reguladora, como a EPA nos Estados Unidos, e o Departamento Ambiental (D.O.E) na Grã-Bretranha.

O conceito de arena social combina elementos na perspectiva da organização - meio ambiente no campo das organizações complexas; o modelo dramatúrgico das relações sociais de Goffman e os modelos simbólicos da política, tal como foram desenvolvidos por Murray Edelman (1964, 1977) cimentados por um componente social construcionista. Tal como foi formulado, Renn acentua também a mobilização das fontes sociais tal como foram discutidas pela escola de McCarthy-Zald, no âmbito da perspectiva de mobilízação de recursos para os movimentos sociais. Renn parece não estar consciente dos paralelismos, mas os conceitos da arena social que ele utiliza refletem também alguma investigação recente sobre a diplomacia ambiental internacional, e nomeadamente a conceitualização de «comunidades epístêmícas» (ver capítulo 4) de Haas (1990, 192).

Embora alguns elementos da construção do risco possam ter lugar no domínio público para além dos seus parâmetros, a ação mais importante tem lugar em arenas que são povoadas por comunidades de profissionais especializados: cientistas, engenheiros, advogados, médicos, funcionários governamentais, gerentes associados, operadores políticos, etc. (Hilgartner 1992: 52). Tais peritos técnicos são os principais construtores do risco, estabelecendo uma agenda que inclui, muitas vezes, o input direto do público apenas durante as últimas fases de consideração. Hilgartner e Bosk (1988) observa que estas «comunidades de operadores» funcionam, muitas vezes, de uma forma simbiótica, os operadores em cada arena alimentam as atividades dos operadores nas outras. Os operadores ambientais (grupos

134 ambientais, forças de pressão da indústria, pessoal de relações públicas, defensores políticos, advogados ambientais, jornalistas e burocratas) são exemplos notáveis disto; devido às suas atividades, geram trabalho uns aos outros, e aumentam a importância do meio ambiente como fonte de problemas sociais.

No âmbito da arena social do risco, o processo de definição do que é aceitável está, muitas vezes, enraizado nas negociações entre várias ou múltiplas organizações que proclamaram estruturar relações entre elas. Clarke (1988) ilustra isto na sua análise de um fogo num edifício de escritórios em Binghanton, Nova lorque, que deixou um legado de contaminação química tóxica. Neste caso, três agências governamentais - o departamento de saúde do estado, o departamento de saúde do condado e a organização de manutenção do estado lutaram coletivamente pelo protagonismo na determinação do perigo da situação. Clarke argumentou que a avaliação institucional do risco é uma atividade de formulação de exigências em que as cooperações e as agências do governo competem e negociam para estabelecer a definição de risco aceitável.

Do ponto de vista da vantagem teatral, as arenas sociais de risco estão povoadas por grupos mistos de atores. Palmlund (1992) propõe a existência de seis «papéis genéricos» na avaliação social do risco, transportando cada um a sua própria classificação dramática: portadores de risco, defensores dos portadores de risco, geradores de risco, investigadores do risco, árbitros do risco e informadores do risco.

Os portadores do risco são vítimas que suportam os custos diretos de trabalhar e viver em ambientes perigosos. No passado, aqueles que foram mais afetados raramente se pronunciaram e permaneceram, portanto, à margem das arenas de risco. Mais recentemente, contudo, como pode ser visto pela ascensão do movimento de justiça ambiental, os portadores de risco ficaram mais poderosos e devem ser cada vez mais

Page 38: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

vistos como jogadores notáveis. Os defensores dos portadores de risco ascenderam ao palco público para lutar pelos direitos das vítimas. Os exemplos incluem organizações de consumidores, tais como as dirigidas por Ralph Nader e Jeremy Rifkin, organizações de saúde, uniões de trabalhadores e defensores congressistas parlamentares. Eles são representados como protagonistas ou heróis. Os geradores de risco - As empresas de serviços públicos importantes, as companhias florestais, as companhias multinacionais químicas e farmacêuticas, etc. - são classificadas como protagonistas e vilãs, visto que os defensores afirmam serem estas as fontes primárias de risco.

135 Os investigadores do risco, nomeadamente os cientistas na universidade, os laboratórios governamentais e as agências patrocinadas publicamente, são relatados como «ajudantes» na tentativa de reunir provas sobre o porquê e o como e sob que circunstâncias um objeto ou atividade são portadores de risco, quem está exposto ao risco e quando é que o risco pode ser visto como «aceitável». Contudo, de vez em quando, os investigadores do risco foram identificados como geradores de risco, particularmente se as suas descobertas defendem a posição dos últimos. Os árbitros do risco (mediadores, tribunais, agências reguladoras, Congresso/Parlamento) ficam fora do «palco» procurando determinar, de forma neutral, até que ponto o risco deverá ser aceite, ou a forma como deverá ser limitado ou evitado, e que compensação deveria ser dada àqueles que sofrem danos resultantes de uma situação julgada perigosa. Na realidade, os árbitros do risco raramente são neutrais como deveriam ser; em vez disso, tendem frequentemente a colocar-se ao lado dos geradores do risco. Finalmente, os informadores do risco, em primeiro lugar os meios de comunicação social tornam o papel de um «coro» ou de mensageiros, colocando os assuntos na agenda pública ou escrutinando a ação.

Renn (1992) sugere uma combinação destes papéis: os amplifícadores questões que observam as ações no «palco» comunicam com os atores principais, interpretam as suas descobertas e relatam-nas ao público. Os propagadores ambientais, como Paul Ehlich, Barry Commoner, Jeremy Rífkin e Jonathan Porrit constituem exemplos principais.

Hilgartner e Bosk representam a interacção entre as diferentes arenas do discurso público, tal como são caracterizadas por diversas características fundamentais. Em primeiro lugar, estas múltiplas arenas estão ligadas por um conjunto complexo de ligações sociais e organizacionais. Em consequência disso, as atividades em cada arena propagam-se de um modo geral pelas outras. Em segundo lugar, encontra-se um grande número de «movimentos de feedback» que amplificam ou desencorajam a atenção dada aos problemas nas arenas públicas. Consequentemente encontra-se um número relativamente pequeno de problemas sociais bem sucedidos que ocupam a maior parte do espaço, na maior parte das arenas ao mesmo tempo. Este padrão sinergético é típico da formulação de políticas sobre questões relacionadas com o risco e o meio ambiente.

No seu estudo de 228 «profissionais de risco» com base em Washington, Dietz e Ricroft (1987) descobriram uma política comunitária com uma densa rede de comunicação que se estendia até aos

136 grupos ambientais, grupo de peritos, universidades, firmas de advocacia e consultadoria, corporações e associações de comércio, a EPA e outras agências executivas. As organizações ambientais estiveram especialmente ativas em atividades de alcance que incluem contactos com empresas e associações de comércio com as quais 85 por cento dos interrogados comunicaram num mês típico. De forma semelhante, o pessoal transita ao longo das organizações, outro componente da rede de câmbios, foi substancial, embora trabalhando para um grupo ambiental levou a uma fraca probabilidade de encontrar emprego num dos outros grupos.

Dietz e Rycroft representam o sistema da política de risco como algo híbrido no sentido em que se baseia fortemente na ciência, mas, ao mesmo tempo, é impulsionada pelo conflito ideológico entre ambientalistas e os participantes associados e governamentais. Isto cria uma medida transitória de tal forma que a ciência constitui o alicerce do sistema, contudo, muitas decisões políticas são resolúveis apenas em termos políticos. Contudo, a representação que emerge deste inquérito é a de uma comunidade política

Page 39: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

permeável, mas, intrinsecamente ligada e orientada no sentido de um discurso partilhado sobre questões relacionadas com o risco ambiental.

Isto significa, entre outras coisas, que qualquer abordagem de risco que tente realçar os fatos socioculturais em detrimento dos físicos, será provavelmente considerada fora de alcance e, portanto, imprópria para inclusão na agenda partilhada dos profissionais de risco (Dietz e Rycroft 1987: 114). Poder e formulação social do risco ambiental

Freudenburg e Pastor (1992) afirmaram que a abordagem de formulação social do risco sugere uma atenção mais cuidada para com as variáveis que os sociólogos descobriram estar associadas ao exercício do poder. De forma semelhante, Clarke e Short (1993) observam que as discussões dos construcionistas - contrariamente à psicologia e à economia - tendem a incidir sobre a forma como o poder funciona, em termos estruturais de debate sobre o risco.

Ambos os conjuntos de atores partilham a crença de que esta relação é especialmente importante visto que os pontos de vista oficiais, como o seu acesso significativo aos meios de comunicação social, sugere fortemente que os receios públicos respeitantes aos riscos técnicos são claramente irracionais, isto é, as alegações relativas à

137 irracionalidade pública são, em si próprias, formas de estruturar as questões de risco. Correlativamente, as formulações políticas originárias da comunidade de profissionais de risco, e que discutimos na seção anterior, são apresentadas como racionais, avaliações objetivas daquilo que é ou não considerado seguro. Se esta visão for aceite, então diz-se que o risco central educa o público no sentido de este se aperceber que está a exagerar, e de que o risco ligado ao poder nuclear, herbicidas, organismos produzidos pela bioengenharia, etc., não constituem, na realidade, o risco que parecem constituir. Por forma a tranquilizar os receios públicos, os analistas do risco desenvolvem medidas quantitativas através das quais comparam os riscos inerentes a diferentes escolhas políticas, e os seus custos e benefícios relativos (Nelkin 1989: 99).

Isto não implica que as pessoas estejam sempre certas, e o conhecimento dos peritos seja invariavelmente «instável» (Wynne 1992: 276). Em vez disso, uma perspectiva construcionista social argumentaria que cada um representa um estrutura competitiva, mas a racionalidade dominante que emana do estabelecimento do risco sobrepõe-se à estrutura popular devido a um poder diferencial. Assim, Wynne (1992: 286) demonstra que no caso de uma controvérsia pública sobre o herbicida 2,4,5-T no Reino Unido em que o conhecimento empírico em primeira mão, dos trabalhadores agrícolas e florestais, foi diretamente relevante para uma análise de risco objetiva; mas este conhecimento foi rejeitado pelos cientistas, denegrindo e ameaçando a sua identidade social.

Não há local onde este diferencial seja mais evidente do que nos encontros de informação pública ou audições que são regularmente supervisionadas pelos geradores do risco e pelos árbitros. Nos encontros públicos relativos à construção dos tanques de retenção dos esgotos, descritos anteriormente neste capítulo (ver páginas 128/129), os membros do departamento de obras públicas, políticos locais (que apoiavam fortemente o projeto) e representantes da firma de engenharia privada que tinha recomendado a construção de tanques sentaram-se todos num palco erguido no auditório cujas margens foram adornadas com tabelas, fotografias ampliadas e outros «adereços». Nós, cidadãos, fomos limitados a uma única questão sem seguimento. Aqueles que questionaram a adequação do projeto foram alternadamente incomodados e tratados com condescendência. Nos assuntos contenciosos, os apresentadores não hesitavam em introduzir resmas de provas estatísticas que ainda não haviam sido vistas, e que não tínhamos forma de confirmar ou negar sem alguns dias ou

138 semanas de investigação posterior. Richardson et al. (1993) observaram muito dos mesmos elementos estruturais na sequência de audições públicas ambientais em 1984 sobre proposta de construção de uma fábrica de branqueamento de pasta de papel a norte de Alberta 4. Por exemplo, os membros da ElA da Junta de Inspeção da Alpac que estavam a levar a cabo as audições sentaram-se à mesa e enfrentaram o público,

Page 40: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

por vezes num palco. Numa ou várias mesas ao lado direito da Junta estavam os representantes da Alberta-Pacific Forest Industries (Alpac), a companhia que procurava construir a fábrica, os seus peritos técnicos e o seu advogado. Numerosos consultores da Alpac estavam dispersos pela sala. Os apresentadores tiveram de falar por microfones através dos quais as suas palavras eram gravadas.

Kaminstein (1988) argumenta que na apresentação pública da informação científica, relativamente aos aspectos de saúde e segurança dos depósitos de resíduos tóxicos, está incorporada uma retórica de contenção que restringe a discussão, evita questões difíceis e segue sempre a sua própria ordem de trabalhos. Com base em três anos de observação de encontros da EPA levados a cabo para informar os residentes de Pitman, Nova Pérsia, sobre os passos que estavam a ser tomados para limpar os terrenos de Lipari, a zona de um dos piores depósitos nos Estados Unidos, Kaminstein conclui que os residentes estavam mais controlados e derrotados do que informados ou persuadidos. A ferramenta básica que os peritos científicos associaram à EPA e os Centros de Controlo de Doenças usaram para reprimir as iniciativas dos cidadãos foi a de exposições sobre tóxicos - exposições que reprimem a discussão e refreiam a preocupação pública. A retórica da contenção tem múltiplos elementos.

Em primeiro lugar, como aconteceu com os encontros sobre os tanques de retenção, os residentes foram bombardeados com informação técnica. Num encontro, os representantes EPA distribuíram documentos que totalizaram quarenta e quatro páginas. As pessoas que frequentaram esses encontros eram supostas assimilar uma diversidade de dados, tabelas, gráficos, quadros e uma exibição de dia-

4 O que aconteceu foi que a junta de inspecção recomendou que a fábrica não deveria ser construída, a menos que estudos posteriores indicassem que não constituiria um perigo sério para a vida no rio e para os seus utilizadores a jusante ao longo do sistema do rio Peace-Athabasca. Nove meses depois foi acordado aceitar estas descobertas, o governo de Alberta subverteu a sua própria decisão e decidiu permitir que a ALPAC prosseguisse.

139 positivos numa rápida sucessão. Ao mesmo tempo, os fatos que os residentes queriam nunca estiveram disponíveis e não foi dada nenhuma explicação ou interpretação como aconteceu com a informação apresentada pelos cientistas consultores.

O espaço físico da sala de reuniões era igualmente muito semelhante ao que foi frequentado por aqueles que foram às sessões sobre os tanques de retenção. Em frente na sala estava um grande estrado cerca de 60 em acima do chão, uma extensa mesa com nove grandes cadeiras castanhas, altas, em que se sentavam os cientistas, criando um distanciamento físico e psicológico do público. Vários adereços dramáticos, por exemplo, uma fotografia aumentada de um veículo de monitorização da qualidade do ar que parecia uma caravana de campismo, foram emtregues como dispositivos retóricas para apaziguar os residentes e aumentar o poder dos responsáveis pelo encontro.

O estilo de apresentação factual utilizado pelos representantes da EPA e pelos cientistas foi abstrata, impessoal e técnica, criando assim uma impressão de neutralidade profissional. Foram os residentes ativistas que ficaram irritados e confrontadores, permitindo que os funcionários pedissem que abandonassem a sala por serem demasiado «emocionais». As questões que tratavam da geologia e hidrologia de uma área, testes futuros e planos para limpeza foram esboçados, mas aquelas ligadas a riscos de saúde foram evitadas ou desviadas. Os representantes e os cientistas utilizaram uma linguagem técnica, ambígua e inteletual nas suas apresentações, tornando impossível o desenvolvimento de qualquer diálogo significativo entre os peritos e os residentes sobre a natureza e a magnitude dos riscos que a comunidade de Pitman enfrentava.

Técnicas de exposição sobre tóxicos, como estas, são estrategicamente bem sucedidas se eticamente repreensíveis. Permitem aos peritos científicos e aos funcionários governamentais dirigirem a discussão, estabelecer a agenda de riscos e desencorajar a futura participação dos cidadãos. As preocupações populares e as estruturas do risco estão subordinadas às preferidas pelos poderosos na sociedade. Tal como Kaminsteirr (1988: 10) observa, estes tipos de dispositivos de exclusão permitem às agências como a EPA cumprir legalmente o seu mandato para levar a cabo encontros públicos, levando simultaneamente os residentes a sentirem que estão a lutar por uma batalha perdida apenas para serem ouvidos.

Isto não quer dizer que os membros do público nunca tentem afirmar-se em locais oficiais como estes. Por exemplo, no caso de

Page 41: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

140 Alberta, alguns participantes lutaram para forçar o controlo de reguladores sobre a extensão da inspeção, jurisdição e sobre definições de legitimidade, assim como tentar subverter o discurso dominante que foi imposto pelas forças pró-desenvolvimento (Richardson et ai. 1993: 47). Contudo, as limitações do processo de audiência tornam normalmente difícil a participação dos cidadãos, especialmente devido ao fato de a situação ser estruturada por forma a evitar a argumentação pública e reforçar o poder das instituições.

Os analistas do risco institucional exercem igualmente poder num plano mais abrangente. Estruturalmente, controlam a agenda oficial de riscos, atuando como guardiães bem colocados para determinar quais as questões do discurso público a serem incluídas ou excluídas. Por exemplo, nos anos 1980, imbuídos de um clima desregulador dentro da administração Reagan (apoiado pelos gestores seniores da EPA), o Congresso cortou fatalmente o orçamento do Departamento para a redução e Controlo do Ruído (ONAC), arruinando, através dele, a maior parte dos programas de redução do ruído (Shapiro 1993). Apesar do risco sistemático da poluição sonora para a saúde humana e harmonia ambiental, a questão permaneceu inalterada devido à falta de reação governamental que apenas recentemente mostrou alguns sinais de reanimação. Em tais circunstâncias, o próprio risco não diminui (no caso da poluição sonora, aumentou), mas o estabelecimento do risco é capaz de manipular o seu progresso na agenda de ação.

Freudenburg e Pastor (1992: 403) observam que a abordagem construcionista social dos riscos tecnológicos faz bem em observar as outras variáveis que os sociólogos descobriram previamente estarem associadas ao poder. Assim, o gênero pode ser aqui significativo, de tal forma que os peritos científicos e os funcionários burocráticos que praticam a retórica da contenção são geralmente homens, ao passo que os grupos de cidadãos locais são compostos de forma desproporcionada por mulheres, faltando a muitas delas poder e autoridade na vida pública. De forma semelhante, os membros de minorias étnicas e raciais são regularmente dispensados e desacreditados pelo estabelecimento de risco, uma experiência que conduziu ao recente florescimento do movimento de justiça ambiental.

A relação entre poder, desigualdade e formulação social do risco é igualmente evidente nas comunidades que foram marginalizadas por posições de isolamento económico, geográfico e social (Blowers et aI. 1991).

141 Formulação do risco numa perspectiva transnacional

Finalmente, a formulação do risco varia em termos transnacionais segundo um número de diferentes factores: a organização das estruturas políticas e administrativas, tradições históricas e crenças culturais. Existem diversos bons exemplos que podem ser encontrados nos três casos de estudo que serão apresentados posteriormente neste livro (ver capítulos 7-9). Considere, por exemplo, o destino diferente da BST a hormona bovina de crescimento geneticamente gerada, nos Estados Unidos, onde foi aprovada para utilização versus Europa Ocidental onde foi banida eficazmente. Ou repare-se nos padrões contrastantes de ação/inação pela ciência e o governo na Suécia, Estados Unidos, Canadá, Crã-Bretanha e Alemanha em relação às chuvas ácidas.

No âmbito da análise do risco, talvez o melhor estudo comparativo seja o relatório Jasanoff (1986) intitulado Risk, Management and political Cure. Baseado em casos de estudo de programas nacionais para o controlo dos carcinogéneos em vários países europeus, Canadá, Estados Unidos, ela conclui que os fatores culturais influenciam - fortemente os objetivos e prioridades na gestão do risco. Na Alemanha (ocidental), a abordagem preferida tem sido a delegação da resolução de todas as questões relacionadas com o risco nos peritos técnicos. Jasanoff não discute isso, mas mesmo onde a questão do risco é fortemente contestada, a racionalidade técnica é aplicada sob a forma de uma «avaliação tecnológica» que inclui representantes do governo, da indústria e dos movimentos sociais (ver Bora e Dobert 1992). Na Grã-Bretanha e no Canadá, os riscos são examinados através de uma mistura de um processo científico e administrativo, mas as incertezas científicas não são sempre publicamente transmitidas. Contrariamente, nos Estados Unidos, a determinação do risco tem uma aparência muito mais pública numa ampla variedade de fora científicos e administrativos. Embora isto possa produzir um maior e mais democrático rigor analítico e participação pública esclarecida, podem também conduzir a uma maior polarização e conflito e, assim, a um impasse político.

Page 42: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

Utilizando o método comparativo sugerido por Jasanoff, Harrinson e Hoberg (1994) compararam a regulação governamental no Canadá e nos Estados Unidos de sete substâncias controversas que se suspeitava provocarem cancro nos seres humanos: os pesticidas Alar e Alachlor, o isolamento da espuma ureia-formaldeído, gás radon,

142 dióxinas, sacarina e amianto. Cada abordagem de um país foi pesada segundo cinco critérios de eficácia: severidade, e atemporalidade da decisão reguladora; o balanço dos riscos e benefícios por aqueles que tomam as decisões; oportunidades de participação pública; e a interpretação da ciência na tomada de decisão reguladora.

Tal como Jasanoff, os investigadores descobriram que existiam dois estilos reguladores contrastantes. Em cada caso

existia um conflito mais aberto em relação aos riscos nos Estados Unidos do que no Canadá, com grupos de interesse, meios de comunicação social, legisladores e os tribunais que tinham um papel muito mais importante a sul da fronteira. O processo regulador no Canadá tinha tendência a ser fechado, informal e consensual, comparativamente ao estilo aberto, legalizado e adverso dos EUA.

(Harrison e Hoberg 1994: 168).

Diz-se que ambos os estilos têm riscos e benefícios. O sistema canadiano conduz mais à precaução científica e ao controlo democrático formal, mas falta-lhe a responsabilidade, tornando mais fácil às decisões políticas serem inseridas nos argumentos científicos. O sistema americano é mais aberto, mas também mais conflituoso e vulnerável às pessoas dos grupos de interesse e, em consequência disso, menos dependente dos peritos científicos.

Esta investigação comparativa fornece mais provas de que a determinação do risco e a sua avaliação são socialmente formuladas. As estruturas e os estilos podem ser vistos como tendo tanto a ver com a decisão de quais as condições ambientais que serão julga das como perigosas e litigáveis, como a natureza da própria alegação científica. Consequentemente, as alegações ambientais, fundamentalmente estáveis, podem ser detidas na segunda ou terceira fases do modelo apresentado no capítulo 2, quer devido à conspiração entre regulamentadores e cientistas, quer à pressão política dos grupos de interesse, quer dentro ou em oposição à perspectiva ambientalista. Capítulo 10 O construcionismo ambienial e a condição pós-moderna

Neste capítulo final abordarei a formulação social do risco e do conhecimento ambientais, no contexto de um debate teórico mais amplo sobre modernidade versus pós-modernidade. Na sua maioria, os sociólogos ambientais evitaram o envolvimento neste debate, preferindo lidar com problemas de investigação empiricamente fundamentados. Contudo, como veremos, tem havido um aumento recente da atividade neste domínio, nomeadamente o desenvolvimento por Beck do conceito de «modernidade reflexiva» no contexto de uma «modernização ecológica» como teoria da mudança social.

A dicotomia da modernidade/pós-modernidade assemelha-se, até certo ponto, a uma pequena armadilha: encorajadora inicialmente, mas cheia de perigos. Tal como Featherstone (1988: 195) observou, são poucos os termos académicos recentes que tenham gozado de tanta popularidade como o pós-modernismo e que ainda sejam vistos por muitos como uma «moda efêmera» ou como «um capricho intelectual sem significado e bastante superficial».

Apesar da sua carreira atribulada no topo da teoria social, há um sério risco com a conceitualização do pós-modernismo. Embora possa significar muitas coisas, desde um estilo de arquitetura, a um método de abordagem literária, na sociologia tem sido tratado como «uma mudança de época, ou como uma ruptura com a modernidade, envolvendo a emergência de uma nova totalidade social que tem o seu próprio princípio distinto de organização» (Featherstone 1988: 178). Este princípio afirma que a certeza da era moderna, formulada como se o fosse com base em noções amplamente partilhadas e aceites sobre o progresso econômico, tem sido aniquilada, deixando um

Page 43: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

231

mundo caótico e fragmentado que está intimamente desprovido de significado. Se a produção e o capitalismo industrial constituíram os marcos da modernidade, a pós-modernidade é caracterizada pela ordem social dominada por «estímulos»: representações artificiais ou cópias dos objetos ou acontecimentos reais (Baudrillard 1983). Não surpreende o fato de o símbolo da era atual para muitos eruditos pós-modernistas ser o parque temático da Florida, o «Disney World», o qual é suposto resumir a substituição de uma história e experiência cultural controladas e adoça das, pela realidade.

Visto ser amplamente um tipo de acusação relativamente à natureza «plástica» da cultura contemporânea, o pós-modernismo não diz nn realidade muito sobre as mudanças econômicas políticas que estão implicadas na transição do moderno para o pós-moderno. Uma excepção para esta situação é o crítico marxista Frederic Jameson (1984), que apresenta o pós-modernismo como uma nova fase sócio-econômica do capitalismo em que as relações de trocas capitalistas penetram nas esferas da informação, conhecimento, ínformatização e consciência, e a própria experiência até uma extensão sem paralelo. Contudo, como Kellner (1988: 261) corretamente observou, o relato de James reduz deliberadamente o pós-modernismo a um «momento no âmbito de uma nova fase do capitalismo» e poderá ser melhor caracterizada por qualquer outro conceito, por exemplo, o de «capitalismo multinacional».

O que é que tudo isto tem a ver com a formulação social dos problemas ambientais? Em primeiro lugar, a explicação dos discursos relativos ao crescimento econômico, desenvolvimento, risco e ciência, podem ser vistos como consentâneos às explicações pós-modernistas. Tal como Brian Wynne (1992) argumentou, o «paradigma modernista de uma racionalidade incondicional e singular da qual os discursos predominantes do risco são um pilar» tem sido eliminado pelos acontecimentos dos últimos trinta anos. Este processo destrutivo começou primeiro em 1962 com a publicação de Silent Spring, a acusação de Rachei Carson do estabelecimento agro-químico e da sua utilização imprudente de pesticidas, seguido de imediato pela crítica de Barry Commoner (1963, 1971) em relação às tecnologias industriais do período após a Segunda Guerra Mundial e o seu efeito destrutivo. No seu despertar, uma pletora de comentadores universitários e das organizações do movimento ambiental desmascararam sistematicamente a falta básica de certeza que envolvia a condução da ciência e a introdução de novas tecnologias. O poder nuclear, os plásticos, herbicidas e incineradoras de resíduos tóxicos: cada uma dessas tecnologias, foi subsequentemente demonstrado, tinham graves defeitos

232 que não eram evidentes quando foram publicitados como ferramentas para um futuro mais promissor. Além disso, o próprio processo de criação de ciência revelou-se intrinsecamente sociológico, uma «teia de convenções, práticas, compreensões e indecisões "negociadas"» (Grove-White 1993: 22).

Ao nível popular, a erosão da fé na ciência foi desencadeada por uma progressão de desastres nucleares e químicos ficcionais (O Sindrome da China) e reais (Bhopal. Chernobyl, Love Ca nal, Three Mile Island), nos quais aqueles que têm o controlo das tecnologias pareciam não saber o que estavam a fazer, optando, pelo contrário, por esconder a verdade. Esta percepção foi ainda mais impulsionada por uma corrente contínua de «pseudo-acontecimentos» (Boorstin 1964) encenados pelo Creenpeace e outros formuladores de exigências ambientais, representando os caçadores de baleias, operadores nucleares, companhias florestais e outros, como personificações do mal. O resultado final foi o enfraquecimento da confiança na ciência e indústria, da mesma norma como o caso Watergate, nos Estados Unidos, destruiu a fé das pessoas na conduta dos políticos e do governo. Isto não significa que o crescimento econômico. O emprego total e o progresso tecnológico tenham enfraquecido uniformemente como aspiração, mas estavam agora cobertos por um sentimento pendente de que aqueles que estavam no poder nem sempre eram leais para com os seus concidadãos. Lash e Wynne (1992:7) referem-se à emergência de uma «reflexão privada» em que as pessoas começaram a exprimir esta desconfiança subjacente nos limites dos seus próprios mundos semi-privados e no seu próprio vernáculo.

Consequentemente, o que os pós-modernistas chamam «grandes narrativas» ou «metanarrativas» (Lyotard 1984) do passado começaram a tornar-se cada vez menos legitimadas. Apesar de ter sido necessária a participação de muitas pessoas (por força das dependências do emprego), na simulação de confiança em

Page 44: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

organizações ou complexos institucionais, esta confiança e credibilidade foi, de facto, apenas superficial, ocultando um nível mais profundo de ambivalência que pode ser reconhecido como uma «condição essencial do pós-modernismo» (Wynne 1992: 296). Se, como Lash e Urry (1994: 257) observaram, a pós-modernidade «proclama intrinsecamente fim da certeza»; então desconstrução e reconstruçao dos riscos ambientais e do conhecimento destinam-se a tornar-se característicos da sociedade de amanhã

Um outro eco do pós-modernismo é sugerido por Harries Jones (1993: 5) o qual, inspirado pelo êxito do Greenpeace, realça que as

233 organizações de movimentos ambientais têm, cada vez mais, estruturado os seus «interesses de conhecimento» em primeiro lugar, através das imagens dos meios de comunicação social. Harries Ienes chama-lhe «práxis icónica», e observa que as imagens têm-se tornado artificialmente construídas. Argumenta particularmente que os «ecodramas», exibidos pelo Greenpeace passaram de reais para simulações, por forma a conservar recursos organizacionais e'para proteger a segurança dos membros ativistas. Assim, e segundo Baudrillard (1983: 2), diz-se que a defesa ambientaI entrou em regiões do «hiper-real» onde nada é o que parece e os pseudo-acontecimentos, como iniciativa da Campanha para a Alimentação Pura «Adopte um McDonald's» (ver capítulo 9) reinam como superiores. Valerá a pena observar que a apresentação de pseudo-acontecimentos e a utilização de táticas simuladoras não são inteiramente únicas para as organizações de movimentos ambientais da era actual. De facto, nos anos 1920, uma intensa controvérsia provocou furor durante algum tempo no movimento de conservação americano, em relação às táticas de «falsificadores da natureza» - autores que escreveram sobre a natureza, como Ernest Thompson Seton e Charles G. D. Roberts que atribuíram característicàs da personalidade e capacidades humanas aos animais selvagens (Lutts 1990; Schmitt 1990). Contudo, a mais sofisticada e penetrante manipulação que pode hoje ser criada através do uso de tecnologias digitais computadorizadas, leva a uma disseminação de uma forma de «escapismo digital» caracterizados pela emergência de uma «consciência virtual»; se nos conseguirmos projetar a nós próprios num mundo perfeito apenas com algumas batidas num teclado, por que razão teremos de nos preocupar com o estado do ambiente que deixámos no mundo real (Cornier 1994)?

Outro comentador que faz a ligação do pós-modernismo à construção dos problemas ambientais através do processo de construção de ícones é Andrew Szasz (1994), Szasz começa a sua discussão com praticamente a mesma observação que Harries Jones; de que os defensores ambientais se tornaram mestres na bela arte da formação de ícones e têm-na utilizado para criar histórias de questões ambientais que representam «figuras repetitivas, altamente estereotipadas e ameaçadoras», Os consumidores de notícias formam as suas atitudes em relação aos resíduos tóxicos, energia nuclear, o efeito de estufa e outros tópicos ambientais, quase totalmente com base nestas imagens superficiais, ao invés de numa avaliação cognitiva mais sustentável de informação não-visual. Embora se pudesse pensar que a atenção episódica típica de uma sociedade pós-modernista conduziria automaticamente

234 a um rápido declínio do interesse quando as notícias passavam para outras histórias, isto não é necessariamente assim. Sazasz propõe contrariamente um modelo em que a questão da criação pós-modernista é transformada em formas mais tradicionais de ação social, nomeadamente a formação de grupos de cidadãos. Isto não terá muitas probabilidades de acontecer quando as imagens dos meios de comunicação social se ligam à experiência pessoal, «tornando o ícone a base perceptiva para uma política mais tradicional do movimento social» (19?4: 83). Isto, argumenta Szasz, foi o que aconteceu no início dos anos 1980, no caso dos resíduos perigosos, quando um grande grupo de imagens mediáticas de televisão sobre os resíduos tóxicos a derramar de barris de 200 litros, as equipas de limpeza encerradas em equipamento de protecção e casas feitas de pedaços de madeira encaixados, com sentimentos da vida real de medo e raiva nos domicílios atingidos pelas instalações tóxicas.

Apesar destas correntes de pós-modernismo, a maior parte dos investigadores ambientais que refletiram sobre o assunto evitaram adaptar uma perspectiva pós-modernista. Tal como Wynne (1992: 296) explica, a teoria pós-modernista nas suas formas mais fortes (e.g. Lyotard) projeta uma imagem de uma nova

Page 45: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

sociedade incoerente, uma babel de múltiplas identidades sociais. Eles escolheram. pelo contrário, seguir a liderança de Giddens (1990, 191) e optar por uma forma de modernismo revista e atualizada.

Talvez o exemplo mais conhecido deste meio termo seja a teoria da «sociedade de risco» de Ulrich Beck. A tese de Beck começa com a premissa de que as nações ocidentais passaram de uma sociedade «industrial» ou de «classes», em que a questão central é a forma como a riqueza socialmente produzida pode ser distribuída de forma igualitária, enquanto simultaneamente reduz os efeitos do lado negativo (pobreza, fome), a um paradigma de uma «sociedade de risco» em que os riscos e os perigos produzidos como parte da modernização, nomeadamente a poluição, devem ser evitados, minimizados. dramatizados ou canalizados. A antiga «sociedade de distribuição de riqueza» e a emergente «sociedade de distribuição de risco» contêm desigualdades, que abrangem áreas como os centros industriais do Terceiro Mundo.

Uma característica importante da sociedade de risco é a forma como o monopólio passado das ciências sobre a racionalidade foi quebrado. Paradoxalmente, a ciência torna-se «cada vez mais necessária,

mas, ao mesmo tempo, cada vez menos suficiente para a definição socialmente intrínseca da verdade» (Beck 1992: 156). Beck contrasta

235 com a rigidez da «racionalida de científica» que está enraizada numa crítica do progresso. Sob a pressão de um público cada vez mais impaciente, novas formas de ciência «alternativa» e «defendida» tomam corpo e forçam uma crítica interna. Esta «cientificação do protesto contra a ciência» produz uma nova variedade de peritos científicos orientados pelo público, que se tornam pioneiros em novos campos de atividade e aplicação (por exemplo na biologia da conservação). De forma semelhante; é dito que os monopólios da ação política estão a desmoronar-se, abrindo assim a formulação de decisões políticas ao processo de ação coletiva. Um exemplo disto é a entrada dos «Verdes» no parlamento alemão nos anos 1980.

Finalmente, a dinâmica da modernização reflexiva conduz a uma maior individualização. Libertada das limitações das sociedades tradicionais pré-modernas. Os novos cidadãos urbanos da revolução industrial deveriam supostamente alcançar novos níveis de criatividade e auto-atualização. Contudo, isto não aconteceu, em larga medida devido a uma nova limitação - a «cultura do cientismo» - invadiu todos os aspectos da nossa vida, desde a construção do risco, ao comportamento sexual. Agora, há uma oportunidade de o indivíduo se libertar mais uma vez, e escolher as suas próprias formas de vida, subculturas, laços sociais e identidades (p. 173). Contudo, ironicamente, à medida que a existência individualizada privada se torna finalmente possível, somos confrontados com conflitos de riscos que, pela sua origem e estrutura, resistem a qualquer tratamento individual. Beck não utiliza a frase, mas é explícito em relação aos «problemas ambientais globais», tais como o efeito de estufa e a diminuição da camada de ozono que são grandes exemplos de tudo isto. Assim, a «cientificação reflexiva» em que as tomadas de decisão científicas, especialmente as relacionadas com o risco, são abertas à racionalidade social como algo vital para a reclamação da autonomia individual.

Uma segunda teoria ambiental da última fase da modernidade é a teoria da «modernização ecológica», desenvolvida pelos sociólogos holandeses Gert Spaargaren e Arthur MoI. Saargaren e MoI reconhecem diversas contribuições da escola da «modernização reflexiva» (Beck, Giddens, Wynne): o seu reconhecimento de que os riscos globais contemporâneos perderam os seus limites no tempo e no espaço, a sua ênfase nas mudanças das relações dos atores leigos e sistemas de peritos, e sua percepção de que os cientistas na era da última modernidade já não conseguem assegurar quaisquer certezas relativamente aos riscos ambientais, mas deverão antes partilhar as suas dúvidas com o público (Spaargaren e Mol. 1992b.) Criticam simultaneamente

236 a abordagem da modernização reflexiva com base no facto de esta ser excessivamente pessimista. Alega-se que Beck cai no erro de escolher. exclusivamente os riscos de «grande consequência» (por exemplo, a energia nuclear) e tornar estes abrangentes a uma série de questõés ambientais. Pelo contrário, a sua própria conceitualização da modernização ecológica como teoria da mudança social é de optimismo qualificado.

Spaargaren e Mol entendem por modernização ecológica uma mudança ecológica do processo de

industrialização num sentido que tem em consideração a manutenção da base de subsistência existente

Page 46: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

(1992a: 334). Esboçado com o espírito do Relatório Brundtland, a modernização ecológica, tal como o desenvolvimento sustentável, «indica a possibilidade de ultrapassagem da crise ambiental sem deixar marcas de modernização». O seu modelo baseia-se no trabalho do escritor alemão Huber (1982, 1985), que analisa a modernização ecológica como uma fase histórica da sociedade moderna. No esquema de Huber, a sociedade industrial desenvolve-se em três fases:

1) O surgimento da industrialização; 2) A construção da sociedade industrial; e 3) A mudança do sistema industrial através do processo de «superindustrialização».

O que torna esta última fase possível é uma nova tecnologia: a invenção e difusão da tecnologia do

microchip. A modernização ecológica rejeita a ideologia inspirada de Schumacher (1974) «small is

beautiful», a favor de uma reestruturação, em larga escala, dos ciclos de produção-consumo acompanhados da utilização de tecnologias novas, sofisticadas e limpas (Spaargaren e MoI 1992a: 340). Ao contrário do desenvolvimento sustentável, não há tentativas de abordar os problemas dos países menos desenvolvidos do Terceiro Mundo. A teoria incide antes sobre as economias das nações da Europa ocidental que será «ecologizada» através da substituição da microelectrónica, temologia dos genes e outros processos de produção «limpos» pelas tecnologías mais velhas do «fim da linha» associadas às indústrias químicas e de manufatura. Contrastando com a perspectiva da «roda de produção», as relações capitalistas da produção, operando como uma roda no processo de crescimento econômico em curso, são tratados como amplamente irrelevantes (Spaargaren e MoI 1992a: 340-1).

Segundo Udo Simonis (1989), um analista de política ambiental alemão, a modernização ecológica da sociedade industrial contém três elementos estratégicos: uma conversão de longo alcance da economia

237 para harmonizá-Ia com os princípios ecológicos, uma reorientação da política ambiental segundo o «princípio da prevenção» (procurando um melhor equilíbrio entre deter a poluição antes que aconteça e tenha de se limpar mais tarde) e uma reorientação ecológica da política ambientaI, especialmente através da substituição das probabilidades estatísticas para a causalidade da «prova-sem-quaisquer-dúvidas» nas ações legais contra os poluidores. Infelizmente, é dito pouco sobre as barreiras sociais e políticas que se poderão enfrentar ao tentar implementar estas estratégias, especialmente noutros países para além da Alemanha e Holanda, onde o meio ambiente é já uma prioridade.

Embora estas tentativas teóricas de voltar a desenhar as fronteiras da modernidade recente sejam louváveis por tentarem corajosamente relacionar a «crise ambiental» com o carácter da sociedade moderna, ficam no entanto aquém em diversas descrições.

Tal como Lidskog (1993) salientou na sua crítica da Risk Society, Beck contradiz-se quando argumenta que o planeta está cada vez mais em perigo devido a uma escalada de riscos globais e objetivamente certificáveis, insistindo, simultaneamente, que os riscos são totalmente formulados socialmente e não existem, portanto, para além da nossa percepção deles. Isto reflete uma tensão de longa data na sociologia ambiental como um todo, entre o papel do analista sociológico e o do ativista ambiental. A dicotomia HEP/NEP de Catton e Dunlap é um epítome disto, muito embora ocorra igualmente em grande parte da literatura, emergindo, mais recentemente, na abordagem «realista» de Benton, Dickens, Martell e outros pensadores sociológicos britânicos que procuram colocar a natureza novamente na relação natureza-sociedade.

A teoria da modernização ecológica, pelo contrário, anda a passos lentos devido a um sentido de imperturbável optimismo tecnológico. Tudo o que é necessário, sugerem, é andar para a frente com a nova e superindustrializada era do futuro, deixando para trás a sociedade industrial poluidora. Contudo, a revolução do chip de silicone, base desta superindustrialização, não é, de forma alguma, neutra em termos ambientais como a teoria da modernização econômica sugere (ver Mahon 1985). Além disso, vale a pena lembrar que a energia nuclear foi igualmente elogiada como tecnologia «limpa» até que as suas características mais indesejáveis se tornaram conhecidas.

Como explicação sociológica, a teoria da modernização ecológica é tão normativa quanto analítica. Spaargarcn e Mal dizem de fato pouco sobre as relações de poder que caracterizam os processos

Page 47: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

238

ambientais, presumindo, de alguma forma, que a sensatez triunfará automaticamente. Contudo, e tal como Gould et al. (1993: 231) argumentaram, a sustentabilidade, o conceito líder que está por detrás da modernização ecológica, é tanto uma dimensão econônico-político, como ecológica: o que pode ser sustentado é apenas o que as forças políticas e sociais, num determinado alinhamento histórico, definem como aceitável. O reconhecimento disto é muito mais evidente no conceito da sociedade de distribuição - do risco de Beck, do que na modernização ecológica que Spaargaren e MoI vêem como algo que se aproxima rapidamente. Para ser justo, dever-se-à salientar que Spaargaren e MoI não estão totalmente esquecidos desta fraqueza. Na verdade, eles qualificam a sua teoria da modernização ecológica através da observação de que é «limitada à medida que lida apenas com a dimensão industrial da modernidade, rejeitando as dimensões do capitalismo e vigilância, e devido ao fato de esta limitar o conceito de natureza à base que a sustenta» (Spaargaren e Mal 1992a: 341).

A abordagem da formulação social que adaptei neste livro segue caracterização do ambiente como «local de definições e interesses sociais e culturais em competição que se interceptam» de Ian Welsh (1992). São contestadas a natureza e a gravidade das ameaças ambientais, a sua dinâmica subjacente, a prioridade de uma questão contra a outra, e os meios ideais de mitigar ou melhorar as condições que vieram a ser definidas como problemáticas. As partes envolvidas nas contestações incluem a indústria privada, reguladores, cientistas, grupos ambientais, organizações comunitárias, grupos de comércio e profissionais e, cada vez mais, as «vítimas» - a sociedade. O que em última análise é aqui mais significativo é o processo através do qual os formuladores de exigências ambientaís influenciam aqueles que têm o poder para que estes reconheçam as definições dos problemas ambientais, para os implementarem e aceitarem a responsabilidade pela sua solução.

Esta conceitualização do ambiente e da sociedade encaixa-se facilmente na imagem pós-modernista do mundo, como «incerto, perigoso e errático» (Bauman 1994: 143). Contrastando com outras abordagens científicas sociais do ambientalismo e do ambiente, não contém, e, nem implícita nem explicitamente, qualquer tipo de componente evolucionária. Por exemplo, aqueles comentadores que utilizam como ponto de partida o contraste entre os paradigmas dominantes e os novos paradigmas ecológicos, sugerem que poderá levar muito tempo, mas o último triunfará justamente. O livro de Lester Milbrath (1989) sobre aprendizagem social e ambiente é disto um exemplo cimeiro. De forma semelhante, embora a base deste optimismo seja bastante

239 diferente, a teoria da modernização ecológica tem igualmente um sabor evolucionário na sua previsão de uma «passagem ecológica» para uma nova sociedade superindustrial e sustentável. Uma perspectiva de formulação social não impede a chegada de uma sociedade ecologicamente mais complacente e afável, talvez mesmo através do processo de modernização reflexiva de Beck, mas adverte que as questões e os problemas ambientais aumentam e decaem, tal como as nossas definições e compreensão da natureza, da ecologia, do risco e outros elementos do nexo ambiente-sociedade.

Há uma última forma em que a formulação ambiental e a forma pós-moderna se entrecruzam que não foi explicitamente reconhecida pelos comentadores sociológicos do passado.

Ao discutir a natureza das áreas urbanas pós-modernas, Sharon Zukin (1988: 229-30) identifica um processo de «apropriação cultural», através do qual os restos de novos «nobres» da classe-média dos bairros de transição defendem uma reivindicação de oposição a este espaço, uma reivindicação que não é baseada na posse ou titularidade, mas na apreciação do espaço (ou a sua forma quando construido) como produto de um consumo cultural. Zukin utiliza o exemplo de Clerkenwell, perto do mercado de Smithfield, em Londres, o qual passou de uma zona residencial e comercial pouco conhecida da classe operária, com locais de interesse histórico dispersas, numa área com cada vez maiores passeios turísticos a pé, escritórios de arquitetos e designers e outros elementos de uma nova, reorganizada e pós-moderna paisagem cultural.

Parece-me que este processo de apropriação cultural foi igualmente característico dos formuladores de exigências ambientais durante muito tempo. Como parte deste movimento de regresso à natureza da viragem do século na América, os habitantes das cidades redefiniram a natureza básica do campo em termos

Page 48: HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social

estéticos e não econômicos, indo até ao ponto de denegrir os agricultores locais como simplórios que são incapazes de captar o verdadeiro significado da natureza. De forma semelhante, hoje em dia os ativistas ambientais registam as reivindicações morais de uma variedade de espaços naturais em: lotes vazios nos bairros urbanos, até às florestas tropicais nas nações-tropicais. Tal como os «nobres» fascinados com os locais históricos, estes formuladores de exigências justificam as suas ações com base numa análise intelectual superior; por exemplo, a que deriva do conhecimento dos ecossistemas. Tais exigências encontram frequentemente opositores, não só em poluidores empresariais e burocratas intransigentes, mas nos populares locais que estruturam os seus es paços

240 em termos contraditórios. Assim, os habitantes das cidades com preocupações ecológicas que permitem que à frente das suas casas se torne um jardim selvagem desfigurado, acabam por chocar com os vizinhos que preferem uma relva limpa e temem uma desvalorização imobiliária. Burgess e Harrinson (1993) descrevem a forma como os residentes de Rainham, Essex, não conseguiam relacionar as exigências dos ambientalistas com um pântano local que foi posto em perigo devido à proposta de ali instalar um parque de diversões, devido ao fato de eles sempre terem considerado o pântano como algo inútil. Numa escala mais importante, os povos indígenas nas florestas tropicais do Sul não partilham, muitas vezes, as percepções dos ambientalistas profissionais de que grandes partes da floresta deverão ser reclamadas e protegidas, tornando-as reservas de vida selvagem. Em tais casos, a apropriação dos ambientes naturais implica o choque entre as construções culturais oponentes, uma enraizada numa sensibilidade vernacular, outra numa nova sensibilidade ecológica.