hamlet - um mutante no terceiro milênio

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Graphos. João Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 – ISSN 1516-1536 47 HAMLET: UM MUTANTE NO TERCEIRO MILÊNIO Lucia V. SANDER 1 Não posso deixar de sonhar com uma crítica que não tentaria julgar mas dar vida a uma obra, a um livro, a uma frase, a uma ideia. Essa crítica multiplicaria, não julgamentos, mas sinais de existência. Talvez inventasse algumas coisas – melhor ainda. Melhor ainda. Essa crítica não reinaria ou se vestiria de vermelho. Ela traria o relâmpago de possíveis tempestades. (MICHEL FOUCAULT, 1988, p. 326) Fragmento de Kuang Chao ou Caligrafia Selvagem Resumo: O artigo analisa Hamlet, o personagem título da tragédia de William Shakespeare, como uma construção inacabada, imperfeita e enigmática que não só permite, mas convida à sua recriação em leituras e montagens da peça que o mantém vivo em diferentes tempos e lugares. Em sua segunda parte, o artigo propõe uma releitura de Hamlet, o personagem, como um terrorista solto numa corte ameaçada e, assim, o traz do século 17 para o início do terceiro milênio e o torna, mais uma vez, um contemporâneo. Palavras-chave: Shakespeare; Hamlet; Renascimento; Literatura; Teatro; Drama. Abstract: The article focuses on Hamlet, the title character of William Shakespeare’s tragedy, as an unfinished, imperfect and enigmatic construction which not only allows but also invites its recreation in productions of the play that keep him alive in different times and places. The second 1 Lucia Sander é Ph. D. em Literatura, Universidade Estadual de Nova York (SUNY/Stony Brook); Professora Adjunta da Universidade de Brasília (UnB) até 1998, no Departamento de Teoria Literária e Literatura e no Departamento de Artes Cênicas; Pesquisadora Visitante na Universidade Estadual de Nova York (SUNY/Stony Brook, 1997) e na Universidade de Nova York (NYU, 1998); formação em direção de teatro e encenação no British Theatre Association, em Londres; participou de montagens e escreveu roteiros para o palco, o mais recente sendo a performance solo Ofélia explica ou O renascimento segundo Ofélia & Cia., uma adaptação paródica da personagem de William Shakespeare. Suas publicações mais recentes são os livros Susan e eu: ensaios críticos e autocríticos sobre o teatro de Susan Glaspell (Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2007) e Ofélia explica ou O renascimento segundo Ofélia & Cia. (Brasília: Minha Gráfica e Editora Ltda., 2009).

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Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 47 HAMLET:UM MUTANTE NO TERCEIRO MILNIO Lucia V. SANDER1 Nopossodeixardesonharcomumacrticaque no tentaria julgar mas dar vida a uma obra, a um livro, a umafrase,aumaideia.Essacrticamultiplicaria,no julgamentos,massinaisdeexistncia.Talvezinventasse algumas coisas melhor ainda. Melhor ainda. Essa crtica noreinariaousevestiriadevermelho.Elatrariao relmpago de possveis tempestades. (MICHEL FOUCAULT, 1988, p. 326) Fragmento de Kuang Chao ouCaligrafia Selvagem Resumo:OartigoanalisaHamlet,opersonagemttulodatragdiadeWilliamShakespeare,como uma construo inacabada, imperfeita e enigmtica que no s permite, mas convida sua recriao emleiturasemontagensdapeaqueomantmvivoemdiferentestemposelugares.Emsua segundaparte,oartigopropeumareleituradeHamlet,opersonagem,comoumterroristasolto numa corte ameaada e, assim, o traz do sculo 17 para o incio do terceiro milnio e o torna, mais uma vez, um contemporneo. Palavras-chave: Shakespeare; Hamlet; Renascimento; Literatura; Teatro; Drama. Abstract: The article focuses on Hamlet, the title character of William Shakespeares tragedy, as an unfinished,imperfectandenigmaticconstructionwhichnotonlyallowsbutalsoinvitesits recreationinproductionsoftheplaythatkeephimaliveindifferenttimesandplaces.Thesecond 1 Lucia Sander Ph. D. em Literatura, UniversidadeEstadual de Nova York (SUNY/Stony Brook); ProfessoraAdjuntadaUniversidadedeBraslia(UnB)at1998,noDepartamentodeTeoria Literria e Literatura e no Departamento de Artes Cnicas; Pesquisadora Visitante na Universidade Estadual de Nova York (SUNY/Stony Brook, 1997) e na Universidade de Nova York (NYU, 1998); formaoem direo de teatro e encenao no British Theatre Association, em Londres; participou demontagenseescreveuroteirosparaopalco,omaisrecentesendoaperformancesoloOflia explicaouOrenascimentosegundoOflia&Cia.,umaadaptaopardicadapersonagemde WilliamShakespeare.SuaspublicaesmaisrecentessooslivrosSusaneeu:ensaioscrticose autocrticos sobre o teatro de Susan Glaspell (Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 2007) e Oflia explica ou O renascimento segundo Oflia&Cia. (Braslia: MinhaGrfica e Editora Ltda., 2009). Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 48partofthearticleproposesarereadingofHamlet,thecharacter,asaterroristletlooseinafallen kingdom, thereforemoving Hamletfrom the 17th century to the beginning ofthe thirdmillennium, and turning him, once again, into a contemporary.Keywords: Shakespeare; Hamlet; Renaissance; Literature; Theatre; Drama. Quem Hamlet? Em maro do ano de 2007 realizou-se um evento em Washington, DC, nos EstadosUnidos,anunciadocomoOJulgamentodeHamlet.Oeventoconsistiu daencenaodeumjulgamentolegalparadeliberarseHamlet,oprotagonistada tragdiadeShakespeare,deveserconsideradoculpadopeloscrimesquecometeu ou inocente por razo de insanidade mental. A deliberao final sobre a loucura de Hamletresolveriadefinitivamenteainsistentependnciasobreessepersonagem que, apesar de no devidamente identificado, ou diagnosticado, deu a seu criador o ttulo de Homem do Milnio.A sesso do julgamento foi presidida pelo renomado juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Anthony Kennedy. Os advogados de defesa e acusao foram tambm juzes de mrito reconhecido naquele pas e as testemunhas de acusao e defesaforam,respectivamente,oDr.AlanStone,professordaUniversidadede Harvardeex-presidentedaAssociaoAmericanadePsiquiatria,eoDr.Jeffrey Lieberman,professordedireitoepsiquiatriadaUniversidadedeColumbiae diretordoInstitutodePsiquiatriadeNovaYork.Ojrifoiconstitudopordoze membros entre universitrios, especialistas em arte e literaturae notrios patronos dasartes.HamletfoirepresentadopeloatorJoshuaDrew,quenosemanifestou durante todo o tempo do julgamento mesmo porque Hamlet j havia declarado h quatro sculos que, para ele, o resto era silncio. Assim,osculoXXItransferiuHamletdopalcodoteatro,nosomente para uma tela de pintura ou de cinema, ou para uma banca acadmica, mas para o bancodosrus.Seucrime:odeter-sevingadocomasprpriasmose,assim, apelado para uma justia selvagem em oposio a uma vingana civilizada, ou seja, aumjulgamentocomoprescritopelalei.Antes,porm,Hamletteriavividoum dilema, o de pecar ou no pecar contra a lei dos homens e a lei de Deus, um dilema encenadonaschamadasTragdiasdeVinganadoRenascimentoingls,que faziam um enorme sucesso no tempo de Shakespeare e em cuja tradio Hamlet se inscreve. OjulgamentodeHamletrealizadoemWashingtontambmfoiumgrande sucesso. O anncio do evento atraiu de tal modo o pblico e a mdia que os 1.150 lugaresdoTeatroEisenhowerdoKennedyCenterforthePerformingArts esgotaram-semuitassemanasantesdadatadesuarealizao.Porm,aofinaldo toesperadojulgamentonosechegouaumveredicto,poishouveempate,seis votos contra seis. Ao trmino da sesso, o juiz Anthony Kennedydeliberou que o prncipe dinamarqus deveria ser devolvido s pginas da nossa herana literria; a questodesuasanidadeouinsanidade,desuaculpaouinocncia,ouseja,a questo de quem Hamlet seguindo sem resposta.Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 49OjrideWashingtonpodenoterdeliberadosobreoestadomentalde Hamlet, no entanto, a falta de consenso entre seus membros produziu uma consta-tao, no sobre o protagonista, mas sobre a pea de Shakespeare. OJulgamento de Hamlet em 2007 comprovou, mais uma vez, que Hamlet, montada e remontada centenasdevezesemdiferentestemposelugaresdesdeasuaprimeiraencenao noinciodosculoXVII,umapeaquecontinuavivaesegueatraindoe desafiando leitores, encenadores e pblico, apesar ou em razo da impossibilidade de se deliberar sobre o seu protagonista. Quem esse personagem to conhecido e, ao mesmo tempo, to enigmtico que no se consegue esquecer, rejeitar, desistir de entender? Quem afinal Hamlet?Nemtodasasperguntastmresposta,ouumasresposta,elascontinuam seimpondoapesardoempenhodabusca.Porm,muitasvezesoproblemareside na formulao da pergunta, j que, assim como muitas respostas, h perguntas que caducam com o tempo e as transformaes do contexto em que so formuladas. Na tentativadeencontraroutrasviasdeacessocomplexidadedaquestodequem Hamletouno,sobreaqualsetemingenuamentebuscadoumasimplesres-posta,eumeproponhoareformularessaclssicaindagaocrtica,senocrnica ouanacrnica,sobreaidentidadedeHamletesubstituiraperguntaQuem Hamlet? por Quem Hamlet pode ser no terceiro milnio? Passadosossculos,asleiturasconsagradasdaobradeShakespeare,de Hamlet em particular, enfim conquistaram o benefcio da dvida. Essa alforria das prescrieselimitaesimpostaspelatradiocrticaliberaumespaoentreos AtosdeShakespeareeasaesdeseuHamletenospermiteatravessarcertas fronteiras antes bloqueadas pela tradio da crtica shakespeareana. Para usar dessa liberdade que o momento nos concede, busco inspirao em Virginia Woolf no que elaescreve:[Quandoselumlivro,]deve-sesercapaznoapenasdegrandes delicadezasdepercepo,masdegrandesaudciasdaimaginao.(WOOLF, 1932,p.128).OquemefazlembrarocalgrafochinsdenomeChangHsuque, entre os anos 700e 750do sculo VIII, contaahistria, bebeu um pouco demais, deixou o pincel voar e a tinta danar com total liberdade e abandono e assim criou oqueatradioveioachamardeKuangChao,ouCaligrafiaSelvagem.Ao quebrar as convenes da caligrafia clssica, ao livrar-se das formas convencionais doscaracteresedosinstrumentostradicionaisdaescrita,oartistapdeexpressar livremente o seu estado de esprito. Graas ou no ao excesso de saqu, Chang Hsu teriaassiminauguradoaprticadacaligrafiacomoumaartedaperformance (PING-MING, 1984). [Eudevodizerque,nesteensaio,eapesardeterdadoouvidosaVirginia Woolf em sua defesa da leitura audaciosa, no pretendo expressar livremente o meuestadodeesprito.Aindameconstrangemalgumasdasformalidadesda crticaconvencionaleseudiscursopseudo-objetivoeimparcial.Quanto leituraousleiturasdeHamletqueeuvenhaasugerir,vocsdirosenelas encontramalgumgraudeselvageria.Noseibemoquepreferir:quedigam que sim ou que no.] Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 50AperguntaQuemHamlet?quehsculosvemsendoperseguida, remete ao igualmente infindvel debate sobre a identidade de seu criador. Quem Shakespeare? Ou quem foi Shakespeare? Ser que foi ele que escreveu o Hamlet e asdemaispeasditasdesuaautoria?Essadvidatemgeradodiversasteoriasao longodossculossobreaassinaturadocnoneshakespeareanoeapontadopara vriospossveisautoresdestaobratocelebrada,ofavoritodavezsendoEdward de Vere, 17 Conde de Oxford.2 Ao que as evidncias indicam, Shakespeare, assim como o seu Hamlet, vem sendo um enigma aparentemente indecifrvel. Emsetembrode1987foirealizadoumoutrojulgamentopblicona AmericanUniversity,tambmemWashington,DC,emquetrsjuzesdaCorte Suprema dos Estados Unidos presidiram o debate em que se confrontaram os mais notrios Stratfordianos os que defendem a teoria de que Shakespeare de Stratford oautordaspeaseosmaisnotriosOxfordianososquereconhecemo17 Conde de Oxford, Edward de Vere, como seu verdadeiro autor. Neste julgamento, tambmmuitoconcorridoealardeado,nohouveempate,vencerampormuito poucoosStratfordianos.Noentanto,osOxfordianosdeclararam,emsuas publicaessubsequentesnaimprensa,quehouvefraudenojulgamentoe,sendo assim,ocnoneditoshakespeareanoseguesendoshakespeareano,mesmoque, para alguns, seja um cnone que continua rfo. Aquestoquemoveuessejulgamentofoi,maisumavez,aquestoda autoria.Quemoresponsvel?Quemoculpado,sejaporterexecutadouma justiaselvagem,nocasodeHamlet,sejaporterpraticadoumaescritaselvagem, nocasodeShakespeare,jque,sbrioouno,eassimcomoChangHsu, Shakespeare deixou sua pena voar e a tinta danar com total liberdade e abandono e inventouaspalavrasquelhefaltavamparaexpressarasideiasquelhesobravam. TantoShakespearequantooseuHamletparecemterinfringidoalei:um,ao vingar-secomasprpriasmosepecarcontraasleisdoshomensedeDeus;o outro,aotransgredirolxicodalnguainglesa,tambmcomasprpriasmos,e expandi-lodemodoatercontribudo,maisdoquequalqueroutroescritor,na transformaodeumalnguaentoconsideradacrua,comvocabulriolimitado, emumalnguadignadetelogos,filsofosecientistas.Quemafinalfoiesse escritor, ou mais esse inventor renascentista que, em vez de acrescentar estrelas no cu, acrescentou cerca de 2.000 palavras lngua inglesa e escapou da fogueira? [ApesardeFoucault,segue-seperseguindooautorembuscadasoluodo problema que criou no texto que autorizou. Na tragdia o heri que se culpa peloerroquefoidesuaautoriaecausoutantaagonia.Nafaltade 2NosculoXVIII,em1785,JamesWilmotatribuiuaautoriadaspeasdeShakespeareaSir Francis Bacon; no sculo XIX, em 1891-2, James Greenstreet props o nome de William Stanley, 6 CondedeDerby,comooautordocnoneshakespeareano;em1895,WilburZieglerdefendeua hiptese de que Marlowe, Raleigh, e o Conde de Rutland so os verdadeiros autores dos textos ditos de Shakespeare; finalmente, no sculo XX, em 1920, J. Thomas Looney desenvolveu a teoria de que Edward de Vere, 17 Conde de Oxford, o verdadeiro autor das peas de Shakespeare, esta ltima teoriahojecongregandoumnmeroexpressivodeadeptos.Garber,Marjorie,Shakespearesghost writers: literature as uncanny causality.Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 51entendimento, tem de se achar um culpado pelo ato que, de fato, no tem uma explicao.Oinexorvelnoseexplicano.Viveraleatrioeescrever tambm , sum bode expiatrio salva o leitor do conflito, d sentido ao que no tem, pe razo onde no h pois que no tem juzo.3] NocasodaidentidadedeShakespeare,oproblemapareceestarligado inexistnciadeumabiografiaconfiveledefinitiva.Oquesabemossobreesse homemdeStratford-upon-Avonmuitopouco.Shakespearenotemumavidaa ser contada e, sem passado, o presente parece que no se sustenta, e o futuro ele vaiterquecontinuardisputandocomoutrosdequemsepodeescreveruma biografia coerente com esta obra que at hoje nos assombra e nos acena. Tambm nesse aspecto, Hamlet parece ter algo em comum com seu criador. A razo de ele serconsideradoumpersonagemtoenigmticopodeestarrelacionadaaofatode Hamlettambmnoterumpassadoqueexpliquesuasaesnopresentedapea. Refns que somos da narrativa, no podemos dispensar a linearidade e a coerncia, tanto na literatura e no teatro quanto na vida.Alguns diro que Hamlet tem, sim, um passado e, de fato, com o advento da psicanlisenaprimeirametadedosculoXX,Hamletganhouumainfncia,um diagnstico de neurtico e uma leitura to convincente que praticamente se tornou aleituraoficialdapeadeShakespeare,adotadaemmontagensnoteatroeno cinemaofilmedirigidoeencenadoporSirLawrenceOlivierem1948sendo talvezoseumaiorrepresentante.Alis,emsuadefesacontundentedeHamletno julgamento de Washington em 2007, o Dr. Lieberman empenhou-se em demonstrar queHamleteraumprncipeprofundamenteeclinicamentedepressivo,como diagnstico de desordem esquizoafetiva ou psictica afetiva, do tipo bipolar.OfatodequealeituradeHamletproduzidaluzdapsicanliseapia-se em dados ausentes no texto de Shakespeare, isto , em informaes deduzidas dos sintomassupostamenteapresentadospelopersonagemnocursodapea,no desautorizanemtiraobrilhoqueessaleituranosdevolve,esimultaneamente autoriza que outros supostos passados de Hamlet sejam imaginados e encenados. O fato que Hamlet j nasce adulto. Ele comea a existir quando a pea comea a ser escrita. No h nenhum Hamlet anterior ao texto de Shakespeare, seu passado s aquelequeestpresentenopresentedapea,ehmuitopouco,quasenadano textodeShakespearesobreainfnciaeajuventudedeHamlet.Opassadode Hamlet tem de ser inventado, e assim tem sido atravs dos sculos, seja por atores, diretores, crticos, leitores em suas prprias recriaes da pea, no palco, na tela, ou na pgina. Consequentemente, Hamlet teve e continuar tendo passados diferentes, tantosquantoosHamletsqueforam,quetemsidoequeseroencenadosparao pblicodediferentestemposelugaresquebuscacompreenderessepersonagem que resistea uma definio. Definir, segundo Roland Barthes, separar o bem 3RefernciasaoinfluenteensaiodeMichelFoucaultOqueumautor?(1969),eaovalioso trabalho de Sandra Luna quedefende a tese de que a tragdia uma racionalizao do trgico em: ArqueologiadaAoTrgica(2005),ATragdianoTeatrodoTempo(2008),eDramaturgiae Cinema (2009). Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 52do mal (BARTHES,1998, p. 41). Talvez, na escrita selvagem de Shakespeare essa separao no seja possvel. [Aselvadesconheceamoral,assimcomoaartedesconhecefronteiras, barricadasebarreiras.Aarteinventaoartistaqueviajasemroteiro, passaporte,sempassagemesemdardeclarao.svezesvaiprapriso,s vezes no. s vezes produz o horror que brota dessa selva interior. A arte no se conforma a formato nem a organizao: caos e exploso. A selva assusta e perigosa, a arte tambm, pois de l que ela vem.] AoescanearemvootextodeShakespearenorastrodeumpassadode Hamlet que explique suas aes no presente da pea, acabamos por encontrar outra coisa:noumrostodefinitivoparaHamlet,masoespaoparaimaginarerecriar essepersonagemdemodoasitu-lonomundoemqueviveopblicopresentee assim torn-lo um contemporneo. J se disse de Shakespeare que, mais importante doqueoqueeleescreveuoqueelenoescreveu.Comoafirmeiemoutro contexto,osbiosilnciodeShakespeareque,emparte,garanteasobrevidade sua obra (SANDER, 2009, p.11).O silncio de Shakespeare sobre o seu Hamlet oconstri coma opacidade quenoshabitaatodasetodos,umaopacidadequenopodeseriluminadapelo discursoeque,segundoJudithButler,nosimpededeprestarcontasdequem somos quando interpelados nesse tribunal (BUTLER, 2005, p. 51), ou nesse teatro da vida, como diria Shakespeare. a Hamlet, esse personagem to incompleto, to incoerente,tocontraditrio,toenigmtico,torealistaqueatparecereal,que ingenuamente se pergunta Quem voc?, como se ns, do outro lado do espelho, oudopalco,fssemoscapazesderesponderseaperguntanosfossedirigida. Espera-seque,emHamlet,Shakespeareproduzaumrelatocoerentesobreoseu heri em que os eventos sequenciais estabeleam uma relao de causa e efeito que otornemfacilmentecompreensvel.SegundoJeanetteWinterson,Aarteto fascinante justamente por causa dessa sensao de vida real e no de qualquer coisa sanitizada,comodificada,domesticadaenomaisperigosa(WINTERSON, 2007). A arte, como a vida, no aceita esquema nem se encaixa em relato coerente. Como tambm j escrevi em outro lugar, coerncia aquilo que se fabrica quando se vai contar a histria de uma vida (SANDER, 2007, p. 50).Hamletpodeseramaisprecisaetocanterepresentaoartsticado Renascimento, um perodo em que os valores ecrenas medievais se enfrentavam com a entrada mais ou menos triunfal do mundo moderno e de suas mquinas nem to maravilhosas. Porm, silenciando tanto quanto dizendo, Shakespeare acrescenta umadimensofilosficaaodramahistricodeHamletnoqueodesprendeda prisoqueaDinamarcaeosituanessepromontrioestril(II,ii)4,sobuma aglomeraodevapores(II,ii),rastejandoentreocueaterra(III,i),irreconhecvel a si prprio em qualquer tempo ou lugar.Em Hamlet, Shakespeare nos oferece um protagonista inacabado e inesgotvel, e nos brinda com os meios de 4 A traduo de Hamlet utilizada neste ensaio de Millr Fernandes. Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 53retoc-lo para que se ajuste moda e ao gosto do tempo presente. Cabe a ns, seus leitoreseencenadores,enfrentarodesafiodeimaginarumHamletnossocontem-porneo para que assim, e s assim, ele possa habitar entre ns no terceiro milnio. Quenoanode2007ojrideWashingtonnotenhachegadoaum veredictosobreaidentidadedeHamletreconfortante,quaseumalvio.Que estudiosos e admiradores de Shakespeare, empenhados em chegar a uma concluso sobre a identidade de Hamlet, tenham optado pela encenao de um julgamento do personagemdeShakespeare,ameuver,umaescolhaquemerecereflexo.Por umlado,oritualemqueseconstituiumjulgamentolegalmuitoseassemelha mis-en-scneteatral,considerandoautilizaodeumcenrioapropriado,a indumentriaespecficadosparticipantes,adistribuiodospapis,asentradase sadas cronometradas, a presena do pblico. O julgamento de Hamlet realizado em Washingtonem2007foiumaencenaodeumaencenao,oqueremeteao recursodapeadentrodapeaextensamenteutilizadoporShakespeareemseu teatro.Areflexosobreoteatroemseuprprioterritrio,ameuver,uma alternativaprodutivaescritacrticanoquemovidapelaconstataoda impossibilidadedesedescreveroindescritvel,desereproduziroirreproduzvel, de se documentar o que resiste documentao, i.e., a experincia fugaz do teatro.5

Noentanto,considerandoqueoformatoescolhidoparaestaencenao, cujapropostaconsistiuemchegar-seaoconhecimentoplenodeHamlet,foiode um julgamento legal, no caso o julgamento de Hamlet, h de se considerar que se pode julgar e at condenar algum sem conhec-lo ou conhec-la plenamente. Um julgamento, por mais importante e necessrio que seja, escreve Judith Butler, no garante ou no dacesso ao conhecimento sobreo outro, e ela continua,muitas vezessuspendendoonossojulgamentoquepodemosapreenderooutroemsua humanidade, mesmo quando esse outro tentou aniquilar a humanidade (BUTLER, 2005,p.44-5).Ademais,comojuzesoujuradossomosimpedidos,fsicae judicialmente, de qualquer aproximao com Hamlet se a ele designado o banco dosrus.SegundoButler,acenadojulgamentomoral,quandosetratado julgamentodepessoasporseremquemso,estabeleceinvariavelmenteumaclara distncia moral entre aquele que julga e aquele que julgado (BUTLER, 2005, p. 45), e acrescenta, e pode transformar o moralista em criminoso (BUTLER, 2005, p. 49). Na extensa literatura crtica sobre Hamlet, crimes foram e so cometidos por aquelesque,aojulgaroseuprotagonista,desprezamumprincpiobsicoda HistriadoDireitoquenosconvidaadesistirdejulgarenosimpeleaadotar procedimentos mais apropriados para lidarcom essa construo complexa que o 5 reflexo crtica sobre o teatro em seu prprio territrio dei o nome de Crtica em Performance e realizeiosseguintestrabalhos:SusanGlaspell:entrens/entrelinhas,umaperformancesolo apresentada nos anos de 2001 e 2002 em universidades brasileiras e cujo roteiro est publicado em Susan e eu: ensaios crticos e autocrticos sobre o teatro de Susan Glaspell, 2007; e Oflia explica ou O renascimento segundo Oflia& Cia., performance solo apresentada nos anos de 2008 e 2009 emvriasuniversidadesbrasileirasecujoroteiroestpublicadoemOfliaexplicaouO renascimento segundo Oflia &Cia., 2009.Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 54HamletdeShakespeare.Aesteprincpiod-seonomedebenefciodadvida. Segundo Butler, Quandoqueremosconhecerooutro,ouquandopedimosqueooutrodiga, finalmenteedefinitivamente,quemeleouquemela,importanteno esperarumarespostasatisfatria.desistindodeperseguirasatisfaoe permitindo que a questo siga em aberto que deixamos o outro viver, uma vez queavidapodeserentendidacomoprecisamenteistoqueexcedequalquer testemunho que dela tentamos dar. (BUTLER, 2005, p. 43) MuitosconsideramHamletcomoumapeaprecursoradeoutrapeaque marcou a trajetria da dramaturgia ocidental, Esperando Godot de Samuel Beckett (1950). H tempos se desistiu de perguntar quem so Vladimir e Estragon e o que esperamessesdoispersonagensnapeadeBeckett.DeHamletsegue-se perguntandoquemeaqueveio,quandotalvezaperguntadevesseseraquem veioedequemesperaalgo.AssimcomoospersonagensdeBeckett,talvezo HamletdeShakespeareestejaesperandodens,seusleitoreseencenadores,que lhe deem um rosto e algo a esperar. Quem Hamlet pode ser? um prazer ler o texto de Hamlet e deparar com as possibilidades de leitura que da pgina nos acenam e que deleitosamente perseguimos. Outra coisa, porm, encenar Hamlet no palco e ter de fazer opes sobre QUE Hamlet pr em cena de modoaquepossasecomunicarcomopblicoespecficoaquesedirige.Hamlet setornouumadasmaiscelebradasobrasdaliteraturaocidental,talvezamais celebrada,pormessetextofoiconcebidocomoumroteiroaserencenadono teatro,aganharvidanopalco.QuandosevaimontarHamlet,certasescolhas importantesebsicasrelacionadasaoprotagonistatmdeserfeitas,comoum guarda-roupa,posturacorporal,tomdevoze muitasoutras.Mesmoquesequeira preservar a ambiguidade do protagonista, Hamlet tem que ter uma cara e, em cena, necessariamenteter.Podesermelhorquenoserespondadefinitivamente perguntaQuemHamlet?,porm,umarespostatemporria,umaidentidade mesmo que provisria, seno precria, tem de ser e dada a Hamlet cada vez que um ator entra em cena nesse papel. Sendo assim, quando se vai remontar essa pea imperativoquesedecidaquemserESSEHamletque,postoemcenair,nas palavrasdoprprioHamlet,exibirumespelhonatureza;mostrarvirtudesua prpriaexpresso;aoridculosuaprpriaimagemeacadapocaegeraosua forma e efgie (III,ii). Que mutaes sero possveis e necessrias para que Hamlet sigahabitandoentrens?Hojeeagora,quemHamletpodeser?seguindono rastro de um rosto que possa refleti-lo no espelho do sculo XXI que prossigo neste ensaio, ou que ensaio uma possvel leitura de Hamlet. Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 55[Aaudciaqueporventuravenhamaencontrarnaminhaescritalegadode quem eu cito e citei, e muitos mais a quem eu tanto devo, porm, eu assumo o que escrevo.] Diferente dos julgamentos a que me referi na primeira parte deste ensaio, o terceiroeltimoqueaquirelembrofoiumjulgamentodefato,realizadoem Londresnoanode1606,nadcadaemqueShakespeareescreviasuasgrandes tragdias. Trata-se do julgamento do Superior dos jesutas ingleses, Henry Garnet, que ao final foi condenado morte por no ter revelado o seu conhecimento sobre uma conspirao contra o rei James I. Essa conspirao, que a histria batizou com onomedeGolpedaPlvora(TheGunpowderPlot),foiumadasmuitas conspiraesquesesucederamnaInglaterradeShakespeareduranteumlongo perodotumultuadodeconflitospoltico-religiososentreosprotestantes,que adotaram a religio que se tornou oficial e obrigatria na Inglaterra, e os catlicos, queexigiamoretornodoseudireitodeprofessarasuafequeeramsistema-ticamente perseguidos, especialmente os jesutas.OGolpedaPlvora,planejadoearquitetadoporumgrupodejesutas, fracassounoltimomomentoquando,namanhde5denovembrode1605,foi descoberta nos pores do Parlamento uma enorme quantidade de barris de plvora quedeveriamexplodiraquelatarde,quandodaaberturadoParlamento,matando todososqueestivessemnorecinto,inclusiveorei,edestruindotodoocomplexo arquitetnicoqueconstituioParlamentoIngls.Oespecialistaemexplosivos encarregadodapartetcnicadogolpe,denomeGuyFawkes,tambmfoiconde-nado forca e executado em 1606.O5denovembro,diaemqueaConspiraodaPlvorafoidescobertae desmontada, continua a ser celebrado naInglaterra com fogos de artifcio como A NoitedeGuyFawkesouANoitedaConspirao(GuyFawkesNight,ouPlot Night).Nosltimosanosessediavemsendomaislembradodevidopublicao de recentes estudos que comparam o atentado de 5 de novembro em Londres com o de 11 de setembro em Nova York (BRITTEN, 2007; TARPLEY, 2005; SHARPE, 2006 entre outros). Em 2006, um filme que se refere ao golpe foi produzido com o ttulodeVdeVingana,6semesquecerquehumacanodeJohnLennon, intitulada Remember, em que ele faz meno ao 5 de novembro, e na qual a ltima linha : Remember the 5th of November. [Issonoumadigresso.SeaquieurelembrooGolpedaPlvoraporque estoutentandolocalizar,noassemelhanasbviasentreosdoisperodosde entre-sculos,masumasintoniaquelogrenosdevolver,noinciodesse milnioeapesardepassadosmaisdequatrocentosanos,aincertezasobrea loucura, a revolta contra o que podemos chamar de uma soberania selvagem, o terror diante de ameaas e o medo do que nos aguarda.] 6VforVendeta,filmedirigidoporJamesMcTeigue,WarnerBros.EntertainmentInc.,2006, coproduo Reino Unido e Alemanha. Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 56OGolpedaPlvora,assimcomoojulgamentodosimplicados,serviude inspiraoemuitocitadoporescritoresdoinciodosculoXVII,inclusivepor Shakespeare, e no somente em sua pea Macbeth, onde h uma referncia direta a essegolpequenofoianicaconspiraodeflagradaemLondresnotempoem que Shakespeare escrevia suas peas de teatro.7 Esse foi um perodo de turbulncia emquegolpes,conspiraes,traies,espionagem,sequestros,assassinatosman-tinhamapopulaodeLondresempermanenteestadodealerta.Essemundode violncia, de crime, esse clima de medo, de terror, reconstrudo e representado no palco em vrias peas de Shakespeare, muito especialmente em Hamlet. Hamletteminciocomaapariodofantasmadoreimorto,umaviso espantosa(I,i),comodizBernardo,interpretadaporumHorciotrespassadode espantoemedo(I,i)comoumaugriodealgumacomooestranhaemnosso Estado[...]agitadoporumtumultofebril(I,i),ecomoumarautodedesgraas que ho de vir (I,i). O que que nos aguarda? (I,i), pergunta Marcelo, assustado comaguerraiminenteecomoterrorqueseanuncianoreinodaDinamarcaeno palcoondeHamletcomeaaserencenado.AscenaseosAtosqueseseguem confirmamasprevisesnefastasanunciadasnoinciodapea.Noseuquintoe ltimoAto,Horciofaz umrelatodaviolnciaedaondadeterrorquedizimoua corte dinamarquesa: HORCIOMe ouviro falar de atos carnais, sanguinolentos E contra a natureza; julgamentos fortuitos, assassinatos casuais, Mortes instigadas por perfdias e maquinaes, E, como eplogo, conspiraes frustradas, Caindo na cabea de seus inventores. (V,ii) Assim Horcio resume o enredo de Hamlet, ou melhor, UM dos enredos da pea de Shakespeare, o que escolho privilegiar neste ensaio, um enredo que atravs dossculostemsidotratadocomopanodefundodeoutrahistriaqueapea tambmcontmequefoiresumidaporSirLawrenceOlivernaaberturadeseu filme em que focaliza o drama existencial do protagonista de Shakespeare. Diz ele: Essa a tragdia de um homem que no conseguia tomar uma deciso.Hamletahistriadessehomemquenoconseguiatomarumadeciso, porm, no s essa a histria contida no texto de Shakespeare. Se, ao contrrio da histricatendncia,vcioouhbitodaextensacrticaaseurespeito,decidirmos que, em vez de privilegiar as reflexes de Hamlet, vamos voltar nossa ateno para 7Nacenaiii,AtoIIdapea Macbeth,hummomentodedistensodramticaprotagonizadopelo personagemdoguardadordosportesdocastelodeMacbethque,estandobbado,pensaexercer suafunonaportadoinferno.Emsuafala,oporteirodescreveosvrioscondenadosaardernas chamas,umdelessendoumarefernciaaHenryGarnetesuautilizaodoequvocoparatentar confundir os que o julgaram. Diz o porteiro: Quem , em nome do outro demnio? f, um jesuta capazdejurarporqualquerumdospratosdabalanacontraooutroprato;quetraiuquantopde peloamordeDeus,masnoconseguiuintrujaroCu.Entra,jesuta.(traduodeManuel Bandeira). Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 57asaesconstrudaseexecutadaspelopersonagemnocursodapea,poderemos encontrarumoutropossvelHamlet.Pormaisbrilhantesquesejamosseus solilquios,opapeldeHamletnoserestringeaproferi-los.Aocontrriodoque diz da prpria performance em momentos em que est reduzido sua conscincia, HamletumpersonagemextremamenteativonapeadeShakespeare.Ao ampliarmosongulodevisodemodoaveralmdacriseexistencialdo protagonistaefocalizarmosodramasocialepolticoencenadonoHamlet,surge diante de ns um jovem que, incumbido de nortear o rumo dos tempos e consertar o mundo, entrega-se a uma misso suicida no sem antes espalhar o medo e o terror na corte da Dinamarca. Esse outro possvel Hamlet, um terrorista solto num reino ameaado. Otermoterrorismo,definidocomoautilizaodemecanismoseaes violentasparaimporpnicoeterrorapopulaesougovernos(SUTTIe RICARDO,2003,p.1),sveioaexistirnofimdosculoXVII,nofinalda revoluofrancesa;porm,osmtodosterroristasjeramutilizadosnosno tempo de Shakespeare, mas sculos antes dele assim como as guerras santas que vmsendotravadasdesdequesetemmemriaatsetornaremasprincipais manchetesnosjornaisquelemoshoje,dessavezcomonomedeGuerracontrao Terror,emvezdeCruzadas,Inquisio,Colonizaoetc.OprprioGolpeda Plvorafoiumcaptulodaguerrasantaentrecatlicoseprotestantesnasegunda metade do sculo XVI e incio do sculo XVII, um tempo conturbado que inspira a visoapocalpticadeHamletnoAtoIqueolevaaconcluir:Nossotempoest desnorteado(I,v),oquetalvezjtenhamosditoououvidodonosso.Apesarde maldizerasuasina,Hamletjurasolenementequesuavidaserdedicadaao cumprimento da misso que lhe foi conferida: HAMLETNo livro e no captulo do meu crebro Viver apenas o teu mandamento, Sem mistura com qualquer matria vil. (I,v) o espectro do velhoHamlet que confere a seufilho a misso de salvara suahonra,ouseja,ahonradopai,deassegurarumasucessolegtimana DinamarcaedepuniraquelequepecoucontraasleisdeDeusoquefazdesua guerrapalacianamaisumaguerrasanta.Defato,Hamlettematrplicemissode restabelecertrsinstituiesameaadasnaDinamarca,quaissejam,aquelasque sustentam a trade monrquica: Deus, ptria e famlia. Apesar de trplice, a misso deHamlettemumademandacomum,adedestruiroatualocupantedotronode seu pas, em nome do pai, em nome da ptria, e em nome de Deus, mesmo que isso lhe custe a vida. para erradicar a podrido que se espalha pelo domnio privado, pblico e divino que Hamlet convocado e, a princpio, sente-se prontoa desem-penhar seu papel de filho, de cidado e de temente a Deus: Hamlet (ao espectro)Me conta tudo logo, para que eu, Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 58Mais rpido do que um pensamento de amor, Voe para a vingana. (I,v) Apesardesuadisposioinicial,Hamletscumpreoprometidonos ltimos momentos do quinto e ltimo Ato da pea. Muito j se falou e se escreveu sobreoqueteriaproduzidoocomportamentopassivodeHamletapsterjurado vingana,eleprprioserecriminapelocontnuoadiamentodaexecuodaao prometida, ou da misso suicida. Se no executa a vingana, o que faz Hamlet entre o primeiro e o ltimo ato da pea em que est mais presente do que qualquer outro protagonista de Shakespeare? De si prprioHamlet diz ser umcovardeese culpa por sua inrcia, enquanto o pblico oassiste aespalhar o medo, a desconfiana, a incertezanacortedaDinamarcaatravsdeumasriedeatosque,segundoos analistasdoterror,podemserdescritoscomocaracteristicamenteterroristas.A seguirlembroalgumasaesdeHamletcolhidasnapeadeShakespearee algumasinformaesencontradasemmanuaisdeterrorismoeempublicaesde analistasdoterror(RUBINSTEIN,2003;REUTER,2004;SUTTIeRICARDO, 2003): . Hamlet recorre a uma falsa identidade, a um disfarce: ele se finge de louco para no levantar suspeitas sobre si e agir com liberdade. HAMLETTalvez, de agora em diante, eu tenha queadotar atitudes absurdas (I,v)Eu s sou louco a Norte-noroeste; quando o vento do Sul distingo um gavio de um falco. (II,ii) Criar desinformao uma das tticas usadas pelo terrorismo. . Hamletplanejaeexecutaumgolpeparaprovocarpnicoe enfraquecer o seu alvo, o rei: a pea dentro da pea. HAMLETO negcio a pea que eu usarei Para explodir a conscincia do rei. (II,ii) Oobjetivodetodoterrorismopsicolgico,oinimigoassal-tado em seu equilbrio mental. . Hamletusadeinocentescomoescudo:eleatacaOfliaviolentamente para despistar o rei e Polnio. HAMLET (a Oflia)Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? (III,i) Terrorismo um ataque sobre aqueles que deveriam estar moral-mente imunes ao ataque. Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 59 . Hamlet alicia outros para produzir inteligncia: no caso, Horcio. HAMLET (a Horcio)Peo, quando vires a cena em questo, Que observes meu tio com total concentrao de tua alma. [...]Depois juntaremos nossas impressesPra avaliar a reao que teve. (III,ii) Terrorismo pode ser definido como uma intimidao coerciva. . Hamlet recorre violncia e ao crime: ele mata Polnio sem hesitao, sangue frio. HAMLET(Ao ouvir o barulho) O que isso? Um rato? Morto! [...] RainhaAi me mim, que fizeste? HamletOra, eu no sei. Quem ; o rei? (III,iv) Oterrorismocaracteriza-sepelaindiscriminaodasvtimasa atingir. . Hamlettorna-seumagenteprovocador:elesequestraocorpode Polnio para ratificar a sua falsa loucura e confundir a corte. REIMuito bem, Hamlet, onde est Polnio? HAMLETNa ceia.REINa ceia! Onde? HAMLETNa ceia. Mas no est comendo. Est sendo comido. [...] (IV,iii) Oterrorismocriainstabilidade,tensoeviolnciadentrodo grupo alvo. . Hamletofereceumafalsacapitalizao:eleaceitaasuadeportao para a Inglaterra sem resistncia. REIPrepara-te, ento; [...] Tudo est apontado para a Inglaterra. HAMLET Inglaterra! [...] Bom. [...] Vamos l Inglaterra (Sai). (IV,iii) Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 60A falsa capitalizao usada pelo terrorista como uma armadilha para o inimigo. .Hamletpraticafalsidadeideolgica,furtoefalsificaodedocu-mentos oficiais: no caso, o despacho real do rei da Dinamarca ao rei da Inglaterra. HAMLET (a Horcio) [...] violei o selo do despacho solene [...] inventei uma mensagem [...] dobrei a folhacomoestavaaoutra;assinei-a,timbrei-a,coloquei-anolugarda verdadeira. (V,ii) Cultivar a incerteza pode ser mais eficiente como ttica terrorista do que assassinatos. . Hamletpraticaatraio:condenamorteosdoisemissriosdoreie seus amigos Rosencrantz e Guildenstern, sem culpa ou piedade. HORCIOEnto Rosencrantz e Guildenstern se foram... HAMLETOra, homem [...] Eles no pesam na minha conscincia. (V,ii) Noterrorismoatraiopodeserusadacomoumatticade sobrevivncia. . Hamletacausaindiretadamortedeinocentes:nocaso,Ofliae Gertrudes,suame.Oterrorismodesconsideraaseguranadosno combatentes. . Hamletsetornaumhomicida:fereLaertesmortalmente,apunhalao rei e o fora a tomar veneno. HAMLET (ao Rei)A ponta! Envenenada tambm!Ento, veneno, termina tua obra! (fere o rei). (V,ii) Oterrorismoumaformadeaopolticaquecombateopoder estabelecido mediante o emprego da violncia e do terror. Nofinaldapea,Hamlettemumsaldodesetemortes:Polnio, Rosencrantz,Guildenstern,Laertes,Cludio,OfliaeGertrudes.Hamlet,um assassino em srie? No, Hamlet mata em nome da honra, em nome da ptria e em nomedeDeus,suacausajusta,dissoHamletestconvencidoeseempenhaem nos convencer, a ns, na plateia: HAMLET (a Horcio)Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 61[...] No meu dever de conscincia abat-lo com suas prprias armas? Enoseriacriminosodeixarqueessapstuladanaturezacontinuassea disseminar sua virulncia? (V,ii) Hamlet conclui que Deus esteve e est a seu lado, guiando o seu destino, e que em nome de Deus que ele age, que se torna um assassino: HAMLET (a Horcio)Humadivindadedandoaformafinalaosnossosmaistoscosprojetos[...] Existeumaprevidnciaespecialatnaquedadeumpssaro[...]Estar preparado tudo. (V,ii) Naltimacenadapea,Hamletenfimcumpreamissoaeleconferida como filho, como herdeiro e cidado da Dinamarca e como temente a Deus, o que o conduz morte. O ato terrorista que implica em sacrifcio da prpria vida tido porcertoscredoscomoumexercciosagradoquegaranteaoseuexecutorum passaporteparaocu.Acomunidadeterrenaondeelevivecercaoterroristade aplausos,admiraoehomenagens.Hamletmorrecomoumheriecomoum mrtir,eassimqueelequerserlembrado.Suasltimaspalavrassodirigidasa Horcio numa splica: HAMLET (a Horcio)Renuncia ainda um tempo bem-aventurana, E mantm teu sopro de vida neste mundo de dor Pra contar minha histria. (V,ii) comovido que Horcio se despede de seu prncipe e amigo: HORCIO Boa noite, amado prncipe, Revoadas de anjos cantando te acompanhem ao teu repouso! (V,ii) SegundoHorcio,ocuserodestinofinaldeHamletquedeixaopalco, ou retirado como um vencedor, como ordena o novo rei Fortinbras: FORTINBRAS Que quatro capites Carreguem Hamlet como soldado para um cadafalso. [...] Que a msica marcial e os gritos guerreiros Falem alto por ele, Na sua partida. (V,ii) Pode no ser fcil pensar em Hamlet como um terrorista apesar de ele ser um personagem de quem temos estado no rastro h sculos e que, apesar de todos osesforoscrticosecnicos,jamaisfoicapturadoepresoaumaidentidade definitiva.Hamletcontinuasoltonospalcos,nastelasdecinema,nasbibliotecas, nasrevistasemquadrinhos,cartazes,comercial,naimprensa,notelejornal Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 62assombrando leitores e pblico em vrios idiomas, empunhando uma caveira e nos atirando no rosto uma questo sem resposta, uma charada, um enigma, um cripto-grama: Ser ou no ser?Hamletnoseriaumterroristaamador.AoretornaraDinamarca,Hamlet encontra-sepreparadoparamudaroseudestinoeodeseupas,umaDinamarca ento catlica. O herdeiro do trono entra no palco de Hamletvindo de Wittenberg, nodeBolonha,Paris,ouOxford,masdauniversidadedeMartinhoLutero,da cidadedareformaprotestantequedefendeueapregoouasideiasdestereformista excomungadopelaIgrejaCatlicaque,nosculodonascimentodeShakespeare, causou uma revoluo que mudou o mundo. O livro que Hamlet tem em mos, na cenaiidoAtoII,poderiaseras95TesesdeLutero.8Hamletquerexecutaruma destruiointeligente,termousadoporterroristas,militaresouno,eporisso no se apressa pois sabe que, em termos de estratgia operacional, como explica Weizman,essencialquenuncaseusedesuatotalcapacidadedestrutiva,mas que se mantenha o potencial para escalar o nvel de atrocidade, seno suas ameaas perdemoefeito(WEIZMAN,2006).Hamletseutilizadeestratgiasetticas sofisticadaseeficazes,comoporexemplo,adeagirdedentrodopalcio,dese misturarcomoinimigo,defazerpartedasituaoatravessandoasparedes, infestandooambiente,nalinguagemtcnicadosestrategistasdoterroredo contraterror. Hamlet est bem informado, ele um leitor voraz, assim como o so, segundo Weizman, os militares ps-modernos que, no desespero de competir com a sofisticao dos atuais terroristas, trocaram os manuais de terrorismo pela leitura da teoriacrtica(WEIZMAN,2006).EstariaHamletlendoFoucault,Deleuzee Guattari?... [Clarice Lispector escreveu: Forcei-me liberdade e aguento-a no como um dommascomherosmo.(LISPECTOR,1993,p.20).Nomesintouma heronaaosugerirumaleituradeHamletcomoumterroristainspiradonos filsofosps-modernos.Temopornomesentirpreparadaparaaguerra,em qualquer que seja o territrio, pois se no mais se queimam bruxas na fogueira porquestodemtodoenoumsinaldequenohmaispecadosequea tortura acabou.] AtradiocrticanostemvoltadoinsistentementeparaoHamletdos solilquios,umHamletatormentado,paralisadopeladvida,decepcionadocoma humanidade. esse o Hamlet que herdamos e esse Hamlet no se parece em nada com um terrorista suicida. Ou se parece? At algum tempo se descrevia o terrorista como um indivduo mentalmente perturbado, vindo da pobreza e da ignorncia. No entanto,aspesquisasmaisrecentesconcluemquenohevidnciasdequeos terroristassofremdealgumapatologiaequevmdascamadaspobresdasocie-dade. De fato, os terroristas no se ajustam a nenhum perfil, eles podem ser algum comoqualquerumdens,daadificuldadeemlocaliz-los.Depoisdemuito 8 Em 1517, ao afixar suas 95 Teses contra a compra de indulgncias na porta da igreja do castelo de Wittenberg,MartinhoLuterodesafiouosensinamentosdaIgrejaCatlica,aautoridadedoPapae deu incio ao debate teolgico que resultou na Reforma Protestante.Graphos.Joo Pessoa, Vol 12, N. 1, Jun./2010 ISSN 1516-1536 63trabalhoeinvestimento,apesquisasobreamentedoterroristafoifinalmente abandonadaaoter-sechegadoconclusodequeoterrorista,especialmenteo terrorista suicida, rejeita esteretipos (RUBINSTEIN, 2003). O terror, assim como Hamlet, tem vrias faces, e no um rosto que o exponha captura, que o condene priso, ou que o amarre a uma definio. NopalcodeHamlet,oquadroquesenosapresentanofinalodeuma carnificina.Estemontedecadveres(V,ii),comodescreveFortinbras,um quadrodehorror(V,ii),dizHorciodiantedeumacenareconhecvelaopblico desteinciodemilniocorposjogadosnocho,estampadonosjornaisena televiso.Nopalcoestoestendidososcorposdorei,darainha,deLaertes,de Hamlet,comosealitivesseexecutadosuamissoumhomembomba.Descrever Hamletcomoumhomembombapodesoarcomoumabomba,umdisparate,uma loucura, tendo em vista a natureza da bagagem crtica que pesa sobre este clssico daliteraturaocidental.Porm,assimcomoosamanteseospoetasque,segundo Shakespeare,tmalgoemcomumcomosloucos,osencenadoresdaobrade Shakespeare, do seuHamlet em particular, tmde cometeralguns atos de loucura paraqueseuteatrorevivacomoumaexperincianopresente,enocomouma visita a um passado distante e talvez desconhecido do seu pblico. Contar histrias, escreveu Walter Benjamin, foi sempre a arte de cont-lasdenovo(BENJAMIN,2008,p.205).Umahistriascontinuavivasefor contadaerecontada,lidaerelida,encenadaereencenadae,assim,passarde gerao a gerao. Para que uma histria escrita h mais de 400 anos continue viva nopalcoprecisotraz-laparaopresenteonderesideoteatro.Shakespeare certamenteaprovariaaaudciadaquelesque,assimcomoeleemseutempo, produzemleiturasumtantoselvagensdosescritosdeseusantecessoresafimde torn-losmaisumavezcontemporneos.Osmaisconservadorestalvezestejam certosaonomearemasestratgiasutilizadasnaatualizaodaspeasde Shakespearecomoatosdeselvageria,expressoque,resignificada,passaa indicar no mais a violncia e a transgresso, mas a audcia da imaginao. Penso queseguindonatrilhadeChangHsu,ocalgrafochinsdosculoVIII,e deixando a imaginao voar e o pensamento danar com total liberdade e abandono diantedeumtextodeShakespearequehonramosasuaescritaselvageme colaboramos para que oseu teatro no s continue vivo sculos aps a sua morte, mas siga trazendo o relmpago de possveis tempestades. Graphos.Joo Pessoa, Vol. 12, N. 1, Jun./2010 - ISSN 1516-1536 64Referncias: BARTHES, Roland. Writing Degree Zero. In A Barthes Reader. Susan Sontag (ed.), New York: Hill and Wang, 1998. BENJAMIN, Walter. O Narrador, Walter Benjamim Obras Escolhidas: Magia e Tcnica, Arte e Poltica, So Paulo: Editora Brasiliense, 2008. BRITTEN,Nick.TheGunpowderPlot:historyspresentDisponvelem< http://www.telegraph.co.uk/news/uknews/1488402/Gunpowder-Plot-was-Englands-911-says-historian.html > Acesso em: maio de 2007. BUTLER, Judith. Giving an Account of Oneself. New York: Fordham University Press, 2005. 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