governo_e_mercado_a economia da intervenção estatal

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  • Governo e Mercadoa econoMia da interveno estatal

  • Murray n. rothbard

    Governo e Mercado

    TraduoMrcia Xavier de Brito

    Alessandra Lass

    Mises Brasil2012

    a econoMia da interveno estatal

  • ttulo original em ingls:Power And MArkeT

    editado no Brasil por:instituto ludwig von Mises Brasil

    rua iguatemi, 448, cj. 405 itaim BibiceP: 01.451-010. so Paulo, sP

    telefone: +55 11 3704-3782e-mail: [email protected]

    www.mises.org.br

    impresso no Brasil / Printed in BrasilisBn: 978-85-8119-021-1

    1 edio

    traduo:Mrcia Xavier de Brito & Alessandra Lass

    notas do tradutor (n. do t.):Mrcia Xavier de Brito

    reviso tcnica:Ubiratan Iorio & Alex Catharino

    reviso Final:Fernando Fiori Chiocca

    Preparao dos originais:Alex Catharino

    Projeto grfico e capa: neuen design

    diagramao:estdio Zebra

    Ficha catalogrfica elaborada pelo bibliotecrioPedro anizio Gomes crB/8 8846

    ISBN: 978-85-8119-021-1

  • Paraludwig von Mises

  • SumrioNota edio braSileira .......................................................................13Prefcio quarta edio Norte-americaNa (edward P. StriNgham) .. 15

    caPtulo i - ServioS de defeSa No livre mercado .........................21

    captulo ii - oS fuNdameNtoS daS iNterveNeS ...............................31

    1 Tipos de Interveno ...............................................................................312 Os Efeitos Diretos das Intervenes na Utilidade .............................34

    a interveno e conflito .............................................................34B democracia e o agir voluntrio .............................................37c Utilidade e resistncia invaso ............................................38d o argumento da inveja ...........................................................39e Utilidade ex Post......................................................................40

    caPtulo iii - a iNterveNo triaNgular..........................................47

    1 - O Controle de Preo ...................................................................................472 - Controle de Produto: Proibio ................................................................563 - Controle de Produo: Concesso de Privilgio Monopolista ............58

    a cartis compulsrios ...............................................................62B licenas ....................................................................................63c Padres de Qualidade e segurana .........................................64d tarifas ........................................................................................68e restries de imigrao ...........................................................73F leis de trabalho infantil .........................................................76G servio Militar obrigatrio .....................................................77H leis de salrio Mnimo e sindicalismo obrigatrio ............78i subsdios para o desemprego .................................................79J Penalidades sobre os Modelos de Mercado ............................79K leis antitruste..........................................................................80l declarao de ilegalidade da incluso do valor ................... do Frete no Preo ............................................................................84M leis de conservao .................................................................84n Patentes .....................................................................................93o concesses e Utilidade Pblica ...........................................97P o direito de domnio eminente (ou desapropriao) ........98Q suborno de Funcionrios Pblicos .........................................99r Poltica Monopolista ................................................................100

    Apndice A - Sobre Cunhagem Privada .......................................................102Apndice B - Coero e Lebensraum............................................................. 103

  • Murray N. Rothbard10

    caPtulo iv - iNterveNo biNria: tributao ...............................105

    1 Introduo: Receitas e Despesas Governamentais ............................1052 Encargos e Benefcios da Tributao e Despesas ...............................1063 A Incidncia e os Efeitos da Tributao ...............................................110Parte i: impostos sobre as rendas ........................................................110

    a imposto Geral sobre as vendas e as leis de incidncia ........110B impostos Parciais sobre venda ou consumo de Bens: ......... outros impostos sobre a Produo................................................115c efeitos Gerais da tributao sobre a renda ...........................117d Formas especiais de tributao sobre a renda .....................122

    (1) impostos sobre os salrios ...................................................122(2) imposto de renda de Pessoa Jurdica.................................123(3) tributao sobre lucro excessivo ..................................124(4) o Problema do Ganho de capital .......................................125(5) possvel haver imposto sobre o consumo? ....................130

    4 A Incidncia e os Efeitos da Tributao ................................... 132Parte ii: os impostos sobre o capital acumulado ..............................132

    a tributao sobre as transmisses Gratuitas: Heranas e doaes ........................................................................133B imposto sobre a Propriedade ...................................................134c Um imposto sobre a riqueza individual ...............................137

    5 A Incidncia e os Efeitos da Tributao ................................... 138Parte iii: o imposto Progressivo .........................................................1386 A Incidncia e os Efeitos da Tributao ................................... 142Parte iv: o imposto nico sobre o aluguel do solo ......................1427 Os Cnones da Justia em Tributao ................................... 156

    a o imposto Justo e o Justo Preo .............................................156B custos de arrecadao, convenincia e certeza ...................158c distribuio da carga tributria ............................................159

    (1) Uniformidade de tratamento............................................159(a) - igualdade perante a lei: a iseno de impostos .....159(b) - a impossibilidade da Uniformidade ........................161

    (2) o Princpio da capacidade de Pagar ............................164(a) - a ambiguidade do conceito .....................................164(b) - a Justia do Padro ....................................................167

    (3) a teoria do sacrifcio ........................................................170(4) o Princpio do Benefcio ...................................................174(5) o imposto equitativo e o Princpio do custo .................177(6) tributao apenas para a receita ..................................180(7) o imposto neutro: Um resumo ......................................180

    d contribuies voluntrias ao Governo ...................................181

  • Sumrio 11

    caPtulo v - iNterveNo biNria: oS gaStoS do goverNo.............187

    1 Subsdios do Governo: Pagamentos de Transferncia .......................1882 Atividades que Consomem Recursos: .................................................191 Propriedade do Governo versus Propriedade Privada ........................1913 Atividades que Utilizam os Recursos: Socialismo .............................2014 O Mito da Propriedade Pblica .........................................................2045 Democracia ...............................................................................................206Apndice - O Papel dos Gastos do Governo nas Estatsticas do Produto Nacional ..................................................................216

    caPtulo vi - tica aNtimercado: uma aNliSe Praxeolgica ......219

    1 Introduo: Anlise Praxeolgica da tica ..........................................2192 Conhecimento do Autointeresse: Uma Suposta Hiptese Crtica ..2213 O Problema das Escolhas Imorais.........................................................2234 A Moralidade da Natureza Humana .....................................................2265 A Impossibilidade da Igualdade ............................................................2276 O Problema da Segurana ......................................................................2317 As Supostas Alegrias de uma Sociedade Estamental .........................2338 Caridade e Pobreza ..................................................................................2369 A Acusao de Materialismo Egosta ...............................................23810 De Volta Selva? ......................................................................................24011 Poder e Coero .......................................................................................242

    a outras Formas de coero: o Poder econmico ..............243B Poder sobre a natureza e Poder sobre o Homem ..................244

    12 O Problema da Sorte .................................................................... 24713 A Analogia do Gestor de Trfego ............................................... 24814 Superdesenvolvimento e Subdesenvolvimento ....................... 24915 O Estado e a Natureza do Homem ............................................. 25016 Direitos Humanos e Direitos de Propriedade .......................... 251Apndice - Os Objetivos Socioeconmicos segundo o Professor Oliver ..................................................................... 254

    a o ataque liberdade natural ................................................254B o ataque liberdade contratual ...........................................257c o ataque renda conforme os Ganhos .................................259

    coNcluSo teoria ecoNmica e Poltica Pblica ..........................267

    1 A Cincia Econmica: Natureza e Utilidade .......................................2672 A Moralizao Implcita: O Fracasso da Economia de Bem-Estar..2693 Cincia Econmica e tica Social ........................................................2714 O Princpio do Mercado e o Princpio Hegemnico ..........................273

    Ndice remiSSivo .....................................................................................177

  • 13

    Nota edio braSileirao livro Power and Market de Murray rothbard foi publicado original-

    mente em 1970 pelo institute for Humane studies da George Mason Uni-versity, que, tambm, lanou em 1977 a segunda edio da obra. a terceira edio de Power and Market apareceu num volume reunindo, tambm, o livro Man, economy, and State, editado pelo ludwig von Mises institute em 2004. a quarta edio, a partir da qual a presente verso foi traduzida para o portugus, foi publicada em 2006 pelo ludwig von Mises institute.

    o editor, instituto ludwig von Mises Brasil, em todas as suas obras, opta pela grafia estado com letra e minscula, embora a norma culta sugira a grafia estado. assim como o instituto Mises Brasil, a revista Veja adota a grafia estado desde 2007. poca, Veja argumentou que se povo, sociedade, indivduo, pessoa, liberdade, instituies, democracia, justia so escritas com minscula, no h razo para escrever estado com maiscula. este editor concorda. a justificativa de que a maiscula tem o objetivo de diferenciar a acepo em questo da acepo de condio ou situao no convence. so raros os vocbulos que somente possuem um nico sig-nificado, e ainda assim o contexto permite a compreenso e diferenciao dos significados. assim como Veja, o editor considera que grafar estado uma pequena contribuio para a demolio da noo disfuncional de que o estado uma entidade que est acima dos indivduos.

  • Prefcio 15

    Prefcio quarta edio Norte-americaNa

    instrUes Para Uso: se voc detesta o estado, leia este livro. se voc ama o estado, leia esse livro! estudantes, pesquisadores e demais pessoas instrudas podero se beneficiar com a leitura de Governo e Mer-cado. no presente volume, Murray n. rothbard (1926-1995), usa a teoria econmica para analisar diferentes projetos e propostas visando alterar ou eliminar as solues de mercado. num cenrio no qual os partidrios da ao governamental apresentam inmeros motivos pelos quais o governo precisa fazer isso ou aquilo, rothbard pe limites s fantasias polticas. ele demonstra como o estado no uma entidade benigna que poder facilmente corrigir os problemas no mundo. ao contrrio, o estado um aparato imperfeito e inerentemente coercitivo.

    o presente livro, aps trinta e cinco anos da primeira edio, ainda a mais sistemtica anlise da interveno governamental1. Man, economy and State [Homem, economia e estado], o principal tratado de rothbard, descreve as trocas na economia de mercado, ao passo que Governo e Merca-do analisa a economia da interveno governamental. rothbard deixa claro que a economia desprovida de juzos morais, no oferecendo nenhum jul-gamento tico final, ao mesmo tempo em que, tambm, aponta como a cin-cia econmica pode ser utilizada para criticar determinados posicionamen-tos morais, da seguinte forma: Caso a autocontradio e a impossibilidade conceitual de execuo de uma finalidade tica possam ser demonstradas, ento nitidamente tal fim um absurdo e deve ser abandonado por todos2. em certos aspectos, o livro poderia ser considerado um dos primeiros exemplos de economia da escolha pblica, porque utiliza o instrumental econmico para analisar governo, e certamente elimina as vises romnticas sobre a poltica. no entanto, rothbard diferia dos economistas da escolha pblica, tais como James M. Buchanan e Gordon tullock e, a esse respeito, de todos os seus contemporneos , pois sempre viu o estado como um agente coercitivo, uma instituio que no foi criada para fazer o bem3.

    1 o presente volume foi originalmente escrito como a terceira e ltima parte do manuscrito de 1.500 pginas de Man, economy and State. o tamanho do manuscrito e o fato das concluses polticas de rothbard divergirem das vises dominantes sobre a anlise do papel do governo na sociedade foram demais para alguns, por isso, Man, economy, and State e Power and Market foram publicados como volumes separados em 1962 e em 1970. ver: stroMBerG, Joseph. introduction to Man, economy, and State with Power and Market. in: rotHBard, Murray n. Man, economy, and State with Power and Market: Scholars edition. auburn: Mises institute, 2004. pp. lxvlxxi.2 rotHBard. Power and Market. p. 251. na presente edio, captulo vi (primeiro pargrafo).3 a viso dos economistas da Public choice [escolha pblica] sobre o governo e a anarquia so apresentados em: strinGHaM, edward (ed.). Anarchy, State, and Public Choice. cheltenham: edward elgar, 2006.

  • Murray N. Rothbard16

    os captulos centrais de Governo e Mercado oferecem uma tipologia e debatem os diferentes tipos de interveno estatal. a interveno binria ocorre quando o estado interfere diretamente num grupo privado (por exemplo, impostos e gastos do governo), e a interveno triangular ocorre quando o estado interfere na interao de dois grupos (por exemplo, con-troles de preos ou regulamentos de produtos). as pessoas esto em me-lhor situao quando o estado tutela o dinheiro delas contra a sua prpria vontade? as pessoas esto em melhor situao quando o estado gasta o seu dinheiro em algo que voc no teria comprado por conta prpria? as enti-dades privadas se tornam melhores quando so impedidas de se envolver em trocas que consideram mutuamente benficas? dica: a resposta cor-reta no! leia os captulos iii, iv e v para ver as anlises de rothbard.

    ao longo desse volume, rothbard descreve o porqu do governo no ser uma fora benigna, como muitos defensores dessa instituio acredi-tam. o governo um aparato de coero que interfere nas relaes volun-trias no mercado. apenas para se ter uma ideia de at onde vai a lgica do autor, rothbard inicia j no captulo i com uma argumentao sobre o porqu do governo ser desnecessrio! Governo e Mercado importante pois a primeira anlise da economia governamental a argumentar que o fornecimento de bens ou servios no requer a existncia de governos. antes de rothbard, at mesmo a maioria dos tericos do livre mercado, tais como ludwig von Mises (1881-1973), Henry Hazlitt (1894-1993), ayn rand (1905-1982) e Friedrich Hayek (1899-1992) pressupunham simplesmente que os servios, assim como a aplicao da lei, deveriam ser fornecidos pelo estado. rothbard entende que a aplicao da lei deve ser analisada em termos de unidades marginais e, como outros bens, es-sas unidades podem ser fornecidas por agentes privados. ele menciona brevemente alguns exemplos histricos da aplicao privada da lei e, em seguida, especula como um sistema puramente privado poderia funcionar. a proposta de rothbard demasiado utpica? ele responde:

    o conceito apresentado bem mais funcional do que a ideia verdadeiramente utpica de um governo rigorosamente limi-tado; uma ideia que nunca funcionou na histria. e muito compreensvel, pois o monoplio da agresso e a ausncia de freios de mercado inerentes estrutura estatal, possibilitaram a destruio de quaisquer amarras que indivduos bem inten-cionados tentaram aplicar a um governo limitado4.

    4 rotHBard. Power and Market. p. 9. (captulo i).

  • Prefcio 17

    o anarquismo libertrio de Murray rothbard influenciou muitos pen-sadores subsequentes, que, desde ento, escreveram vrios artigos e livros sobre o porqu do governo ser desnecessrio.5

    alm de desbravar novos caminhos na sua poca, o livro extrema-mente relevante para a economia poltica hoje. Por exemplo, o captulo final de Governo e Mercado uma crtica contundente da tica antimerca-do, que se manteve como resqucio de uma viso pr-moderna e que vem ganhando popularidade em nossos dias. tomemos como exemplo a viso de muitos economistas comportamentais que argumentam que a socie-dade no deve confiar no livre mercado, porque as pessoas nem sempre sabem o que melhor para elas6. rothbard concorda que muitas vezes as pessoas cometem erros, mas discorda se isso motivo para a existncia do paternalismo. se as pessoas no sabem o que melhor para elas, como podem estar aptas para eleger lderes que tomaro as decises por elas?7 o livro serve para desmitificar a viso popular de muitos economistas da escolha pblica que argumentam em favor da aplicao da coero gover-namental porque a natureza humana imperfeita. rothbard concorda que os homens no so anjos, mas isso no justifica, para ele, o governo8. se os seres humanos so to ruins, como podemos esperar que um governo co-ercitivo composto de seres humanos melhore a situao?9 rothbard adota esses argumentos e muitos mais10.

    5 ver por exemplo: Barnett, randy. The Structure of Liberty: Justice and the rule of Law. oxford: clarendon Press, 1998; Benson, Bruce. The enterprise of Law: Justice without the State. san Fran-cisco: Pacific research institute for Public Policy, 1990; Benson, Bruce. To Serve and Protect: Pri-vatization and Community in Criminal Justice. new York: new York University Press, 1998; HoPPe, Hans-Hermann. Theory of Socialism and Capitalism. Boston: Kluwer, 1989; HoPPe, Hans-Hermann. democracy The God That Failed: The economic and Politics of Monarchy, democracy, and natural order. new Brunswick: transaction Publishers, 2001; HoPPe, Hans-Hermann. (ed.). The Myth of national defense: essays on the Theory and History of Security Production. auburn: Mises institute, 2003; de JasaY, anthony. Against Politics: on Government, Anarchy, and order. london: routledge, 1997; strinGHaM, edward (ed.). Anarchy, State, and Public Choice. cheltenham: edward elgar Pu-blishing, 2006; e strinGHaM, edward (ed.). Anarchy and the Law: The Political economy of Choice. new Brunswick: transaction Publishers, 2006.6 tHaler, richard H. & sUnstein, cass r. libertarian Paternalism. American economic re-view, volume 93, number 2 (May 2003): 175-79.7 rotHBard. Power and Market. p. 254. (captulo vi).8 ver: McGUire, Martin c. & olson, Mancur. the economics of autocracy and Majority rule: the invisible Hand and the Use of Force. Journal of economic Literature, volume 34, number 1 (Mar-ch 1996): 72-96. o argumento libertrio sobre o ponto de vista dos economistas da escolha pblica aparece na j citada obra Anarchy, State, and Public Choice organizada por edward stringham.9 rotHBard. Power and Market. p. 260. (captulo vi). ver tambm: PoWell, Benjamin & coY-ne, christopher. do Pessimistic assumptions about Human Behavior Justify Government? Jour-nal of Libertarian Studies, volume 17 (Fall, 2003): 17-38.10 a abrangncia de muitos tpicos impediu que rothbard descesse a mincias em qualquer um de-les. essa amplitude de tpicos, no entanto, parte do atrativo do livro. desta perspectiva, a obra de rothbard pode ser vista como um trampolim para o aprofundamento de muitos tpicos do moderno libertarianismo. rothbard escreveu: A argumentao ao longo deste livro , primariamente, terica. no

  • Murray N. Rothbard18

    em Governo e Mercado, nenhum aspecto da interveno governamental poupado. os argumentos de rothbard podem servir como uma pausa e meio de reflexo para as pessoas que desejam resolver os problemas sociais usando meios polticos. Para rothbard, o estado no perfeito, desejvel, ou necessrio, totalmente o oposto! o estado, em todas as suas formas, prejudicial para a sociedade civil, e se realmente queremos melhorar o mundo, devemos olhar para alm do governo. solues reais no esto no poder poltico, mas nas foras do livre mercado.

    edward P. StringhamSan Jose State University

    Maio de 2006

    foi feita nenhuma tentativa de enumerar exemplos institucionais de interveno governamental no mundo de hoje, uma tentativa que, claro, iria requerer muitssimos volumes (Power and Market [1970], p. vii). a boa notcia que o salvo-conduto inicial de rothbard deu aos estudiosos do libertarianismo de hoje oportunidade para ilustrar ou ampliar as ideias tericas de Governo e Mercado. Por exemplo, muitos de meus artigos sobre a coercibilidade das regras privadas tentam mostrar exatamente isso: strin-GHaM, edward. Market chosen law. Journal of Libertarian Studies, volume 14, number 1 (Winter, 1998-1999): 53-77; strinGHaM, edward. the emergence of the london stock exchange as a self-Policing club. Journal of Private enterprise, volume 17, number 2 (2002): 1-19; strinGHaM, edward. the extralegal development of securities trading in seventeenth century amsterdam. Quarterly review of economics and Finance, volume 43, number 2 (summer, 2003): 321-44; BrYan, caplan & strinGHaM, edward. networks, law, and the Paradox of cooperation. review of Aus-trian economics, volume 16, number 4 (december 2003): 309-26; strinGHaM, edward. overla-pping Jurisdictions, Proprietary communities, and competition in the realm of law. Journal of Institutional and Theoretical economics, volume 162, number 3 (september 2006): 516-34.

  • Servios de Defesa no Livre Mercado 21

    caPtulo i

    ServioS de defeSa No livre mercado

    os econoMistas se reFeriraM inMeras veZes ao livre mercado como um arranjo social de trocas voluntrias de bens e servios. contudo, apesar desse tratamento pomposo, tal anlise desconsidera as implicaes mais profundas da livre troca. deste modo, o fato da livre troca significar troca de ttulos de propriedade tem sido negligenciado e, portanto, o economista obrigado a averiguar as condies e a natureza do ttulo de propriedade que poderia ser obtido em uma sociedade livre. se sociedade livre significar um mundo em que ningum agride a pessoa ou a propriedade de outrem, ento isso sugere uma sociedade na qual cada indivduo tem absoluto direito de propriedade sobre si e sobre os recursos naturais, antes sem dono, que descobrir e transformar pelo trabalho, e ento, d-los ou troc-los com outros indivduos1. Um slido direito de propriedade sobre a prpria pessoa e os recursos naturais que descobrir, transformar, der ou trocar leva estrutura de propriedade encontrada no capitalismo de livre mercado. assim, um economista no pode analisar por completo a estrutura de troca do livre mercado sem estabelecer a teo-ria dos direitos de propriedade, da justia que h na propriedade, que teria de prevalecer numa sociedade de livre mercado.

    na anlise do livre mercado em Man, economy and State [Homem, economia e estado] partimos do pressuposto de que no h invaso de propriedade, seja porque todos evitam voluntariamente tal agresso, seja porque qualquer mtodo de defesa compulsrio que exista no livre mer-cado suficiente para impedir tal agresso. contudo, os economistas tm admitido, quase invarivel e paradoxalmente, que o mercado s pode ser mantido livre via aes invasivas e no-voluntrias em suma, por insti-tuies governamentais fora do mbito do mercado.

    a oferta de servios de defesa pelo livre mercado significaria manter o axioma da sociedade livre, ou seja, que no haja uso de fora fsica, exceto ao se defender daqueles que usam de fora para invadir uma propriedade ou atacar algum indivduo. isto sugeriria a completa ausncia de um apa-rato estatal ou de um governo, visto que o estado, ao contrrio de outros

    1 rotHBard, Murray n. Man, economy, and State. Princeton: d. van nostrand, 1962. [n. t.: todas as demais citaes de Man, economy, and State foram traduzidas tendo como base a seguinte edio em ingls: rotHBard, Murray n. Man, economy, and State with Power and Market: Scholars edition. auburn: Mises institute, 2004.].

  • Murray N. Rothbard22

    indivduos e instituies da sociedade, obtm sua receita no por trocas livremente firmadas, mas por meio de um sistema de coero unilateral chamado de tributao. o sistema de defesa em uma sociedade livre (incluindo servios de defesa para o indivduo e a propriedade, tais como proteo policial e veredictos judiciais) deveria ser, portanto, fornecida por pessoas ou empresas que (a) obtiveram suas receitas de maneira vo-luntria, no coercitivamente, e (b) que no se apropriam como o estado faz do monoplio compulsrio de proteo policial e judiciria. apenas tal proviso libertria de servio de defesa seria consoante com um livre mercado e uma sociedade livre. Portanto, as empresas de defesa deveriam ser to livremente competitivas e no-coercitivas contra os no-invasores quanto todos os outros fornecedores de bens e servios no livre mercado. servios de defesa, assim como todos os outros servios, seriam comercia-lizveis e adquiridos apenas no mercado.

    estes economistas e outros, que defendem a filosofia do laissez-faire, acreditam que a liberdade do mercado deve ser conservada e que os di-reitos de propriedade no podem ser infringidos. entretanto, acreditam piamente que o servio de defesa no pode ser fornecido pelo mercado e que defesas contra invaso de propriedade devem ser, portanto, adquiri-das fora do livre mercado, por meio da fora coercitiva do governo. com esse argumento, caem em uma contradio insolvel, visto que aprovam e advogam a macia invaso de propriedade pelo mesmo rgo (governo) que deveria proteger as pessoas da invaso! visto que um governo laissez--faire teria de, necessariamente, apoderar-se das receitas, fazendo uso de uma invaso de propriedade chamada de taxao, e arrogar a si o mo-noplio compulsrio de servios de defesa sobre uma rea territorial ar-bitrariamente designada. os tericos do laissez-faire (que neste particular so seguidos por quase todos os demais escritores) tentam se redimir dessa contradio evidente afirmando que um servio de defesa totalmente ba-seado no livre mercado no poderia existir e, portanto, aqueles que tm em alta estima uma vigorosa defesa da violncia, deveriam recorrer ao estado apesar de seu desastroso registro histrico como o maior de todos os instrumentos de violncia invasiva um mal necessrio para a proteo do indivduo e da propriedade.

    os adeptos do laissez-faire objetam de vrias maneiras ideia da defesa ser adquirida no livre mercado. Uma dessas objees considera que, j que um livre mercado de trocas pressupe um sistema de direitos de proprieda-de, portanto, o estado necessrio para definir e alocar a estrutura de tais di-reitos. todavia vimos que os princpios de uma sociedade livre realmente en-cerram uma teoria muito bem definida de direitos de propriedade, a saber: o direito propriedade do indivduo sobre si e sobre os recursos naturais descobertos e transformados pelo seu trabalho. Portanto, no preciso de

  • Servios de Defesa no Livre Mercado 23

    estado ou rgo pblico contrrio ao mercado para definir ou alocar direi-tos de propriedade. isso pode e ser feito pelo uso da razo e pelos prprios processos de mercado; qualquer outra alocao ou definio seria completa-mente arbitrria e contrria aos princpios da sociedade livre.

    Uma doutrina semelhante afirma que a defesa deve ser oferecida pelo estado por razo do incomparvel status da defesa como pr-condio ne-cessria para a atividade de mercado, sem a qual a economia de mercado no poderia existir. no entanto, esse argumento uma falcia lgica. Foi essa a falcia dos economistas clssicos ao considerarem bens e servios em termos de grandes categorias; ao contrrio, os economistas modernos de-monstraram que os servios devem ser considerados em termos de unidades marginais, j que todas as aes no mercado so marginais. se comearmos a considerar categorias inteiras em lugar de unidades marginais, podere-mos descobrir uma vasta mirade de servios e bens indispensveis, e todos poderiam ser considerados pr-condies da atividade de mercado. no seriam vitais terras, alimento, roupas ou um lugar de abrigo para todos? Pode um mercado subsistir por longo tempo sem isso? e quanto ao papel--moeda, que se tornou um requisito bsico para a atividade de mercado na complexa economia moderna? ser que todos esses bens e servios deve-riam ento ser fornecidos pelo estado e somente por ele?

    os adeptos do laissez-faire tambm afirmam que deve haver um nico monoplio compulsrio de coero e de tomada de deciso na sociedade, por exemplo, um supremo tribunal para proferir as decises finais e in-contestveis. contudo, falham ao no reconhecer que o mundo viveu bem durante toda a existncia, sem um nico e supremo tomador de decises em toda a face habitada da terra. os argentinos, por exemplo, vivem em um estado de anarquia, de desgoverno, em relao aos cidados do Uru-guai ou do sri lanka e, ainda assim, os cidados desses ou de outros pases vivem e comercializam uns com os outros sem entrar em conflitos legais insolveis, apesar da ausncia de um legislador governamental co-mum. o argentino que acredita ter sido agredido por um cidado cingals, por exemplo, leva sua queixa a um tribunal argentino, e a deciso que for tomada reconhecida pelos tribunais do sri lanka e vice versa, caso o cingals seja a parte lesada. apesar de ser verdade que diferentes estados--nao tm guerreado uns contra os outros de maneira interminvel, os cidados de vrios pases, mesmo vivendo sob sistemas jurdicos muito diferentes, conseguiram viver uns com os outros em harmonia sem um governo nico. se os cidados do norte de Montana e os de saskatchewan, do outro lado da fronteira, no canad, podem viver e comercializar em harmonia sem um governo em comum, o mesmo podem fazer os cidados ao norte e ao sul de Montana. em suma, as atuais fronteiras das naes so puramente histricas e arbitrrias, e no h grande necessidade de um

  • Murray N. Rothbard24

    governo monopolista para os cidados de um pas, como no h entre os cidados de duas naes distintas.

    o mais curioso, a propsito, que os adeptos do laissez faire deveriam, pela lgica de suas posturas, crer ardorosamente em um governo mundial unificado, de modo que ningum venha a viver em um estado de anar-quia se comparado aos demais. Mas, em geral, no acreditam nisso. e uma vez reconhecido que um governo mundial unificado no necessrio, ento como admitir logicamente a existncia de estados separados? se o canad e os estados Unidos podem ser naes separadas sem serem pro-clamados estados de anarquia intolervel, por que o sul no poderia se separar dos estados Unidos? e o estado de nova York da Federao? a cidade de nova York do estado? Por que Manhattan no poderia se sepa-rar dos estados Unidos? e cada bairro? e cada quarteiro? e cada casa? e cada pessoa? Mas, claro, se cada indivduo se separasse do governo, teramos chegado praticamente sociedade livre em estado puro, em que a defesa, juntamente com todos os demais servios, oferecido pelo livre mercado e o estado, teria deixado de existir.

    o papel dos judicirios livremente competitivos foi, de fato, muito mais importante na histria ocidental do que normalmente reconheci-do. o direito comercial, o direito martimo e muito do direito consuetu-dinrio comearam a ser desenvolvidos por rbitros particulares concor-rentes, que eram procurados por litigantes devido aos conhecimentos que tinham de determinadas reas legais2. as feiras de champagne, os grandes mercados de comrcio internacional da idade Mdia possuam tribunais livremente competitivos, e as pessoas podiam escolher aqueles que consi-deravam os mais cuidadosos e eficientes.

    vamos, ento, examinar, em detalhes, como seria um sistema de defesa em um livre mercado. devemos compreender que impossvel projetar, antecipadamente, as condies institucionais de qualquer mercado, assim como seria impossvel, h cinquenta anos, prever a estrutura exata que a indstria da televiso tem hoje. contudo, podemos postular alguns dos ar-ranjos de um sistema livremente competitivo e comercializvel de servios policiais e judicirios. Muito provavelmente, tais servios seriam vendidos antecipadamente por assinatura, com prmios pagos de modo regular e ser-vios oferecidos sob demanda. sem dvida, surgiriam muitos competido-res, cada qual tentando ganhar fama pela eficincia e pela probidade para, assim, conquistar um mercado consumidor para os servios. naturalmente

    2 ver: leoni, Bruno. Freedom and the Law. Princeton: d. van nostrand, 1961. ver tambm: ro-tHBard, Murray n. on Freedom and the law. new Individualist review, volume 1, number 4 (Winter, 1962): 37-40.

  • Servios de Defesa no Livre Mercado 25

    possvel que em algumas reas um nico agente supere todos os outros, mas isso no parece provvel quando consideramos que no existe mono-plio territorial e que empresas eficientes seriam capazes de abrir filiais em outras reas geogrficas. possvel tambm que servios policiais e judicirios sejam fornecidos por companhias de seguro, pois lhes seria di-retamente vantajoso reduzir ao mximo as ocorrncias criminais.

    Uma objeo comum viabilidade do servio de proteo comercia-lizvel (no vamos tratar aqui do quanto desejvel) a seguinte: supo-nhamos que Jones se torne membro da agncia de defesa X e smith da agncia de defesa Y (vamos considerar, por convenincia, que a agncia de defesa compreende uma fora policial e um tribunal, ou vrios tribunais, embora, na prtica, as duas funes possam muito bem ser realizadas por empresas distintas.) smith alega que foi atacado ou roubado por Jones; Jones nega a acusao. como, ento, a justia poder ser ministrada?

    obviamente, smith peticionar contra Jones e instituir um inqurito ou propor uma ao no sistema judicirio Y. Jones ser convidado a se de-fender das acusaes, embora no exista poder de intimao, j que o uso de qualquer tipo de fora contra um homem ainda no condenado por cri-me , em si, um ato invasivo e criminoso, no condizente com a sociedade livre que postulamos. se Jones for declarado inocente, ou se for declarado culpado e consentir com o veredicto, ento no haver problemas nessa etapa, e os tribunais Y iro, portanto, instituir medidas punitivas adequa-das3. Mas e se Jones no concordar com o veredicto? nesse caso, ele pode levar o caso para seu sistema judicirio X, ou lev-lo diretamente para um dos tribunais recursais particulares concorrentes, o tipo de corte que, sem dvida, surgir em abundncia no mercado para preencher a grande necessidade desses tribunais. Provavelmente haver poucos sistemas de tribunais recursais, bem menos do que o nmero de tribunais de primeira instncia, e cada uma dessas cortes de primeira instncia ir se vangloriar de pertencer ao sistema de tribunais recursais tido como mais eficien-te e ntegro. a deciso do tribunal recursal pode, ento, ser considerada vinculativa pela sociedade. na verdade, na codificao jurdica bsica de uma sociedade livre, provavelmente haveria fixada alguma clusula deter-minando que a deciso de qualquer um dos dois tribunais deve ser consi-derada obrigatria, ou seja, ser o ponto a partir do qual o tribunal estar

    3 suponhamos que smith, convencido da culpa de Jones, faa justia com suas prprias mos em vez de seguir os procedimentos judiciais. e ento? isoladamente considerado, isso seria legtimo e no punvel como crime, j que nenhuma corte ou agncia pode ter o direito, em uma sociedade livre, a usar fora para defender algo que est alm do prprio direito de defesa de cada indivduo. entretanto, smith teria ento que arcar com as consequncias de um possvel processo oposto, levado a cabo por Jones, e ele, smith, teria de enfrentar a punio como criminoso caso Jones fosse declarado inocente.

  • Murray N. Rothbard26

    apto a tomar uma atitude contra o lado considerado culpado4.

    Todo sistema jurdico precisa de algum tipo de ponto de corte acordado socialmente, um ponto em que o procedimento judicial cessa e iniciada a punio do criminoso. no entanto, no h necessidade de ser imposto um nico e monopolstico supremo tribunal, e tal rgo muito menos pode existir em uma sociedade livre; e uma codificao jurdica libertria pode muito bem ter um ponto de corte em dois tribunais, j que sempre haver duas partes em disputa: o autor e o ru.

    outra objeo comum viabilidade desse sistema de defesa baseado no livre-mercado a seguinte: ser que uma ou mais agncias de defe-sa seriam capazes de usar seu poder coercitivo para fins criminosos? em suma, uma agncia prestadora de servios policiais privados no poderia usar sua fora para agredir os demais? ou no poderiam os tribunais pri-vados conspirar decises fraudulentas e assim agredir seus clientes e vti-mas? geralmente aceito que aqueles que postulam uma sociedade sem estado so tambm ingnuos o bastante para crer que, em tal sociedade, todos os homens seriam bons e ningum desejaria agredir o prximo. no h necessidade de supor qualquer mudana mgica ou miraculosa no comportamento humano. certamente algumas organizaes privadas de defesa se tornariam criminosas, assim como alguns indivduos se tor-nam criminosos hoje. Mas o fato que em uma sociedade sem estado no haveria uma via legalizada e regular para o crime e a agresso; nenhum aparato governamental que garanta um monoplio seguro para a invaso do indivduo e da propriedade. Quando existe um estado, introduzi-da uma via para tal, a saber, o poder da taxao coerciva e o monoplio compulsrio da proteo imposta. em uma sociedade puramente de livre mercado, uma possvel organizao policial ou judiciria criminosa teria muita dificuldade em tomar o poder, j que no haveria um aparato estatal organizado que pudesse ser apoderado e usado como meio de comando. criar novamente tal meio instrumental seria difcil, e, na verdade, histo-ricamente, quase impossvel; os governantes do estado levaram sculos para montar e operar um aparato estatal. ademais, uma sociedade sem es-tado, puramente de livre mercado, haveria de ter embutido um sistema de freios e contrapesos que tornaria quase impossvel o xito de certos cri-

    4 a codificao jurdica de uma sociedade totalmente livre apenas fixaria o seguinte axioma libertrio: a proibio de qualquer violncia contra a pessoa ou a propriedade de outrem (exceto em casos de autodefesa ou de defesa da prpria propriedade). a propriedade seria definida como a propriedade sobre si, acrescida da propriedade dos recursos que o indivduo descobriu, transformou, comprou ou recebeu aps tal transformao. a tarefa da codificao seria a de esclarecer as implicaes desse axio-ma (por exemplo, as clusulas libertrias do direito comercial ou do direito consuetudinrio seriam cooptadas, ao passo que os acrscimos estatizantes seriam descartados). tal codificao seria, ento, aplicada aos casos especficos por rbitros do livre mercado, que se comprometeriam a segui-la.

  • Servios de Defesa no Livre Mercado 27

    mes organizados. tem havido muita discusso sobre o sistema de freios e contrapesos nos estados Unidos, mas, de qualquer modo, dificilmente os freios poderiam ser considerados como restries, j que cada uma dessas instituies um rgo do governo central e, no final das contas, do partido que est no governo. os freios e contrapesos em uma sociedade sem estado consistem justamente no livre mercado, ou seja, na existncia de organizaes policiais e judicirias em livre competio, que poderiam rapidamente se mobilizar para derrubar qualquer organizao fora da lei.

    verdade que no h garantias absolutas de que uma sociedade pura-mente mercantil no venha a se tornar vtima do crime organizado. to-davia, o conceito apresentado bem mais funcional do que a ideia verda-deiramente utpica de um governo rigorosamente limitado; uma ideia que nunca funcionou na histria. e muito compreensvel, pois o monoplio da agresso e a ausncia de freios de livre-mercado inerentes estrutura estatal, possibilitaram a destruio de quaisquer amarras que indivduos bem intencionados tentaram aplicar a um governo limitado. e, por fim, o pior que poderia acontecer seria o restabelecimento do estado. J que o estado o que temos atualmente, qualquer experimento de uma sociedade sem estado no traria nenhuma perda e somente ganhos.

    Muitos economistas se opem ao sistema de defesa comercializvel, ao argumentarem que a defesa parte da categoria dos chamados bens pblicos, que s pode ser oferecida pelo estado. essa teoria falaciosa refutada alhures5. e dois dos poucos economistas que admitiram a possi-bilidade de um sistema de defesa unicamente com base no livre mercado escreveram:

    se, ento, os indivduos estivessem dispostos a pagar um pre-o suficientemente alto, a proteo, a educao, o lazer, o exr-cito, a marinha, os departamentos de polcia, as escolas e os parques poderiam ser fornecidos pela iniciativa individual, assim como comida, roupas e automveis6.

    na verdade, Merlin Harold Hunter (1887-1948) e Harry Kenneth al-len (1897-?) subestimaram a capacidade da atividade individual oferecer esses servios, pois um monoplio compulsrio, que obtm receitas pelo uso da coero generalizada, e no pelo pagamento voluntrio dos clien-tes, est fadado a ser muito menos eficiente no suprimento desses mesmos servios do que empresas privadas livremente competitivas. o preo

    5 rotHBard. Man, economy, and State. pp. 1029-36.6 HUnter Merlin H. & allen, Harry K. Principles of Public Finance. new York: Harper & Bros., 1940. p. 22.

  • Murray N. Rothbard28

    pago seria um grande ganho para a sociedade e para os consumidores, em vez de ser um custo extra, imposto coercitivamente.

    assim, um mercado verdadeiramente livre totalmente incompatvel com a existncia de um estado, uma instituio que, por si s, atreve-se a defender o indivduo e a propriedade com base na coero unilateral da propriedade privada, conhecida como taxao. no livre mercado, a defesa da violncia seria um servio, como outro qualquer, obtido de organiza-es privadas em competio livre. o restante dos problemas nessa rea poderia ser facilmente resolvido, na prtica, pelos processos de mercado: os mesmos processos que j solucionaram incontveis problemas organi-zacionais de muito maior complexidade. aqueles economistas defensores do laissez-faire e escritores que, passados e presentes, estancaram no ideal impossvel e utpico de um governo limitado, esto presos em uma sria contradio interna. esta contradio do laissez-faire foi lucidamente ex-posta pelo filsofo poltico britnico auberon Herbert (1838-1906):

    a deve compelir B a cooperar com ele, ou vice versa; mas, em qualquer caso, a cooperao no pode ser assegurada, como nos foi dito, a menos que, durante todo o tempo, uma parte esteja compelindo a outra parte a formar um estado. Muito bem; mas ento, o que aconteceu com nosso sistema de in-dividualismo? a dominou B, ou vice versa, e o forou a in-gressar em um sistema que desaprova, extraiu dele servios e pagamentos que no daria por vontade prpria, praticamente se tornou o seu amo o que isso seno socialismo em uma escala reduzida? [...] acreditando, ento, que o discernimento de cada indivduo que no tenha agredido o prximo supre-mo no que tange s prprias aes; e que essa a pedra sobre a qual o individualismo repousa; nego que a e B possam ir at c e for-lo a formar um estado e arrancar dele certos pa-gamentos ou servios em nome desse estado; e vou mais alm ao afirmar que, caso agisses dessa maneira, estarias, ao mesmo tempo, justificando o socialismo estatal7.

    7 HerBert, auberon & levY, J. H. Taxation and Anarchism. london: the Personal rights asso-ciation, 1912. pp. 2-3.

  • Os Fundamentos das Intervenes 31

    caPtulo ii

    oS fuNdameNtoS daS iNterveNeS

    1

    tiPoS de iNterveNo

    at aQUi consideraMos a sociedade livre e o livre mercado, onde qualquer defesa necessria contra uma invaso violenta pessoa ou propriedade de outrem so oferecidas, no pelo estado, mas por agncias de defesa em livre competio no mercado. o principal objetivo deste li-vro analisar os efeitos dos vrios tipos de interveno violenta na socie-dade e, de modo especial, no mercado. a maioria dos exemplos lidar com o estado, j que este a nica agncia encarregada da violncia institucio-nalizada em grande escala. contudo, nossa anlise se aplica medida que qualquer indivduo ou grupo cometa invaso violenta. se a agresso ou no legal, isso no nos diz respeito, visto que no estamos preocupados em fazer uma anlise legal, e sim praxeolgica.

    Uma das anlises mais brilhantes a respeito da distino entre estado e mercado foi feita por Franz oppenheimer (1864-1943). ressaltou que h, fundamentalmente, duas maneiras de satisfazer os desejos de algum: (1) pela produo e troca voluntria com outros no mercado e (2) pela apropriao violenta dos bens alheios1. oppenheimer denominou o pri-meiro mtodo de meio econmico para a satisfao de necessidades; o segundo, de meio poltico. o estado nitidamente definido como a organizao do meio poltico2.

    necessrio um termo genrico para indicar um indivduo ou grupo

    1 Uma pessoa pode ganhar presentes; todavia, esta uma ao unilateral de quem presenteia, no acarretando uma ao de quem os recebe.2 ver: oPPenHeiMer, Franz. The State. new York: vanguard Press, 1914:

    H dois meios fundamentalmente opostos pelos quais o homem, procurando por sustento, impelido a buscar os recursos necessrios para satisfazer suas aspiraes: o trabalho e o rou-bo, ou seja, o prprio trabalho e a apropriao forada do trabalho alheio [...] Proponho [...] que seja chamado de meio econmico, o prprio trabalho ou a troca equivalente deste pelo trabalho dos outros, para suprir necessidades, ao passo que a apropriao forada do trabalho alheio seja chamada de meio poltico. [...] o estado uma organizao de meios polticos (pp. 24-27).

    ver tambm: nocK, albert Jay. our enemy, the State. caldwell: caxton Printers, 1946. pp. 59-62; cHodorov, Frank. The economics of Society, Government, and the State. new York: Mimeographed , 1946, pp. 64ss. sobre o comprometimento do estado numa conquista permanente, ver: cHodorov. Ibidem., pp. 13-16, 111-17, 136-40.

  • Murray N. Rothbard32

    que comete violncia invasiva na sociedade. chamemos de interventor ou invasor aquele que se intromete, de maneira violenta, nas relaes sociais voluntrias ou no mercado. o termo se aplica a qualquer pessoa ou grupo que desencadeia uma interveno violenta nas aes livres de indivduos ou de proprietrios.

    Quais tipos de interveno o invasor pode cometer? de modo geral, podemos destacar trs categorias. na primeira, o invasor pode obrigar um determinado indivduo a fazer ou impedi-lo de fazer algo que envolva direta e unicamente a sua pessoa ou propriedade. em suma, restringe o uso da propriedade de tal indivduo, nos casos que no envolvem troca. isto pode ser chamado de interveno autstica, pois envolve somente o prprio sujeito. na segunda categoria de interveno, o invasor pode forar uma troca entre ele mesmo e o sujeito, ou oferecer um presente coercitivo. na terceira categoria, o invasor pode compelir ou proibir a troca entre dois indivduos. a categoria precedente pode ser chamada de interveno binria, uma vez que a relao hegemnica estabelecida entre duas pes-soas (o invasor e o sujeito); e esta terceira categoria pode ser chamada de interveno triangular, j que a relao hegemnica criada entre o invasor e dois permutadores reais ou em potencial. o mercado, por mais com-plexo que seja, consiste numa srie de trocas entre pares de indivduos. no obstante a abrangncia das intervenes, estas podem ser segregadas e classificadas por seus impactos unitrios tanto em sujeitos individuais quanto em pares de indivduos.

    claro que todos esses tipos de interveno so subdivises da relao hegemnica uma relao de comando e obedincia comparadas com a relao contratual de benefcio voluntrio mtuo.

    a interveno autstica ocorre quando um invasor coage um sujeito sem receber qualquer bem ou servio em troca. os diferentes tipos de interveno autstica so: homicdio, agresso fsica e obrigao ou proi-bio de qualquer saudao, discurso ou observncia religiosa. ainda que o invasor seja o estado, que emite decretos para todos os indivduos da sociedade, o decreto ainda , por si mesmo, uma interveno autstica, visto que as linhas de fora, por assim dizer, partem do estado para cada indiv-duo. a interveno binria ocorre quando o invasor fora o sujeito a fazer uma troca ou a presente-lo unilateralmente com algum bem ou servio. assalto mo armada e impostos, assim como servio militar ou de jri obrigatrios, so exemplos de intervenes binrias. no importa tanto se a relao hegemnica binria seja um presente forado ou uma troca coercitiva. a nica diferena o tipo de coero envolvida. a escravido , obviamente, uma troca forada, pois, geralmente, o senhor precisa garantir

  • Os Fundamentos das Intervenes 33

    a subsistncia aos escravos.curiosamente, os que escrevem sobre economia poltica reconhecem

    como interveno apenas a terceira categoria3. compreensvel que a pre-ocupao com problemas de catalaxia tenha levado os economistas a negli-genciar uma categoria mais ampla de aes praxeolgicas fora da relao de troca monetria. contudo, fazem parte do objeto da praxeologia e deveriam ser submetidas anlise. Praticamente no h desculpas para os economistas negligenciarem a categoria de interveno binria. no entan-to, muitos economistas que professam ser defensores do livre mercado e inimigos da interferncia, acabam tendo uma viso limitada de liberdade e interveno. atos de interveno binria, tais como o servio militar obrigatrio e o imposto de renda, no so, de modo algum, considerados como interveno, nem como interferncias no livre mercado. apenas ca-sos de interveno triangular, como o controle de preo, so reconhecidos como interveno. so desenvolvidos conceitos curiosos em que o merca-do considerado absolutamente livre e desimpedido, apesar do sistema corrente de impostos compulsrios. contudo, impostos (e recrutas para as foras armadas) so pagos em dinheiro e, por isso, fazem parte do mbito da catalaxia, assim como da praxeologia4.

    ao traar os efeitos da interveno, preciso ter o cuidado de analisar todas as consequncias, diretas e indiretas. impossvel no espao deste livro, traar todos os efeitos do nmero quase infinito das possveis varie-dades de intervenes. no entanto, uma anlise adequada pode ser feita a partir das categorias de intervenes importantes e das consequncias de cada uma delas. assim, necessrio lembrar que leis de interveno bin-ria tm repercusses triangulares definidas: o imposto de renda mudar o padro de trocas que poderia haver entre sujeitos. alm disso, todas as consequncias de uma ao devem ser consideradas. no suficiente se empenhar, por exemplo, numa anlise de impostos parcialmente equili-brada e considerar um imposto desassociado do fato de que, subsequen-temente, o estado gasta o dinheiro arrecadado.

    3 isso deve ser inferido, e no encontrado de modo explcito nos textos. Pelo que sabemos, ningum categorizou ou analisou sistematicamente os tipos de interveno.4 Uma viso limitada de liberdade caracterstica dos dias atuais. no lxico poltico da modernida-de norte-americana, esquerdistas defendem a liberdade com frequncia, em oposio s interven-es autsticas; no entanto, olham a interveno triangular com bons olhos. direitistas, por outro lado, se opem severamente interveno triangular, mas tendem a favorecer ou a permanecer indife-rentes interveno autstica. ambos os grupos so ambivalentes no que tange interveno binria.

  • Murray N. Rothbard34

    2

    oS efeitoS diretoS daS iNterveNeS Na utilidade

    a - iNterveNo e coNflito

    o primeiro passo ao analisar a interveno contrastar o resultado di-reto nas utilidades dos participantes com o resultado que seria obtido na sociedade livre. Quando as pessoas so livres para agir, sempre agiro de um modo que, creem, lhes maximizar a utilidade, isto , lhes faro subir ao patamar mais elevado possvel, de acordo com suas escalas de valores. as utilidades ex ante sero maximizadas, desde que tomemos o cuidado de interpretar a utilidade de maneira ordinal, e no cardinal. Qualquer ao, qualquer troca que ocorra no livre mercado ou, de modo mais amplo, numa sociedade livre, acontece por causa dos benefcios esperados pelas partes envolvidas. se admitirmos o uso do termo sociedade para des-crever o padro de todas as trocas individuais, ento poderemos dizer que o livre mercado maximiza a utilidade social, j que todos ganham em utilidade. contudo, necessrio que estejamos atentos para no tomarmos a sociedade como um ente verdadeiro cujo significado vai alm do con-junto de todos os indivduos.

    a interveno coercitiva, por outro lado, significa per se que um ou mais indivduos coagidos no teriam feito o que esto fazendo, no fosse pela interveno. o indivduo que coagido a dizer ou no alguma coisa, a fazer ou no uma troca com o interventor ou outra pessoa, tem suas aes modificadas por uma ameaa de violncia. o resultado da interveno que o indivduo coagido perde em utilidade, pois sua ao foi alterada pelo impacto coercitivo. Qualquer interveno, seja autstica, binria ou trian-gular, leva os sujeitos a perderem em utilidade. na interveno autstica ou binria, cada indivduo perde em utilidade; na interveno triangular, ambos ou pelo menos um dos possveis permutadores perde em utilidade.

    Quem, ao contrrio, ganha em utilidade ex ante? claro que o interven-tor; caso contrrio, no interviria. ou o interventor ganha em bens de troca custa de quem lhe est sujeito, como na interveno binria; ou ganha em bem-estar por impor normas aos outros, como na interveno autstica ou triangular.

    todos os exemplos de interveno, em comparao com o livre merca-do, so casos em que homens lucram custa de outros homens. na inter-veno binria, os ganhos e as perdas so tangveis na forma de bens e servios permutveis; em outros tipos de intervenes, os ganhos no so

  • Os Fundamentos das Intervenes 35

    passveis de troca, e a perda consiste em ser coagido a exercer atividades menos satisfatrias (talvez at dolorosas).

    antes do desenvolvimento da cincia econmica, as pessoas pensavam em trocas e mercados como instrumentos que sempre beneficiavam uma parte em detrimento da outra. esta a fonte da viso mercantilista de mercado. a economia mostra que isso uma falcia, pois, no mercado, ambas as partes se beneficiam com as trocas. no mercado, portanto, no pode haver algo como explorao. Mas a tese de conflito de interesses ver-dadeira quando o estado ou qualquer outra agncia intervm no mercado; pois, ento, o interventor ganha somente em detrimento do sujeito que perde em utilidade. no mercado tudo harmonia. no entanto, logo que a interveno aparece e estabelecida, o conflito criado, pois cada um luta para ser, por fim, um ganhador, e no perdedor, ou seja: ser parte do time invasor, em vez de uma das vtimas.

    virou moda afirmar que conservadores como John c. calhoun (1782-1850) previram a doutrina marxista de explorao de classes. Mas a dou-trina marxista sustenta, erroneamente, que no livre mercado h classes cujos interesses colidem e conflitam. a percepo de calhoun era quase o oposto disso. ele viu que era a interveno estatal que criava, por si mesma, as classes e o conflito5. calhoun se deu conta disso, em especial, no caso da interveno binria dos impostos, pois viu que o montante arrecada-do em impostos empregado em gastos e que alguns indivduos na co-munidade deveriam ser contribuintes finais dos fundos fiscais, enquanto outros, recebedores finais. calhoun definiu os recebedores como classe dominante de exploradores e os contribuintes como explorados ou classe dominada; e a distino bastante convincente. eis como calhoun bri-lhantemente demonstrou sua anlise:

    Mesmo sendo poucos se comparados com a comunidade, os agen-tes e funcionrios do governo constituem uma parcela composta, exclusivamente, de beneficirios da receita dos impostos. Qual-quer montante arrecadado da comunidade na forma de impostos, se no for perdido, volta para eles como despesas ou bens publica-mente financiados. ambos financiamentos e tributao cons-tituem a ao fiscal do governo. so mutuamente dependentes. o

    5 o termo castas seria mais bem empregado aqui do que classes. classes so grupos de pessoas com certas caractersticas em comum. no h razo para entrarem em conflito entre si. a classe de homens que se chamam Jones no precisa entrar, necessariamente, em conflito com a classe de homens que se chamam smith. Por outro lado, castas so grupos criados pelo estado, cada qual com seu prprio conjunto de privilgios e tarefas estabelecido por meio de violncia. castas entram necessariamente em conflito porque algumas so institudas para dominar as outras.

  • Murray N. Rothbard36

    que arrecadado da comunidade sob a forma de imposto transfe-rido para aquela parte que beneficiada com tais financiamentos. Mas como os beneficirios constituem apenas uma parte da comu-nidade, entende-se que, tomando as duas partes do processo fiscal, a ao deva ser desigual entre os que pagam impostos e os que recebem a receita deles proveniente. nem poderia ser diferente, a menos que o montante arrecadado de cada indivduo sob a forma de impostos retornasse para o prprio na forma de financiamen-tos, o que tornaria o processo intil e absurdo. [...]sendo esse o caso, entende-se necessariamente que uma parte da comunidade deva pagar uma quantia em impostos maior do que o valor recebido de volta em bens publicamente finan-ciados, enquanto outra parte recebe em financiamentos mais do que pagou em impostos. evidente, ento, levando em conta todo o processo, que os impostos sejam, na realidade, benesses para a parcela da comunidade que recebe mais bens publicamente financiados do que paga em impostos, ao passo que aos que pagam mais impostos do que recebem em finan-ciamentos pblicos, tais despesas so verdadeiros impostos nus e no liberalidades. esta consequncia inevitvel, e resulta da natureza do processo, ainda que os impostos sejam distribudos da maneira mais equilibrada possvel. [...]ento, o resultado inevitvel da desigual ao fiscal do gover-no dividir a comunidade em duas grandes classes: a daque-les que, na realidade, pagam impostos e, claro, suportam de maneira exclusiva o encargo de sustentar o governo; e a outra daqueles que recebem o montante arrecado por meio de bens publicamente financiados e so, na verdade, sustentados pelo governo; ou, em poucas palavras, as classes dos pagadores de impostos e dos consumidores de impostos.entretanto, o resultado disso coloc-las em relaes antag-nicas face ao fiscal do governo e a todo o curso da poltica imediatamente decorrente. Pois, quanto maiores forem os im-postos e financiamentos pblicos, maior ser o ganho de um e a perda de outro, e vice-versa6.

    os termos dominante e dominado tambm se aplicam s formas de interveno governamental. contudo, calhoun estava certo quando ps em foco os impostos e as polticas fiscais como a pedra angular, pois so os impostos que fornecem os recursos e a remunerao para que o estado desempenhe inmeros atos de interveno.

    6 calHoUn, John c. A disquisition on Government. new York: liberal arts Press, 1953. pp. 16-18. no entanto, calhoun no entendeu a harmonia de interesses no livre mercado.

  • Os Fundamentos das Intervenes 37

    toda interveno estatal tem base na interveno binria dos impos-tos; mesmo se o estado no interviesse noutro lugar, a cobrana de im-postos permaneceria. J que o termo social pode ser aplicado apenas a cada indivduo abrangido por dado estado, est claro que, embora o livre mercado maximize a utilidade social, nenhum ato estatal pode aumentar a utilidade social. de fato, a imagem de um livre mercado necessariamen-te a de harmonia e benefcio mtuo; a imagem da interveno estatal a de conflito de castas, coero e explorao.

    b - democracia e o agir voluNtrio

    Podemos objetar que todas essas formas de interveno no so real-mente coercitivas, mas voluntrias, pois numa democracia so apoiadas pela maioria das pessoas. Mas esse apoio geralmente aptico, passivo e resignado, e no entusistico seja ou no o estado uma democracia7.

    em uma democracia, dificilmente pode ser dito que aqueles que no votam apoiam os governantes; tampouco podemos dizer o mesmo a res-peito daqueles que votaram nos que perderam as eleies. Mas at aqueles que escolheram os que ganharam podem ter votado meramente no me-nor dos males. a questo pertinente : por que necessrio votar em algum mal? tais termos nunca so usados pelas pessoas quando agem li-vremente ou quando adquirem bens no livre mercado. ningum pensa no terno novo ou no refrigerador como um mal menor ou maior. em tais casos, as pessoas pensam estar comprando bens positivos; no pensam estar apoiando resignadamente um mal menor. o ponto importante : o povo nunca tem a oportunidade de votar no prprio sistema estatal; so pegos por um sistema no qual inevitvel ser coagido8.

    seja como for, j dissemos que todos os estados so apoiados por uma maioria seja por uma democracia representativa ou no; caso contrrio, no poderiam continuar exercendo fora contra a resoluta resistncia da maioria. no entanto, esse apoio pode simplesmente refletir apatia talvez

    7 como perceptivamente escreveu o professor lindsay rogers (1891-1970) a respeito da opinio pblica:apenas 39% dos eleitores eram a favor do alistamento militar obrigatrio, antes de o reino Unido adot-lo em 1939; uma semana depois do alistamento tornar-se lei, uma pesquisa mos-trou que 58% aprovavam-no. Muitas pesquisas de opinio pblica nos estados Unidos tm mostrado um crescimento semelhante no apoio uma determinada poltica pblica, assim que esta transposta para a legislao ou para uma ordem presidencial. (roGers, lindsay. the Mind of america to the Fourth decimal Place. in: The reporter, June 30, 1955, p. 44).

    8 essa coero existiria mesmo nas democracias mais diretas; e tem o efeito duplicado em repblicas representativas, nas quais os indivduos no tm chance de votar nos assuntos de governo, e sim nos homens que os comandam. Podem apenas rejeitar tais homens e isso em intervalos bem longos. e, caso os candidatos tenham todos a mesma viso sobre os assuntos de governo, o povo no pode reali-zar nenhum tipo de mudana importante.

  • Murray N. Rothbard38

    derivada da submisso crena de que o estado, ainda que indesejvel, uma constante permanente da natureza. a respeito disso, diz o mote: na vida s podemos ter certeza de duas coisas: a morte e os impostos.

    todavia, deixando de lado todos esses problemas e ainda que admita-mos que um estado possa ser apoiado entusiasticamente pela maioria, at o momento no determinamos sua natureza voluntria, pois a maioria no a sociedade, nem a totalidade. a coero da maioria sobre a minoria no deixa de ser coero.

    J que os estados existem e so aceitos por geraes e h sculos, de-vemos concluir que uma maioria , ao menos, o esteio passivo de todos os estados pois nenhuma minoria pode governar por muito tempo uma maioria efetivamente hostil. Portanto, em certo sentido, toda tira-nia uma tirania da maioria, independente das formalidades da estrutura governamental9,10. Mas isto no muda nossa concluso analtica de confli-to e coero como corolrio do estado. o conflito e a coero existem, no importa quantas pessoas foram outras tantas11.

    c - utilidade e reSiStNcia iNvaSo

    a respeito de nossa anlise comparativa da economia de bem-estar social do livre mercado e a do estado, pode ser feitas objees de que quando as agncias de defesa restringem o ataque de um invasor pro-priedade de algum, estariam beneficiando o dono da propriedade custa

    9 com frequncia dito que, nas condies modernas em que se encontram as armas de destruio etc, uma minoria pode tiranizar uma maioria de modo permanente. Mas tal fato no leva em conta a possibilidade de a maioria fazer uso dessas armas, ou ainda uma possvel rebelio dos agentes da minoria. Muitas vezes, passa despercebido o grande absurdo da crena atual de que, por exemplo, uns poucos milhes poderiam de fato tiranizar outras poucas centenas de milhes que so vigorosamente resistentes. como david Hume (1711-1776) perspicazmente afirmou:

    nada parece mais surpreendente [] do que a facilidade com que os muitos so governados pelos poucos, assim como a implcita submisso com que os homens abdicam de seus pr-prios sentimentos e paixes em favor dos de seus governantes. se investigarmos atravs de que meios se consegue este prodgio, verificaremos que, como a fora est sempre do lado dos governados, os governantes se apoiam unicamente na opinio. o governo assenta portanto apenas na opinio; e esta mxima se aplica tanto aos governos mais despticos e militares como aos mais livres e populares. (HUMe, david. essays, Literary, Moral and Political. lon-don: [n.d.]. p. 23). [n. do t.: em portugus: HUMe, david. ensaios morais, polticos e literrios. (traduo de Joo Paulo Gomes Monteiro e armando Mora de oliveira). so Paulo: abril, 1973. (coleo os Pensadores, volume XXiii). p. 239].

    ver tambm: la Botie, etienne de. Anti-dictator. new York: columbia University Press, 1942. pp. 8-9. Para uma anlise dos tipos de opinies fomentadas pelo estado para obter o apoio pblico, ver: JoUvenel, Bertrand de. on Power. new York: viking Press, 1949.10 esta anlise sobre o apoio da maioria se aplica a qualquer interveno de longa data, conduzida de modo franco e claro, sejam os grupos rotulados como estados ou no.11 ver: calHoUn. A disquisition on Government. pp. 14, 18-19, 23-33.

  • Os Fundamentos das Intervenes 39

    da perda de utilidade do suposto invasor. J que as agncias de defesa fazem valer os direitos no livre mercado, tambm no estaria envolvido no livre mercado o ganho de uns custa da utilidade de outros (mesmo que estes outros sejam invasores)?

    em resposta, primeiramente devemos afirmar que o livre mercado uma sociedade em que todos efetuam trocas voluntariamente. Pode ser mais facilmente compreendido como uma situao em que ningum agri-de a pessoa ou propriedade de outrem. neste caso, bvio que a utilidade de todos maximizada no livre mercado. agncias de defesa tornam-se necessrias apenas como uma defesa do mercado contra invasores. o invasor, e no a existncia da agncia de defesa, que inflige perdas aos membros daquela sociedade. Haver uma agncia de defesa sem existir um invasor seria apenas um seguro voluntariamente estabelecido contra ata-ques. a existncia de uma agncia de defesa no viola o princpio da utili-dade mxima, e ainda reflete benefcios mtuos a todos os envolvidos. o conflito aparece somente com o surgimento do invasor. digamos que um invasor est prestes a cometer uma agresso contra smith, prejudicando--o, assim, em proveito prprio. a agncia de defesa, indo ao socorro de smith, prejudica a utilidade do invasor; todavia age deste modo somente para reagir injria cometida contra smith. isto ajuda de fato a maxi-mizar a utilidade dos no-criminosos. o princpio do conflito e da perda de utilidade no se iniciou pela existncia da agncia de defesa, mas sim pela existncia do invasor. Portanto, ainda verdade que a utilidade maximizada para todos no livre mercado, medida que haja interferncia invasiva na sociedade, esta ser infectada com o conflito e a explorao do homem pelo homem.

    d - o argumeNto da iNveja

    outra objeo advoga que o livre mercado no aumenta de fato a utili-dade de todos os indivduos, porque alguns podem ficar com tanta inveja do sucesso alheio que, como consequncia, realmente perdem em utilida-de. no entanto, no podemos lidar com utilidades hipotticas separadas da ao concreta. Podemos, como praxeologistas, lidar apenas com utilida-des que podem ser inferidas por meio do comportamento concreto dos seres humanos12. a inveja de um indivduo, sem tomar forma de ao, torna-se puro devaneio, do ponto de vista praxeolgico. tudo que sabe-mos que ele participou do livre mercado e se beneficiou dele com tal

    12 noutro lugar, chamamos este conceito de preferncia demonstrada, traamos sua histria e lan-amos uma crtica contra os conceitos que a ele se opem. ver: rotHBard, Murray n. toward a reconstruction of Utility and Welfare economics. in: sennHolZ, Mary (ed.). on Freedom and Free enterprise. Princeton: d. van nostrand, 1956. pp. 224ss.

  • Murray N. Rothbard40

    participao. como o indivduo se sente a respeito das trocas feitas por outros, isso no pode ser demonstrado, a no ser que ele cometa um ato invasivo. Mesmo que publique um panfleto denunciando tais trocas, no temos a prova irrefutvel de que isso no passa de uma piada ou de uma mentira deliberada.

    e - utilidade ex PoSt

    vimos, portanto, que os indivduos maximizam suas utilidades ex ante no livre mercado e que o resultado direto de uma invaso que a utilidade dos invasores aumenta custa da perda, em utilidade, da vtima. Mas o que dizer das utilidades ex post? as pessoas esperam beneficiar-se quando tomam decises, mas ser que de fato tiram proveito dos resultados? em grande parte, o restante deste livro consistir em uma anlise do que pode-mos chamar de consequncias indiretas do mercado ou da interveno, complementando as anlises feitas anteriormente. lidar com as vrias consequncias que podem ser compreendidas apenas pelo estudo, e no podem ser vistas imediatamente a olho nu.

    Pode ser que aconteam erros no caminho do ante at o post, mas o livre mercado elaborado de tal maneira que essas falhas so reduzidas ao mnimo. em primeiro lugar, h um teste rpido e de fcil compreenso, que informa ao empresrio e ao assalariado se esto tendo xito ou no na tarefa de satisfazer as vontades do consumidor. Para o empresrio, cuja obrigao principal se ajustar s vontades incertas do consumidor, o teste rpido e certeiro, com base em lucros ou prejuzos. obter grandes lucros sinal de estar no cami-nho certo; e ter prejuzos, de estar no caminho errado. desse modo, lucros e prejuzos estimulam rpidos ajustes s exigncias do consumidor, ao passo que cumprem a funo de tirar o dinheiro das mos de empresrios ruins e pass-lo s mos dos mais capazes. o fato de que bons empresrios prosperam e aumentam o seu prprio capital, enquanto os ruins so excludos, assegura um mercado ainda mais adequado s mudanas de condio. de igual modo, mas em menor grau, os fatores terra e trabalho progridem conforme o desejo dos proprietrios de uma renda maior; e fatores que produzem mais valores so recompensados de acordo com a produo.

    consumidores tambm correm riscos empresariais. Muitos crticos do mercado, embora estejam propensos a reconhecer a habilidade dos empre-srios capitalistas, lamentam a predominante ignorncia dos consumido-res, que os impede de ganhar a utilidade ex post que esperavam alcanar ex ante. como era de se esperar, Wesley c. Mitchell (1874-1948) intitulou um de seus famosos ensaios de The Backward Art of Spending Money [a arte s avessas de Gastar dinheiro]. o professor ludwig von Mises (1881-1973) destacou de modo perspicaz a posio paradoxal de muitos progressistas

  • Os Fundamentos das Intervenes 41

    que insistem na tese de que os consumidores so ignorantes ou incompe-tentes demais para comprar produtos de maneira inteligente, ao passo que engrandecem as virtudes da democracia, que leva tais indivduos a votar em polticos que no conhecem e em polticas pblicas que quase no compreendem.

    a verdade , de fato, precisamente o inverso da ideologia popular. con-sumidores no so oniscientes, mas passam por testes imediatos pelos quais adquirem conhecimento. compram certa marca de alimento para o caf da manh e, caso no gostem, deixam de comprar o produto; com-pram certo tipo de automvel e, se gostarem do desempenho, ento com-pram outro. em ambos os casos, consumidores contam aos amigos sobre o novo conhecimento adquirido. outros consumidores seguem os institutos de pesquisa voltados ao consumidor, que, de antemo, os advertem ou aconselham. Mas, em todos os casos, os consumidores tm o resultado dos testes para gui-los. desse modo, a empresa que satisfaz os consumidores cresce e prospera, ao passo que aquelas que no conseguem satisfaz-lo fecham as portas.

    Por outro lado, votar em polticos e em polticas pblicas um assun-to completamente diferente. aqui no h testes imediatos de sucesso ou fracasso, nem de lucro ou perda, tampouco de consumo satisfatrio ou insatisfatrio. Para entender as consequncias, em especial as que surgem indiretamente das decises governamentais, necessrio abranger, tal como ser desenvolvido neste livro, um conjunto complexo de racioc-nios praxeolgicos. Poucos eleitores tm a habilidade ou o interesse de acompanhar tais raciocnios, especialmente em situaes polticas, como Joseph schumpeter (1883-1950) destaca; pois, em situaes como essas, a pequena influncia que um indivduo possa ter sobre os resultados, bem como a aparente distncia das aes, induz as pessoas a perderem o in-teresse nos problemas polticos ou na argumentao13. na falta de testes imediatos sobre o sucesso ou o fracasso, a tendncia do eleitor se voltar no para aqueles polticos cujas propostas tm mais chances de xito, mas para aqueles que tm a habilidade de vender a imagem. sem raciocnio lgico, o eleitor comum no ter capacidade de descobrir os erros come-tidos pelos governantes. suponhamos, assim, que o governo inflacione a oferta de dinheiro, causando um inevitvel aumento dos preos. o gover-no pode culpar os desprezveis especuladores ou os comerciantes clandes-tinos do mercado negro e, a menos que o pblico entenda de economia, no ser capaz de notar as falcias nos argumentos do governante.

    13 scHUMPeter, Joseph a. Capitalism, Socialism and democracy. new York: Harper & Bros., 1942. pp. 258-60. ver tambm: doWns, anthony. an economic theory of Political action in a demo-cracy. in: Journal of Political economy, april, 1957, pp. 135-50.

  • Murray N. Rothbard42

    H ironia no fato de os escritores que reclamam das sedues e artima-nhas usadas em anncios publicitrios, no apontarem crticas propa-ganda poltica, j que as acusaes a esse respeito seriam relevantes. como afirma schumpeter:

    a foto da moa mais linda do mundo ser incapaz, no longo prazo, de manter as vendas de uma pssima marca de cigarros. no caso das decises polticas, no existe garantia de que seja igualmente to eficaz. Muitas decises de importncia decisi-va so de tal natureza que impossvel ao pblico experimen-t-las da maneira habitual e a um custo moderado. entretanto, mesmo que isso fosse possvel, o julgamento, de maneira geral, no pode ser alcanado to facilmente como no caso do cigar-ro, porque os efeitos so de interpretao mais difcil14.

    em contraposio, podem dizer que embora o eleitor comum talvez no seja competente para decidir sobre polticas que exigem uma srie de argumentos praxeolgicos, ele competente para escolher especialistas polticos e burocratas que tomaro decises a respeito dos assuntos de governo, assim como o indivduo tem o direito de escolher um especia-lista particular para aconselh-lo em inmeras reas. Mas, precisamente, o fato que no governo, o indivduo no tem acesso ao teste imediato e pessoal de sucesso ou fracasso do especialista contratado, como teria no livre mercado. no mercado, indivduos tendem a ser fregueses de espe-cialistas cujos servios so mais bem sucedidos. Bons mdicos ou bons advogados so recompensados, ao passo que os maus fracassam no livre mercado; o especialista contratado em privado, tende a crescer em prest-gio conforme a habilidade demonstrada. no governo, por outro lado, no h teste concreto sobre os xitos do especialista. na falta desse teste, no h como o eleitor medir as verdadeiras habilidades do homem em que deve votar. essa dificuldade agravada em eleies mais modernas, nas quais os candidatos concordam em todas as questes fundamentais; pois, afinal de contas, esses assuntos esto sujeitos avaliao racional. o eleitor, que assim desejar e tiver habilidade, pode se instruir e decidir sobre essas ques-tes. no entanto, o que qualquer eleitor, mesmo o mais inteligente, pode saber sobre a verdadeira habilidade ou competncia dos candidatos, espe-cialmente quando as eleies no levam em conta quase todos os assun-tos importantes? o eleitor pode acabar por recorrer apenas aparncia, personalidades ou imagens prontas dos candidatos. o resultado que o simples votar nos candidatos gera um efeito ainda menos racional do que o votar em massa nas questes de governo.

    14 scHUMPeter. Capitalism, Socialism and democracy. p. 263.

  • Os Fundamentos das Intervenes 43

    ademais, no governo h mecanismos inatos que levam a m escolhas de especialistas e funcionrios pblicos. o poltico e o especialista do go-verno recebem os rendimentos no de um servio adquirido no merca-do voluntariamente, mas de uma imposio compulsria da populao. Falta-lhes por completo, um incentivo financeiro que os leve a se importar em servir populao de maneira adequada e competente. alm disso, o critrio vital de capacidade muito diferente no governo e no mercado. no mercado, os capacitados so aqueles mais aptos a servir aos consumi-dores; no governo, so aqueles mais capazes de coagir e/ou os que tm mais talento para fazer apelos demaggicos junto aos eleitores.

    outra divergncia crtica entre as aes do mercado e o voto democr-tico a seguinte: o eleitor tem, por exemplo, 1/50 milionsimo de poder para escolher entre seus possveis governantes, que, em troca, tomaro decises vitais, sem restries e impedimentos, que afetaro o eleitor at a prxima eleio. Por outro lado, no mercado o indivduo tem o poder supremo e absoluto de tomar decises que dizem respeito sua pessoa e propriedade, e no um mero e distante 1/50 milionsimos de poder. o indivduo demonstra continuamente a escolha entre comprar ou no, de vender ou no, no processo de tomada de decises absolutas quanto sua propriedade no mercado. o eleitor, ao votar em algum candidato espe-cfico, est demonstrando apenas relativa preferncia sobre um ou dois possveis governantes; precisa fazer isso de acordo com os estatutos coer-citivos, segundo os quais, votando ou no, um destes homens o governar no decorrer dos prximos anos15.

    assim, vemos que no livre mercado h um mecanismo bem refinado e eficiente para trazer a esperada utilidade ex ante realizao ex post. o livre mercado tambm no deixa de maximizar a utilidade social ex ante. na ao poltica, pelo contrrio, no h tal mecanismo; de fato, prprio do processo poltico a tendncia de atrasar e frustrar a concretizao de qualquer lucro esperado. alm disso, a divergncia entre lucro ex post por meio do governo e do mercado ainda maior, pois descobriremos que, em todos os casos de interveno governamental, as consequncias indiretas sero tais que faro a interveno parecer ainda pior aos olhos de muitos dos partidrios iniciais.

    em suma, o livre mercado sempre beneficia cada participante e ma-ximiza a utilidade social ex ante. Geralmente acontece assim tambm na ex post, visto que trabalha pela rpida converso de expectativas em reali-zaes. com a interveno, um grupo ganha diretamente em detrimento

    15 Para uma discusso mais aprofundada destes pontos, ver: rotHBard. Man, economy, and State. pp. 886-91.

  • Murray N. Rothbard44

    de outro; e, portanto, a utilidade social no pode ser aumentada; o alcan-ce dos objetivos bloqueado, em vez de ser facilitado. e, como veremos adiante, as consequncias indiretas so tais que muitos dos prprios inter-ventores perdero utilidade ex post. o restante deste trabalho ser dedica-do, em grande parte, a traar as consequncias indiretas das vrias formas de interveno governamental.

  • A Interveno Triangular 47

    caPtulo iii

    a iNterveNo triaNgular

    coMo J disseMos, a interveno trianGUlar ocorre quando o interventor obriga ou probe as pessoas de realizarem trocas. deste modo, o interventor pode proibir a venda de certo produto, ou pode proibir a venda de um produto acima ou abaixo de certo preo. Por conse-guinte, podemos dividir a interveno triangular em dois tipos: o controle de preo, que lida com as condies de uma troca, e o controle de produto, que lida com a natureza do produto ou do produtor. o controle de preo ter repercusses sobre o produto, e o controle de produto sobre o preo, mas os dois tipos de controle tm efeitos diferentes e podem ser conveniente-mente separados.

    1

    o coNtrole de Preo

    o interventor pode estabelecer um preo mnimo abaixo do qual ne-nhum produto possa ser vendido, ou um preo mximo acima do qual no possa ocorrer a venda. tambm pode forar a venda em certo valor fixo. em qualquer caso, o controle do preo ser ineficaz ou eficaz. ser inefi-caz se a regulamentao no tiver qualquer influncia atual no preo do mercado. Portanto, suponhamos que todos os automveis estejam sendo vendidos por, aproximadamente, 100 onas de ouro no mercado. o gover-no emite um decreto proibindo todas as vendas de automveis por menos de 20 onas de ouro, com o risco infligir penalidades aos transgressores. este decreto , no presente estado do mercado, completamente ineficaz e terico, j que nenhum carro teria sido vendido por menos de 20 onas de ouro. o controle de preo gera apenas empregos irrelevantes para buro-cratas do governo.

    Por outro lado, o controle de preo pode ser eficaz, ou seja, pode alterar o preo para algo diferente do que seria no livre mercado. Para ilustrar melhor, deixemos que o diagrama da Figura 1 descreva as curvas de oferta e demanda, SS e dd, respectivamente:

  • Murray N. Rothbard48

    figura 1: efeito de um coNtrole de Preo mximo

    FP o preo de equilbrio estabelecido pelo mercado. agora, suponha-mos que o interventor imponha um preo de controle mximo 0C, acima do qual qualquer venda se torne ilegal. com o controle de preo, o merca-do no mais livre, e a quantidade demandada excede a quantidade ofer-tada pelo montante AB. na escassez resultante, os consumidores correm para comprar mercadorias que no esto acessveis naquele preo. alguns vivero sem o bem; outros se tornaro fregueses do mercado, restaurado com a alcunha de negro ou ilegal, ao pagar um prmio pelo risco da punio que agora os vendedores correm. a caracterstica principal de um preo mximo a fila, o interminvel alinhamento por mercadorias que no so suficientes para abastecer as pessoas no final da fileira. todos os tipos de subterfgio so inventados por indivduos que desesperadamen-te buscam chegar ao equilbrio aproximado pelo mercado. acordos por debaixo dos panos, subornos, favoritismos para clientes antigos etc., so caractersticas inevitveis de um mercado algemado pelo preo mximo1.

    preciso notar que, mesmo se o estoque de mercadorias estiver imo-bilizado para um futuro prximo e a linha de oferta seja vertical, esta es-cassez artificial continuar a evoluir, e adviro todas essas consequncias. Quanto mais elstica for a oferta, isto , mais recursos se deslocaro da produo e mais agravada, ceteris paribus, ser a escassez. se o controle de preo seletivo, ou seja, imposto a um ou alguns produtos, a econo-mia no ser to universalmente desarranjada como se estivesse sob uma mxima geral, mas a escassez artificial criada em determinada linha sem-pre ser ainda mais pronunciada, j que os empresrios e administrado-

    1 o suborno se faz necessrio em um governo que probe a troca; o suborno a venda, por um funcio-nrio do governo, da permisso de prosseguir com as trocas.

    Pre

    o

    QuantidadeF

    d

    eB

    sd

    P

    s

    c

    0

    A

  • A Interveno Triangular 49

    res podem alterar a produo e venda de outros produtos (de preferncia, substitutos). os preos dos substitutos vo subir medida que a demanda excedente canalizada nessa direo. luz deste fato, o motivo tpico do governo para o controle seletivo de preo devemos impor controles sobre este produto contanto que a oferta seja pequena revela-se um erro quase ridculo, pois a verdade precisamente o inverso: o controle de preo cria uma escassez artificial do produto, que continua, enquanto o controle existir de fato, se torna ainda pior medida que os recursos continuem a se deslocar para outros produtos.

    antes de examinar outros efeitos da mxima geral de preos, analise-mos as consequncias de um controle de preo mnimo, ou seja, a impo-sio de um preo acima do estipulado pelo livre mercado. isto pode ser representado pela Figura 2.

    figura 2: efeito de um coNtrole de Preo mNimo

    SS e dd e so, respectivamente, as curvas de oferta e demanda. 0C o preo controlado e FP o preo de equilbrio do mercado. no 0C, a quantidade demandada menor do que a quantidade ofertada pelo mon-tante AB. assim, enquanto o efeito de um preo mximo criar uma escassez artificial, um preo mnimo cria um excedente artificial que no vendido. AB o excedente no vendido. o excedente no vendido existe at mesmo se a linha SS for vertical, mas uma oferta mais elstica ir, ceteris paribus, agravar o excedente. Mais uma vez, o mercado no li-vre. os preos artificialmente elevados atraem recursos para aquela rea, embora, ao mesmo tempo, desencorajem a demanda do comprador. no controle seletivo de preo, os recursos iro deixar outras reas nos quais servem melhor aos proprietrios e aos consumidores, e se transferiro para esta rea, onde produziro em demasia e, como resultado, sofrero consequentes perdas.

    Pre

    o

    Quantidade

    d

    c

    0 F

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    eA B

  • Murray N. Rothbard50

    isso mostra como a interveno, ao agir indevidamente no livre merca-do, provoca prejuzos empresariais. empresrios produzem com base em certos critrios: preos, taxa de juros etc., estabelecidos pelo livre merca-do. os intervencionistas que seguem esses critrios adulterados destroem o ajuste e causam prejuzos, bem como fazem uma alocao errnea dos recursos que satisfazem os desejos do consumidor.

    em geral, a mxima de preo total desloca a economia por inteiro e impede que os consumidores desfrutem dos bens substitutos. a mxima geral de preo normalmente imposta com a inteno explcita de evitar a inflao invariavelmente enquanto o governo aumenta em muito a oferta de moeda. a mxima de preo total equivale a impor um mnimo sobre o poder de compra da unidade monetria, o PCU (ver Figura 3).

    figura 3: efeito da mxima de Preo total

    0F a reserva monetria da sociedade. dmdm a demanda social por mo-eda. FP o equilbrio do PcU (poder de compra da unidade monetria) estabelecido pelo mercado. Um PcU mnimo imposto acima do mercado (0C) prejudica o mecanismo de ajuste do mercado. no 0C, a reserva mo-netria excede a moeda demandada. como resultado, as pessoas possuem uma quantia de moeda GH em excedente no vendido. tentam vender a moeda comprando bens, mas no conseguem. a moeda est anestesiada. at que o ponto mantido seja o preo total mximo imposto pelo gover-no, uma parte do dinheiro dos indivduos se torna intil, pois no pode ser trocado. contudo, inevitavelmente ocorre uma luta insensata, em que cada um espera que seu dinheiro possa ser usado2. Favoritismo, direcio-

    2 ironicamente, a destruio pelo governo de parte do poder aquisitivo das pessoas ocorre sempre

    Pc

    U

    C eP

    HG

    S

    QuantidadeF

    dm

    dm

    0

  • A Interveno Triangular 51

    namentos, subornos etc, inevitavelmente abundam, assim como h uma grande presso para que o mercado negro (isto , o mercado) fornea uma via para a moeda excedente.

    Um preo geral mnimo equivalente a um controle mximo sobre o PcU. isso d inicio a uma demanda excedente, no satisfeita por moeda sobre a reserva monetria disponvel especificamente, na forma de fun-dos de bens no vendidos em todas as reas.

    os princpios do controle de pr