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O Handbook - Fazer Escola com Escolhas, desenvolvido em coautoria por vários especialistas que acompanharam o Programa Escolhas desde o seu início visa: i) Sistematizar a aprendizagem coletiva das 4 gerações em torno de grandes áreas (enquadramento legal e resenha histórica, parcerias e governança, participação e capacitação, metodologia de projeto, prevenção e riscos de exclusão, interculturalidade, inovação social, avaliação); ii) Constituir-se num manual prático para futuros candidatos a uma eventual 5ª geração do Escolhas, onde poderão perceber a forma como o Escolhas entende a intervenção nas comunidades mais vulneráveis, bem como as boas práticas existentes; iii) Enquadrar os Recurso Escolhas que estão a ser desenvolvidos nesta 4ª Geração e que ficarão disponíveis para futura incorporação dos candidatos.

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Page 1: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas
Page 2: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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ÍNDICEPrefácio .......................................................... 3

Feliciano Barreiras Duarte, Secretário de Estado Adjunto do

Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares

CaPítulo 1 .......................................................... 5

1. Enquadramento legal e Resenha Histórica .......................................................... 5

2. a Importância de Poder Escolher ....................................................... 11

2.1 Texto de enquadramento - Rosário Farmhouse –––––––––––––––––––––––– 11

2.2 Artigo temático - Pedro Calado –––––––––––––––––––––––– 13

3. Parcerias e Governança ....................................................... 21

3.1 Texto de enquadramento - Maria João Freitas –––––––––––––––––––––––– 21

3.2 Artigo temático - Luísa Cruz –––––––––––––––––––––––– 24

4. Participação e Capacitação ....................................................... 32

4.1 Texto de enquadramento - Luís Castanheira Pinto –––––––––––––––––––––––– 32

4.2 Artigo temático - Glória Carvalhais –––––––––––––––––––––––– 34

5. Metodologia de Projeto ....................................................... 42

5.1 Texto de enquadramento - Mário Montez –––––––––––––––––––––––– 42

5.2 Artigo temático - Rui Dinis –––––––––––––––––––––––– 44

6. Prevenção do Risco de Exclusão ....................................................... 55

6.1 Texto de enquadramento - Armando Leandro –––––––––––––––––––––––– 55

6.2 Artigo temático - Salete Lemos –––––––––––––––––––––––– 57

7. Interculturalidade ....................................................... 67

7.1 Texto de enquadramento - Isabel Freire –––––––––––––––––––––––– 67

7.2 Artigo temático - Paulo Vieira –––––––––––––––––––––––– 67

8. Inovação Social ....................................................... 74

8.1 Texto de enquadramento - Ana Esgaio –––––––––––––––––––––––– 74

8.2 Artigo temático - Tatiana Gomes –––––––––––––––––––––––– 77

9. avaliação Externa ....................................................... 86

9.1 Artigo temático - Isabel Guerra e Ana de Saint-Maurice –––––––––––––––––––––––– 86

CaPítulo 2 ....................................................... 94

1. Artigo de enquadramento - Manuel Pimenta –––––––––––––––––––––––– 94

2. Os Recursos Escolhas na ótica dos peritos externos –––––––––––––––––––––– 100

2.1 Artigo temático - Margarida Gaspar Matos –––––––––––––––––––––– 100

2.2 Artigo temático - Isabel Ferreira Martins –––––––––––––––––––––– 104

2.3 Artigo temático - Salomé Marivoet –––––––––––––––––––––– 108

2.4 Artigo Temático - Jorge Barreto Xavier ––––––––––––––––––––––– 110

2.5 Artigo Temático - Ana Paula Beja Horta ––––––––––––––––––––––– 116

2.6 Artigo Temático - José Manuel Henriques ––––––––––––––––––––––– 119

Bibliografia ....................................................... 125

Page 3: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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FICHA TÉCNICADIRECÇÃORosário FarmhouseCoordenadora Nacional do Programa Escolhas

COORDENAÇÃO DE EDIÇÃOPedro Calado [email protected]

DESIGNColectivo da Rainhawww.colectivodarainha.com

IMPRESSÃOGráfica Clio

TIRAGEM1000 exemplares

Julho 2012

Page 4: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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PREFÁCIO

O Programa Escolhas é um excelente exemplo, quanto aos seus objetivos, aos seus resultados e à sua função, sobretudo junto daqueles a quem se destina, que são as crianças e jovens mais desfavorecidos.

A minha determinação e o meu empenho pelo Programa Escolhas e pela sua rede de projetos não são de hoje. Quando desempenhei funções nos XV e XVI Governos Constitucionais tive oportunidade de reestruturar e renovar o Programa Escolhas e de confirmar paulatinamente a sua importância, em vários distritos e concelhos de Portugal.

Nesse período de tempo, foi dado um novo figurino e uma nova designação. A 2.ª Geração do Programa Escolhas, que teve como objetivo nuclear a sua estruturação como uma política pública de grande al-cance, passando de cerca de 6.700 destinatários, para cerca de 43.200, reduzindo de €2,48 para €0,68 o seu custo per capita diário.

Hoje é com orgulho que, em retrospetiva, me vejo associado ao trabalho desenvolvido pelo Programa Escolhas e ao momento da sua primeira avaliação.

E é com satisfação que constato que a avaliação positiva que efetuámos e as alterações à estrutura do Programa então introduzidas se manifestaram como uma opção no caminho correto, que faz com que hoje contemplemos com normalidade a aprovação da 5.ª Geração do Programa Escolhas.

O nome do Programa transmite bem a ideia que está por trás da sua existência – trata-se de capacitar as crianças e jovens com menos recursos para que possam, no futuro, fazer ESCOLHAS. Trata-se de lhes dar uma oportunidade de crescer, de desenvolver aptidões e conhecimentos, de potenciar as suas capaci-dades.

O Escolhas é um instrumento absolutamente decisivo na coesão social e na igualdade de oportunidades. Ao longo dos seus 10 anos e de 4 gerações de vida, o Escolhas fez o que lhe competia: deu a oportuni-dade a cerca de 232.000 crianças e jovens de se relacionarem, de adquirirem novos conhecimentos e de crescerem intelectualmente.

Na atual geração, os 134 projetos contaram, até final de 2011, com cerca de 71.020 participantes, com 4.117 reintegrações em escola, formação e emprego de crianças e jovens desocupados.

A taxa de sucesso escolar em todos os projetos é de 82%, com 6.373 certificações na área das TIC através dos Centros de Inclusão Digital. Tudo com um custo per capita diário de €0,41.

Como refere o título deste livro, o Escolhas fez escola em Portugal, e tem feito escola também na Europa, onde as distinções e o reconhecimento internacional têm sublinhado o Programa como um exemplo a seguir no que se refere à integração social dos mais desfavorecidos.

FELICIANO BARREIRAS DUARTE

Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares

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Este grande conjunto de iniciativas, que tem na diversidade e na multiplicidade de atores o segredo do seu sucesso, é um excelente exemplo de interação entre o Estado e a sociedade civil.

O seu espírito pode e deve ser replicado noutras áreas, na medida em que representa um exemplo de boa utilização de fundos públicos, criteriosa, com exigência e com acompanhamento, sem que à Admi-nistração compita fazer tudo.

O Escolhas permite capacitar não apenas as crianças e os jovens que dele diretamente beneficiam, mas também as entidades da sociedade civil que se associam ao Programa e que dele retiram competências para afrontar outros projetos.

O momento em que nos preparamos para delinear o que será a 5.ª Geração do Escolhas é um dos mo-mentos mais difíceis da vida do nosso país.

Contudo, o apoio à educação dos menos favorecidos não pode deixar de ser uma prioridade do Governo de Portugal, porque são estas crianças e estes jovens que podem, amanhã, fazer ESCOLHAS e levar Portugal para um futuro diferente, para melhor, em que as desigualdades sociais se esbatam e onde todos possam concretizar os seus objetivos.

Tendo em conta o sucesso que todos lhe reconhecemos, não posso deixar de augurar longos anos de vida ao Programa Escolhas, confiando em que a réplica dos seus exemplos possa, como refere este título, fazer escola e contribuir para uma sociedade mais justa e com cada vez mais ESCOLHAS ao alcance dos nossos jovens.

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CAPÍTULO 1

1. Enquadramento Legal e Resenha Histórica

O Programa Escolhas é um programa governamental de âmbito nacional, tutelado pela Presidência do Conselho de Ministros, e integrado no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, IP, que visa promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconómicos mais vulneráveis, particularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, tendo em vista a igual-dade de oportunidades e o reforço da coesão social.

O Programa Escolhas (PE) foi criado em janeiro de 2001, e conta já com quatro fases de desenvolvimento. Numa primeira fase de implementação, que decorreu entre janeiro de 2001 e dezembro de 2003, trata-va-se de um Programa experimental para a prevenção da criminalidade e inserção de jovens dos bairros mais problemáticos dos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. Implementou durante este período 50 proje-tos e abrangeu 6.712 destinatários.

Terminado este período, partindo da aprendizagem obtida e respondendo a novos desafios, nasce o Es-colhas – 2ª Geração (E2G). De âmbito nacional, o E2G decorreu entre maio de 2004 e setembro de 2006, tendo financiado e acompanhado 87 projetos distribuídos por todo o país.

O público-alvo prioritário do E2G foram crianças e jovens entre os 6 e 18 anos oriundos de contextos sócio-económicos desfavorecidos e problemáticos. O Programa abrangeu ainda jovens com idades com-preendidas entre os 19 e os 24 anos, famílias e outros elementos da comunidade, como professores, auxiliares educativos, etc.

Foi nesta fase que o Programa redirecionou a sua ação, da prevenção da criminalidade para a promoção da inclusão. Assumindo que a prevenção da criminalidade decorre, a jusante, de um trabalho de pre-venção da exclusão social no seu sentido mais lato e em diversas instâncias (família, escola, grupo-pares, comunidade em geral), o Programa Escolhas procurou, igualmente, eliminar o estigma que decorria de participar em projetos que implicavam uma rotulagem frequentemente entendida como negativa.

Assim, não perdendo de vista a sua missão original, reconfigurou igualmente o seu modelo, transitando de um modelo tendencialmente centralizado para um Programa assente em projetos localmente planeados, com base em instituições locais (escolas, centros de formação, associações, IPSS, entre outras) as quais foram desafiadas para a conceção, implementação e avaliação de projetos.

Através de consórcios que envolveram 412 instituições e 394 técnicos, o E2G abrangeu cerca de 43.200 destinatários, residentes em 54 concelhos.

Em 2007 o Programa Escolhas ampliou a sua ação e foi renovado até 2009, com o objetivo de promover a inclusão social de crianças e jovens, entre os 6 e os 24 anos, provenientes de contextos sócio-económicos mais vulneráveis, tendo em consideração o maior risco de exclusão social, nomeadamente de descen-dentes de imigrantes e minorias étnicas, procurando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social.

Decorreram na terceira fase 121 projetos, em 71 concelhos do território nacional. Através do modelo de consórcio já adotado no Escolhas 2ª Geração, o Programa Escolhas reuniu cerca de 780 instituições e 480 técnicos abrangendo cerca de 81.695 destinatários.

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A 4ª Geração do Programa Escolhas (2010 – 2012)Em 2010, o Programa Escolhas foi renovado para o triénio de 2010 a 2012, vendo reforçado o seu fnancimento global e o número de projetos a apoiar através da Resolução do Conselho de Ministros nº63/2009 de 23 de julho. Surgiu assim o Programa Escolhas 4ª Geração (E4G). Decorrem nesta fase 134 novos projetos com vista a reforçar o apoio à mobilização das comunidades locais para a criação de projetos de inclusão social de crianças e jovens oriundas de contextos socio-económicos mais vulneráveis.

Fig. 1 – Projetos Escolhas E4G

Assim, e tendo em consideração o risco acrescido de exclusão social dos públicos-alvo, nomeadamente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, para a prossecução da sua missão estabeleceram-se como áreas prioritárias de intervenção do Programa Escolhas, a inclusão escolar e educação não-formal, a formação profissional e a empregabilidade, a dinamização comunitária e cidadania, a inclusão digital e o empreendedorismo e capacitação. Estima-se o envolvimento de 97.000 indivíduos até ao final de 2012.

Fig. 2 - Quadro - síntese das 4 gerações do Programa Escolhas (2011-2012).

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De acordo com o Despacho Normativo n.º27/2009 (Diário da República, 2ª série – n.º 151, de 6 de agosto de 2009) na 4ª Geração o Programa Escolhas tem como áreas de intervenção:

a) Medida I: Inclusão escolar e educação não formal;b) Medida II: Formação profissional e empregabilidade;c) Medida III: Dinamização comunitária e cidadania;d) Medida IV: Inclusão digital;e) Medida V: Empreendedorismo e capacitação.

É, pois, a partir de um diagnóstico local delineado por quem melhor conhece a realidade (os consórcios locais), que os projetos são desenhados. Esse desenho, estruturado nas Medidas acima descritas, per-mite enquadrar na unidade (do Programa Escolhas) a diversidade de desafios locais (dos projetos).

O Programa Escolhas, na sua 4ª Geração, é financiado pelo Programa Operacional do Potencial Humano (Quadro de Referência Estratégico Nacional/Fundo Social Europeu), bem como pelo Instituto de Se-gurança Social, IP (Ministério da Solidariedade e Segurança Social) e pela Direção-Geral de Educação (Ministério da Educação e Ciência).

Subsidiariedade e CorresponsabilizaçãoContinuando a apostar na mobilização das comunidades locais e no modelo de envolvimento das insti-tuições em consórcios locais, o Programa Escolhas continua a promover a corresponsabilização de to-dos os intervenientes, procurando assegurar a rentabilização dos recursos existentes nos territórios de intervenção de forma a garantir a sustentabilidade dos mesmos, das instituições locais e das dinâmicas de ação iniciadas pelos projetos.Este modelo procura canalizar para a escala local dos problemas as ins-tituições (públicas, privadas, 3º setor), os diferentes níveis de decisão (nacional, regional, local), fazendo convergir para o local as respostas, recursos e sinergias daí decorrentes, corresponsabilizando os mais de 1040 parceiros envolvidos, em torno de diagnósticos, planos e projetos que são – efetivamente – de todos os agentes envolvidos. Na 4ª Geração, as candidaturas ao Programa Escolhas obrigaram à mobilização de um mínimo de 3 parceiros. Em média foram mobilizados 8 parceiros em cada projeto.

Tipo de Instituição Total

Escolas ou Agrupamentos de Escolas 210

Instituições Particular de Solidariedade Social ou equiparada 115

Comissões de Proteção de Crianças e Jovens 99

Juntas de Freguesia 91

Municípios 80

Associações Desportivas e/ou Culturais 47

Instituto Português da Juventude 46

Direção-Geral de Reinserção Social 28

Associações de Desenvolvimento Local 24

Empresas Públicas 22

Associações Juvenis 21

Centros de Formação 20

Outras entidades da Administração Pública 19

Associações de Imigrantes e/ou Minorias Étnicas 18

Empresas Privadas 17

Fig. 3 – Tipologia dos parceiros envolvidos (15 mais comuns) no E4G (2010-2012).

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Com este modelo de governança (denominado 7P), o Programa Escolhas assume-se igualmente enquan-to um parceiro dos seus 134 projetos. Mais do que considerar-se acima (top down) ou abaixo (bottom up), o Programa Escolhas assume-se ao lado dos projetos. Mobilizar recursos, dinamizar ações globais com os jovens, formar e capacitar os técnicos e organizações, avaliar e monitorizar de forma muito próxima e in-tensiva, fomentar redes locais, regionais e nacionais. Todas estas são tarefas que diferenciam o Programa Escolhas e que o tornam numa política pública de forte alcance mas, sobretudo, fortemente mobilizadora de recursos1 e sinergias locais que, de outra forma, estariam dispersas e pouco corresponsabilizadas por uma missão que é, efetivamente, de todos.

Impactos

Monitorizar os inúmeros impactos de um Programa com tão grande alcance tem sido, desde sempre, um dos seus maiores desafios e dificuldades. A avaliação, no âmbito do Programa Escolhas, resulta – antes de mais – da dimensão dos resultados locais. Da análise desses inúmeros resultados, que naturalmente não podem aqui ser detalhados, destacaríamos como aspetos consolidados:

1) A efetiva criação de uma rede preventiva e reintegradora dos jovens em situação de desocupação2;2) O efetivo combate ao abandono escolar na maioria das comunidades onde o PE opera3;3) A crescente taxa de sucesso escolar dos participantes4;4) A evidência de enormes ganhos de competências pessoais, sociais, cognitivas e morais;5) O efetivo combate à info-exclusão;6) O gradual sentimento de segurança nas comunidades e a evidência de menos comportamentos des-viantes e incivilidades;7) Uma gradual qualificação dos técnicos e organizações envolvidas.

Globalmente podemos evidenciar que desde 2001 mais de 230.000 participantes foram envolvidos em 391 projetos, localizados em 105 concelhos. Igualmente, 1894 técnicos passaram pelo Programa Escol-has, bem como 2339 parceiros locais foram mobilizados. São hoje milhares as histórias de vida que muda-ram em decorrência direta da ação dos projetos Escolhas.

Olhando mais em detalhe para alguns indicadores globais do Programa Escolhas, e a título de exemplo, destacam-se, apenas de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011, os seguintes 10 resultados:

• 71.020 participantes nos 134 projetos;• 503.014 sessões de trabalho concretizadas;• 4.117 reintegrações em escola, formação e emprego de crianças e jovens anteriormente

desocupados;• 82% de sucesso escolar em todos os projetos;• 6.373 certificações na área das TIC através dos Centros de Inclusão Digital;• 14.801 horas de formação disponibilizadas aos técnicos e parceiros dos projetos locais;• 535 visitas in loco efetuadas aos projetos locais pela equipa central;• 1.421 relatórios produzidos e analisados pela equipa central;• 185.803 visitas a por 101.020 visitantes únicos;• 87% das dotações orçamentais do Programa atribuídas diretamente para os projetos.

1 ) A título de exemplo, para além do financiamento disponibilizado pelo Programa Escolhas, mais de 24.500.000€ forammobilizados localmente na 4ª Geração. Tratam-se dos contributos dos consórcios locais que são mobilizados em prol dosprojetos locais do Programa Escolhas.2) Aqueles a que a Comissão Europeia de refere enquanto NEET (Not in Education, Employment or Training).3) A título de exemplo, nos bairros da Rosa e do Ingote, em Coimbra, não se verificaram quaisquer casos de abandono no ano letivo de 2011/2012, junto das crianças e jovens, nomeadamente de etnia cigana.4) Sendo aqui exemplo o caso da Cova da Moura onde em anos letivos consecutivos a taxa de sucesso das crianças acompanhadas é de 100%.

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Os Olhares Externos

Finalmente, a própria avaliação externa do Programa Escolhas (desenvolvida desde 2001 pelo ISCTE, através do Dinâmia-CET), salientava no relatório final da 3ª Geração (divulgado em 2010) diversas evi-dências do impacto do Programa Escolhas.

Assim, o CET, que analisou o trabalho desenvolvido pelo Programa entre 2007 e 2009, sublinhava a capa-cidade do Escolhas se ir adaptando e flexibilizando, nas suas sucessivas gerações, aos desafios emanados pela sociedade. É também frisado o seu contributo para a capacitação das organizações da sociedade civil, através da sua corresponsabilização e mobilização efetiva. As conclusões do estudo foram apresen-tadas no ISCTE, pela equipa de pesquisa constituída pelas Professoras Isabel Guerra, Ana Saint-Maurice e Sónia Costa. 

No documento reconhece-se que o Escolhas lida com “problemáticas centrais” e que o seu desenho “é adequado, coerente e pertinente no contexto nacional”. São objetivos bem-sucedidos, “a aproximação entre as associações e o Estado e a adequação das respostas, a par com a corresponsabilização das famí-lias no trabalho comunitário”. Igualmente atingido foi o propósito de viabilizar “a capacitação dos jovens em competências e saberes que constituam vantagens competitivas para a integração social e profis-sional”. O trabalho em parceria foi considerado essencial e bem-sucedido.

Onze anos depois da sua criação, o Programa Escolhas é, nacional e internacionalmente, reconhecido como uma das políticas públicas mais eficazes e eficientes na promoção da inclusão social de crianças e jovens em risco, nomeadamente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, destacando-se, entre outras, as seguintes distinções:

• 2002 – Selecionado como Boa Prática no Combate à Violência Quotidiana, distinção feita pelo Conselho da Europa;

• 2003 – Vencedor do Prémio Europeu de Prevenção da Criminalidade, atribuído pela União Eu-ropeia (Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade);

• 2007 – Selecionado como Boa Prática no “Handbook for Integration”, publicado pela Comissão Europeia;

• 2008 – Identificado como uma das sete Boas Práticas mundiais no I Relatório Mundial sobre Segurança nas Comunidades, atribuído pelo International Center for the Prevention of Crime (Canadá);

• 2010 – CID@NET selecionados enquanto Boa Prática no “II Handbook for Integration”, publi-cado pela Comissão Europeia;

• 2010 – Seleção enquanto Boa Prática portuguesa no âmbito da Prevenção da Delinquência Ju-venil, atribuída pelo Ministério da Administração Interna no âmbito do European Crime Preven-tion Award 2012;

• 2011 – Seleção como Boa Prática no Combate ao Abandono Escolar Precoce, atribuído pela Comissão Europeia.

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2. A Importância de Poder Escolher

2.1 Texto de Enquadramento

Poder Escolher

Um dos momentos mais marcantes das minhas visitas ao terreno enquanto Coordenadora Nacional do Programa Escolhas ocorreu perante uma comunidade em situação de extrema pobreza. Ao perguntar-lhes o que gostariam de ver mudar nas suas vidas, não obtive resposta.

Apercebi-me que, muitas vezes, tudo começa antes de se poderem fazer escolhas. Começa na capacita-ção para uma cidadania ativa.

Até para escolher é preciso saber que é um direito e também um dever. Escolher faz parte da nossa vida quotidiana.

O Programa Escolhas tem vindo ao longo destes 11 anos a criar oportunidades de escolha às crianças e jovens das zonas mais vulneráveis do País, promovendo a sua inclusão social, te ndo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social. A sua metodologia de capacitação tem obtido resultados extraordinários, reconhecidos nacional e internacionalmente como boa prática.

Hoje, são inúmeros os jovens que aproveitaram o Programa Escolhas para fazerem escolhas com futuro. São muitos os exemplos de desportistas, artistas, escritores, engenheiros e doutores que passaram pelo Escolhas, percebendo que para escolher é preciso conhecer.

Centrado em cinco áreas fundamentais da vida das crianças e jovens, o Programa Escolhas acompanhou ao longo destes 11 anos mais de 200.000 pessoas, tentando através das medidas da inclusão escolar e educação não formal, da formação profissional e da empregabilidade, da dinamização comunitária e cidadania, da inclusão digital e do empreendedorismo e capacitação juvenil, promover a igualdade de oportunidades e a coesão social.

Este livro, que aqui apresentamos, deixa por escrito toda a prática de intervenção social ao longo destes 11 anos. Queremos partilhar com todos/as os/as agentes sociais aquilo que foi sendo construído e aper-feiçoado ao longo das quatro gerações Escolhas.

Prestes a lançar a 5ª Geração Escolhas 2013-2015, queremos ser capazes de continuar sempre neste caminho de reflexão-ação-reflexão, para aprendermos com os erros, melhorarmos o que há para melho-rar e continuar com o que de bom se tem feito!

ROSÁRIO FARMHOUSE

Alta-comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural e Coordenadora Nacional do Programa Escolhas

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Nestes quatro anos enquanto Coordenadora Nacional do Programa Escolhas, foram muitos os momentos gratificantes de contacto com o terreno, onde tanto aprendi e tanto “guardei” como base energética para os outros dias mais difíceis.

O que mais me impressionou é que de facto, havendo Escolhas, a capacidade de escolher vem de ime-diato.

É, por isso, tão importante continuar o nosso trabalho de promoção de igualdade de oportunidades e de construção da coesão social, continuando a proporcionar Escolhas a quem sem este Programa não as tem!

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2.2 Artigo Temático

A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS

No seguimento dos muito mediatizados incidentes na CREL com a atriz Lídia Franco, e como forma de demonstrar que era possível trabalhar nos bairros mais vulneráveis de Lisboa, Porto e Setúbal, foi criado em janeiro de 2001 o Programa Escolhas.

Ainda que à altura todos os países da União Europeia tivessem já estratégias e programas nacionais na área da prevenção da delinquência juvenil, em Portugal essa resposta estruturante e integrada não exis-tia, pese embora o esforço de muitas pequenas organizações locais que aportavam já um forte potencial de experimentação.

Para quem, como nós, em 2001 foi desafiado para trabalhar num programa experimental nos bairros mais problemáticos de Lisboa, Porto e Setúbal, nomeadamente com os públicos em maior risco de exclusão social, a incerteza não poderia ser maior. Para jovens licenciados, como a maioria de nós que 11 anos depois integramos a equipa central do Programa Escolhas, o desafio era enorme.

Seria possível trabalhar nestas comunidades com estes jovens? Como deveríamos mobilizar os parceiros locais? Que ações melhor funcionariam? Como poderíamos implementar respostas eficientes?

O Benchlearning Internacional

Tradicionalmente, as abordagens às situações de comportamentos desviantes com menores tinham pas-sado, até aí, pela repressão (modelo intimidatório) centrando a recuperação na recriminação física e psi-cológica de quaisquer atos violentos. Esta é a lógica que havia dado origem aos reformatórios, sobre os quais a investigação produzida evidenciava o caráter pouco eficaz e eficiente da resposta.

Outra abordagem (modelo de reabilitação) considerava qualquer comportamento antissocial enquanto sintoma de uma patologia mais profunda. Este modelo centra-se exclusivamente no indivíduo, esquecen-do frequentemente o contexto, bem como os próprios atos. Recorre-se frequentemente à terapia como forma de “tratamento” (Negreiros, 20015). Também aqui havia pouca evidência de resultados transforma-dores e sustentáveis.

Contudo, à data da conceção do Programa Escolhas, medidas de promoção da resiliência6 vinham a ser definidas enquanto novos paradigmas de intervenção.

A experiência decorrida do modelo desenvolvido no Canadá foi aqui uma fonte de inspiração muito forte,

5) Negreiros, J. (2001) – Delinquências Juvenis, Lisboa, Editorial Notícias.6) De acordo com Khanlou e Barankin, a resiliência é a capacidade de nos adaptarmos e lidarmos com a adversidade e com os desafios que a vida nos coloca, in Khan-lou, N. e Barankin, T (2007) - Growing Up Resilient, CAMH, Ontário (Canadá).

PEDRO CALADO

Diretor do Programa Escolhas

Page 15: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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nomeadamente nas experiências do Canada’s National Crime Prevention Centre e do Canadian Council on Social Development. Para estas organizações, “quando as crianças se desenvolvem, o crime não”. 

Inspirado pelo intercâmbio com a experiência do Canadá, o legislador que delineou o Programa Escolhas optou por olhar para estes jovens e comunidades com um novo olhar, simultaneamente crítico e cons-trutivo, focado nos problemas mas igualmente nas oportunidades, apostando no seu desenvolvimento integral e na concretização de experiências e interações positivas.

Tratava-se, no fundo, de apoiar o desenvolvimento de crianças e jovens resilientes. A partir da disponibi-lização de oportunidades estruturadas de exercício do comportamento pró-social, e em parceria com as comunidades locais, o Escolhas tornou-se num verdadeiro laboratório social, fazendo o seu caminho, caminhando.

O que fazer (e o que não fazer)?

Numa excelente revisão das práticas com jovens em situação de risco efetuada pela equipa da avaliação externa do Centro de Estudos Territoriais (CET) do ISCTE, que acompanha o Programa Escolhas desde 2001, evidenciava-se que muitos autores vinham salientando a relativa ineficiência dos programas exis-tentes de inserção juvenil dispondo-se de inúmeros estudos que tentavam identificar as causas dessa fragilidade dos impactes dos programas e dos projetos.

Uma primeira constatação é de que as razões da desadaptação, bem como de menor êxito das projetos, dificilmente poderiam ser atribuídas exclusivamente aos jovens, por mais dificuldades que estes apre-sentassem. A inserção escolar ou socioprofissional, sendo uma relação social, tem sempre dois lados em interação. Por isso, e sem negligenciar abordagens de ordem mais individual, é útil aprofundar as relações que os jovens estabelecem com as iniciativas que lhes são dirigidas.

Tomando-se como referência um estudo realizado no Quebec por Vultur (1995), que analisava as re-presentações e perceções dos jovens face aos projetos de intervenção que visam apoiar os fatores de inclusão, a equipa da avaliação externa encontrou quatro hipóteses explicativas da ineficácia relativa dos programas, que constituíram intensas pistas de reflexão sobre esta problemática.

1) Hipótese da incompatibilidade

•Expectativaserepresentaçõesfortementedivergentesequiçácontraditóriasconformeseéinterventor ou beneficiário dos projetos, compreendendo dimensões normativas, impessoais e estereotipadas pouco agradáveis para os jovens;

Os técnicos centram a sua abordagem na ideia de uma integração “na sociedade” com base numa repre-sentação específica dos processos que são descoincidentes com as perspetivas dos jovens. Estes jovens têm dificuldades em conformar-se com as orientações dos programas de ajuda à inserção porque “o dever fazer” aparece como uma mensagem prioritária destes programas. Os jovens recusam “uma escolha” im-posta e conservam uma perceção negativa dos programas que lhes são propostos.

2) Hipótese da falta de confiança

•Erosãodaautoestimaqueserepercutenaconfiançadosjovensfaceàsinstituiçõesquesupos-tamente os apoiam.

Alguns dos jovens que recorreram a um ou a vários programas de ajuda à inserção viram que os seus esforços não deram praticamente nenhum resultado. Esses sentimentos reforçam a perceção de que não são capazes de ter sucesso ou de encontrar um emprego, mesmo beneficiando de uma ajuda institucio-nalizada. Esta má experiência com os dispositivos de apoio pode reduzir a expectativa e refletir-se nega-tivamente na confiança dos jovens.

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3) Hipótese do efeito de categorização

•Aimagemnegativaquelhesétransmitidaimpede-osdeacolocaràprovaquandoaliciadospara contextos de inserção.

O contexto e as trajetórias destes jovens não parecem ser apreciados pelas potencialidades que encer-ram. A proliferação deste tipo de discurso que se resume ao problema do sucesso escolar e do emprego, atribuindo “culpas” ao indivíduo e à sua personalidade parece contribuir para a emergência de uma es-tigmatização deste grupo de jovens vistos, frequentemente, como necessitando de uma relação próxima da terapêutica.

4) Hipótese habitus profissional

•Sentimentodequeháumadesconexãoentrealógicadomundodainserçãoeoqueépreten-dido pelas instituições.

Certos jovens consideram que os técnicos passam demasiado tempo a diagnosticar em lugar de os colo-car em contacto com o mundo real.

.Escolhas - Laboratório social de inovação incremental

Sabíamos que algumas soluções pareciam não funcionar. E, muitas vezes, sabermos o que não queremos é fundamental para definirmos o que pretendemos. Sabermos o que queremos começa, também, por aqui. Por percebermos as camadas de conhecimento já desenvolvidas. Por aprender com os sucessos, mas igualmente com os insucessos.

Por outro lado, sabíamos, como nos ensinava Brecht, que “aqueles que se chocam com a violência do rio, que extravasa as margens e destrói as árvores frondosas, esquecem a fúria das margens que comprimem e oprimem as suaves águas do rio”. Acreditávamos, e acreditamos mais do que nunca, num trabalho nes-sas mesmas margens, nas causas profundas da exclusão, geradora a jusante de problemas que devem ser precoce, estrutural e integradamente resolvidos.

Por isso mesmo, desde a primeira hora, o Programa Escolhas procurou criar uma cultura institucional própria. Mais do que copiar soluções a régua e esquadro, mais do que procurar as all emcompassing theories, o Programa Escolhas assumiu-se, como a nós se refere a equipa de avaliação externa, enquanto um evidence-based programme.

Onze anos depois da sua criação, e com um inestimável apoio de todos os dirigentes e colaboradores do Programa Escolhas e dos seus projetos locais, equipas e parceiros, podemos, então, explicitar alguns dos princípios que resultam dessa experiência coletiva e que subjazem ao acumular de experiência e conhe-cimento dos últimos 11 anos de trabalho.

É aprender-fazendo, com o apoio de modelos de referência positiva, que a fórmula melhor tem funciona-do. A definição local de respostas simultaneamente punitivas (quando as regras são quebradas) e recom-pensatórias (quando as metas são cumpridas), com um forte cariz psicossocial (no mitigar dos problemas e na potenciação dos fatores de sucesso), multidimensional (envolvendo diferentes contextos, agentes e perspetivas) e multinível (congregando diferentes níveis da administração, do central ao local) tem-se mostrado eficaz. Evita-se, numa primeira barreira de proteção, que muitos se percam a jusante, com maior eficácia e eficiência.

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Fig. 4 - Teoria da Mudança do Programa Escolhas

No Programa Escolhas, os pressupostos operacionais de desenvolvimento das crianças e jovens, es-truturam-se numa abordagem positiva da inclusão social dos jovens, que se desagrega em três escalas complementares:

• Indivíduo – resiliência

• Comunidade – bonding

• Mundo - bridging

A resiliência tem vindo a ser definida como a capacidade de um indivíduo se adaptar à mudança e eventos exigentes do ponto de vista emocional, de forma saudável e flexível.

A resiliência foi identificada como uma característica da juventude que, quando exposta aos múltiplos fatores de risco, mostra ter respostas bem-sucedidas ao desafio, e usa-o para aprender a conseguir resul-tados. A esta qualidade estão associados os fatores de redução dos impactos do risco, de manutenção de alta capacidade de auto- estima e de eficiência nas ações e comportamentos.

Assim, ao nível do indivíduo, encontramos quatro dimensões fundamentais no domínio da promoção da resiliência:

1. Promover a interação positiva;

2. Desenvolver competências pessoais, sociais, cognitivas e morais;

3. Favorecer o sucesso;

4. Fornecer oportunidades para a construção de uma identidade positiva.

A interação positiva

A capacidade de interação positiva é um elemento emocional indispensável que torna possível à criança e ao jovem o relacionamento com as instâncias de socialização, sejam elas a família, o grupo de pares, a

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escola, a comunidade ou a cultura. Este é um elemento frequentemente destacado pela avaliação externa do Programa Escolhas enquanto claro elemento diferenciador na sua abordagem: a crença efetiva numa abordagem positiva das crianças, jovens, famílias e comunidades em geral.

A esse respeito, os diversos relatórios produzidos pela avaliação externa, evidenciam que as interações positivas são essenciais na construção de modelos de ação internos que incorporam comportamentos positivos. As interações entre uma criança e os seus cuidadores constroem a fundação das ligações que serão a chave do desenvolvimento da capacidade da criança para um comportamento interessado e ativo. A ligação positiva com um adulto (frequentemente os técnicos do Escolhas) é crucial no desenvolvi-mento de uma capacidade para respostas adaptáveis à mudança e ao crescimento de um adulto saudável e funcional.

A interação positiva estabelece a confiança da criança nos outros e em si, e inversamente, uma ligação ina-dequada estabelece padrões de insegurança e desmotivação. Nesse sentido, a importância da inserção na família está na base das ligações posteriores aos pares, à escola e à comunidade.

Competências pessoais, sociais, cognitivas e morais

O Programa Escolhas pretende um desenvolvimento integrado da criança e do jovem, através da cons-trução positiva do seu desenvolvimento, incluindo competências sociais, emocionais, cognitivas e morais.

Os projetos procuram desenvolver capacidades para integrar sentimentos (competências emocionais), pensar (competências cognitivas) e agir (competências comportamentais), a fim de ajudar a criança e o jovem a conseguirem concretizar objetivos específicos que eles próprios definem e prosseguem.

As competências sociais referem-se a capacidades de relacionamento interpessoal que ajudem os jovens a partilhar sentimentos, a pensar, a conseguir definir objetivos sociais e interpessoais, gerando soluções eficazes e realistas para os problemas, antecipando consequências e obstáculos potenciais.

As competências emocionais residem na capacidade para identificar e responder aos sentimentos e a reações emocionais, de modo a identificar sentimentos em si e no outro, controlar reações ou impulsos emocionais e capacidade para reagir com tolerância.

Ainda de acordo com a avaliação externa que analisou o modelo teórico-metodológico a partir da ob-servação das experiências lociais do programa Escolhas7, as competências cognitivas estão relacionadas com a capacidade para entender situações de forma lógica e objetiva interpretando as situações sociais e posicionando-se com clareza face a elas. Inclui ainda a capacidade de resolução de problemas e de tomada de decisões de forma racional e controlada. As competências comportamentais apelam a co-municações não verbais, sobretudo no reforço de escolhas de comportamentos socialmente saudáveis.

A competência moral é a habilidade de avaliar e responder às dimensões éticas, afetivas, ou sociais da justiça de uma situação. Em muitas das nossas comunidades, damos cumprimento à definição de Kohlberg (1991) que definiu o desenvolvimento moral como um processo em que as crianças adquirem padrões da sociedade acerca do certo e do errado.

Indivíduos resilientes resultam, em larga medida, em cidadãos com uma identidade própria reconhecen-do-se como seres humanos com valor, capazes de concretizar planos e projetos e com um sentido coe-rente do eu.

Pertença à comunidade e mundividência

Os desafios ao nível individual, complementam-se – a outras escalas – com a interação e coesão (bon-ding8) desses mesmos indivíduos na sua comunidade. A interação humana por via da participação, do

7) Centro de Estudos Territoriais (2007) – Avaliação Final da 3ª Geração do Programa Escolhas, Lisboa.8) Adaptado a partir das ideias de Bourdieu, P. (1972) - Outline of a Theory of Practice, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris.

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reconhecimento da rede de proximidade, do serviço à comunidade e no reforço da pertença e da filiação são decisivos para um sentir da inclusão, que passa, também, por percecionarmos que fazemos parte de algo maior do que nós. Por desenvolvermos capital social na proximidade, que nos permite um maior sentimento de filiação aos lugares.

Neste modelo, e no limite, trata-se de, gradualmente, reforçarmos a capacidade de compreendermos o mundo que os rodeia (bridging)9. Neste nível macro, trata-se afinal de reforçarmos as redes de contactos e o capital social dos nossos jovens, a sua capacidade de serem mundividentes e tolerantes pela pro-ximidade com a diversidade e, no limite, na capacidade de construirmos coesão social pelo reforço de competências pessoais e sociais em indivíduos que, devidamente integrados no local, conseguem com-preender e agir no global.

Trata-se, afinal, de apoiar o desenvolvimento de crianças e jovens resilientes, capazes de interagirem no local com o mundo que os rodeia. Onze anos depois, chamamos a esses jovens, a “Geração Escolhas”.

Trata-se, afinal, de dar sentido prático à conceção de liberdade que Amartya Sen (2000) nos propõe: “A forma de obter a liberdade passa por eliminar as restrições que limitam a capacidade de fazermos esco-lhas livres.”

Ao permitir que os jovens testem e definam os seus limites, reconheçam a existência de sistemas de re-compensa e de mobilidade, mas igualmente de punição (a eficácia, no limite, do “se não cumprires, não podes ir ao Escolhas”), tem-se demonstrado ser possível o equilíbrio entre modelos de gestão dos com-portamentos de risco aparentemente inconciliáveis. Ao possibilitar o exercício do socialmente ajustado, garante-se igualmente um equilíbrio ténue, mas necessário, entre punição e recompensa, entre direitos e deveres e entre mérito e suporte à coesão social.

É nas oportunidades, mitigando os riscos, que temos trabalhado. Trata-se de tentar, mesmo nas situações e contextos de maior risco, desenvolver – ao máximo – as potencialidades; capacitando os jovens para serem ativos, participativos, dinâmicos; promovendo em cada um o pleno potencial.

Fazer Escola com o Escolhas

O Programa Escolhas fecha o ciclo da 4ª Geração. Foram 11 anos que começaram com muitas perguntas de partida. Em 2001, ainda enquanto programa experimental, a questão de partida era saber se seria pos-sível, nos bairros mais problemáticos, trabalhar com os grupos em maior risco de exclusão.

Durante alguns anos a ação sobrepôs-se à reflexão. Assim tinha que ser face à missão, ao tempo disponível e às necessidades diárias que o terreno impunha. Estes eram tempos em que a ação se sobrepunha à sistematização da informação, transformando-a em conhecimento. Nos últimos anos começámos a sentir a necessidade de qualificar esse processo. Assim, e muito inspirados pela avaliação externa do Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, nomeadamente pela capacidade de análise da Professora Isabel Guerra, a 4ª Geração ficará associada à necessidade premente de sistematizar a nossa ação e transformá-la em conhecimento.

É altura de escrever a história do Programa Escolhas, das suas lições, do que funcionou e do que parece não funcionar. É o momento de transformar em conhecimento e em modelos de intervenção aquilo que tem sido uma ação experimental muito inovadora mas sobretudo baseada na evidência e na empiria.

São inúmeras as ações dos projetos locais que poderão inspirar a ação de outros. Este é um legado que o Programa Escolhas 4ª Geração deixará com esta publicação. Seja no sentido de influenciar eventuais futuras gerações do próprio Programa, seja disseminando esse conhecimento a outras organizações que,

9) Idem.

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não fazendo parte da “família” Escolhas, poderão indiretamente beneficiar dessa partilha.

Compila-se, pois, neste documento um conjunto muito importante de reflexões internas e externas, e elegem-se os Recursos Escolhas numa clara intenção do programa Escolhas em conjunto com os seus projetos locais e apoiado por peritos externos, produzir 30 recursos nas mais variadas áreas (educação, empregabilidade, desporto, associativismo, interculturalidade e cultura).

Cientes de que este trabalho é fundamental, não nos afastaremos um milímetro da nossa maior vocação. Estar nas comunidades mais vulneráveis, com as ações práticas que fazem a diferença na vida das crianças e dos jovens.

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3. PARCERIAS E GOVERNANÇA

3.1 Texto de Enquadramento

Em 2001, quando o Programa Escolhas nasceu, não havia relatório Barca, e conceitos como os de area based approach ou mesmo de governance não se encontravam generalizados nem na ordem do dia como agora. No entanto, desde a sua origem, o Programa Escolhas assumiu a difícil tarefa de construir, através da sua prática, uma abordagem integrada e territorializada dos seus objetos de intervenção e de cons-truir, através do seu exemplo, uma atitude e uma prática de coprodução de processos. “Há coisas que não se fazem sozinho” e os desafios que o Escolhas abraçou, e abraça, são desafios que “dizem respeito a todos(as)” e por isso “devem envolver todos(as)”: das mais variadas políticas públicas, às próprias comuni-dades, independentemente do seu grau de formalização ou maturidade organizativa.

Se hoje não é fácil, à época, era uma verdadeira aventura! Fazendo jus ao grande lema “Don’t go where the path may lead, go instead where there is no path and leave a trail”, o Programa Escolhas abraçou esta construção, abrindo-se às aprendizagens com os “outros”, testando soluções na construção do seu próprio papel e do sistema de regras necessárias à otimização do desempenho do papel de todos(as), consolidando e aprofundando experiências e práticas de trabalho colaborativo e, sobretudo, ajudando a criar uma “cultura” de governança nos territórios em que marca presença.

Não duvido nem estranho que, neste percurso, o Escolhas, e todos(as) os que nele tenham estado envolvidos(as), tenha enfrentado “montanhas” de dúvidas e frustrações nesta matéria. O Escolhas terá tido de aprender a responder com criatividade e inteligência às dúvidas quanto ao sentido desta per-sistência e quanto às formas de a fazer acontecer e a resistir ao aparente facilitismo das “grandes” e “úni-cas” lideranças.

Também o Escolhas terá tido de aprender a responder com resiliência e reificação de vontades às frus-trações acumuladas quanto à sua eficiência e aos níveis de compromisso e desempenhos alcançados, e a insistir com permanentes apelos e chamadas ao trabalho coproduzido.

Por certo assim terá sido, e assim continuará a ser, na medida em que a construção de uma “boa gover-nança” a isso mesmo o obriga e não é tarefa que se dê por concluída! O Escolhas rasgou caminho nesta matéria e quem nele teve já o privilégio de participar sabe que faz a diferença!

MARIA JOÃO FREITAS

Doutorada em Sociologia pelo ISCTE, Investigadora auxiliar no Laboratório Nacional de Engenharia Civil

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A coprodução de dinâmicas e processos de mudança e a construção de sistemas de governança exige parceiros e parcerias e regras claras e estáveis ao desenvolvimento da sua ação, mas não se reduz à sua formalização. Exige sistemas ativos, eficazes e transparentes de comunicação, mas não se reduz a pro-cedimentos de troca de informação e de distribuição de responsabilidades. Exige participação, mas não se reduz a uma gestão burocrática de execuções partilhadas. Exige decentralização e “community owned governement”, mas não pode prescindir de lideranças fortes, estratégias bem orientadas e da correspon-sabilização dos atores centrais.

O caminho que o Escolhas rasgou permitiu, concerteza, errar e bem suceder nestas exigências, aprender-lhe as diferenças e sobretudo experimentar a sua diferença de forma a permitir continuar o caminho. É sem dúvida o caso da Iniciativa Bairros Críticos onde a experiência “Escolhas”, a par de outras experiências como a do “Equal” ou a das “Redes Sociais”, em muito contribuíram para que não se tivesse de começar tudo de novo nesta coprodução de saberes e fazeres da diferença na consolidação de mainstreamings.

Uns (e eu subscrevo!) chamam-lhe já “Cultura Escolhas”, pelo envolvimento de tantos(as) que já implicou e pela sua disseminação em todo o território nacional. Uns e outros (e eu subscrevo) sabem bem da dife-rença que faz um interlocutor e/ou um território com “experiência” Escolhas de outras realidades. Uns e outros (e eu subscrevo) acreditam na força da cultura feita de experiências fortes, capazes de perdurar no tempo. Uns e outros (e eu subscrevo) apostam nesta durabilidade e segurança como a raiz dessa cul-tura capaz de assinar com mudanças até as organizações e os instituídos das suas regras de governação na formatação de “culturas de boa governança”. Uns e outros (e eu subscrevo) sabem que sendo esta cultura marcada e semeada pelo Projeto Escolhas, ela medra também já para além dos seus “canteiros”.

Ao Programa Escolhas, este “fiel jardineiro” de tantas esperanças e ousadias, só posso agradecer ter tido a oportunidade de, ao longo do tempo e em várias e distintas circunstâncias, partilhar e usufruir deste caminho encetado, dessa experiência proporcionada, dessa “cultura” que também é já de muitos(as).

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LUÍSA CRUZ

Coordenadora da Zona Lisboa do Programa Escolhas

3.2 Artigo temático

UM PROGRAMA EM COAUTORIA

“Sozinhos íamos mais depressa, mas juntos vamos mais longe” – Anónimo

A intervenção a desenvolver em todos os setores da área social, numa sociedade cada vez mais global, pressupõe o desenvolvimento de um trabalho em rede (networking) e de cooperação entre diferentes organizações e setores, sejam estatais ou privados. O estabelecimento e concretização destas parcerias deve ser adaptado a cada contexto local e a sua ação ser direcionada para a resolução dos problemas que foram identificados.

Existem inúmeras definições do conceito de parcerias, sendo que a tónica comum remete para “a exis-tência de parceria sempre que duas ou mais instituições se organizam em conjunto e partilham recursos tendo em vista a concretização de um objetivo comum” (Kolada, 2001).

No Programa Escolhas, o surgimento deste conceito ao nível de um trabalho estruturado e integrado emerge da própria Resolução de Conselho de Ministros que criou o PE em 2001. Nesta Resolução é referido que um dos objetivos prioritários passa por “… dinamizar parcerias de serviços públicos e das comunidades dos bairros selecionados, de modo a desenvolver as áreas estratégicas de intervenção de mediação social, de ocupação de tempos livres e de participação da comunidade, de modo a possibilitar a valorização da formação escolar e profissional (…). Contribuir para que, em cada um dos bairros sele-cionados, se articulem a atuação de todas as entidades e todas as ações que trabalhem na inserção de jovens (…)”.

Modelo de parcerias na 1ª geração: colaboração versus parceria?

Foi clara a opção na 1ª geração (2001-2003) por uma “…intervenção imediata, intervenção seletiva, inter-venção integrada e intervenção em parceria, assumindo-se claramente a importância de uma intervenção pluridisciplinar e sustentada em parcerias ativas e participantes” (CET, 2004).

Sendo um programa tendencialmente desenhado por uma estrutura interministerial com um modelo de intervenção baseado em sinergias locais, em que mais do que fazer emergir novas intervenções, preten-dia-se de uma forma articulada e estruturada, congregar um conjunto de ações e iniciativas locais, tendo em vista a rentabilização de recursos e sinergias, o Programa Escolhas, por opção estratégica e face ao tempo disponível, enveredou por um modelo, tendencialmente, top down (de cima para baixo).

Deste modo, decorrente da metodologia utilizada ao nível da definição de diagnósticos de base territorial e de planos de ação efetuados nos 50 territórios de intervenção, foram celebrados protocolos com cerca de 111 instituições da administração central, local e a comunidade em geral. Contudo, quando estes par-ceiros não estavam disponíveis, ou o tempo da sua mobilização poderia colidir com as temporalidades do próprio Programa Escolhas, essas parcerias foram substituídas por intervenções diretas do próprio PE.

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Os pressupostos inerentes a esta metodologia de intervenção top down colocaram algumas questões ao nível da sua adequabilidade às especificidades de cada território. Um dos impactos imediatos do modelo remeteu para um diferente grau de apropriação da metodologia de intervenção pelos parceiros locais, verificando-se uma grande discrepância entre os que entendiam o PE como mais um recurso local, e os que o consideravam uma sobreposição ao trabalho realizado localmente.

Face ao modelo de intervenção adotado, o estabelecimento de parcerias que envolveu nesta fase cer-ca de 111 instituições, centrou-se muito mais na participação e articulação de diferentes ações, do que numa apropriação efetiva de todo o processo de capacitação e de autonomização da comunidade.

Face a estas fragilidades a estrutura de parceria foi equacionada no final desta geração, salientando-se a necessidade da mesma ser repensada e redefinida como requisito prévio. Deste modo, a avaliação efe-tuada pelo CET no relatório final da 1ª geração aponta efetivamente para “(…) uma reflexão aprofundada sobre as estruturas de parcerias adequadas a este tipo de programa, bem como a sua gestão através de “organizações em círculos concêntricos” que corresponderiam a diferentes graus de compromisso (e de contratualização) com o Escolhas, em função do tipo de coresponsabilização”.

A aposta nos consórcios locais: uma missão possível

A grande mudança de paradigma constata-se precisamente na transição da 1ª para a 2ª geração do PE em que se passa de um modelo centralizado, para um modelo assente em projetos localmente planeados, desafiando-se as instituições locais para a conceção, implementação e avaliação dos mesmos.

A evolução do modelo na 2ª geração materializa-se, assim, na construção de uma solução mais adequada às necessidades e interesses locais, apostando fortemente em parcerias localmente constituídas e for-malizadas em consórcios locais promotores de projetos, envolvidos ativamente nas dinâmicas de ação a implementar em cada território.

Deste modo, a Resolução de Conselho de Ministros nº 60/2004, de 30 de abril, que enquadra a 2ª ge-ração do PE, aponta para uma “… abordagem centrada nas parcerias com a sociedade civil, mediante contratos-programa…”, “… numa lógica de intervenção integrada (interinstitucional e interdisciplinar) e em parceria, através da qual, para além de promover novos projetos, se procurará fazer convergir para o mesmo plano o conjunto de iniciativas, intervenções e recursos já existentes (...)”.

A troca de experiências, a partilha de informação e articulação de intervenções são alguns dos princípios base subjacentes a esta lógica de consórcio que tem norteado desde 2004 toda a intervenção dos proje-tos locais financiados no âmbito do PE. Deste modo, ao longo da 2ª e 3ª gerações a metodologia de inter-venção centra-se numa abordagem bottom up (de baixo para cima), em que são os atores e instituições lo-cais os responsáveis pela conceção e implementação dos projetos nos diferentes contextos e territórios.

A aposta na capacitação e aprendizagem organizacional acaba por estar subjacente a todo este processo, em que a introdução de projetos elaborados em consórcio constitui uma inovação em termos do trabalho em rede. Face a este novo modelo, a convergência de interesses e a partilha de saberes entre todos os stakeholders reveste-se de uma enorme pertinência e adequabilidade face às necessidades territoriais.

Esta mudança de paradigma e descentralização ao nível do envolvimento e compromisso dos parceiros locais, ocorrida entre a 1ª e 2ª gerações, foi um dos principais desafios que remeteu para uma maior abertura a outros parceiros, fomentando simultaneamente uma relação de corresponsabilização entre instituições. Embora numa fase inicial nem sempre se tenha verificado uma cooperação entre instituições, identificando-se situações de culturas organizacionais dominantes e ou pouco flexíveis, bem como con-sórcios com diferentes tipos de instituições em que se registaram relações de poder assimétricas, este processo de partilha foi sendo apropriado e consolidado durante a 2ª e 3ª gerações do PE.

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A inovação que se registou no PE com a implementação de um processo de candidaturas apresentadas em consórcio, sublinhou e reforçou a importância da formalização de um trabalho de cooperação local entre instituições, medido e avaliado de forma sistemática, tendo em vista uma intervenção subsidiária e a progressiva sustentabilidade das dinâmicas de ação ao nível local.

O facto de se apostar na implementação de projetos através da mobilização das respostas locais e seus atores, permite fomentar uma dinâmica local efetiva e não se apresenta como uma “fórmula” desenhada “a régua e esquadro” pela estrutura central do PE. Deste modo, torna possível uma mobilização local, quer através da participação ativa das estruturas existentes, quer através do impulsionar de processos de cria-ção de novas formas de governança e, frequentemente, de novas associações de base local, muitas delas impulsionadas pelos próprios jovens.

A aposta num novo modelo organizacional mais descentralizado possibilitou um trabalho mais profícuo entre as 412 instituições que integraram os consórcios dos 87 projetos financiados no decorrer da 2ª geração. Destaca-se o reforço da presença de autarquias, de agrupamentos de escolas, de instituições particulares de solidariedade social, de juntas de freguesias, de associações juvenis e associações de imigrantes entre outras.

A Resolução do Conselho de Ministros nº 80/2006 que procede à renovação do Programa Escolhas para o período de dezembro de 2006 a novembro de 2009 (3ª geração) dá enfase a esta questão: “(…) a estratégia de intervenção assente num modelo participado, consubstanciado na figura de um consórcio, afigura-se como uma solução que garante a corresponsabilização, a articulação das respostas a desen-volver e a sustentabilidade das iniciativas (…)”.

Verificou-se, efetivamente, na 3ª geração uma crescente articulação institucional, bem como um trabalho de maior proximidade de índole comunitário, tendo por base o exercício de uma cidadania ativa por parte de todos os participantes e comunidades. No final da 3ª geração foi envolvido um total de 776 parceiros locais.

Modelo dos 7P: Salto qualitativo na intervenção integrada

Partindo da experiência adquirida em anteriores gerações, bem como das vicissitudes e limitações dos modelos implementados, a 4ª geração do PE inovou ao nível de um novo modelo de governança, designa-do por Modelo dos 7P. Trata-se de um aperfeiçoamento das experiências anteriores, baseado na procura de soluções de maior eficácia, eficiência e sustentabilidade.

A governança engloba a sociedade num todo, numa articulação que se pretende entre diferentes setores e que envolve mecanismos formais/informais de atuação, representando a forma como o poder se distri-bui e é gerido num sistema de ação.

A mudança de paradigma de intervenção ao nível do modelo de governança tem fomentado uma maior participação das instituições locais, traduzindo-se numa territorialização das intervenções, numa funda-mentação das respostas a partir de diagnósticos locais, numa convergência de recursos e sinergias. Este novo modelo de governança pretende, igualmente, constituir-se como incentivo a uma maior participação das comunidades e das pessoas através da aposta na “constituição” de um novo capital social e humano e numa maior proximidade do Programa Escolhas enquanto parceiro de toda a intervenção.

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Ao contrário dos modelos clássicos implementados nas anteriores gerações do PE (top down e bottom up), o modelo implementado nesta 4ª geração assume que o poder pode ser visto de forma horizontal, em que a sua distribuição é um processo transparente e partilhado por todos, logo corresponsável.

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3

Este novo modelo de governança implica começar por compreender que nenhum sistema existe por si só. Importa, igualmente, entender o seu enquadramento em sistemas dinâmicos e complexos, seja ao nível interno, inside-out ou externo. Percebamos, pois, a prioridade da gestão das três dinâmicas que se encontram assinaladas na figura anterior.

A dinâmica 1 representa a relação interna da comunidade numa visão partilhada e integrada entre todos os parceiros, as equipas locais, as crianças e os jovens e a comunidade em geral.

A dinâmica 2 representa a relação inside-out (dentro-fora) que é estabelecida ao nível do diálogo com outros parceiros, com outras dinâmicas de ação, com as comunidades limítrofes, com outras escalas de governança multinível, numa lógica de complementaridade da intervenção (visão para além do consórcio e comunidade).

Por fim, a 3ª dinâmica remete para a relação que se estabelece com outros sistemas de ação, numa es-tratégia mais abrangente e alargada, nomeadamente com outros projetos similares, com a rede Escolhas, com a rede social local e com parcerias entre sistemas de ação, entre outros.

Esta visão sistémica é fundamental para o funcionamento de parcerias que têm muito de relacional, mas igualmente de sistémico e multinível.

Os Sete P

A centralidade do modelo estrutura-se em sete princípios-chave, naquilo que se designou por 7P, dando relevância às dimensões: Parceria, Pessoas, Público, Privado, Problemas, Potencialidades, Programa.

Parcerias

As Parcerias representam a base de todo o trabalho que localmente é preconizado pelos projetos finan-ciados na 4ª geração. A este nível, pretende-se fomentar e potenciar um trabalho integrado, de corre-sponsabilização efetiva de todos os parceiros locais envolvidos, tendo em vista a criação de sinergias ao nível de toda a comunidade.

Atualmente, os consórcios dos 134 projetos desta geração são pautados por uma grande diversidade de instituições que ascendem a mais de 1040 formalmente integradas os consórcios locais, quer enquanto entidades promotoras e ou gestoras, quer enquanto instituições parceiras.

Fig. 5 - Modelo dos 7P

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Para além do apoio financeiro do PE, muitos são os contributos cedidos por estes parceiros que eviden-ciam uma lógica de corresponsabilização, também ao nível financeiro.

Pessoas

As pessoas são, frequentemente, representadas por organizações (associações de moradores, associa-ções de imigrantes, associações de jovens, etc). Se este é efetivamente um nível de participação funda-mental, o PE entende que, para além da representação, as pessoas devem estar no centro das decisões e participar como cidadãos em pleno exercício dos seus direitos e deveres.

Nos modelos tradicionais as pessoas acabam, tendencialmente, por ficar à margem da decisão, sendo supostamente representadas por organizações. O diálogo, verticalizado entre as escalas central e local, assume-se como meramente representativo. No Escolhas acreditamos, contudo, em soluções mais mobi-lizadoras dos próprios participantes. Uma mobilização na primeira pessoa do singular.

De facto, torna-se necessário promover o empowerment junto das pessoas, de as levar a refletir e a parti-cipar de forma proactiva em todos os processos de decisão. Torna-se premente reforçar o espírito de uma cidadania ativa e participada por todos, sendo que neste modelo o poder de decisão surge do próprio. Emergem assim novas lógicas de intervenção, tendo por base um modelo de governança cada vez mais descentralizado, em que se promove um maior equilíbrio entre todos os stakeholders.

Nesta lógica de participação ativa e efetiva destaca-se nesta 4ª geração a dinamização de Assembleias de Jovens com os destinatários e beneficiários a realizar, pelo menos, com uma frequência semestral. Com estas, pretende-se não só promover o envolvimento no planeamento e implementação de ativi-dades, bem como a incorporar a avaliação nos relatórios de autoavaliação e nos planos detalhados de atividades.

Procurando cada vez mais fomentar a participação e capacitação, o PE apostou na criação de uma nova medida - Medida V, a qual visa apoiar as diferentes iniciativas ao nível do empreendedorismo e capaci-tação de jovens, tendo agregadas uma grande diversidade de ações que promovem desde o desenvolvi-mento de competências nos jovens, ao incentivo de práticas associativas juvenis, a projetos planeados, implementados e avaliados pelos próprios jovens. Salienta-se a especificidade desta última ação, a qual pressupõe um trabalho de angariação por parte dos jovens de 50% dos recursos financeiros (até ao máximo de 2500 euros/ano) necessários para o desenvolvimento destas iniciativas.

Por fim, salienta-se o trabalho profícuo ao nível da capacitação de jovens líderes, realçando-se nesta geração a aposta na figura dos Dinamizadores Comunitários.

Público e Privado

Num outro nível, acreditamos ser possível existir uma convergência de políticas, recursos e oportuni-dades entre instituições Públicas e o setor Privado, devendo a mesma ser definida localmente. Tendo em vista a sustentabilidade dos projetos, a convergência estratégica entre o setor público, o 3º setor mas, igualmente, o setor privado, nomeadamente através de iniciativas no âmbito da Responsabilidade Social das empresas, é decisivo. Salientamos as diversas experiências promissoras ao nível da disponibilização voluntária de recursos humanos e ou materiais, bem como de estágios em contexto de trabalho e recru-tamentos efetivos.

Nesta 4ª geração são múltiplos os exemplos da progressiva aproximação de empresas privadas aos projetos Escolhas, tendo por base o estabelecimento de parcerias formais e informais. Destaca-se, por exemplo, o apoio sistemático do Grupo Sonae ao projeto Escolhe Vilar (localizado no concelho de Vila Nova de Gaia), através da cedência de materiais, ou o apoio do Hotel Tiara Park Atlantic através de estágios em contexto real de trabalho a jovens do projeto Orienta.te S. Domingos de Rana, localizado no concelho de Cascais.

A um nível formal, destaca-se a integração do Grupo Auchan no consórcio do projeto Percursos Acom-

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panhados, localizado no bairro do Zambujal, concelho da Amadora. Para além da colaboração ao nível da requalificação de espaços, esta parceria tem possibilitado a realização de ações de formação e da disponibilização de estágios, procurando fomentar a aprendizagem dos jovens por áreas mais tradicio-nais. Esta parceria tem possibilitado o estreitar das relações entre os trabalhadores do Grupo e o bairro, tendo sido reconhecida como a “Empresa com Responsabilidade Social do Ano” na Gala dos 10 anos Escolhas.

Problemas e Potencialidades

Atuando em comunidades vulneráveis, em que os Problemas emergem de uma forma quase espontânea, o enfoque deverá passar, igualmente, por reconhecer e fomentar as Potencialidades. Este novo olhar, centrado nas caraterísticas inovadoras que apresentam, pode demarcar estas comunidades pela positiva, tornando-as uma das forças motrizes da ação sem nunca negligenciar os problemas a combater.

De forma a atenuar os conflitos interbairros existentes num concelho da AML, seis projetos financiados pelo PE, contando com o apoio em regime de voluntariado de um encenador, deram início a um atelier de teatro. Este atelier surgiu de forma a esbater os conflitos latentes entre os diferentes territórios, fo-mentando simultaneamente o gosto pelas artes através da prática do teatro.

Deste modo, foi possível colmatar estas divergências constituindo um grupo de jovens que através da dramatização interagiram de forma positiva, ajudando a desconstruir a imagem associada a cada um destes territórios. Face ao sucesso do trabalho desenvolvido, foi possível criar em 2010 a Associação Teatro IBISCO - Teatro Inter-Bairros para a Inclusão Social e Cultura do Otimismo, que reúne atual-mente 30 jovens, contando com o apoio do Município local (através da cedência de um teatro que se en-contrava desativado, bem como de apoio financeiro) e do Programa Escolhas. O que era um problema em 2008, transformou-se em força motriz e traduziu-se numa potencialidade para todos os envolvidos e na plena autonomização deste grupo de jovens.

Programa

Pretendendo acompanhar de perto toda a intervenção preconizada localmente pelos projetos, numa lógica de proximidade e cooperação, e numa relação de confiança e baseada no “rigor inteligente” de quem, por um lado acompanha e avalia, mas que se constitui enquanto recurso potenciador de uma in-tervenção mais abrangente, situa-se o Programa enquanto parceiro de ação mas igualmente enquanto centro de recursos transversal.

O PE tem vindo a desenvolver um leque muito diversificado de atividades de grande envolvência, desta-cando-se o Comboio Escolhas (2007), o Navio Escolhas (2010) e mais recentemente a Aldeia Escolhas (2011), como forma de fomentar e potenciar o conhecimento de outras realidades e a convivência entre públicos oriundos de todo o país.

Reconhecendo a importância e o enfoque no estabelecimento de parcerias estratégias, a estrutura cen-tral do PE foi alargando o leque de instituições com quem estabeleceu parcerias e celebrou protocolos, tendo em vista a constituição de um centro de recursos difusor de novas abordagens para os projetos locais.

Face aos resultados obtidos ao longo destes 11 anos de existência, verifica-se cada vez mais a incor-poração de novos recursos e de novos desafios pelos projetos locais. Salienta-se a este propósito, a parceria com o Festival Indie, a parceria estabelecida para criação e lançamento do CD A Nossa Voz e a parceria com a Glam Models através de ações de scouting de moda em bairros sociais.

Será de destacar, igualmente, a articulação com a Fundação Sporting para a cedência de bil-hetes para jogos de futebol, bem como de material desportivo, bem como com a Funda-ção Benfica nestes mesmos âmbitos. Todos estes recursos potenciam novas oportunidades.

A estreita articulação com o setor privado tem possibilitado a efetivação de um leque muito diversificado

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de parcerias, iniciando-se, desde logo na 2ª geração do PE, o estabelecimento de uma parceria com a Mi-crosoft para a aplicação do currículo Unlimited Potencial e posteriormente do currículo Literacia Digital.

Em 2007 foi possível alargar o leque de respostas formativas e certificadas, nomeadamente através da CISCO Networking Academy (NetAcad), bem como através de uma parceria com a Porto Editora que permite o acesso gratuito à Escola Virtual.

Ao longo da 3ª e 4ª gerações tem sido possível intensificar a articulação com outras empresas, desta-cando-se a parceria com o Barclays Bank através da iniciativa Contas à Vida, que tem como objetivo a aquisição de competências financeiras básicas por parte dos jovens e, posteriormente, também das famílias.

Será, igualmente, de referir o contributo da empresa da KPMG o qual possibilitou em 2010 e 2011 a requalificação de cinco edifícios sede de projetos em Lisboa e Porto, quer em termos da sua estrutura física, quer ao nível da cedência de novo mobiliário e equipamento.

Ao nível das transformações e mudanças que pretendemos operar, é fundamental criar novas formas de organização entre diferentes entidades, nomeadamente privadas para que se promova por um lado, uma autossustentação da intervenção, mas antes de mais para que gradualmente (nesta lógica de reciproci-dade já aqui abordada) se possa investir no conceito “a nossa comunidade”: o assumir na proximidade de relações (pragmáticas) win-win. Positivas para as empresas e para as comunidades locais.

Saliente-se o caso de sucesso entre o bairro Casal da Mira, localizado no concelho da Amadora, e a proximidade com o centro comercial Dolce Vita Tejo. A existência de conflitos decorrente da localização desta grande superfície nos arredores do bairro, acabou por permitir uma interação positiva que resul-tou na contratação de moradores do bairro para serviços de segurança, limpezas e outros, gerando aqui novas oportunidades de emprego e uma maior ligação do centro comercial ao bairro, que deixou de ser visto como um corpo estranho ao território em questão.

De forma a promover a sustentabilidade das dinâmicas de ação, torna-se necessário reforçar e consolidar as parcerias numa lógica integrada, de cooperação, complementaridade e rentabilização de recursos. De-verão, igualmente, ser adotadas estratégias claras de envolvimento, participação e responsabilização dos públicos reconhecendo a importância deste tipo de abordagens centradas no individuo e que remete para uma dimensão de empowerment.

Deste modo, um dos desafios que se coloca aos projetos locais e organizações reside na sua capacidade de inovar, de incorporar um planeamento e visão estratégica, apostando fortemente no marketing social e visibilidade para o exterior, definindo um “plano de negócio” cada vez mais apelativo ao investimento privado, delineando um plano/roteiro de sustentabilidade.

De facto, a experiência acumulada destes 11 anos de PE demonstra-nos ser cada vez mais profícua esta articulação entre instituições públicas e setor privado, e as aprendizagens decorrentes desta colabora-ção. Só assim, resultante deste trabalho integrado entre os diferentes setores se conseguirá operar mu-danças e transformações estruturantes nestes territórios, constituindo-se uma sociedade mais justa, plu-ral e igualitária.

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4. PARTICIPAÇÃO E CAPACITAÇÃO

4.1 Texto de enquadramento

“Sinto-me mais capaz de ter capacidades” 10

Em junho de 2009, o Programa ESCOLHAS editou um caderno temático com o título “Ser capaz de ad-quirir competências”. Em si, o título sintetiza a essência de toda uma abordagem, uma aposta transfor-mada em processo longo e complexo, mas estrategicamente virtuoso, agora com resultados à vista.

Este foi talvez o maior contributo do Escolhas para a área da participação e capacitação – a afirmação no terreno (e não apenas no discurso) de que é necessário, possível e compensador desenvolver competên-cias para participar. Que este trabalho se faz a montante, como é óbvio, e de forma prolongada no tempo, sem receitas nem instantâneos.

No cerne desta abordagem, entre muitos atores e intervenções chave, estão dois elementos de sucesso fundamentais:

• A perspetiva da adversidade como potencial criativo, e;• O poder transformador da educação não-formal.

Ao contrário de muitos outros programas na área da participação e capacitação, o Escolhas optou pelo caminho mais difícil. Assumindo, como muitos, a pobreza e a exclusão social como problemas graves a enfrentar, recusou entender os jovens em situação de pobreza e exclusão como o problema em si. Ao invés, procura nestes jovens o potencial criativo, inovador e transformador de que todos precisamos (e agora beneficiamos) para desenvolver sociedades e contextos de vida mais justos e mais sustentáveis.

Todos nós devemos isso mesmo ao Escolhas: ter-nos dado a conhecer os talentos, as ideias, os micro-projetos, as artes, os saberes e os engenhos escondidos nas margens da participação juvenil. Ainda que se diga de outra forma, “capacitação” faz-se assim, ancorada na convicção profunda de que não serve para resolver problemas; serve, isso sim, para aprendermos – nós, todos – daqueles (e com aqueles) que não se sabiam ainda capazes de ensinar. E é este, afinal, o estímulo maior à participação – sentirmo-nos parte importante e necessária de um todo maior e mais complexo, e simultaneamente sentirmo-nos capazes de assumir essa responsabilidade perante os outros.

No que respeita à incontornável componente educativa do seu programa, o Escolhas voltou a recusar a via mais fácil. Reconheceu, no terreno, as limitações do sistema formal de ensino, e procurou alternativas – os tais “terceiros lugares educativos” (Nogueira, 2007:12). Apostou no poder transformador da educação não-formal.

10) Jovem de um projeto Escolhas (2009).

LUIS CASTANHEIRA PINTO

Mestre em Educação e Sociedade, Coordenador de Formação e Desenvolvimento de Carreira da Agência

Europeia do Ambiente (Copenhaga)

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Nas múltiplas estratégias projeto a projeto, o Escolhas resumiu e aplicou um conjunto de princípios há muito partilhados por várias correntes e teorias da educação:

1) A aprendizagem significativa – a que verdadeiramente capacita – é contextualizada;2) O aprendente está no centro do processo educativo;3) A experiência do aprendente é parte valiosa e integrante do processo de aprendizagem;4) A qualidade da relação afetiva tem impacto na aprendizagem;5) O aprendente participa no desenho do seu processo de aprendizagem, de forma ativa e voluntária;6) As atividades ludico-pedagógicas constituem metodologias pedagógicas centrais nestes processos de aprendizagem;7) A avaliação deve existir, sempre, mas de forma participada e dinâmica;8) A educação assenta em valores humanos e sociais. Esta síntese aplicada do que é a educação não-formal no terreno, representa um capital inalienável do Escolhas.

O que parece hoje evidente do ponto de vista conceptual, é no entanto extraordinariamente difícil de concretizar na prática. Os projetos Escolhas fizeram-no. O Programa demonstrou-o.

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4.2 Artigo temático

GERAÇÃO ESCOLHAS: O CÍRCULO VIRTUOSO DA PARTICIPAÇÃO

Aparentemente, falar sobre participação não parece suscitar grandes dificuldades. Afinal, todos sabem do que falamos quando abordamos este tema: participar é fazer, saber, comunicar. É, no fundo, fazer parte de algo.

No entanto, à medida que fomos refletindo sobre o tema, percebemos que o significado de participação, quando olhado sobre o ponto de vista do que é pretendido pelo Programa Escolhas, é um desafio muito mais profundo, amplo e abrangente.

Participar porquê?

Participar é associar-se pelo pensamento e, acima de tudo, associar-se pelo sentimento. São os sentimen-tos que mobilizam as pessoas, são as relações humanas que as motivam a querer fazer parte ou a criar algo. É neste aspeto tão básico e simultaneamente tão complexo que se encontra o segredo da efetiva participação.

Aqui reside uma das mais-valias do Programa Escolhas. Um programa que focaliza a sua intervenção no fortalecimento de relações e, ao fazê-lo, demonstra, de acordo com a avaliação externa do Programa Es-colhas, uma “(…) capacidade de acreditar nestas populações, nos seus recursos e nas suas capacidades de mudança e é nesta crença, talvez utópica, que reside uma parte significativa das estratégias de inter-venção(…)”.

Ao assentarem as intervenções no estabelecimento de relações de proximidade entre as equipas e os participantes, verifica-se como consequência uma forte apropriação dos projetos, em geral, e das ativi-dades, em particular, por parte dos participantes. Mas mais do que se apropriarem do que está a ser feito, estas formas de intervenção têm potenciado um conjunto de competências de empowerment e participa-ção ativa que, dificilmente, se conseguem traduzir em palavras.

Tentaremos, no entanto, ilustrar neste artigo alguns exemplos deste aumento de participação e de que forma o mesmo tem transformado a vida de muitas crianças, jovens e seus familiares.

Este impacto do Programa Escolhas é particularmente curioso quando vivemos num momento em que parece existir um distanciamento face aos processos de participação cívica e mesmo política, distancia-mento que é particularmente evidente nos mais jovens.

Embora recentemente se tenha assistido a um ressurgir de alguns movimentos juvenis, estes parecem ser pouco estruturados e de caráter essencialmente esporádico. De acordo com alguns autores, os jovens não estarão comprometidos com as soluções para os problemas vividos pela sociedade. Consequent-emente, questiona-se o escasso envolvimento dos jovens nos movimentos políticos e estudantis e o redu-zido compromisso das gerações mais jovens com a participação política. O significado das mudanças nas

GLÓRIA CARVALHAIS

Coordenadora da Zona Norte/Centro do Programa Escolhas

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formas de participação dos jovens deverá ser questionado, já que estão em causa decisões que afetam o seu futuro. Estes parecem ter deixado de participar, entre outros motivos, porque parece existir um desinteresse face aos problemas de natureza político-social e mesmo um descrédito face à capacidade de resolução dos mesmos: “A insatisfação face às decisões públicas e à forma como estas são tomadas, associada a um sentimento de não serem ouvidos”11 constitui-se como um obstáculo à participação.

Continua a verificar-se, de acordo com a avaliação externa do PE, que há “crianças e jovens que cada vez mais se encontram à margem dos programas e das formas tradicionais de apoio das políticas públicas, seja em termos de estudo, de formação profissional ou de emprego, pois as suas características especí-ficas não se adequam aos perfis formatados dessas políticas públicas, muito especialmente das políticas desenhadas à distância a partir de pressupostos, mais ligados à competitividade do que à coesão social”. Paradoxalmente, esta é uma tendência que tem tido um percurso inverso nos participantes do Programa Escolhas.

A escolha dos participantes que acompanhamos, em particular dos jovens, tem sido a de uma crescente implicação e participação nos processos de planeamento, decisão e avaliação. Podemos, assim, questio-nar-nos sobre o porquê desta escolha. Participar porquê?

É dentro deste quadro de preocupações que o Programa Escolhas tem vindo a apoiar muitas interven-ções verdadeiramente milagrosas. Todos esses projetos, que abrangem os grupos populacionais mais jovens da nossa sociedade oriundos de contextos socioeconómicos mais vulneráveis, nomeadamente os descendentes de imigrantes e minorias étnicas e aos quais aparecem associadas diversas problemáticas (abandono escolar, negligencia familiar, fracas expectativas face ao futuro, entre outras) e que estão a ser implementadas quer no meio urbano, quer no meio rural, têm como missão combater as causas geradoras dessas situações de exclusão social.

Através da sua execução, criaram condições de participação das populações num processo de mudança de comportamentos, que atribui prioridade à educação, à qualificação profissional e à inclusão digital. É claro que os processos de participação não são iguais em todos os projetos, mas pese embora a diver-sidade de contextos, instituições e lógicas de intervenção perpetrados pelos vários projetos Escolhas é possível, hoje, sistematizar um conjunto de referenciais que constituem de alguma forma a “cultura” do Programa e que se traduz em alguns pressupostos operacionais de desenvolvimento positivo dajuventude.

Fig. 6 – o círculo virtuoso da participação

Reforçar o “eu” em toda a sua plenitude, mas não o fechando em si próprio, é um dos pressupostos explíci-tos do Programa, procurando fornecer oportunidades para a participação e exercício de normas sociais.

11) In, “Ser capaz de adquirir competências – o programa escolhas na perspetiva das crianças e jovens”, p. 11.

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Participar como?

O processo de mudança descrito exige diferentes tipos de compromissos, não fosse a natureza humana na sua essência diversa, pelo que é nesse pressuposto que se torna necessário analisar os diferentes processos e graus de participação dos indivíduos.

Existem diferentes níveis de maturação dos processos de participação, os quais acreditamos estarem profundamente ligados com o tipo de relações que se estabelecem entre projetos (equipas técnicas) e participantes. O objetivo é que exista uma progressão na participação que, embora possa ser lenta, seja segura.

A autora S. Arnstein12, deixou um legado valioso no que respeita à participação. A tipologia que definiu segue a metáfora de uma escada, na qual cada degrau corresponde à amplitude do poder da população em decidir as ações e ou programas que os envolvem.

Figura 7– A escada da participação

Quando se trabalham as questões da participação, espera-se que um determinado nível seja alcançado e que as relações estabelecidas “não voltem para trás”. Pelo contrário, espera-se que progridam para níveis superiores.

Se é evidente que alguns dos projetos Escolhas ainda se encontram no degrau da informação, em que se parte da premissa de que informar e dar acesso à informação é o início da possibilidade de construção da cidadania, muitos são os exemplos de projetos que já se encontram num degrau onde se verifica uma efe-tiva delegação de poder, de que são exemplo os projetos “Lagarteiro e o Mundo” e “Metas” (Zona Norte e Centro) e “Tutores de Bairro” (Zona de Lisboa).

Projeto Lagarteiro e o Mundo (Porto)

Um grupo de jovens que mostrava grande interesse pela sua comunidade e pelos problemas que a afetavam, acreditou que com a constituição de uma associação poderiam criar ações para dar respos-tas a alguns desses problemas. Por outro lado, e perante a possibilidade do projeto terminar, reco-nhecendo a importância do mesmo para as crianças e jovens do Bairro, queriam aprender tudo quanto possível sobre “como fazer”, para um dia poderem dar continuidade ao trabalho desenvolvido. Assim, este grupo de jovens formalizou a constituição da Associação Juvenil PEGÁMODA.

Projeto Metas (Porto)

A Ágil (associação juvenil criada no âmbito do projeto) tem registado uma evolução muito positiva no sentido da sua autonomia e capacitação. A Ágil tem como objetivo implementar ações no âmbito da

12) Arnstein, S. (1969) - “A Ladder of Participation” in Journal of the American Institute of Planners, 35 (4), 216-224.

Controle Cidadão

Poder Cidadão

Não Participação

Tokenism

Poder delegado

Associação

Consulta

Informação

Terapia

1

2

3

4

5

6

7

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Manipulação

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arte urbana e intercâmbios que possibilitem o alargar de horizontes e a diversificação das experiências dos jovens com os quais trabalha. Desta forma, a Ágil poderá encontrar formas de financiamento para as suas iniciativas e dar continuidade a algumas atividades do projeto. A associação atingiu já um pata-mar de maturidade fazendo atuações em espaços de renome na cidade do Porto.

Projeto Tutores de Bairro (Seixal)

A Associação Juvenil Esperança foi fundada em 2006 e formalizada em 2009. É uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo o desenvolvimento de iniciativas por parte dos jovens que visam combater a exclusão social nas suas múltiplas formas, promovendo a integração social e a participação cívica.

A Associação desenvolve atividades de âmbito comunitário: exposições; workshops (penteados ét-nicos, dança africana, música, etc.); festas e eventos comunitários (piqueniques comunitários, Union de Guetto, festa da primavera, festa de natal, etc). De âmbito social, nomeadamente através do Pro-jeto “Solidariedade Kinta City” e “Stima nos Bairro”. De âmbito desportivo através da constituição de equipas e da sua preparação para participar em diversos torneios e eventos desportivos. De âmbito cultural, através da constituição e promoção de grupos artísticos na área da dança as “Afro-Índias”, “Estrelinhas da Kinta”, “Quebrada 49”, etc. A Associação promove espaços de reflexão, debate e de encontro para jovens de diversas origens étnicas.

Que mecanismos dispõe o Programa Escolhas para ativar a participação?

Desde o inicio que o Programa Escolhas tem esta consciência bem patente e, na atual 4ª Geração aprovada na Resolução de Conselhos de Ministros nº 63/2009 de 23 de julho, é referido que “face à pertinência das intervenções anteriormente desenvolvidas no âmbito do Programa Escolhas, importa continuar a consolidar o modelo anterior, reforçando o desenvolvimento de atividades no domínio do combate ao insucesso e abandono escolar, de apoio à criação de emprego, de encaminhamento para formação profissional, de combate à infoexclusão, de desenvolvimento de um espírito empreendedor, de dinamização de oportunidades de exercício de uma plena cidadania, de apoio a dinâmicas de ca-pacitação e autonomização dos jovens, bem como de uma maior corresponsabilização dos familiares no processo de desenvolvimento das crianças e jovens.”

A experiência mostra-nos que é necessário construir respostas apropriadas para a inserção e o bem-estar de todos, e onde todos possam ter uma voz ativa nessa construção. E a esse nível o Regulamento do Pro-grama Escolhas da 4ª Geração incorporou nos Princípios Gerais, o princípio da participação que estabe-lece que, “entendendo o potencial humano como um fim e um recurso, os projetos deverão garantir a par-ticipação dos jovens, das comunidades e das organizações em todas as etapas do projeto, promovendo processos de capacitação e de corresponsabilização…” (artigo 5º, alínea C do regulamento do Programa).

A esse propósito, e ainda no Artigo 12.º, em fase de candidatura ficou definido como um dos critérios e prioridades de apreciação das candidaturas, no seu nº 3, alínea f): “Participação direta dos destinatários e beneficiários na conceção, implementação e avaliação do projeto; e “j) Sustentabilidade do projeto no sentido de garantir, após o termo do mesmo, a continuidade da intervenção, quer através da otimização dos recursos disponibilizados pelo consórcio, quer através da autonomização e responsabilização dos beneficiários e destinatários…”;

De uma forma mais específica, a promoção da capacitação e do empreendedorismo surge como um eixo estratégico e estruturante do modelo de intervenção do Programa Escolhas, encontrando-se mais pa-tente, na Medida V onde é referido que “A área estratégica do empreendedorismo e capacitação dos jovens admitindo as seguintes ações a protagonizar pelos projetos: autonomização de projetos protago-nizados pelos jovens, visando a sustentabilidade das ações; promoção de dinâmicas associativas juve-nis formais e informais, que incentivem a autonomização das crianças e jovens e a sustentabilidade das dinâmicas de ação iniciadas; iniciativas de serviço à comunidade promovidas pelos jovens, demonstrando um contributo positivo nos seus territórios, assim como visitas, estágios e parcerias com organizações que possibilitem o alargar das experiências e redes de contactos dos jovens”.

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Por outro lado, são apoiadas ações com a elaboração de projetos planeados, implementados e avaliados pelos jovens, promovendo a sua participação e corresponsabilização por todas as etapas, nomeadamente na mobilização parcial dos recursos necessários à concretização das suas iniciativas; atividades formativas que promovam o desenvolvimento de competências empreendedoras nos jovens; promoção da mobili-dade juvenil e de intercâmbios dentro e fora do território nacional e Campanhas de divulgação, marke-ting social e de sensibilização que permitam desconstruir estereótipos e preconceitos relativamente aos destinatários e territórios alvo de intervenção do Programa.

A participação social aparece assim consubstanciada “na organização de atividades através de ambientes sociais diferentes que incentivam as crianças e jovens a participar em ações de caráter coletivo onde o comportamento social saudável é estimulado. Essas oportunidades de participação social são da maior importância em contextos de maior precarização, onde as oportunidades de atividades diferentes, in-telectual e socialmente estimulantes não são frequentes.”

Paralelamente, o Programa introduziu nesta última geração um forte mecanismo de ativação da partici-pação e capacitação dos jovens, definindo em regulamento uma metodologia de avaliação e acompa-nhamento que apresenta como uma das suas vertentes uma estrutura de autoavaliação dos projetos de-nominada Assembleia de Jovens. Estatutariamente prevista no nº 6 do Artigo 30.º “Os projetos deverão organizar assembleias com os seus destinatários e beneficiários, com uma periodicidade não superior a seis meses, recolhendo a avaliação dos jovens de forma a incorporá-la nos relatórios de auto avaliação”.

Destaque particular merece a aposta nesta geração na figura do dinamizador comunitário, jovens com perfil de liderança positiva, oriundos da comunidade, com o papel de contribuir (num registo de maior proximidade), para uma maior participação cívica e comunitária das crianças, jovens e comunidade em geral, desenvolvendo simultaneamente, laços de pertença à comunidade.

Qual o poder efetivo da participação?

Grandes desafios se colocam à intervenção social. Entre muitos, destacaríamos a criação de capital social nas instituições (criação de redes, comunidades de prática e governança local) e a capacitação/autono-mização dos beneficiários (empowerment). Estes são, porventura, dos mais urgentes e importantes no âmbito do Programa Escolhas.

Estes 11 anos de intervenção, durante os quais o Programa foi aprofundando e melhorando as estratégias de promoção da participação, capacitação, autonomização e empowerment das comunidades em geral, e dos jovens em particular, têm permitido alcançar bons resultados.

Para tal, muito têm contribuído as várias atividades lançadas anualmente e que reforçam a aposta do programa para a mobilização e participação consciente e ativa dos jovens, nomeadamente a ação Muda o bairro e o Escolhas em Rede, entre muitas outras.

Muda o Bairro (com duas edições, em 2010 e 2011) - http://mudaobairro.wordpress.com

Este projeto global teve uma grande adesão, sendo que - na edição de 2011 - mais de 70 projetos Escolhas efetuaram a sua inscrição, dos quais 47 submeteram efetivamente a sua candidatura final. As ideias apresentadas destinavam-se a projetos de reabilitação urbana, reparação de estruturas de-gradadas, ou ainda a projetos de recuperação de parques infantis, espaços verdes, criação de hortas comunitárias, limpeza de matas, espaços devolutos entre outras iniciativas. Nas propostas apresenta-das, os jovens foram os principais responsáveis pela elaboração, execução e avaliação dos projetos, os quais tiveram que obrigatoriamente obter um conjunto de apoios locais de forma a permitir a sua viabilização.

Percebemos, pois, que a participação cívica e comunitária das nossas crianças e jovens é indissociável dos objetivos principais do Programa Escolhas, de uma forma mais ampla, e dos vários projetos, de uma forma mais específica, uma vez que é uma forma de combater as desigualdades sociais e criar as condições necessárias para a plena inclusão social. Esta dimensão surge como primordial em contextos que se

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caracterizam pela predominância de comunidades que não possuem hábitos de participação ativa na resolução dos seus problemas e na equação das soluções para os mesmos.

Neste sentido, pretende-se que o Programa, através dos vários projetos que estão no terreno, se cons-titua como catalisador para modificar estes comportamentos e fomentar nos destinatários a necessidade de participar em todas as esferas da vida em sociedade. As atividades desenvolvidas pelos projetos pretendem promover o empowerment dos jovens em situação de fragilidade social, dando-lhes voz para participarem ativamente em todo o processo e delinearem juntamente com os técnicos novas formas de inclusão social que possam ir ao encontro das suas necessidades. Assim, tem sido atribuído um lugar central à participação em processos de debate e decisão que afetam as condições da vida destas crianças e jovens.

Em termos operacionais, esta dimensão da participação é visível no envolvimento das crianças e jovens em atividades que lhes proporcionem experiências enriquecedoras do ponto de vista relacional e da expressão da sua individualidade, como por exemplo os ateliers de música, oficinas de expressões, ativi-dades desportivas ou grupos de teatro que são atividades que, pelas suas características lúdicas, desper-tam nos jovens aptidões e competências de uma forma espontânea mas que possuem um impacto forte ao nível do desenvolvimento pessoal e social.

As próprias atividades ligadas às novas tecnologias surgem como um importante instrumento estratégico pois integram e exigem um conjunto muito variável de competências em contextos positivos.

Este trabalho realizado localmente tem tido um impacto muito positivo na vida das crianças, jovens e seus familiares. Exemplo do poder efetivo da participação são os testemunhos13 de alguns jovens destinatários dos projetos:

“Fiquei mais madura; quando comecei não ligava, não pensava como penso agora. Eu tenho um obje-tivo e quero ter um fruto. Agora quero mais, quero muito mais – vou trabalhar para isso, para mudar a imagem do meu bairro. Agora tenho a ideia de que se quero isto, posso trabalhar para isso e vou con-seguir (…) sou capaz de assumir responsabilidades na associação. (…) Mudou a minha maneira de ver as coisas; antes não ligava a estas coisas, queria apenas vadiar, agora posso chegar-me à frente e falar com a vereadora da Câmara”;

”expectativas?! Não sei… tinha cá os meus amigos. Eles gostavam. Depois percebi que as atividades que nos propunham eram importantes para eu crescer. Agora até já tenho responsabilidades. Não posso faltar”;

“Decidimos propor a atividade porque ia trazer mais pessoas para o projeto. Se corresse bem podía-mos ter mais apoios no futuro.”

“Queremos limpar a imagem do nosso bairro, a associação tem como objetivo mostrar que o bairro não é aquilo que pensam.”

A participação dos jovens, nomeadamente através da constituição de associações juvenis, tem permitido, para além de outros aspetos, um aumento da sua autoestima. Tem possibilitado o surgimento de senti-mentos positivos que permitem a estes participantes atuar, mudando as suas trajetórias pessoais e mes-mo coletivas.

O Programa Escolhas, enquanto programa que promove comportamentos sociais positivos, procura incentivar os jovens a adotar padrões elevados de comportamento através da aprendizagem lúdica de novas formas de comportamento, incentivando compromissos explícitos com pares e a identificação de objetivos e padrões pessoais sobre si e os outros.

Refletir, ponderar nas propostas apresentadas e implementadas e, sobretudo, nos resultados alcançados é importante. Esta análise será fundamental para nos ajudar na procura de caminhos para o combate à

13) In, “Ser capaz de adquirir competências – o programa escolhas na perspetiva das crianças e jovens”, p. 47 e p. 76.

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exclusão social dessas crianças e jovens, sendo certo que conhecer com rigor as suas causas e natureza é um passo importante para a definição das melhores opções. Deveremos, nesse sentido, ser capazes de ser humildes e de questionar as nossas certezas e interrogarmo-nos sobre o sentido da nossa ação. Mas, acima de tudo, devemos focalizar-nos em potencializar e reforçar as nossas forças em busca de novas oportunidades. Os aspetos menos bons e as contrariedades – que são muitas - deverão ser tidas em conta na sua devida proporção, para não corrermos o risco de desmotivarmos.

Estamos todos seguros que esta é uma luta de todos (coletiva, onde deverão estar envolvidos as popula-ções e os poderes públicos e privados), contra tudo, e de duração ilimitada, não se ajustando ao tempo pré-definido de um projeto.

Só nesta busca incessante de fazer melhor será possível desenhar – em comum - caminhos seguros para a integração social de muitas crianças e jovens do nosso país. Esses caminhos passam por não esquecer os participantes nas tomadas de decisão, tornando-os cada vez mais sujeitos ativos de deveres e não somente de direitos.

Assim, permitiremos que cada vez mais as pessoas e, especialmente, as que se encontram vulneráveis a situações de exclusão e marginalização, tenham uma postura de cidadania ativas e não de meras vítimas. A visão “assistencialista” das intervenções é perniciosa para nós – enquanto motores de mudança, mas, principalmente, para quem usufrui dessa “ajuda”, tornando-os dependentes e, consequentemente, me-nos capazes de contribuir para as suas próprias mudanças.

Terminamos como iniciámos: a participação efetiva e voluntária só é possível se houver uma associação pelo sentimento. Acreditamos que a aposta deve continuar a ser feita nas relações interpessoais, pois é com este “caminhar juntos” que continuaremos a atingir bons resultados. Tal como disse Maturana (1997)14, “(…) ser social envolve sempre ir com o outro, e só se vai livremente com quem se ama.”

14) Maturana, H. (1997) - A Antologia da Realidade, Ed. UFMG, Belo Horizonte, pp. 206.

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5. METODOLOGIA DE PROJETO

5.1 Texto de enquadramento

Escolher é a capacidade de determinar opções com o fim de atingir um objetivo de desenvolvimento pessoal ou social.

Os projetos do Programa Escolhas comportam ambas as dimensões na promoção da mudança social. Centram-se na capacitação das pessoas para agir sobre o seu próprio desenvolvimento e promovem a tomada de decisão dos grupos, orientada para o desenvolvimento dos seus meios sociais e culturais, particularmente carenciados.

Neste último processo o Programa Escolhas tem promovido, a nível nacional, a aplicação de uma metodo-logia específica de ação para a mudança social que nos anos 90 do século XX era ainda evitada ou desvir-tuada por muitas organizações de ação social.

Inicialmente estranhada e atualmente indispensável, a metodologia de projeto tornou-se linguagem co-mum na construção de processos de mudança promovidos pelo Escolhas, que baseiam a ação num diag-nóstico cuidado face a um planeamento e avaliação participados pelas pessoas.

A metodologia de projeto parte de uma vontade de ação com vista à melhoria de uma situação denomi-nada «problema».

Reveste-se de uma série de princípios do qual se destaca a importância da participação dos atores sociais que sofrem com a situação atual e que esperam ganhar com a nova situação desejada.

É a partir da tomada de decisão das pessoas que a ação do Escolhas tem contribuído na produção de mudança social, inscrevendo-se numa dimensão de historicidade.

Tornou-se vital o papel desempenhado pelos mais diversos atores locais, desde a administração local, a jovens e crianças, passando por associações, coletividades e escolas, que vivem efetivamente o território, suas dinâmicas e complexidade.

Em onze anos de ação do Programa Escolhas a relação entre os problemas, o que se planeia para os resolver, os resultados das ações executadas e a sua avaliação, tem levado à produção de conhecimento teórico e empírico de diversa proveniência, desde o ambiente letrado das universidades à genuinidade dos lugares onde o Escolhas intervém.

Tem conduzido igualmente à definição de novas ações face a outros problemas, propostas pelas pessoas e suas associações.

MÁRIO MONTEZ

Mestre em Desenvolvimento pelo ISCTE – UTL e Professor na Escola Superior de Educação

do Instituto Politécnico de Coimbra

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Os projetos, de tempo definido, comportam contudo ações de efeitos intermináveis.

Após onze anos do Programa Escolhas surgem novos atores de desenvolvimento local (individuais e cole-tivos) despertados pela ação inicial do programa.

Da apropriação da metodologia de projeto fomentada pelo Escolhas, antigos participantes tornaram-se agora parceiros na construção conjunta de uma urgente mudança social, assente num paradigma alterna-tivo de desenvolvimento centrado nas pessoas e na sua relação com o meio que as envolve.

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5.2 Artigo temático

O PLANEAMENTO NO ESCOLHAS

Planear é também e desde logo um ato de consciencialização. Não é possível intervir socialmente de uma forma capaz sem possuirmos o conhecimento cabal da realidade social onde pretendemos intervir. Numa primeira fase, planear estrategicamente é analisar a situação, realizar um diagnóstico o mais rigoroso pos-sível, identificar os principais problemas e identificar os principais recursos já disponíveis no terreno.

Planear é também clarificar objetivos e identificar um conjunto de atividades que nos deverão orientar de uma forma expedita para a mudança social. É estabelecer uma estratégia (recursos humanos, materiais e financeiros) e conceber um plano de ação (atividades). Estes são dois momentos relacionados e clara-mente interdependentes.

Utilizando o modelo SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities e Threaths) como referência, deve-remos ser capazes de olhar a realidade que nos interessa apreender e perceber que fatores internos ou de organização nos podem beneficiar ou prejudicar; que forças ou fraquezas vamos encontrar no terreno. Ou, olhando agora para aqueles que são os fatores externos ou ambientais, que oportunidades ou amea-ças nos pode oferecer a conjuntura do momento. É este o momento de consciencialização que quando realizado com desvelo, nos permite com confiança colocar um pé no terreno rumo à ação.

Para o Escolhas, na fase da ação é importante ter em linha de conta os dois seguintes aspetos:

a) A estratégia de intervenção;

b) A avaliação por objetivos.

Diagnosticada a situação, devemos ser capazes de identificar claramente os nossos principais eixos de intervenção. Nesta fase, é fundamental saber diferenciar convenientemente o ‘necessário’ do ‘possível’. Em muitas situações, geralmente por questões orçamentais, poderá não ser possível trabalhar de forma competente em todas as direções necessárias e desejadas. Poderá ser difícil mas é importante fazer esta avaliação, sob pena de dispersarmos a nossa intervenção, não atingindo sequer os resultados mínimos a que nos propusemos. Identificados, são estes eixos que se materializam numa estratégia de intervenção consubstanciada em ações mais gerais e atividades mais específicas.

Mas se há uma estratégia de intervenção tem de haver objetivos a atingir. São estes que vão balizar toda a nossa intervenção. É obrigatório que em todo este processo, anexo ao plano estratégico, haja desde logo um plano de avaliação, organizado por objetivos gerais e objetivos específicos. É uma questão central no modelo de intervenção do Programa Escolhas.

RUI DINIS

Gestor Nacional da Medida IV do Programa Escolhas

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Planear é um ato de consciencialização mas é também um ato de antecipação. É responder à realidade atual mas é também, e principalmente, uma ato de precaução; precaver o futuro para que esse possa ser bem melhor que o presente.

A Avaliação no Escolhas

Não é possível perceber a relevância da nossa intervenção sem uma rigorosa avaliação da mesma. Uma avaliação baseada em palpites ou em subjetividades não confirmadas ou aferidas, não é aceitável no âm-bito de uma intervenção social que se quer séria, responsável e plenamente capaz. Assim, não há pro-jetos Escolhas sem um rigoroso plano de avaliação. Só assim é possível aferir se estamos a chegar onde realmente devemos. E não se entenda por avaliação algo estático, realizado com uma periodicidade fixa. Há de facto um relatar com uma periodicidade fixa mas mais importante, é a capacidade de transformar o ato de avaliar num ato de monitorizar, algo que se faz todos os dias, todas as semanas, todos os meses. As avaliações não se fazem apenas de 6 em 6 meses, é um processo contínuo que se vai fazendo e se conclui em determinada data.

A avaliação é um elemento estruturante e essencial no modelo de intervenção do Programa Escolhas, compreendendo esta uma avaliação técnica e uma outra de cariz financeiro.

A avaliação técnica é realizada em três formas:

a) Um processo de autoavaliação, segundo um modelo definido pelo consórcio do projeto, com-plementado pela utilização obrigatória de uma ferramenta informática de acompanhamento e avaliação online (Aplicação da Gestão de Informação Local - AGIL);

b) Uma avaliação interna, da responsabilidade da equipa central do Programa Escolhas, tendo como referência a execução do plano de ação, os objetivos e os resultados delineados em can-didatura;

c) Uma avaliação externa, da responsabilidade de uma entidade independente, que avaliará o Programa na sua globalidade.

A avaliação financeira é realizada pelo Programa Escolhas e/ou por uma entidade externa a designar para esse efeito.

Adaptando muitas das linhas sobre o processo de autoavaliação incluídas no Regulamento do Programa Escolhas, é importante lembrar que o consórcio responsável pelo projeto deve elaborar um relatório com periodicidade semestral, sendo que o segundo relatório, e eventualmente o quarto, serão relatórios anuais. O último relatório será sempre um relatório final relativo a todo o período de implementação do projeto. A discussão destes relatórios será realizada em reuniões formais entre o consórcio e a equipa técnica do Programa Escolhas.

O processo de avaliação interna, a executar pela equipa técnica do Programa Escolhas, deve igualmente integrar um relatório semestral, dirigido ao coordenador nacional do Programa Escolhas, podendo este incluir sugestões de ajustamento do projeto.

É importante e obrigatório que as instituições que integram o consórcio estejam disponíveis para colabo-rar sem qualquer tipo de restrição, com a avaliação interna e externa, particularmente através da viabiliza-ção da realização de visitas, reuniões e análise documental.

Outro aspeto importante no processo de avaliação interna do Programa Escolhas são as visitas de avalia-ção que incluem as seguintes modalidades:

a) Visitas de caráter formal com a presença da equipa técnica do projeto, do consórcio e do

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Programa Escolhas;

b) Visitas de caráter informal, em contexto de atividades, com a equipa técnica do projeto e do Programa Escolhas;

c) Visitas sem aviso prévio efetuadas pelo Programa Escolhas.

Um parecer negativo da avaliação interna, devidamente fundamentado, pode conduzir a que o Programa reavalie o seu compromisso com o consórcio, podendo originar mesmo a suspensão do financiamento e, em casos mais graves, a sua revogação em definitivo. Anualmente os projetos recebem um parecer rela-tivo à sua avaliação, que determinará a renovação ou não do projeto para o ano seguinte.

O Plano de Avaliação Local

O plano de avaliação de um projeto Escolhas segue a regra que determina a criação de objetivos gerais e objetivos específicos. Ainda que sejam muitas as teorias em volta do modelo a utilizar, julgamos ser esta a solução que melhor se adequa à intervenção social preconizada pelo Programa Escolhas. Depois e ainda que em abstrato saibamos que o número de objetivos gerais e específicos possa ser bastante variável, conforme a realidade social a intervir, entendemos no Escolhas limitá-los sempre a um máximo de um objetivo geral e três objetivos específicos.

Objetivo Geral

Com a definição de objetivos gerais pretende-se determinar a principal mudança ou efeito global que se prevê alcançar com a realização do plano de ação. São como que as grandes orientações das ações a desenvolver pelo projeto, geralmente não atingíveis apenas pelo projeto mas para o qual este deve contribuir, se possível decisivamente. No projeto e de uma forma mais operacional, estes são como que ativados pela bateria de objetivos específicos definidos para esse efeito. No seu conjunto, os objetivos específicos de um objetivo geral, devem contribuir claramente para a concretização deste último.

Exemplos:

Diminuir o insucesso e o absentismo escolar nas EB2/3 do concelho X.

Promover a inclusão digital das crianças e jovens da freguesia Y.

Aumentar a empregabilidade dos jovens adultos das freguesias K e W.

Contribuir para a capacitação de crianças e jovens, de forma a potenciar a sua participação cívica, cultural e social.

Aumentar as competências pessoais e sociais de crianças, jovens e seus familiares, de forma a facilitar a sua integração social.

Objetivos Específicos

Mais do que um ponto distante, os objetivos específicos devem ser uma orientação, um guia em direção ao objetivo geral e final: criar a mudança e eliminar o problema. Estes devem ser a indicação clara dos efeitos que se pretendem promover, identificando sempre que possível e necessário, o “quem”, o “como”, o “quê”, o “quando”, mas igualmente o “quanto”.

Exemplo:

[quê] Certificar [como] com o DCB, [quando] durante os 3 anos de projeto, [quanto] X [quem] par-ticipantes no projeto.

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A criação de objetivos específicos deve seguir estritamente a metodologia SMART15 (acrónimo de specific, measurable, attainable, realistic, time bound).

Nesse sentido, um objetivo deve ser específico, deve ser facilmente mensurável, preciso, deve ser realista e limitado temporalmente. Deve haver neste trabalho um enorme esforço de simplificação. Sempre que possível, a cada objetivo específico deve corresponder apenas uma ideia. Não esquecer que mais ideias significam mais indicadores e eventualmente mais instrumentos de avaliação.

Os objetivos específicos devem ser claros nos resultados a atingir. Queremos com isto dizer que devem ser formulados de uma forma operacional, formulados quantitativamente e devendo por isso ser clara-mente mensuráveis. Para que este processo se desenrole normalmente, os resultados das atividades de um projeto devem contribuir claramente para que se atinjam ou não os objetivos específicos formulados.

De uma forma geral, entendemos que existem dois tipos de objetivos específicos:

1. Objetivos de processo - são objetivos que incidem sobre o processo, sobre a forma de fazer e não sobre os resultados que se pretendem efetivamente atingir com esse processo.

Exemplo:

Envolver em atividades TIC, durante os 3 anos de projeto, X participantes;

É referido um envolvimento mas não o que se pretende claramente com esse envolvimento.

2. Objetivos de resultado – São objetivos que incidem claramente no resultado a atingir:

Exemplo:

Certificar com o DCB, durante os 3 anos de projeto, X participantes;

Neste objetivo e mais do que envolver em atividades TIC, pretende-se certificar os participantes no pro-jeto.

Sendo ambos tecnicamente aceitáveis, os objetivos de resultado são claramente valorizados pelo Pro-grama Escolhas, pois referem-se especificamente aos efeitos a atingir com a intervenção.

Os objetivos específicos podem também ser diferenciados pela sua necessidade ou não de compara-ção com valores iniciais. Objetivos que começam com expressões como “promover”, “desenvolver” ou “envolver”, apenas necessitam de um tempo de avaliação final, que se limita a contabilizar as frequências desde um ponto inicial. Por outro lado, objetivos com expressões como “diminuir”, “reduzir” ou “aumen-tar”, exigem que haja um ponto de partida perfeitamente identificável e já medido. Só desta forma, seis meses depois, no caso do Escolhas, é possível saber se houve evolução em determinado sentido, se au-mentámos ou diminuímos, se criámos a mudança. Para objetivos deste tipo, é crucial que no arranque do projeto o valor inicial esteja claramente identificado.

É igualmente importante dar muita atenção à utilização de alguns conceitos mais ambíguos. A sua uti-lização no descritivo do objetivo específico deve ser acompanhada por indicadores claros que o tornem quantificável e absolutamente realizável.

Exemplo:

Promover a participação ativa em atividades ludico-pedagógicas, durante os 3 anos do projeto, de 50 participantes do projeto.

15) http://pt.wikipedia.org/wiki/Planejamento_estrat%C3%A9gico#Objetivos_SMART

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É muito importante que o indicador neste caso nos forneça a informação relativa ao que se entende por “participação ativa”. Um exemplo poderia ser: nº de indivíduos com mais de X participações no período do relatório. Esta quantificação mais não é do que o critério para o que se considera participação ativa. Além de expresso no indicador, deve ser claramente explanado na fundamentação do objetivo. Por outro lado e ao mesmo tempo, com a inclusão da palavra “ativa”, estamos a conferir alguma qualidade a um objetivo que de outra forma seria claramente de “processo”. Outros exemplos podem ser os conceitos de promoção da “participação regular”, da “corresponsabilização dos familiares” ou de um “consistente acompanhamento psicossocial”. Esta relação estreita entre objetivo e indicador deve manter-se para to-dos os objetivos específicos.

Também a utilização dos verbos ditos operacionais deve ser realizada com muito cuidado.

Exemplo:

Acompanhar a progressão escolar durante os 3 anos de projeto de 30 participantes dos 12 aos 14 anos.

Não sendo possível utilizar outra formulação, mais orientada para os resultados e não para o processo, é fundamental que se entenda o que se quer dizer por “acompanhar”. Mais uma vez, deverá ser o indicador a definir o que se entende por “acompanhar”. Como exemplo, poder-se-ia utilizar um indicador deste tipo: nº de participantes com sessões de acompanhamento escolar superior a semanal. Desta forma, conse-gue-se definir indubitavelmente um nível de acompanhamento com alguma qualidade.

Outro eventual problema na formulação de objetivos específicos prende-se com a utilização de uma dupla ação para uma mesma ideia e um único resultado. O problema está no facto destas nem sempre seguirem o mesmo sentido, e dado que também não são devidamente explicadas pelos indicadores, aca-bam por originar algumas dúvidas na análise. Também aqui é fundamental simplificar. Devem evitar-se exemplos como estes, a menos que sejam bem concretizados por indicadores:

• Apoiar e sensibilizar…

• Orientar e encaminhar…

• Sensibilizar, motivar e encaminhar…

• Sinalizar, encaminhar e integrar…

Noutro sentido e como já foi referido anteriormente, aconselhamos que a cada objetivo corresponda apenas uma ideia, um resultado. Em todo o caso, há situações em que tal pode não acontecer. É possível e às vezes é até enriquecedor, formular objetivos com duas, três ou mais ideias; cada uma delas com o seu resultado explícito. Nisto, importante é ter consciência que o PE, independentemente dos resultados que se formulem num objetivo específico, solicitará sempre uma referência àquele que será o resultado principal. Todos os outros resultados terão os seus indicadores, os seus instrumentos, mas serão sempre resultados secundários, ainda que devam ser igualmente aprofundados na fundamentação do objetivo. Junto segue um exemplo mais complexo de um objetivo com três ideias e três resultados esperados.

Exemplo:

Envolver em atividades de empregabilidade, 40 jovens dos 16 aos 24 anos, dos quais se prevê inscrever 20 no Centro de Emprego e destes integrar 10 no mercado de trabalho.

Obrigatoriamente, o projeto terá de escolher aquele que será o seu principal resultado, que dada a sua importância, como objetivo de resultado, deverá ser o correspondente à integração no mercado de tra-balho. Nunca é de mais lembrar que o programa Escolhas privilegia objetivos específicos de resultado em detrimento de objetivos específicos de processo.

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Obrigatório neste caso é a formulação de três indicadores:

• Nº de indivíduos participantes em atividades de empregabilidade;

• Nº de indivíduos inscritos no Centro de Emprego;

• Nº de indivíduos integrados no mercado de trabalho.

Finalizando este ponto, os objetivos específicos devem ter uma formulação simples e clara, devendo ser perfeitamente evidente o que se pretende atingir, criando aqui uma relação direta entre objetivos espe-cíficos, resultados esperados e indicadores. A definição de objetivos específicos como o de ‘promover o desenvolvimento de competências pessoais e sociais…” é disto um bom exemplo. Sendo um objetivo es-truturante muito importante em qualquer projeto, é-lhe igualmente exigido uma maior clareza em termos de indicadores:

a) Que competências serão desenvolvidas?

b) Que critérios serão utilizados para que se assuma como consumado o desenvolvimento de competên-cias?

Resultados Esperados

O plano de avaliação de um projeto Escolhas estrutura-se em torno de resultados esperados, quantitati-vos e facilmente mensuráveis. É através destes que os objetivos específicos se expressam. O consórcio do projeto deve definir os resultados que o projeto espera alcançar de uma forma totalmente articulada com os objetivos específicos. Nesta parte, referimo-nos diretamente ao ‘quanto’ de um objetivo especí-fico. Ainda que um objetivo específico possa fazer referência a mais do que um resultado, como já vimos, é obrigatório que o projeto possa determinar qual o resultado essencial para a concretização daquele objetivo específico em particular.

Exemplo:

Integrar em formação profissional, durante os 3 anos do projeto, 20 jovens dos 16 aos 24 anos.

É perfeitamente claro neste objetivo que o resultado final esperado para os 3 anos é a integração em formação profissional de 20 jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 24 anos.

Para além do resultado final de projeto, a constar igualmente no articulado do objetivo específico, de-verão ser igualmente indicados em candidatura os resultados intercalares para o final de cada um dos restantes anos de intervenção. Para além destas, o Escolhas ainda exige a realização de uma avaliação intermédia, realizada geralmente a meio de cada ano civil. Realizada a cada seis meses, estas avaliações pretendem ser momentos de análise e reflexão sobre o desenvolvimento do projeto em referência.

Agora, sobre a importância de referir o “quando” no articulado do objetivo. Ainda no sentido do que foi anteriormente referido, os resultados propostos podem ser exclusivamente anuais ou obtidos por acu-mulado. Na sua esmagadora maioria, os resultados são apresentados por acumulado, isto é e voltando ao exemplo anterior, 20 seriam as integrações totais, a obter no final dos três anos, por acumulado. No que toca aos resultados intercalares, poderiam ser propostas sete integrações para o final do primeiro ano e 14 para o final do segundo – quereria dizer que neste segundo ano se integrariam mais sete a juntar aos sete do primeiro. No último ano, o projeto propôs integrar apenas seis indivíduos (20-14).

Noutras situações, genericamente pela especificidade do objetivo, pode fazer sentido fazer esta avalia-

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ção de uma forma anual, independente e sem cúmulo. Nesses casos, isso deve ficar bem claro no articu-lado do objetivo.

Exemplo:

Promover a diminuição anual do insucesso escolar em 80% dos participantes em atividades de apoio escolar, entre os 6 e os 12 anos, retidos no ano letivo anterior.

Desta forma e seguindo o modelo de projetos para três anos, perceber-se-á claramente que os resultados intercalares para o primeiro e segundo anos, dirão igualmente respeito a dados anuais e não acumulados.

Os resultados esperados podem ser apresentados de duas formas: a) em percentagem; b) em número inteiro. Ambos são aceitáveis, devendo apenas tomar-se redobrada atenção às soluções que utilizem per-centagem. Utilizando-se a percentagem, e só se deve utilizar se não se conhecer à partida o público-alvo a atingir, deve ter-se igualmente em mente um critério mínimo de qualidade para que em caso do universo ser diminuto, não se invalide a avaliação do objetivo proposto.

Exemplo:

Promover anualmente o sucesso escolar no 1º ciclo, de 50% das participantes de etnia cigana do projeto.

Presumindo que o projeto apenas conseguiu envolver durante o ano em causa 2 indivíduos do sexo femi-nino, o objetivo será plenamente atingido se promoverem o sucesso escolar em apenas um indivíduo - 50% de 2 é realmente 1. Como se perceberá, realisticamente este é um resultado que fica bastante aquém do esperado. Para estas situações, é importante que o projeto estabeleça ao mesmo tempo um critério mínimo.

Exemplo:

Promover anualmente o sucesso escolar no 1º ciclo, de 50% das participantes de etnia cigana do projeto (em número nunca inferior a 8).

Em boa verdade, este é um caso que se coloca em ambos os extremos. Isto é, coloca-se também para o limite superior e aqui, defende os projetos de um excesso de envolvimento não previsto inicialmente. O projeto pode entender e utilizando ainda o objetivo anterior, que não tem condições humanas e de tempo para promover o sucesso escolar em mais de X indivíduos. No exemplo anterior apresentámos um exem-plo em que o universo seria igual a 2 mas imaginemos que devido ao sucesso do projeto, o universo se transformou em 200. Estando o resultado definido em percentagem e não havendo referência a qualquer limite no articulado do objetivo, o projeto teria efetivamente de trabalhar e contar com os 200 indivíduos como público-alvo para este objetivo. Eis então como o mesmo objetivo poderia ser definido:

Exemplo:

Promover anualmente o sucesso escolar no 1º ciclo, de 50% das participantes de etnia cigana do projeto (em número nunca inferior a 8 ou superior a 25).

Sempre que se conheça a população e particularmente o público a atingir, deve optar-se pelo valor in-teiro. De outra forma, para além de se criar outro nível de análise, pois há sempre que converter o número inteiro em percentagem, esta avaliação pode tornar-se inconsequente. Veja-se este objetivo, de certa forma absurdo mas comum a alguns projetos:

Exemplo:

Envolver em atividades de apoio escolar 50% dos 100 participantes no projeto.

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Como parece claro, este objetivo deveria ser formulado de outra forma:

Exemplo:

Envolver em atividades de apoio escolar 50 dos participantes no projeto.

A avaliação dos objetivos e particularmente dos resultados esperados, não fica completa sem antes se identificarem os indicadores e os instrumentos de avaliação que os permitem avaliar.

Indicadores de avaliação

Um indicador é uma medida precisa, clara e quantificável, baseada na informação a recolher ao longo do tempo que dura o projeto de intervenção e que descreve de uma forma tendencialmente quantificada, o grau de sucesso no cumprimento de um objetivo. Tal como os objetivos também os indicadores po-dem ser de diversos tipos. No Programa Escolhas damos particular atenção aos indicadores de processo (medidas que traduzem a forma utilizada para atingir algo) e aos indicadores de resultado (medidas que descrevem claramente as mudanças no público-alvo). De uma forma ou de outra, um indicador remete sempre para a noção de quantidade. Ex: Nº de jovens…; Nº de encaminhamento; etc.

Na maior parte das situações e tal como já foi referido, um objetivo com apenas um resultado não neces-sitará de mais indicadores se não daquele que o permite materializar quantitativamente. É importante não esquecer que os indicadores devem servir para avaliar exatamente o que é proposto no objetivo específico e não outra coisa qualquer.

Exemplo de objetivo:

Envolver ao longo dos 3 anos do projeto, 20 jovens dos 14 aos 20 anos em atividades de expressão corporal.

Exemplo indicador:

Nº de jovens dos 14 aos 20 anos envolvidos em atividades de expressão corporal.

Tal como visto anteriormente, os projetos devem sempre que possível caminhar para uma maior qualifi-cação do seu trabalho. Não sendo possível a definição de objetivos e indicadores de resultado, é quase sempre possível qualificar um objetivo de processo. Muitos dos verbos operacionais utilizados nestes objetivos acabam por não determinar um critério mínimo, sempre possível de aplicar. Verbos como “en-volver” e “promover a participação”, entre muitos outros, podem ser qualificados, identificando-se um critério mínimo no seu indicador.

Exemplo:

Nº de jovens dos 14 aos 20 anos envolvidos em atividades de expressão corporal – mínimo de X presen-ças.

Desta forma, em vez de se contabilizarem todos os participantes, muitas vezes com pouquíssimas par-ticipações, o que torna até bastante débil a avaliação, toma-se antes em linha de conta a regularidade da participação. Há um número mínimo a partir do qual se subentende que a participação adquiriu um nível de qualidade aceitável. Estamos pois assim a conferir alguma qualidade a um objetivo de processo. O indicador deve servir sempre que possível para clarificar o critério utilizado.

Em exemplo anterior, referimos que um objetivo específico pode conter mais do que um resultado e por isso mesmo, mais do que um indicador – vimos um exemplo com três resultados. O importante nestes ca-sos é que os indicadores respondam claramente aos objetivos e apenas a isso. Em todo o caso, situações há, em que tal não acontece, e um dos mais observados está relacionado com a inclusão de um indicador relativo ao grau de satisfação. Se é importante avaliar o grau de satisfação, então que apareça expresso

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no articulado do objetivo. Voltando ao mesmo exemplo:

Exemplo Objetivo:

Envolver ao longo dos 3 anos do projeto, 20 jovens dos 14 aos 20 anos em atividades de expressão corporal, demonstrando estes uma elevada satisfação.

Exemplo indicador:

Nº de jovens dos 14 aos 20 anos envolvidos em atividades de expressão corporal – mínimo X presenças;

Nº de jovens com um nível de satisfação elevado.

Com objetivos simples ou mais complexos, igualmente importante é efetuar na fundamentação do ob-jetivo uma análise globalizante. Uma análise que olhe de uma forma estruturada para o objetivo, para o resultado, para os seus indicadores e seus critérios e para as atividades que lhe dão corpo. Na fundamen-tação, não é apenas o resultado principal que importa mas sim a forma com este se integra no todo no plano de avaliação que lhe é inerente.

Instrumentos de Avaliação

De uma forma muito simples, instrumentos de avaliação são as fontes de informação e de recolha de da-dos que permitem a avaliação dos objetivos do projeto. São os instrumentos que permitem efetivamente dar uma expressão matemática ao indicador. Também aqui deve ser realizado um esforço de simplifi-cação. Ter mais instrumentos não significa claramente ter mais qualidade na avaliação, particularmente quando alguns nem são necessários para os indicadores que se definiram ou nem se conseguem sequer aplicar. Assim, é importante que estes estejam claramente orientados para os objetivos definidos e par-ticularmente para os indicadores/resultados a obter.

Alguns exemplos de instrumentos de avaliação:

• Registo de presenças;

• Registos audiovisuais;

• Questionário de satisfação;

• Grelha de observação (genérica; de competências; etc.);

• Testes de avaliação de competências;

• Testes psicológicos;

• Testes de avaliação de conhecimentos (TIC, inglês, etc.)

• Pautas de avaliação escolar;

• Registo de atendimentos;

• Processos individuais;

• Etc.

Em algumas situações, dependendo do objetivo, será necessário o projeto criar de raiz os seus próprios instrumentos de avaliação. Sendo sempre preferível a utilização de um instrumento já testado e validade cientificamente, tal não será sempre possível. Não sendo possível nem geralmente exigido, deve o projeto criar o seu próprio instrumento, testá-lo e validá-lo de alguma forma. Importante é fazê-lo desde logo, aquando do arranque da intervenção.

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A AGIL

AGIL é a abreviatura para Aplicação para a Gestão da Informação Local. Esta é a ferramenta de suporte de boa parte do processo de acompanhamento e avaliação, quer ao nível central, quer localmente, no âm-bito da intervenção local propriamente dita. O seu uso e regular atualização são obrigatórios para todos os projetos financiados pelo Programa Escolhas.

Composta por um extenso lote de recursos, esta ferramenta serve essencialmente para registo, listagem de informação e relatório de dados. É nesta aplicação que localmente todos os projetos devem registar a sua intervenção. Este registo deve ser efetuado sessão a sessão, dentro de cada uma das atividades que compõem o plano de ação. Por sessão deve entender-se o período de tempo seguido em que ocorre num dia determinada atividade. Localmente, os projetos devem criar as suas sessões registando nominalmente os participantes em cada uma delas, estes previamente introduzidos na plataforma.

De uma forma muito genérica, é possível criar várias listagens assim como criar um conjunto de relatórios de participação. Para além de um bloco de outputs estatísticos, disponíveis em ambos os lados, é tam-bém nesta plataforma que os projetos e equipa central de avaliação, através de ferramenta específica para esse efeito, realizam as suas avaliações semestrais. Com esta plataforma é possível criar em tempo real relatórios de participação, quer a um nível local, quer a um nível central, neste último agregando os resultados de vários ou de todos os projetos. Nestes relatórios pode integrar-se informação relativa a en-caminhamentos (escola; formação profissional; emprego), certificações TIC e dados escolares (sucesso e insucesso escolar). Esta informação pode ainda ser organizada por 4 tipos de variáveis diferentes: tipo de público (criança e jovens; familiares; outros); sexo; idade e escolaridade completa.

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6. PREVENÇÃO DO RISCO DE EXCLUSÃO

6.1 Texto de enquadramento

A prevenção do risco de exclusão social está no centro dos ideais, conceções, objetivos, atitudes, mo-delos organizativos e metodologias que orientam os projetos e ações que vêm consubstanciando o Pro-grama Escolhas através das suas sucessivas gerações.

Essa centralidade constitui desde logo um relevante contributo ético, cívico, político e jurídico, na medida em que exprime, de forma muito clara e significativa, a preocupação pelo cumprimento do dever, acres-cido numa sociedade democrática, de uma efetiva ação comunitária, envolvendo a responsabilidade e a cooperação solidária do Estado e da Sociedade Civil, entre si e com os indivíduos e famílias, para a con-cretização de direitos humanos reconhecidos como fundamentais já mesmo ao nível jurídico, conforme é essencial à igualdade de oportunidades e à justiça e equidade social, pilares imprescindíveis do progresso e desenvolvimento de qualidade nos seus vários níveis e domínios.

O Programa Escolhas concretiza essa preocupação de forma exemplar, a vários títulos, de que se salien-tam:

• O acerto da escolha conceptual das quatro áreas problemáticas, a partir das quais o Programa se estrutura (educação/formação, capacitação/cidadania, emprego e empregabilidade, dinâmi-cas comunitárias), índice claro de uma perspetiva holística, dirigida a fomentar nos beneficiários a busca de uma autonomia fundada num espírito de cidadania envolvendo aspetos essenciais da vida e a comprometer a comunidade no auxílio efetivo a essa conquista;

• O incentivo à comunidade local, através das suas instituições e organizações, como um espaço social ativo definido como rede social, com parcerias adequadas, capaz de promover novos re-cursos e motivar a criatividade;

• O trabalho intensivo e de grande proximidade com as crianças, jovens e suas famílias, com o claro objetivo de promover que sejam atores do seu próprio destino positivo e tanto quanto possível feliz;

• A procura do suporte científico e empírico da intervenção;

• A ênfase sempre colocada na formação inicial e contínua e na supervisão;

• A constante preocupação com a avaliação interna e externa do Programa, manifestação de uma maturidade e de uma cultura hoje essenciais.

ARMANDO LEANDRO

Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Jubilado, Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco

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Bastará atentar em tudo isso e nos indicadores de execução no ano de 2011, nomeadamente no que respeita aos grupos etários de crianças e jovens envolvidos nas ações do Programa (num total de 56987), quando cotejados com os ecos sólidos da qualidade das intervenções, corroborados pelas avaliações, para concluir que o Programa Escolhas representa um salto qualitativo muitíssimo relevante, inovador e paradigmático, nos novos caminhos para que se previna e reduza a exclusão social, desígnio fundamental para uma sociedade digna.

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SALETE LEMOS

Técnica da equipa da Zona Norte e Centro do Programa Escolhas

6.2 Artigo temático

O MODELO DE INTERVENÇÃO DO PROGRAMA ESCOLHAS

O modelo de intervenção do Programa Escolhas assenta em cinco medidas, que se desmembram em ações e consequentemente em atividades, as quais se apresentam como um meio para atingir um fim e dessa forma contribuir para a mudança efetiva de trajetórias de vida das crianças e jovens que participam nos projetos.

A medida I, que visa contribuir para a inclusão escolar e para a educação não formal, admite ações rela-cionadas com o encaminhamento e reintegração escolar de crianças e jovens que tenham abandonado a escola precocemente; a criação e implementação de respostas educativas específicas para crianças e jo-vens que tenham abandonado a escola sem a conclusão da escolaridade básica; atividades de prevenção do abandono escolar e de promoção do sucesso escolar, através do desenvolvimento de competências pessoais, escolares e sociais por via da educação formal e não formal; e a corresponsabilização das famí-lias no processo de supervisão parental visando o sucesso escolar e a transição para a vida ativa.

No âmbito desta medida, existem inúmeros exemplos de projetos onde é possível aferir a mudança de trajetórias de vida de jovens, em que através do estabelecimento de estreitas parcerias com as diversas escolas a nível nacional e ou com o PIEC – Programa para a Inclusão e Cidadania, entre outros parceiros, tem sido possível criar respostas educativas alternativas e dessa forma aumentar o cumprimento da es-colaridade obrigatória de muitas crianças e jovens, proporcionando a certificação escolar e profissional de jovens que estavam em situação de risco ou de efetiva exclusão social.

Um dos exemplos é o caso do projeto Animar para Capacitar, com intervenção nas freguesias de Jovim e S. Pedro da Cova, no concelho de Gondomar, o qual tem uma articulação muito próxima com uma das equipas do PIEC.

Também no projeto Encontros, de Moura, pelo testemunho de uma jovem de etnia cigana é possível verificar os impactos, pois esta refere que desde que “ (…) abriram a escola PIEF no Sobral da Adiça tenho feito um esforço por ir todos os dias e estar lá com atenção. Estou a aprender a ler melhor e um dia gostava de ser professora de dança. Antes pensava que já não tinha futuro, casava e já não aprendia mais, pois sei que se não fossem as técnicas do projeto, parávamos de estudar logo no 4º ano”.

Para além da criação e implementação de respostas educativas especificas, muito do trabalho dos proje-tos também passa pela promoção do sucesso escolar.

O projeto Raiz, com intervenção no Bairro de Ramalde no concelho do Porto, cujos impactos são visíveis pelo discurso de uma jovem, segundo a qual “ (…) O projeto Raiz descobriu as minhas fortes potenciali-dades para atingir um nível escolar muito elevado e fez com que eu tivesse a hipótese de ir estudar para um dos melhores colégios da cidade do Porto. Acreditaram nas minhas capacidades e recebi uma bolsa

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de estudo (...) fui escolhida por mérito escolar, sendo essa a minha principal vitória pessoal”16.

Pela motivação para a escola, visível pelo testemunho de uma jovem do projeto Eu Amo SAC, de Loures, em que para esta, o projeto conseguiu mostrar-lhe que “ (…) com esforço, podemos alcançar muitas coi-sas que achámos não ser capazes e mudei então a minha atitude (…). A nível escolar, o projeto motivou-me para o sucesso escolar. Chumbei várias vezes e tinha negativas a quase todas as disciplinas, este ano, no primeiro período tive positiva a tudo”17.

O apoio escolar também é uma das áreas de maior aposta por parte dos projetos Escolhas no sentido de proporcionar às crianças e jovens momentos e ou espaços propícios ao estudo, onde as equipas técnicas promovem um apoio individualizado que pode passar desde o simples esclarecimento de dúvidas ao incutir formas e métodos de estudo, passando, igualmente, pelo acesso à Escola Virtual18 no âmbito dos espaços CID@NET, onde trabalham os conteúdos escolares de forma lúdica e apelativa. Considera-se que esta intervenção tem sido uma aposta ganha atendendo aos resultados obtidos ao nível do sucesso escolar e às mudanças de percursos de vida que se têm verificado nas crianças e jovens que vão passando pelo Programa Escolhas. Uma prova dessas mudanças são os relatos de três jovens pertencentes a três projetos localizados em diferentes zonas do país.

Um jovem do projeto O Espaço, Desafios e Oportunidades, com intervenção em Algueirão – Mem Mar-tins, em Sintra, refere que aprendeu muitas coisas “ (…) tais como: utilizar o PC porque não sabia; a estu-dar e preparar-me para os testes; ajudar-me a comportar-me melhor dentro e fora da sala de aula. Antes estava em risco de chumbar. Com o projeto melhorei bastante.”19.

Outro exemplo vem do projeto Multisendas, que intervém junto da comunidade de etnia cigana de Ervi-deiros em Aveiro, onde um jovem menciona que “ (…) neste momento, transitei para uma turma normal, tendo sido concluída a não necessidade de um plano curricular alternativo. Quando tenho dificuldades nalguma matéria, procuro apoio no espaço do Multisendas e, em conjunto com a equipa, esclareço dúvi-das e ultrapasso problemas (...) aqui tenho um estudo mais acompanhado e aproveito e faço os trabal-hos escolares”20.

Por último, e em relação à Escola Virtual, será de considerar o testemunho de um jovem do projeto Intercool – Inclusão e Cooperação pelo Desenvolvimento Social, de Serpa, segundo o qual o projeto ajudou-o “ (…) a descobrir que a escola pode ser mais fácil do que parece. Tenho conseguido melhorar as minhas notas através da Escola Virtual e até já consegui um Satisfaz Bastante (…) Já tive formação em informática e já me sinto capaz de trabalhar sozinho no computador”21.

Quando se trata de trabalhar a inclusão escolar das crianças e jovens, a família também tem um papel primordial no âmbito da intervenção dos projetos, no sentido que devem ser corresponsabilizadas no processo de supervisão parental dos seus filhos.

A este nível será importante perceber os impactos que os projetos também têm nos pais ou encarrega-dos de educação dos participantes, os quais são evidentes pelo testemunho de duas mães, que referem que “ (…) as atividades e o convívio com os outros jovens, ajudou-o a melhorar e hoje tenho um filho mais ativo, participativo e empenhado na escola. A minha postura também mudou, aprendi a ouvi-lo e a estar mais atenta ao seu dia a dia”22 (Projeto Tasse, Moita). “ (…) Este projeto ajudou-nos a nós, como pais, a ter mais consciência de como educar os nossos filhos, proporcionando-lhes melhor ambiente familiar e, por conseguinte, um contexto mais propício ao estudo e à melhoria das notas”23 (Projeto Ramal(de) Intervenção, Porto).

16) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.36.17) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.23.18) A Escola Virtual resulta de um protocolo estabelecido entre o Programa Escolhas e a Porto Editora, no qual são disponibilizadosacessos gratuitos às crianças e jovens dos projetos a uma plataforma online que trabalha os conteúdos escolares dos diversos ciclosde uma forma lúdica e apelativa. Este recurso é disponibilizado no âmbito das atividades da medida IV, espaços de informática doPrograma Escolhas – CID@Net, estando em estreita articulação com as atividades de apoio escolar dinamizadas no âmbito daMedida I.19) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.91.20) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.114.21) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.18.22) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.161.23) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.143.

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A medida II visa contribuir para a formação profissional e empregabilidade e inclui ações como o en-caminhamento e integração de jovens para respostas de qualificação ao nível da formação profissional e do mercado de emprego; criação e implementação de respostas de qualificação ao nível da formação profissional e da empregabilidade de jovens; promoção da responsabilidade social de empresas e/ou outras entidades, através de estágios e da promoção de emprego para jovens e o apoio à criação de iniciativas que gerem emprego para jovens, através de emprego apoiado, iniciativas locais de emprego, microempresas ou outras.

Pela conjuntura económica atual, esta tem sido uma medida cuja implementação tem sofrido bastantes constrangimentos e obstáculos, nomeadamente ao nível financeiro, dado que a criação de cursos de for-mação profissional e as ofertas de emprego tendem a escassear, diminuindo assim à partida as oportuni-dades de mudança dos percursos de vida dos jovens, no entanto, e não obstante este cenário de crise que atravessa o país, ainda é possível verificar no âmbito do Escolhas casos de sucesso que são protago-nizados pela “voz” dos jovens.

“ (…) Terminei o curso de cozinha, com 20 valores e já tenho emprego… tudo isto foi possível com o apoio dos técnicos, pois foram eles que me encaminharam para um curso profissional de cozinha, ajudaram-me a procurar emprego (…)”24(Projeto Animar para Capacitar, Gondomar). “

“ (…) Descobri que vale a pena estudar e desenvolvi capacidades de formação/organização de equipas. Não ter seguido o caminho das ruas foi uma grande conquista… atualmente, tenho um emprego mas, continuo a participar no Escolhas (…)”25(Projeto Centro Lúdico Pedagógico das Manteigadas, Setúbal).

“ (…) Quando reprovei novamente no 7º ano decidi não voltar à escola (…) estive um ano e meio sem estudar (…) muitas horas na sala, fartava-me de lá estar e depois nos testes tinha sempre um fraco ou um não satisfaz” depois “(…) tive conhecimento da existência de um curso “Tratador e Desbastador de Equinos” a ter lugar na ETRAPONI, em Nisa. Ingressei no curso e descobri que é mesmo isso que quero fazer. Ganhei um rumo”26 (Projeto Envolver, Nisa).

De forma a facilitar a implementação desta medida, nomeadamente ao nível da integração de jovens em estágios ou mesmo emprego, e numa lógica de responsabilidade social, alguns projetos adotaram como estratégia a inclusão de algumas empresas nos seus consórcios, tal como foi já evidenciado em artigos anteriores.

Simultaneamente, e apesar de não fazerem parte formalmente dos consórcios, também existem alguns exemplos de parcerias informais com empresas que têm tido resultados bastante positivos, designada-mente ao nível da disponibilização de estágios profissionais a jovens oriundos dos CEFs - cursos de edu-cação e formação - e dos PIEFs – planos integrados de educação e formação, que lhes têm permitido ganhar alguma experiência profissional em contexto real de trabalho.

A medida III, tem como objetivo contribuir para a dinamização comunitária e cidadania e admite ações como atividades ludico-pedagógicas, desportivas e promotoras de vida saudáveis, de cariz artístico e cultural, atividades que promovam a descoberta, de forma lúdica, da língua, valores, tradições, cultura e história de Portugal e dos países de origem das comunidades de imigrantes, visitas e contactos com organizações da comunidade, atividades que promovam informação, aconselhamento e apoio à comuni-dade, bem como atividades de mobilização da comunidade para o processo de desenvolvimento pessoal, social, escolar e profissional das crianças e jovens dos projetos.

Neste domínio, é possível verificar a existência em todos os projetos de um espaço de referência onde os jovens podem usufruir de uma série de atividades adequadas às suas necessidades e preferências, com horários adaptados, que os ajudam a desenvolver as competências pessoais e sociais necessárias que es-tarão implícitas nas escolhas de vida mais acertadas, tendo sempre como base um modelo de referência positiva, onde não falta quem os ouça, apoie, motive e aconselhe a ultrapassar os seus problemas e dificul-dades e a delinear os seus projetos de vida, dos quais são exemplos os testemunhos dos seguintes jovens.

24) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.26.25) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.64.26) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.131.

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“No meu bairro, muita coisa mudou ao longo dos quatro anos de atuação deste projeto. Os jovens an-davam sempre na rua, sem nada para fazer. Agora têm um espaço para conviver e serem apoiados para que, dessa forma, escolham melhores caminhos, acabem os estudos, encontrem emprego”27 (Projeto +XL, Almada).

“ A mudança é visível. O Escolhas trouxe muitas atividades para o nosso bairro - desde ATL, colónias, CID@Net - estruturou uma associação de jovens, criou ateliers de expressão plástica e dramática, dan-ça, futebol, música, teatro, entre outras (…) Todas elas para a nossa comunidade. Nós também contribuí-mos para a valorização do espaço, através do melhoramento do seu aspeto exterior e interior (...) todos colaborámos nas limpezas e na pintura, o que veio a revelar o valor da união”28 (Projeto Inclusão pela Arte (II), Beja).

A medida IV, que assume um caráter transversal em relação às outras medidas, visa apoiar a inclusão digital e traduz-se por ações relacionadas com atividades ocupacionais de orientação livre, atividades ori-entadas para o desenvolvimento de competências, cursos de iniciação e de formação certificada em tec-nologias da informação e comunicação e atividades de promoção do sucesso escolar e empregabilidade.

Para concretização desta medida são garantidas pelo Programa Escolhas as condições necessárias para a sua implementação, estando previsto em candidatura a aquisição de equipamentos informáticos e de mobiliário e a disponibilização de um formador especializado na área, cujos conhecimentos têm que ser previamente reconhecidos e validados pelo próprio Programa.

No âmbito desta medida, o Programa Escolhas tem uma série de protocolos com diversas entidades, tornando-se possível disponibilizar gratuitamente a todos os projetos uma panóplia de recursos, de forma a rentabilizar ao máximo o trabalho com os seus participantes e a promover o acesso ao conhecimento e informação. Tal é o caso da Escola Virtual (plataforma de educação on-line da Porto Editora), do Diploma de Competências Básicas (da Fundação para a Ciência e Tecnologia), dos cursos de Literacia Digital (da Microsoft) e os cursos CISCO Networking Academy (da CISCO Systems, Inc).

Segundo os jovens, o espaço CID@Net é importante, pois permite-lhes adquirir conhecimentos e obter certificações em informática, os quais têm contribuído para o seu percurso de vida.

Vejamos o caso de um jovem do projeto Gerações com Futuros, de Coimbra, o qual refere que a equipa técnica o motivou para a escola e a tirar um “(…) curso de informática no CID@Net (…)”, paralelamente ganhou hábitos de trabalho através do programa pré-profissional dinamizado pelo projeto e conse-guiu um emprego na Câmara Municipal de Coimbra, garantindo que “ (…) sinto-me útil e gosto dessa sensação”29.

Esta medida também tem contribuído para que os jovens descubram as suas potencialidades e os seus gostos, despertando-os para áreas relacionadas com a informática e a multimédia, que lhes tem aberto portas, sendo a formação certificada uma das mais-valias desta medida.

É exemplo disso o testemunho de um jovem do projeto Eu Amo SAC, de Loures: “Quando vim para o projeto tinha 19 anos e frequentava um curso de desporto. Mas tudo mudou quando comecei a apren-der técnicas de edição de vídeo e imagem. Acompanhado pelo monitor do CID@Net, acabei por fazer alguns trabalhos e isso abriu-me algumas portas: (...) frequentei o workshop BI, realizado pela Câmara Municipal de Loures, no qual apresentei uma curta-metragem que (...) foi considerada a melhor. Foi até exibida na RTP 2. O “Amo SAC” ajudou-me a descobrir o talento que tinha para as artes audiovisuais (...) abandonei o curso de desporto para fazer um curso de multimédia”30.

27) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.44.28) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.59.29) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp.14.30) In, 365 Histórias de Vida – 10 anos do Programa Escolhas, 2011, pp. 24.

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Relativamente aos cursos promovidos no âmbito da CISCO, e pese embora o seu elevado nível deexigência, começam-se a verificar situações de jovens que conseguiram emprego, pelo facto de terem participado neste tipo de curso, sendo considerado como uma mais-valia por parte de empresas ligadas ao ramo das novas tecnologias e de telecomunicações.

Atentemos como exemplo ao caso de dois jovens do projeto Incentivar de Mirandela, que conseguiram emprego na Portugal Telecom, pelo facto deste tipo de formação constar nos seus currículos.

Por último, a medida V que visa apoiar o empreendedorismo e a capacitação dos jovens, através de ações que vão desde a autonomização de projetos protagonizados pelos jovens, com vista à sua sustentabili-dade futura; à promoção de dinâmicas associativas juvenis formais e informais; às iniciativas de serviço à comunidade; visitas, estágios, parcerias com organizações que possibilitem o alargamento das experiên-cias e redes de contactos dos jovens; projetos planeados, implementados e avaliados pelos jovens, promovendo a sua participação e corresponsabilização por todas as etapas; atividades formativas que promovam o desenvolvimento de competências empreendedoras nos jovens; promoção da mobilidade juvenil e de intercâmbios dentro e fora do território nacional e campanhas de divulgação, marketing social e de sensibilização para desconstrução de estereótipos e preconceitos relativamente aos destinatários e territórios alvo de intervenção do Programa Escolhas.

A capacitação e a autonomia são também grandes apostas do Programa, procurando que os seus pú-blicos se envolvam e participem ativamente na dinâmica dos projetos, se apropriem progressivamente dessas dinâmicas e que as enriqueçam e lhes deem continuidade no futuro, garantindo desta forma a sus-tentabilidade do trabalho iniciado pelos projetos. Através desta medida pretende-se que os jovens desti-natários do Programa sejam os protagonistas das soluções para os problemas das suas comunidades, em que o Escolhas surge como um recurso que os ajuda e apoia na viabilização das suas ideias.

“Diz-me e eu esquecerei, ensina-me e eu lembrar-me-ei, envolve-me e eu aprenderei”31. Este antigo provérbio chinês traduz muito bem o que se pretende com esta medida, demonstrando a importância da aposta em intervenções que potenciem o maior envolvimento e participação dos públicos com os quais os projetos trabalham. Só se pode garantir que as mudanças alcançadas são um reflexo da vontade co-letiva, se conseguirmos envolver os indivíduos na definição e implementação dos objetivos de mudança, garantindo simultaneamente uma participação efetiva nesse processo.

A aposta na capacitação pretende valorizar as potencialidades dos jovens e das comunidades onde es-tão integrados, dotando-os de competências que lhes permitam ser mais proactivos na descoberta de oportunidades que no futuro contribuam para a sua autonomia. Existem vários exemplos a este nível, no que toca à criação de pequenos negócios e microempresas e à criação de grupos de jovens em diferentes áreas de formação, nomeadamente música, dança e teatro.

Que princípios subjazem ao trabalho com as crianças e jovens?

Para o Programa Escolhas, para se conseguirem mudanças efetivas e duradouras nas trajetórias de vida das crianças e jovens, tem que existir uma relação de proximidade que permita efetuar um trabalho sistemático e regular com essas mesmas crianças e jovens. Internamente falamos de um trabalho em 360 graus (sistémico e multidimensional), 365 dias por ano (sistemático e regular).

Parte-se do pressuposto que só se consegue provocar mudanças com impacto nos públicos jovens, se estes participarem diariamente ou de forma regular nos projetos, em atividades definidas e adaptadas às reais necessidades e expetativas de cada um, recorrendo à criatividade e inovação, procurando identifi-car as potencialidades e os recursos que permitem soluções inovadoras, garantindo a participação dos jovens em todas as etapas dos projetos promovendo simultaneamente processos de capacitação e de corresponsabilização.

Só uma relação de proximidade, que nalgumas situações poderá também assumir uma relação de media-ção, permite a um técnico perceber quais as causas dos comportamentos e atitudes dos jovens e assim

31) In, Escolhas – publicação periódica trimestral, nº 14, março, 2010.

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determinar qual será a melhor estratégia de intervenção com eles, podendo optar por uma estratégia de acompanhamento mais individual ou grupal ou ambas, de forma a que se consiga avaliar os resultados obtidos junto dos jovens e aferir mudanças nas suas trajetórias de vida.

Todos os comportamentos e atitudes dos indivíduos, e as crianças e os jovens não são exceção, estão sujeitos a múltiplos fatores internos e externos que condicionam e contribuem para as suas ações, sendo a sua abordagem bastante complexa. Neste sentido, o Programa Escolhas defende uma abordagem sis-témica quando se trata de questões relacionadas com a inclusão social de crianças e jovens. Esta aborda-gem consiste em trabalhar o individuo, não só no seu contexto individual, mas também no seu contexto familiar e no seu contexto social, comunitário e institucional.

Como seres sociais que as crianças e os jovens são, a intervenção dos projetos está para além da aborda-gem individual, tendo que trabalhar simultaneamente com a família, o grupo de pares, a escola ou outras instituições relevantes e a comunidade, porque para que haja uma mudança efetiva das trajetórias de vida destas crianças e jovens, a família e a comunidade também têm que ajudar, aceitar a diferença através do diálogo intercultural e contribuir para que essas mudanças possam ser uma realidade, procurando uma convivência positiva entre todas as culturas, criando pontes com outros indivíduos e comunidades.

O sucesso da metodologia de intervenção do Programa Escolhas traduz-se pela missão de levar a todas as crianças e jovens que vivem em contextos de maior exclusão social, ofertas diversificadas, construtivas, efetivas e afetivas, onde todos possam crescer, aprender, amadurecer, mas sobretudo possam… escolher.

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7. INTERCULTURALIDADE

7.1 Texto de enquadramento

Programa Escolhas – promoção do diálogo para a interculturalidade

A minha aproximação ao Programa Escolhas ocorre através do acompanhamento de estudantes estag-iários do mestrado em Ciências da Educação na área de especialização de Educação Intercultural do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Neste âmbito, tenho tido oportunidade de conhecer o trabalho que este programa nacional tem desenvolvido junto de inúmeras comunidades locais e da socie-dade portuguesa em geral. Trabalho orientado fundamentalmente para a formação das novas gerações e que, por isso, tem e continuará a ter um papel importantíssimo na construção de um país mais coeso, justo e solidário. O texto de Michelle Bitti (2009), que culminou o seu estágio, dá-nos uma visão auspiciosa disso mesmo, ao refletir na voz dos protagonistas de diferentes projetos locais, principalmente dos jovens e das crianças, as opções educativas e os resultados alcançados. Ao percorrê-lo tomamos consciência de como o Programa Escolhas, nas suas diversificadas expressões, se consubstancia em efetivas escolhas pessoais e coletivas, como por exemplo o associativismo juvenil, ou a participação em assembleias de turma ou associações de estudantes.

Escolher é acreditar, é projetarmo-nos no futuro mais ou menos próximo, com maior ou menor realismo, deixando mais ou menos livre a capacidade de sonhar. Como uma jovem do projeto Escola Mais dizia em 2009: “o projeto ajuda-nos a escolher os nossos sonhos, o que queremos ser quando formos grandes”.

Pensamento que condensa, a meu ver, a essência do Programa Escolhas, o seu sentido mais profundo, o de estimular em cada criança, em cada jovem, em cada comunidade e na sociedade portuguesa em geral, a capacidade de acreditar. Acreditar que todas as crianças e todos os jovens, que são o garante do fu-turo de um país, têm potencialidades que é preciso desenvolver, proporcionando meios e estímulos que(re)construam a esperança em si próprios. Como disse Paulo Freire “a esperança é a exigência ontológica do ser humano”, sem esperança o ser humano está à beira de deixar de o ser. Esperando o melhor de todos e de cada um, criamos condições para que cada ser humano possa acreditar em si próprio e que, assim, aumente a sua autoestima e o seu poder pessoal. Só quem está bem consigo próprio está pronto para conhecer e compreender o outro e para ser solidário. A coesão social é uma consequência da soli-dariedade e da justiça social. A igualdade de oportunidades educativas extensiva a todas as crianças e jovens, sem qualquer distinção, é a base da justiça social. O Programa Escolhas, através de múltiplos pro-jetos sustentados por consórcios entre instituições locais, tem contribuído não só para a identificação e maior consciencialização dos problemas das comunidades, como para a criação de respostas educativas e sociais que reforçam o sentido comum dessas mesmas comunidades.

ISABEL FREIRE

Doutorada em Ciências da Educação pela Universidade de Lisboa, professora associada no Instituto de Educação

da Universidade de Lisboa

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Percebe-se no trabalho desenvolvido nos projetos locais, e nos princípios orientadores que os inspiram, o valor atribuído à participação, ao empoderamento, à comunicação e que lhes é transversal a vontade de criar de oportunidades de (re)conhecimento do outro, de aprender a olhar o outro que, na sua dife-rença, ajuda a (re)construir a identidade de cada um. As expressões de jovens participantes nos projetos ilustram bem o culto de valores orientados para a construção de uma identidade comum sem renunciar à legítima diversidade: “eu aprendi a respeitar os outros e a não julgá-los pelas aparências”; “eu aprendo com elas e elas aprendem comigo … e é como se fosse uma cultura só … que é a global” (projeto Escola Mais, 2009).

É neste sentido que se criam condições promotoras de interação entre pessoas em comunidades com diversidade cultural muito significativa, como no Escola Mais, ou o PISCJA, ou se proporciona a mobili-dade dos jovens do Porto Seguro, por exemplo através da participação no “Mar das Nações”, a abertura a outras formas de vida, a outras linguagens, a outros valores.

Escolher responder aos desafios dos contactos culturais, requer coragem e integridade da parte dos edu-cadores e é isso que transparece em muitos dos coordenadores dos projetos do Escolhas. Não ter receio do conflito, pelo contrário encará-lo como uma oportunidade de desenvolvimento para todos, porque enfrentá-lo é criar oportunidades de diálogo que permitem crescer no conhecimento de si próprio e do outro. Por isso, no texto de Bitti, acima referido, vislumbramos nas práticas dos coordenadores dos pro-jetos do Escolhas uma atitude e uma ação mediadora, em que o diálogo é um instrumento de confronto de ideias, de aprendizagem da argumentação e de construção de novas interpretações, mais do que um instrumento de construção de consensos. Mesmo quando recorrem a práticas que não o são, observa-se um permanente esforço para enfrentar os múltiplos constrangimentos que a aprendizagem da convivên-cia coloca.

Mais do que a busca e a prática do diálogo intercultural, percebe-se particularmente nalguns projetos, a existência da prática continuada de uma educação intercultural, cujo foco é a aprendizagem da convivên-cia e do respeito pelo outro para a construção de verdadeiras comunidades. É surpreendente como os jovens dos projetos do Escolhas ao falarem dos contactos culturais colocam a pessoa humana sempre no cerne do seu discurso, como neste pedaço de discurso de um jovem do projeto Raiz: “o importante é olhar para os outros como eles são e não as circunstâncias em que estão”.

A educação intercultural não assenta no princípio da diferença, mas no da deferência para com o outro diferente, o que converte o ato educativo numa relação ética de responsabilidade de cada um para com o seu semelhante, numa dinâmica em que cada sujeito se converte num ser responsável inserido numa comunidade de semelhantes onde ninguém é, nem pode ser, indiferente. É esta filosofia que os jovens do projeto Raiz nos devolvem ao valorizarem os processos de entreajuda que se promovem entre membros do projeto de níveis etários e necessidades diferentes, onde se cria e fortalece uma relação ética de cui-dado. Nas palavras de alguns desses jovens:

“Antes me ajudavam e agora sou eu que ajudo os meninos … sinto-me melhor do que estava …. ajudar os outros é melhor do que estar a ser ajudado”;

“Acho que apesar de estarmos num plano diferente, o que é realçado é que …temos todos os mesmos sentimentos, partilhamos todos a mesma relação e … é isso acima de tudo que vamos aprender e que aprendemos uns com os outros é estabelecer uma relação de respeito …”

Outras vertentes do Programa Escolhas são dirigidas de uma forma mais alargada à sociedade portu-guesa em geral e às comunidades locais na sua diversidade, como é o caso dos projetos integrados no conceito de marketing social (Lopes, 2011).

Por exemplo, na iniciativa “Mostra-te na diferença” na qual o objetivo foi promover a valorização do projeto «Tu Kontas (mais ainda)» e a construção de uma representação territorial mais positiva da comunidade, ou no Entretodos em que o objetivo foi sensibilizar os jovens e a comunidade em geral para os fenómenos da pobreza e exclusão social, numa lógica de corresponsabilização coletiva e de forma a promover a coesão social. São apenas dois exemplos de projetos dinamizados com a participação de jovens de territórios

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com populações mais vulneráveis, visando atingir todos os grupos sociais e culturais. Nesta mesma lógica, baseada metodologicamente nas propostas do Marketing social, poderíamos ainda falar das ações junto de jornalistas no sentido de combater estereótipos, preconceitos e mitos, associados aos imigrantes e mi-norias étnicas na comunicação social e de estimular uma informação jornalística mais neutral e equitativa.

Também a aposta na formação e na ação de dinamizadores comunitários (Matos, 2011; Silva, 2011 e) constitui uma outra dimensão do Programa Escolhas, com o sentido da criação de figuras de mediação nas comunidades mais vulneráveis e com identidades étnico-culturais diversas da sociedade portuguesa, dentro de uma filosofia de emancipação dos membros dessas comunidades, não prescindindo do estabe-lecimento de pontes com a sociedade portuguesa em geral.

O Programa Escolhas assume, assim, uma diversidade de práticas e de dinâmicas, que certamente decor-rem quer das escolhas feitas pela coordenação do programa em articulação com o Alto Comissariado para o Diálogo Intercultural e dos seus princípios orientadores, quer das escolhas dos promotores dos projetos locais e da participação dos seus protagonistas, em interação com as circunstâncias e os contex-tos em que os diferentes projetos se desenvolvem e cujos processos e resultados decorrem destes e de outros fatores em interação com o fator tempo. Penso poder afirmar que se trata de um programa que, pela amplitude da sua ação a nível nacional, pela consistência dos seus princípios, pelo seu enraizamento local, mais do que promover o diálogo intercultural tem um papel decisivo no desenvolvimento das co-munidades, orientado no sentido ético da responsabilidade e do cuidado com o outro que a educação intercultural encerra.

A data da criação do Programa Escolhas coincide com a publicação da declaração de Opatija (2003) na qual se introduziu o conceito de «diversidade cultural», pondo em causa o conceito de «multicultura-lismo» que, como se afirma no Livro Branco do Diálogo Intercultural do Conselho da Europa, favoreceu a segregação das comunidades e a incompreensão mútua e, por vezes, enfraqueceu os direitos individuais nalgumas comunidades minoritárias. Estou segura que o Programa Escolhas teve um forte contributo para integração do conceito de interculturalidade na sociedade portuguesa, reconhecendo-se na sua própria história a integração progressiva desse conceito, o que onstitui um mérito, uma riqueza e um exemplo de uma organização que se reconstrói constantemente.

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7.2 Artigo temático

O DESAFIO DO DIÁLOGO INTERCULTURAL

O primeiro desafio é-nos colocado pelo próprio conceito. Apesar de muito falado, discutido e ampla-mente citado em textos e artigos diversos, para muitos, trata-se ainda de uma conceção, cuja operaciona-lização e aplicação prática se revela de extrema dificuldade.

Tornou-se comum a referência ao “diálogo intercultural” num grande número de ações, campanhas e pro-jetos, contudo, na maioria das vezes não se verifica uma correta apropriação do conceito. Pretendemos assim, abordar as questões em torno do diálogo intercultural, aprofundando os seus princípios e pres-supostos.

Serão apresentados a título de exemplo, algumas experiências e ações implementadas dentro do uni-verso do Programa Escolhas, com o objetivo de melhor ilustrar as potencialidades e os contributos do diálogo intercultural para a coesão social e promoção de uma cidadania ativa, assente no diálogo, na tolerância e no respeito.

Em Portugal, o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI, IP), tem na sua missão a responsabilidade de colaborar na criação, execução e avaliação das políticas públicas, em relação à integração dos imigrantes e das minorias étnicas, bem como promover o diálogo entre diferentes culturas, etnias e religiões.

A atuação do ACIDI, IP pauta-se pela adoção de um modelo inclusivo de gestão da diversidade cultural, no acolhimento e na integração de imigrantes, onde a interculturalidade se encontra presente de forma transversal e se afirma como um dos seus sete princípios-chave, a par da Igualdade, Diálogo, Cidadania, Hospitalidade, Proximidade e Iniciativa.

O diálogo e a tolerância pressupõem a aceitação do “outro”, propondo o acolhimento do outro e a trans-formação de ambos com esse encontro, decorrendo daí um novo “nós”. Sempre plural, mas também coeso. De acordo com Américo Peres (199932) “(…) a experiência do encontro com o outro faz parte da condição humana. Só conseguimos ver a diferença a partir da nossa própria identidade (...). Urge, então, ousar sermos nós através do outro, descobrindo-nos na mesmidade.”

De forma a contribuir para a concretização desta visão destacam-se algumas políticas de integração de imigrantes e minorias étnicas, de grande relevância para o processo de legitimação do modelo intercul-tural português, designadamente: a criação do Secretariado Entreculturas, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e a integração do Programa Escolhas na estrutura orgânica do ACIDI, IP

32) Peres, A. (1999) – Educação Intercultural: utopia ou realidade? Profedições, Porto, pp. 49

PAULO VIEIRA

Coordenador da Zona Sul e Ilhas do Programa Escolhas

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em 2004. Nos múltiplos contextos de intervenção dos projetos Escolhas, a educação intercultural tem sido enten-dida como uma estratégia transversal na promoção do respeito e acima de tudo na consciencialização e apropriação de conceitos tais como a diversidade, tolerância, respeito, experimentação e desconstrução. Visando ainda a necessidade de combater fenómenos como o racismo e a discriminação, entre muitos outros.

A promoção do diálogo intercultural tem sido uma das áreas privilegiadas de ação dos projetos Escolhas no terreno, (…) fomentando relações de confiança, potenciando o reconhecimento mútuo, promovendo uma efetiva comunicação e diálogo, investindo na aprendizagem recíproca, apostando na regulação pací-fica do conflito e reforçando os mecanismos de cooperação e convivência (Bitti, 200933).

Pressupostos e princípios do diálogo intercultural

A promoção do diálogo intercultural detém um inestimável contributo para o exercício efetivo da cidada-nia, encontrando-se assente em princípios como a igualdade e a equidade no acesso às oportunidades e recursos, com vista a uma maior união e coesão social.

O diálogo intercultural, enquanto ferramenta transversal, “permite-nos prevenir clivagens étnicas, religio-sas, linguísticas e culturais e, por outro lado, permite-nos progredir conjuntamente e aceitar as diferentes identidades de forma construtiva e democrática, com base em valores universalmente partilhados” (in Livro Branco ID, 200834).

O Parlamento Europeu definiu 2008, como o Ano Europeu do Diálogo intercultural (AEDI), reconhecen-do a existência de um continente cada vez mais diversificado, em termos humanos e culturais. O AEDI potenciou a criação de inúmeras oportunidades de partilha e aprendizagem entre os cidadãos europeus, para um melhor conhecimento das diferentes tradições culturais presentes no nosso continente.

As práticas de educação intercultural não se destinam apenas a territórios ou contextos com uma forte presença de comunidades imigrantes, pessoas de nacionalidades ou identidades culturais distintas. Estas práticas devem destinar-se a um público alargado, promovendo sobretudo o envolvimento das crianças e jovens, dos seus familiares e da comunidade em geral.

O fomento do diálogo e da educação intercultural no âmbito do Programa Escolhas tem permitido ao longo dos anos a identificação de um conjunto vasto de práticas e metodologias participativas, com o objetivo de aumentar as competências de cidadania dos jovens, preparando-os para a vivência numa so-ciedade cada vez mais plural.

Tal como definido no atual Regulamento do Programa Escolhas (Art.º 5), os projetos deverão “trabalhar a coesão interna das comunidades, procurando uma convivência positiva entre todas as culturas, possibili-tando, em simultâneo, a criação de pontes com outros indivíduos e comunidades”.

Deste modo, nos princípios subjacentes à teoria de mudança do Programa Escolhas, encontram-se forte-mente presentes os conceitos de “ligação” e “pontes”. O Programa visa assim, reforçar e fomentar, uma maior articulação entre as diferentes componentes desta teoria, partindo da intervenção realizada junto do indivíduo e avançando gradualmente para contextos mais alargados.

A coesão, o bem-estar e a paz social dependem, assim, da nossa capacidade “de aprendermos a viver juntos e a entender-nos de modo a criarmos uma comunidade de cidadãos”35. A este nível, os diferentes projetos Escolhas podem ser percecionados enquanto estruturas mediadoras, sobretudo, no (re)estabe-lecimento das “ligações” entes os indivíduos, a comunidade envolvente e as oportunidades, permitindo a aquisição de uma visão alargada em torno das questões identitárias e de pertença. Segundo Banks, “o maior benefício que a educação intercultural poderá trazer a uma sociedade diversificada é o da sua

33) Bitti, Michelle – Aprender na Diversidade, Lisboa, Programa Escolhas, 200934) Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, “ Viver Juntos em Igual Dignidade”, Estrasburgo, Conselho da Europa, 200835) Banks, James 1993 (in folheto Entreculturas, ACIDI IP)

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própria sobrevivência”.

A interculturalidade assente na promoção do diálogo intercultural tem por objetivo facilitar a resolução e/ou a prevenção de conflitos latentes ou manifestos, possibilitando aos envolvidos um melhor conheci-mento e compreensão do “outro”.

Na sequência dos pressupostos e princípios do diálogo intercultural, mostra-se pertinente clarificar o entendimento de alguns dos principais conceitos associados, recorrendo à terminologia consagrada por diferentes instituições internacionais.

• O diálogo intercultural “(…) é uma troca de ideias aberta, respeitadora e baseada na compreensão mútua entre indivíduos e grupos com origens e património étnico, cultural, religioso e linguístico dife-rentes36”;

• O termo aprendizagem intercultural, num sentido mais literal, faz referência ao processo individual de aquisição de conhecimentos, de atitudes ou de comportamentos, associados à interação com diferentes culturas. Num contexto mais amplo, este conceito é utilizado para traduzir o modo como pessoas com diferentes condicionantes são suscetíveis de viver em conjunto de forma pacífica, as-sim como o processo necessário para construir uma tal sociedade37.

• A coesão social, “segundo a definição do Conselho da Europa, designa a capacidade de uma socie-dade de garantir o bem-estar de todos os seus membros, reduzindo ao mínimo as disparidades e evitando polarizações. Uma sociedade coesa é uma comunidade solidária de indivíduos livres que lutam por estes objetivos comuns através de meios democráticos”38;

• A integração (integração social, inclusão) “designa um processo de duplo sentido e a capacidade dos indivíduos de viverem juntos, no pleno respeito pela dignidade individual, pelo bem comum, pelo pluralismo e pela diversidade, pela não-violência e pela solidariedade, assim como a sua capacidade de participação na vida social, cultural, económica e política. (…) Este termo engloba todos os aspe-tos do desenvolvimento social e todas as políticas. A integração exige a proteção dos mais desfavo-recidos, mas também a possibilidade de usufruir do direito de ser diferente, de criar e de inovar”39;

• A diversidade cultural trata-se de um termo muito abrangente, o qual pode incluir grupos étnicos, um país, diferentes pertenças culturais (país de acolhimento ou de origem), assim como, a diversidade religiosa40”;

• O Interculturalismo “trata-se essencialmente sobre a interação entre as culturas maioritárias e mi-noritárias, com o objetivo de fomentar a compreensão e o respeito. Trata-se de assegurar que a di-versidade cultural é reconhecida e atendida”.

O papel dos Dinamizadores Comunitários no reforço do diálogo intercultural

Neste processo intencional de promoção da interculturalidade, o Programa Escolhas, apostando na 4.ª Geração na figura do Dinamizador Comunitário, reconhece e reforça a importância da mediação, a qual ocorre a diferentes níveis. O papel dos jovens dinamizadores comunitários tem resultado em mais-valias geradas pelo seu enquadramento, as quais se encontram patentes nos seguintes domínios de interven-ção:

• Diagnóstico: maior capacidade de identificação das necessidades e potencialidades dos ter-ritórios, permitindo a implementação de respostas mais adequadas e pensadas à medida;

• Dinamização: conhecimentos específicos, de acordo com as suas áreas de competências com

36) Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, “ Viver Juntos em Igual Dignidade”, Estrasburgo, Conselho da Europa, 200837) Mochila Pedagógica sobre Aprendizagem Intercultural, Edições do Conselho da Europa, 200138) Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, “ Viver Juntos em Igual Dignidade”, Estrasburgo, Conselho da Europa, 200839) Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, “ Viver Juntos em Igual Dignidade”, Estrasburgo, Conselho da Europa, 200840) An education toolkit for the European Year of Intercultural Dialogue, The National Consultative Committee on Racism and Interculturalism, 2008

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mais potencial, colocando as mesmas, ao serviço do projeto local, permitindo criar mais dinâmi-cas e sinergias nas ações implementadas no âmbito do projeto;

• Outreach: líder positivo natural, ou seja, alguém que pelas suas características é um mobilizador ativo da comunidade, um exemplo positivo e reconhecido pela mesma, permitindo uma inter-venção mais direta e eficaz face aos problemas e potencialidades existentes localmente, pos-sibilitando, igualmente, estratégias de mobilização de públicos prioritários;

• Mediação: maior conhecimento da realidade local, mediação e consequente alerta para even-tuais conflitos sociais que possam surgir na comunidade;

•• Capacitação: Os dinamizadores deverão, todos, aumentar o nível de competências escolares

(para os que não têm o 12º ano) ou específicas (para os que já detém esse grau de escolaridade);

• Interculturalidade: adoção de uma postura de abertura e diálogo intercultural permanente, numa perspetiva de valorização e articulação com outras comunidades, culturas e origens ét-nicas;

• Sustentabilidade: contribuição para o desenvolvimento e sustentabilidade das dinâmicas de ação iniciadas pelos projetos, na medida em que será um mobilizador ativo que, devidamente capacitado, será um interlocutor privilegiado após o termo dos projetos.41

Tal como definido no perfil delineado para os dinamizadores comunitários, estes deviam ser preferen-cialmente oriundos dos territórios de intervenção. Este fator de identificação com o lugar permitiu uma maior proximidade à comunidade local, possibilitando uma efetiva mobilização dos destinatários e be-neficiários. A aposta em jovens detentores de um perfil de liderança positiva, com facilidade de relacio-namento interpessoal, foi reforçada, de uma forma gradual, ao longo dos três anos de projeto, assente no desenvolvimento de competências ao nível da negociação, representação institucional, mediação, entre outras áreas.

Face ao exposto, a integração de dinamizadores comunitários nas equipas técnicas locais, constituiu-se como uma mais-valia na identificação e resolução de conflitos e na mobilização ativa da comunidade.

A importância do diálogo intercultural para o reforço da coesão social

A diversidade cultural não se trata de algo recente. Ao longo da história da humanidade, foram vários os modelos de gestão da diversidade existentes, em resposta aos fluxos migratórios e à crescente mobili-dade humana dentro dos países e entre as diferentes regiões.

De acordo com Giménez (citado em Bitti, 2009)42, os modelos sociopolíticos de gestão da diversidade podem ser enquadrados em dois grandes grupos: os modelos de exclusão e os modelos geradores de inclusão.

Dentro dos modelos de exclusão, podemos enquadrar o racismo, a xenofobia, o antissemitismo, o apart-heid e o holocausto, entre outros, assentes no trato desigual, na segregação e por vezes eliminação do outro. Estes modelos apresentam em comum a implementação de leis e práticas discriminatórias, a delimi-tação de espaços públicos e por vezes ações com grandes prejuízos para a dignidade humana tais como o etnocídio, o genocídio ou a limpeza étnica.

Por outro lado, os modelos geradores de inclusão podem ser subdivididos em dois grupos, o primeiro da homogeneização e o segundo da aceitação da diversidade cultural como positiva.

Na homogeneização procura-se promover a eliminação das características particulares. Considerando-se imprescindível a eliminação das características distintivas dos grupos minoritários ou a criação, através

41) An education toolkit for the European Year of Intercultural Dialogue, The National Consultative Committee on Racism and Interculturalism, 200842) Gimenez, 2008 cit. In. Bitti, Michelle – Aprender na Diversidade, Lisboa, Programa Escolhas, 2009

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da sua junção, de uma cultura homogénea, como modo de garantir a paz social (Castles e Miller, 200343).

Os modelos assentes na assimilação tiveram grande popularidade nos anos 60/70, em países europeus recetores de mão-de-obra migrante. Esta questão é visível no vocabulário usado para designar os migran-tes e seus descendentes: “imigrantes” em França, “minorias étnicas e raciais” na Grã-Bretanha, “minorias étnicas e culturais” na Suécia e na Holanda, “estrangeiros” ou “trabalhadores convidados” na Alemanha e na Suíça (Bitti, 200944).

Os modelos assentes na fusão cultural valorizam o pluralismo cultural, sendo que o multiculturalismo e o interculturalismo são as suas principais expressões. O multiculturalismo, como primeira versão do plu-ralismo cultural, traz consigo a ideia de “reconhecimento” da diversidade cultural das sociedades, “tendo como limitações a coesão social e a convivência cidadã” (Giménez, 200845).

O Interculturalismo, no dizer de López (200246), trata de compensar os extremismos a que conduziram o assimilacionismo e o pluralismo cultural, favorecendo o intercâmbio e o diálogo dos grupos sociais e seu entendimento.

Desta forma, o desafio consiste em passar do multicultural ao intercultural, isto é, reconhecer e valorizar não só a diferença como o que é comum. Não basta somente que as diferentes culturas consigam uma convivência no respeito mútuo e na solidariedade, apesar do que isso só por si tem de positivo, mas de-vem conseguir uma interação significativa das culturas em presença (Perotti, 199747).

O Programa Escolhas tem incentivado a implementação de dispositivos promotores do respeito pelo outro e pela sua cultura, através do estímulo à realização de ações de educação não-formal, assente nos pressupostos da educação intercultural, no âmbito dos planos de atividades dos projetos financiados. A educação não-formal no contexto dos projetos Escolhas, visa promover o desenvolvimento integrado de competências: conhecimento, capacidades técnicas e atitudes48.

Para Fernand Ouellet49, a intervenção a este nível deve ser sistemática, visando desenvolver, quer nos grupos maioritários, quer nos minoritários:

• Melhor compreensão das culturas nas sociedades modernas;• Maior capacidade de comunicar entre as pessoas de culturas diferentes;• Atitudes mais adaptadas ao contexto da diversidade cultural, através da compreensão dos me-

canismos psicossociais e dos fatores sociopolíticos capazes de produzir racismo;• Maior capacidade de participar na interação social, criadora de identidades e de sentido de

pertença comum à humanidade.

Assim, e de acordo com L. e P. Davidman50, a educação intercultural surge como “uma estratégia multifa-cetada, orientada para a mudança, que se norteia por seis objetivos relacionados entre si

• A igualdade de oportunidades;• O pluralismo cultural na sociedade;• A criação de relações de harmonia e compreensão intercultural na sala de aula, na escola e na

comunidade;• A capacitação/”empowerment” de todos os atores educativos;• Um conhecimento alargado dos vários grupos étnicos-culturais por parte de todos;• A formação de todos os intervenientes no processo educativo, numa perspetiva intercultural,

informada e crítica.”

43) Castles, S. e Miller, M.J. (2003), The Age of Migration: Londres: Macmillan Press.44) Bitti, Michelle – Aprender na Diversidade, Lisboa, Programa Escolhas, 200945) Gimenez, 2008 cit. In. Bitti, Michelle – Aprender na Diversidade, Lisboa, Programa Escolhas, 200946) López 2002, in folheto Entreculturas, ACIDI IP47) Perotti, 1997, in folheto Entreculturas, ACIDI IP48) Teles, F. & Pinto, L. (2009) - Ser Capaz de adquirir competências, Lisboa, Programa Escolhas49) Ouellet, Fernand in folheto Entreculturas, ACIDI IP50) Leonard e Patrícia Davidman in folheto Entreculturas, ACIDI IP.

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Embora as ações de promoção da interculturalidade no âmbito dos projetos Escolhas se distribuam de forma transversal pelas cinco medidas, a grande maioria, encontra-se enquadrada no âmbito da medida III, “Dinamização comunitária e cidadania”, onde são contempladas as seguintes respostas:

• Eventos ludico-pedagógicos;• Atividades desportivas;• Atividades que promovam a descoberta, de uma forma lúdica, da língua, valores, tradições,

cultura e história de Portugal e dos países de origem das comunidades imigrantes;• Atividades que promovam o acesso à informação, aconselhamento e apoio à comunidade. • Mobilização da comunidade para o processo de desenvolvimento pessoal, social, escolar e

profissional das crianças e jovens.

Estas iniciativas, assim como as ações implementadas nas restantes medidas, têm contribuído para a aqui-sição e o desenvolvimento de competências interculturais nas crianças e jovens oriundas de distintas realidades socioculturais.

Entre as inúmeras iniciativas desenvolvidas pelos projetos locais, ou lançadas pelo Programa Escolhas, apresentamos em baixo, a título de exemplo, algumas ações, pelo seu enfoque na promoção do diálogo intercultural, promoção da cidadania e resolução pacífica do conflito.

Futebol pela Cidadania – Projeto “Mais Jovem”

O “Mais Jovem” é um projeto da Zona Norte/Centro que intervém no bairro social D. Armindo Lopes Coelho, situado na freguesia do Olival (Porto). No âmbito das suas atividades desportivas, nomeada-mente o futebol, foi implementada a ação Futebol pela Cidadania. Pensada inicialmente como uma ativi-dade no âmbito do desporto, veio a assumir-se como uma importante ferramenta de aproximação entre a comunidade cigana e não cigana. Para além das equipas serem “mistas”, integrando ciganos e não ciganos, foi possível envolver jovens mais velhos e adultos da comunidade cigana local, os quais eram convidados a participar nos torneios locais. Mergulho na Língua Portuguesa – Projeto “Encontr@rte”

O “Encontr@rte” é um projeto da Zona de Lisboa, que intervém nos bairros da Serra da Luz e da Urmeira (Odivelas). Um dos desafios com que a equipa foi confrontada, foi a existência de uma comunidade indiana e paquistanesa crescente que, em seio escolar, manifestava dificuldades no acompanhamento das aulas, devido ao fraco domínio da língua portuguesa. Em articulação com a escola, programou-se a intervenção no sentido de apoiar estas crianças através de uma ação denominada “Mergulho na Língua Portuguesa” (com uma regularidade de duas vezes por semana, em contexto escolar). Face aos bons resultados obtidos junto das crianças, de forma a responder às dificuldades de integração das famílias, em parte, pelo facto de não conseguirem comunicar em português, foi proposta uma turma de “Mer-gulho na Língua Portuguesa” para adultos. Esta turma teve uma boa aceitação por parte da comunidade (implementada no espaço do projeto, três vezes por semana), participando na mesma, com assiduidade, cerca de 20 adultos.

Grupo de Flamenco – Projeto “Escolhas Vivas”

O “Escolhas Vivas” é um projeto da Zona Sul e Ilhas, desenvolvido em Vila Real de Santo António. Face à dificuldade de integração da comunidade cigana, alvo de discriminação, o projeto criou um grupo de dança de flamenco com forte influência da música cigana, aberto a todos os jovens da comunidade. Dado o elevado número de casamentos entre ciganos e não ciganos em Vila Real de Santo António e a tensão e conflitos entre estas comunidades, a missão da iniciativa passa pela integração das diferentes culturas, através de um processo de aprendizagem pela arte e valorização do flamenco. A iniciativa é muito inovadora na medida em que utiliza a prática do flamenco, uma dança artística abrangente na di-versidade étnica e que é apreciada pela generalidade das pessoas, para aproximar estas comunidades, diluindo os preconceitos e estereótipos formados até então. O trabalho técnico, a postura e a exigência pedida contribuem para o desenvolvimento de potencialidades, espírito de equipa e ao mesmo tempo incutem disciplina para que tudo funcione neste e em qualquer outro projeto coletivo.

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Dos problemas às soluções

As ações desenvolvidas pelos projetos locais, ou dinamizadas pela estrutura central do Programa Esco-lhas, têm sido fulcrais na consciencialização e no desenvolvimento de competências interculturais nas crianças e jovens participantes, estando patente o seu contributo ao nível da resolução de problemas variados.

A ausência de diálogo contribui, em grande medida, para o desenvolvimento de uma imagem estereoti-pada do outro, para o estabelecimento de um clima de desconfiança mútua, de tensão e de ansiedade, potenciando a utilização das minorias como bodes expiatórios e, no geral, para o favorecimento da in-tolerância e da discriminação51.

Com base na experiência do Programa Escolhas e nos exemplos apresentados, apelamos e recomenda-mos a adoção de estratégias assentes em modelos onde, todos os indivíduos gozam dos mesmos direitos e deveres, independentemente do lugar de nascimento, etnia, cultura ou religião52.

51) Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, “ Viver Juntos em Igual Dignidade”, Estrasburgo, Conselho da Europa, 200852) Ortega, Touriñán e Escámez, 2008 citado in Bitti, Michelle – Aprender na Diversidade, Lisboa, Programa Escolhas, 2009

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8. Inovação Social

8.1 Texto de enquadramento

QUE INOVAÇÃO SOCIAL?

O conceito de inovação tem vindo a integrar preocupações sociais, afastando-se da visão que, no pas-sado o associava a questões essencialmente de evolução tecnológica (André e Abreu, 2006: 125).

Neste breve texto de enquadramento seguimos a linha de pensamento de Murray, Caulier-Grice and Mulgan (2010: 3) que definem as inovações sociais como novas ideias (produtos, serviços e modelos) que respondem a necessidades sociais e, simultaneamente, permitem criar novas relações ou colaborações sociais. Por outras palavras, são inovações proveitosas para a sociedade e que potenciam a capacidade da sociedade para agir53.

Desta definição decorre a importância das relações estabelecidas entre atores sociais e a forma como as mesmas influenciam os processos de intervenção, os resultados e impactos das ações e a disseminação e (re)apropriação de boas práticas nos mais diversos contextos, potenciando os processos de empower-ment, inclusão e mudança social.

Com base nestas considerações, iremos analisar os contributos do Programa Escolhas para a inovação social em diferentes níveis de atuação54: a definição de políticas públicas (nível macro), a capacitação organizacional (nível meso) e a intervenção de proximidade (nível micro).

Procuraremos ainda identificar as convergências entre a metodologia de conceção e implementação do Programa e os processos de inovação social.

Inovação social e intervenção integrada no Programa Escolhas

O Programa Escolhas, enquanto medida de política social, identifica a inovação social no seu Regulamen-to, como princípio geral na conceção e execução dos projetos e como critério na apreciação das candida-turas55. A inovação social encontra-se ainda suportada no Programa por um conjunto de outros princípios essenciais a este processo (planeamento estratégico, parceria, participação, diálogo intercultural e me-diação56) e de áreas estratégicas de intervenção, que delimitam possíveis dimensões de inovação social.

Para além desta definição enquanto Programa de atuação macrossocial, o Programa Escolhas detém uma dimensão de intervenção organizacional, destacando-se a valorização do trabalho em parceria e de ca-pacitação dos recursos humanos dos projetos, essenciais ao desenvolvimento das entidades parceiras individualmente consideradas e dos consórcios como um todo. Assim, aspetos como o estabelecimento de relações de reciprocidade entre atores, o desenvolvimento de competências para a cooperação e a disseminação das práticas desenvolvidas surgem como principais fatores críticos de sucesso na consti-tuição de parcerias (Esgaio, 2009:201), fundamentais no desenvolvimento da inovação social.

53) Tradução da autora.54) Neste aspeto utilizaremos a classificação de Carmo (2011: 42): micro, meso e macrossocial.55) Vd. alínea f do artigo 5º e alínea l do artigo 11º do Regulamento do Programa Escolhas.56) Vd. artigo 5º do Regulamento do Programa Escolhas.

ANA ESGAIO

Docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (Universidade Técnica de Lisboa) e membro do

CAPP - Centro de Administração e Políticas Públicas.

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O Programa Escolhas atua ainda (e de forma privilegiada) numa dimensão de proximidade, através de projetos descentralizados, que facilitem a articulação entre as políticas sociais e os contextos territoriais específicos. De realçar que a constituição de parcerias de inovação social poderá ser potenciada através de relações de proximidade física que permitam a criação de redes de confiança e de capital social (Es-gaio, 2009). São estas parcerias de base local (consórcios) que permitem trabalhar de forma persona-lizada com cada criança e jovem, removendo potenciais obstáculos aos seus processos de inclusão social; são também estas parcerias que muitas vezes se empenham numa ação de implicação dos jovens em movimentos cívicos, através da promoção de dinâmicas associativas juvenis formais e informais que pos-sam apoiar a sustentabilidade das ações.

Caracterizada a multidimensionalidade da intervenção do Programa Escolhas procuraremos agora refle-tir acerca da metodologia de conceção e implementação do mesmo enquanto promotora de inovação social.

Programa Escolhas: um processo de inovação social?

O processo de inovação social é conceptualizado por Murray, Caulier-Grice and Mulgan (2010) como um conjunto de seis etapas que são apresentadas na figura seguinte. Estas etapas, não necessariamente se-quenciais, permitem criar uma matriz de análise dos fatores críticos de apoio à inovação e aos inovadores. Será à luz desta matriz que procuraremos analisar o Programa Escolhas e Projetos por este apoiado.

Figura 8 - A espiral da inovação social 57

Segundo os autores referidos, a primeira etapa dos processos de inovação social consiste na identifica-ção de motivações, inspirações e diagnósticos que, no Programa Escolhas, podemos associar à deteção de necessidades por parte das comunidades e entidades locais.

Um segundo momento seria o de apresentação de propostas e ideias, que procurem explorar soluções alternativas para os problemas, aspeto valorizado pelo PE em sede de candidatura a financiamento por parte dos consórcios, com base nas necessidades identificadas anteriormente e com o envolvimento preferencial do público-alvo do Programa. Desta forma, a descentralização do processo parece apoiar a necessidade de pensamento divergente e de criatividade na busca de respostas alternativas aos prob-lemas sociais.

A esta apresentação segue-se a etapa de protótipos e projetos-piloto, que no caso do PE consiste na implementação dos Projetos aprovados, experimentação de soluções em vários contextos territoriais e articulação de várias dimensões estratégicas. De realçar ainda que a estrutura central tem um envolvi-mento direto em áreas consideradas prioritárias, também nesta lógica de experimentação de soluções58.

Um dos aspetos transversais nos processos de inovação é o da sustentabilidade, uma vez que se pre-tende que as práticas bem-sucedidas se transformem em prática quotidiana. O PE consagra a susten-

57) Fonte: Murray, Caulier-Grice and Mulgan, 2010: 1158) Destacamos as parcerias com diversas entidades: Microsoft (atribuição de diplomas de competências básicas), Cisco (formação de monitores CID), Porto Editora (“Escola Virtual”), EU Kids Online (segurança online) e Barclays Bank (“Contas à Vida”).

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tabilidade como um dos critérios de apreciação das candidaturas59, através da criação de um roteiro de sustentabilidade60 pelos projetos. Ainda nesta vertente destaca-se o trabalho realizado na formação dos dinamizadores comunitários, jovens preferencialmente oriundos das comunidades de intervenção. A ca-pacitação individual destes jovens procura promover o desenvolvimento de lideranças nas comunidades que possam garantir a continuidade das ações e a auto-organização e autonomização das mesmas.

Todo o trabalho desenvolvido nestas etapas deve ser alvo de disseminação das boas práticas, difundindo a inovação, de forma a evitar a duplicação de fracassos e criando condições para a replicação dos suces-sos. Destacamos duas vertentes em que este trabalho tem sido realizado no Programa Escolhas. Por um lado, toda a política de comunicação da estrutura central com os projetos e com a comunidade, através de meios diversificados como o website, os encontros temáticos, a revista Escolhas e outras publicações (por exemplo, “365 histórias de vida”; “Manual de Empreendedorismo”, entre outros). Por outro lado, o grande investimento nos Recursos Escolhas, promovendo a sua apresentação e discussão a um grupo de peritos, com vista à identificação e disseminação de boas práticas e recursos para a intervenção social.

A grande finalidade do processo de inovação social é o de mudança sistémica, ou seja, da criação de novas matrizes de reflexão e intervenção social (uma “nova ordem”), de particular relevância no atual contexto socioeconómico.

Por tudo o que fica dito acima, a forma como o Programa Escolhas se estrutura e posiciona, apresenta pontos de convergência interessantes com os processos de promoção de inovação social, na lógica da espiral de inovação apresentada.

Esta mudança de paradigma poderá por isso ainda ser reforçada, pelo Programa Escolhas no âmbito mais vasto das políticas sociais e dos cuidados de proximidade disponibilizados aos cidadãos, como impor-tante contributo para os desafios atualmente colocados ao nosso país.

59) Vd. alínea j do artigo 12º do Regulamento do Programa Escolhas60) Vd. alínea p do artigo 11º do Regulamento do Programa Escolhas

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8.2 Artigo temático

ESCOLHAS CONSTRUÍDO POR PESSOAS INQUIETAS: INOVAÇÃO, POR PRINCÍPIO, MEIO E FIM

“Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.”

Almada Negreiros

Se consideramos o conceito de inovação como um sistema que engloba um conjunto de variáveis gerado-ras e que se interligam entre si, então caracterizemos o Programa Escolhas neste artigo, como um planeta que gravita na atmosfera e está rodeado por várias constelações de estrelas que juntas constituem um sistema complexo.

Reforçando a pertinência da analogia ao universo da astronomia é fácil observar o vasto conjunto de constelações e estrelas que compõem o Programa Escolhas através dos milhares de seres que o habitam, desde técnicos, crianças, jovens, familiares, professores e outros agentes, a organizações como as escolas, associações, empresas, IPSS, entre outras instituições envolvidas, bem como recursos materiais e imate-riais, que todos os dias recriam este planeta também ele pertencente a um sistema que o complementa.

Também através da sua imagem de marca, caracterizada por uma estrela de dez pontas coloridas que exi-be o percurso de dez anos de existência a trabalhar em contextos de diversas cores e que tem orientado crianças e jovens a encontrar os seus caminhos, mostrando-lhes várias escolhas, é possível estabelecer esta ponte com este sistema astronómico.

Permitam-nos, assim, apresentar a conceção analógica que agora se propõe entre o Escolhas e a astro-nomia:

• Sistema – Sistema Solar, constituído por vários elementos, sol, planetas, constelações, estrelas e outras partículas;

• Sol – Portugal;• Planetas – programas/instituições nacionais, regionais e locais que atuam na área da infância

e juventude (que fazem parte de um todo e se interligam. Ex: Programa Escolhas, TEIP, CLDS, IAC, IPDJ, PIEC, DGRS, CNPCJR, IC Equal, …);

• Constelações – projetos Escolhas que gravitam em torno do Planeta Escolhas;• Estrelas mais visíveis – Instituições que fazem parte dos consórcios dos projetos Escolhas e

gravitam em torno de vários planetas;• Estrelas menos visíveis – pessoas que fazem parte de comunidades mais vulneráveis e que por

vezes são ofuscadas por outras luzes ou bloqueadas por outros fenómenos atmosféricos. Pes-soas que fazem parte do todo, do sistema solar.

TATIANA GOMES

Responsável pela Comunicação e Formação Contínua no Programa Escolhas

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O repto ora colocado, para aprofundar a relação entre o Programa Escolhas e o fenómeno da inovação social e como se efetiva na prática, revela-se difícil e simultaneamente desafiador do campo das ideias e da imaginação, verificando-se também aqui, ao falar de inovação, a necessidade de inovar e contar diferente uma história que é a do Escolhas e que retrata todo um percurso de descoberta e caminhos percorridos.

Assim, também neste pequeno espaço reservado para algumas palavras se verifica que a inovação surge de invenções já existentes: “Some of the most effective and important technological developments and products have been pieced together from preexisting inventions” (Rodin, 201161). Partiremos, pois, de uma definição já construída e acrescentemos-lhe aquilo que distingue o Programa Escolhas na sua essência, a ENERGIA que lhe está intrínseca e lhe permite continuar a (re)existir.

Aceite o desafio, a história que agora se vai contar sobre o universo Escolhas quer-se simples e esclarece-dora, já diria Arminda Fernandez “Simple solutions that save lives”62. Todavia, atendendo às resistências e complexidades dos meios onde se procura inovar, tentar-se-á que, sendo simples, seja recheada de significados e saberes permitindo ao leitor alcançar e descobrir também o seu lugar neste universo.

Julga-se que ao observar a história e o crescimento do Programa Escolhas nas próximas páginas o leitor irá encontrar a razão pela qual o título deste artigo faz referência a pessoas inquietas. Crê-se que o Es-colhas resulta de facto de um universo de pessoas inquietas que, juntas, contribuem para rechear o pla-neta de constelações de estrelas inclusas que nos seus espaços, com diferentes formas e luzes, brilham e preenchem este sistema de oportunidades, sonhos, talentos, ações, igualdade, diversidade e intercul-turalidade.

Vamos então procurar e encontrar as respostas para a inquietude do Escolhas…

Questões Escolhas no campo das decisões – (Porquê?)

Se…“… A inovação social implica sempre uma iniciativa que escapa à ordem estabelecida, uma nova forma de pensar ou fazer algo, uma mudança social qualitativa, uma alternativa – ou até mesmo uma rutura – face aos processos tradicionais. A inovação social surge como uma missão ousada e arriscada.”63

“…A inovação social pode manifestar-se nas políticas que se dirigem à inclusão de pessoas ou coletivos de base territorial.”64

“…a crise do estado providência, ou o reforço das orientações neoliberais que privilegiam o investimento público ligado ao aumento da competitividade em detrimento da esfera social, bem como a exclusão social potencial e efetiva que lhe está associada, engendra novas necessidades e problemas de natureza coletiva que acabam por motivar inovações social (Comeau, 2004)”

...De acordo com Moulaert (2000) importa sublinhar “a importância da capacitação dos agentes, argu-mentando que o desenvolvimento local é cada vez menos uma questão de rendimentos e de capacidade de consumo, passando sobretudo pela promoção de mudanças estruturais que promovam a capacitação individual e coletiva no sentido de encontrar soluções para os problemas.”65

Então …Observemos a criação do planeta Escolhas, a sua evolução e a forma como se foi desenvolvendo e orga-nizando circundado por várias constelações que, embora independentes se interligam entre si e seguem princípios orientadores iguais e enquadradores.

61) What matters | Social Innovation: Can fresh thinking solve the world’s most intractable problems, McKinsey & Company62) idem63) André, Isabel e Alexandre Abreu, Dimensões e Espaços da inovação social, Finisterra, XLI, 81, 2006, pp. 121 – 141, retirado a 2 deabril de 2012 de http://www.ceg.ul.pt/finisterra/numeros/2006-81/81_06.pdf64) Idem65) Ibidem

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Porque…… No ano 2000 algo aconteceu! O discurso que se proferia na sociedade na altura, apontava que as crian-ças e jovens que estavam na rua, nomeadamente os jovens de contexto urbano, tendiam a praticar mais crimes constituindo uma das causas de “insegurança dos cidadãos”. Ora este discurso que se estava a generalizar e propagar velozmente forçou o Estado à tomada de decisão, não só pela larga mediatização de alguns casos, mas também devido à necessidade de, por um lado proteger e salvaguardar os direitos das crianças e jovens e, por outro, de assegurar a segurança dos cidadãos.

Assim, no mesmo ano, é criado um Programa de Ação para a Entrada em Vigor do Direito de Menores, o qual estabelece a necessidade de criação de programas de prevenção da criminalidade e inserção de jovens. Daí nasce, em 2001, o Programa Escolhas dirigido a jovens dos 12 aos 18 anos e que atua em três áreas estratégicas de intervenção: mediação social, ocupação de tempos livres e participação comuni-tária.

O Programa Escolhas, ao ser criado, acrescenta um novo modelo de intervenção social aos existentes, propondo a criação de projetos experimentais em comunidades vulneráveis previamente identificadas, envolvendo atores locais e jovens das comunidades, como mediadores entre equipas e comunidade. Es-tes projetos, embora desenhados com as instituições locais, eram “propostos” por uma estrutura inter-ministerial que delegava na figura de um coordenador e por sua vez em equipas de projeto a animação de parcerias locais e implementação de planos de atividade, tentando imprimir nas instituições e territórios um conceito de parceria e trabalho em rede ativo, dinâmico e economicamente solidário.

A execução dos planos de atividades das comunidades envolvidas, ainda que financiados pelo Programa Escolhas, tinham como pressuposto o princípio de subsidiariedade, pois quando contratualizado com as entidades parceiras, implicaria não só a sua execução mas também a disponibilização de recursos destas para a sua concretização. Estes princípios, ainda que não sendo totalmente disruptivos e novos, inovam na sua forma de implementação e estratégia, corresponsabilizando todas as partes interessadas.

Apostando numa segunda geração onde a prevenção e capacitação das partes envolvidas passa a ter um carater vital da intervenção, o programa passa a ter uma nova componente, mais educativa e formativa com vista à autorregulação dos jovens e à sua autonomia. Jovens como protagonistas das ações a eles dirigidas, revela-se o mote da sua intervenção. Ainda nesta geração, é introduzida e reforçada no universo escolhas a componente da comunicação do trabalho desenvolvido pelos projetos escolhas locais, através de meios nacionais, com o encarte de um boletim trimestral na imprensa nacional (Jornal Público, Revista Visão, Diário e Jornal de Noticias) e com uma rubrica no Programa Nós da RTP2. E ainda nos seus meios internos, website do Programa Escolhas, redes sociais, Escolhas em Rede, Escolhas em Formação, Face-book, Twitter.

Sob esta base, o programa volta a ser renovado numa 3ª geração, aperfeiçoando a sua ação, também motivada pelas várias avaliações internas e externas realizadas ao programa e aos projetos com vista a introduzir novas componentes e soluções e corrigir eventuais desvios na intervenção.

Questões Escolhas no campo das pessoas – (Quem?)

Se…“…Toda a gente é criadora mas não do mesmo modo. A prática da criatividade não é excecional. Todos os dias produzimos o novo (nova receita, novo itinerário) todos os dias somos criativos, segundo as circuns-tâncias. Cada um tem o seu registo: verbal para uns, gráfico, sonoro, gestual para outros; e cada um tem o seu estilo: discretos, ostentatórios, minuciosos; no domínio das ideias uns são mais adaptadores, refor-madores; outros preferem as ideias de rutura, de vanguarda, mais audaciosos (…) outros têm mais prazer e mais talento a resolver o enigma de uma procura de ideias, seguindo pistas, cruzando o imaginário com os constrangimentos do real.”66

“…A inovação social apresenta-se como uma manifestação do (s) sujeito(s) – supõe uma atitude critica e o

66) Ibidem

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desejo de mudar (ação deliberada, intencional e voluntária) …” (Alter 2000).”67

Então……Quem tem as ideias? Quem tem o poder de fazer mudanças que permite (re)criar e instalar novas partículas na atmosfera sistémica das estrelas?

Serão pessoas que não refletem sobre o que os rodeia? Serão pessoas que estão atentas aos movimentos de todas as partículas que pairam sobre o universo? Serão pessoas que conseguem prever alguns movi-mentos e antecipar e (re)desenhar cenários e soluções a aplicar quando as estrelas têm duvidas sobre o caminho a seguir?

Assim, vejamos como se envolve e desenvolvem as estrelas que compõem cada constelação. Que siste-ma é utilizado para as tornar mais resistentes e resilientes, capazes de lidar com as adversidades das atmosferas circundantes?

Olhemos também se, ao longo da sua existência, tem conseguido observar e antecipar as correntes at-mosféricas e chuva de meteoritos que quando acontecem é necessário criar uma rede atmosférica para as sustentar e reconduzir até ao seu lugar no sistema.

Porque…

… O Programa Escolhas desde o seu início que aposta nas pessoas e no seu capital humano. Um dos slo-gans do programa refere-se às pessoas que gravitam e habitam o Escolhas como o melhor recurso deste e assim tem considerado e apostado no melhor de cada um em prol do seu desenvolvimento, capacitação e autonomia.

Quando nos referimos a pessoas, falamos dos cerca de 850 técnicos que diariamente trabalham nos pro-jetos Escolhas, das pessoas que fazem parte do universo de 1040 parceiros do programa, da equipa cen-tral do programa e dos milhares de crianças, jovens, famílias, e outros que constituem este grande planeta.

O posicionamento do Programa sobre os recursos humanos passou desde o início pela aposta na forma-ção dos destinatários, das equipas técnicas e da equipa central. Considerou-se, desde o primeiro instan-te, importante e vital para a concretização dos objetivos a que se tinha proposto, capacitar e valorizar as pessoas que têm o poder de produzir mudança social. E neste ponto, não só as instituições e as equipas têm esse poder, mas também e principalmente os seus destinatários.

A formação das equipas técnicas é proposta pela estrutura central, concretizando-se através da imple-mentação de planos de formação para grupos específicos das equipas, nomeadamente coordenadores, mediadores jovens urbanos, monitores de inclusão digital e dinamizadores comunitários, nos quais estes têm ações formativas em áreas relacionadas com o âmbito da sua intervenção.

Neste seguimento, o programa estabeleceu parcerias com entidades especializadas para a sua realização e já adotou várias estratégias, desde a aposta em pós-graduações, a ensino à distância, ao ensino não formal e à sistematização de conhecimento empírico que advém da sua prática de terreno e que visa constituir referenciais de ideias dissemináveis.

O Programa Escolhas acredita que todas as formações oferecidas às suas equipas técnicas terão impac-tos reais na intervenção que preconizam e têm a mais-valia de introduzir novas áreas de conhecimento e ideias que podem despoletar novas ações, que lhes permita perante adversidades procurar respostas criativas que fujam à tradicional solução que se pode revelar insuficiente e inexequível.

A formação dos destinatários e beneficiários também está expressa na ação do Escolhas, estando con-templada e sendo transversal a todas as suas medidas de intervenção, numa perspetiva de capacitar, tor-nar autónomo, mais resiliente e capaz, abrir horizontes. As formações centram-se nas áreas de interesse e necessidades dos públicos, sendo desenvolvidas ações de formação parental, cidadania, empreend-

67) Ibidem

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edorismo e participação, entre outras.

Acreditando no potencial de cada pessoa que habita o Escolhas a formação surge como ponto inovador de um programa que se quer vivo, proactivo e antecipador, que está sempre em busca de novas ideias, soluções e respostas.

Questões Escolhas no campo das ideias – (Como e o quê?)

Se…“…A inovação é um processo global que compreende várias etapas, como:

• A definição do objetivo, • A formulação da pesquisa, • Uma serie de reformulações sucessivas; • Depois a avaliação das ideias, • O processo de a pôr em prática, • A decisão para a ação.

… O caminho do processo de inovação é sistémico onde todos os elementos do sistema se cruzam e se sobrepõem.”68

“…No campo dos recursos, a inovação social aproxima-se bastante da inovação tecnológica. O conheci-mento, ou os saberes em geral, é um elemento essencial. A realidade empírica da inovação social mostra a presença quase constante de agentes altamente qualificados que, pelo menos numa primeira fase, fazem avançar o processo”.69

…Como Putnam (2000) defende que “a prosperidade de certas regiões está mais associada ao capital social do que ao capital económico ou humano (…) e se esta ideia permite introduzir o conceito de capital relacional muito ligado à espacialidade das relações…”70

Então… … Se inovar significa na sua essência a construção de novas ideias e invenções, porque é que: fabricando o ser humano milhares de ideias por dia sobre as mais variadas coisas, continuam a existir tantas neces-sidades sem soluções e questões sem resposta?

As tempestades de ideias, pela força motriz que carregam, podem movimentar e arrastar planetas, assim como produzir alterações significativas no universo…será que o Escolhas consegue mostrar que é pos-sível? … Se olhando para a inovação social como resultado e simultaneamente recurso de uma constelação, através das relações internas entre os seus membros, (laços de confiança, cooperação interpessoais, identidade e pertença), e entre constelações e universos diferentes, englobando culturas, gerações,constelações, o que poderemos observar no caso dos projetos Escolhas?

Como chegam à formulação de ideias e como as colocam em prática?

Porque…O Programa Escolhas procura a nível macro reunir um conjunto de recursos que possibilita e facilita o processo de inovação social.

O Escolhas inova na sua área financeira, procurando não só os recursos interministeriais nacionais, mas recorrendo a financiamentos comunitários para complementar a sua ação e potenciar a sua intervenção. Cite-se, a título de exemplo, o recurso ao financiamento do Programa Operacional do Potencial Humano

68) Aznar, Guy Precisar o sentido da palavra “Criatividade”, resumo e tradução livre de Ana Bela Mendes, 200669) André, Isabel e Alexandre Abreu, Dimensões e Espaços da inovação social, Finisterra, XLI, 81, 2006, pp. 121 – 141, retirado a 2 de abril de 2012 de http://www.ceg.ul.pt/finisterra/numeros/2006-81/81_06.pdf70) Idem

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(QREN/FSE), ao Programa Operacional para a Sociedade do Conhecimento (POSC), ao Programa Ju-ventude em Ação, ao Programa INTI, ao Programa PROGRESS, entre outros.

Aqui demonstra-se que o Programa Escolhas está atento aos planetas que constituem o sistema no qual está inserido e que podem influenciar e complementar a sua ação. Façamos uma analogia à história do livro “Quem mexeu no meu Queijo”, em que em vez de ficar preso ao recurso que tem, apesar de o ter, vai à procura no labirinto de outros que o possam complementar e viabilizar.

A nível macro inova também nas parcerias que estabelece, apostando em relações que ambas as partes ganham, recorrendo por exemplo à responsabilidade social das organizações em que em troca de recur-sos formativos, oportunidades para os jovens se criam mais oportunidades.

A nível meso, também se observa a vontade do Escolhas potenciar o estabelecimento de parcerias ga-nhadoras em que os projetos locais interagem com várias organizações que possam rentabilizar e poten-ciar os recursos de que dispõem em prol do desenvolvimento da comunidade. Vejamos o exemplo da oferta de estágios promovida por empresas locais que permite ao jovem que frequentou determinado curso experimentar a sua aprendizagem. Neste caso ganha o jovem em termos de experiência e a orga-nização em termos de produção, injeção de novas pessoas e ideias e de imagem.

A nível micro, os projetos Escolhas também se revelam geradores de recursos, quando pretendem ofer-ecer mais atividades e oportunidades aos destinatários e os recursos são limitados. Também aqui, fazendo uso da sua criatividade e recursos disponíveis, criam soluções muito inovadoras, dando vida a materiais residuais, exemplo da reciclagem e reutilização de materiais que se tornam objeto de formação, criação e resultam em novos produtos úteis. Os projetos Meg@tivo (Sintra) e Dar à Costa (Almada) são dissoexemplos. Encontramos também projetos que recriam teatros e imaginários num espaço vazio, utilizando os corpos e a imaginação para transformar os envolvidos. Neste cenário, os projetos tornam-se laboratóri-os vivos de experiências e soluções.

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No campo das ideias, a posição do Escolhas também se revela inovadora, reunindo aqui três elementos fundamentais:

• É intercultural, convergindo várias ideias, culturas, pensamentos;• É flexível, tentando testar e redesenhar planos de atividades, ideias, e projetos, e;• É participado, tendo criado mecanismos próprios para que os principais interessados da inter-

venção, as comunidades, as crianças, os jovens tenham voz e espaço para a sua opinião, ideias e projetos (refira-se, entre outras iniciativas, o Orçamento Participativo de Crianças e Jovens desenvolvido pelo projeto @ventura, São Brás de Alportel).

Questões Escolhas no campo do espaço de inovação – (Onde?)

Se…“O meio articula e confere sentido às várias dimensões da inovação, constituindo o “caldo” que pro-move umas e dificulta outras. O meio pode ser um lugar do sentido de pertença (…) ou um espaço-rede,constituindo por nós (…) e por fluxos, materiais ou imateriais (...) que no meio se articulam diferentes agen-tes, com relações de poder e com papéis distintos, vários incentivos e barreiras à inovação social, diversos recursos mais ou menos mobilizáveis e dinâmicas variadas”.71

… Segundo Malheiros “inovação social pode ser entendida como o processo de introdução de soluções novas (ou de reconstrução e adaptação de soluções já equacionadas de modo distinto em contextos de outro tipo), (…) e que promovem o combate à exclusão social. A inovação social, que pode acontecer ao nível das políticas, dos processos/programas e das práticas, marca sempre alguma rutura face às ativi-dades correntes, acabando por desafiar a ordem estabelecida.

Promover a inovação social com o propósito de contribuir para a geração de meios criativos, passa por ini-ciativas que desenvolvam a boa utilização dos recursos escondidos e porventura desvalorizados das co-munidades, reconstruindo-os, difundindo-os e utilizando-os como meios para alcançar outros objetivos. E isto só é possível com o forte envolvimento das instituições e dos interessados, no âmbito de processos lentos de aprendizagem coletiva, situados num contexto de reforço dos laços comunitários e institucio-nais, isto é, de reforço do capital social.”72

Então…Em que espaço se movimentam as estrelas e constelações escolhas? Serão estes meios criativos que tem permeabilidade para acolher a diversidade de ideias, tolerância para aceitar o risco e democraticidade para abrir à participação dos cidadãos.

Porque…A imagem generalizada das comunidades vulneráveis como espaços despojados de recursos, reflete uma realidade que não espelha o capital relacional que existe nas comunidades onde o Escolhas atua. Os serviços de proximidade aqui existentes, as culturas aqui residentes e as relações de confiança que se estabelecem entre os seus habitantes, em conjunto constituem meios criativos e permeáveis à inovação, porque o pensar diferente e ter liberdade para o fazer facilita o processo de criação de uma ideia, solução e inovação.

O conceber a comunidade como um todo também poderá potenciar os recursos nela existentes. Exem-plo disso são os roteiros criados pelo projeto +Skillz (Lisboa), que após ter sido visitado por um projeto piloto (projeto EVA), concebeu com a entrada de novas ideias (externas), e com o envolvimento dos jo-vens residentes, percursos guiados pelo bairro onde se dá a conhecer o que lá existe. Subordinados a áreas específicas, estes roteiros mostram várias realidades. Estes roteiros são também um exemplo de que, potenciando os recursos existentes e acrescentando-lhes algo diferente, se pode criar algo novo.

71) André, Isabel e Alexandre Abreu, Dimensões e Espaços da inovação social, Finisterra, XLI, 81, 2006, pp. 121 – 141, retirado a 2 de abril de 2012 de http://www.ceg.ul.pt/finisterra/numeros/2006-81/81_06.pdf72) Malheiros, Jorge, art. “Da estigmatização dos espaços à criatividade dos lugares”, in Escolhas: Diversidade em Ação: Um ano em movimento, Lisboa, 2006

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Questões Escolhas no campo do tempo – (Quando?)Se……“A inovação social acontece quando se encontram novas soluções para as necessidades sociais (…) É urgente a criação de novas estratégias e respostas para resolver os problemas sociais, especialmente nas áreas em que estes se estão a agravar (…), nas áreas em que os modelos atuais falharam ou estagnaram (…) e onde há novas possibilidades que não estão a ser exploradas...” 73

Existe inovação social sempre que novos mecanismos e regras se consolidam e melhoram o bem-estar dos indivíduos, comunidades e territórios em termos de inclusão social, criação de emprego e qualidade de vida. A inovação social procura responder a novas necessidades que não são satisfeitas pelo mercado e dá a possibilidade de dar um novo lugar ao individuo na economia e na sociedade.74

Então…Em que fases se dão alterações do universo Escolhas?

Porque…A temporalidade do Programa Escolhas, permite de 3 em 3 anos repensar o seu posicionamento, estrutura, ação e intervenção. Este faseamento permite introduzir novas áreas de intervenção, novas figuras e novos projetos de intervenção, que com novas pessoas e instituições refrescam o universo Escolhas e trazem novas soluções.

A inovação ocorre também quando a comunidade manifesta uma nova vontade, necessidade, e aí dão-se reformulações e atualizações dos planos de atividades e dos objetivos propostos.

Também surge quando novos parceiros se agregam ao Escolhas e propõem o teste de novas ideias que entram dentro das comunidades, exemplo disso temos as iniciativas Nove Bairros, Novos Sons, EVA, Da Rua para o Palco, entre tantas outras.

… Cinco questões, cinco respostas, cinco medidas de intervenção…estará o Escolhas atento ao que se passa dentro e fora do seu universo?

Sendo a inovação feita por pessoas e para as pessoas, concluo o presente artigo considerando que o seg-redo da inovação social do Programa Escolhas reside no seu capital humano e relacional, valorizando cada pessoa, cada contributo, cada ideia… o impacto, a antecipação, a prevenção e a intervenção falam por si e estão à vista de qualquer olhar.

73) In http://www.nextrev-lisbon.org/evento_is.html?nextrev=9be8f3a1ace2fc0a69ef14480b6ed9f7 a 2 de abril de 201274) Westwood, Andy, art. User Led Innovation – a future for social policy? In Social Innovation, MTSS/GEP, Sociedade e trabalho booklets n.º 12, Lisboa 2009, p.42 e 43

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9. AVALIAÇÃO EXTERNA

9.1 Artigo temático

As dificuldades da avaliação de programas sociais mas também a indispensabilidade de o fazer

São conhecidas as dificuldades em avaliar programas sociais de grande dimensão e complexidade. Em primeiro lugar, devido a razões de ordem conceptual pois não estão disponíveis enquadramentos teóri-cos e metodológicos para se constituírem como uma “teoria geral” da mudança social, a partir da qual seria fácil retirar os objetivos e resultados que permitissem fundamentar o sucesso de um programa.

Em segundo lugar, porque no caso concreto, o “Programa Escolhas” é um programa: i) com mais de 10 anos de intervenção, com uma evolução notória ao longo do tempo; ii) que abrangeu, ao longo das quatro fases, de 53 a mais de 130 projetos, atingindo um público-alvo de 6.000 a mais de 60.000 crianças e jo-vens; iii) direcionado para um público-alvo muito heterogéneo de crianças, jovens, famílias, etc.

Um terceiro obstáculo advém da dificuldade dos próprios projetos em organizar a informação de modo a viabilizar uma avaliação de base cientifica, não apenas devido à pouca experiência de planeamento e avaliação de projetos sociais mas também, porque se confrontam com as mesmas dificuldades das equi-pas de avaliação externa em “objetivar“ indicadores tão subjetivos, como por exemplo, “autoestima”, “ca-pacitação”, “autorrealização”, etc.

No entanto, é exatamente em nome dessas dificuldades e da diversidade de lógicas de ação que se torna necessário questionar a justeza de um programa deste tipo e a sua adequabilidade a contextos históricos e geográficos tão diversos e, interrogar ainda, a sua replicabilidade a outros territórios. Acrescente-se que o Programa Escolhas recebeu um significativo investimento público, atravessando governações políticas diferentes que necessitavam de informações que justificassem o seu prosseguimento.

A conciliação entre metodologias extensivas e compreensivas: o desenho e a metodologia de avaliação

O facto de a avaliação ter sido realizada pela mesma instituição ao longo do tempo – embora por equipas diferentes - permitiu a coerência de um desenho e de uma metodologia de avaliação que veio desde a 1ª Fase do Programa (2002).

ISABEL GUERRA E ANA DE SAINT-MAURICE

Coordenadoras da avaliação externa do Programa Escolhas CET - Centro de Estudos Territoriais (entre 2001 e 2009) e DINÂMIA - CET (2010-12) 72

72) O presente texto resulta de uma síntese reflexiva inscrita no processo de avaliação externa do Programa Escolhas, avaliação realizada pelo CET- Centro de Estudos Territoriais (entre 2001 e 2009) – e pelo DINÂMIA-CET (2010-12), instituições de investigação associadas ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

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De forma sintética, a avaliação das intervenções territoriais do Programa ESCOLHAS estruturaram-se em quatro momentos-chave, a saber: i) fase da conceção/ pressupostos; ii) fase da implementação e resultados da execução/ concretização; iii) identificação das dinâmicas de organização; e, iv) reconhecimento dos obstáculos e elaboração de propostas/recomendações.

A metodologia utilizada ao longo da avaliação privilegiou a complementaridade entre lógicas, quantitativa e qualita-tiva.

Do ponto de vista metodológico as várias avaliações utilizaram metodologias qualitativas e quantitativas analisando também os documentos produzidos pelos projetos e pelo Programa. Para além da realização de questionários e en-trevistas, os estudos de caso foram privilegiados pois permitiam um aprofundamento da lógica de intervenção de forma mais dinâmica e integrada.

Fig. 9 - Diagrama do processo avaliativo

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Metodologias Objetivos e modus operandi

Análise documental e exploração da Base de Dados dos projetos

Análise dos relatórios de candidatura, de execução e de avaliação de todos os projetos nas suas múltiplas dimensões, incluindo, identificação de referenciais teóricos e metodológicos, objetivos, formas de autoava-liação, tipo de parcerias, formas organizativas, etc..

Estudos de caso (10/15)

A partir de uma tipologia de projetos realizada em função das metodolo-gias de intervenção e tipos de públicos foram sendo realizados estudos de caso - 14 projetos, na 1ª Fase do Programa- 11 projetos na 2ª Fase do Programa- 12 projetos, na 3ª Fase do Programa

- 12 projetos, na 4ª Fase do Programa Caracterizados pela aplicação intensiva de uma diversidade de técnicas de observação e análise, a recolha de informação assentou, preferencial-mente, em entrevistas mais ou menos estruturadas, nomeadamente:- entrevistas aos parceiros- entrevistas ao jovens- conversas informais com crianças- entrevistas a técnicos e coordenadorEntrevistas a informadores, privilegiando o contacto com instituições locais, possuidoras de um conhecimento empírico das dinâmicas sociais locais e dos fatores reais que foram enformando a construção da identi-dade pessoal e social das crianças/jovens, objeto da análise.Pretendeu-se, sobretudo, centrar o olhar sobre referenciais, metodolo-gias de intervenção dissemináveis e resultados nos públicos-alvo.

Entrevistas individuais e coletivas

De forma programada ou informal foram sendo realizadas entrevistas aos vários intervenientes quer no âmbito do estudo de casos quer no âmbito das visitas pontuais aos projetos ou em ações de formação.

Inquérito por questio-nário aos parceiros e técnicos

Foram aplicados questionários – administração direta - aos parceiros e aos técnicos de molde a sistematizar o grau de adesão e a perceção dos resultados e obstáculos do projeto.- 517 na 1ª Fase do Programa- 308 na 2ª Fase do Programa- 631 na 3ª Fase do Programa

Inquérito por questio-nário aos jovens

Na 4ª Fase do Programa está em curso a realização de um inquérito a 360 jovens com mais de 10 anos que procura identificar i) autoimagem dos jovens, nomeadamente, a autoestima; ii) a representação acerca do projeto e do Programa escrutinando‐se a eventual existência de uma “Identidade Escolhas”; iii) a avaliação das atividades e do projeto/Programa em geral; a avaliação das relações sociais; iv) as perceções sobre a Escola e a Formação; v) as expectativas da família e do próprio face ao futuro; vi) perceção da coesão social da comunidade e do meio envolvente.

Observação de atividades e das formas de participação de crianças e jovens

A participação dos jovens e a sua apreciação dos projetos e atividades era analisada através da presença nalgumas atividades e em conversas informais.

Encontros com as equipas centrais do Programa

Ao longo do processo de avaliação, foram sendo discutidos os resultados e partilhadas reflexões sobre os processos em curso

Fig. 10 - Estrutura-tipo das técnicas de recolha de informação mais significativas

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89

Metodologias Objetivos e modus operandi

Análise documental e exploração da Base de Dados dos projetos

Análise dos relatórios de candidatura, de execução e de avaliação de todos os projetos nas suas múltiplas dimensões, incluindo, identificação de referenciais teóricos e metodológicos, objetivos, formas de autoava-liação, tipo de parcerias, formas organizativas, etc..

Estudos de caso (10/15)

A partir de uma tipologia de projetos realizada em função das metodolo-gias de intervenção e tipos de públicos foram sendo realizados estudos de caso - 14 projetos, na 1ª Fase do Programa- 11 projetos na 2ª Fase do Programa- 12 projetos, na 3ª Fase do Programa

- 12 projetos, na 4ª Fase do Programa Caracterizados pela aplicação intensiva de uma diversidade de técnicas de observação e análise, a recolha de informação assentou, preferencial-mente, em entrevistas mais ou menos estruturadas, nomeadamente:- entrevistas aos parceiros- entrevistas ao jovens- conversas informais com crianças- entrevistas a técnicos e coordenadorEntrevistas a informadores, privilegiando o contacto com instituições locais, possuidoras de um conhecimento empírico das dinâmicas sociais locais e dos fatores reais que foram enformando a construção da identi-dade pessoal e social das crianças/jovens, objeto da análise.Pretendeu-se, sobretudo, centrar o olhar sobre referenciais, metodolo-gias de intervenção dissemináveis e resultados nos públicos-alvo.

Entrevistas individuais e coletivas

De forma programada ou informal foram sendo realizadas entrevistas aos vários intervenientes quer no âmbito do estudo de casos quer no âmbito das visitas pontuais aos projetos ou em ações de formação.

Inquérito por questio-nário aos parceiros e técnicos

Foram aplicados questionários – administração direta - aos parceiros e aos técnicos de molde a sistematizar o grau de adesão e a perceção dos resultados e obstáculos do projeto.- 517 na 1ª Fase do Programa- 308 na 2ª Fase do Programa- 631 na 3ª Fase do Programa

Inquérito por questio-nário aos jovens

Na 4ª Fase do Programa está em curso a realização de um inquérito a 360 jovens com mais de 10 anos que procura identificar i) autoimagem dos jovens, nomeadamente, a autoestima; ii) a representação acerca do projeto e do Programa escrutinando‐se a eventual existência de uma “Identidade Escolhas”; iii) a avaliação das atividades e do projeto/Programa em geral; a avaliação das relações sociais; iv) as perceções sobre a Escola e a Formação; v) as expectativas da família e do próprio face ao futuro; vi) perceção da coesão social da comunidade e do meio envolvente.

Observação de atividades e das formas de participação de crianças e jovens

A participação dos jovens e a sua apreciação dos projetos e atividades era analisada através da presença nalgumas atividades e em conversas informais.

Encontros com as equipas centrais do Programa

Ao longo do processo de avaliação, foram sendo discutidos os resultados e partilhadas reflexões sobre os processos em curso

Avaliação da conceção do Programa: mais política do que científica?

A conceção do Programa, em 2000, decorre num clima de grande preocupação pelas percentagens de in-sucesso escolar e pelo aumento da visibilidade pública da violência juvenil. O Programa tem assim um de-senho minucioso centrado nas crianças e jovens com problemas de comportamentos, mas a sua evolução vai sobretudo evidenciar o objetivo da inserção escolar de crianças e jovens com particular atenção para as populações migrantes e, mais recentemente, acrescentando a preocupação sobre o desemprego ju-venil crescente.

De facto, as questões do insucesso, do desemprego e da desqualificação dos jovens inseridos em mei-os sociais e urbanisticamente desfavorecidos, seja qual for o seu conteúdo semântico e efetivo destas definições, é uma manifestação de mal-estar da modernidade e que se manifesta em quase todos os países ocidentais, com mais ou menos intensidade. O Programa Escolhas foi desenhado num contexto nacional e internacional de agravamento desse mal-estar, marcado por elevados índices de insucesso, desemprego, delinquência e criminalidade.

Assim, a evolução do Programa manifesta a sensibilidade dos decisores políticos aos dinamismos sociais e, de alguma forma, a atenção dos media para esses problemas.

Mas esta evolução das intencionalidades do Programa, dos objetivos e dos públicos-alvo (ao longo dos várias fases do PE) mostra dois traços que podem ter leituras inversas. Por um lado, numa dimensão positiva demonstra-se a capacidade política em acompanhar as reais necessidades do país, ajustando o Programa a contextos que sempre evoluem em mais de uma década de trabalho; mas, por outro lado, a dificuldade de proceder a uma avaliação mais sistemática dos indicadores de evolução da situação, pode colocar o Programa ao sabor da mediatização dos problemas.

A avaliação permitiu mostrar que a estrutura do Programa conseguiu conciliar quer as dinâmicas sociais de transformação da sociedade portuguesa quer as definições que politicamente iam sendo definidas, mostrando-se adequado à diversidade de públicos, dos contextos regionais e de problemáticas associa-das aos riscos juvenis.

Como medir os resultados? Resultados processuais ou impactos reais?

Os resultados e impactos do Programa Escolhas, alcançados ao longo de 10 anos, são o corolário dos vários figurinos que o Programa foi tendo ao longo das quatro fases, moldados: i) pela coluna dorsal dos grandes objetivos a que se propunha; ii) pelo perfil do público-alvo, por sua vez subsidiário das metas de-senhadas; iii) pelos atores institucionais envolvidos com protagonismos variáveis e revelando assimetrias organizacionais75; iv) pelas competências e saberes dos técnicos que trabalhavam no terreno; v) pelas metodologias de intervenção sucessivamente ajustadas aos contextos; vi) pela capitalização das apren-dizagens decorrentes das avaliações internas e externas e outros instrumentos promotoras de reflexivi-dade; e vii) por indicadores conjunturais de geometria variada.

A avaliação externa tentou ao longo do tempo, conciliar uma avaliação processual (as atividades decor-reram como o previsto? qual o grau de satisfação dos vários intervenientes? que impacto teve o Programa nos parceiros envolvidos e outros atores sociais), com uma avaliação de impactos centrada nos objeti-vos (como aumentou a autoestima, a capacitação e o empreendedorismo de crianças e jovens? como evoluíram os níveis de escolaridade e de formação profissional de crianças e jovens, etc.?).

Principais impactos do Programa Escolhas

Os impactos que foram sendo identificados ao longo dos processos de avaliação externa relevam dos formatos das intervenções mais ou menos apelativos, mais ou menos mobilizadores, mas também, da per-meabilidade dos públicos às intervenções planeadas. Muitos dos impactos ao nível das transformações de atitudes e percursos, do prazer pela vida e da redescoberta da sociabilidade positiva, do reforço da

75) Na 2ª fase ainda eram presentes culturas organizacionais pouco adaptadas à cooperação interorganizacional consideravelmente marcadas pela intrainstituciona-lidade e por estruturas verticalizadas.

Page 91: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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confiança nos mais velhos e da reestruturação de projetos para o futuro, são impossíveis de medir em avaliações com a estrutura e funcionamento da que foi realizada mas estão presentes em frases retiradas da observação dos contextos locais.

Os jovens

“[O que mudou?] a cabeça. Somos mais responsáveis.” (jovem)

“[o que é que mudou?] em mim foram as atitudes. (jovem)

“Mudamos o comportamento entre nós. Mudamos o comportamento entre nós e entre os pro-fessores.” (jovem, )

“Eu falo melhor com os meus pais e tios…” (jovem)

Vejam-se quais os impactos mais relevantes quer para os públicos-alvo do Programa quer para as orga-nizações envolvidas, enquanto parceiros institucionais na Figura “Principais impactos nos públicos-alvo” que sumariza os efeitos mais importantes, destacando as principais dimensões de intervenção do Pro-grama, a saber: Inserção escolar, Promoção de competências pessoais, sociais e cívicas, Orientação e encaminhamento profissional e vocacional, Promoção da Inclusão digital e o Desenvolvimento de com-petências parentais. Contudo, a sua prossecução regista diferentes níveis de resultados alcançados. Neste sentido, é possível dar conta de cinco níveis de resultados:

1. Uma intervenção generalizada na promoção do sucesso escolar tendencialmente preventiva e com resultados maioritariamente alcançados;

2. Uma forte intervenção e impacto nas competências pessoais, sociais e cívicas, dimensão apresentada como promotora e basilar na promoção dos restantes resultados;

3. Uma aposta no encaminhamento para a formação profissional e para o mercado de trabalho ainda que esta última revele resultados dificultados pela pouca oferta de emprego, as baixas qualificações e algum desajuste entre a procura e a oferta de formação. Este cenário obriga a que o encaminhamento para for-mação profissional se torne um fim e, menos um meio, para uma inserção laboral mais qualificada;

4. Uma aposta na promoção de inclusão digital, em alguns casos como objetivo em si mesmo, outras como estratégia e contributo para a capacitação pessoal, social, escolar e técnica;

5. Uma intervenção junto das famílias, centrada na promoção da valorização do percurso escolar dos seus educandos e no incremento das suas competências parentais, porém, com resultados aquém do espe-rado, ainda que a parca apresentação de indicadores de resultado dificulte a sua apreciação76.

76) Na 4ª Fase do Programa as famílias passaram de destinatárias a beneficiárias.

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Fig. 11 - Principais impactos nos públicos-alvo

A avaliação foi ainda chamando a atenção para alguns aspetos mais críticos:

• Não controlo, em todos os projetos, dos destinatários, optando-se por integrar crian-ças e jovens que se aproximavam do projeto ou preferindo investir-se numa estratégia de prevenção, na medida em que se considerava que a intervenção com jovens mais velhos era mais difícil. Contudo, esta situação foi infletida na 4ª Fase do Programa, como é dito no 2º relatório da Avaliação Externa: “É interessante verificar que o es-calão etário 14-18 anos, identificado na avaliação do Programa anterior como sendo o que registava maior dificuldade de mobilização, assumiu, nas intenções na atual fase do Programa, maior representatividade, que aliás é progressivamente crescente em todas as zonas geográficas. Este dado poderá resultar da capitalização de experiência de intervenção acumulada e de uma maior focalização da intervenção.”77

• Também o incremento da empregabilidade e do emprego tem tido menor expressão face às vontades iniciais enunciadas em sede de candidatura o que, de resto, espelha o panorama nacional.

• A capacidade de estimular dinâmicas associativas e de participação comunitária dos parceiros locais (desenvolvimento de redes locais de entreajuda; capacitação, eman-cipação e empowerment; criação de dinâmicas associativas formais ou informais) pa-recem também revestir-se de alguma dificuldade para os projetos.

Todavia, algumas destas dificuldades são superadas na 4ª Fase do Programa onde se constata, a partir da análise das realizações, que “são as medidas I. Inclusão escolar e educação não formal, III. Dinamização comunitária e cidadania e V. Empreendedorismo e capacitação, que reúnem uma maior participação de crianças e jovens. Concomitantemente, constata-se uma aposta na qualificação como forma de reverter os baixos níveis de qualificações que caracterizam muitos dos contextos de intervenção dos projetos. A maior proporção de integrados na Escola ou em Formação, disso dá conta. No atual cenário de elevada taxa de desemprego juvenil, crê-se que será por via da qualificação que conseguirão alcançar melhores

77) Avaliação externa da Execução técnica dos Projetos financiados pelo Programa Escolhas, 2º Relatório de Progresso, DINÂMIACET, evereiro de 2012.

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oportunidades. Nesse sentido, a aposta na educação e formação profissional assume um lugar de de-staque e reforça as dimensões de intervenção.”78

As Parcerias

A lógica da avaliação considera como resultado o fortalecimento do trabalho local de parcerias, mesmo não sendo este um objetivo do projeto mas um meio para atingir os objetivos. Mas, de facto, o reforço do consórcio de parceiros constitui não apenas um reforço dos recursos, mas também um fortalecimento do capital social local. Este parece desenvolver-se em períodos de crise, quando as regulações macro sociais - mercado, Estado, sociedade civil - estão de tal forma abaladas que parece existir espaço para a recriação das formas de ação coletiva e para a inovação social e, ser possível, alguma experimentação.

Acredita-se, que estes micros sistemas sociais podem constituir-se como “laboratórios sociais”, lugares de inteligibilidade e de emergência de novas relações sociais pois existe um efeito de proximidade que favorece uma dinâmica coletiva, capaz de rejeitar formas de dominação e reconstituir formas de partilha.

De uma forma global há uma apreciação maioritariamente positiva da dinâmica de parceria e da relação entre esta e os técnicos mobilizados para os projetos.

Assente numa lógica tendencialmente bottom-up, o Programa atribui um papel fundamental aos par-ceiros locais enfatizando sobretudo, e de modo muito positivo, os seguintes aspetos:

• A mais-valia trazida enquanto conhecedores privilegiados das problemáticas e necessidades locais;

• A capacidade enquanto atores com experiência e conhecimento do trabalho local em parceria, em converter este know-how numa melhor conceção e implementação de um projeto de inter-venção local;

• O reforço de troca de informação e de saberes gerado pelo clima de trabalho do consórcio.

“No que diz respeito aos impactos ao nível dos consórcios verificou-se que, segundo a perspetiva dos inquiridos, o Programa teve efeitos destacáveis ao nível da consolidação de parcerias locais, no aumento da consciencialização face aos processos de exclusão infantojuvenil locais e respetiva mobilização local para a resposta a essas questões, na troca de experiências e práticas, no incremento da capacidade de inovação e aprendizagem organizacional.”79

78) Avaliação externa da Execução técnica dos Projetos financiados pelo Programa Escolhas, 2º Relatório de Progresso, DINÂMIACET, fevereiro de 2012.79) Relatório de Avaliação de Implementação II, E-2G, Escolhas 2ª Geração, CET-ISCTE, 2007.

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Figura 12 - Impactos nas parcerias institucionais

Alguns aspetos menos conseguidos relacionam-se quer com o afastamento de algumas parcerias essenciais, notada-mente, na área do emprego e das empresas, quer com as interações e hierarquias mais complexas entre parceiros.

Conclusão

O processo de avaliação se clarificou alguns dos impactos, resultou também num elevado número de questões e interrogações relativamente ao seu objeto de avaliação. Foram produzidos relatórios mais detalhados em função dos instrumentos de inquirição sendo este um documento síntese que procura sistematizar, organizar e dar sentido a um vasto conjunto de informação recolhida. Um produto desta natureza não esgota todos os resultados, conclusões e corolários deste processo. O procedimento de condensar e compendiar – e o esforço de síntese que lhe subjaz – implica sempre uma seleção e triagem da informação pertinente, por conseguinte, as informações e resultados aqui apresentados não procuram ser exaustivos, procuram, sobretudo, fornecer informações relevantes e úteis em torno de um conjunto concreto de dimensões avaliativas.

Pesem embora todos os condicionalismos, se não conseguimos tudo “medir”, assumimos, como Paulo Freire, que “ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo, por isso aprenderemos sempre”.

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CAPÍTULO 2

1. Artigo de enquadramento

A ELABORAÇÃO E VALIDAÇÃO DE RECURSOS ESCOLHAS - O PROCESSO E A METODOLOGIA

Na sequência de 10 anos de trabalho e de quatro gerações de projetos Escolhas foi-se sedimentando um património de experiência e conhecimento que se concretizou na construção pelos projetos de soluções inovadoras e de boas práticas de intervenção social. Importa agora identificar e organizar esse património para que possa ser partilhado e utilizado numa escala mais alargada por pessoas e organizações empe-nhadas na prevenção e no combate à exclusão social de crianças e jovens.

Neste sentido, a direção do programa lançou um desafio aos coordenadores dos projetos da 4ª geração Escolhas para que identificassem atividades do seu projeto, passíveis de constituírem boas práticas e/ou soluções inovadoras80 de intervenção, no sentido de se elaborarem recursos técnico-pedagógicos a partir destas. Estes seriam posteriormente experimentados e validados com vista à seleção e edição dos que, num processo de reflexão e validação interpares, obtivessem um maior reconhecimento do seu valor e tivessem, simultaneamente, maior potencial de disseminação.

Iniciou-se assim, no âmbito de um plano de formação de coordenadores de projeto, um processo de elaboração e validação de Recursos Escolhas que decorreu ao longo dos últimos dois anos e levou à identificação, aprofundamento e consolidação de mais de uma centena de recursos Escolhas de entre os quais foram selecionados para edição 35 provenientes de diferentes áreas temáticas de intervenção. Desta forma pretende-se não só fazer justiça ao trabalho realizado pelos projetos, reconhecendo publica-mente o seu mérito e valor, mas também deixar um legado Escolhas com referenciais práticos que ajudem outros atores a conceber as suas soluções de intervenção podendo obter inspiração em metodologias e instrumentos testados no terreno e validados por pares e peritos externos independentes.

O objetivo deste artigo é apresentar o processo e a metodologia que orientou a elaboração e validação de recursos.

O que é um Recurso Escolhas?

No plano formal um Recurso Escolhas é constituído por duas componentes principais:

a) Uma ferramenta/instrumento e/ou um dispositivo/metodologia de intervenção que configura uma boa

80) A inovação pode consistir na reinvenção, simplificação ou a adaptação a um determinado contexto ou grupo-alvo específico deum recurso ou solução já existente, no sentido de a tornar mais adequada e eficaz. Uma boa prática constitui uma solução de intervenção que, face a outras práticas alternativas em utilização, confirmou a sua pertinência e eficácia acrescida e obteve o reconhecimento do seu valor por pares e peritos externos.

MANUEL PIMENTA

Sociólogo, perito externo responsável pelo pro-cesso de validação dos Recursos Escolhas

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prática e/ou uma solução inovadora de intervenção; b) uma narrativa que explicita detalhadamente o seu modo de utilização e que permite uma apropriação e utilização autónoma por terceiros, situados noutros contextos ou situações de intervenção.

Neste entendimento, um Recurso Escolhas é para partilhar, não é uma solução para autoconsumo, por isso deve ser equacionado e sistematizado de forma a poder ser replicado para além do projeto que o concebeu, dentro e fora do universo Escolhas.

A nível dos conteúdos, um Recurso Escolhas constitui uma solução de intervenção que contribuiinequivocamente para promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socio-económicos mais vulneráveis.

Para que seja elegível para edição final, um Recurso Escolhas terá que:

• Constituir a materialização de uma boa prática e/ou solução inovadora de intervenção que con-firmou experimentalmente a sua pertinência, utilidade e mais-valia para a solução de problemas sociais e para a melhoria das práticas das organizações e dos projetos;

• Ver devidamente reconhecida e validada a sua qualidade e valor acrescentado, por parte de pares provenientes de outros projetos e de peritos independentes, a cuja análise crítica foi sub-metido nas sucessivas fases do processo da sua elaboração e desenvolvimento.

Vejamos então a sequência de etapas articuladas de elaboração, experimentação e validação de um Re-curso e a metodologia de trabalho utilizada nesse processo.

Etapas, protagonistas e metodologia81

Em alinhamento com a filosofia Escolhas, a metodologia de elaboração e validação de recursos baseia-se em dois princípios fundamentais, o da participação e o da capacitação/autonomia que são transversais a todas as etapas do processo. Em termos práticos a incorporação destes dois princípios na metodologia de elaboração de recursos levou a uma valorização da participação e do diálogo interpares como base fundadora e fundamental de todo o processo. Assim, nas sucessivas etapas de elaboração e validação dos recursos, o diálogo, o debate de ideias e a reflexão interpares sobre as soluções em análise foram elementos determinantes da qualidade do processo e dos resultados. Este aspeto seria complemen-tado e consolidado através da valorização de exercícios de autoavaliação pelos projetos, envolvendo todos os atores pertinentes implicados na experimentação dos recursos, e ainda com a participação de consultores externos, peritos nas diferentes áreas temáticas, que promoveram uma reflexão de natureza teórica-conceptual sobre as práticas e propostas dos projetos.

A elaboração dos Recursos Escolhas decorreu em 3 fases e 5 etapas articuladas: uma fase inicial, inclu-indo as etapas 1 e 2; uma fase intermédia, correspondente à etapa 3; uma fase final correspondente às etapas 4 e 5. Tratou-se de um processo aberto, flexível e interativo que foi integrando tudo aquilo que podia contribuir para melhorar e aprofundar o recurso, reforçando a sua pertinência e a sua utilidade, no sentido de responder melhor aos problemas e necessidades dos seus potenciais utilizadores e facilitar a sua transferibilidade. O quadro seguinte sintetiza as referidas etapas.

81) Em termos metodológicos o modelo de elaboração e validação de Recursos Escolhas resulta da apropriação crítica e da reinvenção da “metodologia de validação de produtos” utilizada pela Gestão portuguesa do Programa de Iniciativa Comunitária EQUAL. Vd. Gabinete de Gestão Equal, Produtos Equal: Validar para di-sseminar, 2004

Page 97: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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Etapas objetivos Metodologia/atividades Protagonistas

1ª – Etapa

Seleção de atividades do projeto.

Identificar atividades do projeto que constituam boas práticas ou soluções

inovadoras de intervenção com potencial acrescido de eficácia e impacte na pro-

moção da inclusão social;

Identificar e caracterizar o recurso a elaborar e validar;

Incorporar comentários da equipa de formação às atividades propostas que

darão origem ao recurso a elaborar.

Realização de um exercício de autoavaliação para iden-tificação das boas práticas

e atividades inovadoras suscetíveis de configurar um Recurso Escolhas dis-

seminável.

Coordenação e elementos da equipa técnica, do consórcio e

dos destinatários do projeto.

Equipa de forma-ção responsável pelo processo de elaboração

de recursos.

2ª – Etapa

Validação interpares - 1º nível de validação. (Seminários regionais)

Apresentar a ideia inicial de recurso para análise, debate e validação inter-

pares;Obter o feedback dos pares, clarificar e

aprofundar a ideia inicial;Confrontar recursos alternativos para

identificação de zonas de convergência e/ou complementaridade que permitam

criar recursos-síntese.

Apresentação, debate e reflexão interpares da ideia inicial do Recurso a elabo-

rar (consultoria interpares); aplicação dos critérios

de qualidade Escolhas e avaliação do potencial de disseminação do recurso.

Coordenadores e autores do

recurso, pares provenientes

de outros proje-tos e elementos técnicos da di-

reção Escolhas.

3ª Etapa –Elaboração do protótipo e experi-mentação do recurso;

Consultoria técnica.

Elaborar e testar um protótipo do Recurso;

Criar um dispositivo de monitorização e autoavaliação;

Aprofundar e consolidar os recursos em elaboração (consultoria técnica);

Elaborar o dossiê de recurso e a nar-rativa dos modos de utilização;

Apresentar e debater com os consul-tores externos o trabalho desenvolvido;

Melhorar o recurso incorporando as recomendações produzidas por pares e

consultores.

Execução das atividades de experimentação do

recurso;Realização de um exercício

de autoavaliação;Sistematização do recurso: enquadramento teórico e

conceptual; instrumentos e narrativa;

Realização de sessões de apresentação dos recursos

a pares e a consultores externos.

Coordenação e elementos da equipa técnica,

do consórcio e dos desti-natários do

projeto;

Consultores externos,

peritos da área temática do

recurso.

4ª Etapa – Validação final por pares e peritos externos.

Validar o recurso elaborado e testado pelo projeto;

Produzir recomendações de melhoria do recurso;

Selecionar os recursos com maior potencial de disseminação.

Realização de um exercício de validação do recurso, participado por pares da

mesma área temática e por peritos externos.

Autores, pares e peritos externos

independentes; elementos da direção Escolhas.

5ª Etapa – Consoli-dação dos recursos.

Consolidar a versão final dos recursos validados através da incorporação das

sugestões resultantes da sessão de validação;

Desenhar uma estratégia de dissemi-nação;

Apresentar publicamente os recursos Escolhas selecionados.

Apoio técnico por parte dos consultores externos;

Planeamento da dissemina-ção do recurso;

Participação em mostra pública de disseminação e experimentação de recur-

sos escolhas.

Autores e consultores

externos.

Fig. 13 - Elaboração e validação de Recursos – Etapas, objetivos, metodologia e protagonistas

Page 98: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

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Fase inicial - a identificação de um recurso e validação interpares da ideia inicial

O processo inicia-se com verificação prévia, por parte dos projetos e seus protagonistas (técnicos e outros), da existência no seu plano de atividades de dois pressupostos ou requisitos de base que constituem a condição necessária para avançar para a elaboração, teste e validação de um recurso, a saber:

1 - Existência da capacidade efetiva, já demonstrada ou a demonstrar, de uma determinada atividade (ou conjunto articulado de atividades) promover a inclusão social de crianças e jovens, a igualdade de opor-tunidades e o reforço da coesão social;

2 - A certeza de que o Recurso a desenvolver constitui uma interpretação correta da filosofia Escolhas, assumindo e incorporando os seus princípios, nomeadamente os da inovação social, da parceria, da par-ticipação e do diálogo intercultural.

Após a verificação destes dois requisitos, que confirmam o alinhamento do recurso a elaborar com os objetivos e com a filosofia do Programa Escolhas, os projetos devem ter em consideração no decurso da sua elaboração os seguintes critérios de qualidade: Inovação; Pertinência; Utilidade; Capacitação / Autonomia; Transferibilidade82.

Após a seleção de um recurso (ou uma ideia/esboço de recurso) pelos elementos de um projeto, dá-se início a uma sequência de etapas visando o seu desenvolvimento, aprofundamento e elaboração de um protótipo a testar e validar o qual será posteriormente apresentado nas sessões de consultoria e nos Seminários Regionais e Nacionais (no âmbito do programa de formação de coordenadores de projeto). Neste fórum de reflexão e debate, que designamos como consultoria interpares, concretiza-se o 1º nível de validação do recurso (ou da ideia inicial). Os projetos submetem aos seus pares as suas hipóteses de ação, apresentam as suas ideias e discutem-nas com aqueles que no terreno enfrentam o mesmo tipo de problemas. Obtêm então o reconhecimento, ou não, do valor, utilidade e potencial de disseminação do recurso que se propõem desenvolver, condição necessária para prosseguir na sua elaboração, teste e validação. A subsequente incorporação da perspetiva dos pares (identificando méritos e insuficiências e fazendo recomendações) permitirá uma primeira adaptação do recurso às necessidades dos seus poten-ciais utilizadores, prosseguindo o seu aprofundamento e consolidação com vista à disseminação.

Fase intermédia – elaboração do protótipo e experimentação do recurso

Na etapa seguinte, que consiste no desenvolvimento e experimentação do protótipo do Recurso, a equi-pa técnica cria um dispositivo de monitorização e autoavaliação para no decurso das atividades de experi-mentação reunir as evidências que lhes permitirão demonstrar, em sede de validação final, a incorporação no recurso dos 5 critérios de qualidade anteriormente referidos.

82) Os 5 critérios propostos constituem um referencial de base para orientar e focalizar os projetos, ao longo do processo de elaboração, teste e validação dos recursos Escolhas, nos aspetos que podem considerar-se essenciais para garantir a qualidade dos recursos e assegurar a sua posterior transferência para outros contextos de intervenção. Os projetos deveriam selecionar os indicadores que considerassem pertinentes para que ao longo do processo e no final pudessem demonstrar o efetivo cumprimento de cada um dos critérios de qualidade. Considerando a singularidade dos recursos e a especificidade dos contextos os projetos poderiam sugerir crité-rios adicionais de forma a melhor caracterizar e valorizar o seu trabalho.

Page 99: Handbook: Fazer Escola com o Escolhas

98

Nesta fase, os projetos beneficiam do apoio de um consultor externo, perito na área temática em que se insere o recurso, o qual promove encontros entre os projetos para prosseguir a clarificação e aprofun-damento da ideia inicial. Com estas sessões de consultoria, onde se cruzam os olhares de peritos exter-nos independentes e de pares da mesma área temática, cria-se o espaço – tempo de diálogo e reflexão para confrontar recursos alternativos e identificar zonas de convergência e de complementaridade que permitam criar Recursos-síntese a desenvolver e disseminar de forma partilhada no âmbito das Redes Escolhas83.

Ainda nesta fase, a equipa reúne as evidências demonstrativas do valor do seu recurso através da ava-liação do processo e dos resultados das atividades de experimentação; procede à formatação e siste-matização do trabalho, reunindo o material necessário à análise do recurso, em sede de validação, e à sua apropriação e incorporação autónomas por outros em sede de disseminação. Para permitir a validação e assegurar a transferibilidade metodológica, organiza-se um dossiê de recurso onde se apresenta o en-quadramento teórico/conceptual, a explicitação clara e detalhada dos conceitos utilizados, os instrumen-tos e ferramentas de implementação e uma narrativa explicitando os procedimentos e requisitos técnicos necessários à boa utilização do recurso noutros contextos de intervenção.

Fase final – Validação e consolidação final do recurso

A metodologia de validação final de um Recurso Escolhas segue a mesma lógica das etapas precedentes, isto é baseia-se fundamentalmente no diálogo e reflexão interpares, complementado pelo olhar externo dos peritos e de elementos técnicos da direção Escolhas.

A sessão de validação consiste numa sequência de 4 momentos: apresentação do recurso pelos autores; esclarecimento das questões levantadas pelos participantes; análise por pares e peritos da apresentação efetuada e dos materiais disponibilizados e preenchimento da ficha de validação com a atribuição de uma notação aos referidos critérios de qualidade (de 1 - fraco a 4 - muito forte); comunicação aos autores das notações atribuídas, das conclusões e recomendações.

Para além da verificação do cumprimento dos critérios de qualidade de um recurso, condição primeira da sua elegibilidade para validação, através do exercício de validação analisa-se sobretudo o potencial de disseminação do recurso e se estão reunidos os requisitos técnicos necessários, isto é se o mesmo se encontra devidamente sistematizado, incluindo a narrativa da prática, a explicitação da metodologia, os instrumentos e procedimentos de apropriação necessários à boa incorporação da solução por outros atores sociais situados noutros contextos de intervenção. O que está em causa em sede de validação é avaliar se um determinado recurso está apto para prosseguir no sentido da disseminação, isto é, para passar do nível do “autoconsumo”, no âmbito do projeto que o concebeu, para o nível da utilização numa escala mais alargada.

A discussão e debate (transversal a todas as etapas) de um determinado recurso e a incorporação, por parte dos seus autores, das recomendações produzidas nas sessões de consultoria e de validação pos-sibilitam a adaptação do recurso às necessidades dos potenciais utilizadores e reforçam a sua pertinên-cia, utilidade e mais-valia. Nesta etapa final começa a perspetivar-se a sustentabilidade da sua utilização futura numa escala mais alargada (transferibilidade) por parte de outros projetos, organizações e agentes exteriores ao universo Escolhas e começar a desenhar-se uma estratégia de disseminação.

Balanço do processo e dos principais resultados.

Desenvolvida no âmbito de um programa de formação, alternativo ao modelo clássico, a elaboração de Recursos Escolhas produziu efeitos a vários níveis, contribuindo nomeadamente para a consolidação da experiência e do conhecimento dos participantes e das organizações e para o aprofundamento dos seus

83) Alguns projetos optaram por desenvolver os seus recursos em parceria o que terá permitido um debate mais amplo dos problemas e das soluções e a possibili-dade de experimentação em diferentes territórios.

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projetos; para a promoção de uma cultura de avaliação e de validação interpares dos recursos técnico-pedagógicos dos projetos que constituíram o objeto de partilha e a base de uma metodologia de reflexão-ação.

Ao longo do processo criou-se uma dinâmica de ação-pesquisa que levou os 132 projetos Escolhas e seus protago-nistas a procederem à atualização on-going do diagnóstico dos problemas e das soluções que conceberam para os seus territórios e/ou problemáticas específicas, criando assim um mecanismo de autorregulação que favoreceu, simultaneamente, o fortalecimento dos projetos e a consolidação das suas dinâmicas de intervenção e de inovação.

Os recursos foram concebidos num contexto formativo que promoveu uma ampla circulação de boas ideias e que encorajou os participantes a pensar e agir em conjunto para desenvolverem novas hipóteses de intervenção mais eficazes na resolução de problemas comuns. Neste processo orgânico de afinação das soluções, os défices e as insuficiências não são encarados negativamente, mas numa perspetiva construtiva de identificação de espaços de aprendizagem e de inovação a explorar. A metodologia de reflexão e de formação-ação utilizada promoveu a aprendizagem interpares, através da partilha de exemplos e práticas, e o vai-e-vem entre a experimentação e o diálogo permitiu criar recursos que vão ao encontro das necessidades efetivas de quem procura soluções técnico-pedagógicas para os problemas e necessidades das crianças e jovens. Com frequência, no decurso das sessões de validação, os participantes disseram coisas deste tipo: Como é que eu ainda não tinha pensado nisso? Era mesmo isso que eu precisava! Vou já replicar esta ideia no meu projeto; Eu “compro” este recurso!

Considerando os resultados obtidos, no plano individual e dos projetos, a metodologia Escolhas de elaboração de recursos poderá considerar-se uma boa prática de formação e um modelo a replicar noutras situações.

Perspetivando a etapa da disseminação importa sublinhar que o requisito primeiro para uma boa utilização de um Recurso Escolhas consiste na sua apropriação ativa e criativa, isto é, na sua recontextualização e reinvenção, em diálogo plural com os diferentes protagonistas e em particular como os destinatários finais das intervenções. Os Re-cursos Escolhas são referenciais, testados e validados, que devem ser sempre ajustados aos novos contextos de uti-lização. Preconiza-se portanto uma lógica de apropriação criativa baseada nos princípios Escolhas, da participação, capacitação e autonomia. Utilizando uma metáfora simples, poderíamos dizer, para concluir, que na sua versão final os recursos são partituras e instrumentos que cada utilizador (re)interpreta, afina e toca à sua maneira, conforme a sua criatividade e virtuosidade, as condições específicas em que trabalha e o público com quem trabalha.

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2. OS RECURSOS ESCOLHAS NA ÓTICADOS PERITOS EXTERNOS2.1 Artigo temático

O convite de Pedro Calado para integrar este painel de peritos para avaliação dos projetos na área da promoção de Competências Sociais e Sociais foi coincidente com um episódio que se passou no GAP - Gabinete de Apoio Psicológico da UTL.

Uma aluna com um passado “pesado” tinha conseguido fazer o 12ª ano e entrar para a Faculdade e estava agora a acabar a sua Licenciatura. Em conversa sobre qual o “clic” que num certo ponto do seu percurso a tinha feito mudar de trajetória e ultrapassar todas as barreiras na prossecução de um projeto de vida diferente dizia-me ela: “Foi o “Escolhas”. Nunca ouviu falar? É um programa para jovens, jovens com pro-blemas como eu. Havia “Escolhas” na minha zona e eu não queria mas acabei por ir lá com uma amiga e eles acreditaram em mim, acharam que eu era capaz, ouviram-me e deram-me muita força e eu acabei o 12º ano sempre com eles a dizer “estás a ver!“ e eu esforcei-me porque se eles acreditavam eu também acreditei e depois quando eu entrei para a Faculdade foi como se tivéssemos entrado todos. Nunca tinha tido uma “família” assim: nunca tinha tido nem ninguém para me dar força e dizer que eu era capaz, nem ninguém para depois festejar comigo”.

O Escolhas está desde já de parabéns, como este exemplo ilustra, nas suas concretizações e na sua Fi-losofia. Aceitei com grande agrado entrar, também eu, para esta família e a tarefa proposta foi a avaliação de um conjunto de projetos ESCOLHAS na área das Competências Pessoais e Sociais.

Inovação

O primeiro filtro de avaliação que nos foi proposto foi a associação da inovação à construção de recursos, acompanhados de uma narrativa que deveria ser autossuficiente, deveriam além disso ter sido testados e avaliados.

Foi depois considerada complexa a ideia da “inovação“ enquanto “conceito-chave”, e este conceito foi abandonado como a “linha de distinção”: inovação não seria pois, dali em diante fazer algo nunca antes vis-to e pensado, mas sim o acréscimo de um degrau, ou de alguma alteração em algo anterior, progredindo assim um pouco (curiosamente o que preconiza o Horizon 2020 - “Stairways to excellence”).

Os Recursos

Concentrámo-nos então na ideia de “recurso”: um material ou um conjunto de materiais que devia ter sido experimentado e avaliado e que devia vir acompanhado de uma narrativa, de “um modo de usar”, de tal modo que outra equipa pudesse replicar o recurso, apenas com o auxílio dessa narrativa. Foi nesta dificuldade que passámos as primeiras sessões a inquirir ”mas afinal onde é que está o recurso? A maior parte dos “recursos” nesta fase eram relatos de experiências pessoais, sem a preocupação da “utilização

MARGARIDA GASPAR DE MATOS

Psicóloga, Coordenadora do Projeto Aventura Social, Professora Catedrática

na UTL e investigadora no CMDT/UNL

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por outros”.

Experimentação e Avaliação

Alguns recursos não tinham sido experimentados ainda, outros não tinham sido avaliados e outros tinham usado uma avaliação muito estrita e específica (escalas psicológicas que, para além de muito pesadas, não correspondiam a atitudes ou competências associáveis ao recurso da sua mudança; para além disso, outras escalas de utilização clínica seriam instrumentos perigosos se usados num contexto comunitário, na ausência de profissionais especializados na sua utilização).

A fase seguinte teve pois a ver com alterar esta avaliação não a limitando a partir de “produtos finais e alte-ração de comportamentos”, mas incluindo a avaliação do impacto da ação, do processo da sua utilização e de alguns produtos equacionados como “listas” de alterações de comportamentos e de atitudes, tanto de autorrelato como de observação dos técnicos, ou ainda registo de incidentes críticos ou de opinião/satisfação dos participantes, a partir de respostas abertas.

Tipologias

Considerámos que poder-se-ia incluir todos os 48 projetos desta área em três tipos de projetos:

1) Projetos para e com pais e famílias onde a componente da intervenção com famílias e a participação das famílias era o foco da proposta.

2) Projetos mais associados à escola e à resolução de problemas educativos: pedagógicos e de gestão do espaço escolar

3) Projetos propriamente na área da promoção de competências pessoais e sociais. Dentro destes havia ainda dois sub-grupos: uns projetos mais associados à construção de um utilitário para explorar nas equipas - um jogo, um instrumento, um objeto pedagógico; outros que apare-ciam com uma proposta de manuais com descrições de sessões de programas de promoção de competências pessoais e sociais.

Em geral, os projetos tinham qualidade, (entre alguma qualidade e qualidade excelente), mas duplica-vam-se e, como a tentativa era encontrar “ OS recursos ESCOLHAS” foi feita uma tentativa de agrupa-mento de equipas e de as levar a juntar esforços na produção e proposta de um recurso conjunto. Foi possível em alguns casos mas muito difícil considerando a distância geográfica uma vez que as equipas eram oriundas de todo o país.

Validação entre Pares: Transferibilidade e Relevância

Seguiu-se um período de reestruturação e uma fase de avaliação dos recursos e sua validação entre pares. A ideia foi avaliar até que ponto as outras equipas achavam cada proposta passível de transferên-cia para as suas realidades mantendo-se relevante numa realidade diferente.

Sustentabilidade e Participação

Pelo menos para os recursos que se apresentaram nesta fase, foi já mais obvio “onde estava o recurso”, as instruções de “como usar”, bem como a sua experimentação e avaliação prévia. A grande questão desta fase foi a sustentabilidade dos recursos: como fazê-los continuar por si só sem apoios externos? Numa perspetiva de transição e utilização numa nova geração ESCOLHAS? Por outro lado preocupou-nos a questão da participação da população alvo em todas as fases do processo da elaboração e avaliação do recurso, desde a listagem dos problemas à sua resolução, concretização e avaliação. Alguns dos recursos, pareceu-nos, seriam mais interessantes se pudessem ser transformados em propostas generativas, em construção permanente, mantendo-se o guião geral e a retro-alimentação da população utilizadora. Por fim afinaram-se “os tons”: numa proposta que se pretende integradora não pode haver lugar a protecionis-mos, paternalismos, assunções olímpicas do que é “melhor“ ou do que é “pior” para esta ou aquela popu-lação. A boa solução seria uma interação perfeita entre o que é a raiz cultural e a competência pessoal,

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afinada com as necessidades ou vicissitudes deste ou daquele contexto ou situação. O técnico ESCO-LHAS e o seu recurso ESCOLHAS não podem ser um “homogeneizador” de diferenças culturais, nem uns arautos do “certo” e do “errado”.

Podem sim ser agentes da maior importância no reconhecimento das competências de uma comunidade e no apelo à participação das populações nas soluções que lhes dizem respeito, com toda a consideração e com todo o interesse e curiosidade pelas propostas inovadoras vindas de culturas diferentes.

Os recursos estão agora prontos e disponíveis para ser utilizados, divulgados, incorporados e sustenta-dos pelas diferentes equipas ESCOLHAS. Pelo menos um grande desafio fica ainda de pé: “usá-los” com as populações–alvo ou “deixar a população–alvo apropriar-se e mudá-los à medida dos seus interesses, necessidades e afinidades”?

Uma última palavra relativa à revisão da literatura científica na área. Esta revisão começou por ser um requisito ESCOLHAS que depois foi relativizado com receio que os RECURSOS se tornassem trabalhos académicos, interessantes e corretos mas afastados da linguagem das populações-alvo.

No entanto garantidamente usámos o que de mais recente se diz na literatura científica.

Depois do foco posto na definição de competências “em falta” e respetivo treino (que caracterizou os programas de promoção de competências pessoais e sociais dos anos oitenta), passou-se desde então ao reconhecimento e à valorização das competências das pessoas e comunidades. Os modelos “do défice” deram lugar aos modelos dos “trunfos” ou dos “ativos” na saúde/ bem-estar das populações. Os modelos de “treino standard” deram origem aos modelos tipo “encontre o seu estilo” O modelo do técnico sabedor e único responsável pelas decisões técnicas, substituiu-se por um movimento global de participação ativa da população. Os modelos baseados em mudanças individuais de caráter comportamental deram igual-mente origem a modelos mais ecológicos onde se incluem todos os atores relevantes e onde a pessoa, para além do seu comportamento, é vista globalmente na sua história, na sua cultura, no seu funciona-mento cognitivo e emocional.

Fala-se pois muito agora da otimização de recursos internos (pessoais) e externos (do envolvimento físico e social). Registamos conceitos como os afetos e as redes de apoio social; as competências pessoais e sociais (que incluem a resiliência e a autorregulação); as expectativas positivas (e realistas), as oportuni-dades de ação significativa; a participação social e o uso construtivo e autónomo do tempo livre.

Alguns autores salientam a importância dos recursos internos e dos recursos externos disponíveis, na possibilidade de um desenvolvimento positivo da juventude. Como recursos internos temos as com-petências pessoais e sociais, as expectativas positivas em relação a si, ao seu futuro e aos outros, a ca-pacidade de gestão do tempo e dos problemas e a autonomia e participação social. Como recursos ex-ternos temos os modelos sociais disponíveis e os limites que eles conseguem definir, a possibilidade de segurança física e psicológica na área geográfica; a qualidade dos cuidados de saúde e da educação, um ambiente de expectativas positivas e realistas e as oportunidades de ação significativa (oportunidade de pertença, de participação, de construção e do uso de competências).

Em síntese tem-se posto demasiada ênfase no fracasso das pessoas e das comunidades em vez de pôr o foco na criação e manutenção de um desenvolvimento sustentável e saudável.

É tempo talvez de mudar. Este livro e estes recursos são o contributo do ESCOLHAS para a mudança social eficaz, participada e sustentada.

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2.2 Artigo temático

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO/VALIDAÇÃO DE RECURSOS ESCOLHAS-O ACOMPANHAMENTO EM PERSPETIVA

A “encomenda”

Apoiar a produção dos Recursos Escolhas, enquadrados na área temática interculturalidade e comuni-dades ciganas, representou a oportunidade de participar num processo de trabalho aliciante e exigente. A proposta de trabalho recebida não impunha caminhos: continha etapas e um referencial que clarificava a natureza e tipo dos recursos que se pretendiam produzir, bem como os pressupostos e critérios de qualidade a ter em conta na seleção, desenvolvi-mento e validação dos recursos.

O objetivo final, para além de dar voz e valorizar iniciativas e experiências desenvolvidas, era também, formativo. Pretendia-se que este processo constituísse, em si mesmo, uma oportunidade de mobilizar os autores dos recursos, na sua maioria coordenadores de projetos Escolhas, para um processo de apren-dizagem, de (auto) formação e de capacitação técnica, contribuindo desta forma para o fortalecimento dos projetos.

Na área interculturalidade e comunidades ciganas estava prevista a produção de oito recursos proveni-entes dos seguintes projetos: “ Ainda dar que falar” (Darque – V. Castelo), “Gerações com Futuros” (Co-imbra), “Multivivências” (Espinho),“Multisendas” (Aveiro), “EntreNós” (Coimbra), “Encontros” (Moura), “Envolver” (Nisa) e “Geração Tecla” (Braga), “Giro” (V. Verde), “T3tris” (Braga). Estes três últimos projetos tinham-se associado na produção de um único recurso, comum aos três.

Na presente reflexão revê-se o percurso metodológico desenvolvido no processo de apoio à validação/construção dos referidos recursos, sublinhando alguns aspetos da proposta de trabalho desenvolvida, nomeadamente, o quadro de referências utilizado, o modelo de acompanhamento adotado e o papel de perito externo.

Um quadro de referências integrado

A intencionalidade da proposta de construção de Recursos Escolhas era clara mas exigia aos autores de recursos um salto epistemológico - do fazer, da intervenção, para o pensar e escrever sobre o que tinha sido feito. A mudança necessária era de natureza conceptual.

Os recursos em análise, espelhavam, na sua maioria, intervenções prioritariamente orientadas para a co-munidade cigana o que implicava um risco de “fechamento” potencialmente conflitual com a promoção

ISABEL FERREIRA MARTINS

Fundadora do Secretariado Entreculturas (1991), ex-colaboradora do ACIDI com responsabilidades nas áreas da Educação e Formação Intercultural

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de competências de comunicação, de relação intercultural e a procura de uma pertença coletiva que o paradigma intercultural supõe. Na perspetiva de uma cidadania intercultural os recursos deveriam refletir um maior equilíbrio entre valorizar a cultura e identidade ciganas e contribuir para o diálogo intercultural e coesão social na comunidade.

Para reequacionar a experiência desenvolvida era necessário estimular uma reflexão distanciada sobre a prática, num quadro de referências que explicitasse e articulasse princípios e filosofia de uma intervenção de matriz intercultural e aprendizagem e produção de conhecimento, propostos no âmbito do modelo Escolhas.

Tendo em conta estes pressupostos facultou-se, nos encontros presenciais, o seguinte referencial que desafiava a uma meta-reflexão:

• A reformulação de perspetivas ocorre no confronto com (novas) perspetivas significativas. Neste processo o novo conhecimento não é simplesmente adicionado ao que existia, transfor-ma-o, dando origem a uma aprendizagem transformativa (Mezirow, 1978);

• É o processo de reflexão crítica sobre a participação e intervenção, apoiado em instrumentos conceptuais e estratégias de análise, que pemite transformar a experiência em conhecimento e competências, reatribuindo novos sentidos a práticas anteriores;

• Uma intervenção de matriz intercultural supõe uma pedagogia crítica, a desconstrução de estereótipos e representações, um equilíbrio entre igualdade e diversidade na intervenção e mudanças estruturais nas instituições educativas, tendo em vista uma maior igualdade de opor-tunidades no sucesso escolar.

O processo de produção de recursos ainda não está finalizado. É difícil reconhecer o impacto da reflexão proposta. Julga-se que a maioria dos responsáveis de recursos terá tomado consciência das mudanças desejáveis. Mas a sua concretização implicaria, para alguns, uma mudança de paradigma que só poderia acontecer num tempo mais alargado e num acompanhamento mais próximo do que era oferecido no presente contexto.

O modelo de acompanhamento

A convicção de que “resistimos a refazermo-nos” (Smith, 1993) e de que ninguém muda ninguém, pois são as pessoas que se mudam a si próprias no processo de procura de atribuição de sentido aos seus percursos de aprendizagem, pesou na abordagem adotada no processo de acompanhamento efetuado.

O processo e o conteúdo do acompanhamento foram sendo construídos com base na análise da docu-mentação e nos diálogos e debates promovidos nos encontros presenciais. Promoveu-se uma dinâmica aberta de reflexão, em coerência com o modelo projetado para os Recursos Escolhas. “ Há que criar um tempo e um espaço... onde as pessoas são encorajadas a pensar e agir em conjunto para desenvolverem novas hipóteses de intervenção...” (Pimenta, M., 2010)

Favoreceu-se um clima de acolhimento de opiniões e comentários, em detrimento porventura de uma maior exigência na orientação de conteúdos. A prioridade foi, também, criar o espaço de relação e de interação possíveis. Procurou-se, no espaço de tempo disponível mobilizar a participação e o envolvi-mento individual e induzir um processo de autorreflexão crítica, focado no repensar-se da intervenção que, numa fase posterior, conduzisse à possível reescrita do recurso.

Modelizou-se uma abordagem da reflexão em double-loop (dupla volta) justificada em situações de apre-ndizagem que requerem uma tomada de consciência dos pressupostos e quadros de referência que as enformam (Argyris e Schon, 1974). Estava em causa um exercício de compreensão do próprio processo do pensamento, em que o objeto de raciocínio era o raciocínio subjacente à intervenção selecionada - conteúdo, formas de lidar com e pressupostos - visando uma perspetiva mais inclusiva e integradora da experiência pessoal.

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No que se refere ao acompanhamento à distância a experiência foi interessante e gratificante. A relação, embora breve, estabelecida nos encontros presenciais facilitou o processo. Dialogar com base em mate-rial escrito é sempre mais objectivável, facilita o enfoque no conteúdo e é, mais respeitador dos tempos de reação individuais. A dinâmica da reescrita conseguida nalguns recursos foi intensa e produtiva!

O papel de perito externo

A experiência de envolvimento como perito externo num modelo aberto e flexível implica uma rutura com a representação tradicional que se tem do papel de perito num processo de apoio à produção de conhecimento.

Em contextos de intervenção social complexa não faz sentido uma distinção entre “os que sabem e os que não sabem” determinado assunto. A produção de conhecimento, nestes casos, emerge de contextos de aprendizagem situada, num processo de cocriação, de coconstrução e de procura de soluções de conhecimento partilhado. É sempre e antes de mais um processo colaborativo e de aprendizagem mútua.

Na perspetiva aqui refletida, a função de perito externo procurou sempre remeter para uma abordagem meta-reflexiva, concretizada:

• Na criação de um espaço e um clima acolhedor da participação de todos, evitando juízos reativos;

• Na animação/dinamização do processo e do conteúdo da reflexão sobre a ação;

• No “desinstalar” de ideias feitas, cristalizadas, apresentando cenários de reflexão e pontos críti-cos que ajudem o questionamento;

• No despertar a “curiosidade epistemológica” (Freire, 1997) indispensável ao empenhamento pessoal num processo de produção de conhecimento.

Finalmente, se a prática é o processo através do qual experimentamos a vida e participamos no mundo, atribuindo-lhe sentido, também este relato representa uma tentativa de sistematizar uma experiencia pessoal de participação, na qual se procurou explicitar assunções e pressupostos que guiaram o pro-cesso de acompanhamento e o papel de consultora. É um esboço dessa história de participação que aqui fica, um embrião de uma narrativa da prática, um eventual ponto de partida para um recurso sobre os recursos, na perspetiva do apoio oferecido à sua construção/validação.

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2.3 Artigo temático

INCLUSÃO SOCIAL NO E PELO DESPORTO

O desporto é uma manifestação cultural com enormes potencialidades na aproximação das pessoas, das culturas e das nações, quer através da dinamização de sociabilidades, quer no veicular de sentidos identitários, de pertença, de fazer parte, isto é, de inclusão. Como espaço formativo e de função social, o desporto permite às populações mais desfavorecidas ou sujeitas a qualquer tipo de discriminação, experimentarem formas sociais de relacionamento e interação, de igualdade e pertença, contrariando as experiências exclusivas que as sociedades tendem a sujeitá-las, em particular naquelas em que as desigualdades sociais e os preconceitos sociais mais se fazem sentir.

No atual estádio de globalização, se por um lado a diversidade humana ganha visibilidade com o des-vanecimento dos muros culturais, por outro, tem-se vindo a assistir na Europa à afirmação de radicalismos nacionalistas e hostilidades face à população migrante ou minorias étnicas residentes. Estes factos intro-duziram na agenda europeia a relevância do valor da tolerância e da inclusão social, e decorrentemente a necessidade de se combater a exclusão e a discriminação na base de preconceitos sociais.

Desde a segunda metade do século XX que os ideais do “desporto para todos”84, institucionalizados pelo Conselho da Europa85, têm alicerçado as políticas desportivas, em particular a promoção do desporto como um direito do cidadão. Mais recentemente, no contexto da União Europeia, tem-se assistido ao reforço da função social do desporto, como se expressa no Livro Branco sobre o Desporto86, publicado em 2007, nomeadamente ao defender-se o desporto como meio de inclusão social, de promoção da cidadania, da cooperação internacional, da igualdade de oportunidades, e da prevenção e luta contra o racismo e a violência.

O Ano Europeu da Educação pelo Desporto, em 2004, constituiu um marco nesta orientação estratégica, com o incentivo à criação e desenvolvimento de projetos de inclusão social no e pelo desporto nos dife-rentes Estados-Membros, e a publicação do estudo Educação, Desporto e Multiculturalismo87. Também o estudo da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais intitulado Racismo, Discriminação Étnica e Exclusão de Migrantes e Minorias no Desporto. Uma Análise Global Comparativa da Situação na Europa, publicado em outubro de 201088, constituiu uma referência. Nos relatórios nacionais que serviram de base a este estudo, foram selecionadas 264 iniciativas de boas práticas de inclusão social no e pelo des-porto, desenvolvidas entre 2003 e 2008 nos 27 Estados-Membros da União Europeia. A prevenção da discriminação racista e xenófoba, foi a que reuniu o maior número de iniciativas (73%).

84) O Eurobarómetro Especial sobre a Discriminação na União Europeia - Perceção, Experiências e Atitudes, publicado pela Comissão Europeia em 2008 (dados levantados em março do mesmo ano), concluiu que: 62% dos europeus consideram existir discriminação no seu país devido à origem étnica, 51% devido à orientação sexual, 45% devido à deficiência, 42% respetivamente devido à idade e à religião ou crença, e 36% devido ao género. Discrimination in the European Union: Percep-tions, Experiences and Attitudes: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_296_en.pdf85) Carta Europeia do Desporto para Todos de 1975, a que se seguiu a Carta Europeia do Desporto de 1992, ambas do Conselho da Europa (versão em português): http://www.idesporto.pt/DATA/DOCS/LEGISLACAO/doc120.pdf86) http://ec.europa.eu/sport/documents/wp_on_sport_pt.pdf87) Studies on Education and Sport. Sport and Multiculturalism - Final Report: http://www.isca-web.org/files/Sport%20and%20Multiculturalism%20EU%202004.pdf88) Racism, Ethnic Discrimination and Exclusion of Migrants and Minorities in Sport. A Comparative Overview of the Situation in the European Union: http://fra.europa.eu/fraWebsite/attachments/Report-racism-sport_EN.pdf

SALOMÉ MARIVOET

Doutorada em Sociologia, professora na Universidade de Coimbra e na Universidade Lusófona

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Por inclusão social no desporto, considera-se a existência real de igualdade de oportunidades no seu acesso, constituindo boas práticas a promoção da atividade físico-desportiva de forma generalizada a toda a população, por isso sem qualquer tipo de discriminação, incluindo no exercício das funções de treinador e dirigente desportivo. Por seu lado, a inclusão social através ou pelo do desporto tem como objetivo o desenvolvimento de competências pessoais, sociais, motoras e desportivas, em que as boas práticas se dirigem à promoção do desporto formativo junto de grupos-alvo vulneráveis à exclusão social.

Se por um lado, o desporto constitui uma ferramenta de inclusão social, quando orientado pelos princípios éticos do desporto e valores associados, como o princípio do fair play que estabelece a competição des-portiva na base da cooperação, veiculada pela tolerância, o respeito pelo outro e pelas regras comum-mente partilhadas, a lealdade e a amizade, e o princípio da verdade desportiva associada ao sentido de justiça; por outro, também nele se expressam intolerâncias, discriminações e exclusões (cf. notas 4 e 5).

Por forma a sensibilizar e prevenir estes flagelos sociais no espaço social desportivo e na sociedade em geral, tem-se assistido à promoção e divulgação de boas práticas de inclusão social no e pelo desporto. Neste sentido, destaca-se o concurso promovido pela Comissão Europeia em 2010, justamente quando decorria o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social, tendo por objetivo apoiar projetos de inclusão social no e pelo desporto.

Um dos projetos selecionados neste concurso foi o SPIN Sport Inclusion Network89. Nas suas iniciativas, conta-se a elaboração e publicação de um Manual de Boas Práticas, que reúne mais de 40 projetos de inclusão social no e pelo desporto, quatro deles promovidos em Portugal. O Programa Escolhas foi uma das boas práticas selecionadas, através dos projetos Bola Pr’a Frente90 (futebol de rua) e Mais Jovem91 (futebol 11), ambos dirigidos a crianças e jovens em contextos comunitários e socioeconómicos mais vulneráveis, com forte presença de descendentes de imigrantes e minorias étnicas, localizados respeti-vamente em Lisboa e Porto.

A par das atividades regulares de treino e participação em jogos, estes dois Recursos Escolhas, designa-dos respetivamente de Bola Social - Treino Sócio-Desportivo de Futebol de Rua e Futebol: Ao serviço da Inclusão Social, dirigem-se à formação de treinadores e técnicos de serviço social, tendo por objetivo a conceção de um suporte teórico-prático da metodologia de treino sociodesportivo.

Ambos os projetos se apresentam inovadores, quer pela adoção de estratégias de inclusão social através da interculturalidade e do desenvolvimento de competências desportivas, pessoais e sociais; quer por permitirem abranger um grupo alargado de participantes com reduzidos recursos técnicos por parte das entidades promotoras; quer ainda pelo processo de validação partilhada como garantia de transferibili-dade na área do treino sociodesportivo de futebol.

Apesar das enormes potencialidades que o desporto encerra na promoção da inclusão social, nunca será demais realçar, a importância das organizações e dos técnicos que desejam promover projetos desta na-tureza, adquirirem know-how nesta área de intervenção social. É neste sentido, que estes dois Recursos Escolhas veem contribuir, ao partilharem o seu conhecimento alicerçado no exercício da experiência, da reflexão e da avaliação participada, tornando-se assim uma referência de enorme valor para a promoção de projetos de inclusão social no e pelo desporto.

89) http://www.sportinclusion.net/90) Criado em 2007 pela Associação Nacional de Futebol de Rua, o projeto Bola p’ra Frente desenvolve a sua atividade no bairro de realojamento social Padre Cruz em Carnide, Lisboa: http://www.futrua.org/91) Criado em 2006 pela Associação local Olival Social, um bairro de realojamento social do Grande Porto (Vila Nova de Gaia), o projeto Mais Jovem dirige-se a uma comunidade com uma forte presença da comunidade cigana: http://www.maisjovem.net

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2.4 Artigo Temático

AS ARTES COMO ESCOLHA

“A única arte verdadeira é a da construção. Mas o meio moderno torna impossível o aparecimento de qualidades de construção no espírito. Por isso se desenvolveu a ciência. A única coisa em que há cons-trução, hoje, é uma máquina; o único argumento em que há encadeamento o de uma demonstração matemática. (...)”

Bernardo Soares, Livro do Desassossego, edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim, Obras de Fernando Pessoa, 1998

Escolher é elemento constitutivo do humano. Como seres condicionados pelo tempo e pelo espaço, di-ante dos múltiplos cenários que se nos apresentam temos de optar. Mesmo a abstenção, a omissão, o imobilismo, são formas de escolha. A própria impossibilidade de escolher que corresponde ao estatuto de uma parte significativa da Humanidade é resultado de escolhas.

Quem vive limitado pela pobreza, pela iliteracia, pela violência, não tem condições de escolha. Mas o triângulo pobreza-iliteracia-violência é essencialmente governado por homens e não pelas circunstâncias da Natureza.

São também homens e mulheres que muitas vezes e ao longo da História condicionam as possibilidades de optar, por razões religiosas, culturais, sociais, económicas. E bem sabemos que amiúde esses condi-cionamentos não se regem por um evoluir natural mas pela ganância e pela ausência de um sentido forte de coesão social.

Mas a evidência histórica do condicionamento da escolha não nos deve desviar da convicção sobre a sua ligação intrínseca com a dignidade humana92.

A escolha, não como ato incondicionado do indivíduo, mas a escolha enquanto elemento fundamental da dignidade da pessoa e da sociedade.

As artes são das poucas produções humanas que são inúteis aos olhos do imediato: não se come uma pintura nem se veste uma sinfonia. Independentemente do valor que as artes possam atingir em termos de mercado, elas promovem, em primeiro lugar, a celebração da nossa capacidade de perceção, com-preensão e ação sobre nós próprios, sobre os outros, sobre o mundo.

Ao contrário de outros domínios, como as tecnologias e as ciências, as artes não são objeto de uma

92) Vide Arendt, Hannah. A condição humana. Relógio d’Água Editores, 2001.

JORGE BARRETO XAVIER

Doutorando em Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa, professor de Políticas Públicas da Cultura no ISCTE

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constante melhoria, de uma ideologia de progresso. Ou seja, ao paradigma científico do aumento de co-nhecimento opõe-se o paradigma artístico da relevância. Pode dizer-se que a ciência da engenharia civil do século XXI é melhor que a do século X, mas pode dizer-se o mesmo da escultura? Em cada geração, os artistas, os dispositivos artísticos, interpretam e propõe objetos que não são nem melhores nem piores do que os de épocas anteriores – são as artes reconhecidas por dada sociedade. Por isso cada sociedade, para além da apropriação histórica do património artístico do passado deve promover as artes do pre-sente. Podemos dizer que Miguel Ângelo é melhor que Rodin? Ou Picasso melhor que Van Eyck? Que Wagner é melhor que Thelonius Monk? Que Paladio é melhor que Corbusier? Philip Roth é pior que Henri Michaux? A joalharia egípcia do século X aC é pior que o trabalho de Lalique? As representações escultóricas tribais da África sub-sahariana são menos interessantes que a escultura romana do século II dC? A Severa é pior que Amália? Eça é melhor que Saramago? Camões que Pessoa? Zeca Afonso que Jacques Brel?

As artes constituem um tesouro que se acumula na vida das civilizações e a sua apropriação, a cada momento, por dada sociedade, corresponde ou deve corresponder a um exercício de escolha – o que implica a preservação do património artístico e o estímulo e reconhecimento da criação contemporânea.

Como se referiu, nem sempre a liberdade de escolha existe. Hoje, vivemos a paradoxal situação interna-cional em que se procura entregar mais funções aos mercados mas onde muitas pessoas têm, crescente-mente, menos condições de acesso aos mesmos.

Nas sociedades que procuram concretizar o ideal da justiça93 – liberdade de escolha efetiva para todos os cidadãos no quadro de uma distribuição equitativa de recursos - o Estado, as empresas, e a sociedade civil devem contribuir de forma proactiva na concretização da mesma.

Em Portugal, onde há desigualdades ainda hoje mais significativas do que na maior parte dos países da União Europeia94, poder escolher é um caminho que deve ser percorrido em conjunto – os que podem es-colher devem sentir-se corresponsáveis na criação de condições para os que não têm essa oportunidade e os que não têm devem empenhar-se na melhoria das suas condições de vida.

A presença das artes no Programa Escolhas corresponde à concretização deste pensamento político.

E corresponde ao cruzamento das artes com os dispositivos da educação, do ordenamento do território, da coesão social.

Educar é sempre educar através de certos meios e para certos fins. Esta asserção tão simples é por vezes esquecida, fazendo que os sistemas educativos tomem “o freio nos dentes” e de forma autofágica con-siderem a possibilidade da “educação pela educação”. A educação deve ser sempre teleológica. O im-portante nesta capacitação da educação é definir com clareza os fins últimos, de modo a não a limitar a objetivos meramente imediatos e materiais (como a preparação para uma dada profissão ou necessidade do mercado de trabalho) mas a propô-la e concretizá-la como uma parte decisiva de um projeto de socie-dade em ordem a uma democracia onde todos os seus membros possam livremente exercer a prerroga-tiva da escolha, que é o mesmo que dizer, onde todos possam ser cidadãos de plenos direitos e deveres.

As artes, a presença das artes, desempenha um papel fundamental, apesar dessa fundamentalidade nem sempre ser percebida politicamente nas democracias ocidentais, por não corresponder a uma vantagem imediata no jogo do poder. O princípio da sua fundamentalidade reside no poder de colocar cada indi-víduo no cume de si próprio, propriedade dificilmente descartável.

Vivemos a necessidade de transformar os modelos educativos para novos paradigmas cognitivos e soci-ais, onde o exercício da perceção exige a cada um o poder de categorizar, valorizar, interpretar. A memória comum é fundamental, mas a capacidade de construir uma visão pessoal legítima para operar em privado e em público ou no ambiente que hoje os mistura e transcende deve ser estimulada.

93) O problema da justiça social e as importantes teorias políticas sobre ele elaboradas implicaria um tratamento que não se coaduna com as características deste texto.94) OCDE, 2012.

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A arte deve ser elemento nuclear da educação e da cidadania, das políticas do território e da coesão social, sem, todavia, ser ato subordinado de nenhuma delas95.

A sua presença pode ser uma proposta referencial na organização do quotidiano - as artes como elemen-to de composição do humano.

Esta proposição não significa o uso das artes como simples atividade expressiva ou coadjuvante - as artes têm estatuto autónomo na relação com as pedagogias e essa autonomia deve ser reconhecida. Mesmo quando usadas, desde a primeira infância, como agente catalisador de competências, deve perceber-se que não são só um meio de expressão das crianças, adolescentes e jovens, uma forma de ocupação do seu tempo, um mecanismo de animação pacificador e positivo96.

As artes obedecem a processos próprios, de acordo com o campo artístico de referência. Esses proces-sos, de perceção de métodos, de dinâmicas criativas, de formulações materiais, de apresentação, não são meramente instrumentais, têm o seu método, campo conceptual, linguagem e campo próprio de valida-ção97.

Os processos artísticos defendidos na sua autonomia de desenvolvimento, propiciam impactos significa-tivos no crescimento intelectual e emocional, tanto de indivíduos como de grupos (o que, naturalmente, nem sempre foi reconhecido, tendo inclusivamente havido momentos históricos que consideravam as artes como perniciosas).

As artes desenrolam-se num contexto de luta por supremacias interpretativas e pelas condições de pos-sibilidade mas podem afirmar-se para lá dessa luta98.

As artes, enquanto formas de aproximação ao humano e ao mundo, são dispositivos complexos impos-síveis de unificar enquanto forma e conteúdo, conceito e matéria. Mas sendo difíceis as taxinomias no contexto dos sistemas artísticos (o que é arte? O que é obra de arte?), os processos de trabalho e os objetos que deles resultam em ordem ao desempenho no campo das artes visuais, do teatro, da música, da dança, dos cruzamentos artísticos, são processos cuja fecundidade para os participantes e audiências é consensualmente reconhecida.

Estabelecer uma “medida do fecundo” é problemático, pois estamos no domínio da avaliação qualitativa e da mensuração do intangível.

Os projetos artísticos desenvolvidos ao longo dos anos através do Programa Escolhas e aqueles que agora são apresentados enquanto recursos, não podem ser comparados com trabalhos académicos ou as dinâmicas de produção e apresentação de estruturas e pessoas cuja ocupação principal é a atividade artística. Também não são procedimentos ocupacionais ou terapêuticos. Uma das qualidades da arte é a sua possibilidade de apropriação e manifestação em diferentes contextos, com diferentes objetivos e resultados. Por isso a legitimidade da sua presença decorre, acima de tudo, da seriedade colocada pelos agentes participantes.

Estabeleci contacto ao longo dos últimos dois anos com pessoas e organizações envolvidas de Norte a Sul de Portugal Continental e também dos Açores e Madeira em projetos artísticos no âmbito do Programa Escolhas. Fiquei com a certeza de que neste quadro é possível desenvolver não só produções com pos-sibilidade de apresentação pública como que, mais importante do que isso, os processos de trabalho foram preciosos na consolidação de laços de confiança, solidariedade e de validação da participação em projetos coletivos em territórios nem sempre propícios. Por esta via houve transfiguração de valor, ou se quisermos, valorização de ativos intangíveis das comunidades de referência, independentemente da fisicalidade imediata com que em certos casos se devia contar (degradação dos espaços, insegurança, carências várias).

95) Barreto Xavier, Jorge (coord). Relatório da Comissão Interministerial Educação/Cultura, 2004. Sendo difícil não reiterar certas convicções sobre as artes, este texto cita algumas vezes textos anteriormente escritos por mim ou nos quais fui um dos autores, o que sendo pouco ortodoxo é necessário para estabelecer o tempo das declarações.96) Barreto Xavier, Jorge e Nadal, Emília. Educação Estética e Interiorização dos Saberes (relatores). Conselho Nacional de Educação, 1998.97) Barreto Xavier, Jorge. Programa Paideia. Clube Português de Artes e Ideias, 1994.98) Barreto Xavier, Jorge, Arte e Delinquência (coord.). Fundação Calouste Gulbenkian, 2012.

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Como transportar o património de saberes pessoais e sociais decorrentes destes processos de presença das artes para a Sociedade em Rede99? Desenvolver estratégias de organização e ação, estratégias de receção e composição pessoal e social que usem os poderes dos tecidos reticulares (flexibilidade, re-sistência, adaptabilidade) é um processo histórico em curso. A sua transposição para o meio escolar e para projetos artísticos na comunidade, corresponde a uma mudança de paradigma: em vez de hierarquia, horizontalidade, em vez de autoridade central, polaridades autoritativas em parceria, em vez de modelos cristalizados de conhecimentos e comportamentos a transmitir, modelos dinâmicos e interativos.

Falo da instabilidade enquanto condição da arte. A instabilidade como elemento estatutário de uma com-posição num plano, em planos em constante movimento – o processo e o objeto artístico manifestam-se numa situação histórica concreta mas não se fixam num momento, são uma espécie de viajante que cada um de nós pode encontrar em constante movimento entre o passado e o futuro, entre o dito e o não dito, entre o possível e a possibilidade. Paradoxalmente, exercício do instável no processo artístico pode trazer segurança - já não só a catarse, a mimese, a hybris, a revelação, mas também a confiança sobre as possibi-lidades do instável na construção pessoal e social100.

Os objetos artísticos não são marginais ou indiferentes a movimentos polarizadores de grandes esforços sociais, mas podem não estar envolvidos em tais esforços, pelas suas qualidades específicas e nem por isso deixam de existir e de ser relevantes. Não é preciso que um projeto artístico seja apresentado num grande museu ou numa grande sala de espetáculos, ser mediatizado pelas televisões ou pelos jornais para existir.

A sociedade contemporânea constituiu um mito sobre a relevância – só releva o que é evidente. Todavia, esse mito é uma valorização excessiva do modo de afirmação do Poder e por esse lado um reducionismo intolerável.

As artes não têm de ser constantemente mediatizadas em escala para existirem enquanto processo social.

Se dermos por adquirido que não há arte sem relação101, também é verdade que essa relação pode ser circunscrita ao grupo de pessoas para quem diretamente se destina. A excelência artística - a orientação para o topo – pode construir-se sem que a motivação inerente seja a grande ressonância social mas a valorização dos que participam em dado projeto.

A presença das artes nos processos educativos é decisiva para o perfil desejável dos cidadãos portugue-ses – mais qualificados e criativos. A conexão do trabalho artístico em meios multiculturais e em meios socialmente desfavorecidos (muitas vezes as duas características encontram-se juntas) é essencial numa altura de aumento exponencial da pobreza e das dificuldades sociais – acrescentar valor imediato sem esperar pela resolução de todos os outros problemas que é necessário cuidar.

Pode parecer paradoxal dizer isto neste momento – então não há outras coisas mais urgentes neste mo-mento? Sim e não. As respostas de emergência social na área da habitação, saúde, trabalho, por exemplo, não são inibidoras das respostas na área da qualificação humana, nas quais os projetos artísticos têm um papel importante.

Na Europa, há um programa de “tecnicização” das aprendizagens, através do processo de Bolonha102 em que todos podemos circular com uma espécie de carta de condução europeia de competências, preten-samente, validadora de maiores possibilidades de emprego. O emprego, é visto como o grande objetivo - emprego para técnicos intermédios com grau de “mestre”, numa aceleração do processo de certificação educativa sem as bases culturais desejáveis. Mas, como sabemos, os níveis de desemprego juvenil em Portugal e na Europa em geral continuam a aumentar. O que quero dizer, é que não nos podemos fiar na especialização técnica como único critério para a preparação das novas gerações.

99) Idém, Manuel Castells.100) Barreto Xavier, Jorge. I Encontros dos Capuchos, Almada, 2012.101) Idém, Adorno.102) Declaração de Bolonha, subscrita em 1999 por 29 ministros da educação europeus.

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Os projetos artísticos podem ser elementos poderosos de construção numa sociedade que precisa de pessoas livres, críticas e criativas, para lá de uma simples funcionalização em ordem à empregabilidade (que como já se percebeu, não chega).

Espero que esta mensagem seja valorizada a nível local e nacional neste momento. A correlação artes/educação/cidadania é essencial na sociedade portuguesa para podermos construir uma sociedade mais livre e mais justa, hoje, não num qualquer futuro que não nos pertence.

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2.5 Artigo Temático

Nas últimas duas décadas, Portugal consolidou a sua posição como um país de atração de movimentos migratórios internacionais, com origens geográficas, perfis sociodemográficos e culturas muito diversifica-das. Em 2010, a população estrangeira em Portugal totalizava 446.262, representando 4,2% do total da população residente no país (SEF, 2010).

Face à nova realidade imigratória, as respostas institucionais e políticas têm sido múltiplas e diversificadas. No âmbito deste breve contributo importa, sobretudo, sublinhar as principais tendências das políticas imigratórias, que têm vindo a configurar os processos de integração das comunidades imigrantes, durante o primeiro decénio do novo milénio.

Ao invés do que temos vindo a assistir em outros países europeus, em que o “pânico” da diversidade, o anti-islamismo e o antimulticulturalismo ganharam terreno após os atentados do 11 de setembro de 2001, (Zincone et. al., 2011), Portugal têm vindo a adotar um modelo de integração norteado pelos princípios da cidadania para todos, da igualdade de oportunidades, da interculturalidade e do reforço da coesão social. Este projeto político da interculturalidade implicou a consolidação e a criação de novas estruturas institucionais oficiais protagonizadas pelo Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI.I.P.). Além das múltiplas e diversificadas áreas de intervenção social, cultural e política deste órgão, importa, aqui, realçar a criação da rede nacional de informação ao imigrante, implementada através da constituição de Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (CNAI) e de Centros Locais de Apoio à In-tegração de Imigrantes (CLAII); o apoio ao movimento associativo imigrante (GATAI); Comissão para a Igualdade e Discriminação Racial (CIDR) e a criação do Observatório da Imigração. Por outro lado, en-tre muitos outros programas e ações, a implementação dos Planos para a Integração dos Imigrantes/PII (2007-2009; 2010-2013); os Projetos da promoção da interculturalidade a nível municipal e o Programa Escolhas (2001-2012), têm configurado as políticas, os discursos e as práticas de um modelo de integra-ção inclusivo e inovador. Presentemente, segundo o MIPEX III (2011) Portugal surge em 2º lugar, logo atrás da Suécia como o país com as melhores práticas de integração dos imigrantes, detendo uma posição cimeira no que respeita ao acesso à nacionalidade e, como tal, considerado como o país que, presente-mente, melhor promove a aquisição da nacionalidade portuguesa.

No âmbito das políticas de integração, acima referidas, o Programa Escolhas é, desde a sua 1ª edição em 2001, um instrumento pioneiro de intervenção social e de integração das populações juvenis prove-nientes de contextos socioeconómicos desfavorecidos, em particular os descendentes de imigrantes e minorias étnicas.

Nesta 4ª edição o Programa Escolhas - Recursos Escolhas - inaugurou um novo paradigma de intervenção social, norteado pelos princípios da inovação social, da participação e do diálogo intercultural.

ANA PAULA BEJA HORTA

Doutorada pela Simon Fraser University (Canadá), coordenadora da área da Investigação em Migrações no Centro de Estudos das

Migrações e das Relações Interculturais/CEMRI/UAb

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Na área temática da participação cívica, os Recursos Escolhas são a materialização desta nova e inovado-ra prática de ação social, que conjuga a experiência adquirida no trabalho desenvolvido no terreno, com uma reflexão empírico-conceptual nos domínios da participação cidadã e do associativismo. No que res-peita o primeiro domínio, os Recursos apresentados privilegiam três importantes dimensões da cidadania, designadamente:

1)A participação cívica e política de crianças e jovens, promovendo novas formas de socialização e de participação nas estruturas sociais, institucionais e políticas locais (Orçamento Participativo de Crianças e Jovens; Kit da Promoção da Participação Local);

2) As práticas de cidadania de proximidade orientadas para a inserção e a interação ativa e intercul-tural em espaços urbanos desfavorecidos e/ou social e culturalmente muito diversificados (Bairro Altoé);

3) A promoção de novos valores, atitudes e comportamentos sociais entre as camadas mais jovens da população, tendo como princípio a integração sociocultural como instrumento fundamental para o exercício pleno da cidadania (Café Concerto). Por último, no tocante ao associativismo, os Recur-sos privilegiam uma cultura cívica fundada nas práticas associativas como espaços potenciadores de novas sociabilidades, redes sociais e de participação ativa na vida pública (Construir uma As-sociação de Jovens). 103

Além da pertinência temática destes Recursos de capacitação para a cidadania e participação cívica de crianças e jovens importa destacar o caráter inovador destes instrumentos de intervenção que podemos desdobrar em três principais componentes:

Formação e Capacitação Colaborativas

Os Recursos Escolhas foram desenvolvidos num contexto formativo e de capacitação dos técnicos e técnicas. Esta proposta técnico-metodológica, potenciadora de uma aprendizagem colaborativa, foi da maior importância para a criação destas novas ferramentas de intervenção social. De facto, os recursos apresentados evidenciam um processo de interação positiva entre pares e peritos, de intercâmbio de experiências e de aquisição de novos conhecimentos e competências, que os técnicos e técnicas foram incorporando nas diferentes fases de desenvolvimento dos respetivos recursos.

Investigação-Acão

A proximidade dos técnicos e técnicas ao terreno de intervenção, bem como o seu profundo conheci-mento dos problemas vivenciados pelas populações foram fatores fundamentais para a elaboração dos recursos. O contacto direto com a realidade potenciou a reflexão crítica e construtiva das atividades em curso, que configurou a conceção e desenvolvimento dos recursos. Em alguns casos, esta componente viria a ser determinante na articulação de projetos entre si e na criação de um “recurso síntese”, mobili-zando conhecimentos, experiências e recursos dispersos por vários territórios de intervenção, sendo o recurso “Construir uma Associação de Jovens” um bom exemplo destas práticas. Noutros casos, o pro-cesso de investigação-ação potenciou a reformulação das estratégias de intervenção, quer a nível técnico quer a nível conceptual. E, ainda, noutras situações a análise dos projetos a partir da perspetiva do/a “investigador(a)-técnico(a)” viria a consolidar e a reconhecer boas práticas de intervenção, enquadrando-as numa reflexão mais abrangente e inovadora de ação social.

Cultura de Inovação Social

Os princípios orientadores, bem como o quadro técnico-metodológico que estão subjacentes ao de-senvolvimento dos recursos constituem uma proposta criativa de intervenção social, que se funda na

103) O Migrant Integration Policy Index /MIPEX pretende avaliar e comparar as políticas de integração de 31 países (Europa e América do Norte) considerando os seguintes indicadores: acesso ao mercado de trabalho, reagrupamento familiar, educação, residência de longa duração, participação política, aquisição de nacionali-dade e antidiscriminação.

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formação e a capacitação colaborativa dos técnicos e técnicas e das organizações num contexto de in-vestigação-ação, a valorização do trabalho em parceria e a possibilidade de apropriação e utilização dos recursos em outros contextos.

Os Recursos Escolhas, da área temática da participação cívica, evidenciam esta nova cultura de interven-ção social, que tem por base a valorização das múltiplas dimensões da cidadania ativa e da interculturali-dade como instrumentos fundamentais para a inclusão das crianças e jovens socialmente desfavorecidos.

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2.6 Artigo Temático

ESCOLHAS POSSÍVEIS!

O Programa Escolhas e os desafios contemporâneos

O Programa Escolhas tem vindo a constituir um poderoso estímulo à inovação social no nosso país. Cri-ado em 2001, tem vindo a conhecer uma reorientação profunda no sentido da promoção da inclusão social promovendo a animação territorial e a mobilização coletiva na construção de respostas para os problemas contemporâneos com que os mais jovens se defrontam.

O Programa tem conseguido assegurar a mobilização de profissionais altamente diferenciados no plano técnico, animando as comunidades locais para a libertação da sua criatividade e para a criação de novas soluções para os seus problemas. Através do profissionalismo e da generosidade dos seus agentes, o Programa Escolhas tem vindo a promover a corresponsabilização e a mobilização do potencial endógeno às comunidades locais procurando criar condições para a autossustentação das ações iniciadas partindo da capacitação para a autonomia dos próprios jovens diretamente envolvidos.

Escolhas Possíveis!

A experiência desenvolvida pelos projetos do Programa Escolhas permite ilustrar o âmbito do alarga-mento de possibilidades de ação. Permite, igualmente, mostrar como a ação poderá ser concretizada. Os recursos preparados pelos projetos poderão passar a constituir apoios incontornáveis na concretização da ação inspirada pela inovação proposta.

Alguns recursos poderão ser exemplificativos da relevância contemporânea da inovação em causa assim como do apoio metodológico à concretização da ação. Recorrer-se-á a alguns exemplos ilustrativos desta potencialidade no domínio da “animação territorial”. Destacam-se experiências no domínio da consoli-dação da vida de relação para a libertação da esperança e da capacidade da ação coletiva, da produção local para o autoconsumo e da organização individual e coletiva da pequena produção mercantil, do em-preendedorismo social na criação de novas organizações da economia social e solidária para a uma capa-cidade coletiva mais autónoma na resposta a problemas sociais, e da mobilização da criatividade para a “criação de recursos” e para a inovação (produtos e processos) na viabilização de soluções de empreen-dedorismo social e “inclusivo”.

Animação territorial, “projeto de vida” e vida de relação

O Projeto Nu Kre (Amadora), desenvolveu a sua ação orientado para o desenvolvimento de competên-

JOSÉ MANUEL HENRIQUES

Doutorado em Economia, na especialidade de Economia do Desen-volvimento no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Em-

presa, Professor Auxiliar do ISCTE

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cias a partir da valorização e mobilização dos recursos individuais. O Projeto parte do reconhecimento de que os jovens de áreas urbanas em “crise” exibem frequentemente fragilidades nas suas competências pessoais (reduzidas habilitações, baixa autoestima, pouca autonomia, desmotivação, falta de perspetivas de futuro, desconhecimento sobre oportunidades, etc.) que dificultam a sua inclusão.

Desenvolveu o recurso Liga-Te através do qual se procura mostrar como é possível apoiar os jovens na construção do seu “projeto de vida” através do qual os jovens se poderão “ligar” progressivamente a si mesmos, aos outros, à comunidade, à sociedade e à totalidade da sua vida.

O recurso encontra a sua fundamentação na tentativa de mostrar como é possível contrariar a “desinte-gração dos indivíduos” que se admite caracterizar a sociedade contemporânea (fragmentação e indivi-dualização, perda de relações de proximidade e de vínculo entre os membros da sociedade, desapareci-mento de valores, perda de ligação com a natureza, etc.).

Esta perspetiva vem ao encontro do reconhecimento de que diferentes formas de deficit de cidadania se exprimem pela incapacidade de exercício do poder quer no plano discursivo quer no plano organizativo (organisational outflanking). Por exemplo, pessoas a viverem em situação de pobreza dificilmente con-seguem alterar a perceção que os não-pobres têm sobre os seus problemas existenciais e dificilmente se conseguem organizar coletivamente uma vez que essa situação é vivida de forma diferente e sentida como única por cada um.

O recurso Liga-te mostra como é possível associar a animação para a cidadania à inovação nas formas organizacionais criando condições para a superação da ausência de condições para a ação coletiva e para a mobilização de recursos em torno de um “projeto de vida” e de mudança coletivamente assumido.

Animação territorial, produção para autoconsumo e alargamento de oportunidades para a pequena produção mercantil

O projeto do Centro Lúdico-Pedagógico de Manteigadas (Setúbal) enquadra-se numa perspetiva de va-lorização da capacidade empreendedora dos jovens através da sua mobilização na organização de novos serviços à comunidade.

Através do recurso Hortobairro, o projeto pretende mostrar como é possível criar condições facilitadoras de uma maior autonomia face a despesas de abastecimento que se possam tornar evitáveis. A produção de alimentos para autoconsumo e o alargamento de oportunidades para o emprego e o rendimento são propostos através da requalificação de solo disponível.

A diminuição da dependência mercantil pode constituir o ponto de partida na promoção da “integração económica” em populações em situação de pobreza e exclusão social. Inscrevem-se nesta perspetiva a produção de alimentos para autoconsumo, a autoconstrução ou formas associativas na guarda de crian-ças.

O projeto do bairro das Manteigadas mostra como é possível agir para a concretização da diminuição da dependência mercantil na satisfação de necessidades humanas e como é possível associar soluções nesse domínio a formas organizativas facilitadoras do reforço da interdependência social e da cidadania.

O recurso Hortobairro inscreve-se numa perspetiva de intervenção que tem vindo a ser sugerida por organizações e movimentos internacionais em que se destacam a iniciativa “Food for the Cities” da FAO (http://www.fao.org/fcit/en), e os movimentos “Transition Towns” (http://www.transitionnetwork.org) e “Smart Cities” (http://www.smart-cities.eu).

Está em causa o reforço da capacidade endógena de produção de alimentos para autoconsumo (diminu-indo a dependência da sua aquisição em mercado, recolhendo a água da chuva, etc.), e para o aumento da geração de rendimentos através da pequena produção mercantil para o mercado, acrescentando valor e assegurando a sua retenção através da qualidade na produção de embalagens (mobilização do atelier de costura do “clube de pais” para a produção artesanal de “saquinhos” (chás, temperos, aromas, etc.), orna-mentação de vasos, etc.) e através da organização coletiva de processos de distribuição, comercialização e marketing (loja social para a distribuição e venda local, clube de jardinagem e “jardim móvel”, etc.).

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A gestão do Hortobairro envolve, em si própria, a ilustração de possibilidades de concretização de novas formas de organização económica no domínio da Economia Social e Solidária (empreendedorismo social e formas jurídicas de organizações a criar, critérios para a troca de excedentes, inovação nos produtos e nos processos para o “empreendedorismo inclusivo”, etc.).

Animação territorial, inovação e ‘empreendedorismo social’

O projeto “Escol(H)a Viva II” (Fundão) orientou-se para a promoção do sucesso escolar com base no estímulo do ‘empreendedorismo social’ para o fomento da cidadania ativa. Criou o recurso Loja Solidária (Loja (Re)Vestir) e mostra como é possível construir uma rede envolvendo pessoas e instituições, assegu-rando a recolha de roupa usada, a sua distribuição por pessoas carenciadas e a sua transformação para venda. A transformação da roupa e acessórios é assegurada através de uma oficina acrescentando valor através de aperfeiçoamentos e design. A promoção da venda é realizada através de passagens de mo-delos envolvendo os próprios jovens na exibição das peças por si transformadas e por um blog. Através da receita das vendas a autossustentação dessa forma organizativa é assegurada.

O recurso Loja (Re)Vestir ilustra como é possível concretizar novas formas organizativas através de inicia-tivas da sociedade civil, em que a criatividade possa ser orientada para a identificação de oportunidades na reutilização de produtos úteis, para a sua valorização através de formas inovadoras e para a viabiliza-ção de soluções de organização coletiva em que respostas à privação (distribuição de roupa junto de pes-soas em situação de privação) possam ser autonomamente asseguradas através da geração de receitas próprias.

Animação territorial, inovação e ‘empreendedorismo inclusivo’

Os projetos Dar à Costa (Almada) e Távola Redonda (Odivelas) ambos exploram oportunidades de alar-gamento de perspetivas para o emprego e o rendimento através da reciclagem de produtos.

O Projeto Dar à Costa, preparou o recurso Bijuteria Criativa através do qual mostra como poderá ser possível estimular competências transversais para o autoemprego através da criação, confeção e comer-cialização de acessórios de bijutaria a partir de materiais recicláveis. O Recurso centra-se na produção de bijutaria artesanal e as possibilidades de promoção da sua comercialização são ilustradas por vias diver-sas (website do projeto, Facebook, Escolas, Feiras de Artesanato, panfletos, etc.) (http://daracosta2009.blogspot.pt).

O Projeto Távola Redonda preparou o Recurso Recicla TelePc através do qual mostra como é possível através da reciclagem de telemóveis e PCs assegurar oportunidades de emprego e rendimento preparan-do equipamentos a mais baixo custo para pessoas com menor poder de compra (venda de equipamento, prestação de serviços de reparação e manutenção, etc.). O material é angariado junto da comunidade. Um website criado pelo projeto é usado para a angariação de material e venda dos produtos (http://www.wix.com/ptavolaredondape/tavola-redonda).

Cada vez mais o acesso ao emprego se torna dependente de novo emprego e cada vez mais novo em-prego depende da nova iniciativa empresarial (e menos da expansão do emprego nas empresas exis-tentes). O autoemprego e a criação de microiniciativas empresariais constituem cada vez mais uma opor-tunidade a explorar face aos desafios contemporâneos.

Porém, face à realidade de pessoas em situação de desemprego, ou precariedade no emprego, não é de esperar a emergência espontânea e generalizada de iniciativas empresariais formais. Importa que se reconheça a situação existencial dos eventuais promotores de grande parte das pequenas iniciativas empresariais, individuais ou associativas, e que requerem incentivos e um acompanhamento que não se coaduna com um perfil de apoios “normalizado”, muitas vezes desadequado das suas necessidades es-pecíficas.

Antes do acesso ao financiamento colocam-se questões a merecer atenção prévia. Animação da mudan-ça de atitudes e comportamento, adequação da estratégia empresarial e organização da comercialização

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são alguns dos domínios críticos que requerem a preexistência de organizações específicas e a adequada conceptualização da ação. Abordagens mais convencionais podem não ser suficientes. O microcrédito tem polarizado a atenção em torno desta temática. Porém, o acesso ao crédito sem a possibilidade de oferecer garantias “reais”, apenas constitui uma das dimensões de ação necessária.

O “empreendedorismo inclusivo” constitui a confluência entre domínios de ação que atravessam diversas políticas públicas. A política social (luta contra a pobreza, etc.), a política de emprego (autoemprego, etc.) e a política de empresa (microempresas, start-up, etc.) têm vindo a desenvolver medidas neste âmbito. Porém, paradoxalmente, o “empreendedorismo inclusivo” enquanto tal, não constitui ainda um domínio específico em qualquer das políticas públicas contemporâneas.

A reflexão em curso a nível Europeu associada ao desenvolvimento de uma Comunidade de Prática para o “empreendedorismo inclusivo” em torno da qual se procura a sistematização de resultados da Iniciativa Equal à escala Europeia é ilustrativa das questões que se encontram em jogo (http://cop-ie.eu).

Os projetos Dar à Costa e Távola Redonda mostram como é possível agir de forma a concretizar projetos empresariais para quem mais dificilmente tem alternativas de emprego no sistema formal de emprego. Mostram como se pode concretizar a “produção e criação” de recursos através da criatividade e como a mesma criatividade pode ser decisiva na inovação nos produtos e nos processos através dos quais novas oportunidades para o emprego e o rendimento poderão ser concretizadas. Também mostram como a inovação relevante nestas circunstâncias se coloca muito para além da “sofisticação tecnológica”. Através da produção artesanal (trabalho-intensiva) de artigos de bijutaria criam-se oportunidades de venda. Através da reciclagem de equipamento de comunicações e informática torna-se possível aceder aos bens a custos menores e, simultaneamente, realizar o valor dessa competência através do mercado.

Crise, experiência e perspetivas

A experiência acumulada pelos participantes no Programa Escolhas constitui hoje um património de valor inestimável da sociedade portuguesa não só na ilustração de novas possibilidades de ação a empreender pela sociedade civil como na conceção, gestão e implementação de medidas de política pública em domínios tão sensíveis quanto urgentes nas condições contemporâneos em que as ameaças à coesão social carecem da melhor experiência e competência na fundamentação de respostas verdadeiramente eficazes.

Concretamente, a experiência representada pelo Programa Escolhas permite:

a) Mobilizar todos aqueles que, tendo vivido a concretização das suas ações, permitem hoje aprofundar o conhecimento sobre a relação entre as causas dos problemas de desemprego, precariedade e pobreza em contextos territoriais de maior desfavorecimento económico e social e os limites de medidas exis-tentes contribuindo para a persistência desses problemas;

b) Inovar de forma urgente com base nos resultados da atividade desenvolvida pelo Programa, recor-rendo às suas ilustrações sobre possibilidades de aperfeiçoamento de aspetos específicos das respostas públicas mais convencionais;

c) Perspetivar as “condições de possibilidade” viabilizadoras dessa inovação e da sua “transferência po-tencial” para outros contextos (“transferabilidade metodológica”, mainstreaming horizontal) e perspetivar as condições de que possa depender a generalização da inovação testada, ou seja, as mudanças societais a induzir por forma a assegurar aperfeiçoamentos nas respostas públicas (“recomendações de política”, mainstreaming vertical) e na capacidade da sociedade, em geral, se tornar mais competente na ação.

A experiência desenvolvida pelo Programa Escolhas permite, assim, contribuir para reforçar a capacidade da sociedade portuguesa responder às ameaças contemporâneas à coesão social que de forma mais direta atingem os mais jovens. O Programa identifica “Escolhas Possíveis” e pode oferecer conhecimento suficiente sobre as condições de que possa depender a sua concretização.

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Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico.

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