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HISTÓRIA E ESTRUTURA: A QUESTÃO DA TOTALIDADE Eduardo Holderle Peruzzo Doutorando do PPG de História Econômica HISTORIA ECONÔMICA E HISTÓRIA CULTURAL: TEORIA E HISTORIOGRAFIA (FLH53981) USP | FFLCH | PPGHE | CÁTEDRA JAIME CORTESÃO | GRUPO DE ESTUDOS HISTORIOGRÁFICOS IBEROAMERICANOS

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HISTÓRIA E ESTRUTURA: A QUESTÃO DA TOTALIDADE    

 Eduardo  Holderle  Peruzzo  

Doutorando  do  PPG  de  História  Econômica  

HISTORIA  ECONÔMICA  E  HISTÓRIA  CULTURAL:  TEORIA  E  HISTORIOGRAFIA  (FLH5398-­‐1)  

USP  |  FFLCH  |  PPGHE  |  CÁTEDRA  JAIME  CORTESÃO  |  GRUPO  DE  ESTUDOS  HISTORIOGRÁFICOS  IBERO-­‐AMERICANOS    

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PROBLEMÁTICA:  TOTALIDADE,  FRAGMENTAÇÃO  E  CONHECIMENTO  HISTÓRICO  

“Consequentemente, as novas perspectivas para a história também devem nos levar a essa meta essencial de quem estuda o passado, mesmo que nunca seja cabalmente realizável: "a história total". Não "a história de

tudo", mas a história como uma tela indivisível onde todas as atividades humanas estão interconectadas. Os marxistas não são os únicos que se propuseram esse objetivo —Fernand Braudel também fez isso— mas

foram eles que o perseguiram com mais tenacidade, como dizia um deles, Pierre Vilar.”

 [HOBSBAWM,   Eric.   J.   O   desafio   da   razão:   Manifesto   para   a   renovação   da   história.   (arCgo  originalmente  publicado  no  periódico  britânico  The  Guardian,  em  15/01/2005,  sob  o  Qtulo  In  defense  of  history.  Publicado  em  português  pela  agência  de  noQcias  Carta  Maior,  em    11/04/2008]  

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•  Crise  dos  paradigmas  •  Linguis1c  turn  •  Pós-­‐modernismo/pós-­‐estruturalismo  (agenda  pós-­‐moderna)  •  Morte  das  metanarraCvas  •  Fim  da  história  

•  Especialização  •  Novo  paradigma:  informação/bit/gene  (fragmento)  

“A  mudança  do  lugar  social  dos  cienCstas  e  técnicos  determinada  pela  economia  (isto  é,  pela  base  material  da   sociedade)  vem  exprimir-­‐se   teoricamente   (isto  é,  no  plano  das   ideias)  no  novo   paradigma   das   ciências   duras   (matemáCca,   `sica,   química),   naturais   (biologia)   e  humanas   (ciências   sociais),   qual   seja,   o   da   informação,   que   suplanta   tanto   o   paradigma  clássico  da  organização  quanto  o  paradigma  do  século  XX,  a  estrutura  (esses  dois  paradigmas  lidam  com  totalidades;  a  informação  lida  com  a  fragmentação  e  dispersão  de  sinais).”    

[CHAUI,  Marilena.  Nova  classe  trabalhadora:  enigmas?,  08/08/2013,  Fundação  Perseu  Abramo]  

•  Etc...    

FRAGMENTAÇÃO      

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PARES  DE  OPOSTOS  CONCEITUAIS  

Exemplo:  debate  historiográfico  sobre  Brasil  Colonial:  

 Abordagem  estrutural:  estrutura,  conjuntura,  sistema,  

processo,  formação,  dinâmica,  senCdo,  centro,  periferia...  x  

“Léxico  de  tecelagem”:  rede,  trama,  malha,  franjas,  nó…        

*  Não  há  movimento,  interação  entre  as  partes,  todo  descerebrado/  fragmentado,  sem  hierarquia  ou  determinação...  

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“...En aquel Imperio, el Arte de la Cartografía logró tal Perfección que el mapa

de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el mapa del Imperio, toda una Provincia. Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los

Colegios de Cartógrafos levantaron un Mapa del Imperio y coincidía puntualmente con él. Menos Adictas al Estudio de la Cartografía, las

Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin Impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y de los Inviernos. En los desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, habitadas

por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay otra reliquia de las Disciplinas Geográficas.

(Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, livro quarto, cap. XLV, Lérida, 1658.)”

Del rigor en la ciencia JORGE LUIS BORGES

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“...Naquele Império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do

império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafos levantaram um

Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos Afeitas ao Estudo da Cartografia, as

Gerações Seguintes entenderam que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos

desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das

Disciplinas Geográficas. (Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, livro quarto, cap. XLV, Lérida, 1658.)”

Do rigor na ciência JORGE LUIS BORGES

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O  PARADIGMA  CIENTÍFICO  MODERNO    

Ao   contrário   da   ciência   aristotélica,   a   ciência   moderna   desconfia  sistemaCcamente   das   evidências   de   nossa   experiência   imediata.   Tais  evidências,  que  estão  na  base  do  conhecimento  vulgar,  são  ilusórias”.  Descartes  insiste  em  que  o  método  cienQfico  se  assenta  na  redução  da  

complexidade,   uma   das   regras   do   seu   Discurso   Sobre   o   Método  consiste  precisamente  em  “dividir   cada  uma  das  dificuldades   [...]  em  tantas   parcelas   quantas   for   possível   e   requerido   para   melhor   as  

resolver”.   O   mundo   é   complexo   e   a   mente   humana   não   pode   o  compreender   integralmente,   conhecer   significa   dividir   e   classificar  para   depois   poder   determinar   relações   sistemáCcas   entre   o   que   se  

separou.  

[SANTOS,  Boaventura  de  Sousa:  Um  discurso  sobre  as  ciências.  São  Paulo:  Cortez,  2008.]  

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Na   conCnuidade   desse   racionalismo   cartesiano,   Isaac  Newton   concebeu   que   o   mundo   da   matéria   era   uma  máquina,   cujas   operações   poderiam   ser   determinadas  exatamente  por  meio  de  leis  `sicas  e  matemáCcas  e  esta  idéia   de   um   “mundo-­‐máquina”   foi   tão   poderosa   que   se  transformou   na   grande   hipótese   universal   da   época  moderna:   o   mecanicismo.   Afirmava   ainda   que,   só   a  invesCgação   experimental   (empirismo)   “era   capaz   de  fornecer  um  conhecimento  parcial   do   todo  natural   que,  cumulaCva   e   progressivamente,   poderia   conduzir   a   um  conhecimento  maior  desta  totalidade  objeCva”.    

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Esta  concepção  mecanicista  e  de  uma  natureza   regida  por  leis   universais   era   também,   no   plano   social,   “o   horizonte  mais   adequado   aos   interesses   da   burguesia   ascendente,  que  via  na  sociedade  em  que  começava  a  dominar  o  estágio  final   da   evolução   da   humanidade   (o   estado   posiCvo   de  Comte)”  e  portanto,  “Tal  como  foi  possível    descobrir  as  leis  da  natureza,   seria   igualmente  possível  descobrir   as   leis  da  sociedade.   Bacon,   Vico   e   Montesquieu   são   os   grandes  precursores”.  

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As   ideias   apresentadas   por   Sousa   Santos   e   aqui   simplificadas   acerca   do  método   cienQfico,   permitem,   idenCficar   uma   tendência   que   serão  encontradas  –  ainda  que  de  de   forma  heterogênea  –  em  algumas   linhas  do   conhecimento   histórico   do   século   XIX:   a   ideia   de   que   as   partes   se  relacionam   e   tem   funções   enquanto   partes   de   um   todo,   que   há   uma  causalidade  interligando  estas  partes,  o  que  expressa  as  regularidades  do  que  podemos  hoje   chamar  um   sistema.     Logo,   esta   noção  de   ciência   já  sugere   a   importância   de   uma   visão   global.   Afinal,   mesmo   que   um  determinado   objeto   seja   abordado   de   maneira   parCcular,   a   concepção  cienQfica   predispõe   uma   noção   sistêmica   (mesmo   que   mecanicista)   na  qual   este  objeto   se   arCcula   com  os  demais,   visto   como   componente  de  um  organismo  maior.   Dizendo   de   outra   forma,   o   paradigma   cartesiano-­‐newtoniano   oferece   uma   visão   mecanicista   na   qual,   para   entender   o  funcionamento  da  “máquina”,  é  preciso  desmontá-­‐la  ou  dividi-­‐la  em  suas  partes  e  logo  uni-­‐las  em  um  todo  por  meio  de  suas  causalidades.    

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HEGEL  E  A  TOTALIDADE  DIALÉTICA  

Também   em   uma   simplificação,   pode-­‐se   dizer   que   a  história   da   dialéCca   remonta   aos   primórdios   do  pensamento   especulaCvo   ocidental,   principalmente   aos  pensadores  clássicos,  que  inauguram  praCcamente  todas  as   discussões   desta   natureza.   Esta   herança   foi  redescoberta   por   vários   filósofos   e   pensadores  modernos,   mas   se   deve   principalmente   a   G.   F.   Hegel   a  elaboração  dos  traços  fundamentais  da  dialéCca  idealista  moderna,   que   foi   a   base   para  Marx   elaborar   a   inversão  materialista  da  dialéCca.    

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A   acepção   moderna   da   dialéCca   é   “o   modo   de   pensarmos   as  contradições   da   realidade,   o   modo   de   compreendermos   a   realidade  como  essencialmente  contraditória  e  em  permanente  transformação”.  

 [KONDER,  Leandro.  O  que  e  dialé1ca.  São  Paulo:  Brasiliense,  1981.    p.8]    “A  dialé1ca  não  pensa  o  todo  negando  as  partes,  nem  pensa  as  partes  abstraídas  do  todo.  Ela  pensa  tanto  as  contradições  entre  as  partes  (a  diferença  entre  elas:  o  que  faz  de  uma  obra  de  arte  algo  dis1nto  de  um  panfleto   polí1co),   como   a   união   entre   elas   (o   que   leva   a   arte   e   a  polí1ca  a  se  relacionarem  no  seio  da  sociedade  enquanto  totalidade)”.  

 [COUTINHO,  Carlos  Nelson  apud  KONDER  Op  cit.  p.  46]  

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Hegel   criou   um   sistema   no   qual   todo   o   universo,   da   Natureza,   da  História  e  do  Espírito,  era  representado  como  um  processo,  quer  dizer,  como   um   todo   envolvido   num   movimento,   numa   transformação   e  numa   evolução   constantes.   Como   filósofo   idealista,   subordinava   os  movimentos   da   realidade   material   à   lógica   de   um   principio   que   ele  denominava   “Ideia   Absoluta”:   “Para   Hegel,   o   movimento   do  pensamento,  que  ele  personifica  sob  o  nome  de  Ideia,  é  o  demiurgo  da  realidade,  a  qual  não  é  mais  do  que  a   forma   fenomênica  da   Ideia.  A  história  é  assim,  o  auto-­‐desenvolvimento  de  um  Espírito  Absoluto,  é  a  realização  no   tempo  da   Ideia  Absoluta,  a  que  os   indivíduos  humanos  servem  de  suporte”.    

[BROHM,  Jean  Marie.  O  que  é  a  dialé1ca.  Lisboa:  AnQdoto,  1979.  p.  12.]    

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No  caminho  aberto  por  Hegel,  seu  discípulo  Karl  Marx  a  parCr  de  uma  concepção  materialista  da  história,   vai   inverter   a  dialéCca   idealista  e  considerar  que  o  movimento  da  história  são  os  indivíduos,  sua  ação  e  suas   condições  materiais   de   vida,   tanto   aquelas   que   encontraram   já  existentes  como  as  criadas  por  sua  própria  ação.  Ou  seja,  criCca  Hegel  porque   este   percebe   a   realidade   como   um   objeto,   mas   não   como  aCvidade   humana   concreta.   Marx   inverte   a   relação   entre  materialidade  e  pensamento  concebida  por  Hegel,  que  colocava  este  úlCmo  como  produtor  daquela,   inversão  que  significou  criCcar  o  viés  idealista   e   apresentar   a   vida   material   como   produtora   das  representações  mentais.    

[ALONSO,  José  A.  Metodologia.  México:  Edicol,  1981.  p.  104]  

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MATERIALISMO  DIALÉTICO  E    A  CATEGORIA  DE  TOTALIDADE  

“Ora,  o  problema  colocado  por  Marx    (e  por  todos  aqueles  que  têm  a  preocupação,  na  esperança  de  domina-­‐los  um  dia,  de  esclarecer  os  mecanismos   das   sociedades   humanas)   é   o   da   construção   de   uma  ciência   dessas   sociedades   que   seja   ao   mesmo   tempo   coerente  graças  a  um  esquema   teórico   sólido  e   comum,   total,   capaz  de  não  deixar   fora   de   suas   jurisdição   qualquer   campo   de   análise   úCl,  dinâmica,   pois   na  medida   em  que   nenhuma  estabilidade   é   eterna,  nada  é  mais  úCl  de  descobrir  que  o  princípio  das  mudanças.”    

[VILAR,  Pierre.  História  marxista,  história  em  construção.  In:  LE  GOFF,  J.  &  NORA,  P.  (org.).  História  –    novos  problemas.  Rio  de  Janeiro  :  F.  Alves,  1976.  pp.  146-­‐178.]  

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“[...]  Totalidade  não  significa  todos  os  fatos.  Totalidade  significa:  realidade  como  um  todo  estruturado,   dialé1co,   no   qual   ou   do   qual   um   fato   qualquer   pode   ser   racionalmente  compreendido.   Acumular   todos   os   fatos   não   significa,   ainda,   a   totalidade.   Os   fatos   são  conhecimento  da  realidade  se  são  compreendidos  como  fatos  de  um  todo  dialé1co  –  isto  é,  se  não  são  átomos  mutáveis,  indivisíveis  e  indemonstráveis,  de  cuja  reunião  a  realidade  sai  recons1tuída  –  se  são  entendidos  como  partes  estruturais  do  todo.”       "[...]  A   totalidade   concreta   não   é   um  método   para   captar   e   exaurir   todos   os   aspectos,  caracteres,   propriedades,   relações   e   processos   da   realidade;   é   uma   teoria   da   realidade  como  totalidade  concreta.  Se  a  realidade  é  entendida  como  concre1cidade,  como  um  todo  que   possui   sua   própria   estrutura   (e   que,   portanto,   não   é   caó1co),   que   se   desenvolve   (e,  portanto,  não  é  imutável  nem  dado  uma  vez  por  todas),  que  se  vai  criando  (e  que,  portanto,  não  é  um  todo  perfeito  e  acabado  no  seu  conjunto)  [...]”    “[...]  de  semelhante  concepção  da  realidade  decorrem  certas  conclusões  metodológicas  que  se   convertem  em  orientação  heurís1ca  e  princípio  epistemológico  para  estudo,  descrição,  compreensão,   ilustração   e   avaliação   de   certas   seções   tema1zadas   da   realidade,   quer   se  trate  da  bsica  ou  da  ciência   literária,  da  biologia  ou  da  polí1ca  econômica,  de  problemas  teóricos  da  matemá1ca  ou  de  questões  prá1cas  rela1vas  à  organização  da  vida  humana  e  da  situação  social.”  

 [KOSIK,  Karel.  A  dialé1ca  do  concreto.  Rio  de  Janeiro:  Paz  e  Terra.  2002,  pp.  43-­‐44.]  

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“[...]  nunca   há   pontos   de   par1da   absolutamente   certos,  nem  problemas  defini1vamente   resolvidos;  afirma  que  o  pensamento   nunca   avança   em   linha   reta,   pois   toda  verdade   parcial   só   assume   sua   verdadeira   significação  por   seu   lugar   no   conjunto,   da   mesma   forma   que   o  conjunto   só   pode   ser   conhecido   pelo   progresso   no  conhecimento   das   verdades   parciais.   A   marcha   do  conhecimento   aparece   assim   como   uma   perpétua  oscilação   entre   as   partes   e   o   todo,   que   se   devem  esclarecer  mutuamente.”    

[GOLDMANN,  Lucien.  Dialé1ca  e  Cultura.  São  Paulo:  Melhoramentos.  1979.  pp.  55-­‐56.]  

 

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“Quando   consideramos   um   país   dado   do   ponto   de   vista   econômico   políCco,   começamos   por   sua  população,  a  divisão  desta  em  classes,  a  cidade,  o  campo,  o  mar,  os  diferentes  ramos  da  produção  [...]  Parece  que  o  correto  é  começar  pelo  real  e  pelo  concreto,  que  são  a  pressuposição  prévia  e  efeCva  [...]  A  população  é  uma  abstração  se  deixo  de  lado  as  classes  que  a  compõem.  Estas  classes  são,  por  sua  vez,  uma  palavra  vazia  se  ignoro  os  elementos  sobre  os  quais  repousam,  por  exemplo:  o  trabalho  assalariado,  o   capital.   [...]   Chegado   a   este   ponto,   teria   que   fazer   a   viagem   de   retorno,   até   dar   de   novo   com   a  população,  porém  desta  vez  não   teria   como  uma   representação  caóCca  de  um  conjunto,  senão  como  uma   rica   totalidade   com  múlVplas  determinações  e   relações.   [...]  O   concreto  é   concreto,  porque  é  a  concentração  de  muitas  determinações,  portanto  unidade  do  diverso.  Aparece  no  pensamento  como  o  processo  de  síntese,  como  resultado,  não  como  ponto  de  parCda,  ainda  que  seja  o  verdadeiro  ponto  de  parCda,   e,   em   conseqüência,   o   ponto   de   parCda   também   da   intuição   e   da   representação".   [...]   a  totalidade  concreta,  como  totalidade  de  pensamentos,  como  um  concreto  de  pensamentos,  é  de  fato  um   produto   do   pensar,   do   conceber;     não   é   de   modo   nenhum   o   produto   do   conceito   que   pensa  separado  e  acima  da  intuição  e  da  representação,  e  que  se  engendra  a  si  mesmo,  mas  da  elaboração  da  intuição  e  da  representação  em  conceitos.    O  todo,  tal  como  aparece  no  cérebro,  como  um  todo  de  pensamento,  é  um  produto  do  cérebro  pensante  que  se  apropria  do  mundo  do  único  modo  que  lhe  é  possível,  modo  que  difere  do  modo  ardsVco,  religioso  e  práVco-­‐mental  de  se  apropriar  dele.    O  sujeito  real  permanece  subsisCndo,  agora  como  antes,  em  sua  autonomia  fora  do  cérebro,  isto  é,  na  medida  em  que  o  cérebro  não  se  comporta  senão  especulaCvamente,  teoricamente.    Por  isso  também,  no  método  teórico   é   necessário   que   o   sujeito,   a   sociedade,   deve   figurar   sempre   na   representação   como  premissa.”  [grifo  meu  

 [MARX,  Karl.  Introducción  general  a  la  crí1ca  de  la  economia  polí1ca/  1857.  México:  Siglo  XXI,  1982.  

pp.  50-­‐52].     18  

MARX:          concreto          è abstração        è  concreto  pensado  

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“O   materialismo   histórico   propõe-­‐se   a   estudar   o   processo   social   em   sua  totalidade:   isto   é,   propõe-­‐se   a   fazê-­‐lo   quando   este   surge   não   como  mais   uma  história  ‘setorial’  [...],  mas  como  uma  história  total  da  sociedade,  na  qual  todas  as  outras   histórias   setoriais   estão   reunidas.   Propõe   a   mostrar   de   que   modos  determinados   cada   aCvidade   se   relacionou   com   a   outra,   qual   a   lógica   desse  processo  e  a  racionalidade  da  causação.”    “[...]  disCngue-­‐se  de  outros  sistemas  interpretaCvos  pela  sua  obsCnação  teimosa  em  elaborar  essas  categorias  e  em  arCculá-­‐las  numa  totalidade  conceptual  [sic].  Esta   totalidade   não   é   uma   “verdade”   teórica   acabada;  mas   também  não   é   um  modelo   ficQcio,   é   um   conhecimento   em   desenvolvimento,   muito   embora  provisório  e   aproximado   com  muitos   silêncios  e   impurezas.  O  desenvolvimento  desse  conhecimento  se  dá  tanto  na  teoria  quanto  na  práCca:  surge  de  um  diálogo  e  seu  discurso  de  demonstração  é  conduzido  nos  termos  da  lógica  histórica.”  

[THOMPSON,  Edward  P.    A  miséria  da  teoria,  ou,  um  planetário  de  erros  :  uma  crí1ca  ao  pensamento  de  

Althusser.    Rio  de  Janeiro:  Zahar,  1981.  p.82;  p.  61.]    19  

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“Não   é   a   predominância   dos   moCvos   econômicos   na  explicação  da  história  que  disCngue  de  modo  terminante  o  marxismo   da   ciência   burguesa;   é   o   ponto   de   vista   da  totalidade.   A   categoria   de   totalidade,   a   predominância  universal   e   determinante   do   todo   sobre   as   partes  consCtui   a   própria   essência   do   método   que   Marx  emprestou  de  Hegel  e  o  transformou,  de  maneira  a  fazê-­‐lo  a  fundamentação  original  de  uma  ciência  inteiramente  nova  [...]  a  predominância  da  categoria  da  totalidade  é  o  suporte  do  princípio  revolucionário  na  ciência.”  

 [LUKÁCS,  G.  apud  GOLDMANN,  Lucien.  Dialé1ca  e  Cultura.  São  Paulo:  

Melhoramentos,  1979.  p.  49]  

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TOTALIDADE  E  CIÊNCIA  HISTÓRICA  

Discorreu-­‐se  até  o  momento  acerca  da  concepção  filosófica  e  dialéCca   da   totalidade,   ainda   que   aplicada   no   universo  cienCfico   e   trabalhada   enquanto   método   pelo   materialismo  histórico.   Atentaremos,   a   parCr   de   agora,   para   o  desenvolvimento   desta   questão   no   âmbito   da   disciplina  histórica,   e   no   surgimento   das   ciências   sociais.   Trazendo    citações   de   autores,   entre   os   quais,   representantes   das   três  correntes  de  pensamento  que  mais  influenciaram  a  produção  historiográfica  francesa  no  século  XIX:  o  historicismo  alemão,  o  posi1vismo  com1ano  e  a  escola  metódica.        

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“Agora,   a   história   é   uma   enciclopédia;   é   preciso   enfiar   tudo  nela,  desde  astronomia  até  química,  desde  a  arte  do  financista  até   a   do   manufator,   desde   o   conhecimento   do   pintor,   do  escultor  e  da  arquitetura  até  o  do  economista,  desde  o  estudo  das  leis  eclesiásCcas,  civis  e  criminais  até  o  das  leis  políCcas.”  [CHATEUBRIAND,  François-­‐R.  de    apud  LE  GOFF.  A  história  nova.  São  Paulo:  MarCns  

Fontes.  2005.  p.52]  

 “Apenas   foi   feita   a   história   dos   reis,   mas   não   foi   feita   a   da  nação,   parece   que   durante   1.400   anos   houve   nas   Gálias  somente  reis,  ministros  e  generais,  mas  nossos  costumes,   leis  hábitos,  vestuário  e  espírito  não  estão  lá?”  

[VOLTAIRE  apud  DOSSE.  A  história  em  migalhas,  dos  Annales  à  nova  história.  Bauru:  Editora  EDUSC.  2003.  p.  200.]  

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“A  manifestação  par1cular  é  compreendida  como  uma  manifestação  do   interior,   entendida   como   uma   simples   expressão   da   natureza  interior;  esse   interior  é  evidenciado,  no  exemplo  desta  manifestação,  como   uma   força   central   que   se   apresenta   em   si,   declarando   sua  

natureza,  como  sendo  um  todo  sem  diferença,  como  também  o  é  cada  um   de   seus   efeitos   e   manifestações   periféricas.   O   par1cular   é  compreendido  no  todo  e  o  todo  é  compreendido  no  par1cular.”    

 

[DROYSEN,  Johann  G.    Manual  de  teoria  da  história.  Petrópolis:  Vozes,  2009.  p.  39]

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 *  historicismo  alemão  

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Leopold  von  Ranke  em  seu  manuscrito  inCtulado  O  par1cular  e  o  geral  no  estudo  da  História  (1860)  começa  com  a  seguinte  afirmação:  “Reconhecemos  que  a  história  nunca  poderá  ter  a  unidade  de  um   sistema  filosófico,  mas   ela   não   carece   de   conexão   interna.  Vemos  desfilar  ante  nós  uma  série  de  acontecimentos  os  quais  se  regem  e  condicionam  mutuamente”.  Em  outro,   chamado  A   ideia  da  História  Universal   (1830)   também  encontramos  uma  noção  de  causalidade   “Os   eventos   se   tocam   e   atuam   simultaneamente   uns   sobre   os   outros:   o   que  precede  determina  o  que  segue;  existe  uma  interna  conexão  de  causa  e  efeito”  e  ainda  seu  conceito  de  totalidade:    "Pois  bem,  assim  como  existe  o  parCcular,  o  nexo  de  um  com  o  outro,  assim  também  possui  finalmente   existência   a   totalidade   [...]   Em   se   tratando   de   um   povo,   não   podemos  preocupar-­‐nos   somente   dos  momentos   individuais   de   suas     expressões   vitais,   e   sim   nos  interessar-­‐  pela  totalidade  de  seu  desenvolvimento,  de  seus  fatos,  de  suas   insCtuições,  de  sua   literatura   [...]  Vê-­‐se  quanto   infinitamente  di`cil   chega  a   ser   a   situação   com  a  história  universal.   Que   infinita   massa   de   materiais   quantos   diversos   esforços,   quanta   dificuldade  para  abarcar  tão  somente  o  parCcular!  [...]  Tenho  para  mim  como  coisa  impossível  resolver  completamente  este  problema.  Só  Deus  conhece  a  história  universal.”  

[RANKE,  Leopold  von  apud  MEDINA,  Juan  O.  Teoria  y  cri1ca  de  la  historiografia  cien1fico-­‐idealista  alemana.  Humbold–Ranke.  México:  UNAM,  1980.  p.143.]  

 

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     *  Escola  metódica  (alemã)  

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   *  PosiVvismo  

“O  traço  principal  da  filosofia  posi1vista”,  escrevia  o  filósofo,  “consiste  em  que  considera  que  todos  os  fenômenos  estão  subme1dos  a  leis  naturais  e  invariáveis  e  que  o  exato  descobrimento  destas  leis  e  sua  redução  ao  mínimo  possível  cons1tui  o  fim  de  todos  os  nossos  esforços”.    

[COMTE,  Auguste.  Cours  de  philosophie  posi1ve.  Paris:  Société  PosiCviste.  v.  1.  1892,  pp.  11-­‐12.]  

 

  Comte   ambicionava   fundar   a   ciência   da   sociedade,   capaz   de   explicar   o   passado   da   espécie  humana  e  predizer  seu  futuro  aplicando  os  mesmos  métodos  de  invesCgação  próprios  do  estudo  da  natureza,  a  saber,  observação,  experimentação  e  comparação,  de  onde  surgiu  a  Sociologia  inicialmente  chamada  “`sica  social”:  “Eu  entendo  por  bsica  social  a  ciência  que  tem  por  objeto  próprio  o  estudo  dos  fenômenos  sociais”.    

  Se   refere   ao   posiCvismo   como   um   sistema,   com   uma   estrutura   de   ordenação,   mas   onde   não  subesCma  sua  evolução   (a   lei  dos   três  estágios)  e  no  seu  Curso  de  Filosofia  Posi1va  propunha  uma  aula  de  “Considerações   sobre   a   estrutura   geral   das   sociedades   humanas”   e   outra   sobre   a   “Lei   natural   do  desenvolvimento   da   espécie   humana,   considerada   em   seu   conjunto”   e   ainda   uma   aula   sobre   “Leis  fundamentais  da  dinâmica  social,  ou  teoria  geral  do  progresso  natural  da  humanidade”.  O  próprio  escruQnio  “enciclopédico”  das  varias  ciências  que  compõem  o  conhecimento  humano  e  a  hierarquia  que  Comte  propôs  entre   elas   quanto   ao   grau   de   cienCficidade,   visava   a   construção   de   um   sistema   geral   dos   conhecimentos  humanos,  em  que  todas  as  concepções  deviam  apresentar-­‐se  como  as  diversas  partes  de  um  sistema  único  e  completo.  

[Cf.  COMTE,  A.  apud  ARNAUD,  Pierre.  Sociologia  de  Comte.  Barcelona:  Península,  1971.  p.  20.]  

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“A  História  não  é  uma  arte.  É  uma  ciência  pura.  Ela  consiste,  como  toda  a  ciência,  em  constatar  os  fatos,  analisá-­‐los,  juntá-­‐los,  estabelecer  a  ligação  entre  eles.  Pode  acontecer   que   uma   certa   filosofia   se   desprenda   desta   história   cienQfica;  mas   é  preciso   que   ela   se   desprenda   naturalmente,   por   ela   própria,   quase   sem  intervenção  da  vontade  do  historiador.  Ele  não  tem  outra  ambição  senão  ver  bem  os  fatos  e  compreendê-­‐los  com  exaCdão  [...].  A  sua  única  habilidade  consiste  em  Crar  dos  documentos  tudo  o  que  eles  contêm  e  não  acrescentar  nada.  O  melhor  dos  historiadores  é  aquele  que  fica  mais  perto  dos  textos,  que  os  interpreta  com  mais  fidelidade,  que  não  escreve  e  mesmo  não  pensa  senão  de  acordo  com  eles.”    

[COULANGES,  Fustel  de.  Histoire  des  instutu1ons  poli1ques  de  l’ancienne  France.  Paris:  Hache�e,  1931.  (Tomo  III,  capítulo  1  -­‐  La  monarchie  franque)]  

{A  respeito  do  “senCdo  de  unidade”  de  Michelet  e  Fustel  de  Coulanges,  Bloch  escreve:  “Estes  dois  grandes  historiadores  eram  grandes  demais  para  ignorá-­‐lo:  [...]  o  conhecimento  

dos  fragmentos,  sucessivamente  estudados,  cada  um  por  si,  jamais  propiciará  o  do  todo;  não  propiciará  sequer  o  dos  próprios  fragmentos”.    

(BLOCH,  M.    Apologia  da  história  ou  o  obcio  de  historiador.  Rio  de  Janeiro:    Jorge  Zahar  Editor.  2001.  p.  134.)}  

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*  PosiVvismo  

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     *Escola  metódica  (francesa)  

  Charles   Langlois   e   Charles   V.   Seignobos   desCnam   a   úlCma   parte   de   seu   Introdução   aos  estudos   históricos     ao   que   chamam   de   operações   sinté1cas,   que   se   divide   em   três   momentos:  agrupação   dos   fatos,   racionalização   constru1va   e   construção   de   fórmulas   gerais.   Ainda   fortemente  vinculado  ao  método  cartesiano  de  classificação,  o  objeCvo  inicial  da  síntese  proposta  por  estes  autores  era   separar,   ordenar   e   classificar   os   fatos.   Estes,   por   sua   vez,   os   classificam   em   diversas   categorias,  como:  condições  materiais  (dados  quanCtaCvos),  costumes  econômicos,  ins1tuições  sociais,  etc.  O  mais  interessante  é  a  expressão  –  entre  parênteses  –ao  lado  de  hábitos  intelectuais  e  de  costumes  materiais,  dizendo:   “(não   obrigatórios)”,   e   ao   lado   de   ins1tuições   polí1cas:   “(obrigatórios)”,   já   salientando  importância  destes,  em  detrimento  da  menor  relevância  daqueles,  para  os  autores.    

  Se   o   objeCvo   inicial   desta   proposta   era   primeiramente   agrupar   os   fatos   conforme   sua  natureza,   tempo   e   lugar   em   que   se   produziram,   posteriormente   havia-­‐se   de   cumprir   uma  “racionalização  construCvoa”  dos  mesmos.  É  neste  momento  que  fica  ainda  evidente  a  sobreposição  da  história  políCca,   sobre  as  demais  áreas.  Por  mais  que  os  autores   salientem  várias  vezes  que   todos  os  fatos  devam  ser   levados  em  consideração,  e  que  portanto  uma  “história  geral”  deve  prevalecer  sobre  “histórias   específicas”,   até  mesmo   afirmando   que   “Todos   os   ramos   da   história   que   estudam   uma   só  espécie   de   fatos,   isolada   por   completo   (língua,   artes,   direito   privado,   religião),   se   vêem   expostas   ao  mesmo  perigo,  porque  não  vêem  mais  do  que  pedaços  da  vida  humana  e  não  conjuntos”,  na  práCca,  o    destaque  ainda  se  volta  para  o  caráter  políCco  da  sociedade,  para  os  acontecimentos  desta  natureza  e  os  documentos  oficiais  produzidos  a  parCr  deles.        "Como  os  fatos  gerais  são  sobretudo  de  natureza  polí1ca,  e  como  é  mais  dibcil  organizá-­‐los  em  um  ramo  especial,   a   história   geral   tem   permanecido   de   fato   confundida   com   a   história   polí1ca  (Staatengeschichte).   Assim,   os   historiadores   polí1cos   se   tornaram   os   campeões   da   história   geral  conservando  em  seus  escritos  todos  os  fatos  gerais  (imigração  dos  povos,  reformas  religiosas,  invenções  e  descobertas)  necessários  para  compreender  a  evolução.”      

[LANGLOIS  &  SEIGNOBOS.  Introduccion  a  los  estudios  historicos.    Buenos  Aires  :  Pleyade,  1972.  pp.  173-­‐184]  27  

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OS  ANNALES  E  A  HISTÓRIA  TOTAL  “Há   pois   atualmente   [1911]   uma   espécie   de   crise,   onde   se   traduz   o   estado  inorgânico  dos  estudos  históricos.  Estamos  convencidos  de  que  este  mal-­‐estar  que  não  é  peculiar  à  França,  que  é  mais  ou  menos  sensível  em  todos  os  países  de   forte   cultura   histórica   –   provém   do   fato   de   que   um   grande   número   de  historiadores   jamais  refleCram  sobre  a  natureza  de  sua  ciência.  Estabelecem  os  fatos,  porque  tal  e  gosto  ou  apCdão:  não  refleCram  sobre  esta  história  que  os  profanos  pedem  aos  historiadores  como  distração.  Pretende-­‐se  que  assim  acontece  porque  a  História  é  demasiado  cienQfica  e  sem  contato  com  a  vida:  estamos   convencidos   de   que,   ao   contrario,   ela   não   é   suficientemente  cienQfica.”      

[BERR,  Henri.  A  síntese  em  história:  ensaio  crí1co  e  teórico.    São  Paulo:  Renascença.  1946.pp.  6-­‐7.]  

   {A  Revue  de  synthèse  historique  combate  o  feCchismo  do  fato  e  o  reducionismo  da  escola  metódica.  Henri  Berr  preconiza  a  história  síntese,  a  história  global  que  levaria  em  consideração  todas  as  dimensões  da  realidade,  dos  

aspectos  econômicos  às  mentalidades,  em  uma  perspecCva  cienQfica.  Nesse  caso  retoma  as  ambições  durkheimianas  de  pesquisa  das  leis  e  das  casualidades.  (DOSSE,  François.  A  história  em  migalhas,  dos  Annales  à  nova  história.  Bauru:  

Editora  EDUSC.  2003,  p.68)}    28  

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“É   preciso   que   nossa   sociedade   retome   a  consciência  de  sua  unidade  orgânica  [...].  Muito  bem,  senhores,  creio  que  a  sociologia  está,  mais  do  que  qualquer  outra  ciência,  em  condição  de  restaurar  tais  ideias.”      

[DURKHEIM,  E  apud  DOSSE,  François.  A  história  em  migalhas,  dos  Annales  à  nova  história.  Bauru:  Editora  EDUSC.  2003.  p.43]  

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“Nesses   fenômenos   sociais   ‘totais’,   como  nos  propomos  chamá-­‐los,  exprimem-­‐se,  de  uma  só  vez,  as  mais  diversas  insCtuições:   religiosas,   jurídicas   e   morais   –   estas   sendo  políCcas   e   familiares   ao  mesmo   tempo  –;   econômicas   –  estas   supondo   formas   parCculares   da   produção   e   do  consumo,  o  melhor  do  fornecimento  e  da  distribuição  –;  sem   contar   os   fenômenos   estéCcos   em   que   resultam  esses   fatos   e   os   fenômenos   morfológicos   que   estas    insCtuições    manifestam.”      [MAUSS,  Marcel.  Ensaio  sobre  a  dádiva:  forma  e  razão  da  troca  nas  sociedades  arcaicas.  In:  Sociologia  e  antropologia.  São  Paulo:  Cosac  Naify,  2003.  p.  187.]    

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Em  1929  surgia  em  França  os  Annales  d’Histoire  Économique  et  Sociale,  o  primeiro  nome  do   periódico   da   origem   ao   novo  movimento   historiográfico.   Logo   na   apresentação   do  primeiro   exemplar,   os   autores,   jusCficam   a   finalidade   da   nova   publicação.   Após  afirmarem  que  até  agora  “os  historiadores  só  haviam  reproduzido  os  mesmos  métodos  e  portanto   chegado   aos   mesmos   resultados”,   estes   definem   o   objeCvo   da   revista;   na  realidade,   um   objeCvo   triplo.   Primeiramente,   tencionavam   acabar   com   o   cisma   entre  historiadores   e   demais   cienCstas   sociais,   proporcionando   um   fórum   para   debates,  disseminação   de   novas   metodologias   e   abordagens   diferentes.   Em   segundo   lugar,  procuravam   quebrar   –   ou   ao   menos   atenuar   –   a   comparCmentação   da   história   em:  anCga,  medieval  e  moderna;  além  de  obviar  disCnções  arCficiais,  como  a  oposição  entre  sociedades   “primiCvas”   e   “civilizadas”.   E   finalmente,   embora   respeitando   a  “especialização   legíCma”,  almejavam  derrubar  as  barreiras  entre  as  disciplinas  e  a  criar  uma   comunidade   das   Ciências   Humanas   –   em   torno   da   História   –   que   visasse   o  desenvolvimento   interdisciplinar   de   uma   história   econômica,   social,   ou   da   “história  simplesmente”.  “Num  tom  que  viria  a  ser  caracterís1co  dos  primeiros  dez  anos  de  revista,  os  diretores  concluíam:  ‘O  nosso  empreendimento  é  um  ato  de  fé  na  virtude  exemplar  do  trabalho  honesto,  consciencioso  e  construído  em  bases  sólidas’”.    

[BLOCH,  M.  &  FEBVRE,  L..  À  nos  lecteurs.  Annales  d'histoire  économique  et  sociale,  1e  année,  N.  1,  1929.  pp.  1-­‐2.    e  FINK,  Carol.  (1995).  Marc  Bloch  –  uma  vida  na  história.  Oeiras:  Celta.  1995.  p.  144]  

     

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Annales  d’Histoire  Économique  et  Sociale  

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“Volto   mais   atrás:   não   há   história   econômica   e  social.   Há   história   tout   court,   na   sua   Unidade.   A  história   que   é   toda   ela   social,   por   definição.   A  história   que   considero   o   estudo,   cienCficamente  conduzido,   das   diversas   aCvidades   e   das   diversas  criações   dos   homens   de   outrora,   tomados   na   sua  data,   no   quadro   de   sociedades   extremamente  variadas   e   contudo   comparáveis   umas   com   as  outras   (é   postulado   da   sociologia),   com   as   quais  encheram   a   super`cie   da   terra   e   a   sucessão   das  épocas.”      

[FEBVRE,  L.  Combates  pela  História.  Lisboa:  Presença,  1989.  p.  30]  

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“Esse  homem,  numa  palavra,   é  o   lugar   comum  de  todas   as   aCvidades   que   exerce   –   e   podemos  interessar-­‐nos  mais  parCcularmente  por  uma  delas,    pelas   suas   aCvidades   econômicas,   por   exemplo.  Com   condição,   que   é   nunca   esquecer   que   elas   o  põem  em  causa   inteiro,  sempre  –  e  no  âmbito  das  sociedades   que   criou.  Mas   aí   está   precisamente   o  que   significa   o   epíteto   social,   que   se   junta  ritualmente   ao   do   econômico;   essa   condição  lembra-­‐nos  que  o  objeto  de  nossos  estudos  não  é  um  fragmento  do  real,  um  dos  aspectos  isolados  da  aCvidade   humana   –   mas   o   próprio   homem,  entendido  no  seio  dos  grupos  que  faz  parte.”      

[FEBVRE,  L.  Combates  pela  História...,  1989.  p.  31]  

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Segundo   o   que   escreve   Jacques   Le   Goff,   no   prefácio   de  Apologia   da   história,   ou   o   obcio   de   historiador   (testamento  intelectual  de  Bloch,  publicado  postumamente  em  1949,  por  Lucien   Febvre),   existem   duas   palavras-­‐chave   para   se  compreender  o  temperamento  de  historiador  de  Marc  Bloch:      “‘Mu1lação’:   Bloch   se   recusa   uma   história   que   mu1laria   o  homem   (a   verdadeira   história   interessa-­‐se   pelo   homem  integral,  com  seu  corpo,  sua  sensibilidade,  sua  mentalidade,  e  não   apenas   suas   idéias   e   atos)   e   que   mu1laria   a   própria  história,  esforço  total  para    apreender  o  homem  na  sociedade  e  no  tempo.  ‘Fome’:  a  palavra  já  evoca  a  célebre  frase  inscrita  desde   o   primeiro   capítulo   do   livro:   “o   bom   historiador   se  parece  com  o  ogro  da  lenda.  Onde  fareja  carne  humana,  sabe  que  ali  está  sua  caça”.    

 [LE  GOFF,  J.  In:  BLOCH,  M.  Apologia  da  História...2001.  p.  20]  

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“Ora,   ‘homo   religiosus’,   ‘homo   econômicus’,  ‘homo  poliCcus’,  toda  essa   ladainha  de  homens  em   ‘us’,   cuja   lista   poderíamos   estender   à  vontade,   evitemos   tomá-­‐los   por   outra   coisa   do  que  na  verdade  são:  fantasmas  cômodos,  com  a  condição   de   não   se   tornarem   um   estorvo.   O  único  ser  de  carne  e  osso  é  o  homem,  sem  mais,  que  reúne  ao  mesmo  tempo  tudo  isso.”      

[BLOCH,  M.  .  Apologia  da  História...2001.  p.  133]  

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TOTALIDADE  E  ESTRUTURA:    HISTORIA  E  CIÊNCIAS  SOCIAIS  

O   mundo   é   outro   após   a   Segunda   Guerra   Mundial,   a   História,   os   Annales   e   sua  própria  relação  com  as  ciências  vizinhas  também  serão.  Em  1946,  Lucien  Febvre,  que  permanece  na  direção  da  revista,    resolve  adotar  um  novo  Qtulo  para  a  publicação:  Annales:  économies,   societés,   civilisa1ons.  Pode  nos  causar  certa  estranheza  que  o  mesmo  sujeito  que  outrora  renegava  os  epítetos  de  “econômica  e  social”,  afirmando  só  haver  a  História  simplesmente,  mantenha  os  anCgos  epítetos  e  reCre  justamente  “História”   do   Qtulo   da   revista.   Febvre   não   chega   a   tocar   neste   ponto,  especificamente,  mas   jusCfica  a  troca  de  nome  do  periódico,  que  agora  tornava-­‐se  ainda   mais   abrangente:   “Os   Annales   modificam-­‐se   porque   a   sua   volta   tudo   se  modifica:   os   homens,   as   coisas,   numa   palavra   o   mundo.   Ex1ngui-­‐se   o   mundo   de  ontem   .   Ex1nguiu-­‐se   para   todos   [...].   Todos   à   água,   e   nadem   com   firmeza   [...].  Expliquemos  o  mundo  ao  mundo  [grifo  meu]”  .  

[FEBVRE,  L.  Face  ao  vento,  manifesto  dos  novos  Annales.  IN:  Combates  pela  História...1989.  pp.  42-­‐50.]  

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Eis   o   que   afirma   Braudel   em   sua   aula   inaugural   no   Collège   de   France,   em  1/12/1950:    

“Aliás,  por  que  a  frágil  arte  de  escrever  história  escaparia  à  crise  geral  de   nossa   época?  Abandonamos  um  mundo   sem   sempre   termos  Cdo  tempo  de  conhecer  ou  mesmo  de  apreciar  seus  bene`cios,  seus  erros,  suas   certezas   e   seus   sonhos   –   diremos   o  mundo   do   primeiro   século  XX?  Nós  o  deixamos,  ou  antes,  ele  se  subtrai   inexoravelmente  diante  de   nós.   [...].   As   grandes   catástrofes   não   são   forçosamente   as  produtoras,   mas   são   seguramente   as   anunciadoras   infalíveis   das  revoluções  reais,  e  consCtuem  sempre  uma  inCmação  a  ter  que  pensar  ou  melhor  repensar  o  universo.”    

 [BRAUDEL,  Escritos  sobre  História.  São  Paulo:  PerspecCva...2009.  p.18]  

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Mais  do  que  compreender  o  passado,  os  homens  de  então  preocuparam-­‐

se   em   explicar   o   presente   e   de   alguma   forma   saber   o   que   esperar   do  

futuro.  O  mundo  do  pós-­‐guerra  senCa-­‐se   traído  pela  história,  pela  velha  

noção   racional   de   progresso.   Se   por   um   lado   isto   desestabiliza   num  

primeiro   momento   a   disciplina   histórica   como   um   todo,   ele   vai  

certamente   representar   o   fim   derradeiro   de   boa   parte   da   historiografia  

tradicional,  narraCva  e   teleológica,  privilegiando  uma  História  analíCca  e  

abrangente,   que   atendesse   as   questões   mais   urgentes   do   tempo  

presente.   É   em  meio   a   esta   conjuntura   que   tem   início   a   chamada   “era  

Braudel”  e  o   apogeu  dos  Annales,   que   se  encaminhava  para  assumir  na  

Europa  o  lugar  de  influência  antes  ocupado  pela  escola  histórica  alemã.  E  

que   na   realidade   veio   a   expandir-­‐se   por   praCcamente   todo   o   ocidente,  

sobretudo  a  América  LaCna.  

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Todavia,  por  maior  que  fosse  a  hegemonia  dos  Annales,  a  História,  que  durante   a   primeira   geração   havia   se   tornado   uma   das   grandes  disciplinas   dentro   das   ciências   sociais,   começava   a   perder   sua  hegemonia  no  campo  acadêmico.  A  Sociologia  ganhava  cada  vez  mais  espaço,  e  mais  propriamente  e  Etnologia   (e  Antropologia)   vivera   seu  momento   de   maior   expansão.   Em   um  mundo   em   que   as   fronteiras  geográficas   –   e  morais   –   haviam   sido   completamente   rompidas,   não  havia  mais  senCdo  imediato  em  se  estudar  a  Nação,  os  franceses,  etc.  A   questão   que   surgia   era   compreender   “o   outro”,   que   ia   desde   o  potencial   inimigo   (e  vizinho)  europeu,  até  as   sociedades  que  outrora  eram   colocados   a   margem   da   história.   Afinal   numa   Europa   que   se  julgava   a   vanguarda   da   civilização,   após   as   barbáries   das   Grandes  Guerras,  teria  de  rever  alguns  conceitos  e  revistar  os  seus  “selvagens”.    

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Coube  portanto  a  História,  frente  ao  colapso  da  utopia  moderna,   retomar   no   passado   de   uma   Europa  beligerante   a   gênese   de   estados   totalitários,   das  fronteiras   movediças   e   das   crises   de   idenCdades  nacionais   latentes   nas   estruturas   das   sociedades  contemporâneas.   O   inconsciente,   o   permanente,   a  estrutura,   tornam-­‐se   o   objeto   de   disputa   nas   ciências  do  homem.  

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“Explicar  o  mundo  ao  mundo!”  

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ESTRUTURA  (O  TODO  ARTICULADO):    OBJETO  DA  HISTÓRIA  

A   invesCgação   histórica   deve   ser   a   invesCgação   dos  mecanismos   que   vinculam   a   sucessão   dos   acontecimentos   à  dinâmica   das   estruturas   dos   fatos   sociais.   ParCndo   de   uma  proposta   cienQfica   do   conhecimento   histórico,   deve-­‐se  reconhecer  que  o  “espírito”  humano  não  pode  efeCvamente  interagir   com   as   coisas   mais   do   que   na   medida   em   que   é  capaz  de  reconstruir  e  de  expressar  em  uma  linguagem  lógica,  como   se   organizam   de   fato   estas   coisas,   atribuindo   ordem,  conexões  e   senCdo  ao   suposto   “caos”  em  que  os  elementos  se   encontram   naturalmente.   Daí   a   necessidade   de   se  incorporar   ao   vocabulário   das   ciências   humanas   a   categoria  de  “estrutura”            

 [VILAR,  Pierre.  Iniciación  al  vocabulario  del  análisis  histórico.    Barcelona:  CríCca.  1999,  p.51]  

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Seria  fácil  transpor  o  mecanismo  social  para  um  plano  de  entendimento  se  tomássemos  sua  trajetória  (história)  de  forma  estanque  no  tempo,  estacionária  –  ou  “fria”  como  prefere   referir-­‐se   Lévi-­‐Strauss   –.   Este   Cpo   de  interpretação  estruturalista  rejeita  a  História,  ou  de  certa  forma  atribui-­‐lhe  um  papel  menor,   já  que   independente  do  contexto  concreto  em  que  se  desenvolva  um  processo  histórico,   as   estruturas   elementares   de   uma   certa    “natureza  humana”  é  que  desencadeiam  efeCvamente  a  

ação  dos  sujeitos.  

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É  consenso  que  a  História  se  ocupa  do  estudo  das  

sociedades  e  para  que  este  complexo  objeto  seja  

cognoscível   a   uma   ciência   é   necessário   poder  

expressar   suas   relações   internas  através  de  uma  

síntese,  um  esquema.  Todavia  a  História  se  ocupa  

de  sociedades  em  movimento.  

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Assim,  é  legíCmo  que  muitos  historiadores  venham  a  quesConar  este   Cpo   de   explicação   estruturalista,   o   que   não   deve   jamais  

estender-­‐se   a   produção   de   uma   desconfiança   quanto   a  necessária   incorporação   da   perspecCva   estrutural   no   fazer  históriográfico.  É  fundamental  que,  também  estas,  as  estruturas,  

por  mais  que  descorCnem-­‐se  numa  duração  muito  longa  (quase  imóvel),   representando  essencialmente   a   permanência   e   não   a  

mudança,   sejam   também   consideradas   históricas.   Não   apenas  ganham  vida  e  manutenção  na   ação  dos   sujeitos  mas   como   se  

modificam  e  transformam  através  dela,  numa  tenção  dialéCca.      

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“A Poeira da história que ao se repetir se

sedimenta, tornando-se estrutura. O

acontecimento quer-se, crê-se único, a

ocorrência repete-se e, ao repetir-se, torna- se

generalidade, ou melhor, estrutura”.

 

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O  CONCEITO  DE  ESTRUTURA  A  própria   concepção  de  estrutura,   enquanto   categoria  do   conhecimento  social,   recebe   interpretações   disCntas   conforme   a   corrente   de  pensamento  que  procura  manejá-­‐la.  Entretanto,  ela  basicamente  designa  a  “organização  das  diferentes  partes  de  uma  forma,  padrão  ou  sistema”.  Ou   seja,   a   relação   das   partes   que   compõe   um   todo   arCculado  (estruturado).  

Originalmente,  o  uso  do  termo  estrutura,  em  si,   remonta  ao  século  XVII,  quando  ainda  estava   ligado  ao  contexto  arquitetônico.  Depois  a  biologia  apossou-­‐se   dele   para   definir   estrutura   orgânica   ou   óssea.   O   termo   se  amplia  por  analogia  aos  seres  vivos  e  assume  então  o  senCdo  da  descrição  da   forma   como   as   partes   integrantes   de   um   ser   concreto   organizam-­‐se  

numa  totalidade.       46  

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Uma  certa  concepção  mais  estrutural   se  estendeu  ao  campo  das   ciências   humanas   desde   o   início   do   século   XIX,  mas   sua  real   inserção   se   dá   efeCvamente   com   o   sociólogo   Émile  Durkheim.   Pensadores   anteriores,   tal   como   Comte,   Spencer,  Morgan,  Marx,   entre  outros,   já   haviam   se   valido  de   análises  estruturais   da   sociedade,   entretanto   Durkheim   toma   esta,  efeCvamente,   como   um   “organismo   social”,   vai   procurar  analisar   empiricamente   sua   estrutura   deixando   de   lado  concepções   teleológicas  de  estágios  ou  evolução   rumo  a  um  progresso.      

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ESTRUTURA  E  SISTEMA  “Sistema  é  o  nome  que  se  dá  para  um  todo  que  consta  de  elementos  que  formam  uma  conexão  e  se  encontram  em  uma  relação  recíproca  tal  que  a   mudança   de   um   deles   provoca   mudança   na   posição   dos   demais.   A  forma   como   estes   elementos   estão   unidos   entre   si   no   marco   de   um  sistema   dado,   isto   é,   o   conjunto   das   relações   entre   estes   elementos,  designamos  como  estrutura  do  sistema.  Assim,  pois,  estes  dois  conceitos  estão   unidos   inseparavelmente   entre   si   e,   concretamente,   de   uma  maneira   determinada:   não   existe,   com   efeito,   estrutura   alguma   sem  sistema  ao  que  esta  se  refira,  mas  também  não  existe  sistema  algum  sem  estrutura   correspondente,   o   que   resulta   já   da   definição   mesma   de  sistema.  Entretanto,  essa  conexão  orgânica  não  é  de  modo  nenhum  uma  idenCdade,  senão  que  se  tratam  inequivocamente  de  conceitos  disCntos,  isto   é,   de   significados   disCntos,   de   modo   que   não   podem   ser  equiparados  nem  confundidos.”  

[SCHAFF,  Adam.  Estructuralismo  y  marxismo.  México:  Grijalbo,  1976.  p.  19.]  48  

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ESTRUTURALISMO  OU  ESTRUTURALISMOS?  

Como  escreve  Christopher  Lloyd,  o  estruturalismo  é  um  termo  mulCfacetado  e  de   certa   forma   vulgarizado.   Em   comum  designa   um   certo   Cpo   de   abordagem  que   se   opõe   ao   individualismo,   ao   empirismo   e   a   hermenêuCca.   “Os  estruturalistas   procuram   desvendar   a   natureza,   os   efeitos   e   a   história   das  estruturas   sociais   como   en1dades   independentes.”   Contudo   se   desdobra   em  várias  correntes  de  pensamento,  surgindo  como  teoria  fundamental,  ou  talvez,  

método   de   abordagem   de   variadas   propostas   de   interpretação   da   realidade  social.   Desta   forma,   seria   talvez  mais   correto   falarmos   de   estruturalismos   (no  plural)?  

[Cf.  LLOYD,  Christopher.  As  estruturas  da  história.  Rio  de  Janeiro:  Jorge  Zahar  Editor.  

1995.  p.  99.]  49  

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Segundo  Peter  Burke,  é  oportuno  diferenciarmos  no  mínimo  três  Cpos  de  abordagem  estrutural:      A   primeira   delas,   a   marxista,   na   qual   a   metáfora   arquitetônica   de   “base”   e  “superestrutura”   ainda   permanecem   de   maneira   forte   para   designar   o   campo   de  atuação   de   fenômenos   econômicos,   culturais,   políCcos,   em   níveis   disCntos   de  hierarquia  na  manutenção  das  estruturas  sociais.    

A   segunda   seria   a   abordagem   estrutural-­‐funcionalista,   ligada   a   Escola   Britânica   de  antropologia   desenvolvida   por   Radcliffe-­‐Brown;   esta   empregava   o   conceito   de  estrutura  de  modo  mais  genérico,  para  fazer  referência  a  um  complexo  de  insCtuições  (a  família,  o  Estado,  etc).      E   por   fim,   aqueles   que   poderiam   então   serem   efeCvamente   chamados   de  estruturalistas,   que   iam  de   Claude   Lévi-­‐Strauss   a   Roland  Barthes,   que   dedicavam-­‐se  primordialmente   as   estruturas   como   sistemas   de   pensamento,   e   cujo  modelo   –   ou  metáfora  fundamental  –  era  a  questão  da  cultura  como  linguagem.  BURKE,  Peter.  História  e  teoria  social.  São  Paulo:  UNESP,  200  [Cf.  BURKE,  P.  A  Escola  dos  Annales  1929-­‐1989:  a  revolução  francesa  da  historiografia.  São  Paulo:  

UNESP,  2001.  p.  153]   50  

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Marshall  Sahlins  prefere   tratar  de  “dois  estruturalismos”:  um  modelo   francês,  que  é  justamente   este   liderado   por   Lévi-­‐Strauss,   e   um   britânico,   que   resume-­‐se  praCcamente  ao  estrutural-­‐funcionalista.  Por  fim,  escreve  acerca  da  postura  que  toma  o   marxismo   perante   ambos,   pois   apesar   de   anteceder   as   duas   correntes,   o  pensamento  materialista-­‐dialéCco,  só  entrará  no  campo  de  discussão  acadêmica,  por  volta  de  1960.        

[Cf.  SAHLINS,  Marshall  D.  O  Marxismo  e  os  dois  estruturalismos.  In:  Cultura  e  razão  práCca.  Rio  de  Janeiro:  Jorge  Zahar,  3003.  pp.  11-­‐60.]  

 

E  mesmo   circunscrevendo-­‐se   ao   caso   francês,   retomando   Lloyd,   não   exisCria   um   só  estruturalismo  e  sim  uma  série  de  estruturalistas  francófonos.  Alguns  autores  ligados  à   tendência   lingüísCca   e   outros   voltados   para   uma   concepção   mais   propriamente  histórica  das  estruturas,  que  por  sua  vez  se  subdividem  em  várias  outras  correntes.    

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Embora   d i scuta-­‐se   a   ex i s tênc ia   de   vár ios  estruturalismos,   o   que   mais   comumente   se   associa   a  este  termo,  é  justamente  aquele  ligado  a  antropologia  estrutural   de   Claude   Lévi-­‐Strauss.   Se   fosse   necessário  atribuir   uma   data   de   nascimento   ao   estruturalismo  seria  o  ano  de  1916  quando  os  discípulos  de  Ferdinand  de  Saussure  publicaram  seu  Curso  de   lingüís1ca  geral,  encontrando   seu   ápice   na   década   de   50   com   as  publicações  de  Estruturas  elementares  do  parentesco  e  posteriormente  da  coletânea  Antropologia  Estrutural.   [POMIAN,  Krzysztof.  A  história  das  estruturas.  In:  LE  GOFF,  Jacques.  A  história  

nova.  São  Paulo:  MarCns  Fontes.  2005.  pp.  130-­‐165.]  

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estruturalismo,   portanto,   é   uma   teoria   que   procura   apreender   as  qualidades   gerais   de   sistemas   significaCvos,   ou   como   aparece   na  própria  obra  de  Lévi-­‐Strauss,  de  “sistemas  de  parentescos”  e  de  mitos.  Estes   sistemas,   por   sua   vez,   são   os   próprios   objetos   da   análise  

estrutural,   porém  não   como  elementos   isolados,  mas   como   relações  sociais.  Para    antropologia  estrutural:    “A   vantagem   de   reduzir   sistemas   significaCvos   a   estruturas   de  contrastes   é   que   o   fluxo   do   tempo   no   interior   do   sistema   está  congelado.   A   língua   viva   é   reduzida   a   uma   gramáCca   estáCca.   A  expressão   confusa   do   parentesco   na   práCca   é   reduzida   a   uma  estrutura  lúcida,  formal.  De  modo  aproximado,  a  análise  estruturalista  consiste,  primeiro,  em  trazer  essa  estrutura  à  super`cie;  segundo  ,  em  deduzir   seus  princípios   subjacentes  –   sua   “lógica”;   e,  finalmente,   em  chegar  a  uma  “lógica  das  lógicas”  universal  da  comunicação  humana.”      [ERIKSEN,  &  NIELSEN.  História  da  Antropologia.  Petrópolis:  Vozes.  2007.  pp.  

128-­‐129.]  53  

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Ocorre  que,  no  estruturalismo  a  pesquisa  orienta-­‐se  para  a  descoberta  do  invisível,  do  impessoal,  das  estruturas.  Os  homens  são  subsCtuídos  por   relações   estruturais   intemporais,   ou   quase   imóveis.   Neste   caso  optou-­‐se   pela   análise   das  manifestações   recorrentes   dos   fenômenos  sociais,  afinal  se  o  objeto  em  questão  é  a  permanência,  esta  pode  ser  averiguada   de   forma   sincrônica,   no   presente.   Ou   então   decomposta  em   uma   equação   matemáCca   que   represente   todo   seu  funcionamento.  Embora  esta  explicação  não  retomasse  exatamente  a  tendência   de   se   postularem   “leis   gerais”   como   havia   feito   a   `sica-­‐social   de   Comte,   ela   procurava   predizer   em   algumas   fórmulas  abstratas   ou   simplificações   lingüísCcas   o   mecanismo   básico   dos  fenômenos   sociais,   criando  muitas   vezes  modelos   universalizantes   e  estanques  no  tempo.  E  é  neste  momento  que  se  distancia  da  História.  

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A   proposta   estruturalista   de   Lévi-­‐Strauss   vai   se  afastar   a   concepção   estrutural   de   Durkheim   e  Mauss,   que   havia   sido   bastante   assimilada   pelos  historiadores   das   primeiras   gerações   dos  Annales,  por  exemplo.  É  neste  momento  que  a  parceria  que  havia   sido   firmada   desde   a   década   de   30,   entre  História  e  Sociologia  (dentre  outras  ciências  sociais  provenientes   desta   como   a   etnologia   e  antropologia)   acaba   se   enfraquecendo,   levando   a  uma  disputa  pelo  campo  de  estudo  das  estruturas  (permanências)   entre   ambas   disc ipl inas,  protagonizado   pelas   por   Lévi-­‐Strauss   e   Fernand  Braudel  durante  a  década  de  1960.  

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HISTÓRIA  ESTRUTURAL  

Apesar  de  situá-­‐la  como  um  dos  tantos  estruturalismos  francófonos,  Lloyd  procura  classificar  a  abordagem  sistêmica  e  holísCca  originada  com  Marc  Bloch  e  Lucien  Febvre  como  “história  estrutural”.  É  bem  verdade  que  este  será  o  caráter  predominante  na  segunda  fase,  com  o  desenvolvimento  de  

métodos   importados   da   economia   e   demografia   (análise   serial,  quanCtaCva,  etc)  entre  outras  áreas.  Foi  o  grupo  de  historiadores  liderado  por  Braudel  que  pretendeu  abarcar  a  totalidade  da  sociedade  em  estudos  

que   contemplassem   verdadeiramente   a   análise   das   estruturas  considerando-­‐as   numa   perspecCva   temporal   de   longa-­‐duração,   que  acabou  por  influenciar  trabalhos  substanciais  dentro  e  fora  da  França.  

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Ainda  que  de  forma  silenciosa,  reverbera  o  pioneirismo  de  Marc  Bloch,  que  é  mais  evidente  em  sua  obra  A  Sociedade  Feudal:      "Por  outras  palavras,  o  que  nos  propomos  tentar  aqui  é  a  análise  e  a  explicação  de  uma  estrutura  social,   com  suas  conexões.  Tal  método,   a   afirmar-­‐se   fecundo   pela   experiência,   poderá   ser  empregado  noutros  campos  de  estudos,  limitados  por  fronteiras  diferentes,  e  espero  que  a  novidade  desse  empreendimento  fará  perdoar  os  seus  erros  de  execução.  

 [BLOCH,  Marc.  A  sociedade  feudal.  Coimbra:  Edições  70.  2009.]    

{“Sob  a   influência  da  sociologia  durkheimiana,  Bloch  tenderá  a  apagar  da  sua  obra  a  presença   do   evento   e   a   pensar   estruturalmente   o   tempo   vivido.   Ao   contrário   de  Febvre,   ele   não   vai   do   grande   evento   intelectual   à   sua   estrutura,   mas   analisa  estruturas  onde  os  eventos  são  tratados  como  meros  sinais  reveladores  e  em  posição  secundária.”    (REIS,  José  Carlos.  Nouvelle  histoire  e  tempo  histórico  :  a  contribuição  de  Febvre,  Bloch  e  Braudel.    São  Paulo:  ÁCca.  1994.  p.  46)}  

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É   entretanto   sob   desígnio   e   determinação   de   Braudel   que   o  estruturalismo   se   incorpora   a   agenda   historiográfica   de   toda   uma  geração.   Como  ele  mesmo  afirma  na   conclusão  da   terceira   edição  de  O  Mediterrâneo  (1967):  

 “Por   temperamento,   sou   «estruturalista»,   pouco   solicitado   pelo  acontecimento,  e  apenas  em  parte  pela  conjuntura,  esse  agrupamento  se  acontecimentos   com   o   mesmo   sinal.   Mas   o   «estruturalismo»   de   um  historiador   nada   tem   a   ver   com   a   problemáCca   que   atormenta,   sob   o  mesmo   nome,   as   outras   ciências   do   homem.   Não   o   dirige   para   a  abstração  matemáCca   das   relações   que   se   exprimem   em   funções.  Mas  para  as  próprias  fontes  da  vida,  naquilo  que  ela  tem  de  mais  concreto,  de  mais  quoCdiano,  de  mais  indestruQvel,  de  mais  anominamente  humano.”      [BRAUDEL.  O  Mediterrâneo  e  o  mundo  mediterrânico  na  época  de  Filipe  II.  São  Paulo:  

MarCns  Fontes,  1983.  Tomo  II.  p.  625.]  

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BRAUDEL  X  LÉVI-­‐STRAUSS:  A  DISPUTA  PELA  ESTRUTURA  

Publicado  em  1958,  a  coletânea  Antropologia  Estrutural,  de  Claude   Lévi-­‐Strauss,   abre   seu   manifesto   com   o   arCgo  História  e  etnologia.  Publicado  originalmente  a  uma  década  mas  sem  grande  reverberação  até  aquele  momento.  Nele,  o   autor   discerne   a   respeito   da   importância   de   uma  Etnologia   que   preserva   uma   visão   também   diacrônica   –  histórica   –   dos   fatos   e   das   sociedades   que   estuda,  criCcando   inclusive   o   “agnos1cismo   histórico”   de   seus  antecessores.    

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Ocorre  que,  ao  aproximar  a  Etnologia  da  História,  o  antropólogo   acaba   por   deflagrar   alguns   riscos   que  esta   apresenta   e   que   antes   só   eram   atribuídas   a  aquela.   Comparando   a   alteridade   e   distanciamento  do  etnólogo  e   seu  objeto  de  pesquisa  –   situado  em  outra  parte  do  mundo  –,  com  o  objeto  do  historiador  –   situado   em   tempos   já   transcorridos.   Mas   o   que  teria   realmente   perturbado   os   historiadores   fora   a  seguinte  passagem:    

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“Portanto,   é   nas   relações   entre   história   e   etnologia   no   senCdo  estrito   que   reside   o   debate.   Propomo-­‐nos   a   mostrar   que   a  diferença   fundamental   entre   elas   não   é   nem   objeto,   nem  objeCvo,  nem  de  método  e  que,  tendo  o  mesmo  objeto  que  é  a  vida  social,  o  mesmo  objeCvo,  que  é  a  melhor  compreensão  do  homem,   e   um   método   em   que   varia   apenas   a   dosagem   dos  procedimentos   de  pesquisa,   elas   se   disCnguem   sobretudo  pela  escolha   de   perspecCvas   complementares.   A   história   organiza  seus  dados  em  relação  ás  expressões  conscientes,  e  a  etnologia  em   relação   às   condições   inconscientes   da   vida   social.[grifo  meu]”      

[LÉVI-­‐STRAUSS.  Antropologia  estrutural.  São  Paulo:  Cosac  Naify.  2008.  p.  32]     61  

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Tal   afirmação   poderia   ser   interpretada   como  restringindo   o   historiador   a   ficar   no   empírico,   o   que  teria   enfurecido   os   herdeiros   de   Clio.   Não   creio   que  tenha   sido   a   real   intenção   de   Lévi-­‐Strauss   –   naquele  momento   –   mas   vale   lembrarmos   que   esta   mesma  “sugestão”   já   havia   sido   proposta   por   P.   Simiand   e  outros   sociólogos   no   passado,   onde   caberia   aos  historiadores,   meramente,   a   captação   empírica   dos  fatos  deixando  a  interpretação  para  eles.  

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A   réplica   foi   imediata.   No   mesmo   ano   Fernand  Braudel   escreve   seu   famoso   arCgo   História   e  ciências   sociais:   a   longa   duração.   Na   disputa   pelo  estudo   das   estruturas   –     as   “condições  inconscientes”   –,   Braudel   criCca   a   postura   da  demais   ciências   sociais   alegando  a   legiCmidade  da  abordagem  histórica   como  única  aproximação  que  poderia  contemplar  o  estudo  das  estruturas  em  sua  realidade  concreta:   integradas  em  uma  totalidade  de  espaço  e  tempo.  Por  isto,  ele  disCngue  a  própria  noção   de   estrutura   do   historiador   perante   as  demais  ciências  sociais:  

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“Por   estrutura,   os   observadores   do   social   entendem   uma  organização,  uma  coerência,  relações  bastante  fixas  entre  realidades  e   massas   sociais.   Para   nós,   historiadores,   uma   estrutura   é   sem  dúvida,   ar1culação,   arquitetura,   porém  mais   ainda,   uma   realidade  que  o  tempo  u1liza  mal  e  veicula  mui  longamente.  Certas  estruturas,  por   viverem   muito   tempo,   tornam-­‐se   elementos   estáveis   de   uma  infinidade   de   gerações:   atravancam   a   história,   incomodam-­‐na,  portanto,  comandam-­‐lhe  o  escoamento.  Outras  estão  mais  prontas  a  se   esfacelar.   Mas   todas   são,   ao   mesmo   tempo,   sustentáculos   e  obstáculos.  Obstáculos,   assinalam-­‐se   como   limites   (envolventes,   no  sen1do   matemá1co)   dos   quais   o   homem   e   suas   experiências   não  podem  libertar-­‐se.  Pensai  na  dificuldade  em  quebrar  certos  quadros  geográficos,   certas   realidades   biológicas,   certos   limites   da  produ1vidade,  até  mesmo,  estas  ou  aquelas  coerções  espirituais:  os  quadros  mentais  também  são  prisões  de  longa  duração.”      

[BRAUDEL,  Fernand.  Escritos  sobre  a  história.  São  Paulo:  PerspecCva,  2009.pp  41-­‐78.]  

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A   disputa   segue,   quando   dois   anos   mais   tarde  Braudel   publica   História   e   Sociologia ,  intensificando   a   críCca   a   falta   de   uma  perspecCva   de   longa   duração   de   sues   colegas  sociólogos.   O   tom   ameno   dos   textos   de   1958  dará   lugar   a   provocações   reais,   que   serão  rebaCdas   a   altura   pelo   antropólogo,   nos   anos  seguintes.       65  

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Numa  abordagem  inicial,  muito  semelhante  a  do  primeiro   arCgo   de   Lévi-­‐Strauss   (até   os   nomes  são   semelhantes),   Braudel   compara    História   e  Sociologia,   aproximando-­‐as   pelo   busca   comum  dr   ambas   em   se   tornarem   “ciencias   globais”.  Todavia   o   historiador   irá   concentrar   sua   críCca  ao   aspecto   que   as   separa:   ou   seja   a  compreensão  das  estruturas  na  longa  duração.  

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“Tudo   é   história,   diz-­‐se   para   depois   sorrir   disso.   Claude   Lévi-­‐Strauss   escrevia   ainda   ulCmamente:   “Porque   tudo   é   história,   o  que   foi   dito   ontem   é   história,   o   que   foi   dito   há   um   minuto   é  história”.  Acrescentarei  o  que  foi  dito,  ou  pensado,  ou  agido,  ou  somente   vivido.  Mas   se   a   história,   onipresente,   põe   em   jogo   o  social   em   sua   totalidade,   é   sempre   a   parCr   desse   mesmo  movimento   do   tempo   que,   sem   cessar,   arrasta   a   vida,   mas   a  subtrai  a  si  mesma,  apaga  e  reacende  suas  chamas.  A  história  é  uma   dialéCca   da   duração;   por   ela,   graças   a   ela,   é   estudo   do  social,   de   todo   o   social,   e   portanto   do   passado,   e   portanto  também  do  presente,  um  e  outro  inseparáveis.”        Ele   ainda   acrescenta   logo   depois   que,   como   bom   herdeiro   de  Febvre   e   Bloch,   se   dispõe   a   encontrar   “‘de   sabre   na   mão’,   o  sociólogo   que   o   censuraria   ou   de   não   pensar   como   ele,   ou   de  pensar  demasiado  como  ele”.  

[BRAUDEL,  F.  Escritos  sobre  a  história...  p.  98.]  67  

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Fiel   a   proposta   explicaCva-­‐estrutural   e   global   da   sociedade,  Braudel  não  rejeita  a  uClização  de  modelos.  Pelo  contrário,  em  várias  passagens  ele  assevera  que  somente  por  este  método  é  que   se   pode   efeCvamente   compreender   e   explicar   o   objeto  histórico.   Inclusive   elogia   Marx   como   sendo   “o   primeiro   a  fabricar   verdadeiros   modelos   sociais,   e   a   par1r   da   longa  duração”.  De  acordo  com  Braudel:      “modelo   é   assim,   alternadamente,   ensaio   de   explicação   da  estrutura,   instrumento  de  controle,  de  comparação,  verificação  da   solidez   e   da   própria   vida   de   uma   estrutura   dada.   Se   eu  fabricasse  um  modelo   a   parCr   do  qual,   gostaria   de   recolocá-­‐lo  imediatamente  na  realidade,  depois  fazê-­‐lo  remontar  no  tempo,  se  possível,  até  seu  nascimento.  Após  o  que,  calcularia  sua  vida  provável,   até   a   próxima   ruptura,   segundo   o   movimento  concomitante  de  outras  realidades  sociais.”    

 [BRAUDEL,  F.  Escritos  sobre  a  história...  p.  68.]  

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Ou  seja,  os  modelos  são  abstrações  que  só  são  válidos  se  forem  verificáveis  no  plano   concreto.   E  mais,   ele   afirma   “que   toda  a   nova  pesquisa   de  Claude   Lévi-­‐Strauss  –  comunicação  e  matemá1cas  sociais  misturadas  –  só  é  coroada  de  êxito  quando   seus  modelos   navegam   nas   águas   da   longa   duração”   e   “Se   os   bsicos  podem  tomar  um  corpo  subtraído  à  sua  gravidade,  os  historiadores  não  podem  1rar  as  estruturas  da  longa  duração”  (p.  107).  Braudel  deflagra  a  interpretação  sincrônica   dos   sociólogos,   de   segregarem   os   diversos   tempos   que   compõe   a  realidade   histórica   e   que   ao   rejeitarem   a   dimensão   da   longa   duração,  abandonam  não  somente  o  tempo  histórico  mas  a  totalidade  das  estruturas  e  a  compreensão  do  processo  que  origina  o  contexto  presente  na  sua  totalidade.      

“um  modelo,  isto  é,  uma  espécie  de  navio  construído  em  terra  e  depois  lançado  ao   mar.   Ele   flutua?   Navega?   Então   a   explicação   que   ele   sustenta   pode   ser  válida.”    

 [BRAUDEL,  F.  Civilização  material  e  capitalismo:  economia  e  capitalismo  ,  séculos  XV-­‐

XVIII.  São  Paulo:  MarCns  Fontes.  1995.  Tomo  III,  p.  575]  

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A   tréplica   de   Lévi-­‐Strauss   aparece   em   1961,   no   capítulo   final   de   O  Pensamento   Selvagem:   História   e   Dialé1ca.   Fechando,   com   igual   acidez,   o  quadro   de   discussões.   Nesse   arCgo   Lévi-­‐Strauss   rebate   as   acusações   e  desdenha   a   perspecCva   totalizante   do   diretor   dos   Annales.   “Pode   ser   que  para  alguns  historiadores  ,  sociólogos  e  psicólogos,  a  exigência  de  totalização  seja   uma   grande   novidade.   Para   os   etnólogos,   ela   é   corriqueira,   desde   que  Malinowski   a   ensinou   a   eles.”   e   que   “a   totalização   se   observa   na   estrutura  lingüís1ca”   não   necessitando   de   uma   apreensão   propriamente     diacrônica.  Acusa  ainda  a  suposta  aporia  de  se  propor  uma  “história  total”  e  afirma  que  “a   suposta   con1nuidade   histórica   só   é   assegurada   por   meio   de   traçados  fraudulentos”  (p.  289)  e  que  a  cronologia  que  encadeia  uma  série  de  fatos  e  datas,  não  passa  de  uma  arbitrariedade,  um  código  sem  o  qual  não  existe  o  o`cio  de  historiador.        

[LÉVI-­‐STRAUSS,  Claude.  História  e  dialéCca.  In:  O  pensamento  selvagem.  Campinas:  Papirus,1989  pp.  273-­‐298.]  

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“Ora,  o  que  é  verdadeiro  para  a  consCtuição  do  fato  histórico,  não  o  é  menos  para  sua  seleção.  Também  desse  ponto  de  vista,  o  historiador  e  o  agente  histórico  escolhem,  destacam  e  recorram,  pois  uma  história  verdadeiramente   total   os   poria   perante   o   caos[...]   Mesmo   uma  história  que  se  diz  universal  ainda  não  é  mais  que  uma  justaposição  de  algumas  histórias   locais,  dentro  das  quais  (e  entre  as  quais)  os  vazios  são   muito   mais   numerosos   que   os   espaços   cheios.   E   seria   vão  acreditar   que   mulCplicando   os   colaboradores   e   intensificando   as  pesquisas   obter-­‐se-­‐ia   um   resultado   melhor:   pelo   fato   de   a   história  aspirar  à  significação,  ela  está  condenada  a  escolher   regiões,  épocas,  grupos   de   homens   e   indivíduos   dentro   desses   grupos   e   a   fazê-­‐los  surgir,  como  figuras  desconQnuas,  num  conQnuo  suficientemente  bom  para   servir   de   pano   de   fundo.   Uma   história   verdadeiramente   total  neutralizar-­‐se-­‐ia  a  si  própria;  seu  produto  seria  igual  a  zero.”    

[LÉVI-­‐STRAUSS,  C.  O  Pensamento  Selvagem...  p.  285].  

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PARA  ALÉM  DO  TEMPO:    A  ESTRUTURA  GEO-­‐ECONÔMICA  

Se  as  disputas   com  a  Sociologia   (Etnologia)  marcaram  boa  parte   da   segunda   geração,   o  mesmo   não   acontecerá   com  outras   áreas   vizinhas     com  as   quais   as   relações   serão   tão  amigáveis   que   tratam   de   situar   a   terceira   e   úlCma  dimensão  da  totalidade  braudeliana,  a  geo-­‐econômica.  Para  além   do   tempo   –   da   duração   –   Braudel   julga   que   a  competência  pela  apreensão  da  estrutura  não  pode  fugir  de  suas   determinações   espaciais   e   econômicas,   e   nesse  aspecto  serão  também  os  historiadores  aqueles  com  maior  sucesso  neste  empreendimento  de  uma  ciência  total/global    

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Este   senCdo   geográfico   (espacial)   é   um   dos   mais  originais  da  visão  global  braudeliana,  está  presente  desde   sua   primeira   edição   de   O   Mediterrâneo...,  antes   mesmo   da   questão   temporal.   Neste   caso   o  “global”   realmente   pretende   romper   as   fronteiras  políCcas  da  história  nacional  e  até  mesmo  o  recorte  pouco   ambicioso   das   monografias   regionais.   Se  recordarmos  da  tese  de  Lucien  Febvre,  que  tratava  da   região   do   Franco-­‐condato,   durante   a   época   de  Felipe   II,   Braudel   supera   seu   mestre   ao   trabalhar  com   a   mesma   época,   levando   em   consideração  todo  o  espaço  que  compreende  o  Mediterrâneo.    

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“O  espaço,  fonte  de  explicação,  põe  em  causa  ao  mesmo  tempo   todas   as   realidades   da   história,   todas   as   partes  envolvidas   da   extensão:   os   Estados,   as   sociedades,   as  culturas,  as  economias...  E,  conforme  escolhamos  um  ou  outro  destes  conjuntos,  modificar-­‐se-­‐ão  o  significado  e  o  papel  do  espaço.  Mas  não  inteiramente.”  

[BRAUDEL,  O  Mediterrâneo…  1989.  Tomo  I.  p.  12]  

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Todavia  a  maior  expressão  desta  globalidade,  será  encontrada  no  seu  Civilização   material,   economia   e   capitalismo   (1979).   Mantendo   seu  gosto   por   uma   estrutura   triparCte   –   assim   como   fizera   em   O  Mediterrâneo...   –   Braudel   divide   a   obra   em   três   partes,   a   primeira  tratando   da   história   quase   imóvel;   a   segunda   de   mudanças  conjunturais,  nos  sistemas  insCtucionais  e  mais  lentos;  e  a  terceira  de  mudanças   mais   rápidas,   eventos   e   “tendências”.   Desta   vez,   no  entanto,   já   se   apresenta   em   três   tomos,   que   segundo   ele  complementam-­‐se   a   si   próprios   sem   comprometer   a   totalidade  abordada  em  cada  um  deles.   Se  o  cenário  –  e  protagonista  –  de   seu  primeiro   livro  era  “o  mar   interior”,  agora  será  o  AtlânCco,  os  demais  oceanos,  e  o  mundo  como  um  todo,  entre  os  séculos  XV  e  o  XVIII.    

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É   então   que   entramos   no   segundo   aspecto   desta   terceira  dimensão   da   globalidade,   que   é   o   viés   econômico   de   sua  interpretação.  Braudel  pretende  explicar  o  sistema  capitalista  mas   afirma   que   este   “O   pior   dos   erros   é   afirmar   que   o  capitalismo   é   ‘um   sistema   econômico’,   sem   mais,   ao   passo  que  ele  vive  da  ordem  social”  e  que  portanto  é  adversário  ou  cúmplice,   das   insCtuições   políCcas,   da   ordem   social   e   da  cultura  de  um  povo  e  que    “dessas  diversas  hierarquias  sociais  –  as  do  dinheiro,  as  do  Estado,  as  da  cultura  –,  que  entretanto  se  defrontam  e  se  apoiam,  qual  delas  desempenham  o  papel  principal?  pode-­‐se  responder  como  já  respondemos:  ora  uma,  ora  outra”      

[BRAUDEL,  Civilização  Material...  t.  III,  pp.  578-­‐579]  

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O   autor   pretende   compreender   o   capitalismo   em   sua   totalidade,   enquanto  um  sistema-­‐mundo.  Segundo  Braudel  a  estrutura  capitalista  parte  muito  mais  da  circulação  das  mercadorias  dentro  de  um  sistema  de  economia-­‐mundo  –  conceito  posteriormente  desenvolvido  por  Immanuel  Wallerstein  –  do  que  na  sua  produção,  contrariando  Marx.  Neste  momento  ganham  grande  destaque  as   “matemáCcas   sociais”   que  defendia     Braudel,     em   seus  Escritos   Sobre   a  

História,   Aponta-­‐se   à   importância   da   história   quanCtaCva,   serial   e  demográfica,   enquanto   apreensão   de   dados   relevantes,   sobretudo   das  recorrências,   acerca   da   presença   e   das   diversas   aCvidades   do   homem   ao  longo  do  tempo,  seja  o  tempo  conjuntural  dos  ciclos  econômicos  ou  a  longa  

duração  das  estruturas.  Quanto  às  diversas  críCcas  que  recebe  acerca  de  seu  economicismo,  se  jusCfica:      

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“A  história  econômica  do  mundo  é,  portanto,  toda  história  do  mundo,  mas  vista  de  um  certo  observatório,  o  da  economia.  Ora,   escolher   esse   observatório   e   não   outro   é   privilegiar   de  antemão  uma   forma  de  explicação  unilateral   (e   também  por  isso  mesmo,   perigosa),   da   qual   sei   de   antemão  que   não  me  libertarei  inteiramente.  Não  se  privilegia  impunemente  a  série  dos   fatos   chamados   econômicos.   Por   mais   que   nos  empenhemos   em   dominá-­‐los,   reordená-­‐los   e,   sobretudo,  superá-­‐los,  poderemos  evitar  um  “economismo”  insinuante  e  o   problema   do   materialismo   histórico?   É   o   mesmo   que  atravessar  areias  movediças.”    

[BRAUDEL,  Civilização  Material...    1995.  Tomo  III,  p.  9]      

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Braudel  está  ciente  das  dificuldades  de  uma  abordagem  mais  holísCca  de  seu   objeto,   sobretudo   nesta   ampliação   do   quadro   espaço-­‐temporal   que  ganha   esta   úlCma   obra   e   por   isso   escreve:   “Eis   o   que   dá   um   primeiro  sen1do  à  minha  empresa:  quando  não  ver  tudo,  ao  menos  situar  tudo  e  à  escala   necessária   do   mundo”   [t.   I,   p.   512].   E   desconfia   de   qualquer  proposta  de  uma  síntese  meramente  simplificaCva  dado  à  complexidade  das  relações  que  compõe  o  universo  histórico.  Reconhece  que:  “[...]  talvez  seja  outra  pretensão  querer  apresentar  um  esquema  válido  da  história  do  mundo   a   par1r   de   dados   muito   incompletos   e,   no   entanto,   demasiado  numerosos  para  se  deixarem  abarcar  completamente”  [t.  III,  p.7],  mas  ao  contrário  de  Febvre  e  concordando  com  Bloch,  acredita  na  especialização  como  possibilidade  de  abordagem  histórica:  “O   homem   nunca   se   reduz   a   um   personagem   que   se   possa   apreender  numa   simplificação   aceitável.   É   o   falso   sonho   de   muita   gente.   Mal   o  agarramos  no  seu  aspecto  mais  simples  logo  o  homem  se  reafirma  na  sua  complexidade  habitual”.      

[BRAUDEL,  Civilização  Material...  1995.  t.  I,  p.  514]  

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Por   estas   dificuldades   que   braudel   salienta   a   importância   dos   modelos  explicaCvos,   desde   que   estes   não   acabem   se   tornando   modelos  determinantes.   Braudel   em   um   de   seus   raros   elogios   a  Marx,   vai   dizer  que:   “O  gênio  de  Marx,  o   segredo  de   seu  poder  prolongado,  deve-­‐se  ao  fato  de  que  foi  o  primeiro  a  fabricar  verdadeiros  modelos  sociais,  e  a  par1r  da   longa  duração”  acrescentando  que  não  há  perigo  maior  do  que  o  do  marxismo  atual  e  de  toda  ciência  que  postula  um  modelo  no  seu  estado  puro,  “presa  o  modelo,  pelo  modelo”.      “O  modelo  é  assim  ,  alternadamente,  ensaio  de  explicação  da  estrutura,  instrumento   de   controle,   de   comparação,   verificação   da   solidez   e   da  própria  vida  de  uma  estrutura  dada.  Se  eu  fabricasse  um  modelo  a  parCr  do  qual,  gostaria  de  recolocá-­‐lo  imediatamente  na  realidade,  depois  fazê-­‐lo   remontar   no   tempo,   se   possível,   até   seu   nascimento.   Após   o   que,  calcularia  sua  vida  provável,  até  a  próxima  ruptura,  segundo  o  movimento  concomitante  de  outras  realidades  sociais.”      

[BRAUDEL,  Escritos  sobre  História...2009.  p.68]    

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CONSIDERAÇÕES  FINAIS  Concui-­‐se  portanto,  que  a  história  estrutural    de  Braudel  consiste  na  tomada  de  três  dimensões  –  ao  menos:      Primeiramente   a   visão   holísVca   que   procura   abarcar   o  conjunto   das   aCvidades   humanas,   suas   relações   com   o  meio  geográfico  e  as  demais  estruturas  sociais.  Herdada  dos  fundadores,  esta  perspecCva  de  que  “tudo  é  história”  concreCza-­‐se,  de  certa  forma,  na  intenção  interdisciplinar  de   se   agregar   os   métodos   das   ciências   vizinhas   e   do  trabalho  conjunto.  A  diferença  da  concepção  braudeliana  é  que  mesmo  uma  visão  plural  arCculada  não  garante  por  si   só   uma   apreensão   da   totalidade,   sendo   somente   seu  ponto  de  parCda.  

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A   segunda   dimensão   é   a   temporal,   que   busca  perceber   a   totalidade,   na   dialéCca   entre  conCnuidade  e   ruptura  dos  processos  históricos.  A  arbitrariedade  da  periodização  da  história,  também  já   havia   sido   denunciada   pela   primeira   geração   e  esta   dimensão   estrutural-­‐diacrônica   já   era  insinuada   por   Bloch,   como   a   longa   duração   das  estruturas   econômicas,   mentais,   etc,   em   oposição  ao   tempo   curto  dos   eventos.     Todavia   foi   Braudel  quem  vai  legar,  não  somente  a  longa  duração,  mas  ao   entrecruzamento   destes   diversos   tempos,   o  caráter   fundamental   do   fazer   historiográfico   que  almeje   se   aproximar   de   um   sistema   explicaCvo  globalizante.  

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A   terceira   e   úlCma,   que   procurei   chamar   de   geo-­‐econômica,   é   a   que   permiCu,   através   de  modelos   e   da  história   comparada,   uma   explicação   sistêmica   do  capitalismo,   por   exemplo,   em   um   nível   mundial.   Do  capitalismo   porque   este   é   um   dos   raros   fenômenos  históricos  que  de  alguma  forma  (as  vezes  com  maior,  as  vezes   com   menos   intensidade)   expandiu-­‐se   em  proporções   globais,   mas   mesmo   outros   fenômenos   de  proporção  menor  devem  ser  tomados  em  nas  extensões  reais  que  ocupam,  que  geralmente  excedem  as  fronteiras  convencionais   do   espaço   poliCcamente   determinado:  “Ora,   estou   persuadido   de   que   a   história   tem   todas   as  vantagens  em  raciocinar  por  comparações,  em  escala  do  mundo  –  a  única  com  validade”  .    

[BRAUDEL,  Civilização  Material...  1995.  t.  III,  p.  9]  

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