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HISTÓRIA DO NEGRO NO CINEMA BRASILEIRO? Francisco Santiago Júnior Departamento de História - UFRN

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Page 1: H ISTÓRIA DO NEGRO NO CINEMA BRASILEIRO ? Francisco Santiago Júnior Departamento de História - UFRN

HISTÓRIA DO NEGRO NO CINEMA BRASILEIRO?Francisco Santiago Júnior

Departamento de História - UFRN

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OBJETIVOS

Pensar a relação da historiografia com o cinema.

Pensar o negro no cinema brasileiro.

Pensar o negro no cinema brasileiro como objeto da historiografia;

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HISTÓRIA E CINEMA

O status do cinema como entretenimento dificultou seu reconhecimento como objeto de atenção do historiador;

Foram poucas as manifestações sobre a importância do cinema pelos historiadores até 1970;

Apenas no final dos anos 1960 o cinema torna-se objeto da historiografia;

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OS NOVOS OBJETOS DA HISTÓRIA O pioneiro Marc Ferro estabeleceu alguns

princípios:a) O filme não é mero reflexo do social, mas

agente da história;b) O filme realiza interpretações da sociedade

e da história – por vezes, “contra-análise”;c) O historiador deve realizar uma leitura

histórica da cinematografia;d) O historiador deve observar a leitura

cinematográfica da história;

O filme tornou-se objeto do historiador, como fonte para compreensão do mundo social;

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QUAIS OS MÉTODOS?

Era preciso desenvolver formas de aplicar a crítica histórica aos filmes;

Marc Ferro estabeleceu um método contextualista;

a) O fílmico: imagens e sons;b) O não-fílmico: todas as fontes do contexto

relacionadas;

Pierre Sorlin sugeriu o uso da semiologia e depois da narratologia para análise do sentido do filme;

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NOVA HISTÓRIA CULTURAL

A partir de finais dos anos 1980 ocorreu a aplicação das novas tendências da história cultural;

O filme deixa de ser reflexo e passa a ser concebido como uma representação, um recorte e uma visão de mundo social;

O foco se volta também às práticas sociais relacionadas ao cinema como a produção, apropriação e as relações sociais ao seu redor;

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TENDÊNCIAS ATUAIS Variedade de abordagens, documentação e

métodos de análise;

Teríamos duas tendências maiores interdependentes: uma história social e uma história cultural;

A abordagem do filme como fonte cedeu espaço ao cinema como um campo social, um conjunto mais ou menos sistemático de relações sujeitos sociais relacionadas à produção, significação e consumo de filmes;

O cinema é um conjunto de práticas que explica o contexto social;

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O NEGRO NO CINEMA BRASILEIRO

Nunca foi escrita uma “história do negro no cinema brasileiro” no sentido pleno da expressão;

Temos:a) Um trabalho de levantamento do negro no

cinema;b) Alguns livros que abordam a questão do

cinema negro e sua história;c) Várias monografias que propõem sínteses;

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QUANDO SE COMEÇOU A PERGUNTA PELO NEGRO NAS MÍDIAS?

A questão do negro nas mídias brasileiras tem a idade das pesquisas historiográficas sobre cinema;

Surgiu com questão do próprio campo do cinema nos anos 1960 e depois com as mostras sobre o negro no cinema na década de 1970;

Desenvolveu uma problemática da representação do negro como questão profissional, social e acadêmica;

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PRIMEIROS DIAGNÓSTICOS Três recortes principais: a) o negro no filme histórico como escravos ou

rebeldes (Sinha Moça, 1950; Ganga Zumba, 1964; Xica da Silva, 1975);

b) o negro na marginalidade urbana como sambista, malandro ou bandido (Também Somos Irmãos, 1948; Rio Quarenta Graus, 1955; Rio Zona Norte, 1957; Assalto ao Trem Pagador, 1964);

c) o negro e sua cultura seja como folclore ou religiosidade (Terra é sempre Terra, 1950; Caiçara, 1952; Orfeu do Carnaval, 1958, Bahia de Todos os Santos, 1961; Barravento, 1961; O Pagador de Promessas, 1962; Anjo Negro, 1972).

a) Focalizou-se estereótipos, arquétipos e caricaturas –

questionou-se o racismo do cinema e a identidade do negro;

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TRABALHOS DE DESTAQUE As inúmeras monografias sobre o filme Barravento;

O Negro Brasileiro no Cinema (1988), de João Carlos Rodrigues;

A Negação do Brasil: o negro na telenovela (2000), de Joel Zito Araújo

Cinema e representação racial: o cinema negro de Zózimo Bulbul (2004), de Noel dos Santos Carvalho;

Raramente são textos historiográficos;

A maioria visa demonstrar o racismo, a falácia da democracia racial e reforçar a luta pela construção do cinema negro;

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A IMAGEM DO NEGRO NA HISTORIOGRAFIA A tematização da imagem negra deu-se ainda nos anos

1980 e desenvolveu-se plenamente na década seguinte;

Destacam-se o estudo das pinturas dos séculos XVIII e XIX (Carlos Julião, Jean-Baptiste Debret, Johann Rugendas, Nicolas Taunay) inicialmente empreendida pelos interesses da história social do trabalho escravo ou livre (Robert Slenes, Silvia Lara) e depois da história da cultura visual (Valéria Lima, Lilian Schwarcz)...

... e o estudo a fotografia como fonte sobre o mundo social, no século XIX e início do XX, destacando-se a representação e a auto-representação do negro (Boris Kossoy, George Ermakoff, Ana Maria Mauad, Sandra Koutsokos);

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HISTÓRIA CULTURAL E O NEGRO Os estudos da história cultural e da história social que

usam o cinema problematizam a representação do negro, mas raramente tornaram-no objeto principal da pesquisa e narrativa;

O negro é uma parte da questão na maioria das abordagens sobre o campo cinematográfico brasileiro;

Aparece nas diferentes polarização dos trabalhos:a) Abordagens da representação da história nos

filmes;b) Análise das manifestações da cultura popular;c) Investigações sobre movimentos culturais (cinema

novo, tropicalismo, udigrundi, etc.) ;d) Estudos sobre as identidades nacional, regionais

ou locais;

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COMO PENSAR A HISTÓRIA DO NEGRO NO CINEMA? Primeiro é preciso definir o que se toma

como negro relacionado ao cinema:

a) As presença dos negros nas imagens fílmicas?

b) A presença da cultura negra?c) A presença da cultura afro-brasileira?d) A formação e construção das imagens dos

negros no cinema?e) A formação do cinema negro?

Do ponto de vista histórico apenas a opção “d” é viável.

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A PRESENÇA DOS NEGROS NAS IMAGENS

Enfrenta a dificuldade da atribuição e da auto-atribuição do negro como imagem e indivíduo;

A história da presença dos negros nas imagens dos filmes negros está relacionado a toda presença registrada – “totalidade do arquivo”;

Corre o risco da abordagem sincrônica;

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CULTURA NEGRA OU CULTURA AFRO-BRASILEIRA?

Enfrenta o problema da atribuição étnico-racial;

Corre o risco de assumir o resultado por hipótese: raça e etnia tornam-se pontos de partida;

Padrões como racialidade, etnicidade e negritude são resultados de processos sociais históricos;

O estudo histórico deveria mostrar como os processos sociais geraram esses padrões;

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A FORMAÇÃO DO CINEMA NEGRO

O cinema negro é uma busca, uma utopia;

Tem sido usado por diversos sujeitos que reivindicaram a autoria de um cinema negro;

Hoje é reivindicado pelos ativistas dos movimentos negros como um cinema de identidade negra;

O historiador deve tratar o cinema negro como um problema: por que tantos sujeitos reivindicaram para si este termo?

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POR ONDE COMEÇAR? Definir primeiro que trata-se de estudar a

formação e construção das imagens dos negros no cinema;

Definir imagem como um agente que mobiliza os sujeitos ao redor dos padrões sociais pelos quais negro foi e é vivido/pensado/representado no Brasil;

Definir que os padrões sociais mobilizados e mobilizadores das imagens (negritude, racialidade, etnicidade, nacionalidade, etc.) pela suas disputas;

Implica no enfrentamento da ambiguidade do Arquivo Cinematográfico Negro;

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ARQUIVO CINEMATOGRÁFICO NEGRO É o conjunto de imagens disponíveis nas

quais o negro aparece;

Tratam-se das imagens originais e suas sucessivas apropriações com uma espessura de sentido gigantesca;

Envolve uma tentação sincrônica de ignorar as superposições de apropriações ocorridas no tempo;

O historiador deve entender como o arquivo foi formado;

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PADRÕES SOCIAIS São formas de partilhar a experiência social;

Envolvem a marcação das fronteiras de identificação e diferenciação entre os sujeitos;

No caso do negro, podem ser partilhas raciais (racialidade), étnicas (etnicidade), de cor (negritude), espaciais (nacionalidade/regionalidade/natividade);

Nestes padrões as nomeações e visualizações (negro, afro, afro-brasileiro, afrodescente, povo, raça) podem assumir vários sentidos conforme o momento e contexto;

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EMERGÊNCIA DO NEGRO NO CAMPO CINEMATOGRÁFICO Procurar descobrir como o negro emergiu no cinema

brasileiro;

Hipótese: quando o negro começa a ser alvo de disputas diversas ocorre sua emergência como questão no campo cinematográfico;

Até os anos 1940 havia bloqueios a sua aparição, mas não uma interdição;

Dos anos 1950 em diante surge o negro como sinal de várias coisas além de si próprio: é quando emerge como questão;

Nos anos 1960 consolida-se a tematização do negro por sua politização nacionalista;

Dos anos 1970 em diante começa a lenta autonimização do negro como tema próprio e sua etniciziação;

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NA ERA DO TEN OU ENTRE VARGAS E JK Importância de Alinor Azevedo, José Carlos Burle, Grande

Otelo e Nelson Pereira dos Santos;

Filmes de destaque: Eles Vivem (1941), Moleque Tião (1943), Também Somos Irmãos (1948), Carnaval Atlântida (19), Sinha Moça (1950), Rio 40 Graus (1955), Rio Zona Norte (1957), Orfeu do Carnaval (1959);

Temas de destaque: favela, samba e escravidão;

Tema incômodo: a religiosidade, vista pelo viés da feitiçaria (Caiçara, 1952) ou da necromancia (Orfeu do Carnaval, 1959);

Nos anos 1950 ocorre a glaumorização (Orfeu do Carnaval) e a politização da favela (Rio 40 Graus e Rio Zona Norte);

Problematiza com dificuldade a noção de raça;

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TAMBÉM SOMOS IRMÃOS Direção: José Carlos Burle / Roteiro: Alinor Azevedo

Ano: 1948;

A negritude dos personagens é estruturante da trama;

Quando a classe é mobilizada no enredo, há oposição entre negros e brancos;

Quando não há desnível de classe, permanece certa igualdade de tratamento – mito da democracia racial;

O conflito racial aparece, mas raça não é nomeada;

Racialidade misturada com negritude – tratadas em chave moral e de classe;

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RIO ZONA NORTE Direção: Nelson Pereira dos Santos/ Roteiro: Alinor

Azevedo;

Ano: 1957;

A negritude e “brancura” dos personagens não é conflituosa;

Há tensões de classe, mas não tensão racial, embora haja alguma estruturação racial do mundo social;

Não há menção étnica e racialidade é misturada com negritude, também tratadas em chave moral e de classe;

A cultura (samba) e o espaço (favela) são definidores da negritude;

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DO CINEMA NOVO AO UDIGRUNDI OU DE JÂNIO AO AI 5 Emergência definitiva do negro e sua cultura como questão

política no campo cinematográfico;

Discussão das relações raciais e do preconceito – filme anti-racista (Integração Racial;

Temas: a religiosidade (Bahia de Todos os Santos, 1961; Barravento, 1961; O Pagador de Promessas, 1962), a história (Aruanda, 1961; Ganga Zumba, 1964), as relações raciais e o preconceito (Integração Racial, 1964; Esse Mundo é Meu), a favela e exclusão(A Grande Feira, 1961; Cinco Vezes Favela, 1962; A Grande Cidade, 1966);

A raça surge como função da classe social e a religiosidade como alienação;

O Negro politizado com símbolo da brasilidade e da resistência do povo – Cinema Novo coloca-se como mediador da (e com a) África no Brasil;

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BARRAVENTO Direção: Glauber Rocha/ Roteiro: Luiz Paulino, G. Rocha;

Ano: 1961;

A negritude é fonte de tensão, oposta a uma posse branca dos meios de produção;

As tensões de classe fazem funcionar as tensões de raça;

Há menção étnica;

A cultura é definidora da negro, em geral tida como fonte de alienação social;

Inserção do negro como sinal de uma potência revolucionária brasileira;