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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF 25, 26 e 27 de março de 2014 GOVERNANÇA NO PAC: CENTRALIZAÇÃO OU DESCENTRALIZAÇÃO? SANDRO JOSÉ MONTEIRO ANA CLARA GIANNECCHINI

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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 25, 26 e 27 de março de 2014

GOVERNANÇA NO PAC: CENTRALIZAÇÃO

OU DESCENTRALIZAÇÃO?

SANDRO JOSÉ MONTEIRO ANA CLARA GIANNECCHINI

2

Painel 50/150 A construção do domínio público no Brasil

GOVERNANÇA NO PAC:

CENTRALIZAÇÃO OU DESCENTRALIZAÇÃO?1

Sandro José Monteiro Ana Clara Giannecchini

1 INTRODUÇÃO

O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) foi criado no segundo

mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e instituído pelo Decreto nº 6.025,

de 22 de janeiro de 2007. Desde então, tem sido uma das principais políticas de

governo. Em 2011, na gestão da Presidente Dilma Rousseff, deu-se a segunda fase

do programa, o chamado PAC2, consagrando o modelo de gestão. Atualmente, o

PAC2 congrega diversas ações de infraestrutura organizadas em seis eixos

temáticos2, incorporando também diversos ensinamentos.

Este trabalho evidencia que cada sub-eixo do PAC2 possui seu próprio

contexto histórico, conjunto de atores envolvidos, arranjos institucionais e de

coordenação, instrumentos de financiamento, desafios e dilemas. Cada sub-eixo

possui seu próprio domínio no campo da gestão, embora o selo PAC traga

implicações decisivas como no processo de monitoramento intensivo e na

distribuição orçamentária.

Procura-se demonstrar que, dentro das ações que hoje constam no PAC2,

os modelos de governança que privilegiam a centralização da formulação e da

implementação são mais eficientes em eliminar a fragmentação das políticas

públicas, e em responder aos desafios de certos aspectos da coordenação.

Contudo, a centralização não responde à necessidade de equilíbrio dos

antagonismos e à multidimensionalidade das demandas. Daí a oportunidade de

analisar e repensar os modelos atuais.

1 Este trabalho deriva parcialmente de texto apresentado na disciplina de Fundamentos de Políticas Públicas do 9

o Curso de Especialização em Gestão Pública da Escola Nacional de Administração

Pública, em 2013. 2 Transporte, Energia, Minha Casa Minha Vida, Cidade Melhor, Luz para Todos, Comunidade Cidadã.

3

2 OBJETIVO

Busca-se comparar os dois modelos de governança, por meio dos

elementos de coordenação, financiamento, participação e controle social. Espera-se

explicar como esses elementos impactaram na implementação e nos resultados

alcançados pelos programas.

Procura-se concluir se essas duas políticas são centralizadas ou

descentralizadas, e como se dá a integração do governo central com os entes

federativos. A centralização contribui para o sucesso de um programa? Quais outros

fatores contribuem para os avanços? Quais são os desafios de cada um?

3 METODOLOGIA

A metodologia utilizada é a de abordar duas políticas públicas que

apresentam arranjos institucionais e de coordenação bastante distintos entre si, e

como ponto comum estarem afetas à temática da infraestrutura dos municípios.

A proposta é abordar e contrapor dois programas: o Programa Luz Para

Todos (LPT) e o PAC Cidades Históricas (PAC CH). O LPT constitui eixo próprio no

PAC2, e o PAC CH faz parte do eixo Cidade Melhor.

O trabalho divide-se em cinco partes:

A parte inicial, onde temos a introdução, objetivo e metodologia, além

de uma visão geral sobre o PAC, na ótica da teoria das políticas

públicas e da gestão governamental;

A 2ª parte e 3ª parte, que tratam do LPT e do PAC CH,

respectivamente, buscando elementos históricos, os arranjos

institucionais, e alguns os modelos específicos de coordenação,

financiamento, participação e controle social;

A 4ª parte compara os dois programas, e será onde encontraremos os

resultados dos estudos;

A última parte, que é a das Conclusões, retomando os tópicos

abordados.

4

Os dados utilizados foram obtidos por meio de revisão bibliográfica,

entrevistas, eventos públicos ou por meio das experiências diárias dos autores

dentro da administração pública federal.

4 UMA VISÃO GERAL DO PAC NO CONTEXTO DO CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

O PAC, segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

(MPOG) (2013), é um modelo de gestão voltado ao planejamento, execução e

monitoramento de investimentos em infraestrutura. Não é, portanto, uma política

pública específica, mas sim algo que se relaciona com várias políticas públicas.

Entre os elementos desse monitoramento temos o ritmo de investimento

(execução orçamentária) e a execução física (cronograma adequado, em atenção ou

preocupante). Ao serem enquadradas, as ações do PAC são tratadas com boa

prioridade dentro da estrutura estatal.

Transparece, num rápido exame, que a temática da infraestrutura, em

seus diversos aspectos, tornou-se novamente uma prioridade na agenda

governamental, sinalizando correspondência do PAC com os postulados de John

Kingdon e de Lindblom.

A (re)entrada da infraestrutura na agenda governamental

Para Jonh Kingdon (2006), o reconhecimento de um problema é um

passo crítico para o estabelecimento de agendas governamentais. Um problema só

passa a “existir” quando os governantes se convencem que algo deve ser feito sobre

o que está explicito por meio de fortes indicadores ou de crises.

Além disso, é necessário que exista um conjunto de propostas para

solucionar os problemas, de forma que o surgimento de soluções irá viabilizar o seu

reconhecimento. A escolha inicial de soluções precisará ser difundida, testada,

visando obter um ganho crescente de adeptos. Essas condições são fluxos

independentes e precisam de uma “janela de oportunidade” para convergir, que

surgem por diversas circunstâncias.

5

No caso do PAC, uma dessas circunstâncias foi a redescoberta da

importância da infraestrutura para a inclusão social, e também pelo grande consenso

entre os atores das políticas públicas sobre essa importância, conforme demonstram

estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010). As divergências

entre especialistas, políticos e burocratas repousam mais nas alternativas para os

problemas locais do que na necessidade de enfrentá-los pelo Governo Federal.

Com o tema na agenda, o Estado brasileiro passou a fornecer um novo

contexto legal e organizacional para o processamento dos tipos de demandas que

dão origem às políticas públicas geridas pelo PAC, mediando interesses organizados

da sociedade civil, todavia sem deixar de desenvolver e sustentar interesses

específicos quanto a determinados resultados das políticas.

A decisão pelo PAC

Para dar resposta às questões da infraestrutura, o Governo Federal

reuniu um conjunto de programas setoriais, muitos deles iniciativas pré-existentes

em diversas pastas ministeriais, canalizando-as para um objetivo mais comum, às

quais foi dado:

prioridade e manutenção na alocação de recursos;

escala ampliada de atendimento e abrangência; e

institucionalidade por meio do aperfeiçoamento dos mecanismos de

coordenação.

Pode-se entender que foi adotado o que Charles Lindblom (2006) chamou

de Incrementalismo, comum nas democracias. Nele uma boa formulação não é

aquela que foi resultado de exaustivos levantamentos e avaliações ex-antes das

diversas opções (na tentativa de buscar aquela que melhor resultado atingiria), mas

sim é fruto de um processo de escolha em que poucos cenários foram considerados

e apenas aqueles que são pouco diferentes da política anterior.

6

A coordenação intergovernamental e intragovernamental na implementação do PAC

Evidentemente, o modelo de gestão do PAC preocupou-se com a

coordenação intra-governamental (que evita a fragmentação interna) e com a

coordenação inter-governamental (em que a União estabelece metas e define quais

projetos serão executados pelos entes federativos, acertando os dilemas da ação

coletiva do nosso federalismo competitivo, fortemente municipalista) na fase de

implementação das políticas públicas, conforme prescreve Fernando Abruccio (2011).

Não obstante a maior parte das propostas de ações do PAC nasça dentro

das burocracias estatais, visando garantir uma coordenação intragovernamental

mais especializada, desde 2011 esse tipo de gestão ocorre pela Secretaria do PAC

(SEPAC), do MPOG.

O corpo burocrático de cada órgão setorial propõe as ações e depois o

alto escalão político, com a anuência da SEPAC, aprova os projetos e o eventual

financiamento. Particularmente no caso do PAC CH, as ações são definidas em

conjunto com as instâncias locais e estaduais, como veremos mais adiante.

Para propor as ações, as burocracias dos ministérios avaliam os fatos

sociais e os problemas postos na infraestrutura, recebendo dados e anteprojetos dos

setores a que estão vinculados. Trabalham nesta avaliação nos seus mais variados

tipos, como a de custo-benefício, a de custo-efetividade e a de impactos.

Os processos de planejamento, contratação, execução, homologação de

resultados e prestação de contas continuam sob a responsabilidade dos órgãos

setoriais. Nesse sentido, para construir amplos consensos e viabilizar grandes

projetos nacionais, requer-se muitas vezes essa habilidade típica do alto escalão

político, o que torna essencial a participação destes em todas as fases do processo.

O modelo padrão de gestão mostra esta inter-relação mediadora de

conflitos. Nele há quatro níveis: CGPAC, GPAC, Salas de Situação e na base

comum os Comitês Gestores do PAC dentro dos órgãos setoriais. Todas essas são

instâncias de monitoramento e de avaliação. O CGPAC é composto por políticos do

alto escalão, como os ministros; o GPAC é composto por membros de secretarias de

ministério, burocratas de alto e médio escalão. Nas Salas de Situação comparecem

7

membros dos diversos órgãos de governo envolvidos diretamente ou indiretamente

com as ações, principalmente na questão de licenciamento ambiental, para que se

avalie a priorização de medidas conjuntas.

5 O PAC LUZ PARA TODOS (LPT)

5.1 O problema a ser enfrentado

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 1999), indicou

que o Brasil possuía em 1999, um total de 5,2% de domicílios sem acesso à

energia elétrica. A Região Nordeste apresentava um déficit de 14,2%. De acordo

com o Atlas Nacional da Energia Elétrica (ANEEL, 2008), no ano de 2000,

tínhamos um total de 3,12 milhões de domicílios sem eletricidade. No meio rural,

em 2000 cerca de 2,16 milhões de famílias viviam sem energia elétrica, o

equivalente a 30% do todo.

É certo que essas famílias que vivem no campo sem acesso à energia

elétrica estão condenadas à estagnação socioeconômica e cultural e à baixa

produtividade dos seus rudimentares meios de produção. Essa falta, agravada por

outros fatores, acarreta também na falta dos serviços de saúde, de abastecimento

de água e saneamento, além de educação básica. Em outras palavras, sem

energia elétrica não havia a mínima perspectiva de melhora de vida por parte da

população carente.

O problema foi caracterizado pelo grande número de famílias sem

acesso à energia elétrica sem poder obtê-la por vias normais (contratando de

concessionárias pelos modelos comerciais tradicionais). Além disso, há

concentração dessas famílias na região Norte, onde a densidade populacional é

menor, as famílias estão mais distantes dos grandes centros urbanos e as

dificuldades técnicas são maiores. A maior parte estava no meio rural,

especialmente nas comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas e extrativistas.

O objetivo era, portanto, reduzir as desigualdades sociais e regionais,

priorizando o meio rural e comunidades mais carentes, especialmente na região

Norte e Nordeste. O produto a ser fornecido seria a assistência técnica e financeira

aos concessionários, coordenando esforços federativos e regulando a oferta.

8

5.2 Síntese da Trajetória do LPT

A Constituição Federal de 1988 afirmou que “.. compete a União explorar

diretamente ou por concessão ... os serviços e instalações de energia elétrica”.

Indicou também que a lei disporá sobre o direito dos usuários e obrigação de manter

o serviço adequado. De acordo com a Carta Magna, ao Estado compete as funções

de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor

público e indicativo para o setor privado.

Considerando essas competências exclusivas da União, o Prodeem

(Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios) foi criado em

27 de dezembro de 1994 pelo Decreto Nº 2773, tendo sido foi promovido pelo

Ministério de Minas e Energia (MME).

O Prodeem tinha o objetivo de viabilizar o fornecimento de eletricidade às

populações não atendidas pela rede elétrica convencional por meio de fontes

renováveis de energia descentralizadas e sustentáveis. Inicialmente deu prioridade à

energia solar3.

Todavia, em 2002, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu, após

auditoria, o relatório TC Nº 013.245/2002-7, recomendando a reestruturação do

Prodeem, incluindo a promoção da descentralização da execução e “o estímulo à

formação de comissões estaduais com a participação das diversas áreas do governo

local e de interessados”.

Em resposta, criou-se o Programa Luz para Todos, que surgiu com o

Decreto Nº 4.873, de 11 de novembro de 2003. Posteriormente, com a publicação da

Lei 10.848/2004, que alterou o modelo do setor elétrico, permitiu-se que a Agência

Nacional de Energia Elétrica pudesse também regular a matéria.

Assim, o LPT, que deveria ser encerrado em 2008, devido ao seu sucesso

foi prorrogado para 2010, depois para 2011, e em 2011 para 2014. Em 2011,

integrou-se ao PAC2.

3 O Prodeem atendeu cerca de 350 mil pessoas até 2002. Executava diretamente as obras. Chegou a instalar 8 mil painéis fotovoltaicos, enormidade para a época em que a tecnologia era cara e pouco utilizada. Deixou como legado uma rede de parcerias consolidadas, como as feitas com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), com a União Europeia, com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) e com as empresas da holding Eletrobrás, que foram também as executoras desse programa. Criou uma cultura de agentes comunitários e técnicos municipais responsáveis pela guarda, operação e manutenção dos sistemas. Hoje, ainda na fase de encerramento das atividades, vem passando todos seus ativos para o Luz para Todos.

9

5.3 Arranjos Institucionais

5.3.1 Atores

Uma vez definida a agenda pelo núcleo estratégico do governo federal, o

LPT, como política pública, contou e conta com extensa gama de atores que

participam da implementação, avaliação e monitoramento do programa.

Em termos da burocracia dos órgãos federais, a coordenação executiva

do LPT está a cargo do MME, por meio da Diretoria de Políticas Sociais e

Universalização do Acesso à Energia (DPUE) da Secretaria de Energia Elétrica

(SEE). A Eletrobrás4 assumiu a sua operacionalização, e a Agência Nacional de

Energia Elétrica (Aneel) a fiscalização. O TCU também exerce o controle contábil,

financeiro quanto à legalidade e economicidade das ações.

Embora seja coordenado nacionalmente pelo MME e operacionalizado

pela Eletrobrás, a sua implementação é regionalizada através das empresas da

holding Eletrobrás (Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul).

Cada uma dessas empresas possui um coordenador responsável pelas

ações do Programa, correspondente à região geoelétrica, a quem compete

estruturar as equipes dos coordenadores do Comitê Gestor de cada unidade

federativa e de fornecer apoio logístico para o bom desempenho das atividades.

A Aneel também teve importante papel na alavancagem do LPT. A

Resolução Aneel Nº 175/2005, e a sua revisão (RN Nº 365/2009), estabeleceu, no

sentido de melhor regular os contratos de concessão, metas de atendimento para

cada concessionária e cooperativa de eletrificação rural.

No entanto, para a viabilização do programa, foi necessária uma boa

parceria com os entes federados (os governos estaduais) e com o setor privado, as

denominadas concessionárias de distribuição de energia elétrica (distribuidoras),

além de cooperativas de eletrificação rural (cooperativas) espalhadas por todo país.

A sociedade civil participa também, por meio de associações de

moradores e movimentos sociais, que tem voz nos Comitês Gestores Estaduais.

Lideranças políticas locais, como prefeitos, deputados e vereadores, pleiteiam

também por atendimento. 4 Empresa holding de economia mista federal vinculado ao MME. Dentro da holdings encontramos empresas de grande tradição, como Furnas, Chesf e Eletronorte (empresas transmissoras), além de empresas distribuidoras e geradoras, como a Amazonas Energia e Itaipu, respectivamente.

10

5.3.2 Mecanismos de Coordenação

A Eletrobrás é responsável pela análise técnica e financeira dos projetos

que são apresentados pelas concessionárias e pelas cooperativas. Ela encaminha

ao MME os projetos já analisados e com seu parecer. O MME então, após sua

própria análise, libera o projeto após assinatura de contrato, aprovando também os

recursos.

A empresa do grupo Eletrobrás fica igualmente responsável por

inspecionar as obras executadas pelas demais concessionárias e comprovar a

adequada utilização dos recursos financeiros. As empresas concessionárias fazem

o levantamento das demandas na região onde atuam e elaboram um projeto, que é

encaminhado para a Eletrobrás. Os agentes executores são as distribuidoras e

cooperativas. Em 2011, estudos indicam que o MME contabilizou 60 distribuidoras

e 33 cooperativas, nos 26 estados, realizando obras (MME, 2011).

Compete aos agentes executores todos os projetos, fiscalização,

obtenção de licenças ambientais, transporte, autorizações e indenizações para a

constituição de eventual faixa de servidão para a instalação de postes ou torres.

Compete ao executor também todo o relacionamento com a comunidade

beneficiada, inclusive o cadastramento do morador.

Para cadastramento do morador do meio rural, sem acesso à energia

elétrica, esse deve, por iniciativa própria, procurar o escritório ou representante da

concessionária que atua no seu município e solicitar a instalação.

A prioridade das obras é definida por um Comitê Gestor estadual, e o

cronograma pelo executor. As prioridades do LPT são, em geral:

Municípios com universalização inferior a 85%;

Municípios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) inferior a

média estadual;

Escolas públicas, postos de saúde e poços comunitários de água;

Assentamentos rurais;

Comunidades Quilombolas, Indígenas ou Extrativistas.

11

5.3.3 Instrumentos de Financiamento

Em geral, a normatização vigente para os consumidores brasileiros exige

desses uma contrapartida para investimentos nas redes que necessitem de

extensão especial. Era um incentivo negativo para a universalização.

Em 2002, ocorreu a edição da Lei Nº 10.438/2002, que criou a Conta de

Desenvolvimento Energético (CDE), com vistas a promover a universalização do

serviço de energia elétrica em todo o território nacional. A CDE é um encargo do

setor elétrico pago todas as distribuidoras, rateado entre os consumidores,

proporcional ao consumo individual. Seria o principal instrumento de financiamento

público da universalização.

A partir dos recursos da CDE, o LPT determinou que, para aqueles cujo

programa visa alcançar, as instalações seriam gratuitas, incluindo o ramal e a caixa

de entrada. O consumidor do LPT paga apenas pelo consumo, registrado na sua

fatura mensal da distribuidora local.

Assim, o LPT foi então orçado em R$ 20 bilhões, dos quais R$ 14 bilhões

são de recurso do Orçamento da União (MME, 2011). O restante seria partilhado

pelos governos estaduais, concessionárias e cooperativas.

A participação de cada órgão, esfera ou concessionário foi definida por

meio de Termo de Compromisso, assinado em conjunto com o Governo Federal,

governos estaduais e com os agentes executores, tendo a interveniência da Aneel e

da Eletrobrás.

Para as regiões onde o fornecimento estava praticamente universalizado

e, assim, o investimento seria de pequena monta, foi concedido ao concessionário

um porcentual menor de recursos a fundo perdido. Todavia, no Amazonas, no Acre e

em Roraima, impactos tarifários seriam altíssimos caso o concessionário assumisse

grande parte dos investimentos por isso os valores a fundo perdido foram de 80%

por parte do Governo Federal, de 10% por parte dos governos estaduais e 10%

pelos concessionários.

A Aneel homologa as metas, compromissos e os repasses de recursos.

Tem ainda palavra final sobre o processo administrativo junto às concessionárias.

12

5.4 Resultados

O Censo de 2010 (IBGE, 2013), relata que havia naquele ano 728.512

domicílios particulares sem energia elétrica, ou apenas 1,25% do total de domicílios

brasileiros.

O MME (2013) estimou em dezembro de 2013 um total de 3.095.724

domicílios contemplados, atingindo cerca de 15 milhões de pessoas. Só pelo PAC2,

o LPT já atendeu 441.188 famílias, sem nenhum custo de instalação ao usuário.

Como, durante o PAC2, o LPT foi integrado à estratégia do Governo de combate à

pobreza, o LPT tornou-se, provavelmente, o programa de inclusão social de maior

sucesso do Governo Federal desde a Constituição de 1988.

5.5 Desafios e Dilemas

Para concretizar definitivamente as metas propostas, o grande desafio

neste momento é chegar às comunidades mais isoladas do país, principalmente na

região amazônica. O difícil acesso a determinadas localidades, para onde, em

muitos casos, é impossível levar postes e transformadores, obriga o LPT buscar

fontes alternativas para eletrificação5. A extensão dos rios, a presença de área de

mangue ou floresta, ilhas marítimas ou fluviais, inviabilizam a instalação de rede

elétrica convencional, tanto pela questão econômica como ambiental.

Outra tarefa do LPT será o de fomentar os projetos de desenvolvimento

sustentável por meio de uso produtivo de energia elétrica, além de estabelecer

mecanismos mais eficazes de participação na decisão sobre as prioridades do

programa.

Contudo, a necessidade da ampliação dos resultados do programa

provavelmente direcione para soluções de ordem maior de inovação.

É preciso cada vez mais ainda mais esforços do LPT com outras políticas

públicas federais, numa direção de maior transversalidade e reforço mútuo das

políticas públicas, evitando contradições e superposições, já que muitos objetivos

são comuns.

5 A ideia é desenvolver projetos específicos. Entre as opções tecnológicas, temos a geração descentralizada a partir de micro-centrais hidroelétricas, usina solar fotovoltaica, aerogeradores e sistemas híbridos. Este tipo de atendimento evita a extensão de redes de distribuição, embora dificultem muito a manutenção e a garantia do fornecimento.

13

Aprimorar o alinhamento dos esforços do setor público, privado e do

terceiro setor talvez seja a saída mais adequada para atingir novos patamares dessa

política; uma gestão matricial, pela ótica de Humberto Falcão Martins (2003) seria

um modelo de gestão (em rede) bastante interessante de ser avaliado.

6 O PAC CIDADES HISTÓRICAS

6.1 O problema a ser enfrentado

O estado de conservação das cidades históricas brasileiras é alarmante.

Esse processo de degradação origina-se no crescimento urbano desordenado, que

favorece ocupações irregulares e descaracterizações do patrimônio cultural, risco de

arruinamento de imóveis protegidos, subutilização de bens de valor cultural e sub-

aproveitamento do potencial econômico e simbólico dos sítios históricos para a

geração de renda e coesão social (IPHAN, 2009).

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) 6 vem

trabalhando formas de intervir nesse problema, de modo integrado, desde a década

de 1970, principalmente com o Programa de Cidades Históricas, 7 que buscava

integrar o patrimônio às políticas de desenvolvimento regional principalmente por

meio do turismo. Na década de 1990 iniciou-se o Programa Monumenta, cujos

desdobramentos originaram a formulação dos Planos de Ação para as Cidades

Históricas e o PAC - Cidades Históricas (PAC CH), a partir de 2009.

6.2 Síntese da Trajetória

O Programa Monumenta foi um programa do Ministério da Cultura (MinC)

desenvolvido entre 1995 e 2009, envolvendo o IPHAN, financiamento do Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), cooperação técnica da Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e parceria com

municípios, estados e iniciativa privada.

6 Autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, responsável por ações de preservação do acervo patrimonial, material e imaterial, a nível nacional. Surgiu em 1937. Há mais de 75 anos o IPHAN vem realizando um trabalho permanente de identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural brasileiro.

7 Para mais detalhes consultar CORREA, 2012.

14

O programa atuou sobre 26 cidades brasileiras, promovendo obras de

restauração e recuperação de bens tombados e demais áreas de projeto, atividades

de capacitação, formação de agentes locais de cultura e turismo, promoção de

atividades econômicas e programas educativos.

Foi implantado por meio de convênios entre o MinC, prefeituras e

estados, especificando as atribuições das partes, valores a serem repassados e

prazos de execução das obras. Seu acompanhamento foi conduzido por equipes de

técnicos locais, em conjunto com o IPHAN. Apenas em 2005 a coordenação do

programa passou completamente para a autarquia, mantendo o contínuo estímulo

às ações compartilhadas entre governos, iniciativa privada e sociedade.

Nessa linha, em 2008, dentro das políticas econômicas anticíclicas do

Governo Federal e no auge das articulações do IPHAN para construção do Sistema

Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC), surgiu a iniciativa para elaboração de

Planos de Ação pactuados entre as três esferas federativas, como compromissos

norteadores dos investimentos sobre as cidades históricas.

A primeira chamada pública para os Planos de Ação teve grande

resposta, gerando a capacitação de 140 municípios para elaborarem seus próprios

planos, e a assinatura de Termos de Compromisso para sua elaboração. Os Planos

de Ação representaram uma importante etapa de articulação e pactuação

intergovernamental para o planejamento da preservação de cidades históricas.

Em 2010, foram assinados 140 Acordos de Preservação do Patrimônio

Cultural (APPC) pelo IPHAN, estados e municípios, com validade de quatro anos, já

com uma listagem de obras prioritárias, refletindo uma demanda represada de R$ 8

bilhões em investimentos. Os acordos previram, como mecanismo de controle e

monitoramento, a criação de Comitês de Acompanhamento locais e regionais para o

acompanhamento dessas ações. (WEBER, 2012).

Os resultados do Monumenta, entretanto, foram apenas parcialmente

alcançados, restringindo-se, muitas vezes, no caso de imóveis públicos, às grandes

obras em monumentos de maior destaque, sendo esta a principal limitação do

programa frente à realidade das cidades históricas brasileiras.

15

Com o fim do contrato de empréstimo com o BID em 2009, iniciaram-se

discussões no IPHAN para viabilizar uma alternativa de continuidade dos objetivos

do programa por meio de outras fontes de financiamento.

Foi nesse ambiente que ocorreram tratativas com outros ministérios e

com agências de fomento, a exemplo do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal (CAIXA) e,

posteriormente, com a Casa Civil, para inserção do tema “patrimônio cultural” na

agenda do PAC. A Casa Civil aceitou a proposta, que foi incorporada pelo MPOG. As

ações estariam no eixo PAC Cidade Melhor do PAC 2, a serem implementadas entre

os anos de 2013 e 2015.

Nota-se que os resultados e o aprendizado do programa Monumenta

foram decisivos para a formulação do PAC CH, tendo sido buscada a ampliação de

seu alcance em direção à requalificação urbana. Esse processo reforça as

conclusões dos autores sobre o caráter incremental do PAC CH, que procurou, a

partir da experiência acumulada na década precedente, integrar diversas ações em

andamento.

6.3 A questão federativa

Em matéria de patrimônio cultural, a competência é concorrente entre

União, Estados e Distrito Federal para a proteção do patrimônio histórico, cultural,

artístico, turístico e paisagístico (CF 88, Art. 24), e há primazia dos Municípios na

promoção da proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação

e a ação fiscalizadora federal e estadual (Art. 30 da CF 88). Essa autonomia de cada

esfera é um dos principais desafios para a coordenação de programas nacionais.

O Monumenta avançou nessa questão federativa a partir das APPCs. O

programa ajudou a reverter a prática institucional do IPHAN, autarquia que se

consolidou mais sob uma perspectiva centralizadora da gestão. Criado no regime

autoritário vigente em 1937, a atuação do órgão foi conduzida muitos anos de modo

relativamente independente e distanciada das particularidades locais.

16

Durante a década de 1970, foram criados boa parte dos órgãos estaduais

de patrimônio, enquanto os anos 1980 presenciaram a proliferação dos órgãos

locais. Atualmente, essa rede conta com 700 conselhos de patrimônio (WEBER,

2012) e, das 173 cidades históricas tombadas pela União, mais de 50% possuem

órgão específico.

Na prática, ainda hoje ocorre elevada fragmentação dessa política.

Constata-se a superposição constante de ações, muitas vezes conflituosas.

Percebe-se que os municípios maiores contam, em grande parte, com instrumentos

de tombamento específicos, e que todas as esferas veem-se competentes para

licenciar projetos em obras tombadas. Muitas vezes, os procedimentos e critérios de

aprovação são diferentes para o mesmo bem, dependendo da esfera, conduzindo a

uma potencial desmoralização da ação governamental nesse campo.

Por isso, nos últimos anos, a ideia de superar essa fragmentação tem

ganhado força dentro das instituições, especialmente pela busca pela integração

vertical das políticas de patrimônio cultural como estratégia para o desenvolvimento

e superação das desigualdades regionais.

Assim, progressivamente, o IPHAN tem adotado políticas de

desconcentração de recursos e de ações para o nível local, procurando estruturar

instrumentos de regulação, gestão e financiamento.

6.4 Arranjos institucionais

6.4.1 Atores

São múltiplos os atores nesta política pública. O principal deles é próprio

IPHAN, que atuou na concepção básica do PAC CH, com base nas experiências

precedentes do Programa Monumenta e nos Planos de Ação das Cidades Históricas

(APPCs) assinados com municípios e estados.

Estes APPCs surgiram de Comitês de Acompanhamento locais, que

contaram com representantes governamentais e da sociedade civil, coordenados

pelas superintendências do IPHAN, respondendo pelo planejamento das ações e,

17

em alguns casos, pelo acompanhamento da execução dos acordos.8 Contribuíram

para os APPCs as articulações com a Associação Brasileira de Cidades Históricas e

com o Fórum Nacional de Secretários e Dirigente Estaduais de Cultura.

Adicionalmente, a Casa Civil e o MPOG passaram a ter importante papel

na seleção final de obras indicadas, evitando sobreposições com outros projetos

PAC (como os de mobilidade e infraestrutura) e alinhando as propostas aos objetivos

estratégicos da agenda governamental9.

Outro ator importante é a Caixa Econômica Federal (CAIXA). Enquanto a

maior parte das obras são gerenciadas pelas superintendências do IPHAN e

monitoradas pela Direção Nacional do PAC CH no IPHAN, a Caixa foi contratada

para gerenciar as obras em espaços públicos. Aliás, observa-se grande

diversificação na forma de execução das obras do PAC CH, envolvendo ainda obras

diretamente executadas pelos municípios, pelos estados e outros parceiros, a partir

de Termos de Compromisso e de repasse direto.

A CAIXA será ainda responsável pela operação do Programa de

Recuperação de Imóveis Privados, criado no Programa Monumenta e reformulado

no âmbito do PAC 2, embora os termos desse compromisso não tenham sido

finalizados até o envio deste trabalho.

6.4.2 Mecanismos de coordenação

A coordenação executiva do PAC CH está a cargo do IPHAN, por meio da

Diretoria Nacional (DN) do PAC CH.

Para tanto, a DN PAC CH realizou uma primeira chamada pública em

2009, quando foram recebidas propostas de 173 cidades históricas. Dessas, cerca

de 30% das cidades fazem parte dos integrantes do Territórios da Cidadania10,

outras 18 estão incluídas nos projetos de Revitalização e de Integração da Bacia do

Rio São Francisco e mais 40 são destinos indutores do desenvolvimento turístico

regional.

8 Importante notar que os Comitês dos APPCs não fazem parte da estrutura do PAC, mas constituem uma instância complementar, concentrando-se em atividades de planejamento e articulação.

9 Entrevista realizada pela autora ao Diretor Nacional do PAC CH – IPHAN, em 17 de fevereiro de 2014.

10 Programa do Governo Federal lançado em 2008.

18

Tais propostas foram encaminhadas ao IPHAN pelo poder executivo

municipal (e excepcionalmente pela esfera estadual), e classificadas em dois tipos

pelo Grupo Executivo do Programa de Aceleração do Crescimento (GEPAC):

Obras em Imóveis de Uso Público: obras destinadas ao restauro ou

reforma de imóveis, monumentos ou equipamentos públicos ou de uso

público; ou

Obras em Espaços Públicos: obras para implantação, restauro ou

recuperação da pavimentação de logradouros públicos relacionados

aos conjuntos protegidos.

As propostas recebidas dos municípios foram avaliadas durante reuniões

técnicas com o IPHAN, visando uma hierarquização. Posteriormente foram

analisadas pelo GEPAC do PAC, quanto ao seu enquadramento no PAC CH. A

seleção final foi realizada pelo CGPAC, coordenado pela Casa Civil, considerando

os limites de recursos financeiros disponíveis ao programa e o universo de

propostas analisadas.

Seguindo o critério estabelecido - que considerou o título de Patrimônio

da Humanidade, o porte, a situação de risco, e a condição de constituir marcos no

processo de ocupação do território nacional - foram selecionadas 44 cidades do

universo de 83 cidades tombadas pela esfera federal e 425 ações. Entre as ações,

estão obras a serem executadas pelo IPHAN, Municípios ou Estados.

No caso de imóveis isolados, a execução será por meio de Termos de

Compromisso com o ente federativo (transferência obrigatória por decreto, nos

termos da Lei nº 11.578, de 26 de novembro de 2007), podendo haver eventuais

contrapartidas. No caso de obras em espaços públicos (requalificação urbana), será

por meio de Contrato de Repasse, tendo a CAIXA como mandatário da União.

Nesse caso, a CAIXA responsabiliza-se pela análise, aprovação do projeto,

compatibilização, acompanhamento e prestação de contas.

A definição de equipes de execução de projetos executivos ou de

fiscalização de obras depende das condições de cada cidade. Em alguns casos,

estados ou municípios contribuíram fornecendo equipes de profissionais para

operarem nas superintendências do IPHAN. O quadro de profissionais do IPHAN

responsável pelo acompanhamento do PAC em cada superintendência foi

contratado por meio de concurso temporário específico.

19

O monitoramento no nível operacional das ações será realizado pelas

próprias unidades regionalizadas do IPHAN e, nos casos previstos, pela CAIXA,

enquanto o monitoramento estratégico será realizado pela SEPAC. Do ponto de vista

da relação das ações com os APPCs, as ações do PAC CH serão acompanhadas

localmente pelos Comitês de Acompanhamento locais por eles previstos.

6.4.3 Instrumentos de financiamento

O repasse federal ao IPHAN para as obras do PAC CH ocorreu em 2013,

embora, entre 2009 e 2013, obras previstas nos Planos de Ação para as Cidades

Históricas já tenham sido realizadas, dependendo da urgência e das condições de

execução da obra programada.

Observa-se, assim, um progressivo aumento de investimentos federais na

preservação do patrimônio cultural11. A expectativa do PAC CH é de se constituir no

maior investimento federal já realizado no setor, com a previsão de R$ 260 milhões

anuais, e cerca de R$ 1,9 bilhão até 2015, sendo R$ 1,3 bilhão para obras públicas

e R$ 300 milhões para obras em locais privados.

O PAC CH pretende ainda associar-se a outros programas de destinação

de recursos para o setor, como o financiamento de imóveis privados e os recursos

acionados pela Lei de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/1991), estimulando a maior

participação da iniciativa privada e das empresas estatais. Outra fonte de recursos é

o Fundo Nacional de Cultura e o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac),

acionados via convênio com a contrapartida de investimentos por parte do

proponente.

O financiamento de imóveis privados - pactuado com a CAIXA e as

demais articulações com órgãos federais - denotam a intenção de formular objetivos

e estratégias de modo integrado às demais políticas sociais e de inclusão do

Governo Federal.

11

Passamos de R$ 17 milhões, em 2002, para R$ 160 milhões, em 2009. Nesse mesmo ano foram efetivados como investimentos finalísticos na área do patrimônio cultural nas três esferas de governo, cerca de R$ 360 milhões (Finbra/STN/MF – 2009), valor que se relevou insuficiente ainda para suprir as demandas nesse campo.

20

6.5 Resultados

O PAC CH foi oficialmente iniciado em agosto de 2013, passando a

apresentar relatórios de monitoramento trimestrais do MPOG a partir de agosto de

2013, com outros em novembro de 2013 e fevereiro de 201412.

O cronograma atual indica que até meados do ano de 2014 todas as 425

obras serão iniciadas. Em fevereiro de 2014, o quadro era: cerca de 10 obras

iniciadas, 7 em licitação e 408 em preparação.13 As obras da CAIXA, até o envio

deste trabalho, ainda não tinham sido iniciadas.

6.6 Desafios e Dilemas

A criação do PAC CH foi resultado de um grande esforço de articulação e

debate do IPHAN e do MinC junto aos demais órgãos federais, especialmente a

Casa Civil e os Ministérios das Cidades, do Turismo e da Educação, mas o seu

maior desafio consiste na atual fase de implementação.

O grande tempo decorrido entre as fases de formulação e de início da

implementação demonstra as dificuldades da efetiva inserção do tema “patrimônio

histórico” na agenda governamental.

Outro aspecto decisivo na implementação é a estrutura técnico-

administrativa dentro dos órgãos executores. Um dos principais desafios é

certamente a incorporação de equipes dedicadas exclusivamente às ações do PAC

CH. No IPHAN, por exemplo, foram previstos concursos temporários para técnicos

para esse fim, o que não é a melhor das soluções. Por outro lado, a falta de

estrutura é generalizada nas demais esferas federativas. Nos municípios há grande

carência de pessoal especializado mesmo em tarefas normais de orçamentação,

contratação e gerenciamento de obras.

As rodadas de reuniões de apresentação das propostas demonstraram

também o estágio preliminar dos projetos a serem elaborados pelas prefeituras,

sugerindo ainda um longo caminho desses entes até que as obras sejam iniciadas.

12

Ver <http://www.pac.gov.br/cidade-melhor/pac-cidades-historicas > para consultar os relatórios. 13

Informações fornecidas à autora pelo Diretor Nacional do PAC CH no IPHAN, em entrevista realizada em 17 de fevereiro de 2014.

21

7 UMA COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS DE GOVERNANÇA

Os estudos indicam que tanto o PAC Luz para Todos (LPT) quanto o PAC

– Cidades Históricas (PAC CH) têm necessidades de coordenação entre as

diferentes esferas governamentais.

O LPT encontra como seu principal desafio a vasta extensão territorial e

as diferenças socioeconômicas na população a ser beneficiada; o PAC CH, por sua

vez, lida com o obstáculo de um marco legal deficiente a respeito da repartição das

atribuições da União, Estados e Municípios na proteção do patrimônio histórico,

além de ter como herança uma estrutura não adaptada aos novos aspectos

federativos pós Constituição de 1988.

Em comum, temos o fato de que o combate efetivo do respectivo

problema traz externalidades positivas em diversas áreas (saúde, educação e

emprego, no caso do LPT; transporte público, saneamento e habitação, no exemplo

das cidades históricas).

Mas, ao comparar os modelos de coordenação, uma diferença salta aos

olhos. O LPT deve muito do seu sucesso à estrutura consolidada das políticas

públicas do MME (liderança executiva forte a cargo do Ministério, operacionalização

pela Eletrobrás, regulamentação pela Aneel; estabelecimento de parceria com

governos estaduais, concessionárias de distribuição de energia e cooperativas de

eletrificação rural para implementação regionalizada). Enquanto isso, o PAC CH

busca aprimorar uma estrutura de uma entidade nacional – o IPHAN – que enfrenta

o desafio da desconcentração necessária à nova realidade imposta pela

Constituição Federal de 1988.

Contudo, conforme já mencionado, o IPHAN está levando a cabo este

processo de desconcentração de recursos e de atividades, buscando estruturar

instrumentos de regulação, gestão local e financiamento.

Observando os exemplos do MME e do IPHAN, remete-se à necessidade

da utilização da estrutura organizacional como mecanismo de coordenação, no qual

um conjunto de unidades organizacionais pode ser arranjado de tal forma que define

um padrão de interação entre as partes interessadas.

22

A coordenação da implementação do LPT parece ter sido realizada

principalmente por meio da padronização de normas. As normas informam os

responsáveis pela coordenação e operacionalização do programa, as metas e

prazos (observamos, nesse ponto, também a utilização da gestão por resultados,

posto que o MME, coordenador executivo, é responsável pelo estabelecimento dos

objetivos para cada estado ou área de concessão) e a composição de instâncias de

deliberação colegiada, como a Comissão Nacional de Universalização, e os Comitês

Gestores Nacional e Estaduais de Universalização, que envolvem instituições de

diferentes naturezas e diversas esferas governamentais.

Quanto ao PAC CH, a sua inclusão ao modelo de gestão do PAC irá,

provavelmente, melhor considerar os inputs dos diferentes atores locais, agora

filtrados e priorizados.

Entretanto, realizar um diagnóstico amplo do PAC CH ainda é uma tarefa

complexa, posto que o programa está em sua fase inicial. Contudo, considerando a

sua natureza incremental, podemos observar a evolução de programas anteriores do

órgão e fazer prognósticos sobre o sucesso do modelo de governança que será

instituído.

Como parâmetro podemos tomar o Acordo de Cooperação Técnica

assinado em 2009 entre diversos ministérios e outras entidades para o

planejamento, operacionalização e acompanhamento de atividades: uma iniciativa

de deliberação colegiada que permitiu, com sucesso, a argumentação livre entre as

diversas instituições envolvidas, diminuindo a assimetria da informação em busca

das melhores soluções possíveis. Outra interessante iniciativa passada do IPHAN foi

o Plano de Ação, desenvolvido pelos municípios interessados em serem

contemplados por investimentos, com a participação da sociedade civil, expondo-se

alternativas para o enfrentamento dos problemas estruturais da preservação do

patrimônio histórico.

No caso do LPT, o cidadão envolve-se com o programa ao se cadastrar

para pleitear a instalação de energia elétrica. Os critérios de prioridade das obras

são pré-definidos pelo Comitê Gestor estadual, buscando-se a adaptação às

necessidades específicas.

23

Logo, o desafio da governança do LPT é o inverso do PAC CH: enquanto

o segundo luta por mitigar a fragmentação derivada da intervenção de múltiplos

atores, o LPT precisa avançar para dar o mesmo peso para todas as partes

envolvidas na decisão sobre as suas prioridades.

Sobre a ótica da integração das políticas públicas de Humberto Martins

(2003), observa-se ainda que LPT possui como grande vantagem uma coordenação

executiva que evita contradições e superposições das ações.

8 CONCLUSÕES

Dado que o Programa Luz para Todos (LPT) é um programa com

objetivos, procedimentos, metas e prazos muito bem definidos, tendo ainda a seu

favor a missão de levar aos confins do país um dos pilares da infraestrutura básica,

a energia elétrica, fica clara a classificação como programa de inclusão social de

sucesso.

Mas, procurando enfrentar a questão da requalificação dos centros

urbanos, com toda a complexidade que envolve este tema, o PAC Cidades

Históricas (PAC CH), ainda num estágio inicial, vem se afirmando com algumas

dificuldades.

Percebe-se que ambas as iniciativas, o LPT e PAC CH, são exemplos

claros de políticas públicas incrementais. Prova disso é o fato de o LPT ter suas

origens no Prodeem de 1994 e o CH no Programa Monumenta de 1999. Entretanto,

a semelhança não vai muito além desse aspecto.

O LPT é um programa que tem uma alta consistência e alto índice de

execução, possuindo muitas peculiaridades típicas do gerencialismo inglês. O MME

conta com uma agência reguladora, a Aneel, que tem ajudado o programa no

atendimento de seus intentos por meio do estabelecimento de metas para as

concessionárias de energia elétrica, metas rigorosas que vem ao encontro dos

objetivos estabelecidos pelo LPT.

24

Ao contrário, o PAC CH nasceu de um órgão mais plural, descentralizado,

e da interação com governos municipais e estaduais, com o complicador da falta de

mecanismos de coordenação e aparatos sistêmicos que permitam que iniciativas

sobrepostas possam ser niveladas propiciando uma maior convergência e coerência

entre as iniciativas locais e nacionais.

Nesse sentido, o LPT procurou, desde o início, acordar com os atores

principais que pudessem ser decisivos na implementação de sua estratégia de

ampliar a oferta de energia. Parece-nos que o estabelecimento claro do problema a

ser atacado desde o início da iniciativa também foi fundamental para que se

pudesse pensar em uma estratégia efetiva para o sucesso da política.

Ajudou também o LPT a estrutura herdada do Prodeem, e os mecanismos

de autofinanciamento que o setor elétrico criou desde o seu amadurecimento. Além

disso, contribuiu para a baixa fragmentação do LPT o fato que na própria

Constituição Federal de 1998 (Art. 21, XII) ficou explicita a competência exclusiva da

União para estabelecer as políticas sobre os serviços de eletricidade.

No caso do PAC CH, apesar de ter sido concebido por meio de um

processo transparente e com grande participação dos atores locais, enfrenta-se o

desafio de coordenar a multiplicidade desses atores para viabilizar ações em

contextos extremamente diferenciados, incluindo o da carência estrutural. As ações

são acordadas no caso-a-caso e podem chegar a envolver, além de estados e

municípios, os financiadores, as universidades, as fundações e as associações civis

para execução de projetos complementares ou obras.

O LPT demonstra sucesso nesse sentido, justamente por reconhecer

todos os atores envolvidos e por criar um mecanismo de coordenação mais efetivo,

conjugando esforços. Ainda que a formulação da política tenha um viés centralizador

que a própria CF firmou, por meio do MME e da Eletrobrás as iniciativas de

implementação e execução consideram exato grau de descentralização ao delegar

às empresas concessionárias nos estados a responsabilidade do cumprimento das

etapas dos projetos de eletrificação concebidos. Permite-se ainda que os órgãos

ambientais de licenciamento estaduais e municipais também possam opinar sobre a

viabilidade e sobre os projetos, notando-se ainda um aspecto federativo e de

acomodação de interesses presentes no LPT.

25

Fica evidente que a iniciativa bem-sucedida do LPT se deve ao

estabelecimento claro dos papéis de cada ator, da visão clara do problema a ser

atacado e de uma coordenação centralizada que estabeleceu uma sistemática

eficiente e planejada o suficiente para garantir a capilaridade pontual dos projetos.

Os aspectos institucionais do MME também influenciaram, e a cultura organizacional

nele presente. Ter uma empresa, de porte e de grande tradição como a Eletrobrás, a

frente do programa também foi primordial.

Entretanto, as iniciativas do PAC CH, pelo estágio que se encontram, não

permitem pelo momento uma avaliação mais aprofundada sobre o arranjo

desenhado.

Contrapondo-se apenas as duas políticas em questão, pode-se concluir

que a centralização é mais eficiente em eliminar a fragmentação das políticas

públicas, e ao responder os desafios de certos aspectos da coordenação, como a

necessidade de especialização, alto grau de governança, racionalidade da tomada

de decisões, eficiente alocação de recursos, supervisão direta, e na padronização

dos processos e dos resultados.

Contudo, a centralização não responde ao equilíbrio dos antagonismos, à

multidimensionalidade das demandas, à necessidade de ajuste mútuo, à integração

vertical e horizontal e à autonomia dos entes federativos. O Brasil ainda é um país

bastante conflituoso, e a centralização não responde sozinha a esse conflito.

Por fim, conclui-se que as políticas públicas, para superarem o desafio da

inclusão social e do cumprimento dos objetivos da República, devem ser

transversais, sendo cada vez mais ampliados o pluralismo e a parceria Estado-

Sociedade, de maneira que os fatores de convergência de uma política possam ser

aprendizado para outras. Certo é que, conforme Abruccio (2011), o PAC reordenou

parte do papel do Estado nacional, algo que não poderá ser ignorado pelos próximos

governantes. Nesse contexto, o PAC traz elementos novos e interessantes de

governança que devem ser aproveitados, mas constantemente repensados.

26

9 REFERÊNCIAS

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AUTORIA

Sandro José Monteiro – É Engenheiro e mestre em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (2007). É servidor público federal e trabalha, desde 2011, no Ministério de Minas e Energia, em Brasília.

Endereço eletrônico: [email protected] Ana Clara Giannecchini – É arquiteta e urbanista e mestre em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2009). É servidora pública federal e trabalha, desde 2010, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Federal, em Brasília.

Endereço eletrônico: [email protected]