gÉrson nunes (depoimento, 2011) · gente ali que não era nascida em 1950, eu era também um dos...
TRANSCRIPT
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
NUNES, Gérson. Gérson Nunes (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2011. 19p.
GÉRSON NUNES (depoimento, 2011)
Rio de Janeiro 2012
Transcrição Nome do entrevistado: Gérson Nunes
Local da entrevista: TV Bandeirantes - Botafogo, Rio de Janeiro - RJ
Data da entrevista: 27 de setembro 2011
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo
de entrevistas em História Oral.
Entrevistadores: Carlos Eduardo Sarmento (CPDOC/FGV) e Daniela Alfonsi (Museu do
Futebol)
Câmera: Bernardo Bortolotti
Transcrição: Fernanda de Souza Antunes
Data da transcrição: 18 de novembro de 2011 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Gérson Nunes em 27/09/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
Carlos Sarmento – Gérson, na entrevista anterior, nós chegamos a falar da Copa de 1970,
você falou sobre a emoção de ganhar um campeonato. A gente queria detalhar algumas
coisas sobre 1970, principalmente o seguinte: você faz uma partida de estreia memorável,
você dá passes para gol, você é um dos grandes destaque da estreia do Brasil com a
Tchecoslováquia, mas você se contunde e fica a primeira fase toda fora. Como foi essa
contusão?
Gérson Nunes – Foi uma fisgada antes de começar a Copa do Mundo. Nós estávamos
ainda no treinamento lá em Guanajuato, Irapuato.
C.S. – Guanajuato. G.N. – Irapuato também, foi duas cidades que nós fizemos, pouco mais acima de
Guadalajara. Guadalajara, se não me engano, fica a 800 metros ao nível do mar, se não me
engano. Bom, e nesse treinamento eu senti uma fisgada, e antes do... Aí viemos para
Guadalajara, fiz tratamento e tal e o primeiro jogo eu joguei. Aí o segundo jogo, como eu
Transcrição estava em tratamento, eu não joguei o segundo jogo contra a Inglaterra. Entrou Rivelino no
meio do campo, Paulo César na ponta esquerda, e o Zagallo me falou: “olha, se você... se
nós ganharmos esse jogo, eu descanso você para o terceiro jogo, para você pegar a outra
fase toda”. Tudo bem, ganhamos o jogo de um a zero, gol lá do Jairzinho, um passe...
C.S. – Jogada do Tostão1.
G.N. – É, do Tostão, e tal, do Pelé, e aí descansei o terceiro jogo, aí voltei para jogar
contra...
C.S. – Peru?
G.N. – Peru, Uruguai e a decisão. Eu acho que a minha saída não alterou. É por isso que a
gente diz que essa Seleção era uma Seleção que jogava, é o que dizem, com música,
exatamente por isso, porque ela foi montada não em cima de um jogador, dois jogadores, e
sim em cima de um conjunto, que os que estavam de fora faziam parte desse conjunto. Nós
não tínhamos um time, nós tínhamos uma equipe, nós tínhamos uma... Uma base forte e
vários jogadores. Então o Rivelino, no meio do campo, não alterou em nada o meio do
campo, e a entrada do Paulo César também não alterou, porque aquele trabalho - o Paulo
César já tinha feito na Seleção em outras oportunidades - então ficou de bom tamanho,
tanto é que a Seleção jogou bem e venceu bem, sem problema nenhum.
C.S. – Como é que foi jogar contra o Didi2, hein?
G.N. – Essa Seleção do Peru era uma seleção excelente, com uma defesa, do meio do
campo para frente, super sensacional, e eu até diria isso, a defesa ruim e o goleiro ruim.
Então isso para nós facilitou muito, dificultou muito para nós pegarmos o meio de campo
1Eduardo Gonçalves de Andrade. 2 Valdir Pereira.
Transcrição deles, Mifflin3, com... Tinha Perico León4, Baylón5, era uma seleção complicada, porque
também foi formada muito tempo antes das eliminatórias, exatamente como a Seleção
Brasileira, e comandada pelo mestre, meu mestre Didi. Então o que acontece, ele sabia
como a gente jogava. Nós sabíamos como eles jogavam, mas ele tentou bloquear todos os
nossos, os nossos principais jogadores, como em um certo pedaço de jogo fomos
bloqueados. Só que o nosso ataque era um super ataque, com uma defesa ruim, com um
goleiro ruim, deles. Então para nós foi muito mais fácil. Passamos uma certa dificuldade
para marcá-los, mas em compensação eles não conseguiram marcar o nosso ataque, tá
certo? E acabou o Tostão arrebentando com o jogo, fazendo gol para caramba lá, e tal.
C.S. – Vocês chegaram a ter contato com o Didi antes do jogo, conversar com ele?
G.N. – Não, só na entrada conversamos, e depois na saída também conversamos.
C.S. – Porque há um relato que ele teve um constrangimento muito grande de estar jogando
contra o Brasil.
G.N. – É, teve, realmente teve, como nós também né, porque ele era campeão do mundo,
ele era mestre, e conhecia nós todos desde moleques, desde moleque. E você vê, um dos
mais velhos era o Pelé, e o Pelé menino e ele já veterano, 1958, 1962 e tal. Nós queríamos
que fosse um outro treinador, treinador peruano, mexicano, seja lá quem, do outro lado,
quem fosse, agora nunca ele, mas o destino quis isso e aconteceu isso, e felizmente nós
ganhamos, um jogo um pouco complicado, um jogo um pouco apertado, mas eu acho que a
nossa Seleção era melhor.
C.S. – Tem um tema que eu acho que a gente não chegou a falar no nosso último encontro,
jogar com o Uruguai em uma semifinal revivia 1950. Você falou mesmo, você garoto
sentiu isso... 3 Ramón Mifflin. 4 Pedro Pablo León. 5 Julio Baylón.
Transcrição
G.N. – Esse foi um dos problemas ruins desse jogo, porque a imprensa colocou isso: “isso é
a forra, não sei o que de 1950”, porque eu disse...
C.S. – Mas não tava no grupo não, no grupo não tinha isso ainda não? Foi mais repercussão
do que a imprensa disse?
G.N. – Exatamente, porque a imprensa criou isso tudo. Nós sabíamos disso, mas tinha
gente ali que não era nascida em 1950, eu era também um dos mais velhos e tinha nove
anos em 1950. Eu vi um jogo da Copa do Mundo aqui, Brasil e Espanha, o Ademir fez um
monte de gols, mas me recordava disso vagamente, mas aí, porque é a forra, porque é isso,
porque é aquilo. E a Seleção Uruguaia nessa oportunidade, ao pé da letra, era uma seleção
fraca, em todos os sentidos, e nós podíamos jogar com eles cinquenta jogos, nós íamos
ganhar os cinquenta jogos com facilidade, como nós ganhamos. Só que a nossa Seleção,
como disse muito bem o Zagallo no intervalo, Zagallo só disse isso: “aqui, quando é que
nós vamos começar a jogar? Isso que está jogando aí é a Seleção Brasileira? É a nossa
Seleção? Vocês estão de brincadeira, o que eu vou falar aqui?”, e realmente não tinha nada
que falar, o problema era nosso.
C.S. – Você acha que era o psicológico?
G.N. – Talvez até, talvez até por uma marcação mais forte no início do jogo, o nosso jogo
não encaixou nos primeiros momentos.
C.S. – O gol do Uruguai também...
G.N. – O gol do Uruguai foi um gol que ninguém entendeu, a bola foi para lá, a bola veio
para cá, que não tinha que, que essa bola não pode passar assim, e nós sabíamos disso, e a
bola passou para lá, passou para cá, Clodoaldo tentou cortar, Clodoaldo não foi culpado de
nada, ele tentou cortar a bola desse vai-e-vem, e não cortou. E aí o cara entrou, o Brito
Transcrição entrou nele, a bola sobrou, uma confusão lá danada, o Montero Castilho, o Cubillas6 chutou
a bola de canela, e o Félix esperava um chutão e ela veio pingando e passou, tudo
desconcentrado. Bom, aí foi isso.
C.S. – Zagallo chamou no vestiário...
G.N. – Não tinha mais nada para falar. “Vamos voltar para jogar. Agora olha aqui, vamos
ver se não jogamos isso aí, porque se jogarmos isso aí, com essa seleção de primeiríssima
qualidade que nós temos, nós vamos perder para essa seleção? Peraí!”. Voltamos, aí entrou
no jogo da Seleção Brasileira, que era o jogo normal de qualquer grande seleção, que era a
nossa, e não era o Uruguai, e ganhamos com uma certa tranqüilidade, é isso...
C.S. – O jogo com a Itália também foi um jogo controlado, não é?
G.N. – Mas a Itália, nós sabíamos como a Itália jogava, de esquema tático da Itália, eles
marcavam homem a homem, então nós tínhamos uma variação dentro desse esquema. Se
marcasse homem a homem, chegar toda a marcação italiana para cá, entrar o Carlos Alberto
sozinho, eles jogavam com dois homens no meio do campo, nós jogávamos com três, às
vezes até com quatro homens, e o gol que nós tomamos foi um gol de bobeira, bobeira
nossa. Depois da Copa do Mundo nós sentamos, depois que a ficha caiu, para analisar o que
nós fizemos, o que poderíamos fazer de melhor, e os gols que tomamos. Não teve um gol...
Um.
C.S. – De jogada trabalhada, não é?
G.N. – Só bobeira nossa, um mau posicionamento: “olha lá, como é que você vai ficar ali,
cara, quando você tinha que ficar aqui. O treinamento mostrava isso!”. Mas isso na partida
o sujeito foi parar lá, e quando não era, era para ficar aqui. Só gol por mau posicionamento
nosso, bobeira, uma marcação mais dura e você foi mole na jogada, só problema nosso, 6 Teófilo Juan Cubillas Arizaga.
Transcrição problema nosso. Que poderíamos sair da Copa do Mundo – “ah, mas aí é pedir demais!” –
tudo bem, mas poderíamos sair da Copa do Mundo sem ter tomado um gol, está aí para
todo mundo ver, e nós fizemos isso lá, e quando terminava o jogo, nós íamos conversar,
passar um tape lá - “aí, como é que pode tomar um gol desse, cara?”. Aí no treinamento
seguinte para o outro jogo, treinávamos aquilo – “olha aqui, está lembrado? Então olha
aqui, é assim!”. Quer dizer, então não tinha erro, muito bem administrado pela comissão
técnica, pelo Zagallo, principalmente, que era o mestre da história toda, então não tinha erro
ali, não tinha erro, e pelo time que nós tínhamos, não o time, pelo elenco que nós tínhamos,
não podia dar errado, tanto dentro quanto fora do campo, não podia.
C.S. – Gérson, você falou muito que o problema de 1966 foi o uso político, foi a
interferência política. Brasil tricampeão, heróis do tri, volta, todo mundo sabe a ambiência
política daquele momento, houve uma manipulação da imagem da Seleção Brasileira.
Vocês se sentiram usados, por exemplo, prêmios que não foram dados...
G.N. – Não, não houve nada disso, e eu vou dizer aqui com a maior sinceridade: se
houvesse essa pressão nós não jogaríamos. Não teve pressão nenhuma, não tívemos pressão
nem dos militares, nem da comissão técnica, de nada. Nosso trabalho, nosso trabalho em
1970 foi justo. É isso que nós vamos fazer, foi isso que foi traçado, foi isso que nós
fizemos. Não teve interferência nenhuma, política, política-partidária, política-militar, nada,
nada, nada...
C.S. – Mas terminada a Copa o governo militar se apropriou da imagem da Seleção. Vocês
vão para Brasília...
G.N. – Como todas as outras seleções também, andando de carro aberto, chegando de carro
aberto, isso é outra história. Fomos para Brasília, como todas as outras fizeram, sentamos lá
com o presidente, conversamos até com o presidente sobre o problema do atleta
profissional no país, aposentadoria, tratamos disso tudo. Só que depois, aí foi criada a
Associação, foi criado o sindicato, tá certo? Mas nós sentamos lá: “Presidente, olha aqui,
Transcrição jogador de futebol, principalmente, o atleta profissional de modo geral, no país, mas
principalmente jogador de futebol - nós estamos ali com o gás todo porque tínhamos sido
campeões - presidente, olha aqui, nós precisamos disso, a classe precisa disso, não é
reconhecida e tal e tal, queríamos uma ajuda do governo tal...”.
C.S. – Até mesmo quando foi criada a loteria esportiva, que foi logo depois disso, parte
da...
G. N. – Exatamente.
C.S. – Uma das justificativas é que daria recursos...
G.N. – Exatamente, e outra coisa, os campeões do mundo tinham facilidade para abrir uma
loteria, uma casa lotérica, e aí Brasília liberou tudo. Vários, vários jogadores abriram essa
loteria, que era um meio do governo ajudar, mas eu acho que essa ajuda até hoje não veio.
Até hoje não veio, nós estamos em 2011 e até hoje não veio a ajuda necessária para
aposentadoria normal, porque a aposentadoria de um atleta é como de um cidadão comum,
35 anos, sei lá quantos anos, com 60 anos, mas não alcança. Então seria uma aposentadoria
especial, porque nós pagamos especial, sempre pagamos pelo teto, e aposentadoria pelo
mínimo. Nós até discutimos isso com o presidente na época, seria uma aposentadoria que,
mesmo depois de aposentado, você continuaria colaborando, o ex-jogador, para os que
vinham, mas isso teria que ser de todos, todos, por isso é que nós pedimos, Associação, um
sindicato para administrar isso. Sindicato administrado pelo governo, parte pelo governo,
parte do atleta, tá certo? Quer dizer, parte pela Associação ou pelo sindicato. Então isso
seria uma bola de neve, e o cara seria aposentado por esse fundo que o governo criaria com
aquiescênsia nossa. É mais ou menos o que eles estão tentando fazer hoje, os atletas. Então
eu acho que isso, isso desde aquela época, e antes desta época, já deveria ter sido pensado e
administrado, porque você vê, fora do contexto do futebol, tem atleta medalista brasileiro
que treina descalço, ou não? Que não se alimenta direito.
Transcrição C.S. – Ah sim...
G. N. – Para ter o treinamento, que não é do atleta profissional de futebol. Atleta do
atletismo, por exemplo, a gente vê aí, os caras fazem isso é porque são excelentes atletas, aí
o que tem que fazer: sair do país, pegar um patrocinador, sair do país para treinar com A,
com B, com C, quando ele pode treinar aqui, porque aquilo é dom, ninguém tira aquilo
dele. Agora, por que ele tem que correr descalço? Por que ele não pode ter um tênis
adequado? Por que ele não tem que ter uma roupa adequada, uma alimentação adequada,
por quê? Isso é que nós discutimos em todos os sentidos, não é só futebol, são todos os
atletas.
C.S. – É o esporte em uma perspectiva maior.
G. N. – Exatamente, nós não queremos esse, ministro para sentar, para aparecer na telinha,
para dizer baboseira, isso nós já estamos cansados de escutar. Nós queremos um negócio ao
pé da letra, que possa, o atleta possa ser sustentado quando ele está em atividade, e quando
ele não está em atividade, pelo que ele já deu. E não adianta que ele não vai comer
medalha, taça, faixa, não vai comer isso, nem alimentar a família dele, mas ele largou a
família lá, passando necessidade para se dedicar exclusivamente a isso, e num todo ao
Brasil. Agora na hora da foto eles estão todos aí: políticos, presidente, esses caras todos aí,
só atrapalham.
C. S. – Gérson, você opta por se afastar da Seleção Brasileira em 1972, no torneio você
decide que ali seria sua última participação.
G. N. – É, porque eu contava inclusive entrar em 1974.
C. S. – Ah, na Copa?
Transcrição G. N. – Na Copa, eu estava no Fluminense, então a Seleção foi convocada para 1974, e eu
começava a passar, não sei se por causa de idade, já um desgaste muito grande, porque a
gente não tinha férias, não tinha nada disso, engatava uma coisa na outra, um ano na outra,
e eu tive um estiramento forte.
C. S. – Já no Fluminense?
G. N. – No Fluminense. Aí a Seleção já convocada e eu fiquei trinta dias parado, e a
Seleção treinou já esses trinta dias, então o Coutinho veio falar comigo, o Zagallo também,
o que eu achava, falei: “Olha, infelizmente não vai dar, porque daqui que eu entre em forma
- eu já tinha trinta e dois para trinta e três anos - daqui que eu entre em forma, estou parado
30 dias e esses caras já estão mais adiante, eu nunca vou conseguir...
C. S. – Estar no mesmo nível?
G. N. – Estar no mesmo nível, e não adianta, eu vou ocupar o lugar de um que possa fazer
muito mais do que eu, e inclusive tecnicamente, tá certo? Então para mim, infelizmente,
não dá mais, e não fui, não adianta você forçar uma coisa que não vai acontecer. Eu podia
me arrebentar e arrebentar um trabalho, porque eu faria parte dessa engrenagem, então
preferi parar.
C. S. – Como é que você viu a Copa de 1974? A Copa de 1974 é uma Copa que é vista
como marco em que esquemas táticos e preparo físico sobrepujaram técnica.
G. N. – Isso.
C. S. – Times mais fortes que corriam mais, que marcavam mais passaram a sobrepujar os
times mais técnicos, mais artísticos, não é?
Transcrição G. N. – Isso, mas em 1974 nós já tínhamos uma grande preparação física, eu acho que
faltou foi um pouco mais de técnica, não de tática e não de física, e sim de técnica. Eu
estava lá, e aí eu via e achava que alguns jogadores queriam, dentro de campo, prender
mais a bola, segurar mais a bola, como a gente diz, mas não é isso, entre aspas, aparecer
mais do que outros. O próprio Rivelino, vocês vão entrevistar o Rivelino ele vai falar sobre
isso, e ele sentia isso também, e a gente conversava: “pegar isso aí e tal, como é que é,
como é que não é”. E às vezes você está com uma seleção boa, bem estruturada, e perde.
Contingências do futebol, a outra foi melhor naquele momento. O Clodoaldo, por exemplo,
que foi e não jogou porque se machucou. Eu achei que o Clodoaldo não precisava fazer o
teste, embora não tenha nada com isso, o teste que ele fez antes da partida, o campo
molhado, ele forçou demais, e eles queriam forçar ele exatamente para colocá-lo no campo,
porque ele era um esteio ali no meio do campo, junto com Rivelino. Mas ele acabou se
machucando nesse teste, sentindo de novo, aí foi cortado. Quer dizer, uma série de coisas
que aconteceram, que se não acontecem a Seleção ia disputar o título, se iria ganhar ou não
é outro departamento, mas ia disputar o titulo, porque tinha seleção para aquilo. Mas um
problema aqui, outro problema alí, e isso acarretou em um problema maior que estourou
dentro do campo. É, foi isso...
C. S. – Há alguns relatos que falam que o Brasil tinha muito pouca informação acerca dos
adversários.
G. N. – Não.
C. S. – O próprio Zagallo disse que a Holanda fazia “tico-tico no fubá”, que não tinha
grandes novidades na Holanda. A Polônia também era um grande desconhecido, Brasil
perde para os dois times. Você acha também que faltou, essa, vamos dizer assim, essa
capacidade de, como você disse, na Copa de 1970 você tinha observação....
G. N. – Pode até ter faltado uma informação ou outra, mas o problema é que essas seleções
jogaram antes da Copa, e eram conhecidos de todo mundo. Não adianta, você vai sempre
Transcrição achar um negócio quando perde, mas não foi nada por desinformação. Foi que dentro da
Seleção nós tivemos problemas físicos que afetaram a Seleção, e na hora de jogar perdeu.
Você vê, nós jogamos contra a Holanda, não foi?
C. S. – Dois a zero.
G. N. – Dois a zero. Você vê o gol, se não me engano, não sei se foi o segundo ou o
primeiro gol, em um cruzamento, que o Cruyff7 entrou sozinho, escorou, cadê a marcação
nele? É erro de marcação, como nós tivemos em 1970, e erros de marcação que eu acabei
de falar. Não adianta isso, você tinha que estar ali, mas você chegou atrasado, o cara entrou
na frente e fez o gol, porque o Cruyff era um jogador excelente, mas possivelmente
marcável, sem problema nenhum. Só que deixaram o cara cruzar, e o cara entrou na frente
quando o defensor tinha que estar ali com ele, ou alguém que viesse com ele do meio do
campo. Erros que acontecem como aconteceram em todas as seleções. E essa perdeu, não
adianta rebuscar, procurar defeito aqui ou acolá, porque que, a gente não sabia como o
Cruyff jogava? Sabia. Que ele vinha de trás? Sabia. Então alguém tinha que vir com ele,
não veio, naquele momento. Nas outras jogadas vieram com ele, e ele não conseguiu fazer
nada. Não adianta isso.
C. S. – Gérson, por que você opta também por deixar o São Paulo, você é bicampeão no
São Paulo em 1973, para o Fluminense?
G. N. – Eu encerraria a carreira no São Paulo, eu encerraria a carreira em São Paulo, como
eu disse para o presidente, para o doutor Henri Aidar. Mas o meu problema em São Paulo
não foi com o São Paulo, não foi de nada, o problema foi puramente familiar, que a minha
filha menor, que faleceu, tinha problema de clima, e eu já vinha atravessando isso durante
os dois anos que eu estive lá. Virava e mexia a minha mulher tinha que trazê-la para cá,
para o Rio, porque o clima mais quente, e lá essa temperatura, vai de dia está vinte graus,
de noite três graus, aí de dia está três graus, daqui a pouco 20 graus, essa, essa... 7 Hendrik Johannes Cruyff
Transcrição
C. S. – Variação.
G. N. – Variação de temperatura, ela tinha um problema sério, virava e mexia ela tinha que
ir para o hospital. Várias e várias vezes, e aí para eu sair, terminou o meu contrato, fui falar
com o doutor Henri, e ele sabia desses problemas todos, tanto é que me liberou
imediatamente.”Não, Gerson, está liberado, pode arranjar um clube lá no Rio, mas as portas
estão abertas aqui para qualquer problema, se você quiser ficar”, mas eu não posso,
inclusive para eu sair de lá essa noite eu fui com minha família, falar com ele. Levei as
meninas e levei minha mulher, fui na casa dele, conversamos tudo, ele já sabia o problema
que eu estava atravessando, então isso não tem como. Mas a intenção, se não fosse isso, a
intenção era encerrar a carreira em São Paulo, no São Paulo.
C. S. – Você já tinha alguma conversa com o Fluminense?
G. N. – Não, tinha nada, tanto é que o Botafogo foi lá, não acertaram, depois foi o
Fluminense. Eu vim embora, falei com ele: ”Doutor, amanhã eu vou embora, já estou com
tudo preparado, e se eu não puder arranjar outro clube, eu estou encerrando a carreira,
porque eu não posso ficar nessa situação”. E ele compreendeu muito bem, porque os
médicos do São Paulo, doutor Dauzel, é que acompanhava, que me acompanhava e
acompanhava as crianças também. Várias e várias vezes o doutor Dauzel foi comigo para o
hospital com essa minha filha menor, várias vezes, dela ficar internada dois, três dias, com
coisa de respirar, essas coisas todas.
C. S. – É muito desgastante.
G. N. – Não tinha como.
Transcrição C. S. – Agora, você vem para o Fluminense no momento em que o Fluminense está
estruturando um grande time da década de 1970, que é “a máquina”, você é campeão no
Fluminense...
G. N. – Não, antes, eu vim antes.
C. S. – Pois é, você é campeão...
G. N. – Exatamente.
C. S. – E quando o Rivelino vem, é o momento que você também decide parar.
G. N. – Quando eu vim para o Fluminense, que o Fluminense foi me buscar lá em São
Paulo, comprar o meu passe lá em São Paulo, eu falei para o presidente, falei para o Paulo
Amaral, que era o técnico na época, e para o dirigente que foi me buscar, não lembro o
nome dele, eu falei: “Para que vocês me querem no Fluminense? Eu já estou parando, eu
tenho mais o quê, um ano, dois anos? Vocês têm ai Pintinho8 e Cleber, que vieram da base.
Para que vocês me querem? Esses dois são excelentes”.
C. S. – Pintinho é excepcional!
G. N. – É, esses dois são excelentes, vocês não precisam de mim, para quê? Eu já velho.
“Exatamente para isso, para dar mais um gás nessa galera, para orientar, para participar ali,
tal”. Falei: “Porque vocês não precisam de mim para isso”. Bom, eu vim, joguei, às vezes
eu me machucava eles entravam, entrava o Cleber, porque o Pintinho já jogava. Aí passou,
machuca, volta, mais um jogo e tal, aí terminou o campeonato, nós fomos campeões. Aí
veio o Horta, doutor Francisco Horta, como presidente, para formar essa “máquina”, aí
trouxe o Rivelino, trouxe o Paulo César, trouxe o Mário Sérgio, trouxe o, esse argentino...
8 Carlos Alberto Pintinho.
Transcrição C. S. – Doval.
G. N. – Doval, aí montou aquele time todo. Ele me chamou, falou: “O que você quer fazer,
quer jogar?”, falei: “Jogar não posso mais, não dá mais, já não fui à Copa porque estava
machucado, aquelas coisas todas, e eu já estou...”, “Então você vai ser meu treinador, você
vai ser treinador dessa galera aqui”. Para mim era fácil, ou não? De olho fechado montava
aquele time, como o treinador montou, e como ele montou o time, o time está montado, está
preparado. Eu falei para ele: “Doutor, tudo bem, é fácil eu montar esse time, agora o senhor
trouxe Rivelino, Mário Sérgio, Paulo César, Doval, eu tenho Cléber, que já está
entrando...”.
C. S. – Pintinho.
G. N. – Pintinho.
C. S. – Abel começando.
G. N. – Abel, muito bem. “Agora eu quero que o senhor me diga, eu como treinador, como
é que eu vou tirar os meus antigos companheiros, tá certo? Porque eu acabei de jogar com
eles, e sei os defeitos, para botar esses, fala para mim? Com que cara? Eu não tenho cara
para isso. Então não posso ser, infelizmente, ou felizmente, eu não posso ser treinador desse
time, que gostaria, mas não tenho como. Como é que eu vou... Eu saindo é fácil, eu sei de
mim, eu saio e pego o Rivelino e boto aqui, tem algum problema? Nenhum. Agora como é
que eu vou tirar A, B, C ou D, que foram meus companheiros de agora, para botar esses
aqui? Infelizmente não tenho, não tenho como fazer isso, como companheiro, como
amigo”.
C. S. – Você não jogou com o Rivelino no Fluminense?
Transcrição G. N. – Não, dali eu saí, fui embora, fiquei só aplaudindo [riso]. Ganharam tudo, foi a
“máquina”, até hoje. Não foi o melhor time que o Fluminense teve. Eu sou totalmente
contra isso. O melhor jogador de todos os tempos, não foi. Desse tempo, no outro tempo
não. [riso]
C. S. – É outro futebol.
G. N. – Não tem nada a ver. Então, um dos melhores times que o Fluminense teve, aí eu
concordo. Um dos melhores, porque aconteceram outros melhores.
C. S. – Oitenta e quatro, na década de 1950, 1940... [risos]
G. N. – Lá para trás. Se você vai dizer: “o Rivelino foi o melhor jogador de todos os
tempos do Fluminense”. Não foi, tem outros. Naquela época foi, ponto. E de outra época
para frente? E a anterior? Ou o Fluminense é só aquele, daquele dia? O Horta, o doutor
Horta foi o maior presidente que o Fluminense teve. Não foi, foi um dos melhores
presidentes que o Fluminense teve. Essa coisa, eu não concordo com isso não.
C. S. – É, que vem essa discussão, Messi e Pelé, Maradona..., cada um é um tempo
diferente no futebol.
G. N. – Exato.
C. S. – Aí você vai pegar, Friedenreich9 fez mais gol que Pelé [riso]
G. N. – Então.
C. S. – Começa a discussão, cada um no seu tempo.
9 Arthur Friedenreich.
Transcrição G. N. – O meu pai dizia isso, e eu falei aqui, e disse para o Pelé dentro do vestiário do
Maracanã. Estávamos conversando, lá para as tantas, o meu velho pai disse: “Pelé, você
sabe que o ‘Diamante Negro’, Leônidas, jogou mais do que você?”. Aí eu falei: “Poxa, pai,
qual é?”. Aí o Pelé, delicadamente, falou: “O senhor sabe que o meu pai fala essa mesma
coisa?”. O Dondinho10 falava para o Pelé. Não sei se falava, ou se ele quis ser delicado com
o meu pai [riso], depois dessa grosseria do meu pai, entre aspas. Mas tudo tem sua época,
seu tempo.
C. S. – Você parou de jogar, mas não quis se afastar do futebol, não é?
G. N. – Não, eu já pensava em ser comentarista e radialista, e aí tive a chance, que o
Doalcei e o Carlos Marcondes, infelizmente hoje já não estão entre nós, eles me chamaram,
não quer...
C. S. – Tupi?
G. N. – Rádio Tupi. “Não quer bater um papo com a gente?”. Falei: “Tudo bem, mas será
que eu tenho jeito para isso?”. Disse: “Ué, claro! Você quando saía de campo não fazia um
comentário do que foi o jogo? Porque foi, porque não foi...”.
C. S. – Papagaio, chamavam de papagaio.
G. N. – É, “porque tinha que entrar por lá, porque tinha que sair por aqui. É exatamente isso
que você vai dizer. Tá certo? Então,quer fazer um teste?”. “Tudo bem”. ”Então vamos lá na
rádio”. Fui na rádio. Cheguei lá conversando, “Viu o jogo domingo? – uma segunda-feira –
viu o jogo domingo?”. Vi e tal, fui no Maracanã. “E aí?”. “Ah, foi assim, assim, achei isso,
achei aquilo, achei aquilo outro, e tal. Achei que podia ser melhor por ali, por aqui, e tal.”
“Exatamente isso que você tem que falar, comentário. Vamos para o estúdio?”. “Vamos
para o estúdio”. Desci, fui para o estúdio. “Então olha aqui, quando o operador der o ‘ok’, 10 João Ramos do Nascimento.
Transcrição pode fazer esse comentário que você acabou de fazer”. “Tá bom”. Aí o cara: “gravando!”.
Para sair um minuto eu gastei meio balde de fita, não saía. Saía um pedaço, não saía outro,
porque gravando é diferente. Falei: “Não vai dar”. “Não, que nada, vamos lá, bate mais um
papo e tal”. Aí grava mais um pedaço, uma confusão do caramba. Ele falou assim: “Quer
tentar no jogo?”. Falei: “Pô, se não deu aqui vai dar no jogo? Não vai.”. “Não, mas tem que
começar, vamos para o jogo”. E o Rui Porto, também não está mais entre nós, me ajudou
também muito, que era o “Papa”, ele e o Saldanha eram os “Papas” disso aí, da
comunicação. Eu diria da comunicação fácil, porque comunicar é fácil, é relativamente
fácil, agora comentar para esses caras [riso] era muito fácil.
C. S. – Uma capacidade de simplificação...
G. N. – É, juntava tudo em um pedacinho desse tamanho e pronto, e botava lá. Bom... E
tinha a audiência, era total né. Bom, fui para o campo, pergunta e tal, que era mais fácil,
Marcondes... para o Rui não, largava o Rui comentando. E de vez em quando o Rui me
fazia uma pergunta, Marcondes fazia uma pergunta, aí eu ia aqui e tal, arrumando. Doalcei
me fazia uma pergunta durante o jogo, e aí foi assim, eles foram me levando, me levando
e... Aí entramos no ritmo, depois fui para a TV Globo, depois fui para a Rádio Globo,
depois fui para a Rádio Tamoio, aí fui depois para a Rádio Globo de novo, fui para a
Bandeirantes, e aí fui para a Jovem Pan, fiquei dois anos, dois anos na Jovem Pan, o Zé
Silvério, que é outro mestre, Carsughi11, que me ensinou muito. Trabalhei com eles dois
anos, na Rádio. E aí eu tive bons professores, é... Eu acho que, eu acho não, eu aprendi
muito com eles, e você vê como que é o Rádio, eu aprendi com esses caras, mestres, é
porque a minha capacidade não foi tão grande para pegar tudo isso que esses mestres
passaram para mim. Que eu ainda estou aprendendo, hoje com Zé Carlos, com Gilson, a
galera toda aí.
11 Claúdio Carsughi.
Transcrição C. S. – Gérson, a gente queria agradecer muito a sua entrevista, o seu depoimento aqui para
o Projeto Museu do Futebol, é um dos grandes do nosso esporte, e queríamos deixar uma
última palavra sua, a sua despedida.
G. N. – Só tenho que agradecer a você, a vocês todos do Museu do Esporte, porque isso vai
ficar aí, e a história vai contar mais do que eu contei aqui. É isso aí, obrigado a todos.
C. S. – Obrigado, Gérson.
[FINAL DO DEPOIMENTO]