habilidade clínicas para farmacêuticos do serviço público · instabilidade postural e quedas no...

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Outubro de 2010 Habilidade Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público Módulo 4. Saúde do Idoso Cassyano J Correr; Michel Otuki; Paula Rossignoli

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Outubro de 2010

Habilidade Clínicas para

Farmacêuticos do Serviço

Público Módulo 4. Saúde do Idoso

Cassyano J Correr; Michel Otuki; Paula Rossignoli

2

OBJETIVO GERAL

O Módulo IV – Saúde do Idoso – aborda

condições crônicas mais importantes da

geriatria e o papel do farmacêutico no manejo

da farmacoterapia nesta população. O objetivo

principal é capacitar o farmacêutico a

identificar os problemas mais comuns ligados à

farmacoterapia e promover ações de

prevenção e assistência, voltados à melhoria

dos resultados clínicos e da qualidade de vida

dos idosos.

Expediente:

Guia de referência do curso “Habilidades

Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público

de Saúde” – Módulo IV – Saúde do Idoso

Guia Elaborado por:

Cassyano J. Correr

Farmacêutico, Ph.D., M.Sc.

Departamento de Farmácia

Universidade Federal do Paraná - UFPR

Michel F. Otuki

Farmacêutico, Ph.D., M.Sc.

Departamento de Ciências Farmacêuticas

Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG

Paula S. Rossignoli

Farmacêutica, M.Sc.

Núcleo de Ciências da Saúde

Universidade Positivo - UP

Organização :

Comissão de Serviço Público – CRF-PR

Coordenação Geral do Curso:

Natália Maria Maciel Guerra

Vice-Coordenação:

Deise Sueli de Pietro Caputo

Coordenação Didática:

Cassyano Januário Correr

Apoio:

Conselho Regional de Farmácia do Estado do

Paraná – CRF-PR

Associação Paranaense de Farmacêuticos –

ASPAFAR

Grupo de Pesquisa em Prática Farmacêutica -

UFPR

Novembro de 2010

Curitiba, PR

3

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

A humanização do atendimento ao idoso

O acolhimento do idoso na atenção primária

Competência da equipe de saúde da família e a rede de atendimento ao idoso

Farmacoterapia no paciente idoso

As grandes síndromes geriátricas

Instabilidade postural e quedas no idoso

Incontinência urinária e fecal

Insuficiência cerebral – incapacidade cognitiva

Iatrogenia no idoso

Imobilidade no idoso

LEITURA COMPLEMENTAR RECOMENDADA

Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. Brasília: MS, 2003. 70 p.

Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/estatuto_do_idoso.pdf

Martínez FM, Dáder MJF (Org.). Seguimiento farmacoterapéutico y educación sanitaria en

pacientes con edad avanzada. Granada: UGR, 2007. 161 p.

Disponível em: http://www.atencionfarmaceutica-ugr.es/

4

O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL BRASILEIRO: ASPECTOS DEMOGRÁFICOS,

EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS1

O aumento da representatividade dos idosos2 é um fenômeno mundial que afeta tanto países

desenvolvidos como em desenvolvimento. O Brasil ocupa posição de destaque nesse cenário

internacional. Estima-se que entre 1950 e 2025, a população de idosos no Brasil crescerá 16 vezes

contra 5 vezes a população total, o que nos colocará em termos absolutos como a sexta população

de idosos no mundo, isto é, com mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos e mais (BRASIL, 2001;

FAUSTO, 2002), crescimento comparável somente ao do México e Nigéria (BRASIL, 2001). Se

tomarmos como exemplo a França, 115 anos deverão transcorrer antes que a proporção de idosos

duplique, passando de 7% para 14% (85 anos transcorrerão na Suécia, 66 anos nos EUA), aqui o

mesmo fenômeno deverá ocorrer em apenas 30 anos (CHAIMOWICZ, 1997). Projeções estatísticas,

ainda, demonstram que a população de idosos passará de 7,3% em 1991 (11 milhões) para cerca de

15% em 2025 (BRASIL, 2001) e 14,2% em 2050 (CHAIMOWICZ, 1997).

Num país continental como o Brasil, observa-se, além disso, diferenças regionais características na

população idosa e suas famílias (BRASIL, 2002). Na região Sudeste, por exemplo, a população com

mais de 60 anos saltou de 4% para 8,6% entre 1940 e 1996 (CAMARANO; PASCOM, 2000). Na região

Sul, a participação dessa faixa etária subiu de 2,2% em 1970 para 5,2% em 2000 no Estado do Paraná

(PARANÁ, 2001), e para 6,33% da população total na capital, Curitiba (BRASIL, 2000). Essa mudança

demográfica acarreta profundas alterações nos perfis epidemiológico e social do país, criando a

necessidade de adequações em praticamente todas as áreas, mas principalmente no setor de saúde.

A transição demográfica brasileira, ocorrida principalmente no século XX e início do século XXI, pode

ser dividida em quatro etapas (BRASIL, 2001):

1) Alta fecundidade / alta mortalidade: no início do século, a população brasileira era

extremamente jovem, sendo a faixa etária com menos de 15 anos responsável por 42 a

46 % do total e os idosos por, somente, 2,5 % (CHAIMOWICZ, 1997). As taxas de

nascimentos eram muito altas, porém eram compensadas por coeficientes de

1 Texto elaborado por Cassyano J Correr;

2 Para efeito deste trabalho, será considerada a definição da Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1996) em que

são consideradas idosas pessoas com 60 anos ou mais. Nos estudos citados em que a faixa de idade amostrada for diferente, esta será citada.

5

mortalidade também altos, de 29,1 por mil em 1900 e 24,4 por mil em 1940. A

população se mantinha mais ou menos estável. Com grande porcentagem de jovens na

população.

2) Alta fecundidade / redução da mortalidade: A taxa de mortalidade passou a diminuir

consideravelmente em relação à etapa anterior (MOREIRA, 2000). Somente na década

de quarenta, houve uma queda de 13% nessa taxa, contra 16% de queda total nas

quatro décadas anteriores (Tabela 1), sendo essa redução devida principalmente à

queda da mortalidade infantil. Houve, em contrapartida, um grande crescimento da

população, que saltou de 41 para 93 milhões de habitantes entre 1940 e 1970

(média=2,8% ao ano), às custas da população jovem. (CHAIMOWICZ, 1997) Esse período

foi chamado “Baby Boom” e ocorreu no Brasil nas décadas de 40 e 50.

3) Redução da fecundidade / mortalidade continua a cair: A partir de 1960, começou o

envelhecimento populacional brasileiro, devido à queda da fecundidade, ocorrida

inicialmente em algumas regiões mais desenvolvidas do país (MOREIRA, 2000). A taxa de

fecundidade total (número médio de filhos que uma mulher teria ao terminar o período

reprodutivo, em determinado local e época) caiu de 5,8 para 2,7 filhos por mulher entre

1970 e 1991 (CHAIMOWICZ, 1997). Isso gerou uma diminuição do crescimento

populacional total, com conseqüente aumento da porcentagem de adultos jovens, nesse

período. O índice de envelhecimento populacional (maiores de 64 anos x 100 / menores

de 1 5 anos), entretanto, subiu de 6,4 (1960) para 13,9 (1991) (CHAIMOWICZ, 1997).

4) Fecundidade continua a cair / mortalidade continua a cair em todas as faixas etárias: A

partir do ano 2000, até 2050, deverá se observar o mais rápido incremento na proporção

de idosos brasileiros jamais vista. Deverá haver um salto de 5,1% para 14,2 %, em 2050.

Em 2020, essa população deverá ser de 7,7% (CHAIMOWICZ, 1997). A quantidade total

da população porém deverá entrar em um certo equilíbrio, devido também à persistente

redução das taxas de fecundidade. Segundo o mesmo autor, essa queda será de 2,6 para

2,2 entre os períodos de 1995-2000 e 2015-2020. Por volta de 2080, a proporção de

jovens e idosos deverá se estabilizar, com 20% e 15% do total, respectivamente. A partir

de então, novos incrementos na proporção de idosos dependerão da redução da

mortalidade após os 64 anos.

Poderemos, então, chegar no ponto em que a taxa de nascimento cai mais que a taxa de

mortalidade, tendo assim um crescimento negativo da população, como acontece hoje na

Dinamarca, Hungria e Canadá (BRASIL, 2001). Em termos relativos, a fecundidade responde por

6

quase 70% do movimento de envelhecimento demográfico nacional, enquanto outros fatores como

a mortalidade, a inércia populacional e a interação desses fatores respondem em torno de 10% cada

um, respectivamente (MOREIRA, 2000).

A tabela 1 demonstra a progressão da expectativa de vida ao nascer ao longo dos anos.

TABELA 1- EXPECTATIVA DE VIDA AO NASCER

1900 1935 1950 1960 1980 2000 2025

33,7 anos 39 anos 43,2 anos 55,9 anos 63,4 anos 68,5 anos 72 anos

+12 anos +7,5 anos +5 anos +3,5 anos

FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Programas e projetos: Programa de saúde do Idoso. Brasília, 2001.

Acompanhando a mudança demográfica, ocorrem também profundas alterações no perfil

epidemiológico da população. A essas alterações dá-se o nome de transição epidemiológica 3. Essas

mudanças nos perfis de saúde caracterizam-se pelo predomínio das enfermidades crônicas não-

transmissíveis e a importância crescente dos fatores de risco para saúde. Segundo CHAIMOWICZ

(1997), esse processo engloba três mudanças básicas:

1) Substituição, entre as primeiras causas de morte, das doenças transmissíveis por

doenças não transmissíveis e causas externas.

2) Deslocamento da maior carga de morbi-mortalidade dos grupos mais jovens aos grupos

mais idosos.

3) Transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra em que a

morbidade é predominante.

As doenças infecto-contagiosas que representavam, em 1950, 40% das causas de morte, não

chegaram a 10% das causas no ano 2000; enquanto isso, as doenças cardiovasculares saltaram de

12% para 40% das causas identificadas (BRASIL, 2001). A maior prevalência dessa classe de

enfermidades na terceira idade faz com que essa parcela da população carregue consigo uma maior

carga de morbimortalidade em relação aos mais jovens. De um modo geral, indivíduos idosos são

portadores de múltiplos problemas médicos coexistentes, portando, em média, maior número de

condições crônicas. A incidência simultânea de problemas (ex. osteoartrite, dispnéia de esforço ou

3 Esse conceito refere-se às modificações, a longo prazo, dos padrões de morbidade, invalidez e morte que

caracterizam uma população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras transformações demográficas, sociais e econômicas (CHAIMOWICZ, 1997).

7

diminuição da acuidade visual) aumenta em média de 4,6 para 5,8 entre os 65 e 75 anos de idade

(CHAIMOWICZ, 1977). Somada a essas constatações, as observadas quedas nas taxas de

mortalidade, ocorridas no Brasil em praticamente todas as faixas etárias, desde a década de 50 até

os dias de hoje (BRASIL, 2002), fazem com que cada vez mais idosos convivam com esses problemas

crônicos. Isso produz significativo impacto na saúde desses indivíduos, fazendo com que prevaleçam

situações de morbidade e controle de enfermidades crônicas, com evidente e prevalente diminuição

da autonomia4.

Um dos grandes desafios gerados por essa mudança epidemiológica constitui o financiamento do

setor saúde (BRASIL, 2001; FAUSTO 2002; OPAS,1998; CHAIMOWICZ, 1997). A necessidade de

avaliações globais e mais complexas, a maior incidência de internações e procedimentos de alta

tecnologia e a maior demanda por profissionais sanitários especializados faz com que a necessidade

de investimentos em saúde sejam potencialmente infinitos, contra recursos sabidamente limitados.

No Brasil, vários estudos têm relatado o impacto econômico da população idosa no Sistema Único

de Saúde (SUS). Do valor total pago pelo SUS em hospitalizações em 1997, 23,9% foi consumido

pelos idosos, 19,7% pela faixa de 0-14 anos e 57,1% pela de 15 a 59 anos (BRASIL, 2001). O custo

médio por internação se elevou de U$ 83,4 em 1984 para U$ 268,0 em 1997, sendo os maiores

valores aqueles destinados à faixa etária de 60 a 69 anos (aproximadamente U$ 350,0 por

internação) (CHAIMOWICZ, 1997). Do total de 12,7 milhões de internações hospitalares realizadas

pelo SUS em 1995, quase 17% corresponderam a pessoas de 60 anos ou mais, com taxa de 197

internações por 1000 habitantes. Valores bastante altos em relação à outras faixas etárias (0-14

anos: 53/1000; 15-59 anos: 93/1000) (OPAS, 1998). Além disso, o tempo de permanência de idosos

quando internados é significativamente maior, sendo de 7,1 dias para indivíduos de 60 anos ou mais,

5,5 dias de 0 a 15 anos e 5 dias de 15 a 59 anos (OPAS, 1998).

O gasto com medicamentos também possui representatividade bastante relevante. Em estudo

realizado em Belo Horizonte, dentre os indivíduos idosos que recebiam até um salário mínimo em

1992 (um terço do total pesquisado), mais da metade gastava parte considerável de sua renda

(18,6%) com medicamentos. Ainda segundo o estudo, como conseqüência dessas dificuldades, 25%

desses indivíduos utilizava medicamentos sem receita médica, a mesma proporção observada no Rio

de Janeiro (CHAIMOWICZ, 1997). Se considerarmos o aumento dos preços dos medicamentos em

relação à inflação, constataremos que de lá para cá, provavelmente a situação tenha se agravado.

Em dez anos (1989-1999), os preços dos medicamentos aumentaram cerca de 50% acima da inflação

4 Exercício da autodeterminação e independência funcional, como a capacidade do indivíduo em realizar suas

atividades diárias, como vestir, comer, banhar-se, etc. (BRASIL, 2001)

8

(SERRA, 2000). Temos que considerar ainda que o gasto com medicamentos inclui, além dos gastos

diretos de aquisição, os gastos indiretos causados pelos Problemas Relacionados aos Medicamentos

(PRM), tema que será aprofundado ao longo do curso.

A SAÚDE DO IDOSO NO BRASIL

Nas últimas duas décadas a saúde e condições de vida da faixa etária idosa no Brasil alcançou

sensível melhora, coincidente com os avanços nas taxas de mortalidade, na tecnologia médica e na

universalização da seguridade social (BRASIL, 2002). Esses avanços porém, não são suficientes para

que possamos suprir o aumento das necessidades desses indivíduos com os próximos anos. Além

disso, a melhoria de diversos indicadores não reflete uma elevação linear nas condições da

população, mas, muitas vezes, pequena melhora em condições extremas de pobreza e desigualdade.

As principais causas de óbitos em idosos, em levantamento de 1994. Foram: 1) aparelho respiratório

(14%), 2) neoplasias (16%) e 3) aparelho circulatório (47%), sendo as doenças cerebrovasculares

(34%) e a cardiopatia isquêmica (28%) as mais prevalentes (OPAS, 1998). Esses números refletem a

mudança epidemiológica anteriormente citada.

O modelo atual de assistência, porém, não se encontra totalmente adequado às necessidades dos

idosos. A infra-estrutura necessária para responder às demandas deste grupo etário em termos de

instalações, programas específicos e mesmo profissionais da saúde adequados quantitativa e

qualitativamente, ainda é precária (BRASIL, 2001). Como exemplo, temos que no Brasil, em 1994,

60,4% de todos os atestados incluídos na categoria SSAMD (sinais, sintomas e afecções mal

definidas) referiam-se aos óbitos de idosos, refletindo as deficiências na notificação (ou no

atendimento) desta parcela da população (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997).

A não preocupação ou a não identificação de problemas típicos da terceira idade representa

também um aspecto da freqüente ineficiência do sistema. Estima-se que condições prevalentes em

geriatria (depressão maior, hipotensão ortostática, fecaloma, lesões da cavidade oral e incontinência

urinária) cursam em grande parte sem diagnóstico (CUNHA et al., 2002). Em trabalho realizado na

cidade de Rio Grande - RS, através da consulta de prontuários médicos, e confirmado de maneira

consistente por diversos outros estudos no país, evidenciou-se essa realidade:

9

a) A Incontinência Urinária, de prevalência constatada de 31,4%, somente em 21,8% do

casos foi diagnosticada. Em 78,2% não havia nenhum registro no prontuário hospitalar.

De todos os casos, ainda, somente 8% recebeu algum tipo de cuidado (sonda ou coletor

de urina) e nenhum paciente (0%) teve a incontinência investigada.

b) A Instabilidade postural e as quedas, com prevalência de 18,8% na população estudada,

não recebeu diagnóstico em nenhum caso.

c) A Imobilidade, presente em 18,4% foi diagnosticada em somente 31,4% dos pacientes.

d) A Demência e o Delirium, com 5% e 6,1% de prevalência, respectivamente, não foram

diagnosticados em nenhum dos casos.

e) A Depressão Maior, presente em 10,1% dos idosos, recebeu diagnóstico, neste estudo,

somente em 1 (um) caso, e ainda assim sem tratamento. Observou-se, ainda, que todos

os pacientes deprimidos estavam fazendo uso de pelo menos um fármaco que

comprovadamente precipita ou piora a depressão. (BRASIL, 2001)

Em outro estudo feito em Belo Horizonte, em Hospital Geral, randomizado, com 202 idosos

hospitalizados, a prevalência de Depressão Maior foi de 8,9%. Destes, porém, somente 3 pacientes

receberam diagnóstico médico de depressão e somente 1 paciente fazia uso de antidepressivo

(mianserina, 30mg/dia – Tolvon®). Por outro lado, 8 dos 15 deprimidos não diagnosticados faziam

uso de fármacos potencialmente causadores de depressão (BRASIL, 2001).

A Doença de Alzheimer, que atinge dois milhões de idosos somente nos EUA e responde por um

gasto anual de mais de 40 bilhões de dólares (BUTLER, 1994), foi estimada no Brasil como sendo

responsável por entre 10.000 e 13.500 mortes, em 1994. Dessas porém, somente foram registradas

391 (378 em domicílio e 13 em hospitais) (BRASIL, 2001).

A abundância de diagnósticos incorretos ou mesmo corretos não raro provoca outros problemas

comuns em pacientes idosos como o uso inadequado de fármacos e a polifarmácia. A prescrição do

idoso deve considerar, além das particularidades da farmacocinética e farmacodinâmica desta faixa

etária, o custo e as dificuldades em se obter adesão ao tratamento (CHAIMOWICZ, 1997). O caso

clínico abaixo, relatado por esse autor, demonstra bem esse problema:

MCM, sexo feminino, 68 anos, utilizando 50mg de Hidroclorotiazida diariamente (dose em geral elevada para idosos) para o tratamento de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) (incorretamente diagnosticada, com valores de 160/90 mmHg [sic] ) retorna ao médico queixando “sensação de cabeça vazia” (causada pela hipotensão postural iatrogênica) e omite o surgimento de incontinência urinária (provocada pelo diurético). Não diagnosticada

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a hipotensão postural, é prescrito Cinarizina (droga não inócua, amplamente utilizada como placebo em idosos) para “sensação de cabeça vazia” e 10mg diários de Diazepam (dose excessiva de um Benzodiazepínico de ação prolongada) para o tratamento (incorreto) de “depressão”. A paciente se torna sonolenta e começa a passar grande parte do tempo deitada em sua cama, o que traz certo alívio para a família, que passa a ter “menos trabalho” com a paciente. Dez dias depois, ao se levantar rapidamente para tentar urinar no banheiro, apresenta síncope e sofre queda. Por possuir massa óssea bastante reduzida, a queda provoca fratura no colo do fêmur. Após correção cirúrgica da fratura permanece acamada por vários dias. Ao final dos primeiros quinze dias de internação já apresenta úlceras de pressão. Sem perspectivas de transferência para um centro de reabilitação devido à falta de vagas e rejeitada pela família, que não tem meios para cuidar de alguém tão dependente, é encaminhada, após dois meses de internação, a um asilo com dezenas de idosos, visitado regularmente (2 horas/semana) por médico voluntário. Permanece acamada várias semanas e falece alguns dias após internação em CTI devido a episódio de tromboembolismo pulmonar, cujas manifestações de dispnéia, tosse e hemoptise foram indevidamente tratadas com antibióticos no asilo.

Algumas distorções no sistema de atendimento também fazem com que os recursos sejam mal

utilizados ou direcionados de forma não satisfatória. Estudo realizado pela Escola Paulista de

Medicina no serviço de Pronto Atendimento do Hospital São Paulo demonstrou que o idoso procura,

freqüentemente em primeiro lugar, a porta do pronto socorro. Nesse estudo, ficou claro que a

grande maioria dos paciente não apresentava problemas urgentes de saúde. Esta distorção, além de

custar caro, não resolve os problemas do idoso que, em geral, são múltiplos e crônicos, necessitando

continuidade no tratamento, o que não se consegue em serviços destinados aos atendimento de

urgências e emergências (BRASIL, 2001).

A falta existente de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais adequados faz, muitas vezes, com que o

primeiro atendimento se dê em estágio avançado no hospital, aumentando os custos e diminuindo a

possibilidade de um prognóstico favorável. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem

de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames

complementares (BRASIL, 2001).

11

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DO ENVELHECIMENTO

Ao longo dos anos, o organismo humano sofre inúmeras alterações fisiológicas que tendem a alterar

sua capacidade funcional e algumas das características comuns da idade adulta. Esse processo de

envelhecimento orgânico, porém, não necessariamente estará acompanhado do surgimento de

doenças, perda da autonomia ou diminuição na qualidade de vida. Neste caso, ele pode ser

denominado “envelhecimento bem sucedido” e refere-se àqueles indivíduos que demonstram

somente diminuições fisiológicas com o passar dos anos e, nos quais, as alterações determinadas

pela idade não são complicadas por doenças, exposições ambientais e fatores associados pelo estilo

de vida (por exemplo, dieta e exercícios) (SCHNEIDER; ROWE, 1994). Isto representa uma forma de

envelhecimento em que o risco do surgimento de doenças é menor e demonstra que componentes

anteriormente associados ao envelhecimento normal eram na verdade fatores evitáveis ou

reversíveis. O “envelhecimento usual”, por sua vez, é atribuído ao processo de envelhecimento

orgânico combinado ao efeito de doenças, fatores ambientais e estilo de vida, que juntos

determinam um estado de saúde significativamente inferior.

Durante o processo do envelhecimento, a mudança mais importante é a perda da capacidade celular

de se recuperar de agressões. Essa perda de capacidade homeostática faz com que a manutenção

dos valores fisiológicos normais durante as situações de stress fique prejudicada. Do ponto de vista

macroscópico pode-se notar a diminuição do volume geral dos tecidos, com aumento da quantidade

de tecido adiposo profundo e redução de tecido adiposo superficial. Outras mudanças significativas

podem ser citadas nas funções cardiovascular, do sistema nervoso central (SNC), renal e hepático, na

composição corpórea, na sensibilidade do tecido aos medicamentos e em uma menor sensibilidade

reflexa baroceptora.

O coração pode sofrer uma diminuição tanto de peso como de volume. Há aumento moderado da

espessura das paredes do ventrículo esquerdo, ainda que só exacerbado em indivíduos hipertensos.

O tamanho do átrio esquerdo também aumenta com a idade e parte do componente miocítico é

substituído por tecido fibroso. Além disso, os miócitos restantes tendem a sofrer uma hipertrofia,

aumentando de tamanho. As doenças cardíacas isquêmicas (DCI) sintomática e assintomática, que

são prevalentes em indivíduos idosos em países mais desenvolvidos, podem resultar em redução da

função ventricular, sem doença cardíaca evidente. Como resultado, em muitos indivíduos idosos, há

12

uma redução gradual e assintomática do débito cardíaco, ligada a uma queda gradual no volume

sangüíneo (LOWENTHAL, 1994).

Observa-se também uma modificação na constituição do sangue, ocorrendo, de forma geral, uma

redução na quantidade de proteínas plasmáticas, principalmente a albumina. Paralela a essa

diminuição, a α1-glucoproteína tem sua concentração plasmática aumentada. Essas alterações

séricas são causas de importantes modificações farmacocinéticas, como se descreverá adiante.

A composição corpórea do indivíduo idoso também se altera. Observa-se uma aumento

considerável do componente lipídico corpóreo e uma diminuição da massa muscular. Isso faz com

que a relação entre a massa muscular e lipídica se altere, a ponto de haver uma prevalência da

segunda em detrimento da primeira. A atividade e tensão musculares também estão diminuídas,

sendo o período de relaxamento maior que o de contração muscular.

O número de célula nervosas, os neurônios, também diminuem com o passar dos anos. Essa perda

do sistema nervoso central (SNC), porém, não é igual para todas as partes do cérebro e algumas

áreas, como o tronco encefálico, tem se mostrado mais resistentes. O tamanho e peso do cérebro

tendem à diminuição e há uma queda generalizada da sensibilidade (gustativa, dolorosa, etc.). Em

alguns indivíduos, há o aparecimento do tremor senil.

A massa óssea sofre uma involução num processo conhecido por desmineralização. O aumento da

atividade osteoclástica associado à deficiência de cálcio são determinantes nessa perda óssea. Na

mulher, a perda pode chegar à 25 %. Ao longo dos anos, os indivíduos idosos tendem a apresentar

uma redução em suas estaturas, que pode ser atribuída ao estreitamento dos discos vertebrais e ao

surgimento de cifose (curvatura da coluna vertebral de convexidade posterior) dorsal.

Ocorre também desgaste das articulações dos membros inferiores que, aliado às alterações

vertebrais, leva a uma alteração da estabilidade torácica, do equilíbrio, do alinhamento corporal e da

marcha ao caminhar. O espaço articular, de forma geral, sofre diminuição na quantidade de água e

tecido cartilaginoso, fazendo com que surjam dores nas articulações e limitação dos movimentos.

O tecido cutâneo (pele) sofre modificação em sua permeabilidade. Há diminuição das respostas

imunológica e inflamatória, decorrente da redução da vascularização cutânea e conseqüente

processo de cicatrização (formação de tecido fibroso). O produção de vitamina D ativa (calcitriol)

está reduzida e, do ponto de vista macroscópico, nota-se aumento da palidez do tecido superficial.

No aparelho digestório, há espessamento da parede do cólon e aparição de vasos sangüíneos

varicosos. A mobilidade gástrica e os movimentos peristálticos estão diminuídos, assim como o

13

tônus muscular da parede abdominal. A irrigação sangüínea do estômago encontra-se prejudicada e

ocorre atrofia da mucosa gástrica. Todos esses fatores contribuem para aumentar as dificuldades

digestórias (digestivas) do idoso. Além disso, outras alterações também prejudicam essa função,

incluindo a diminuição do tamanho e funcionalidade do fígado, o retardo no esvaziamento vesicular

e espessamento da bile e a diminuição na produção de saliva, que pode gerar sintomas de secura

bucal.

A função hepática, importantíssima no metabolismo de fármacos, encontra-se alterada em algumas

funções e inalterada em outras. Sua capacidade geral de metabolização, porém, encontra-se

diminuída, devido à redução no fluxo sangüíneo hepático. As reações de oxidação encontram-se

comprometidas, enquanto reações de conjugação, acetilação e metilação praticamente não sofrem

alteração. Como se descreverá adiante, medicamentos de eminente metabolização hepática tendem

a ter suas meias-vidas plasmáticas aumentadas, elevando seus efeitos terapêuticos e tóxicos. Ainda

assim, em indivíduos saudáveis, a capacidade funcional do fígado (incluindo o metabolismo de

fármacos) encontra-se conservada.

Ao contrário da função hepática que, apesar das alterações da idade, mantém uma capacidade

funcional adequada às necessidade do organismo, o sistema renal encontra-se sensivelmente

prejudicado nos indivíduos idosos. A queda na massa renal gira ao redor dos 30% e as alterações

escleróticas nas artérias renais de grande calibre, principalmente nos hipertensos, faz com que o

fluxo sangüíneo renal caía em torno de 33%. Isso gera uma perda no volume final e na capacidade de

concentrar a urina. A idade também traz prejuízo à funcionalidade do esfíncter da uretra e ao tônus

da bexiga, que se vêem reduzidos. Isso faz aumentar a presença de urina residual e eleva a chance

de surgimento de infecções do trato urinário (ITU) incluindo cistites (infecção ao nível da bexiga) e,

em casos mais graves, nefrites (infecção a nível renal).

O sistema imunológico tem sua capacidade de defesa diminuída, principalmente no nível celular

(imunidade celular). Isso gera uma redução das reações de hipersensibilidade do tipo tardia. Há uma

queda na produção de anticorpos que também afeta, em grau variável, as reações de imunidade

humoral.

14

A FARMACOTERAPIA NO IDOSO

As alterações fisiológicas que acompanham o envelhecimento fazem com que a resposta do

organismo às substâncias farmacologicamente ativas, ou fármacos, seja diferente daquela

demonstrada nos indivíduos jovens ou adultos. Aspectos da farmacocinética (aquilo que o

organismo produz sobre o fármaco) e da farmacodinâmica (aquilo que o fármaco produz sobre o

organismo) encontram-se sensivelmente alteradas, porém, não de forma linear para todos os

fármacos, mas variavelmente para todos eles. Essas alterações fazem com que as necessidades do

idoso perante os medicamentos sejam diferentes daquelas apresentadas pela criança, jovem ou

adulto.

Na maioria dos casos são necessários ajustes terapêuticos para que o tratamento farmacológico seja

efetivo e seguro para o paciente. Esses ajustes, porém, também não devem ser tratados de forma

linear, pois, apesar do que se imagina, a terceira idade não constitui um grupo homogêneo em que o

que é bom para uns é bom para todos (TEIXEIRA; LEFÈVRE, 2001), e pode, muitas vezes, apresentar

respostas imprevisíveis aos tratamentos medicamentosos (CUNHA et al., 2002). Na verdade, deve-se

entender o envelhecimento como uma continuação natural da idade adulta e deve-se buscar ao

máximo a personalização dos tratamentos farmacológicos de modo que diferentes demandas sejam

adequadamente atendidas.

Apesar de todo avanço científico das últimas décadas, as alterações farmacológicas do

envelhecimento ainda não são totalmente compreendidas e isso tem se dado por diversas razões,

incluindo uma alta complexidade na interpretação de dados, aspectos éticos e bioéticos da

realização de ensaios clínicos em idosos, entre outros. Pode-se afirmar porém que, de modo geral,

os idosos são mais sensíveis aos efeitos dos medicamentos - terapêuticos e tóxicos -, incluindo o

surgimento de Reações Adversas a Medicamentos (RAM) e apresentam maior risco de

desenvolvimento de interações medicamentosas clinicamente relevantes, dada a maior freqüência

no uso de vários medicamentos simultaneamente (polifarmácia) e a presença de várias patologias

diagnosticadas.

Os diagnósticos mais freqüentes entre os idosos com mais de 75 anos incluem:

1. Hipertensão Arterial essencial

2. Doença cardíaca isquêmica crônica

15

3. Diabetes mellitus

4. Osteoartrite e distúrbios afins

5. Catarata

6. Insuficiência cardíaca

7. Disritmias cardíacas

8. Artropatias, outras e inespecíficas

9. Glaucoma

10. Doença cardíaca hipertensiva

(SCHECHTER; ERWIN; GERBINO, 1994)

Os Grupos terapêuticos mais indicados, segundo levantamento dos mesmos autores, são os

seguintes:

1. Agentes cardiovasculares

2. Diuréticos

3. Analgésicos

4. Agentes gastrointestinais

5. Antidiabéticos

6. Complemento/substituição de potássio.

O uso de benzodiazepínicos (BDZs) também tem se mostrado muito freqüente entre idosos, tanto na

comunidade como em instituições geriátricas, variando de 9,9% a 24%. Esses agentes são

responsáveis muitas vezes por efeitos adversos como sedação diurna, confusão, agressividade e

agitação. As quedas e eventuais fraturas estão fortemente associadas ao uso de BDZs. Esse uso

prevalente, e muitas vezes desnecessário, tem ocorrido a despeito da escassez de estudos sobre o

tratamento da ansiedade em idosos (BOTTINO, CASTILHO, 1999).

Por esses motivos (polifarmácia e pluripatologias), os idosos normalmente não são incluídos no

processo de desenvolvimento e aprovação de sucessivos fármacos que são introduzidos no

mercado. E isso limita muito a aquisição de conhecimento sobre o uso desses medicamentos em

idosos. Desde 1989, a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana responsável

pelo controle de alimentos e medicamentos nos EUA, tem recomendado a inclusão desses grupos

nesses estudos, porém sem grande sucesso (LARRIÓN, 1995).

Assim, a abordagem terapêutica nos idosos tem se baseado, até o momento, predominantemente

pelas impressões clínicas, testes-erros e em deduções empíricas através de modificações aleatórias

de doses, baseadas em alterações já conhecidas na fisiologia do sujeito da terceira idade.

16

AS MODIFICAÇÕES FARMACOCINÉTICAS

As modificações farmacocinéticas incluem aquelas alterações sobre a absorção, distribuição, ligação

ou localização nos tecidos, biotransformação e excreção. De uma maneira geral o que se observa é

uma deterioração de cada uma dessas etapas, resultando num prolongamento da vida média, ou

meia-vida, dos fármacos.

O quadro 1 traz algumas alterações fisiológicas e bioquímicas no idoso que interferem na

farmacocinética.

QUADRO 1 - ALTERAÇÕES RELACIONADAS À IDADE QUE AFETAM A FARMACOCINÉTICA

Componente ou função corpórea Direção da alteração

Função Renal ↓

Fluxo sangüíneo hepático ↓

Albumina sérica ↓

Glicoproteína alfa-1-ácida ↑

Gordura corpórea ↑

Massa muscular ↓

Volume hídrico ↓

FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de

Geriatria. São Paulo: Roca, 1994.

ABSORÇÃO

A absorção descreve a velocidade com a qual os fármacos deixam seu local de administração (Ex. via

oral estômago e intestino) e a magnitude com que isto ocorre. Todavia, o parâmetro denominado

biodisponibilidade5, e não propriamente a absorção, é o que mais interessa e preocupa os

profissionais no manejo dos medicamentos e pacientes (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). Entre os

fatores que podem influenciar a biodisponibilidade dos fármacos estão aqueles de ordem

anatômica, fisiológica e anatomopatológica. Assim, no momento da escolha da via de administração

de um medicamento (quadro 2) , é preciso se ter em conta a relação existente entre estes fatores e

a velhice.

5 Biodisponibilidade é a medida da quantidade de fármaco, contida em uma fórmula farmacêutica, que chega à

circulação sistêmica e da velocidade na qual ocorre esse processo (BRASIL, 2001).

17

QUADRO 2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO COMUNS

Via Padrão de absorção Utilidade especial Limitações e precauções

Intravenosa Absorção evitada

Efeitos potencialmente

imediatos

Uso de emergência

Permite titulação da dose

Adequada para injeção de

grandes volumes e

substâncias irritantes,

quando diluídas

Maior risco de efeitos colaterais

É preciso injetar lentamente, via

de regra

Inconveniente para soluções

oleosas ou substâncias

insolúveis

Subcutânea Imediata, a partir de

soluções aquosas

Lenta e persistente, a

partir de apresentações de

liberação prolongada

Adequada para algumas

suspensões insolúveis e

para implantação de

pellets sólidos

Inadequada para grandes

volumes

Possível dor e necrose por

substâncias irritantes

Intramuscular Imediata, a partir de

soluções aquosas

Lenta e persistente, a

partir de apresentações de

liberação prolongada

Adequada para volumes

moderados, veículos

oleosos e algumas

substâncias irritantes

Contra-indicada durante o uso

de anticoagulantes

Pode interferir na interpretação

de determinados exames

diagnósticos (ex. creatina-

quinase)

Via oral Variável; depende de

muitos fatores

Mais conveniente e

econômica, geralmente

mais segura

Exige a cooperação do paciente

A disponibilidade é

potencialmente errática e

incompleta no caso de fármacos

serem pouco solúveis,

lentamente absorvidos,

instáveis ou muito

metabolizados pelo fígado

FONTE: BENET, L.Z. MITCHELL, J.R. LEWIS, B.S. Farmacocinética: A Dinâmica da Absorção, Distribuição e Eliminação dos Fármacos. In: GILMAN, A.G. RALL, T.W. NIES, A.S. TAYLOR, P. (Ed.). Goodman & Gilman: As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.

Em condições normais, a absorção dos nutrientes contidos nos alimentos e dos fármacos

permanecem inalteradas ao longo dos anos. Isso ocorre a despeito das alterações fisiológicas

ocorridas com o envelhecimento orgânico, citadas anteriormente. As principais alterações

fisiológicas da terceira idade, relacionadas ao aspecto da absorção, são a elevação do pH gástrico e o

menor fluxo de sangue gastrointestinal. Outros fatores, porém, podem alterar a absorção de

fármacos, sendo algumas delas bastante comuns na terceira idade. A absorção pode ser alterada por

deficiências nutricionais, gastrectomia parcial, interações medicamentosas com laxantes, agentes

que diminuem o esvaziamento gástrico (anticolinérgicos, Antihipertensivos, etc.) ou antiácidos

(LOWENTHAL, 1994). Os antiácidos, por exemplo, podem diminuir em 25% a absorção da digoxina,

que, por sua vez, é comumente utilizada na terapêutica geriátrica como cardiotônico e antiarrítmico

(KOROLKOVAS, 1998).

18

DISTRIBUIÇÃO

A distribuição dos fármacos ocorre após este ser absorvido ou injetado na corrente sangüínea. Essa

distribuição ocorre para os líquidos intersticial (líquido entre as células) e celular (líquido dentro das

células). Órgãos como o fígado, os rins, o coração, o cérebro, entre outros bem perfundidos recebem

a maior quantidade dos fármacos após os primeiros minutos da sua absorção. A musculatura, as

vísceras em geral, a pele e o tecido adiposo recebem o fármaco mais lentamente, levando de

minutos a algumas horas para atingir um estado de equilíbrio dinâmico (BENET; MITCHELL; SHEINER,

1991).

Numa Segunda fase da distribuição ocorre a difusão dos fármacos para os tecidos, onde estes

alcançarão seus locais de ação. O grau de distribuição de um fármaco para os tecidos determinará a

qualidade e magnitude de seu efeito farmacológico. Assim, nas situações em que o fármaco não

alcance satisfatoriamente seu local de ação, o efeito farmacológico estará prejudicado. Entre os

fatores que podem influenciar esta fase estão a propriedade do fármaco (hidro ou lipossolubilidade)

e a extensão de sua fixação às estruturas carreadoras plasmáticas (hemáceas ou proteínas). As

principais proteínas relacionadas ao transporte de medicamentos são a albumina, a alfa-1-

glicoproteína, as lipoproteínas e as gamaglobulinas (LABAUNE, 1993).

Os fármacos que tem alta afinidade de ligação à albumina, terão sua fração livre aumentada (com

conseqüente aumento do efeito farmacológico), devido à diminuição da quantidade de albumina

plasmática, com a idade. Entre eles pode-se citar a Varfarina (Marevan ®), Diazepam (Diazepan ®),

Lorazepam (Lorax ®), Fenitoína (Hidantal ®), Fenilbutazona (Butazona Cálcica ®), Meperidina

(Dolantina ®) e Disopiramida (Dicorantil®) (LOWENTHAL, 1994). Fármacos de características básicas

que se ligam preferencialmente à alfa-1-glicoproteína, por sua vez, terão sua fração livre diminuída

(com conseqüente diminuição dos efeitos farmacológicos), visto essa proteína geralmente estar

aumentada na terceira idade.

Com o aumento da massa lipídica em relação à massa muscular, comum nos idosos, aqueles

fármacos de características lipossolúveis (ex. Benzodiazepínicos) terão facilidade em alcançar e se

acumular nos tecidos. Isso acarretará um efeito mais potente desses fármacos e um acúmulo que

poderá diminuir sua velocidade de eliminação, com conseqüente aumento da meia-vida.

19

BIOTRANSFORMAÇÃO

A biotransformação é a etapa da farmacocinética onde ocorre a metabolização do fármaco,

principalmente no fígado (mas também em outros órgãos, como pulmão), a fim de torná-lo mais

hidrossolúvel e assim facilitar sua eliminação renal. Esse mecanismo constitui uma forma de defesa

importantíssima do corpo humano contra substâncias exógenas e intoxicações. O sistema

enzimático hepático, responsável pela biotransformação dos fármacos, localiza-se nos retículos

endoplasmáticos lisos e são denominados de fração microssomal ou microssômica (BENET;

MITCHELL; SHEINER, 1991).

Como comentado nas alterações fisiológicas de terceira idade, a função hepática, apesar de se

alterar com os anos, não perde sua capacidade de metabolização para a maioria dos fármacos.

Naqueles fármacos, porém, em que a biotransformação encontra-se diminuída, observar-se-á uma

elevação da concentração plasmática do medicamento, com conseqüente aumento dos efeitos

farmacológicos e tóxicos. Nesses casos, é necessário o manejamento das doses e intervalos de

tomada, a fim de se minimizarem esses riscos. O quadro 3 traz alguns fármacos cujo metabolismo

hepático encontra-se reduzido em idosos.

EXCREÇÃO

Os fármacos são eliminados do organismo tanto em forma inalterada como na forma de

metabólitos. Os órgãos responsáveis pela eliminação são, com exceção dos pulmões, ineficientes na

excreção de compostos com lipossolubilidade elevada. Esses órgãos representados principalmente

pelos rins, são mais eficientes na eliminação de substâncias polares ou hidrossolúveis. Para

eliminação de fármacos lipossolúveis, é necessário que estes sejam transformados em substâncias

mais hidrossolúveis (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991).

O Rim, como dito, é o órgão mais importante na eliminação de fármacos. A eliminação de

substâncias farmacológicas pelas fezes se dá somente para aquelas substâncias não absorvidas no

intestino ou que foram eliminadas na bile pelo fígado, sem serem reabsorvidas na luz intestinal. Os

pulmões também são responsáveis pela eliminação, sendo esta significativa principalmente para

vapores e gases anestésicos (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991).

20

QUADRO 3 - FÁRMACOS COM METABOLISMO HEPÁTICO REDUZIDO

Reações da Fase I (preparatórias)

Oxidação Hidroxilação Alprazolam Nortriptilina Antipirina Ibuprofeno Barbitúricos Fenitoína Carbamazepina Propranolol Imipramina Quinidina Desipramina Varfarina Dealquilação Amitriptilina Lidocaína Clordiazepóxido Meperidina Diazepam Teofilina Flurazepam Tolbutamida Difenidramina Redução Nitroredução Nitrazepam

Reações da Fase II (sintéticas)

Essencialmente inalteradas no idoso Conjugação Acetilação Metilação

FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994. (adaptado)

A queda na função renal na terceira idade é significativa e tem seu início na quarta década de vida. A

partir dessa idade, há uma redução de 6 a 10% na taxa de filtração glomerular (TFG) e no fluxo

plasmático renal a cada 10 anos. Assim, aos 70 anos de idade, uma pessoa pode ter uma diminuição

de 40 a 50% na função renal, mesmo na ausência de doença desse órgão (LOWENTHAL, 1994).

Os fármacos que tem sua eliminação predominantemente pelos rins (Quadro 4) podem ter seu

tempo de meia-vida aumentada, com acúmulo plasmático e aumento da incidência de efeitos

adversos. Assim, para esses fármacos, é adequada uma diminuição nas doses e intervalos de

administração.

21

QUADRO 4 - FÁRMACOS COMUMENTE ELIMINADOS PELOS RINS

Digoxina Tocainida

Aminoglicosídeos Disopiramido

Atenolol Clonidina

Nadolol AINES

Lítio Ranitidina

Diuréticos Famotidina

Procainamida Captopril

Enalapril Lisinopril

FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994.

A eliminação de fármacos pelo rim também pode ser afetada pela interação entre duas ou mais

substâncias (Quadro 5) que concorrem pelo mesmo ponto específico de excreção renal. Esses

fármacos, quando utilizados simultaneamente, podem se prejudicar um ao outro em sua excreção,

aumentando a meia-vida, o acúmulo e seus efeitos tóxicos (OGA; BASILE, 1994).

QUADRO 5 - FUNÇÃO RENAL E INTERAÇÃO ENTRE FÁRMACOS

Fármaco básico Fármaco Interatuante Mecanismo Efeito Clínico

Digoxina Quinidina Verapamil Espironolactona

Inibição do “clearance” renal e não renal; volume de distribuição Inibição do “clearance” renal e não renal Inibição do “clearance” renal e não renal; volume de distribuição

↑ Toxicidade da digoxina ↑ Toxicidade da digoxina ↑ Toxicidade da digoxina

Metotrexato Aspirina Inibição da excreção renal Depressão da medula óssea

Penicilina Probenecida Inibição da excreção renal Acúmulo de penicilina

Quinidina Bicarbonato de sódio Inibição da excreção renal Intoxicação pela Quinidina produzindo ampliação no complexo QRS

FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994.

BIBLIOGRAFIA DISPONÍVEL EM: Correr, CJ. O papel do farmacêutico na equipe de

atendimento ao idoso no âmbito da farmácia comunitária: a Atenção Farmacêutica Geriátrica.

Monografia [Especialização em Gerontologia]; 2002.

23

ATIVIDADE EM GRUPO

Caso 1:

M.U.L. é uma mulher de 71 anos que se apresenta ao serviço de geriatria para uma consulta de

rotina ,acompanhada por sua filha, Ana. M.U.L. foi diagnosticado com doença de Alzheimer há 4

anos, quando seus filhos relataram perda de memória de curto prazo e sintomas cognitivos, que

incluem esquecer datas e horários facilmente, extravio de itens, perguntas repetidas a eventos

atuais, incapacidade de responder a perguntas, uma crescente dificuldade com o gerenciamento das

finanças, além de um estado de melancolia.

Naquela época, a Sra. M. e quatro de seus filhos se reuniram com a equipe de cuidados geriátricos e

discutiram o diagnóstico da provável doença de Alzheimer. A equipe de saúde explicou que a Sra.

M. estava no estágio inicial e moderado da doença e que era de se esperar que ela tivesse uma

variação grande desses sintomas ao longo dos dias. Tacrina foi indicada para sintomas cognitivos, e

Sertralina foi iniciada para a depressão.

Apos 1 ano, a paciente relatou que tinha perdido alguns de seus medicamentos, e estava confusa

sobre como tomá-los. Durante a terapia inicial, com tacrina, ela desenvolveu refluxo gastresofágico,

perdeu 8 quilos em cinco meses, e alguns exames demonstravam um aumento de enzimas

hepáticas. No entanto, os filhos relataram que ela apresentava uma participação mais ativa na

família e em funções sociais. Sua depressão foi menos freqüente, ela se sentia feliz na maior parte

do tempo. No entanto, a tacrina e a sertralina foram interrompidas e Donezepila (5 mg, ao se deitar)

introduzida ao tratamento.

Na última visita ao geriatra, foi reiniciada Sertralina para a depressão leve e mantida Donezepila.

Algumas vezes ela precisa de proteção extra ao dormir devido a incontinência urinária. A Sr. M. vive

com sua filha. Ana, embora declare ser tolerável a convivência com sua mãe, tem andando em volta

da casa sem razão com mais freqüência e, verifica muitas vezes ao dia se portas e janelas estão

fechadas.

Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4):1104-1112

1C o o rdenador do Setor de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro RJ, Brasil INDC/UFRJ; 2N e u rologista - Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo e Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil(UNIFESP); 3P rofessor Adjunto da UFRJ, Coordenador dos Ambulatórios de Demência - INDC/UFR; 4Psiquiatra-Instituto de Psiquiatria-FMUSP; 5C o o rdenador do Centro de Doença de Alzheimer (CDA/IPUB) - Instituto de Psiquiatria/UFRJ, Professor Adjunto da Faculdadede Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da UERJ, Rio de Janeiro RJ Brasil; 6C o o rdenador do Grupo de Neurologia doComportamento/CHMS-RP

Recebido 18 Fevereiro 2005, recebido na forma final 3 Junho 2005. Aceito 12 Julho 2005.

Dr. Eliasz Engelhardt - Avenida N.S. de Copacabana 749/708 - 22050-000 Rio de Janeiro RJ - Brasil. E-mail: [email protected]

O Departamento Científico de Neurologia Cog-nitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileirade Neurologia solicitou em 2003, a um grupo dep e s q u i s a d o res, a redação preliminar de temas re l a-cionados ao tratamento da doença de Alzheimer(DA) no Brasil, visando a elaboração de um Con-senso. Os relatórios foram apresentados na IV Reu-nião de Pesquisadores em Doença de Alzheimer eD e s o rdens Relacionadas (IVRPDA/2003), re a l i z a d a

no Rio de Janeiro, em novembro de 2003, tendosido então designados os pesquisadores e especi-ficadas as regras gerais para essa tarefa.

O objetivo do presente trabalho foi o de esta-belecer condutas padronizadas, normas, re c o m e n-dações ou sugestões para o tratamento da DA. Apesquisa da literatura incluiu consulta ao PubMede LILACS. A DA compreende compro m e t i m e n t ocognitivo, declínio funcional, sintomas de compor-

TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER

Recomendações e sugestões do Departamento Científicode Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento daAcademia Brasileira de Neurologia

Eliasz Engelhardt1, Sonia M.T. Brucki2, José Luiz S. Cavalcanti3, Orestes V. Forlenza4,Jerson Laks5, Francisco A.C. Vale6 e membros do Departamento de NeurologiaCognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia

RESUMO - As presentes recomendações e sugestões para o “Tratamento da Doença de Alzheimer” foramelaboradas por grupo de trabalho constituído por participantes da IV Reunião de Pesquisadores em Doençade Alzheimer e Desordens Relacionadas, patrocinada pelo Departamento Científico de Neurologia Cognitivae do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia. Compreendem tópicos sobre o tratamento far-macológico e não farmacológico do comprometimento cognitivo e declínio funcional, assim como dos sinto-mas de comportamento e psicológicos dessa doença demenciante. São utilizados diversos níveis de evid ê n c i a se de recomendações e sugestões para os diversos fármacos propostos, assim como para o tratamento nãofarmacológico, baseado em ampla revisão bibliográfica, nacional e internacional.

PALAVRAS-CHAVE: Alzheimer, demência, tratamento.

Treatment of Alzheimer’s Disease: recommendations and suggestions of the Scientific Depart m e n tof Cognitive Neurology and Aging of the Brazilian Academy of Neurology

ABSTRACT - The present recommendations and suggestions on “Treatment of Alzheimer’s Disease” wereelaborated by a work group constituted by participants of the IV Meeting of Researchers on Alzheimer’s D i-sease and Related Disorders, sponsored by the Scientific Department of Cognitive Neurology and Agingof the Brazilian Academy of Neuro l o g y. They comprise topics on pharmacological and non-pharm a c o l o g i c a lt reatment of cognitive impairment and functional decline, as well as of behavioral and psychological symp-toms of this dementing disease. Several levels of evidence and of recommendations and suggestions a reused for the various proposed drugs, as well as for non-pharmacological treatment, underpinned by a widenational and international bibliographical review.

KEY WORDS: Alzheimer, dementia, treatment.

Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) 1105

tamento e psicológicos (SCPD) e manifestaçõesneurológicas.

As estratégias terapêuticas abordadas na pre-sente proposta são voltadas para o compro m e t i-mento cognitivo e funcional, assim como para osSCPD. Essas estratégias podem ser divididas emf a rmacológicas e não farmacológicas, devendo-seatentar para a situação específica da intervençãop roposta quanto a aprovação pela Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária (ANVISA).

As diversas intervenções farmacológicas e nãof a rmacológicas serão categorizadas de acordo comas Tabelas 1 e 2.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO COMPROMETIMENTO COGNITIVOA estratégia colinérgicaOs inibidores das colinesteraseAs estratégias colinérgicas têm sido há muito

p reconizadas para o tratamento da DA, porém so-mente com a introdução dos inibidores das colines-

terases (IChEs) é que foi demonstrada eficácia com-p rovada, desde os estudos iniciais. Os efeitos dotratamento foram demonstrados para os diversosIChEs, indicando de modo consistente que essesf á rmacos são melhores que placebo de forma sig-nificativa. Entretanto, a doença apresenta pro-g ressão apesar do tratamento. Os diversos instru-mentos utilizados para verificar o desempenho dospacientes diante da medicação mostram benefícioem relação à cognição, função e comport a m e n t o ,verificado pelos médicos e pelos cuidadores, indi-cando que mesmo melhoras mensuráveis re d u z i d a spodem apresentar significado clínico. Os IChEs, atra-vés do aumento da oferta de acetilcolina (ACh), pa-recem também interferir nos processos básicos, compossível modificação do curso da doença1.

O mercado brasileiro dispõe atualmente, licen-ciados pela ANVISA, quatro medicamentos comessas características: tacrina, rivastigmina, donepe-zil e galantamina.

A t a c r i n a foi o primeiro IChE aprovado para tra-tamento da DA2. Apesar de sua eficácia, apenasp e rcentual baixo dos pacientes foi capaz de tolerardoses elevadas mais eficazes, devido sobretudo ah e p a t o t o x i c i d a d e2 , 3. É um inibidor reversível daacetilcolinesterase (AChE) e da butirilcolinesterase(BChE), de meia vida curta (2-4 hs). A dose inicialé 10 mg 4 vezes/dia, escalonado até 40 mg 4 ve-zes/dia, conforme a tolerância. Os novos IChEs tor-naram sua prescrição atualmente muito re s t r i t a .Os IChEs de segunda geração, donepezil, rivastig-mina e galantamina, são atualmente os mais utili-zados no tratamento da DA, estágios leve a mo-derado. Os trabalhos iniciais controlados demons-traram uma diferença fármaco-placebo significati-va conforme avaliado através de instrumentos pa-drão cognitivos e funcionais, com maior eficácia c o mas doses mais elevadas, embora com ônus de efei-tos adversos mais freqüentes.

O d o n e p e z i l é um inibidor reversível e seletivoda AChE, com meia-vida de aproximadamente 70horas. O tratamento é iniciado com 5 mg/dia, a u-mentando-se a dose para 10 mg/dia na depen-dência de tolerabilidade4 - 6. Utiliza o sistema citocro-mo P450, de modo que seu uso simultâneo comoutras fármacos que partilham do mesmo sistemaenzimático deve ser feito com cautela.

A r i v a s t i g m i n a é um inibidor pseudo-irre v e r s í v e lda AChE e da BChE. A inibição simultânea da BChE,aumentada nos pacientes em fases mais avançadasda doença, é um fator que pode eventualmente p ro-longar o benefício do tratamento7. A meia vida é

Tabela 1. Classificação da evidência1.

Classe Descrição - evidência fornecida por

I um ou mais ensaios clínicos bem desenhados, randomizados, controlados com placebo,inclusive revisões (meta-análises) de tais ensaios

II estudos de observação bem desenhadoscom controles (p.ex., estudos do tipo decasos-controle e de coortes)

III opiniões de especialistas, série de casos, relato de casos e estudos com controles históricos

Tabela 2. Níveis de recomendações1.

Recomendação Descrição

padrão reflete alto grau de certeza clínica(geralmente requer evidência deClasse I que se dirige diretamente àquestão clínica, ou evidência de Classe IIclara, quando as circunstâncias impedemensaios clínicos randomizados)

norma recomendação que reflete moderadacerteza clínica (geralmente requerevidência de Classe II ou um forteconsenso de evidência de Classe III)

opção prática estratégia para a qual a utilidadeclínica é incerta (evidência ou opiniãoinconclusiva ou conflitante)

1106 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)

1-2 horas, porém apresenta uma atividade pro l o n-gada (8-10 hs). O tratamento deve ser iniciado com1,5 mg 2 vezes/dia, com escalonamento da dose a t é6 mg 2 vezes ao dia8 - 1 1. A eliminação é principal-mente renal e não envolve o sistema citocro m oP450, não ocorrendo praticamente interações me-dicamentosas.

A g a l a n t a m i n a é um inibidor reversível da AChEe apresenta adicionalmente ação de modulaçãoalostérica de re c e p t o res nicotínicos (‘ligante poten-ciador alostérico’). Embora não esteja estabelecidacom clareza a significação clínica dessa modulação,existe relação entre cognição e receptores nicotí-nicos. Tem meia vida de aproximadamente 7 horas,podendo ser administrada em duas doses diárias.A dose inicial é 4 mg 2 vezes/dia, escalonada paraaté 12 mg 2 vezes/dia1 2 - 1 4. Utiliza o sistema do cito-c romo P450 hepático na sua metabolização, o quesuscita cuidados em relação à interação com algunsfármacos.

A Tabela 3 mostra de modo sintético as dosesiniciais e de manutenção dos 3 fármacos.

Conclusão – Os diversos estudos realizados comos IChEs de segunda geração (donepezil, rivastig-mina, galantamina) mostraram melhora ou estabi-lização do desempenho, por um determinado pe-ríodo, significativa embora discreta, quando com-parada ao placebo. O perfil de efeitos colateraisé em grande parte semelhante e apresentam emgeral boa tolerabilidade15-16.

Os precursores da ACh e os agonistas colinérgicosOs estudos com os pre c u r s o res da ACh (lecitina,

fosfatidilcolina, fosfatidilserina) não mostrarameficácia comprovada no tratamento da DA. Os ago-nistas muscarínicos e nicotínicos, além disso, foramacompanhados por importantes efeitos colaterais1 7.

A estratégia glutamatérgicaA neurotoxicidade do glutamato foi demonstra-

da desde os anos 60 e nessa mesma época estudos

identificaram a memantina como bloqueador dereceptores NMDA.

A memantina é um antagonista não competi-tivo de moderada afinidade dos re c e p t o res NMDA,o f e recendo neuro p roteção em relação a excitoto-xicidade do glutamato1 8, além de permitir a neuro-transmissão e os mecanismos de neuro p l a s t i c i d a d edos neurônios funcionais. O uso de memantinam o s t rou eficácia pacientes com DA moderada ag r a v e1 9. A dose inicial é 5 mg/dia, escalonada para10mg 2 vezes ao dia. Sua eliminação é renal e nãoi n t e rf e re com o sistema do citocromo P450, haven-do pouca interação com outros medicamentos. Pa-rece não interferir com o metabolismo dos IChEs2 0.Os efeitos adversos nos ensaios clínicos foram depequena monta, com boa tolerabilidade.

O estudo em pacientes com DA moderada agrave, em uso de donepezil, mostrou benefício a d i-cional com o acréscimo de memantina, em re l açãoà cognição, AVD, desfecho global e comport a m e n-t o2 1. Estudos com outros IChEs encontram-se emandamento. Deve-se lembrar que o uso de IChEsem fases mais adiantadas da DA não está regula-mentada.

Outros agentes propostos para melhora dacognição e para neuroproteção Ginkgo biloba – O extrato de Ginkgo biloba ( E G b

761) contém princípios ativos que promovem oaumento do suprimento sanguíneo cerebral porvasodilatação e redução da viscosidade do sangue,além de redução de radicais livres no tecido nerv o-s o2 2. Parece prevenir a neurotoxicidade do amilói-d e -β, a inibição de vias apoptóticas e a pro t e ç ã ocontra lesão oxidativa (modelos laboratoriais)2 3 - 2 6.Os efeitos do EGb sobre a cognição normal, emadultos jovens e idosos, foram de melhora objetivana velocidade de processamento cognitivo, além d ei m p ressão subjetiva de melhora da memória2 7 - 3 0.Os estudos clínicos na DA mostraram achados in-c o n s t a n t e s22, 31-32. Estudo de meta-análise2 2 m o s t ro uque existem benefícios em parâmetros cognitivos,de atividades da vida diária e humor, com superio-ridade em relação ao placebo. Encontram-se em

Tabela 3. Os fármacos inibidores das colinesterases: doses iniciais e demanutenção.

Fármaco Dose inicial Dose de manutenção

donepezil 5 mg - 1 vez ao dia 5 a 10 mg - 1 vez ao diarivastigmina 1,5 mg - 2 vezes ao dia 3 a 6 mg - 2 vezes ao diagalantamina 4 mg - 2 vezes ao dia 8 a 12 mg - 2 vezes ao dia

Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) 1107

andamento estudos multicêntricos intern a c i o n a i spara avaliar o efeito do EGb761na prevenção dedemência do tipo DA.

Vitamina E (alfa-tocoferol) – Considerando asevidências de que o estresse oxidativo pode con-tribuir para a patogênese da DA, a utilização demedidas antioxidantes parece ter um lugar no tra-t a m e n t o3 3. Apenas um estudo com metodologiaaceitável mostrou algum benefício com uso de do-se elevada (2000 UI/dia) de vitamina E3 4. Um extensoestudo de coorte prospectivo populacional de-m o n s t rou redução do risco de DA pela ingestão ali-mentar de vitamina E3 5. Entretanto, revisão siste-mática recente concluiu que os dados para sua uti-lização na DA são insuficientes3 6. Além disso, amploestudo de meta-análise mostrou que grupos diver-sos (adultos, idosos, saudáveis, port a d o res de doen-ças diversas), sob tratamento de doses variadas devitamina E, apresentaram riscos maiores de mort a-lidade decorrente de todas as causas, re l a c i o n a d o sa doses mais elevadas em comparação a doses maisbaixas dessa vitamina, tendo como re f e r ê n c i ag ru p o s - c o n t role. Conclui que doses superiores a 400UI/dia devem ser evitadas até que novas evidênciasde eficácia sejam documentadas, baseadas emensaios clínicos adequadamente conduzidos3 7.

Selegilina (L-deprenil) – Apenas um estudo commetodologia aceitável mostrou algum benefício3 4,embora com uma relação risco-benefício poucofavorável. Por outro lado, extensa revisão de meta-análise não evidenciou benefício apreciável38.

Anti-inflamatórios não-esteróides (AINE) – C o n-siderando a reação inflamatória em relação dasplacas amilóides, haveria um papel para os anti-inflamatórios. Além disso, estudos epidemiológicossugeriram que anti-inflamatórios poderiam exerc e rn e u ro p roteção na DA. Extenso estudo de coort ep rospectivo populacional concluiu que o uso pro-longado de AINE pode proteger contra DA3 9. Maisrecentemente, ensaio clínico controlado mostro uque rofecoxib ou naproxeno não lentificam o de-clínio cognitivo em pacientes com DA leve a mo-d e r a d a4 0. O mesmo ocorreu em relação ao ibupro-feno41 e à indometacina41. O seu perfil de efeitoscolaterais, sobretudo hemorragia digestiva, re s t r i n-ge sua prescrição.

Estatinas – Diversos estudos básicos mostram ainfluência dos níveis de colesterol na via metabó-lica do amilóide. Entretanto clinicamente não há

ainda resultados consistentes em relação ao usode estatinas na DA42-44.

E s t rogênio – Os efeitos fisiológicos do estro g ê n i oe dados epidemiológicos sugerem seu uso como po-tencialmente favorável. Entretanto, até o pre s e n t enão há evidências clínicas suficientes nesse senti-do. Além disso, considerando os efeitos adversosrecentemente demonstrados, a sua prescrição esp e-cífica para a DA não se justifica no presente45-50.

Conclusão – Os fármacos considerados (EGb, vi-tamina E, selegilina, AINE, estatinas, estrogênio),levando em conta numerosos estudos básicos eepidemiológicos, têm base teórica favorável paratratamento da DA. Entretanto, os resultados clíni-cos mostraram-se inconstantes (EGb), pouco funda-mentados (vitamina E, selegilina, estatinas) ou compossibilidades de riscos e efeitos adversos pro-blemáticos (vitamina E, AINE, estrogênio), o que d i-ficulta a sugestão de sua utilização na DA com asevidências disponíveis.

Recomendações/sugestõesOs IChEs devem ser considerados como trata-

mento de pacientes com DA leve a moderada (pa-drão).

O uso de memantina mostrou evidência de be-nefícios em pacientes com DA moderada a grave(padrão). A memantina pode ser associada a umdos IChEs (estudo realizado com donepezil) em pa-cientes com DA moderada a grave (opção prática).

Os estudos clínicos com EGb mostraram re s u l-tados inconstantes no tratamento da DA. Estudode meta-análise mostrou algum benefício em re l a-ção a placebo (opção prática).

Uma revisão sistemática recente concluiu queos dados para o uso de vitamina E na DA são insu-ficientes, apesar de estudo anterior fracamentefavorável. Além disso, foram apresentadas evidên-cias de riscos importantes no uso de doses elevadas.

O uso de selegilina conta com um estudo fra-camente favorável, porém extensa revisão commeta-análise não evidenciou tal benefício.

Os pre c u r s o res da ACh e os agonistas colinér-gicos, nos ensaios conduzidos, não mostraram efi-cácia no tratamento da DA.

Anti-inflamatórios não mostraram benefício ea p resentam potencial grande de efeitos colaterais,não sendo recomendados com as presentes evidên-cias.

As estatinas não mostraram evidências clínicas

1108 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)

suficientes até o presente para sugerir sua pre s c r i-ção na DA.

O estrogênio não conta até o presente com evi-dências clínicas suficientes para a sua indicação epesa o seu perfil de efeitos colaterais.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DOSSINTOMAS DE COMPORTAMENTO EPSICOLÓGICOS A avaliação cuidadosa e a correção de qualquer

desencadeante físico, psicossocial ou ambiental oude fatores de perpetuação na gênese dos sintomasde comportamento e psicológicos (SCPD) deve an-teceder o uso de medicamentos para o controle d o ssintomas. O tratamento medicamentoso com an-tipsicóticos e antidepressivos deve ser re a v a l i a d operiodicamente51.

Foram estudados os seguintes grupos: antipsi-cóticos (neurolépticos - típicos e atípicos), antide-p ressivos, ansiolíticos, sedativos, estabilizadore sde humor e IChEs.

Os neurolépticos – Os sintomas que pare c e mresponder melhor à medicação neuroléptica sãoagitação (agressão física, comportamentos violen-tos, hostilidade) e psicose (alucinações, delírios).Recentemente tenta-se estudar a resposta dife-renciada da psicose na DA (delírios e alucinações)5 2.Os estudos da eficácia dos n e u rolépticos típicosem pacientes com demência contou com ensaiosc o n t rolados, porém com número reduzido de pa-cientes e de c u rta duração. Uma meta-análise mos-t rou melhora dos SCPD de modo global, porémapenas em 28% a mais de pacientes em comp a-ração com placebo5 3. Em relação aos n e u ro l é p t i c o satípicos, mais novos, existem relatos de casos, es-tudos abertos e estudos controlados que sugere meficácia nos SCPD, com melhor perfil de efeitos co-laterais (risperidona, olanzapina, quetiapina, ari-piprazol). Entretanto, a maior parte desses fárm a-cos não conta com estudos específicos na DA53-60.

As sugestões clínicas para dosagem de neuro-lépticos são: h a l o p e r i d o l (0,5-2 mg/dia), t i o r i d a z i n a(10-100 mg/dia), r i s p e r i d o n a (0,5-2 mg/dia), c l o z a -p i n a (6,25-100 mg/dia), o l a n z a p i n a (5-10 mg/dia),q u e t i a p i n a (25-150 mg/dia), a r i p i p r a z o l ( 1 5 - 3 0mg/dia)61-66.

Os estabilizadores de humor – Os do grupo dosanticonvulsivantes podem ser utilizados para com-p o rtamentos agitados a partir dos resultados deestudos abertos e controlados. Em geral são bem

tolerados e produzem pouca toxicidade, sendo uti-lizados de modo crescente no tratamento de a l g u n sdos SCPD. Os anticonvulsivantes mais estudadosforam a c a r b a m a z e p i n a (200-800 mg/dia)6 7 , 6 8 e oácido valpróico (250-1.000 mg/dia)69-71.

Os antidepressivos – A depressão é freqüente naDA, porém poucos estudos adequados foram re a-lizados de modo específico. Entre as fármacos uti-lizados estão a t r a z o d o n a (50-300 mg/dia), com ex-celente efeito sobre o sono dos pacientes, mesmosem depressão evidente. Os a n t i d e p ressivos tricícli -c o s contam com um ensaio controlado, que mos-t rou um benefício significativo7 2. Deve-se dar pre f e-rência às aminas secundárias (p.ex., nortriptilina, de-sipramina, lofepramina) ao invés das terciárias (p.ex.,amitriptilina, dotiepina), devido à melhor tolera-bilidade. Os i n i b i d o res seletivos da recaptura da sero -t o n i n a (ISRS) foram alvo de poucos estudos na DA.O citalopram (10-30 mg/dia) foi utilizado em doisensaios controlados, com melhora significativa dad e p ressão e agitação7 3 - 7 7. Amostra de pacientes comDA e depressão maior, avaliada em ensaio clínicoc o n t rolado com dose média de 95 mg/dia de sert r a-lina, apresentou melhora em relação ao grupo pla-c e b o7 8. A fluoxetina foi avaliada em estudos, sendoum controlado (dose de até 40 mg/dia ou placebo),com melhora numérica do grupo tratado, porémnão significativa do ponto de vista estatístico7 8 - 8 0.

Os inibidores das colinesterases – Esse grupo def á rmacos (donepezil, rivastigmina e galantamina)m o s t rou eficácia na prevenção do apare c i m e n t oou no controle de SCPD. Os sintomas que geralm e n-te melhor respondem são apatia, irr i t a b i l i d a d e ,c o m p o rtamento motor aberrante e a psicose,sendo pouco eficazes em relação à depre s s ã o8 1 - 8 3.Deve-se lembrar que o uso de IChEs não está re-gulamentada especificamente para essa indicação.

Conclusão – As evidências dão suporte ao usode neurolépticos, tanto típicos como os atípicos notratamento de agitação e manifestações psicóticasna DA, parecendo que os atípicos são melhor tole-rados. Cabe re s s a l t a r, no entanto, que nenhumadestas medicações tem sua indicação aprovada embula. Os estabilizadores de humor do grupo dosanticonvulsivantes ainda não têm estudos ade-quados para fundamentar a indicação. Os ISRS sãoos mais indicados para o tratamento da depre s s ã o .Os inibidores das colinesterases mostraram-se pro-m i s s o res no controle de determinados sintomascomportamentais.

Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) 1109

Recomendações/sugestõesOs neurolépticos podem ser utilizados para tra-

tar agitação ou sintomas psicóticos, quando ten-tativas não farmacológicas não tenham dado re-sultado adequado (norma). O uso de neuro l é p t i c o satípicos pode ser melhor tolerado em comparaçãoaos neurolépticos típicos (norma).

Os antidepressivos (alguns tricíclicos e IRSS) de-vem ser considerados para o tratamento de depre s-são, atentando para o perfil de cada um (norm a ) .

Alguns estabilizadores de humor do grupo dosanticonvulsivantes já contam com estudos quemostram que podem ser utilizados para compor-tamentos agitados na demência (opção prática).

Os IChEs mostraram eficácia na prevenção doa p a recimento ou no controle de alguns SCPD (apa-tia, irritabilidade, comportamento motor aberr a n t ee a psicose) (opção prática).

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DOCOMPROMETIMENTO COGNITIVOAs intervenções de reabilitação cognitiva na DA

deparam-se com dificuldades, como hetero g e n e i-dade de pacientes quanto às alterações cognitivas,c o m p o rtamentais e familiares, pro g ressão dadoença, colaboração dos cuidadores. Difere n t e sa b o rdagens têm sido experimentadas, principal-mente t reinamento cognitivo de habilidades espe -cíficas e técnicas gerais.

A reabilitação da memória conta com duas di-f e rentes técnicas: a orientação para re a l i d a d e, quetem mostrado eficácia na orientação e memóriapessoal, embora com pouca melhora nas habilida-des funcionais, cotidianas8 4 - 8 7 e a terapia de re m i -n i s c ê n c i a s, que parece ter resultados menores nacognição, com escassos trabalhos bem estru t u r a d o se evidências insuficientes sobre sua eficácia8 8. Téc-nicas de facilitação da memória explícita em pa-cientes com DA leve podem ser bem sucedidasatravés de estímulos multimodais, com carga emo-cional, com auxílio na criação de códigos semân-ticos autogerados pelo paciente ou por ativaçãode tarefas ou eventos previamente apre n d i d o s8 8.Aprendizado com a utilização da memória implí -c i t a p re s e rvada parece ser útil em pacientes comquadros leves a moderados, por meio de técnicasde p r é - a t i v a ç ã o (‘priming’) e de memória de pro c e -d i m e n t o. Podem ser realizados por meio da técnicade ensaio pro g re s s i v o (‘expanding rehearsal techni-que’) com resultados positivos, porém sem genera-lização; método das pistas evanescentes ( ‘ m e t h o dof vanishing cues’)8 8 , 8 9; a p rendizado sem erro ( ‘ e r-

rorless learning’) em que casos isolados ou em nú-m e ro reduzido são relatados na DA9 0. Estudo ran-domizado comparando dois programas de tre i n a-mento com memória de procedimento e tre i n a-mento de funções cognitivas pre s e rvadas mostro umelhora nas atividades de vida diária no gru p ocom treinamento das atividades diárias91-93.

Os auxílios mnemônicos externos ( c a l e n d á r i o s ,diários, cadernos de memória) são estratégias dareabilitação que necessitam de estudos bem con-t rolados em DA, havendo evidências que pare c e mapontar na melhora do funcionamento dos pa-cientes90,94.

Dois trabalhos publicados recentemente noBrasil demonstraram efeitos positivos da re a b i l i-tação, tendendo à relativa estabilização da pro-g ressão da DA, em pacientes em uso de anticoli-nesterásicos95,96.

Conclusão – A reabilitação cognitiva parece es-tabilizar o quadro por períodos variáveis em indiví-duos com DA de gravidade leve a moderada. Aa p rendizagem sem erro e uso de técnicas que uti-lizem a memória de procedimento parecem ser maisadequadas. O treinamento cognitivo de habilidadesespecíficas não se generaliza para a vida diária,devendo-se utilizar tarefas que possam ser adap-tadas pelos cuidadores no dia a dia do paciente.

A sua associação à medicação que visa melhorara cognição (IChEs) poderia levar a melhores re s u l-tados.

Recomendações/sugestõesAs técnicas de reabilitação cognitiva podem ser

indicadas, considerando que existem evidênciasde sua eficácia em pacientes com DA de gravidadeleve a moderada (norma).

O treinamento cognitivo de habilidades espe-cíficas (memória, linguagem) pode ser útil (norma).

Algumas técnicas visando melhoras nas ativi-dades de vida diária podem ser indicadas (norm a ) .

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICODOS SINTOMAS DE COMPORTAMENTO E PSICOLÓGICOSA utilização de intervenções para o contro l e

não farmacológico de SCPC pode se mostrar útilem diversas situações, existindo algumas evidênciasquanto à sua eficácia. As intervenções, em suamaioria, mostram-se pouco eficazes, porém nasque demonstram benefício, a inclusão de suport esocial ou combinação de suporte social e cognitivo

1110 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)

parecem ser relativamente efetivas. A maior difi-culdade na análise desses trabalhos é o pequenon ú m e ro de pacientes e a falta de descrições meto-dológicas detalhadas das intervenções97.

Além disso, os cuidadores desses pacientes so-frem sobrecarga decorrente da administração decuidados que gera nos mesmos graus variáveis dedistúrbios de saúde física e mental, além de re p e r-cussão desfavorável em relação ao paciente. Essaquestão pode ser atenuada através de suporte aosfamiliares e cuidadores.

Segundo revisão sistemática de todos os estudosrandomizados não foram encontradas evidênciasde diferenças entre as intervenções propostas (ser-viços individualizados de planejamento, suport evia internet ou telefone, educação e tre i n a m e n t odo cuidador) e o suporte convencional aos famil i a re se cuidadores. As conclusões são de que devido aon ú m e ro pequeno de pacientes e pouca duração d a si n t e rvenções não há evidências de se indicar ou n ã oestas estratégias9 8 , 9 9. Mais recentemente, ensaiosrandomizados demonstraram que há mais re s p o s t aquanto ao comportamento do paciente com o tre i-namento adequado dos cuidadores. Comparando-se treinamento dos cuidadores a somente infor-mações em material escrito, apenas no primeirogrupo ocorreram melhoras quanto ao comporta-mento, caracterizado tanto por agressividade ver-bal quanto não verbal1 0 0. Observou-se redução sig-nificativa nas reações dos cuidadores aos distúrbiosc o m p o rtamentais dos pacientes, com redução tam-bém na freqüência com que estes distúrbios erama p re s e n t a d o s1 0 1 - 1 0 7. Houve melhora da depre s s ã onos pacientes, que se manteve após 6 meses nosdois grupos de terapia do comportamento, emcomparação a dois grupos sem interv e n ç ã o1 0 8. Mes-mo em períodos maiores (até um ano) existe efeitoda intervenção educacional e do aconselhamentos o b re os cuidadores, diminuindo sua depressão, aagitação do paciente e maior tempo de perm a n ê n-cia em casa antes da institucionalização1 0 9 - 1 1 1. Aindaem pacientes de gravidade moderada a acentuada,o treinamento de cuidadores quanto à sensibili-zação para sinais de comunicação não verbal pare-ce exercer resultados positivos quanto a afetos po-sitivos, mesmo sem significativas diferenças na sin-tomatologia do paciente, porém com redução dequeixas pelos cuidadores105.

Conclusão – A utilização de intervenções parao controle não farmacológico pode se mostrar útilem diversas situações, existindo algumas evidênciasquanto à sua eficácia.

P rogramas educacionais e treinamento do cui-dador melhoram os níveis de estresse de ambos, d i s-túrbios de comportamento do paciente e re a ç ã odo cuidador aos mesmos. Educação e suporte re t a r-dam a institucionalização, principalmente com pro-gramas com intervenções educacionais, sociais, su-p o rte psicológico, auxílio aos serviços de saúde, e n-caminhamentos.

Essas intervenções de modo isolado mostrameficácia em muitos casos, evitando o uso de fár-macos, e quando em associação com medicaçãopsicotrópica, a eficácia pode ser aumentada, alémde permitir a redução da medicação ou mesmo asua interrupção.

Recomendações/sugestõesP rogramas educacionais e treinamento para

c u i d a d o res podem melhorar o estresse para os pa-cientes e cuidadores (opção prática).

Redução de problemas de comportamento po-de ser obtida com diversas intervenções, como mú-sica, passeios, exercícios brandos (opção prática).

Outras intervenções podem ser eventualmenteúteis, como presença simulada (familiares em fitade áudio ou de vídeo) (opção prática).

Agradecimentos - (a) aos membros do DC-NCE daABN - Ricardo Nitrini; João CB Machado; Leonardo Caixe-ta e especialmente a Paulo Caramelli, pela part i c i p a ç ã onas diversas fases do presente trabalho; (b) à BibliotecáriaLuzinete Alvarenga pela organização bibliográfica.

REFERÊNCIAS1. Summers WK, Majowski LV, Marsh GM, et al. Oral tetrahydro a m i n o a-

cridine in long-term treatment of senile dementia, Alzheimer type. NEngl J Med 1986;315:1241-1245.

2. Qizilbash N, Whitehead A, Higgins J, et al. Cholinesterase inhibitionfor Alzheimer disease: a meta-analysis of the tacrine trials. JAMA 1 9 9 8 ;-280:1777-1782.

3. Rogers SL, Friedhoff LT. The efficacy and safety of donepezil in patientswith A l z h e i m e r ’s disease: results of a US multicentre, randomized,double-blind, placebo-controlled trial. The Donepezil Study Gro u p .Dementia 1996;7:293-303.

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9 . A rendt T, Bruckner MK, Lange M, et al. Changes in acetylcholinesteraseand butyrylcholinesterase in A l z h e i m e r’s disease resemble embryonicdevelopmenta study of molecular forms. Neurochem Int 1992;21:381-396.

24

ATIVIDADE EM GRUPO

Caso 2:

Sr. E.F. é um homem de 79 anos que vive sozinho. Ele é levado a emergência médica com sinais de

desidratação, aparentemente por resultado de intensa náusea e vômito nas ultimas 24 horas. Ele

apresenta tremor, confusão mental, não demonstra raciocínio lógico, sua fala é desconexa.

Para reidratarão o paciente recebeu infusão de cloreto de sódio 0,9% (i.v.). Além disso,

metoclopramida foi administrada (10 mg, i.v.). Logo após a administração da metoclopramida o

paciente sofre uma crise oculógira6 que foi revertida com biperideno (i.v.).

Doze horas mais tarde, o Sr. E.F., está consciente e lúcido, mas agora apresenta um pronunciado

tremor, característico da doença de Parkinson.

O paciente relata que ele foi inicialmente diagnosticado com Parkinson há cerca de um ano por seu

geriatra. A medicação indicada e utilizada foi SINEMET (Levodopa + Carbidopa).

Após voltar para casa o Sr. E.F. iniciou automedicação com Plasil (metoclopramida, v.o.) com medo

de sentir náusea novamente. Após 5 dias o paciente chega a farmácia reclamando que seu

medicamento (SINEMET) não estava funcionando para a sua doença.

6 Crise oculógira, quando os olhos são forçadamente desviados para cima.

25

INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA FARMACOTERAPIA

DO IDOSO: UMA REVISÃO

Juliana V Quinalha; Cassyano J Correr

Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia ISSN 1809-9823

Artigo aceito para publicação em Julho de 2010

26

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional ocorre quando a taxa da população considerada idosa (60 anos ou

mais no Brasil) é maior do que a da população de jovens. Isso pode acontecer devido a reduções na

fecundidade e na mortalidade. Como conseqüência, a distribuição na pirâmide etária modifica-se

aumentando a idade média e a participação dos idosos no total da população, o que implica em

maior freqüência de internações, maior número de consultas e maior uso de medicamentos 1.

Dentre os países mais populosos do mundo, o Brasil é o que apresenta maior velocidade no processo

de envelhecimento demográfico. De acordo com as projeções das Nações Unidas e do IBGE, até o

ano de 2025 o Brasil será o sexto país com maior população de idosos do mundo 1, 2.

Vários fatores podem influenciar a segurança, efetividade e sucesso da terapia farmacológica. Entre

eles encontram-se as alterações anatômicas e funcionais naturais do envelhecimento (processo este

conhecido como senescência) e por afecções que acometem o indivíduo idoso (processo

denominado de senilidade), assim como a presença de múltiplas doenças, a polifarmácia, aumento

da suscetibilidade à reações adversas a medicamentos (RAM’s), mudanças na farmacologia e

problemas na adesão ao tratamento 3, 4. É importante estar atento ao que faz parte da senescência e

o que faz parte da senilidade para não iniciar um tratamento desnecessariamente ou deixar de tratar

um problema de saúde que merece cuidado. Pelo fato de os idosos consumirem a maior parte da

produção mundial de medicamentos (média de 2-5 medicamentos por idoso) 5 e serem mais

sensíveis aos efeitos de certas classes farmacológicas, foram desenvolvidos vários estudos que

identificam quais são os medicamentos inadequados para as pessoas de idade avançada ou cujo uso

deve ser avaliado 6. Assim, algumas listas foram propostas por pesquisadores da França, Canadá e

Estados Unidos. Estas não são consideradas absolutas, sendo necessário o estudo da

farmacoepidemiologia de cada país para predizer quais os medicamentos considerados impróprios

de acordo com o perfil de idosos e características de cada região.

O farmacêutico pode auxiliar nos problemas mais comuns que ocorrem no uso de medicamentos

por pessoas idosas identificando medicamentos inapropriados, presença de interações, duplicidades

terapêuticas, reações adversas, usos inadequados, automedicação e doses erradas, assim como

fornecer informações sobre as doenças e os medicamentos prescritos de modo que a adesão do

27

paciente ao tratamento possa melhorar. Com isso, o farmacêutico pode garantir que a terapia

prescrita continuará sendo necessária, efetiva no alcance dos objetivos terapêuticos, e segura.

Existem vários instrumentos disponíveis no Brasil, úteis na avaliação de pacientes idosos 7. A maioria

dos instrumentos existentes, entretanto, está relacionada com a área médica, incluindo testes de

fluência verbal, instrumentos de avaliação do estado nutricional, do estado mental, de limitação das

atividades funcionais, problemas de memória, avaliação do equilíbrio e da marcha e escalas de

depressão geriátrica. Poucos são os instrumentos encontrados especificamente sobre a

farmacoterapia no idoso, sendo que, quando encontrados, a maior parte deles tem pouca ou

nenhuma repercussão no Brasil.

O objetivo desta revisão é reunir os principais instrumentos de avaliação úteis para otimização da

farmacoterapia em idosos, tanto no âmbito hospitalar quanto ambulatorial. Para tanto, foi realizada

uma pesquisa bibliográfica em periódicos científicos como jornais e revistas, monografias, livros,

obras de divulgação e de referência, em bibliotecas convencionais e diferentes bases de dados

(Lilacs, Medline, Scielo e Scopus), utilizando os seguintes termos de busca combinados entre si:

idosos, geriatria, farmacoterapia, instrumentos de avaliação, otimização da farmacoterapia,

medicamentos inadequados. Os artigos foram avaliados segundo a possibilidade de inclusão do

instrumento na prática farmacêutica hospitalar e/ou comunitária no atendimento de pacientes

geriátricos. Foram excluídos os artigos não adquiridos na íntegra a partir das fontes de pesquisa

citadas e aqueles cuja aplicação era voltada para a prática médica.

INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA FARMACOTERAPIA EM IDOSOS

INSTRUMENTO PARA AS DISCREPÂNCIAS DOS MEDICAMENTOS (MEDICATION

DISCREPANCE TOOL – MDT)

O termo “discrepância” é definido como a diferença existente entre a medicação prescrita pelo

médico e aquela que o paciente efetivamente toma, baseado nos frascos de medicamentos e relatos

do próprio paciente 8. A definição de outros autores diz que discrepância é a falta de acordo entre

diferentes regimes medicamentosos que pode identificar possíveis erros de medicação que possam

ocorrer na transição entre hospital e casa 9.

28

Os tipos de discrepâncias de medicação encontrados podem estar relacionados ao paciente e/ou ao

sistema de cuidado. Algumas classes de medicamentos são mais freqüentemente prescritas e, por

isso, podem ser responsáveis por 50% de todas as discrepâncias de medicação ocorridas no cenário

de transição hospital-casa, entre elas encontram-se: anticoagulantes (13%); diuréticos (10%);

inibidores da enzima conversora de angiotensina [IECA] (10%); agentes hipolipemiantes (10%), e

inibidores da bomba de prótons (7%) 9. O estudo realizado pela Universidade de Ciências da Saúde,

Colorado, no ano de 2004, teve como objetivo principal desenvolver um Instrumento para as

Discrepâncias dos Medicamentos - MDT (Anexo 1), capaz de auxiliar os profissionais de saúde na

identificação e classificação dos problemas relacionados a medicamentos (PRM’s), facilitando a

resolução desses problemas e descrevendo ações apropriadas com relação ao paciente e ao sistema

10.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento de tal instrumento foi análise de 20 casos clínicos

baseados em um grupo de pacientes com idade igual ou superior a 65 anos, que receberam alta

hospitalar. As informações relevantes para identificação de discrepâncias foram obtidas através de

visitas à casa dos pacientes e revisão da medicação, comparando os medicamentos que tomavam

antes da hospitalização, prescrição de alta e medicamentos em uso após alta. Dois médicos clínicos

gerais, dois farmacêuticos geriatras e duas enfermeiras avaliaram os casos para, desta forma,

identificar quais itens incluir e como apresentá-los, bem como quais palavras utilizar para esclarecer

as instruções a serem incluídas no MDT. Depois disso, foi realizado um teste de confiança para

avaliar a capacidade de detecção de PRM’s por parte dos profissionais de saúde e aplicabilidade dos

itens, baseando-se nos resultados obtidos após uso desta ferramenta pelos profissionais convidados,

os quais qualificaram o instrumento através do seu grau de concordância (baixo, bom, excelente). O

estudo mostrou, através de análises estatísticas (Cohen), que os profissionais que usaram o MDT

apresentaram boa capacidade para detectar problemas relacionados à medicação e que o teste

serviu para distinguir os itens aplicáveis daqueles que não apresentaram aplicabilidade, quando

então dois itens (dose e transporte incorretos) foram excluídos, obtendo assim a versão final do

instrumento 10.

A primeira parte do MDT é composta pelas causas e contribuição de fatores relacionados ao

paciente e ao sistema de cuidado que podem levar à discrepância na medicação e, a segunda parte

contém as possíveis resoluções aplicáveis. A seção de discrepâncias relacionadas ao paciente tem

como objetivo avaliar o paciente na gestão de seus medicamentos, diferenciando, por exemplo, a

não adesão intencional daquela não intencional. A seção de discrepâncias relacionadas ao sistema

tem como objetivo avaliar as práticas de trabalho no sistema de saúde e o regime efetivo da

29

medicação para pacientes ambulatoriais. A seção final, “resoluções”, possui como objetivo avaliar

ações que possam ser tomadas para corrigir as discrepâncias encontradas 10.

O MDT é um instrumento útil para identificar e caracterizar as discrepâncias dos medicamentos que

possam acontecer com o paciente ambulatorial, entretanto, possui algumas limitações: nem todos

os itens podem ser atribuídos exclusivamente a problemas de transição hospital-casa, mas podem

ser considerados complementares àquilo que é específico da transição. Além disso, a prescrição de

alta por si não é suficiente para determinar onde a discrepância ocorreu: muitas vezes é necessário

que o médico complemente as informações. Para melhorar o MDT, o próprio autor sugere a inclusão

de um item com os medicamentos utilizados sem prescrição médica 10.

LISTAS DAS MEDICAÇÕES CONSIDERADAS INADEQUADAS PARA O USO EM IDOSOS

Medicamento potencialmente inadequado para o uso em idosos é definido como qualquer

medicamento cujos riscos são maiores que os benefícios. Alguns autores consideram o uso desses

medicamentos como a maior causa de PRM’s na terceira idade 11, outros dizem ser responsável por

inúmeras reações adversas; assim, é importante identificar quais são estes medicamentos a fim de

estabelecer uma terapia farmacológica adequada 12.

O método Delphi, utilizado na elaboração das listas de medicações inadequadas, tem como objetivo

consultar a opinião de um grupo de especialistas através de um questionário que circula repetidas

vezes entre os respondentes, cujo anonimato é preservado. Primeiro elabora-se um questionário, a

partir da revisão da literatura, com informações suficientes para homogeneizar a linguagem e

facilitar o raciocínio; em seguida, os convidados respondem individualmente às questões, podendo

adicionar justificativas e opiniões. As respostas são analisadas estatisticamente, excluindo ou

incluindo novos itens e as perguntas são repetidas no ciclo seguinte para que os respondentes

reavaliem suas respostas, com base nos resultados e justificativas dadas pelo grupo na rodada

anterior. Este processo é repetido várias vezes até que a divergência de opiniões esteja reduzida a

um nível satisfatório, quando então se diz que foi obtido um consenso entre os especialistas 13.

Assim, com a resposta da última rodada foram obtidos os instrumentos das medicações inadequadas

para o uso em pessoas com 60 anos ou mais.

Todas as listas de medicações inadequadas para idosos apresentam como principal limitação uma

rápida desatualização, pela constante retirada e inclusão de medicamentos no mercado

30

farmacêutico e, além disso, a mais utilizada de todas (Critério de Beers) não sugere alternativas

terapêuticas mais seguras para os idosos, como o faz as mais recentes listas desenvolvidas em 1997

no Canadá e em 2007 na França 12. Também, não são feitos estudos envolvendo eficácia, doses

apropriadas, possíveis resultados negativos e sua probabilidade de ocorrência, associados à

prescrição de medicamentos inadequados. Apesar de não identificar todos os medicamentos

inadequados bem como as conseqüências de seu uso, essas listas reúnem os principais casos

encontrados na prática clínica e servem como guia para os profissionais da saúde. Porém, ser

inadequado não significa que se trata de uma contra-indicação absoluta, é preciso considerar a

relação risco/benefício para cada paciente devido às possíveis co-morbidades, estado funcional,

prognósticos e medicamentos em uso.

As listas de medicamentos considerados inadequados para o uso em idosos descritas neste artigo

poderão ser encontradas na íntegra na base de dados PUBMED.

Critérios de Beers

O Critério de Beers é o método mais utilizado para avaliar as características, com relação aos efeitos,

dos medicamentos prescritos aos idosos. Este método foi primeiramente desenvolvido em 1991,

baseado no estudo de idosos institucionalizados nos Estados Unidos 11, 14. Houve atualizações

posteriores em 1997 para torná-lo mais aplicável, incluindo no estudo os idosos não

institucionalizados, e mais recentemente em 2002 para incluir novas informações, avaliar potenciais

efeitos adversos e incluir novos medicamentos cujo uso não é indicado em pacientes idosos 15.

A primeira lista desenvolvida por Beers et al 14 em 1991 era composta de 19 medicamentos

inadequados e 11 medicamentos cuja dose, freqüência de uso e duração do tratamento eram

inadequadas para pessoas com 65 anos ou mais. A lista atualizada em 1997 constava de 28

medicamentos a serem evitados devido à sua inadequação e 35 medicamentos inadequados para 15

condições patológicas específicas 16. A mais recente lista, atualizada em 2002, selecionou os

medicamentos a serem incluídos através de uma revisão sistemática para depois enviar aos

especialistas e obter um consenso. Ela consta de 48 medicamentos que devem ser evitados em

pessoas idosas por serem inadequados e medicamentos não adequados para 20 condições

patológicas específicas 16, 17.

No Brasil, em 2008, foi analisada a lista de medicamentos genéricos, publicada no Diário Oficial da

União em 12 de julho de 2004, e comprovada a aplicabilidade do instrumento ao constatar a

presença de 6,7% do total de medicamentos da lista, incluídos nos critérios de Beers-Fick para

31

medicamentos inadequados em idosos. Entretanto, faz ressalvas ao apontar o uso comum de

antitussígenos, cinarizina, diltiazem, piracetam, quinolonas, xantinas, cremes, pomadas e colírios, os

quais não fazem parte do instrumento, mas necessitam de cautela na sua prescrição 18.

Apesar de necessitar de periódicas atualizações para continuar sendo válido, este instrumento

possui fácil aplicação, memorização e pode ser utilizado em diversos idiomas. Sugere-se a

possibilidade de considerar o uso de medicamentos fitoterápicos, gravidade da doença, diagnóstico

e medidas não farmacológicas 16, 18.

Medicamentos inapropriados para uso em idosos: Lista Francesa

No ano de 2006 na França, de modo semelhante ao critério proposto por Beers et al 14 anos antes,

foi realizado um consenso entre especialistas de várias áreas para estabelecer uma lista de

medicamentos inadequados para idosos deste país.

Para tanto, cada critério do questionário foi avaliado segundo a escala Likert de 1 a 5 pontos, onde 1

significa “total acordo com a inadequação” e 5 “total desacordo com a inadequação”. Os itens com

escore 1 e 2 foram mantidos na lista, enquanto os itens 4 e 5 foram excluídos; os itens com escore 3

(opinião duvidosa) foram apresentados novamente aos especialistas em outro momento. Também

foi estabelecido para qual idade essa lista teria aplicação. O questionário era composto de duas

categorias: medicamentos que devem ser evitados em idosos por não serem efetivos ou induzirem

algum tipo de risco e medicamentos que devem ser utilizados apenas em condições médicas

específicas 12.

A lista resultante identifica 34 medicamentos de prescrição inadequada para pessoas com mais de

75 anos, pois nesta idade as mudanças farmacocinéticas e farmacodinâmicas são mais significativas

para alterar a resposta dos medicamentos do que em idades mais jovens. Entre os medicamentos

encontrados, 25 foram considerados impróprios devido à relação risco/benefício desfavorável, 1

medicamento teve sua eficácia considerada questionável e 8 com relação risco/benefício

desfavorável e eficácia questionável 12.

De todos os medicamentos ou classes de medicamentos apresentados na lista francesa, apenas

alguns fazem parte da lista proposta por Beers, pois foram excluídos aqueles não disponíveis na

França (pentazocina, trimetobenzamida, flurazepam, meperidina, orfenadrina, guanadrel,

32

isoxsurpina, doxazosina, tioridazina, mesoridazina, ácido etacrínico e tireóide dessecada) ou

considerados prejudiciais e não efetivos (todos os barbitúricos, excluindo apenas o fenobarbital).

Diferentemente da lista de Beers, na lista proposta para a França não são utilizados estrógenos sem

associação com progesterona para a menopausa, fenilbutazona foi incluída por induzir efeitos

hematolíticos, fluoxetina não foi considerada maior indutora de problemas que qualquer outro

inibidor da recaptação de serotonina e amiodarona foi considerada efetiva e capaz de induzir efeitos

adversos como outros antiarrítmicos. Esta lista adiciona, além de vários medicamentos propostos

por Beers, o uso de dois ou mais antiinflamatórios não esteroidais, dois ou mais medicamentos

psicotrópicos da mesma classe terapêutica e alguns outros medicamentos com propriedades

anticolinérgicas 12.

Medicamentos inapropriados para o uso em idosos: Lista Canadense

Esse estudo foi desenvolvido através do método Delphi modificado, no Centro Médico Acadêmico

no Canadá, em 1997, por McLeod et al (17), e discorda em relação a alguns medicamentos

considerados por Beers inapropriados para o uso em pessoas idosas. É o caso dos anti-hipertensivos

reserpina e clortalidona, da amitriptilina e do hipoglicemiante oral clorpropamida. Os autores

também criticam a lista de Beers pela inclusão de medicamentos que estão em desuso, como

ciclandelato, propoxifeno e isoxsuprina 19.

Inicialmente, desenvolveu-se uma lista com 38 práticas inadequadas, classificadas nas categorias de

medicamentos contra-indicados devido à relação risco-benefício, medicamentos que podem causar

interações com outros medicamentos e/ou interações com doenças e, posteriormente, essa lista foi

enviada aos membros da equipe do consenso que julgaram as prescrições segundo as seguintes

alternativas: possibilidade de aumento do risco de efeitos adversos, disponibilidade de terapias

alternativas com efetividade igual ou superior e menor risco e, probabilidade da redução dessa

prática conseguir diminuir a morbidade entre pessoas idosas. Com isso, foi possível gerar outra lista,

agora com 71 práticas de prescrição de medicamentos para idosos, em que a condição clínica era

descrita e uma terapia alternativa era sugerida para o caso. 19.

Para a avaliação da significância clínica das prescrições, os respondentes utilizaram uma escala de 1

a 4 (1=sem significância e 4=altamente significante) e emitiram seu parecer sobre a terapia

33

alternativa proposta. A média de significância clínica variou de 2,53 a 3,83 e a variação da proporção

de acordo ou desacordo com a terapia sugerida foi pequena 19.

Neste instrumento encontram-se apenas as prescrições classificadas com média de significância

clínica igual ou maior que 3,0 e elas estão organizadas de acordo com a prescrição de medicamentos

para o tratamento de doenças cardiovasculares, prescrição de medicamentos psicotrópicos,

prescrição de AINES e outros analgésicos e prescrição de diferentes medicações. Das 38 práticas

descritas no instrumento, 18 envolvem medicamentos contra-indicados para pessoas idosas devido

à desfavorável relação risco-benefício, 16 envolvem interações medicamento-doença e 4 envolvem

interações medicamento-medicamento, sendo estas considerações as principais diferenças quando

comparada com a lista desenvolvida por Beers 19.

Índice De Adequação Da Medicação (Medication Appropriateness Index - MAI)

Para prescrever um medicamento de forma apropriada, o médico deve entender sobre a patologia

diagnosticada, a farmacologia do medicamento a ser prescrito, assim como deve considerar as

particularidades da fisiologia e farmacologia do organismo que irá receber o medicamento. Caso a

prescrição não esteja adequada, esta poderá conter medicamentos desnecessários, não efetivos,

prejudiciais, inviáveis e/ou muito caros, que geralmente contribuem para maior morbidade,

internações e despesa para os pacientes. Como forma de garantir a qualidade das prescrições

medicamentosas, desenvolveu-se um instrumento que avalia os elementos de uma prescrição e é

aplicável para vários medicamentos, cenários e condições clínicas. Este instrumento, chamado de

Índice de Adequação da Medicação - MAI (Anexo 2), foi elaborado por um farmacêutico clínico e

um médico geriátrico, com base na revisão da literatura (MEDLINE) sobre medidas de avaliação ou

escalas de avaliação da medicação 20 e, posteriormente, foi validado por Samsa et al 21, anos mais

tarde.

O artigo que traz este instrumento, publicado por Joseph Hanlon et al (12) em 1992, primeiramente

avaliou as prescrições medicamentosas de 10 pacientes idosos ambulatoriais, selecionados

aleatoriamente, que recebiam cinco ou mais medicamentos e eram regularmente atendidos numa

clínica de medicina interna nos Estados Unidos, para verificação da confiabilidade do MAI. Depois,

34

dois farmacêuticos com especialização em geriatria selecionaram outra amostra de 10 pacientes

geriátricos ambulatoriais, atendidos na mesma clínica médica e que utilizavam cinco ou mais

medicamentos regularmente para verificação da generalização do instrumento. Para análise dos

resultados foram utilizados cálculos estatísticos de confiabilidade interclasse e intraclasse (kappa),

de modo que o medicamento era considerado como completamente adequado combinando as 10

classificações e completamente inadequado se um ou mais itens recebessem classificação “3” 20.

Neste instrumento a prescrição é avaliada quanto a possíveis problemas relacionados aos

medicamentos segundo 10 critérios essenciais: indicação (sinal, sintoma, doença ou condição para

prescrição), efetividade (produção de resultado benéfico), dose (total de medicamentos tomados

em 24 horas), administração (instruções para uso correto de um medicamento), comodidade /

praticidade (capacidade de ser usado ou colocado em prática), interações medicamento-

medicamento (efeito que a administração de um medicamento tem em outro, geralmente

prejudicial), interação medicamento-doença (efeito que um medicamento tem em uma doença ou

condição pré-existente, geralmente prejudicial), duplicidade terapêutica (prescrição não benéfica ou

arriscada de dois ou mais medicamentos de mesma classe farmacológica ou química), duração

(período de tempo do tratamento) e custo (custo de um medicamento em comparação com outros

agentes de igual eficácia e segurança). O índice segue uma escala de 3 pontos, onde 1 significa “uso

apropriado do medicamento”, 2 “uso limitadamente apropriado do medicamento”, 3 “uso

inapropriado do medicamento” e 9 “não sei”. Deste modo, a pontuação total por paciente se obtém

pela soma da pontuação de cada um dos elementos analisados para cada medicamento, sendo que

quanto mais alta a pontuação obtida na escala de 1 a 3, mais inapropriada a prescrição para o

paciente idoso 16, 20, 22. Muitas vezes, pode não ser possível avaliar determinados itens no momento

da aplicação do instrumento, a exemplo do item efetividade; neste caso, o profissional deve

assinalar o 9 “não sei” a fim de não interferir no resultado, já que a avaliação é obtida apenas pelo

somatório na escala de 1 a 3 pontos.

Trata-se de um método com instruções operacionais fáceis e úteis para revisar um grande número

de medicamentos utilizados pelos pacientes idosos. Entretanto, possui algumas desvantagens como

a de não incluir em sua escala a presença de RAM (exceto aquelas provocadas por interações

medicamento-medicamento e medicamento-doença), devido, segundo o autor, à existência de

algoritmos próprios para isso; não incluir a presença de problema de saúde não tratado, qualidade

de vida e não adesão ao tratamento; além de o tempo despendido para revisar cada medicamento

35

ser de aproximadamente 10 minutos, o que pode impossibilitar sua aplicação em locais muito

movimentados 16, 20, 22.

Instrumento Para Previsão De Reações Adversas A Medicamentos

Este instrumento foi elaborado a partir de um estudo envolvendo 186 idosos com idade igual ou

superior a 60 anos, realizado pela enfermaria da Clínica Médica do Centro Hospitalar Municipal de

Santo André, no período de 2002 a 2004. Foram excluídos do estudo os pacientes intubados, em

coma ou já internados em outros setores do hospital, os quais possuíam condição clínica que não

permitiria a coleta de dados para a pesquisa e identificação de Reações Adversas a Medicamentos

(RAM), as quais foram classificadas conforme a gravidade e mecanismo. Os dados coletados se

referiam à idade, sexo, escolaridade, história prévia de RAM ou de etilismo, diagnósticos, doses e

uso de medicamentos inapropriados, avaliados conforme Critério de Beers, resultados do Mini-

Exame do Estado Mental e da Escala de Atividades da Vida Diária, datas de internação, óbito e/ou

alta, descrição de intercorrências ou complicação e exames complementares. Cada possível RAM

identificada neste estudo foi avaliada conforme seu grau de probabilidade, através do algoritmo de

Naranjo 23.

Do total dos pacientes avaliados 61,8% apresentaram pelo menos uma RAM no período em que

estiveram internados, o que dá uma média de no mínimo 1 e no máximo 8 RAM para cada paciente,

os quais apresentaram as seguintes características: idade entre 70-79 anos, maior número de

diagnósticos e medicações prescritas, tempo de internação maior e uso dos seguintes

medicamentos: furosemida, clortalidona, captopril, ciprofloxacino, eritromicina, insulina NPH,

glibenclamida, tenoxicam e diclofenaco 23.

A partir do modelo de regressão logística, fixou-se a possibilidade de ocorrência de RAM em 50% e

elaborou-se o Instrumento de Previsão de RAM em Idosos (Anexo 3). A partir do número de

diagnósticos, número de medicamentos e uso ou não de medicamentos inapropriados, é possível

determinar o valor de corte da quantidade de medicamentos utilizados, de modo que se for

ultrapassado esse valor, o paciente apresentará probabilidade superior a 50% de desenvolver uma

RAM. Por exemplo, se o paciente apresenta somente um diagnóstico e não usa nenhum

medicamento inapropriado, só terá risco aumentado de RAM caso lhe seja prescrito número

36

superior a 18 medicamentos; porém, se utilizar algum medicamento inadequado e apresentar mais

de três diagnósticos entrará para o grupo de maior risco à RAM, independentemente do número de

medicamentos. A sensibilidade deste instrumento é de 88,7% e a especificidade de 40,8% 23.

Caso durante a avaliação seja identificado risco elevado de desenvolver RAM, o profissional de saúde

deverá realizar o acompanhamento do paciente, reavaliando indicações e doses dos medicamentos,

nível sérico (quando aplicável) e então decidir entre suspender a medicação, diminuir a dose ou

associar algum outro medicamento 23.

CONCLUSÕES

A revisão dos principais instrumentos de avaliação da farmacoterapia no idoso contidos neste artigo

pode auxiliar os profissionais da saúde, inclusive o farmacêutico, pois consideram os diversos

medicamentos comumente prescritos e determinadas condições clínicas destes pacientes, além de

acelerar o tempo para detecção de um PRM.

A contribuição deste artigo encontra-se, demonstrando ao profissional farmacêutico as possíveis

inadequações da farmacoterapia nos idosos e suas conseqüências do ponto vista do paciente,

instigar o desejo de melhoria na qualidade do atendimento nas farmácias. A aplicabilidade dos

instrumentos aqui propostos poderá ser avaliada em novos estudos e pelos farmacêuticos durante

sua prática clínica, tanto na dispensação e aconselhamento dos pacientes, como na monitorização e

avaliação dos resultados do tratamento.

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23. Passarelli MCG, Jacob Filho W. Reações adversas a medicamentos em idosos: como prevê-las? Einstein. 2007;5(3):246-51.

38

ANEXO 1

INSTRUMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DA DISCREPÂNCIA DA MEDICAÇÃO (MEDICATION DISCREPANCE TOOL - MDT) Esta ferramenta é projetada para facilitar a concordância do regime medicamentoso entre diversos âmbitos e prescritores DESCRIÇÃO DA DISCREPÂNCIA ENCONTRADA (Completar um formulário para cada discrepância)

CAUSAS E CONTRIBUIÇÃO DE FATORES (Marque tudo que seja aplicável) O texto em itálico sugere a perspectiva que o paciente tem e/ou intenção pretendida Em relação ao paciente: ( ) Reação adversa a medicamento ou parte dos efeitos ( ) Intolerância ( ) A prescrição não foi atendida (o paciente não foi comprar ou não tinha o medicamento) ( ) A prescrição não foi necessária ( ) Dinheiro/barreiras financeiras ( ) Não adesão intencional “Foi dito para eu tomar disso, mas eu escolho não fazer isso” ( ) Não adesão não intencional (p. ex. falta de conhecimento) “Eu não estou entendendo como tomar esse medicamento” ( ) Falta de habilidade em como usar o medicamento “Talvez alguém tenha me mostrado, mas eu não consigo demonstrar para você que eu posso” Em relação ao sistema: ( ) Prescrições com alergias /intolerâncias conhecidas ( ) Informação conflitante para diferentes fontes de informação; Por exemplo, informações de alta indicando uma ação e dizer outra no frasco de comprimidos. ( ) Confusão entre nomes de marca e genérico ( ) Informação de alta incompleta/inexata/ilegível Ou o paciente não é capaz de compreender a caligrafia ou a informação não é escrita em ordem. ( ) Duplicação; Tomar vários medicamentos com a mesma ação sem nenhum fundamento. ( ) Dosagem errada ( ) Quantidade errada ( ) Rótulo errado ( ) Deficiência cognitiva não diagnosticada ( ) Falta de cuidado/necessidade de assistência não identificada ( ) Limitações da visão/destreza não identificada RESOLUÇÃO (marque tudo que seja aplicável) ( ) Recomendar parar de tomar/começar tomar/mudar o modo de utilização dos medicamentos ( ) Discutir benefícios potenciais e danos que a não adesão pode produzir ( ) Incentivar o paciente a ligar para um especialista ou clínico geral sobre o problema ( ) Incentivar o paciente a marcar consulta com um especialista ou clínico geral para discutir o problema ( ) Incentivar o paciente a falar com o farmacêutico sobre o problema ( ) Orientar o paciente (falta de conhecimento/habilidade para uso correto do medicamento) ( ) Providenciar recurso de informação para facilitar a adesão (ex. material impresso) ( ) Outros___________________________________________________________

Smith J. D, Coleman E. A, Min S. J., 2004 10.

39

ANEXO 2

ÍNDICE DE ADEQUAÇÃO DA MEDICAÇÃO (MEDICATION APPROPRIATENESS INDEX - MAI)

Para avaliar se o medicamento é apropriado, favor responder as seguintes questões e circular a pontuação (escore) aplicável:

1. Existe uma indicação para o medicamento? Comentários:

1 2 3 9 Indicado Não indicado Não sei

2. O medicamento é efetivo para a condição? Comentários:

1 2 3 9 Efetivo Não efetivo Não sei

3. A dosagem é correta? Comentários:

1 2 3 9 Correta Incorreta Não sei

4. As admistrações são corretas? Comentários:

1 2 3 9 Correta Incorreta Não sei

5. As admistrações são práticas? Comentários:

1 2 3 9 Prática Não práticas Não sei

6. Existem interações medicamento-medicamento clinicamente significantes? Comentários:

1 2 3 9 Significante Insignificante Não sei

7. Existem interações medicamento- doença/ problema de saúde clinicamente significantes? Comentários:

1 2 3 9 Significante Insignificante Não sei

8. Existe duplicação desnecessária com outros medicamentos? Comentários:

1 2 3 9 Necessária Desnecessária Não sei

9. A duração do tratamento é aceitável? Comentários:

1 2 3 9 Aceitável Inaceitável Não sei

10. Este medicamento é a alternativa de menor custo em comparação a outros medicamentos com a mesma utilidade? Comentários:

1 2 3 9 Menos caro Mais caro Não sei

INTERPRETAÇÃO: O índice segue uma escala de 3 pontos, onde 1 significa “uso apropriado do

medicamento”, 2 “uso limitadamente apropriado do medicamento”, 3 “uso inapropriado do

medicamento” e 9 “não sei”. A pontuação total se obtém pela soma da pontuação de cada um dos

elementos analisados para cada medicamento, sendo que quanto mais alta a pontuação na escala

de 1 a 3, mais inapropriada a prescrição para o paciente idoso.

Hanlon JT, Schmader KE, Samsa GP, Weinberger M, Uttech KM, Lewis IK, et al., 1992 20.

40

ANEXO 3

INSTRUMENTO DE PREVISÃO DE RAM* EM IDOSO

Uso de medicamento inapropriado

Número de diagnósticos Não Sim

1 18 9

2 15 6

3 11 2

4 7 0

5 4 0

* RAM=reações adversas a medicamentos

INTERPRETAÇÃO: Se ultrapassar esses valores de corte obtidos, o paciente apresentará probabilidade

superior a 0,5 de desenvolver uma RAM (possibilidade fixada de RAM=0,5). Exemplo, se o paciente

apresenta um diagnóstico e não usa nenhum medicamento inapropriado, terá risco aumentado de

RAM caso lhe seja prescrito número superior a 18 medicamentos; porém, se utilizar algum

medicamento inadequado e apresentar mais de três diagnósticos entrará para o grupo de maior risco

à RAM, independentemente do número de medicamentos.

Passarelli MCG, Jacob Filho W., 2007 23.

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CRITÉRIO DE BEERS PARA MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS EM IDOSOS, INDEPENDENTE DO DIAGNÓSTICO OU CONDIÇÃO CLÍNICA

Medicamento Preocupação Avaliação de

severidade (alta ou baixa)

Ácido etacrínico Risco de potencial hipertensão e desequilíbrio de líquidos. Avaliar alternativas mais seguras.

Baixa

Aines não seletivos de COX (uso prolongado de dosagem máxima, meia vida prolongada): naproxeno, oxaprozim e piroxicam

Possui potencial para produzir sangramento gastrintestinal, insuficiência renal, aumento da pressão arterial e insuficiência cardíaca.

Alta

Amiodarona Associada com problemas com o intervalo QT e risco de produzir torsades de pointes. Escassa eficácia em anciãos.

Alta

Amitriptilina, clordiazepóxido-amitriptilina e perfenazina-amitriptilina

Devido à suas potentes propriedades anticolinérgica e sedativa, amitriptilina raramente é o antidepressivo de escolha para pacientes idosos.

Alta

Anfetamina (excluindo metilfenidato e anorexígenos)

Efeitos adversos estimulantes do SNC. Alta

Anfetaminas e agentes anorexígenos

Esses medicamentos possuem um potencial para causar dependência, hipertensão, angina e infarto do miocárdio.

Alta

Anticolinérgicos e antihistamínicos: clorfeniramina, difenidramina, hidroxizina, ciproheptadina, prometazina, tripelenamina, dexclorfeniramina

Todos os antihistamínicos sem prescrição e muitos com prescrição podem ter potentes propriedades anticolinérgicas. São preferidos antihistamínicos não anticolinérgicos para o tratamento de reações alérgicas em pacientes idosos.

Alta

Antiespasmódico gastrintestinal: diciclomina, hiosciamina, propantelina, alcalóides de belladona e clidínio-clordiazepóxido

Medicamentos antiespasmódicos gastrintestinais são altamente anticolinérgicos e possuem efetividade incerta. Esses medicamentos devem ser evitados (especialmente para uso prolongado).

Alta

Barbitúricos (exceto fenobarbital) exceto quando usado para o controle da epilepsia

São altamente aditivos e causam mais efeitos adversos que a maioria dos medicamentos sedativos ou hipnóticos em pacientes idosos.

Alta

Benzodiazepínicos de ação curta: doses maiores que lorazepam, 3mg; oxazepam, 60mg; alprazolam, 2mg; temazepam, 15mg e triazolam, 0,25mg

Devido à sensibilidade aumentada aos benzodiazepínicos em pacientes idosos, doses pequenas podem ser efetivas e seguras. A dose diária total raramente deve exceder a máxima recomendada.

Alta

Benzodiazepínicos de ação longa: clordiazepóxido, clordiazepóxido-amitriptilina, clidínio- clordiazepóxido, diazepam, quazepam, halazepam e clorazepato

Estes medicamentos possuem meia vida longa em pacientes idosos (muitas vezes vários dias), produzindo sedação prolongada e aumento do risco de quedas e fraturas. Benzodiazepínicos de ação curta e intermediária são preferidos se um benzodiazepínico for necessário.

Alta

Ciclandelato Falta de eficácia. Baixa Cimetidina Efeitos adversos do SNC incluindo confusão. Baixa Clonidina Risco de potencial hipotensão ortostática e efeitos adversos do SNC. Baixa Clorpropamida Apresenta meia vida prolongada em pacientes idosos e pode causar hipoglicemia

prolongada. É o único agente hipoglicemiante oral que causa síndrome da secreção inadequada de hormônio antidiurético (SIADH).

Alta

Tireóide dessecada Interesse sobre efeitos cardíacos. Avaliar alternativas mais seguras. Alta

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Medicamento Preocupação Avaliação de

severidade (alta ou baixa)

Difenidramina Pode causar confusão e sedação. Não deveria ser usado como hipnótico, e quando usado para o tratamento de reações alérgicas de emergência, deve ser usado na mais baixa dose possível.

Alta

Digoxina (não deve exceder >0.125mg/dia exceto no tratamento de arritmias atriais)

A diminuição da depuração renal pode levar ao aumento do risco de efeitos tóxicos. Baixa

Dipiridamol de ação curta. Não considerar dipiridamol de ação longa (os quais têm melhores propriedades que os de ação curta em idosos) exceto em pacientes com válvulas cardíacas artificiais

Pode causar hipotensão ortostática. Baixa

Disopiramida De todos os medicamentos antiarrítmicos, este é o mais potente inotrópico negativo e, além disso, pode induzir insuficiência cardíaca em pacientes idosos. É também fortemente anticolinérgico. Outros antiarrítmicos devem ser usados.

Alta

Doxazosina Risco de potencial hipotensão, secura na boca e problemas urinários. Baixa Doxepina Devido a suas potentes propriedades anticolinérgica e sedativa, doxepina raramente é

o antidepressivo de escolha para pacientes idosos. Alta

Estrógenos em tratamento isolado (oral)

Evidência de potencial carcinogenicidade desses agentes (câncer de mama e endometrial) e falta de efeito cardioprotetor em mulheres idosas.

Baixa

Fluoxetina diariamente Medicamento de longa meia vida e risco de produzir estimulação excessiva do SNC, distúrbios do sono e aumento da agitação. Avaliar alternativas mais seguras.

Alta

Flurazepam Esse benzodiazepínico hipnótico tem uma meia vida extremamente longa em pacientes idosos (muitas vezes dias), produzindo prolongada sedação e aumento da incidência de quedas e fraturas. Benzodiazepínicos de ação média ou curta são preferidos.

Alta

Guanadrel Pode causar hipotensão ortostática. Alta Guanetidina Pode causar hipotensão ortostática. Existem alternativas seguras. Alta Indometacina De todos os AINES disponíveis, é o que produz mais efeitos adversos sobre o SNC. Alta Isoxsurpina Falta de eficácia. Baixa Cetorolaco O uso imediato ou prolongado deve ser evitado em pessoas idosas, devido um

número significativo apresentar condições patológicas gastrintestinais assintomáticas. Alta

Laxativos estimulantes (uso prolongado): bisacodil, cáscara sagrada e óleo de rícino, exceto na presença do uso de analgésico opiáceo

Pode exacerbar disfunção intestinal. Alta

Meperidina Em doses comumente usadas, não é um analgésico oral efetivo. Pode causar confusão e apresenta mais desvantagens que outros medicamentos narcóticos.

Alta

Meprobamato É altamente aditivo e um ansiolítico sedativo. O uso de meprobamato durante períodos prolongados pode necessitar de retirada lentamente.

Alta

Mesilato decodergocrina (Hydergine)

Pode não se apresentar efetivo nas doses estudadas. Baixa

Mesoridazina Efeitos adversos extrapiramidais e sobre o SNC. Alta Metildopa e metildopa-hidroclorotiazida

Pode causar bradicardia e exacerbar depressão em pacientes idosos. Alta

Metiltestosterona Risco de potencial hipertrofia prostática e problemas cardíacos. Alta Nifedipino de ação curta Potencial hipotensão e constipação. Alta Nitrofurantoína Risco de potencial dano renal. Avaliar alternativas mais seguras. Alta Óleo mineral Possibilidade de aspiração e efeitos adversos. Avaliar alternativas seguras

disponíveis. Alta

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Medicamento Preocupação Avaliação de

severidade (alta ou baixa)

Orfenadrina Causa mais sedação e efeitos adversos anticolinérgicos que alternativas seguras. Alta Pentazocina Analgésico narcótico com mais efeitos adversos sobre o SNC, incluindo confusão e

alucinações, mais comumente que outros medicamentos narcóticos. Além disso, é uma mistura de agonista e antagonista.

Alta

Propoxifeno e associações Oferece poucas vantagens analgésicas frente ao acetaminofeno, ainda que tenha os efeitos adversos dos outros medicamentos narcóticos.

Baixa

Relaxantes musculares e antiespasmódicos: metocarbamol, carisoprodol, clorzoxazona, metaxalona, ciclobenzaprina e oxibutinina. Não considerar as formas de liberação retardada

A maioria dos relaxantes musculares e medicamentos antiespasmódicos são pobremente tolerados pelos pacientes idosos, devido seus efeitos adversos anticolinérgicos, sedação e debilidade. Além disso, é questionável a efetividade de doses toleradas em pacientes idosos.

Alta

Reserpina a doses >0.25mg Pode induzir depressão, impotência, sedação e hipotensão ortostática. Baixa Sulfato de ferro >325mg/dia Doses >325mg/dia não aumentam drasticamente a quantidade de ferro absorvido, no

entanto, aumentam grandemente a incidência de constipação. Baixa

Ticlopidina Tem demonstrado não ser melhor que a aspirina na prevenção de trombo e pode ser consideravelmente mais tóxico. Existem alternativas mais seguras.

Alta

Tioridazina Grande potencial de efeitos adversos sobre o SNC e extrapiramidais. Alta Trimetobenzamida Um dos medicamentos antieméticos menos efetivos, já que pode causar efeitos

adversos extrapiramidais. Alta

FONTE: FICK, D. M; BEERS, M. H; et al, 2003.

CRITÉRIO DE BEERS PARA MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS EM IDOSOS,

CONSIDERANDO DIAGNÓSTICO OU CONDIÇÃO CLÍNICA

Doença ou Condição Medicamento Preocupação Avaliação de severidade

(alta ou baixa)Insuficiência cardíaca Disopiramida e medicamentos contendo

elevado conteúdo de sódio (sódio e sais de sódio [bicarbonato alginato, bifosfato, citrato, fosfato, salicilato e sulfato])

Efeito inotrópico negativo. Pode promover retenção de líquidos e exacerbação da insuficiência cardíaca

Alta

Hipertensão Cloridrato de fenilpropanolamina (retirada do mercado em 2001), pseudoefedrina; comprimidos para emagrecer e anfetaminas

Pode produzir elevação da pressão sanguínea secundária à atividade simpatomimética

Alta

Úlcera duodenal ou gástrica Aspirina e AINEs (>325mg) (coxibes excluídos)

Pode exacerbar úlceras existentes ou produzir novas ulcerações

Alta

Convulsão ou epilepsia Clozapina, clorpromazina, tioridazina e tiotixeno

Pode diminuir o limiar para convulsões Alta

Desordens de coagulação sanguínea ou uso de terapia anticoagulante

Aspirina, AINEs, dipiridamol, ticlopidina e clopidogrel

Pode prolongar o tempo de coagulação e elevar os valores de RNI (relação de normatização internacional) ou inibir a agregação plaquetária, resultando em aumento do risco de hemorragia

Alta

Obstrução do fluxo urinário Anticolinérgicos e antihistamínicos, antiespasmódico gastrintestinal, relaxante muscular, oxibutinina, flavoxato, antidepressivo, descongestionantes e tolterodina

Pode diminuir o fluxo urinário, conduzindo a retenção urinária

Alta

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Doença ou Condição Medicamento Preocupação Avaliação de severidade

(alta ou baixa)Incontinência urinária Alfabloqueadores (doxazosina, prazosina e

terazosina), anticolinérgicos e antidepressivos tricíclicos (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina) e benzodiazepínicos de ação longa

Pode produzir poliúria e agravamento da incontinência

Alta

Arritmias Antidepressivos tricíclicos: (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina)

Preocupação devido a efeitos pró-arritimicos e capacidade de produzir mudanças no intervalo QT

Alta

Insônia Descongestionantes, teofilina, metilfenidato, inibidores da monoamina oxidase e anfetaminas

Preocupação devido aos efeitos estimulantes do SNC

Alta

Doença de Parkinson Metoclopramida, antipsicóticos clássicos e tacrina

Preocupação devido aos seus efeitos colinérgicos e antidopaminérgicos

Alta

Deficiência cognitiva Barbitúricos, anticolinérgicos, antiespasmódicos e relaxantes musculares. Estimulantes do SNC: dextroanfetamina, metilfenidato, metanfetamina, pemolina

Preocupação devido aos efeitos de alteração no SNC

Alta

Depressão Uso prolongado de benzodiazepínicos. Uso de agentes simpatolíticos: metildopa, reserpina e guanitidina

Pode induzir ou exacerbar a depressão Alta

Anorexia e má nutrição Estimulantes do SNC: dextroanfetamina, metilfenidato, metanfetamina, pemolina e fluoxetina

Preocupação devido aos efeitos de supressão do apetite

Alta

Síncope ou quedas Benzodiazepínicos de ação curta ou intermediária e antidepressivos tricíclicos (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina)

Pode produzir ataxia, prejuízo na função psicomotora, síncope e quedas adicionais

Alta

Síndrome da secreção inadequada de hormônio antidiurético/hiponatremia (SSIHA)

Inibidores da recaptação de serotonina: fluoxetina, citalopram, fluvoxamina, paroxetina e sertralina

Pode exacerbar ou causar secreção inadequada de hormônio antidiurético

Baixa

Doenças convulsivas Bupropiona Pode diminuir o limiar de convulsão Alta Obesidade Olanzapina Pode estimular o apetite e aumentar o

ganho de peso Baixa

Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

Benzodiazepínicos de ação longa: Clordiazepóxido, clordiazepóxido-amitriptilina, clinídio-clordiazepóxido, diazepam, quazepam, halazepam e clorazepato. Betabloqueadores: propranolol

Efeitos adversos no SNC. Pode induzir depressão respiratória. Pode exacerbar ou causar depressão respiratória

Alta

Constipação crônica Bloqueador de canal de cálcio, anticolinérgicos e antidepressivo tricíclico (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina)

Pode exacerbar a constipação Baixa

FONTE: FICK, D. M; BEERS, M. H; et al, 2003.

Página 1 de 3 LISTA DE MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS PARA A POPULAÇÃO

FRANCESA DE 75 ANOS DE IDADE OU MAIS Critério Razões Medicamento alternativo

RELAÇÃO RISCO/BENEFÍCIO DESFAVORÁVEL Analgésicos: 1- Indometacina Severos efeitos adversos no SNC. Medicamento de

segunda escolha AINE, exceto fenilbutazona

2- Fenilbutazona Severo efeito adverso hematológico. Evitar AINE, exceto indometacina 3- Uso combinado de dois ou mais AINEs Não há aumento da eficácia e há aumento do risco de

efeito adverso Uso de somente um AINE

Medicamentos com propriedades anticolinérgicas: 4- Antidepressivos anticolinérgicos: clomipramina, amoxapina, amitriptilina, maprotilina, dosulepina, doxepina, trimipramina, imipramina

Agentes bloqueadores muscarínicos com cardiotoxicidade quando tomar dose excessiva. Tricíclicos às vezes mais ativos que inibidor seletivo da recaptação de serotonina, mas sua relação risco/benefício é menos favorável em idosos. Medicamentos de segunda escolha

Inibidor seletivo da recaptação de serotonina, inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina

5- Antipsicóticos: clorpromazina, flufenazina, propericiazina, levomepromazina, pipotiazina, ciamemazina, perfenazina

Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Medicamentos de segunda escolha

Antipsicóticos atípicos com menor atividade anticolinérgica (clozapina, risperidona, olanzapina, amisulprida, quetiapina), meprobamato

6- Hipnóticos anticolinérgicos: doxilamina, aceprometazina, alimemazina

Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Deficiência cognitiva

Dose de benzodiazepínicos de meia vida curta ou intermediária < que a metade da dose dada às pessoas jovens

7- Antihistamínicos anticolinérgicos: prometazina, mequitazina, alimemazina, carbinoxamina, hidroxizina, bronfeniramina, dexclorfeniramina, dexclorfeniramina-betametasona, ciproheptadina

Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Sedação, sonolência

Cetirizina, desloratadina, loratadina...

8- Relaxantes musculares anticolinérgicos e antiespasmódicos: oxibutinina, tolterodina, solifenacina

Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Evitar quando possível

Trospium ou outro medicamento com menor atividade anticolinérgica

9- Uso concomitante de medicamentos com propriedades anticolinérgicas

Acentua efeitos adversos Sem associação

Medicamentos sedativos ou hipnóticos: 10- Benzodiazepínicos de ação longa (meia vida>10h): bromazepam, diazepam, clordiazepóxido, prazepam, clobazam, nordazepam, loflazepato, nitrazepam, flunitrazepam, clorazepato-acepromazina, aceprometazina, estolam

Atividade prolongada, aumento da probabilidade da ocorrência de efeitos adversos (sonolência, queda...)

Dose de benzodiazepínicos de meia vida curta ou intermediária < que a metade da dose dada às pessoas jovens

Antihipertensivos: 11- Antihipertensivo de ação central: metildopa, clonidina, moxonidina, rilmenidina, guanfacina

Os anciãos são mais sensíveis a sedação, hipotensão, bradicardia, síncope

Outros medicamentos antihipertensivos, exceto os bloqueadores de canal de cálcio de ação curta e reserpina

12- Bloqueador de canal de cálcio de curta ação: nifedipino, nicardipino

Hipotensão postural, infarto do miocárdio ou ataque fulminante

Outros medicamentos antihipertensivos, exceto antihipertensivos de ação central e reserpina

13- Reserpina Sonolência, depressão, distúrbio gastrintestinal Outros medicamentos antihipertensivos, exceto os bloqueadores de canal de cálcio de ação curta e antihipertensivos de ação central

Antiarrítmicos: 14- Digoxina >0,125mg/dia ou concentração de digoxina sérica >1,2ng.mL-1

Aumento da sensibilidade dos idosos. A dose deve permanecer <0,125mg/dia ou deve ser preferencilamente adaptada para manter a concentração sérica <1,2ng.mL-1

Digoxina <0,125mg/dia ou concentração sérica entre 0,5 e 1,2ng.mL-1

15- Disopiramida Anomalia cardíaca, efeito anticolinérgico Amiodarona, outros antiarrítmicos Medicamentos antiplaquetários: 16- Ticlopidina Efeitos adversos no sangue e no fígado Clopidogrel, aspirina Medicamentos gastrintestinais:

Página 2 de 3 Critério Razões Medicamento alternativo

17- Cimetidina Confusão. Mais interações que com outros medicamentos bloqueadores H2

Inibidores da bomba de prótons e outros antagonistas H2: ranitidina, famotidina, nizatidina

18- Laxativos estimulantes: Bisacodil, docusato, óleo de rícino, picossulfato de sódio, cáscara sagrada, senosídeos, aloe...

Agravamento da síndrome de irritação intestinal Laxativos osmóticos

Hipoglicemiantes: 19- Sulfoniluréias de ação longa: carbutamida, glipizida

Hipoglicemia prolongada Sulfoniluréias de ação curta ou intermediária, insulina, metformina, inibidores da alfa-glicosidase

Outros relaxantes musculares: 20- Metocarbamol, baclofeno, tetrazepam Sonolência, amnésia, queda Tiocolchicoside, mefenesina

COM CONDIÇÕES CLÍNICAS 21- Tumor de próstata, retenção urinária crônica: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34)

Risco aumentado de retenção urinária

22- Glaucoma de ângulo agudo: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34)

Risco aumentado de glaucoma de ângulo agudo

23- Incontinência urinária: urapidil, prazosina

Agravamento da incontinência urinária, hipotensão postural

24- Demência: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34), trihexifenidil, tropatepina, biperidem, neurolépticos, exceto olanzapina e risperidona, benzodiazepínicos

Agravamento da deficiência cognitiva

25- Constipação crônica: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34), antihipertensivos de ação central (critério 11)

Risco de obstrução do intestino, hipotensão postural

EFICÁCIA QUESTIONÁVEL 26- Vasodilatadores cerebrais: diidroergocristina, diidroergocriptina, diidroergotoxina, ginkgo-biloba, moxisilite, naftidrofuril, nicergolina, pentoxifillina, piracetam, piribedil, raubasina-diidroergocristina, troxerrutina-vincamina, vincamina, vincamina-rutosida

Sem eficácia comprovada realmente enquanto hipotensão postural e riscos de queda são aumentados com a maioria dos vasodilatadores

Abstinência terapêutica

RELAÇÃO RISCO/BENEFÍCIO DESFAVORÁVEL E EFICÁCIA QUESTIONÁVEL Medicamentos sedativos ou hipnóticos: 27- Doses de benzodiazepínicos de meia vida curta ou intermediária > que a metade da dose determinada em sujeitos jovens: lorazepam >3mg/dia, oxazepam >60mg/dia, alprazolam >2mg/dia, triazolam >0,25mg/dia, temazepam >15mg/ dia, clotiazepam >5mg/dia, loprazolam >0,5mg/dia, lormetazepam >0,5mg/dia, zolpidem >5mg/dia, zopiclona >3,75mg/dia

Sem eficácia comprovada quando a dose diária é acima da metade prescrita para adultos jovens e aumento dos efeitos adversos

Dose de benzodiazepínicos de meia vida curta ou intermediária < que a metade da dose dada às pessoas jovens

Medicamentos gastrintestinais: 28- Mebrobamato para disfunção gastrintestinal

Sonolência, confusão

29- Medicamentos antiespasmódicos gastrintestinais com propriedades anticolinérgicas: associação com belladona, clidínio bromuro-clordiazepóxido, dihexiverina, difenoxilato-atropina, escopolamina, tiemônio

Sem eficácia comprovada. Agentes bloqueadores muscarínicos

Mebeverina, floroglucinol

Outros medicamentos com propriedades anticolinérgicas:

Página 3 de 3 Critério Razões Medicamento alternativo

30- Antieméticos, supressor da expectoração, descongestionante nasal, ou medicamentos estimulantes (anti-sonolência) com propriedades anticolinérgicas: alizaprida, buclizina, dimenidrinato, difenidramina, meclozina, metopimazina, oxomezina, feniramina, pimetixeno, prometazina, associação triprolidina, clorfenamina...

Sem eficácia comprovada. Agentes bloqueadores muscarínicos. Confusão, sedação

Náusea: domperidona, expectoração: clobutinol, olexadina, sonolência: acetil-leucina, betahistina, rinite: salina

Medicamentos antiplaquetários: 31- Dipiridamol Menos eficiente que aspirina. Vasodilatação e

hipotensão postural Medicamentos antiplaquetários, exceto ticlopidina

Antimicrobiano: 32- Nitrofurantoína Pode induzir insuficiência renal, pneumopatia,

neuropatia periférica, reação alérgica. Resistência bacteriana em caso de uso prolongado

Antibióticos com eliminação renal conforme o antibiograma

ASSOCIAÇÕES MEDICAMENTO-MEDICAMENTO 33- Uso concomitante de dois ou mais medicamentos psicotrópicos da mesma classe terapêutica

Não há aumento da eficácia e há aumento de efeitos adversos

Sem associação

34- Uso concomitante de medicamentos anticolinesterásicos e medicamentos com propriedades anticolinérgicas

Associação sem sentido de dois mecanismos antagonistas

Sem associação

FONTE: LAROCHE, M. L; CHARMES, J. P; MERLE, L., 2007.

41

ATIVIDADE EM GRUPO

Caso 3:

A Sra. S.L., 75 anos, está internada no hospital sem conseguir falar, engolir ou mover o braço e perna

direita, depois de ter desmaiado quando saia para jantar com seu filho. Ela fez uma tomografia

urgente que revelou um acidente vascular cerebral isquêmico.

Ela tem sido tratada para hipertensão arterial e colesterol elevado dos últimos dois anos.

Depois de duas semanas, a senhora S.L. recupera alguns movimentos do braço direito, mas não pode

pegar objetos com sua mão. Sua deglutição foi parcialmente normalizada e ela e pode introduzir

uma dieta suave em sua rotina.

Foi reiniciado seu antigo tratamento medicamentoso, que inclui:

SINVASTATINA 10 MG

ANLODIPINO 5 MG

LOSARTANO 50 MG

ASPIRINA 100 MG

LACTULOSE

SENNE

No dia seguinte, você (farmacêutico) visita a enfermaria e descobre que a senhora deputada SL teve

uma crise epiléptica durante a noite. Ela recebeu Lorazepam como tratamento.

42

ATIVIDADE EM GRUPO

Caso 4:

Eva é uma mulher de 74 anos com histórico de asma, Hipertensão, Hiperlipidemia e Osteoporose.

Ela se apresenta ao médico reumatologista para uma visita de acompanhamento. Ela reclama de

episódios de náuseas que atrapalham muito sua qualidade de vida. Após avaliação da paciente, seu

medico conclui que a osteoporose não está devidamente controlada. Dessa forma o médico

aumenta a dose de CARBONATO DE CÁLCIO de 500 mg para 1000 mg/dia.

PA (165/90 mmHg)

Peso: 65 kg

Altura: 158 cm

TG: 270 mg/dl

LDL: 165 mg/dl

Colesterol Total: 225 mg/dl

Medicação:

CARBONATO DE CÁLCIO 1000 mg/dia

ATENOLOL 50 mg/dia

ATORVASTATINA 10 mg/dia

ASPIRINA 100 mg/dia

SERETIDE DISKUS (salmeterol + fluticasona) (uso quando necessário)

CAPTOPRIL 75 mg/dia

artigo 325

Médico Ortopedista do Grupo de Doenças Osteometabólicas do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC/FMUSP; Presidente do Comitê de Doenças Osteometabólicas e Degenerativas da SBOT e Presidente da Associação Brasileira Ortopédica de Osteometabolismo (ABOOM).

Correspondência: Rua Pernambuco, 88 – 14º andar – 01240-020 – São Paulo, SP – E-mail: [email protected]

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

ARTIGO DE ATUALIzAçãO

Diagnóstico e tratamento Da osteoporose

OsteOpOrOsis diagnOsis and treatment

Márcio Passini Gonçalves de Souza

RESUMO

Um artigo de atualização do conhecimento sobre osteoporose corre o risco de ficar desatualizado precocemente, devido ao grande interesse que o estudo e a pesquisa sobre OP desper-tam hoje nos pesquisadores, nas indústrias farmacêuticas e de equipamentos, nos governos, e até na OMS. Todo ortopedista conhece a OP pelo seu efeito mais deletério, a fratura osteo-porótica (FxOP). Por ser uma patologia de quadro clínico não específico a OP sem fratura não levanta suspeita. A FxOP tem um custo econômico (pelo tratamento), social (por suas seque-las) e médico (por óbitos). Muitas fraturas poderiam ser evita-das pelo diagnóstico da OP antes da primeira fratura e, então, muitas incapacidades temporárias e definitivas poderiam ser evitadas, muitas vidas poderiam ser salvas. O conhecimento dos fatores de risco para osteoporose desperta a suspeita e a densitometria óssea ajuda no diagnóstico. O tratamento deve ter por base a fisiopatologia da doença. Assim, na prevenção ou no tratamento da OP, devemos diminuir a atividade do os-teoclasto ou aumentar a atividade do osteoblasto, ou os dois. O tratamento ideal é aquele que diminui a incidência de fraturas por melhorar a geometria do osso e sua microarquitetura. O tecido ósseo recém-formado deve ter boa qualidade celular e de matriz, mineralização normal com boa proporção entre osso mineralizado (resistente mecanicamente) e não mineralizado (flexível) e sem acúmulo de danos. O tratamento ideal deve ter taxa de remodelação positiva e efeito terapêutico rápido e duradouro. Este efeito deve ser facilmente detectável. Deve ser seguro.

descritores – Osteoporose/fisiopatologia; Osteoporose/diag-nóstico; Osteoporose/prevenção & controle; Fraturas ósseas

AbSTRACT

An article regarding the latest understanding of osteoporosis (OP) runs the risk of quickly becoming obsolete due to the fact that research and studies about OP today are generating a great amount of interest in researchers, the pharmaceutical and medical equipment industries, governments, and even the WHO. Every orthopedist knows OP by its most deleterious ef-fect, the osteoporotic fracture (FxOP). OP without a fracture does not arouse suspicion because it is a pathology with a nonspecific clinical profile. The FxOP has an economic cost (for treatment), a social cost (for its sequelae), and a medi-cal cost (for deaths). Many fractures could be avoided by a diagnosis of OP prior to the first fracture and, therefore, many temporary and permanent disabilities could be avoided and many lives saved. Awareness of the risk factors for osteopo-rosis raises suspicion and bone densitometry aids diagnosis. Treatment should be based on the physiopathology of the dis-ease. Likewise, in prevention or in treatment of OP, we should reduce the activity of osteoclasts or increase the activity of osteoblasts, or both. Treatment that reduces the incidence of fractures by improving bone’s geometry and microarchitecture is ideal. Newly formed bone tissue must have good cellular and matrix quality as well as normal mineralization, a good ratio of mineralized (mechanically resistant) bone to non-mineralized (flexible) bone, and no accumulated damage. The ideal treatment should have a positive rate of remodeling and fast and lasting therapeutic effects. This effect must be easily detectable. It must be safe.

Keywords – Osteoporosis/physiopathology; Osteoporosis/di-agnosis; Osteoporosis/prevention & control

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DIAGNóSTICO E TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE

INTRODUçãO

Durante muitos anos, o estudo da osteoporose, pela pouca praticidade do seu conhecimento, foi relegado a um plano secundário. Hoje, além de ser um assunto muito pesquisado em todo o mundo, seu conhecimento é objetivo e útil. Um artigo de atualização sobre o tema torna-se rapidamente desatualizado pelo fato de que os conhecimentos sobre o assunto evoluem diariamente.

Os conhecimentos básicos sobre osteoporose (OP) estão entranhados na consciência dos ortopedistas desde o início do século XX. A palavra osteoporose surgiu do estudo histológico de um osso osteoporótico por Jean Georges Chretien Frederic Martin Lobstein, patologista francês, em 1830 apud Oliveira(1), mas popularizou-se entre os ortopedistas como um sinal radiológico, que significava rarefação óssea, em fraturas causadas por traumas de baixa energia. Este mesmo sinal os radiolo-gistas chamam osteopenia.

No final do século passado o conceito de osteoporose mudou progressivamente da definição de uma doença bem específica, feita por Albright em 1941, para o con-ceito atual de uma desordem esquelética, o que engloba muitas patologias, nas quais a microarquitetura do tecido ósseo está deteriorada(2,3). Tanto o osso cortical como o esponjoso são afetados. Também a macroarquitetura dos ossos pode estar modificada. A densidade mineral óssea (DMO) está diminuída. Isto leva a um comprometimen-to da resistência do osso a traumas de baixa energia(4). O osso fica frágil, predisposto a um aumento da ocorrência de fraturas. É a alta incidência destas fraturas, chamadas de fraturas osteoporóticas (FxOPs) que traz importância ao estudo da osteoporose.

A osteoporose participa não só para aumentar a fre-quência das fraturas, mas também para aumentar as possibilidades de formatos diferentes, desde fraturas sem manifestação clínica, como as chamadas fraturas morfométricas do corpo vertebral, passando por fraturas incompletas, até fraturas cominutivas muito instáveis que apresentam impossibilidade técnica de remontagem anatômica do osso. Algumas fraturas podem não ser detectáveis; outras, como as do corpo vertebral, podem deixar sequelas muito dolorosas; e outras podem levar o paciente ao óbito ou à incapacidade física permanente, como as fraturas da extremidade proximal do fêmur.

O aumento absoluto e relativo da população idosa e os hábitos pouco saudáveis dos infantes e adolescentes estão levando a um aumento muito grande da incidência de OP e também das FxOPs.

São múltiplas as causas para o aparecimento e/ou desenvolvimento da OP. Chamamos de OP primária quando as causas são naturais (menopausa e senilidade). Falamos em OP secundária quando há uma causa primá-ria (certos medicamentos, outras doenças, sedentarismo etc.). Quando as causas são desconhecidas chamamos de OP idiopática.

DIAGNóSTICO

Diz-se que a OP sem fratura atual ou sem micro-fratura é uma doença silenciosa porque não tem sin-tomas específicos que possam levar-nos a suspeitá-la. Não parece ser verdade. Todas as doenças mediadas pelo osteoclasto são dolorosas. A OP talvez seja menos dolorosa, ou talvez a dor possa passar despercebida por ser mais branda. Muitas lombalgias e dorsalgias podem ser de origem osteoporótica e o ortopedista deve estar alertado para esta possibilidade. A OP também não tem sinais clínicos patognomônicos. O aumento da cifose torácica e a perda de estatura talvez sejam os sinais mais suspeitos.

Por sua natureza multifatorial, seu caráter sindrômico e suas baixas manifestações clínicas, a OP é difícil de diagnosticar. Na maior parte das vezes a OP é diagnos-ticada pelos ortopedistas pela sua consequência mais deletéria, a fratura osteoporótica.

Devemos, então, estarmos atentos para o diagnóstico do risco de uma pessoa ter OP. A tentativa de diagnos-ticar e tratar precocemente a OP, antes da ocorrência da primeira fratura, levou ao estudo dos fatores de risco para OP(5).

fatores de risco para osteoporoseÉ preciso distinguir entre fatores de risco para osteo-

porose e fatores de risco para fraturas osteoporóticas. Nos primeiros estuda-se a possibilidade de o paciente apresen-tar osteoporose e a necessidade da realização de exames subsidiários para comprová-la. Nos fatores de risco para fratura osteoporótica estuda-se a possibilidade do pacien-te vir a sofrer uma fratura por fragilidade óssea e, então, a existência de osteoporose é um dos fatores de risco.

Os fatores de risco mais valorizados para osteoporose são: o gênero feminino, as etnias amarela e branca, a idade mais avançada, a precocidade do início da meno-pausa, a hereditariedade (presença de osteoporose ou de fratura osteoporótica entre os ancestrais e os colate-rais), história pregressa de fraturas osteoporóticas, erros nutricionais (baixa ingestão de cálcio, baixa ingestão

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de vitamina D3 ou baixa insolação para produção da mesma, situações para má absorção de alimentos etc.), maus hábitos (ingestão exagerada de café, álcool, taba-co), sedentarismo, certas medicações (glicocorticoides, anticonvulsivantes) e doenças como a artrite reumatoide e quase todas as doenças inflamatórias sistêmicas.

Apesar de os fatores de risco para osteoporose serem bastante conhecidos há muito tempo, ainda não há uma fórmula numérica científica para avaliá-los separada-mente e no contexto geral. E talvez nem venha a exis-tir. Dependendo da população estudada estes fatores de risco têm valores relativos diferentes.

O desenvolvimento do densitômetro veio ajudar no diagnóstico, mas surgem então as perguntas: Quando realizar uma densitometria? Quando repetir a avaliação? E novamente é necessário avaliar os fatores de risco para a osteoporose.

Tabela 1 – Valor relativo dos fatores de risco para osteoporose

Coeficiente Valor 1 2 vezes 4 vezes 8 vezes Absoluto

Gênero Masculino Feminino

Etnia Negra Parda Branca Amarela

Idade 20 50 60 70 80

IMC > 30 27 a 30 24 a 27 20 a 24

Idade menop. > 52 48 a 52 44 a 48 Até 44

FxOP Prévia QQ FxOP Vért. Fêmur

FxOP Pais Outras Vért. Fêmur

Hábitos Tabaco Álcool Café

Ativ. física Diária Frequente Ocasional Sedentária

ISDA Anticonv. Artr. reum. Corticoter.

Na Tabela 1 estão distribuídos os fatores de risco para OP e seu valor, relativamente aos demais, confor-me publicada em várias fontes de informação. A coluna “Valor 1” é a base para os cálculos. Assim, o gênero feminino tem quatro vezes mais chance de ter OP em relação ao masculino, a etnia amarela tem duas vezes mais que a branca (8/4 = 2) e esta quatro vezes mais que a negra (4/1 = 4). A consideração de vários fatores leva à solicitação de uma avaliação densitométrica. Somar a “pontuação” não traz resultado prático. Por exemplo, na coluna da direita a existência de qualquer dos fatores exige a realização de densitometria óssea. A experiência clínica, nesta e em qualquer outra patologia, leva o mé-dico a desconfiar da existência da patologia e a procurar o diagnóstico. No caso da OP, a desconfiança surge da existência dos fatores de risco.

densitometriaO densitômetro é um aparelho gerador de duplo fei-

xe de raios-X que atravessa uma região do corpo do paciente. Um colimador colhe a radiação emitida, ava-liando a quantidade de cálcio pela área medida. Um computador analisa os resultados obtidos e os compara com um banco de dados de pessoas da mesma etnia, peso, altura e idades de 20 até 100 anos. Os resulta-dos são apresentados em gramas/cm2 e comparados à média das pessoas de 20 anos de idade (T score), que representa o valor do pico da massa óssea. Também são comparados aos valores médios da DMO das pessoas de mesma idade (Z score). São calculadas as porcenta-gens relativas e os desvios padrões (DPs) das médias. Os resultados são considerados, conforme consenso da OMS, como Normal, quando a densitometria mostra até –1 desvio padrão no T score; Osteopenia, de –1 a –2,5 DPs e Osteoporose de –2,5 DPs para mais. Há ainda a denominação de Osteoporose estabelecida quando, além do DP < –2,5, o paciente apresenta uma fratura osteoporótica. Hoje se considera como portador de OP qualquer paciente que tenha tido uma FxOP. O Z score com valores iguais ou menores que –2 é sugestivo de uma possível OP secundária.

Como qualquer exame subsidiário, a densitometria deve ser realizada quando há indícios suficientes da pos-sibilidade do paciente ser portador da patologia. A des-confiança é despertada pela existência de fatores de risco para osteoporose. Não havendo fatores de risco, a regra é realizar uma primeira avaliação densitométrica em todas as pessoas de mais de 65 anos de idade, e em todas as mulheres de 50 anos que tiveram menopausa precoce. O exame deve ser repetido de um a três anos, dependendo de critério clínico, ou para controle de tratamento.

fatores de risco para fraturas osteoporóticasOs fatores de risco para fraturas osteoporóticas são os

mesmos fatores de risco para osteoporose, acrescidos do resultado de densitometria. São importantes também os fatores de risco para quedas, mas devemos lembrar que traumas comuns, de baixa energia, não provocam fraturas em pessoas hígidas. O próprio conceito de fratura osteo-porótica é o de “fratura simples ou complexa que ocorre em pessoa portadora de osteoporose, aparente ou não aparente, provocada por um trauma de baixa energia”.

Não há relação segura entre a ocorrência de fraturas e o resultado da densitometria. A densitometria mede a massa óssea calcificada, mas não mede a qualidade

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desta massa óssea. Um caso conhecido é o do aumento da DMO densitométrica pelo uso do fluoreto de sódio, muito usado no passado no tratamento da osteoporose radiológica, que promovia maior fragilidade óssea. Ou-tro exemplo é o do estrôncio, presente no ranelato de estrôncio, promissor meio de tratamento da osteoporose, que, por sua maior massa atômica e maior raio atômico, promove maior DMO densitométrica pela maior atenu-ação do feixe de raios-X do densitômetro.

Certamente os pacientes classificados como portado-res de “osteoporose densitométrica” têm maior taxa de incidência de fraturas que os demais, e esta taxa é inver-samente proporcional à DMO. Mas o número de fraturas osteoporóticas é muito maior entre os classificados como “osteopênicos densitométricos”, e mesmo os “normais densitométricos” sofrem fraturas osteoporóticas em grande número. Isto ocorre porque as populações “normal” e “os-teopênica” são maiores que a população osteoporótica(6).

Um problema sério de saúde pública é então identifi-car a pessoa não portadora de OP densitométrica, porém suscetível de vir a ter uma fratura osteoporótica. Atu-almente há um índice epidemiológico sendo estudado, sob o patrocínio pela OMS, o índice FRAX (Fracture Assessment Tool)(7), que avalia estatisticamente os fato-res de risco de uma pessoa, e os valoriza, e nos dará a chance, em porcentagem, da pessoa estudada vir a ter uma fratura osteoporótica em 10 anos(8). No Brasil já há estudos em andamento visando o estabelecimento do índice FRAX para a população brasileira.

Em estudos clínicos com pacientes tratados com bis-fosfonatos orais e controlados com placebo, a perda de massa óssea densitométrica do grupo placebo é acompa-nhada de aumento da incidência de fraturas, e o ganho de massa óssea densitométrica até 5% é acompanhado de diminuição proporcional desta incidência. Acima de 5%, a diminuição da prevalência de fraturas se mantém, mas sem diminuição proporcional ao ganho de massa óssea densitométrica(9).

TRATAMENTOEstabelecido o diagnóstico de OP e estabelecido o

risco de uma FxOP, deve-se decidir pelo tratamento profilático e/ou pelo curativo. A maior parte das inter-venções serve aos dois objetivos. É óbvio que quando se faz a prevenção ou o tratamento da OP também está se fazendo a prevenção da FxOP.

Antes de discutirmos os tratamentos, vamos relem-brar a REMODELAÇÃO óSSEA.

O osso é um tecido vivo que sofre constantemente um processo de troca de tecido antigo por tecido novo. O mediador deste processo é o osteócito. De tempos em tempos (mais ou menos mil dias) o osteócito entra em apoptose, isto é, a morte programada da célula. Na proxi-midade da apoptose ele produz sinalizadores para que cé-lulas mesenquimais pluripotentes formem osteoblastos.

Estímulo semelhante ocorre quando o osso é subme-tido a esforços físicos para os quais não está prepara-do. Seja por pressões sobre as proteínas da membrana celular(10), seja pela estimulação do cílio primário, orga-nela do osteócito que detecta estas tensões, há sinaliza-ção às células mesenquimais para formar osteoblastos.

O osteoblasto produz o fator RANK (Receptor Ac-tivator of Nuclear factor Kappa beta) que sinaliza para as células hematopoiéticas formarem osteoclastos e tam-bém ativa a borda em escova destes osteoclastos.

Em 20 dias os osteoclastos reabsorvem parte do tecido ósseo, formando as lacunas de Howship. Agora os osteo-blastos irão preencher estas lacunas com matriz proteica e finalmente nela depositarão cristais de hidroxiapatita. Este processo demora 180 dias para ser completado.

Havendo distúrbio deste remodelamento, pela maior ação proporcional do osteoclasto em relação ao oste-oblasto, haverá uma pobre formação de tecido ósseo que, dependendo da gravidade, poderá ser osteopenia ou osteoporose.

Assim, na prevenção ou no tratamento da OP, deve-mos diminuir a atividade do osteoclasto ou aumentar a atividade do osteoblasto, ou os dois.

Parece ideal estimular a formação óssea estimulando a ação dos osteócitos ou dos osteoblastos, mas estes esti-mulam os osteoclastos, que agem em 20 dias, enquanto os osteoblastos irão gastar 180 dias para reparar a lacu-na deixada pelo osteoclasto. Isto explica porque certos tratamentos anabólicos, isto é, que estimulam os osteo-blastos, nem sempre alcançam os resultados esperados.

São tratamentos anabólicos: a atividade física, o cal-citriol (vitamina D), a associação cálcio + calcitriol, esteroides anabolizantes, hormônio de crescimento, o paratormônio (PTH) e seu derivado, a teriparatida e o ranelato de estrôncio.

São tratamentos anticatabólicos, isto é, que inibem a ação do osteoclasto: a atividade física, a associação cálcio + calcitriol, os metabolitos ativos do calcitriol, as terapias de reposição de estrógeno (TRE) e de reposição hormonal (TRH), os SERMs (estimuladores seletivos dos receptores de estrógeno), os bisfosfonatos, a osteo-protegerina (OPG) e o ranelato de estrôncio.

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Atividade físicaÉ o mais barato meio de prevenção e coadjuvante do

tratamento. Os exercícios com peso e os exercícios de velocidade são os mais eficazes para o ganho de massa óssea. Além disso, o ganho de massa muscular e a me-lhoria da velocidade de resposta motora neuromuscular diminuem as quedas e o risco de fraturas nos pacientes. O efeito piezo elétrico da atividade física, ou a ação do cílio primário, estimulam os osteócitos, via osteoblastos, a promoverem a formação de osso novo.

Comparando idosos que praticam atividade física com idosos sedentários, há menores incidências de fra-turas do quadril nos ativos(11).

Suplementação de cálcioO cálcio participa do cristal de hidroxiapatita

(Ca10(PO4)6(OH)2) que dá resistência mecânica ao osso. Na composição do tecido ósseo este cristal corresponde a 65%. O cálcio atua também na coagulação sanguínea, na regulação metabólica por meio das metaloenzimas (alfa-amilase, fosfolipases, etc), na secreção de hormô-nios e de neurotransmissores e na aderência celular. Por sua presença na molécula de troponina, que regula a contratilidade da actina e miosina, o cálcio participa da contração muscular, inclusive do coração, e é a impor-tância desta ação que faz com que, biologicamente, a calcemia permaneça o mais constante possível.

O cálcio existe na natureza em todos os seres vivos. As maiores fontes são o leite e os laticínios. Também são muito ricos: a sardinha, o feijão e os vegetais de folhas escuras. Nem sempre a ingestão de alimentos ricos em cálcio redunda na absorção deste pelo intestino. Esta absorção depende de o cálcio estar sob a forma de sais absorvíveis. Assim, a presença de ácido oxálico, vitami-na C, fitatos (presentes na verdura cozida), certas fibras, proteínas e até mesmo lactose, podem formar compostos insolúveis ou não absorvíveis.

Outra fonte de cálcio é o exoesqueleto de moluscos. Daí tira-se o carbonato de cálcio, solúvel e absorvível em PH ácido. Por esta característica química, o carbona-to de cálcio é pouco absorvível em pessoas idosas (de-vido à hipocloridria) e pacientes que tomam antiácidos etc. Nestas situações e nos casos de nefrolitíase usa-se o citrato de cálcio, mais absorvível e acidificante da urina. O fosfato tribásico de cálcio é usado nos casos de idosos com baixa ingestão de fósforo (raros), institucionaliza-dos e com dificuldades de se alimentar.

No intestino, o cálcio é absorvido por via parace-lular e por via transcelular. A via paracelular é passiva

e depende da quantidade de cálcio no bolo alimentar, da velocidade de digestão, do PH do quilo e do sal de cálcio, além da presença de outros produtos já citados acima. A via transcelular é ativa e depende da presença da calbindina, sintetizada pela vitamina D.

Todo o cálcio presente no sangue é filtrado pelos glo-mérulos renais e a maior parte dele é reabsorvido pelos túbulos. Uma parte, de 100 a 300mg são eliminados diariamente pela urina e precisa ser reposta.

Nas pessoas com mais de 50 anos, fazendo ou não TRH, é imprescindível completar a dieta com suplemen-tação diária de cálcio até 1.500mg em duas tomadas por dia. Uma dieta diária não láctea tem até 700mg e uma rica em laticínios tem até 950mg. Oferece-se a mais para que o organismo aproveite o que necessita.

Os produtos farmacêuticos são denominados de acor-do com a quantidade de cálcio elemento que eles contém no comprimido ou envelope e não pela quantidade do sal. Assim, 1.250mg de carbonato de cálcio aparecem com “cálcio 500”.

A administração isolada de cálcio é eficiente para diminuir a incidência de fraturas(11).

Vitamina dA vitamina D é um “quase hormônio”. Atua na ab-

sorção intestinal do cálcio alimentar e na reabsorção tubular renal do cálcio urinário. Reduz os níveis de PTH e estimula a osteogênese pelos osteoblastos. Tem ação antibiótica na árvore respiratória. Atua na modulação do equilíbrio no SNC. Facilita o aumento da força muscular principalmente na sarcopenia. Estimula a diferencia-ção e inibe a proliferação celular atuando então como protetor contra câncer de mama, próstata e intestino. Sua necessidade aumenta com a idade(12). É produzida naturalmente por ação dos raios UVB do Sol sobre o 7-dihidrocolesterol circulante sob a pele irradiada, trans-formando-o no colicalciferol. Este, que já tem hidroxila em sua molécula, recebe outra hidroxila no carbono 25, ao passar pelo fígado, formando o calcidiol ou 25-hidrocolicalciferol. A terceira hidroxila é fixada ao car-bono 1 pela hidroxilase, no rim, formando o calcitriol ou 1,25-dihidrocolicalciferol. O colicalciferol ou vitamina D3 existe no fígado de peixes de águas frias, em ovos e em leites enriquecidos. Existe pouco no leite humano. Seu isômero, o ergosterol, ou vitamina D2, existe nos vegetais. As vitaminas D3, D2 e o calcidiol são inativos. O calcidiol é a forma de depósito. O calcitriol e seu metabolito alfacalcidol são as formas ativas na absorção do cálcio da luz do intestino e na reabsorção tubular

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renal do cálcio urinário. Eles têm vida muito curta e por isso não são dosados. O calcidiol é dosável e deve permanecer entre 32 a 100ng/mL de soro(13). Solicitar ao laboratório como “25-OH-Vitamina D” sérica. Para manter este nível o ideal é a ingestão de 800 a 1.200UI de vitamina D3 por dia.

Há várias formulações no comércio. Quando associa-da ao cálcio, em geral há 200UI/comprimido. Existem outras preparações que associam o colicalciferol com o palmitato de retinol (vitamina A) e o alfatocoferol (vitamina E). Por exemplo, o Ad-til tem 250UI de Vita-mina D e 1.250UI de vitamina A por gota (40gotas/ml). Usa-se 40gotas por dia para repor a concentração ideal no soro (por cerca de três meses) e 40gotas por semana para a manutenção.

A associação de cálcio e vitamina D é eficiente na diminuição da incidência de fraturas(14).

Esteroides anabolizantes e hormônio de crescimento

Atuam melhorando a formação da matriz proteica e na estimulação dos osteoblastos. Devido aos seus efeitos adversos são pouco utilizados. Na OP secundária por hipogonadismo masculino o uso de metil testosterona pelos urologistas é frequente e eficiente.

Teriparatida e pThO paratohormônio é formado por 84 aminoácidos dis-

postos em cadeia linear. A teriparatida é seu homólogo, só com os aminoácidos 1 ao 34, obtido pela técnica do DNA recombinante. Os dois, quando administrados de forma contínua, aumentam a ligação do RANK (RANKL) ao pré-osteoclasto estimulando a replicação do mesmo e ao osteoclasto estimulando sua ação de reabsorção de tecido ósseo. São então grandes reabsorvedores de osso (osteíte fibrosa cística). Porém, quando usados de forma diária, em pequenas doses, inibem o sistema RANKL e aumentam a OPG, inibindo então a reabsorção óssea. Neste caso, também estimulam a replicação e atividade do osteoblasto endostal e periostal. Com isto: aumentam a espessura da cortical, aumentam a secção transversa do osso e aumentam a espessura e conexão das trabéculas(15). Isto dá mais resistência mecânica ao osso(16). É usado sob a forma de microinjeções subcutâneas diárias por meio de uma “caneta” com 28 doses. Está muito indicada em pacientes com alto risco de fraturas e/ou refraturas(17). Atualmente muitos estudos vêm sendo desenvolvidos procurando associar o uso da teriparatida concomitante-mente ou sequencialmente com antirreabsortivos(18-20).

Terapia de reposição hormonal e estrogênica (Trh e TrE)

São eficientes na prevenção da OP pós menopausa, mas não em seu tratamento. Devem ser iniciadas logo após a menopausa e controladas por ginecologista de-vido aos seus potenciais efeitos adversos. O maior pro-blema é o aumento da ocorrência de câncer de mama, além dos distúrbios tromboembólicos.

SErmsOs SERMs ou moduladores seletivos de receptores

de estrógenos são usados quando as pacientes têm risco aumentado para câncer de mama. Eles inibem os re-ceptores de estrógeno da mama e do útero, protegendo estes dois órgãos da ação deletéria do estrógeno. O mais usado é o citrato de tamoxifeno.

Para a prevenção e tratamento do OP, em substituição à TRH, foram desenvolvidos outros SERMs, com ação de estimulação estrogênica sobre os receptores de estró-geno do osso, aparelho cardiovascular e lipídeos. Assim, previnem e tratam a OP, previnem a hipercolesterolemia e as placas ateromatosas vasculares, e não estimulam o desenvolvimento de câncer de mama e útero. São eles o cloridrato de raloxifeno e o lasofoxifeno.

BisfosfonatosBisfosfonatos (ou geminal bisfosfonatos) são polifos-

fatos que têm pelo menos uma conexão P-C-P (fósforo – carbono – fósforo) na molécula. Foram sintetizados pela primeira vez por Menschutkin em 1865 como anti-corrosivos industriais. Mais tarde passou-se a utilizá-los como amaciantes de “águas duras” (águas alcalinas) em lavanderias e nas tubulações de águas (para impedir a deposição de carbonato de cálcio nos encanamentos).

Em 1968 Fleish e Russel descobriram o pirofosfato no plasma e na urina e, em 1970, descobriram que o pirofosfato inibe a precipitação do carbonato de cál-cio nos vasos e vias urinárias sendo, portanto, nosso “amaciante” biológico. Pelo uso clínico que já se fazia, desde 1968, do etidronato em doenças osteometabólicas, passaram a investigar o uso dos bisfosfonatos em OP e doença óssea de Paget.

Os bisfosfonatos têm uma molécula formada por um carbono central em que estão ligados dois radicais fosfa-to mais um radical R1 (o ideal é que seja uma hidroxila) e um radical R2 (o ideal é que tenha uma cadeia cíclica e um átomo de nitrogênio neste radical). Dependendo da formação espacial desta molécula, ela tem mais ou menos capacidade de adsorção à molécula de hidroxia-

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patita. Sabe-se que a cadeia P-C-P com uma hidroxila em cada um destes átomos é a melhor formação para a adsorção do bisfosfonato à hidroxiapatita.

Esta adsorção é importante porque o osteoclasto, ao reabsorver o tecido ósseo, absorve também o bisfosfo-nato. Dentro do citoplasma do fagócito os bisfosfonatos aminados (aqueles que têm nitrogênio no radical R2) atuam na cadeia do mevalonato inibindo uma enzima, a farnesilpirofosfatosintase (FPPS). Esta enzima promove a tranformação do geranilpirofosfato em geranilgeranil-pirofosfato e farnesilpirofosfato. Estes metabolitos pro-movem a prenilação das pequenas proteínas essenciais para a função da borda em escova e para a sobrevivência do osteoclasto. Assim, interrompendo a cadeia do meva-lonato inibe-se a função osteoabsortiva do osteoclasto.

Os bisfosfonatos utilizáveis na terapêutica da OP diferenciam-se pela capacidade de adsorção ao cristal da hidroxiapatita e à potência com que inibem a função dos osteoclastos.

Os bisfosfonatos registrados no Brasil para o trata-mento da osteoporose são: o alendronato de sódio, o pamidronato de sódio, o risedronato de sódio, o ibandro-nato de sódio e o ácido zoledrônico. Se considerarmos a potência antirreabsortiva comparando ao etidronato (como 1), teremos o alendronato como 1.000 vezes, o risedronato como 5.000 vezes, e o ibandronato e o ácido zoledrônico como 10.000 vezes. Quanto à capacidade de adsorção, a constante de afinidade de adsorção do eti-dronato é 1,2; do risedronato é 2,2; do ibandronato é 2,3; do ibandronato é 2,9; e do ácido zoledrônico é 3,4(21).

Os bisfosfonatos de uso oral têm baixa solubilidade e, por isso, devem ser administrados em jejum, com um copo de água pura (não é recomendada água mineral). O paciente deve ser mantido em jejum por mais meia hora. Como são agressivos para a mucosa esofágica o paciente não deve deitar-se na primeira meia hora, para aguardar o esvaziamento gástrico e evitar o refluxo esofágico.

Apenas 1% é absorvido (0,6% para o ibandronato). Destes, 51% são eliminados por via renal, sem metabo-lização e 49% são adsorvidos à hidroxiapatita, princi-palmente no osso novo. Quando liberados na corrente sanguínea, pela morte do osteoclasto ou por “desad-sorção”, são novamente adsorvidos à hidroxiapatita. Alguns, como o risedronato, têm maior “desadsorção”, o que explica sua melhor distribuição por todo o tecido ósseo e seu efeito multissítio.

Provavelmente estas diferenças já conhecidas, e ou-tras ainda não conhecidas, fazem a diferença de ação antifratura dos vários bisfosfonatos. Semelhantes no

modo de ação e diferentes na potência da ação, os bis-fosfonatos atuam diferentemente na remissão da oste-oporose densitométrica e na diminuição da prevalência de fraturas.

Aparentemente, a maior qualidade do alendronato é a experiência clínica acumulada. Como foi a primei-ra droga eficaz contra a osteoporose é usada há mais tempo e por um número maior de pessoas. Seu maior problema são os similares, não testados clinicamente, porém muito receitados, em substituição do sal original. Outro problema é a suspeita atual de provocar fraturas por forte inibição da remodelação óssea (frozen bone) quando usado por longo tempo. Foi testado na dose de 10mg diários, por via oral. Um estudo ponte mostrou que a dose de 70mg por semana também é eficiente como inibidor da incidência de FxOPs. Recentemente foi lançado com 70mg e 2.800UI de vitamina D3 para uso semanal e está para ser lançada a apresentação com 5.600UI, também para uso semanal.

O risedronato é o segundo mais usado em tempo de uso e tamanho da população usuária. Sua maior quali-dade é a comprovada rapidez de ação e a eficácia an-tifratura multissítio com destaque para as fraturas de quadril, demonstrada em estudo clínico específico, o estudo Hip(22). Foi testado e lançado originalmente na dose de 5mg diários para uso oral. Um estudo ponte demonstrou sua eficácia com o uso semanal de 35mg e, agora, um novo estudo ponte demonstra sua validade para o uso mensal de 150mg(23).

A maior qualidade do ibandronato é sua formulação com 150mg, para uso oral mensal. Já foi demonstrado que os bisfosfonatos orais podem ser administrados em doses maiores e com intervalos maiores, mantendo seu efeito na avaliação densitométrica. Originalmente foi lançado com 2,5mg para uso oral diário.

O ácido zoledrônico difere dos demais citados por ser de uso endovenoso, em dose anual. Também tem um estudo específico em pacientes com fratura do qua-dril, o estudo Horizon RFT(24), no qual houve menor incidência de fraturas recorrentes no grupo droga ativa e o grupo tratado teve maior sobrevida que o grupo placebo. Por esta razão e pela vantagem de poder ser usado em paciente acamado, é muito indicado para uso em pacientes recém-operados de fraturas do fêmur pro-ximal. Tem também a vantagem da aderência ao trata-mento em função da posologia anual. Atualmente é re-gistrado apenas para tratamento, mas o fabricante está aguardando liberação para uso também em prevenção da osteoporose.

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Os porcentuais de diminuição da incidência de fratu-ras e da remissão do quadro densitométrico dos vários bisfosfonatos, e também das demais terapêuticas, não são comparáveis, pois as populações estudadas, nos vá-rios estudos disponíveis, foram muito diferentes entre si. Os estudos comparativos head to head (droga x droga) existentes ainda não são suficientes para se estabelecer uma grande diferença de umas sobre as outras(25).

OsteoprotegerinaA osteoprotegerina é um produto que está chegando

agora ao mercado, precedido por alguns anos de pesqui-sa. Atua inibindo o RANK, impedindo que ele se ligue ao osteoclasto para estimulá-lo a se reproduzir e para ativar a borda em escova do mesmo.

ranelato de estrôncioO ranelato de estrôncio é um produto para tratamento

para osteoporose que apresenta as duas ações: é antirre-absortivo e ao mesmo tempo é pró-formador(26).

O ranelato de estrôncio é um sal de ácido ranélico com dois átomos de estrôncio em cada molécula. É absorvido no intestino e a vitamina D não tem efeito nessa absorção. O ácido ranélico não é metabolizado, tem baixa ligação às proteínas plasmáticas, não se acumula no organismo humano e é rapidamente eliminado por via renal deixan-do os dois átomos de estrôncio livres para serem adsor-vidos à hidroxiapatita (pequenas quantidades substituem os átomos de cálcio na composição do cristal)(27).

A biodisponibilidade do estrôncio, administrado como 2,632g de ranelato de estrôncio hidratado (2g de anidro), é de 27%(28). O estrôncio atinge a concentração sérica máxima em três a cinco horas, tem meia vida de 62 horas e a parte não adsorvida à hidroxiapatita é excretada por via renal (57%) e intestinal. O estrôncio não se liga a proteínas plasmáticas, não é metabolizado e não inibe o sistema citocromoP450. Atinge um ponto de equilíbrio em duas semanas e a meia vida é de 10 semanas.

O estrôncio é um elemento químico muito semelhan-te ao cálcio e ao magnésio. Tem valência +2 (como o cálcio e o magnésio), tem 38 elétrons distribuídos em quatro camadas (o cálcio tem 20 em três camadas), tem raio atômico de 215 (o cálcio tem 197), tem raio iônico de 116 (o cálcio tem 100). Estas semelhanças fazem o organismo confundi-los tanto na absorção intestinal quanto em sua participação no cristal de hidroxiapatita. A absorção depende do sal (o ácido ranélico foi desen-volvido para isto), da dose (neste caso, 2g), da presença do cálcio na dieta (administrar à noite, três horas após o jantar), da função renal e da espécie animal em estudo.

Como o estrôncio diminui a atividade da vitamina D3 hidroxilase, seu excesso pode levar o osso à osteomalá-cia. Nas pequenas doses diárias preconizadas estimula a calcificação normal do tecido osteoide.

Em cultura de tecido ósseo estimula a replicação do pré-osteoblasto, aumentando o número de osteoblastos e, portanto, aumenta a formação de osso. Estimula tam-bém a formação de colágeno.

Por outro lado, reduz a diferenciação dos osteoclastos e reduz sua atividade. Por isso inibe a reabsorção do osso. É então pró-formador e antirreabsortivo.

Os marcadores de formação óssea (fosfatase alcalina e pró-peptídeo C) aumentam e os de reabsorção óssea (C-telopeptídeo sérico e N-telopeptídeo urinário) dimi-nuem (já no terceiro mês), confirmando sua dupla ação.

Em tecidos animais e biópsias humanas foi demons-trado que melhora a microarquitetura óssea(29,30). Atua estimulando o volume trabecular, aumentando o número de trabéculas e a espessura das trabéculas. Não prejudica a qualidade óssea e a mineralização, por isso não deixa defeito mineral.

Além da formação de osso endostal, estimula a pro-dução de osso periostal, o que melhora a macroarquite-tura e a resistência do osso(30).

Estudos mais recentes, utilizando tecnologia de ponta como a tomografia computadorizada quantitativa peri-férica de alta resolução (HR-pQCT), sugeriram que o ranelato de estrôncio age mais rapidamente e é mais eficaz na formação de osso novo cortical e trabecular do que o alendronato(31), o que aponta para maior eficácia na prevenção de fraturas.

A presença do estrôncio no osso aumenta a absorção dos raios-X na densitometria, porém, um estudo compa-rativo recentemente publicado afirmou que a medida da DMO está relacionada a pelo menos 75% da eficácia con-tra fraturas do ranelato de estrôncio, enquanto que para os bisfosfonatos esta estimativa está entre 4% e 28%(32).

Os estudos Soti e Tropos(33,34) com duração até cinco anos comprovaram a eficácia do ranelato de estrôncio nos pacientes com osteoporose, dos seus estágios mais iniciais aos mais avançados, inclusive na população das pacientes com 80 ou mais anos de idade. Estes estudos comprovaram a redução do risco de fraturas vertebrais em 45% e redução das fraturas de quadril em 43% seja nos pacientes sem fraturas prévias (45%), seja nos pa-cientes com fraturas (41%).

Escolha do tratamentoO tratamento ideal é aquele que diminui a incidência

de fraturas por melhorar a geometria do osso e sua micro-

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arquitetura. O tecido ósseo recém-formado deve ter boa qualidade celular e de matriz, mineralização normal com boa proporção entre osso mineralizado (resistente meca-nicamente) e não mineralizado (flexível) e sem acúmulo de danos. O tratamento ideal deve ter taxa de remodela-ção positiva e efeito terapêutico rápido e duradouro. Este efeito deve ser facilmente detectável. Deve ser seguro.

Este tratamento ideal ainda não existe. Os vários tra-tamentos citados acima apresentam, cada um, algumas das características ideais e não apresentam outras. A escolha do tratamento, para cada paciente, depende das características do paciente, da gravidade da patologia e do conhecimento que o médico tenha do arsenal terapêu-tico como um todo e da medicação que vai prescrever em particular.

O problema do custo do tratamento estará sempre presente principalmente para evitar o abandono do trata-mento. Compete aos médicos (e à sociedade) pressionar o poder público para permitir o uso do melhor tratamento que a sua consciência e seu conhecimento indicarem.

É preferível utilizar uma medicação que o médico tenha bom conhecimento das indicações, efeitos adver-sos, interação com outras drogas e contraindicações com outras patologias apresentadas pelo paciente.

As moléculas orgânicas apresentam isômeros espa-ciais que são quimicamente iguais e podem não sê-lo biologicamente. Similares e genéricos mais baratos po-dem ser até mais eficazes que os produtos de marca, mas não foram testados sob as rígidas exigências que as agências registradoras fazem. Em uma patologia de longo curso, que afeta pacientes idosos, não há tempo a perder com experiências com produtos mais baratos.

Algumas indicações são formais. O uso da teripara-tida em pacientes com alto risco de uma fratura osteo-porótica. O uso do risedronato quando se quer rapidez de ação, e ação multissítio, principalmente para prevenir fraturas do quadril. O uso do ácido zoledrônico quando se quer uma aderência ao tratamento de pelo menos um ano. O uso do ácido zoledrônico quando há indicação para o uso de bisfosfonatos e o paciente está acamado. O uso do ácido zoledrônico nos pacientes acamados em pós-operatório de fraturas do quadril. O uso da teripara-tida e do ranelato de estrôncio quando se quer reativar o metabolismo ósseo aparentemente “congelado” pelo uso prolongado de alendronato.

É óbvio que nas osteoporoses secundárias é impor-tante tratar a causa primária, mas em todas as osteo-poroses, primárias e secundárias, o paciente pode ser beneficiado por qualquer um dos tratamentos acima.

CONSIDERAçõES fINAIS

Avaliação da eficácia do tratamentoA avaliação ideal seria a de testes mecânicos de re-

sistência associados a exames anatomopatológicos ou histomorfométricos de ossos tratados. A diminuição da incidência de fraturas osteoporóticas vertebrais, não vertebrais e da extremidade proximal do fêmur tam-bém seria um bom avaliador. O problema é a prati-cidade destas avaliações. Assim, recorre-se à redução do risco relativo (RRR) de ocorrência de uma fratura osteoporótica, estabelecido por estaticistas, baseados em estudos clínicos e laboratoriais.

Há controvérsias sobre quanto cada droga reduz o risco relativo de cada fratura em cada população em particular. Não há controvérsias sobre a obrigação mo-ral (e legal) do ortopedista, frente a um paciente com uma fratura osteoporótica, em tratá-lo ou encaminhá-lo para tratamento.

O melhor método de avaliação ainda é a densito-metria. Resultados em prazo menor do que um ano são inconclusivos, por isso a primeira avaliação deve ser após um ano de tratamento, exceto na osteoporose in-duzida por glicocorticoides (que deve ser a cada seis meses). Quando a densitometria anual mostrar um ga-nho de massa óssea maior do que 2%, esta avaliação pode ser bianual.

A microtomografia computadorizada quantitativa vertebral (mTCQV) nos dá uma imagem do trabecu-lado ósseo, donde se pode inferir a eficácia do trata-mento. Não é usada na prática clinica diária porque é realizada por um aparelho ainda muito caro, mas é cada vez mais usada em pesquisas.

Os marcadores bioquímicos do rodízio ósseo são muito interessantes para pesquisas clínicas ou, na dú-vida da eficácia do tratamento, em avaliações clínicas em prazo muito curto. Os marcadores séricos de for-mação e os marcadores de reabsorção óssea, em geral urinários, podem nos trazer informações já aos três me-ses de tratamento. Os marcadores de formação óssea mais estudados são: a fosfatase alcalina sérica total e sua fração óssea, a osteocalcina e os peptídeos proco-lágeno tipo I, carboxi e aminoterminal, séricos (pró-peptídeos C e N séricos). Os marcadores de reabsorção óssea mais estudados são: a hidroxiprolina urinária, os telopeptídeos N (NTx) e C (CTx) séricos e urinários, a piridinolina e a deoxipirinolina (DPD) urinárias, a fos-fatase ácida tartarato resistente sérica e a calciúria.

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REfERÊNCIAS

DIAGNóSTICO E TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE

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