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Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial Associado à Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Rua Ceará 2 - 01243-010 - São Paulo SP - Tel. 3824-9633/3826-0103 Fax: 3825-2637 www.braudel.org.br / [email protected] Governabilidade no Município de São Paulo Marcos Mendes Cadeira Octavio Bulhões de Economia Política Fevereiro de 2001

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Page 1: Governabilidade no Município de São Paulo...INTRODUÇÃO Este trabalho analisa as condições de governabilidade do Município de São Paulo para o período 2001-2004. Trata-se de

Instituto Fernand Braudel de Economia MundialAssociado à Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)

Rua Ceará 2 - 01243-010 - São Paulo SP - Tel. 3824-9633/3826-0103 Fax: 3825-2637 www.braudel.org.br / [email protected]

Governabilidade no Município de São Paulo

Marcos MendesCadeira Octavio Bulhões de Economia Política

Fevereiro de 2001

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SUMÁRIO EXECUTIVO

O trabalho analisa as condições de governabilidade do Município de São Paulo para o período 2001-2004. Os principais pontos abordados e respectivas conclusões são:

• Há diversos fatores favoráveis a uma melhor governabilidade do Município de São Paulo nos próximos anos: baixo crescimento da população total e da parcela de migrantes de baixa renda vivendo na cidade, elevação do nível educacional, manutenção da atratividade a investimentos, atenuação da poluição do ar, retorno do crescimento econômico com impacto positivo sobre renda, emprego, arrecadação fiscal e menor pressão por gastos de assistência social.

• A cidade de São Paulo está em uma armadilha fiscal, pois gasta quase metade de seu orçamento com despesas tipicamente voltada para atendimento às populações mais pobres (saúde, educação, habitação e transportes públicos), financiadas por receita própria. A solução para este problema passa pela ampliação do financiamento federal às ações sociais da Prefeitura e pela reformulação das atribuições constitucionais dos municípios.

• Há um viés antiurbano e antimetropolitano implícito nos critérios de distribuição de recursos federais aos municípios; que beneficiam as pequenas cidades interioranas e não prevêem verbas específicas para investimentos metropolitanos. Os grandes municípios são prejudicados, também, pela guerra fiscal promovida por pequenos municípios vizinhos. A reação da cidade de São Paulo nos últimos anos foi levantar os recursos necessários através de endividamento, usando o seu poder político para repassar a dívida para o governo federal. A reformulação das transferências federais e uma política tributária metropolitana precisariam ser postas em prática para dar conta desses problemas.

• Apesar dos problemas estruturais no financiamento e perfil de gasto da cidade, as perspectivas financeiras de médio prazo para a prefeitura não são ruins. A renegociação da dívida pela União foi favorável à cidade. Haverá um aumento de desembolso a título de juros e amortizações da ordem de R$ 660 milhões ano. Mas esse valor pode ser compensado pelo retorno do sistema de saúde da cidade ao modelo SUS, que garantiria transferências federais de aproximadamente R$ 300 milhões, pelo corte de gastos excessivos de órgãos como Câmara de Vereadores e Tribunal de Contas, e pela possibilidade de voltar a tomar empréstimos junto a organismos internacionais e BNDES.

• O sistema político-eleitoral fragmentado vigente no Brasil gera, no plano municipal, fragilidade do prefeito em relação ao poder de veto e barganha dos vereadores. Há uma tendência à instalação de coalizões fisiológicas de governo, com loteamento de cargos. A reforma política em discussão no Congresso Nacional se, aprovada, poderia mitigar esse problema. No plano municipal essa questão poderia ser enfrentada através do orçamento

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participativo e do enquadramento das demandas paroquiais de vereadores em programas prioritários da prefeitura.

• Simplesmente trocar os dirigentes e o partido político comandante do poder municipal não é suficiente para dar conta da corrupção sistêmica que assola a cidade. É preciso reformar a administração: maior poder de fiscalização e decisão para a população, simplificar leis e procedimentos, reorganizar os fluxos de informação sobre a qualidade e eficiência da administração, dar prevalência ao mérito nos salários e definição de cargos, condicionar salários e manutenção de cargo à performance. Programas anticorrupção estão sendo postos em prática em diversas cidades do mundo: Seul, La Paz, Hong Kong seriam alguns exemplos a serem estudados pela nova administração.

• O Tribunal de Contas do Município (TCM) é estudado como um caso exemplar na fragilidade dos métodos de prevenção contra corrupção na cidade. Órgão público capturado pelos interesses de alguns dirigentes políticos, o TCM surge como um grande sorvedouro de verbas públicas e pouco capaz de impor austeridade no trato da coisa pública.

• Há dois problemas fundamentais na gestão de megacidades: a necessidade de descentralizar a prestação de serviços de impacto local e de coordenar e centralizar a prestação de serviços e investimentos de impacto metropolitano. São frágeis e ineficazes tanto os mecanismos de descentralização quanto de metropolização das políticas públicas em São Paulo. Diferentes modelos dessas políticas, aplicados por cidades como Tóquio, Cidade do México, Los Angeles e Nova York são analisados, gerando propostas para a reformulação da organização administrativa da cidade. Hierarquizar as cidades por tamanho e importância, criar organismos metropolitanos de governo com verbas e poder de decisão suficientes, dar às megacidades o status de estado, criar ógãos metropolitanos por área de serviço (habitação, transporte, meio ambiente) seriam algumas das soluções possíveis.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa as condições de governabilidade do Município de São Paulo para o período 2001-2004. Trata-se de um momento crucial, em que a administração da cidade vive uma crise financeira, moral e administrativa. Estamos em um ponto em que a crise pode vir a gerar mobilização e forças suficientes para que se reerga a cidade. Ou então pode-se degenerar para uma estagnação e resignação com as baixas condições de vida, o que seria o prenúncio da decadência da cidade como maior centro urbano do país.

A crise de São Paulo não é um caso isolado. Megacidades são organizações muito difíceis de se administrar. Basta lembrar que Nova York, a mais famosa metrópole mundial, simplesmente foi a falência em 1975 e até hoje não se recuperou totalmente. Tóquio também encontra-se em crise fiscal, em função da depressão da economia japonesa. As metrópoles norte-americanas travam lutas inglórias contra a poluição, os congestionamentos e a degradação ambiental. Seul, uma das sete maiores metrópoles mundiais, está em luta aberta contra a corrupção na administração municipal. Berlim vive o drama da desigualdade social, em que parcela significativa dos cidadãos da antiga Alemanha Oriental formam um bolsão de indivíduos cronicamente desempregados e sem capacidade para retornar ao mercado de trabalho.

Por outro lado, são as megacidades que concentram os profissionais e intelectuais mais capacitados do país. Há nessas cidades massa crítica suficiente para responder às crises de governabilidade. Exemplo claro é o movimento London Pride, criado em 1994. Trata-se de uma iniciativa que reuniu diversos organismos públicos e privados da capital britânica e produziu um relatório sugerindo como Londres deveria desenvolver-se nos próximos 25 anos. Participaram da iniciativa: governos locais (Boroughs), Confederation of British Industry, London Chamber of Commerce and Industry, Corporation of London, London Voluntary Services Council, London Planning Advisory Committee. Algo semelhante deveria ser feito em São Paulo para nortear o desenvolvimento, equacionar problemas e limitar o poder discricionário dos políticos para interferir sobre os rumos da cidade durante os seus mandatos.

É preciso também ter consciência de que não existe uma reforma perfeita e definitiva para a administração da cidade. Deve-se estar sempre buscando a evolução administrativa, adaptando regras . Londres é, mais uma vez, um bom exemplo. Desde 1965 houve inúmeras e significativas mudanças no modo de governar a cidade, inclusive a total abolição do órgão central de governo da cidade (Great London Council) , por Margareth Thatcher, em 1986. Tal medida eqüivaleria, no caso Brasileiro, à extinção da prefeitura da cidade, com o governo federal assumindo suas funções. Em 1997 realizou-se outra grande reforma, instituindo-se a figura do prefeito metropolitano, eleito em 2.000. Tóquio e Cidade do México também vêm fazendo sucessivas mudanças em seus organismos de governo, enquanto nos Estados Unidos são criadas diversas agências e órgãos novos com vistas a melhor adequar a administração pública à evolução social e econômica.

São Paulo precisa não apenas tentar reformular sua organização administrativa, mas também ousar. Buscar formas de governo inovadoras como, por exemplo, a criação de um nível de governo metropolitano ou a hierarquização das cidades. O fato de a organização

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de regiões metropolitanas estar a cargo dos governos estaduais abre espaço para que novas formas de governo sejam tentadas sem a necessidade de reformas na constituição federal.

Vários indicadores sócio-econômicos mostram-se favoráveis à recuperação da cidade: redução da taxa de crescimento da população, arrefecimento no fluxo migratório de população de baixa renda, previsão de crescimento econômico e do emprego nos próximos anos, melhoria na escolaridade da população. Associado a isso tem-se uma mudança no comando político e administrativo da cidade, em que a nova prefeita foi eleita com um discurso anticorrupção e de recuperação da cidade.

De fato a insatisfação da população em relação aos casos de corrupção e apropriação de bens públicos foi o tema principal das eleições de 2000. Assim, é fundamental reestruturar a organização administrativa da cidade com vistas a extirpar a estrutura de corrupção montada na prefeitura. Este trabalho argumenta que este não é um trabalho fácil nem barato. Requer um programa bem montado, que exige desde a revisão das leis municipais até o reordenamento dos órgãos de fiscalização e controle.

Ressalta-se aqui, também, a necessidade de reformas na constituição federal, que seriam necessárias para retirar o viés antimetropolitano existente na distribuição de recursos federais aos municípios e para reduzir o poder de manipulação política de vereadores sobre os prefeitos. Além disso, o governo federal precisaria ampliar a sua parcela de financiamento das políticas sociais executadas pelos grandes municípios. Do contrário, estes estarão permanentemente em um ciclo vicioso em que benefícios sociais atraem população carente e esta passa a demandar ampliação de tais benefícios, sem que os municípios tenham condições de financiá-los.

Se a recomendação de como conduzir o governo de São Paulo no período 2001-2004 pudesse ser resumida em uma única palavra, esta palavra seria negociação. É preciso negociar com o Estado de São Paulo, comandado por adversários políticos, um modelo metropolitano de governo, bem como parcerias e investimentos estaduais no Município de São Paulo. Deve-se negociar com o governo federal, também comandado por adversários políticos, verbas adicionais para programas sociais da prefeitura; em especial, negociar um calendário de rápido retorno do Município ao sistema de SUS de atendimento à saúde. É preciso negociar com parte da bancada de oposição na Câmara Municipal uma pauta conjunta de medidas de ajuste fiscal e combate à corrupção que evite um “travamento” da administração por atitudes protelatórias do legislativo. É preciso negociar com associações profissionais e comerciais, órgãos de classe e empresas para se obter financiamento conjunto para iniciativas de recuperação da cidade, em especial para projetos sociais e de regeneração urbana.

O primeiro capítulo define o conceito de governabilidade a ser aqui utilizado, listando os fatores que aumentam ou diminuem a capacidade do prefeito para gerir a cidade. O segundo capítulo faz uma digressão sobre fatores históricos, demográficos e econômicos que condicionam a governabilidade da cidade. Ali são analisadas tanto as tendências demográficas de longo prazo quanto as perspectivas econômicas de curto e médio prazos. O terceiro capítulo analisa o impacto das instituições fiscais e administrativas federais sobre a governabilidade municipal: como as responsabilidades constitucionais, a partilha de recursos fiscais e as restrições legais impostas aos administradores afetam a governabilidade. O quarto capítulo trata das instituições políticas: como o sistema político-eleitoral e a divisão de poderes

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entre prefeito e câmara de vereadores.influenciam a governabilidade. O quinto capítulo analisa a questão da corrupção. O sexto capítulo continua a enfocar a corrupção, mas trata especialmente da fragilidade institucional do Tribunal de Contas do Município. O sétimo capítulo aborda o problema gerencial: como descentralizar ações administrativas e coordenar ações de impacto metropolitano com outros municípios. O último capítulo contém as conclusões e um sumário de propostas.

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CAPÍTULO. 01

GOVERNABILIDADE MUNICIPAL

Cumpre, inicialmente, definir o que aqui se considera estar compreendido no termo “governabilidade”. Em primeiro lugar, quanto maior a capacidade do poder executivo municipal de transformar suas propostas, idéias e escolhas em efetiva realização, maior a governabilidade. Isso significa, portanto, que um poder executivo cujos projetos de lei são sistematicamente rejeitados pelo legislativo enfrenta sério problema de governabilidade. Também enfrenta restrições à governabilidade o poder executivo que não dispõe de recursos financeiros suficientes para prestar serviços públicos básicos; seja porque está passando por um estrangulamento financeiro circunstancial, seja porque a constituição e as leis federais e estaduais atribuem ao município recursos financeiros insuficiente para financiar os serviços públicos de responsabilidade municipal (desequilíbrio entre poder de tributar e serviços a serem prestados).

Também pertence ao conjunto de determinantes da governabilidade a pressão de demanda da sociedade por serviços municipais. Um centro de atração de migrantes, como São Paulo, sofre forte pressão de demanda por habitação para população de baixa renda, urbanização de bairros periféricos e políticas compensatórias para desempregados. Ao mesmo tempo que pressiona por serviços municipais, a população carente não tem capacidade financeira para pagar impostos. Isso desequilibra as finanças locais e gera um dilema para o administrador público: atender aos reclamos dos mais necessitados, sob pena de estar sinalizando para que novos migrantes acorram à cidade, ou não atender às demandas e deixar grandes contingentes vivendo em condições sub-humanas.

A governabilidade está, ainda, condicionada por aspectos administrativos e organizacionais. Não é uma tarefa trivial organizar a administração pública e a distribuição de poder e tarefas no terceiro maior aglomerado urbano do mundo, com dez milhões de habitantes, e que é centro de uma região metropolitana com dezessete milhões de habitantes. Sérias questões quanto ao grau de centralização-descentralização de cada serviço público e de ação conjunta com os municípios vizinhos devem ser enfrentadas em prol da maior eficiência da administração pública.

A governabilidade também depende da capacidade das instituições municipais para manter o fluxo e a qualidade dos serviços públicos a longo prazo. Isso significa que é baixa a governabilidade se houver espaço para a implantação de políticas de custo elevado que comprometam, a médio e longo prazo, a saúde financeira da prefeitura. A governabilidade também será baixa se houver espaço para que a corrupção afete as prioridades da administração pública, bem como a qualidade dos serviços públicos e a saúde financeira da prefeitura.

O trabalho pretende analisar cada um desses fatores condicionantes da governabilidade municipal, oferecendo propostas de reformas legais ou organizacionais que ampliem esta governabilidade.

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CAPÍTULO. 02

FATORES HISTÓRICOS, DEMOGRÁFICOS E ECONÔMICOS

Essa seção tem por objetivo dar um panorama geral dos fatores históricos, demográficos e econômicos que têm impacto sobre a governabilidade municipal

A velocidade do crescimento urbano na América Latina e, em especial na cidade de São Paulo, é um fenômeno se precedentes na história humana. Paul Bairoch, em seu livro clássico Cities and Economic Development, descreve a urbanização do continente como “uma explosão urbana (...) sem precedentes históricos e geradora de uma concentração de população em grandes cidades muito grandes que também não havia ocorrido antes na história”1. Seu argumento está calçado em números bastante convincentes: enquanto nos países do primeiro mundo foi necessário um século para que a taxa de urbanização subisse de 12% para 32%, na América Latina isso ocorreu em apenas 55 anos.

O gráfico 1 ilustra essa situação com clareza. Ele mostra como a população da cidade de São Paulo cresceu em ritmo muito mais rápido que a população de Nova York ao longo do século XX. Em 1890 a metrópole norte-americana já possuía 2,5 milhões de habitantes, enquanto São Paulo contava com apenas 65 mil2. A população de Nova York cresce lentamente até atingir 7,5 milhões em 1940, e depois chega a sofrer pequena queda nos anos 80. Já a cidade de São Paulo vê sua população crescer de forma exponencial, ultrapassando Nova York no final dos anos 70, e atingindo 10 milhões de habitantes ao final dos anos 90.

Fontes: IBGE – Censos Demográficos e US Bureau of the Census

A tabela abaixo compara, para dois períodos de um século, o crescimento da população de São Paulo com aquele verificado em algumas das cidades européias de mais rápida expansão populacional. Percebe-se que, de fato, o caso paulistano supera em muito o ritmo de crescimento das metrópoles européias, justamente nos períodos em que estas tiveram os seus maiores índices de crescimento.

1 Bairoch (1985).2 O primeiro Censo Demográfico para a cidade de São Paulo apontava uma população de 31.385 habitantes em 1872.

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Tabela 1 – População de São Paulo e de Cidades Européias de Rápido Crescimento Populacional: 1750, 1850 e 1950

mil habitantes1750 1850 1950 (B)/(A) (C)/(A)(A) (B) (C)

São Paulo(1) - 31 2.198 - 6.990%Moscou 161 373 5.100 132% 1.267%Roma 157 170 1.665 8% 879%Barcelona 70 167 1.425 139% 753%Copenhague 79 135 1.150 71% 752%Berlim 113 446 3.707 295% 731%Hamburgo 90 193 1.580 114% 719%Praga 58 117 938 102% 702%Milão 123 193 1.400 57% 625%Madrid 123 263 1.527 114% 481%S. Petesburgo/Leningrado 138 502 2.700 264% 438%Bruxelas 55 208 964 278% 363%Paris 560 1.314 5.900 135% 349%Amsterdã 219 225 940 3% 318%Viena 169 426 1.755 152% 312%Londres 676 2.320 8.860 243% 282%Lisboa 213 257 885 21% 244%Nápoles 324 416 1.210 28% 191%Fontes: Cidades Européias: Honenberg e Lees (1985) São Paulo:IBGE – Censos Demográficos(1) Na coluna (B) o dado refere-se a 1872

Para reforçar a idéia da intensidade do crescimento populacional paulistano, é importante observar que a cidade de Londres no século XIX, vivendo fase de grande dinamismos, decorrente da revolução industrial, viu sua população crescer 6,5 vezes entre 1801 e 19013. Em São a população cresceu 148 vezes entre 1890 e 1991.

A industrialização não se mostrou suficiente para absorver o fluxo de mão-de-obra que aportava nas cidades, o que gerou a expansão do setor de serviços e do funcionalismo público. Ou seja, a cidades do terceiro mundo não surgem como simples conseqüência do desenvolvimento econômico; mas sim como uma mistura de desenvolvimento industrial, desenvolvimento educacional e absorção de desalentados. Ainda citando Bairoch, “enquanto no século XIX o jovem europeu migrava para cidade atraído principalmente por empregos disponíveis, no terceiro mundo os jovens buscam as cidades porque não conseguem viver como agricultores ou porque não querem ser agricultores”.

O que importa aqui registrar é a grande pressão que este rápido crescimento populacional impõe sobre a administração de uma cidade. Em primeiro lugar é preciso expandir os serviços públicos de forma muito rápida. Novos bairros são criados da noite para o dia; é preciso executar com agilidade desde o calçamento de ruas até o planejamento urbano; as fronteiras da cidade se expandem e as redes de luz, água e esgoto precisam acompanhar tal movimento. É preciso registrar que, apesar de seu rápido crescimento populacional, a cidade 3 Levy (1997, p.74)

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de São Paulo e os demais municípios da Região Metropolitana conseguiram pavimentar quase todas as ruas da sua periferia. Também como será visto mais adiante, no gráfico 14, menos de 2% da população da Região Metropolitana vive sem abastecimento de água com canalização interna ou sem equipamento sanitário.

Em segundo lugar, parcela significativa dos migrantes que chegam demandando os serviços públicos não podem pagar por eles, pois são desempregados ou mal remunerados. Em terceiro lugar, o setor público também é pressionado para se tornar uma fonte de empregos e absorver o excedente de mão-de-obra, o que coloca um obstáculo à sua administração racional e produtiva.

Nesse sentido, há uma dupla mensagem no gráfico 1. Em primeiro lugar observa-se que São Paulo enfrentou ao longo do século XX um árduo desafio de urbanização. Certamente grande parte das mazelas da cidade pode ser debitada ao rápido crescimento populacional e à sua dupla função: propulsora do desenvolvimento nacional e escoadouro das mazelas sócio-econômicas do país. Porém o gráfico 1 também indica que já ficou para trás o período de crescimento populacional acelerado. O número de habitantes está se estabilizando em torno de 10 milhões.

Assim, do ponto de vista de crescimento populacional, a cidade parece estar entrando em uma fase mais tranqüila, o que permitiria planejar com mais calma a expansão urbana, assim como tentar solucionar os problemas e desequilíbrios criados no período de expansão acelerada. Com menor crescimento populacional torna-se mais fácil consertar os desacertos do passado e recuperar atrasos.

É verdade que parte dessa desaceleração do crescimento populacional se deve à expulsão da população para áreas periféricas. Os pobres para lá se dirigem em busca de moradias mais baratas e os ricos à procura de condomínios fechados mais espaçosos e seguros. De fato, em 1960 a população da cidade de São Paulo representava 71% da população metropolitana. Em 1999 essa participação havia caído para 57%. Mas a taxa de crescimento populacional também vem caindo no restante da região metropolitana: entre 1970 e 1980 a população metropolitana, excluída a da capital, cresceu 6,5% ao ano; entre 1991 e 1996 essa taxa havia caído para 3,1% ano ano. Essa taxa ainda é alta, e suficiente para continuar pressionando a demanda por serviços públicos. Mas a tendência é de queda e de estabilização do problema a médio prazo.

Também é importante destacar que, em São Paulo, não é intenso o problema de perda de população de alta renda. Grandes metrópoles mundiais como Londres e Nova York sofrem com a perda de habitantes de renda média e alta, que mudam-se para os subúrbios; ao mesmo tempo em que recebem crescentes fluxos de migrantes de baixa renda vindos de países subdesenvolvidos. Esta mudança de composição pressiona a governabilidade local, visto que reduz-se o contingente de habitantes com capacidade para pagar impostos e aumenta o grupo de habitantes que tem forte demanda por serviços públicos voltados para assistência aos pobres (educação pública, saúde pública, habitação, serviços sociais, subsídios aos transportes, etc.).

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Este problema tem feição mais branda no caso de São Paulo. Em primeiro lugar porque não se verifica um êxodo da população de renda média e alta; que permanece vivendo na cidade. Os problemas de transporte da cidade com seus longos congestionamentos tornam menos atraente a opção de morar fora da cidade e ser obrigado a fazer o trajeto de ida e volta diariamente. Em segundo lugar porque, como mostra o gráfico 2, está se estabilizando a participação da população proveniente do Norte, Nordeste e Centro-Oeste que vive na grande São Paulo. Ao longo da década de 70, os migrantes provenientes das regiões mais pobres do país aumentaram a sua participação na população da Região Metropolitana de 13,5% para 19%. Desde então esta participação estabilizou-se em torno de 20%. Os migrantes estrangeiros de baixa renda também não chegam a ter grande importância na população total. Apesar do recente fluxo de bolivianos e peruanos em busca de emprego ilegal nas pequenas fábricas de confecção da cidade, a participação de estrangeiros caiu de 1,9% para 1,6% da população entre 1993 e 1999.4

Uma conseqüência natural, e positiva, da interrupção do fluxo migratório é a maior qualificação da população. Interrompe-se a chegada de indivíduos de baixa escolaridade e, ao mesmo tempo, aqueles que chegaram a mais tempo já tiveram tempo de aumentar sua escolaridade ou de colocar seus filhos na escola. De fato, o gráfico 3 mostra que, de 1981 a 1999 caiu de 33% para 18% a parcela da população que não havia completado o ciclo primário (4 anos de estudo), e aumentou de 27% para 47% o percentual de indivíduos com o ensino fundamental completo (8 ou mais anos de estudo).

4 Fonte: IBGE-PNAD

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Este é um ponto fundamental para melhorar a governabilidade, pois vem-se reduzindo ao longo dos anos o contingente de indivíduos desqualificados e, portanto, dependentes da assistência social pública para sobreviver. Quanto maior a escolaridade da população, maior a sua capacidade de buscar uma vaga no mercado de trabalho e menor a sua dependência em relação a programas sociais. Também maior é o seu discernimento e capacidade de escolha em processos eleitorais, o que dificulta o acesso de políticos oportunistas ao poder.

Também é importante avaliar o dinamismo econômico da economia local. Estaria a atividade econômica da cidade saturada? Os altos custos da concentração urbana já estariam sendo suficientes para espantar investimentos para outras cidades e estados? Azzoni (2000) mostra que não. Ele argumenta que a cidade de São Paulo e a Região Metropolitana apresentam índices de lucratividade industrial superiores à média do Estado de São Paulo, e conclui: “fica patente que a região metropolitana paulista ainda mantém um vigor econômico potencial que lhe permite competir com demais áreas do Estado e do país na atração de novos empreendimentos e na expansão da atividade dos atualmente já ali instalados.”

O impacto dessa constatação sobre a governabilidade é dúbio. Por um lado, o dinamismo econômico impede que pese sobre a administração pública local o custo de assistência social a desempregados e da deterioração das condições de vida que geralmente ocorrem em áreas economicamente decadentes. Por outro lado, o custo adicional de se abrigar uma nova empresa (aumento da concentração populacional, dos engarrafamentos de trânsito, do custo dos terrenos e aluguéis, etc.) pode não compensar a receita representada pelo pagamento de impostos a ser feito por essa empresa; o que deterioraria as condições de governabilidade.

A área da saúde mostra dados positivos. O gráfico 4 mostra que entre 1990 e 1998 a taxa de mortalidade infantil na cidade caiu pela metade, havendo também um refluxo dos casos de AIDS.

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Fonte: EMPLASA (2000)(1) Óbitos por mil habitantes(2) Óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos

Também há positivos indicadores sobre a capacidade de aquisição de bens duráveis. O gráfico 5 mostra que o percentual de indivíduos da Região Metropolitana de São Paulo com geladeira em casa passou de 85% em 1981 para 98% em 1999. A máquina de lavar roupa estava presente em 60% dos lares em 1999, contra apenas 46% em 1992.

Fonte: IBGE-PNAD

O crônico problema da poluição do ar também parece que vem sendo mitigado ao longo dos anos. A tabela 2 mostra a redução do número de dias com qualidade do ar inadequada nas diversas estações de medição da CETESB.

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Tabela 2- Número de Dias com Qualidade do Ar Inadequada ou Insatisfatória

Estações deAmostragem

1994 1995 1996 1997 1998

Cambuci 34 24 12 6 0 Cerqueira César 7 1 2 0 0 Centro ... 0 4 0 0 Congonhas 11 16 9 14 0 Lapa 9 7 1 13 0 Mooca 21 22 8 2 0 Nossa Senhora do Ó 7 6 3 0 0 Parque D. Pedro II 45 29 8 8 2 Parque Ibirapuera 24 11 2 8 0 Penha 1 7 5 0 1 Santana ... 2 11 2 0 Santo Amaro 13 17 4 3 5 São Miguel Paulista 4 7 3 12 0TOTAL 176 149 72 68 8Fontes: CETESB, EMPLASA(2000)

Outro renitente problema crônico da cidade, as enchentes e alagamentos, também parecem estar menos graves. O gráfico 6 mostra que o ponto crítico das inundações ocorreu em 1996. Desde então a relação entre o número de chamados de emergência atendidos pela Defesa Civil e o índice pluviométrico vem decrescendo.

Fonte: Prefeitura de São Paulo

Contudo não se tem apenas dados positivos a apresentar. Embora nos anos recentes o fluxo migratório não esteja bombeando para dentro da cidade migrantes de baixa renda com a mesma intensidade do passado; as condições de vida da população já residente parecem estar se deteriorando em vários aspectos.

Grandes centros urbanos são, tipicamente, cidades “pró-cíclicas”. Ou seja, quando a economia nacional vai bem, os grandes centros, por sediarem parcela importante da atividade industrial, financeira e comercial, são os maiores beneficiários. Cresce a arrecadação de tributos locais, criam-se empregos, atraem-se profissionais talentosos e criativos. São Paulo está entre as

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cidades brasileiras mais beneficiadas por uma conjuntura macroeconômica favorável. Por outro lado, em períodos de baixo crescimento as grandes cidades são os mais atingidas e tornam-se o centro nervoso da crise econômica.

Os gráficos 7 e 8 ilustram claramente esta situação. No período 1992-96 a renda média das pessoas economicamente ativas estava em crescimento. Para o Brasil como um todo, o crescimento foi de 18%, mas na Região Metropolitana de São Paulo o aumento foi muito superior, quase alcançando 30%.

Fonte: IBGE-PNAD Deflator: IGP-DI

No período seguinte (1996-99) a renda real entrou em declínio e a Região Metropolitana de São Paulo sofreu mais que o restante do país. Para todo o país a renda média mensal das pessoas economicamente ativas caiu 5%. Tomando-se apenas a RMSP essa queda foi de 11%. (Gráfico 8)

Ou seja, as condições de vida locais são muito influenciadas pelos altos e baixos da economia. O que significa dizer que a governabilidade local está fortemente condicionada a decisões (de política macroeconômica) tomadas pelo Governo Federal e pelas oscilações da economia mundial. Por mais ágil e competente que seja a administração municipal, a governabilidade local pode ficar comprometida em função de fatores que escapam à alçada municipal.

Este é um problema enfrentado por todas as metrópoles do mundo. Estudo comparativo das cidades de Nova York e Londres afirma que “talvez o maior desafio vivido tanto por Londres quanto por Nova York seja assegurar a viabilidade das suas economias locais face à crescente dependência em relação à altamente volátil indústria financeira, visto que as forças que comandam o setor são globais e as políticas públicas são locais.”5

5 CORPORATION OF LONDON (2.000,p. 10).

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Fonte: IBGE-PNADDeflator: IGP-DI

Nos últimos anos São Paulo tem vivido o lado ruim desta gangorra. O gráfico 9 mostra a evolução da taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo. Observa-se que desde de 1987, seguindo uma tendência nacional, o desemprego cresce continuamente, passando de 3,5% no início do período para 8% em 1999.

Fonte: IBGE

O desemprego gera uma busca por moradia mais barata, intensificando as invasões de terrenos públicos e privados, fazendo da regulação do uso do solo uma tarefa árdua. Não menos difícil é a repressão à invasão de áreas de mananciais e de proteção ambiental ou o controle do comércio ambulante nas vias públicas.

O desemprego também expande a demanda por serviços públicos de saúde e educação: clientes de planos privados de saúde, ao perderem o emprego, passam a utilizar o atendimento médico municipal. Um grande contingente de crianças migram para escolas públicas quando os pais deixam de ter condições de financiar escolas privadas.

De fato, os dados relativos a matrículas escolares na Região Metropolitana de São Paulo mostram um aumento na demanda por educação pública e a estagnação na procura por

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escolas privadas. Percebe-se, na tabela 3, que enquanto o número de matrículas na rede municipal cresceu 48% na educação infantil e 43% na educação fundamental; nas escolas particulares as matrículas ficaram estagnadas no período sofrendo, inclusive, uma pequena queda.

Tabela 3 – RMSP: Evolução do Número de Matrículas nas Escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental 1990 e 1998

Educação Infantil Variação Ensino Fundamental Variação1990 1998 1990 1998

Estado 16.023 - -100% 2.103.303 2.096.650 0%Município 271.566 400.833 48% 457.249 655.084 43%Particular 107.122 105.592 -1% 430.611 411.390 -4%

Fonte: Emplasa (2000)

O desafio torna-se ainda maior quando se constata que não só os desempregados, mas também os empregados passam a ser mais dependentes dos serviços públicos e da assistência social municipal. Os gráficos 10 e 11 mostram que na Região Metropolitana de São Paulo, seguindo uma tendência nacional, houve forte mudança no perfil do emprego, aumentando significativamente o emprego informal, tanto pela redução do percentual de empregados com carteira assinada, quanto pela diminuição do percentual de trabalhadores vinculados a instituto de previdência.

Fonte: PNAD-IBGE

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Fonte: PNAD-IBGE

Isso significa que há na Região Metropolitana de São Paulo e, na cidade de São Paulo em especial, cada vez menos trabalhadores protegidos por esquemas privados ou federais de assistência ao trabalhador (previdência e assistência social, seguro desemprego, FGTS, planos patronais de saúde, etc). Logo, o alívio às dificuldades e necessidades desses indivíduos acaba tendo que ser provido pela Prefeitura e pelo governo do Estado. Pressiona-se a prefeitura, por exemplo, para financiar programas habitacionais para os indivíduos que não podem contar com financiamento do FGTS, ou para criar frentes de trabalho para os não atendidos pelo seguro-desemprego.

Os dados relativos à população favelada na cidade de São Paulo dão a dimensão do desafio que será governar o município nos próximos anos. Segundo a Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB), em 1987 8,9% dos habitantes da cidade viviam em favelas. Em 1993, já eram 19,3% da população vivendo em favelas. Ou seja, em seis anos a população favelada passou de 815 mil para 1,9 milhão de pessoas. Isso sem contar o grande número de habitantes de cortiços (para os quais não há dados disponíveis) e de pessoas vivendo precariamente nos conjuntos habitacionais da periferia, as chamadas COHABs. Dada a estagnação econômica vivida ao final dos anos 90 é provável que esta estatística tenha se agravado nos últimos anos.

Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo (1996)

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O conceito de favela adotado nessas estimativas é de “agrupamentos de, no mínimo, duas unidades habitacionais precariamente construídas e dispostas de forma desordenada em um mesmo lote, cuja propriedade não é legalizada para aqueles que o ocupam”.6 Ou seja, há na cidade de São Paulo mais de 2 milhões de habitantes residindo em condições precárias e enfrentando problema de legalização da propriedade onde vivem. Os desafios para a prefeitura são muito grandes, tanto em termos de uma política de uso do solo quanto em termos de provisão de serviços públicos a essas populações.7 Dados da EMPLASA (2000) confirmam essa tendência. Em 1994 6,5% das famílias da Grande São Paulo viviam em área invadida. Em 1998 já eram 9,1% das famílias vivendo nesta situação: um crescimento de 40%.

É curioso observar que, apesar do rápido processo de expansão de favelas, o número de residências em condições precárias de construção caíram pela metade entre 1992 e 1999. O que parece indicar que, à medida que as favelas se legitimam, seja pela legalização das invasões seja pela não reação do poder público à invasão, os moradores passam a investir na melhoria qualitativa do imóvel.

Fonte: IBGE-PNAD

Teresa Caldeira, em sua tese de doutoramento sobre crime e segregação na cidade de São Paulo descreve com clareza a dinâmica da favelização da cidade:

“a melhora significativa na periferia desde o final dos anos 70 (...) diminuiu o estoque de lotes regulares e baratos disponíveis, já que o valor dos terrenos aumentou como resultado tanto da construção de infra-estrutura e equipamento urbano quanto da regularização de lotes (...) os bairros que receberam essas melhorias se tornaram muito caros para a já empobrecida população(...) O crescimento da pobreza, combinado com melhores condições e terrenos mais valorizados na periferia, expulsou os mais pobres para os limites da cidade ou para outros municípios da região metropolitana, tornou a autoconstrução mais

6 SEHAB. www. prodam.sp.gov.br.7 O IBGE possui uma definição de favela mais restrita que aquela utilizada pela SEHAB. O IBGE considera favelas e assemelhados como conjunto constituído por mais de 50 unidades habitacionais localizadas em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular), com ocupação desordenada e densa sendo, em geral, carente de serviços públicos essenciais. Sob essa definição, o IBGE estima e 737 mil moradores em favelas no ano de 1993.

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difícil e forçou uma considerável parcela da população mais pobre a viver em favelas ou cortiços..” 8

Não viver em favelas não significa morar bem. Havia, por exemplo, na cidade de São Paulo, em 1995, 2,5 milhões de habitantes vivendo em regiões administrativas que não tinham sequer um metro quadrado de área verde, como ilustrado pela tabela abaixo. Note-se que todas as administrações regionais citadas na tabela situam-se nas zonas norte e leste.

Tabela 4 - População do Município de São Paulo Vivendo em Regiões (Administrações Regionais) Sem Área Verde

Administração Regional Zona População em 1995

Ermelino Matarazzo Leste 99.701 Vila Prudente Leste 544.264 Aricanduva-Vila Formosa Leste 192.420 São Mateus Leste 326.032 Jançanã-Tremembé Norte 221.789 Freguesia do Ó Norte 585.559 Guaianases Leste 405.519 Casa Verde Norte 94.088 TOTAL 2.469.372

Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo

No gráfico 14 percebe-se que houve progresso tanto no abastecimento de água e esgotamento sanitário (serviços estaduais), mas que os municípios metropolitanos ainda deixam 1,5 milhão de pessoas sem coleta direta de lixo. Houve significativa piora na cobertura desse serviço, com o aumento em 50% do número de habitantes não assistidos por coleta direta de lixo entre 1995 e 1999.

8 Caldeira (2000, p. 237-40)

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Fonte: PNAD-IBGE

As estatísticas de ocorrências criminais apontam na mesma direção dos dados relativos à favelização. O gráfico 15 mostra que entre 1985 e 1999 houve, no Município de São Paulo, um aumento de 150% nos furtos e roubos de veículos e de 135% nos roubos e de 80% nos homicídios dolosos; contra um crescimento populacional de 10%.

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de S. Paulo

O desafio de governar São Paulo também é claramente expresso pelas estatísticas de trânsito. O gráfico 16 mostra que nos últimos anos os engarrafamentos em horários de pico quase chegam a 100 kms de extensão. Fica evidente a baixa qualidade de vida decorrente dos longos períodos gastos no trajeto trabalho-casa-trabalho. Os custos financeiros e ambientais da lentidão do tráfego também não podem ser desprezados. A necessidade de investimentos em sistemas coletivos de transporte (em especial a expansão do metrô) geram a necessidade de levantamento de fundos para investimentos e o estabelecimento de cooperação com o governo do Estado e a União.

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Em suma, o panorama geral dado por este capítulo mostra, em primeiro lugar, que há diversos fatores favoráveis a uma melhor governabilidade do Município de São Paulo nos próximos anos: estabilização da população total e da parcela de migrantes de baixa renda vivendo na cidade, elevação do nível educacional, manutenção da atratividade a investimentos e atenuação de alguns problemas crônicos como enchentes e poluição do ar. Tais fatores deixam de pressionar a governabilidade local, permitindo que se tenha condições de resolver um estoque de problemas acumulado ao longo de décadas de urbanização acelerada.

Por outro lado, observa-se a grande sensibilidade do maior centro produtivo do país às variáveis macroeconômicas. Seguidos anos de baixo crescimento econômico têm acumulado graves problemas de queda da renda real, favelização e violência. Caso venham a se confirmar as expectativas de que o país está entrando em uma fase de crescimento econômico consistente e duradouro; a condição de “cidade pró-cíclica” tornar-se-á vantajosa para São Paulo. Ela tenderá a recuperar renda, salários, emprego e arrecadação fiscal; ao mesmo tempo que verá diminuir a pressão por gastos de assistência social e de programas voltados para as populações mais pobres.

Isto não significa, contudo, a resolução de todos os problemas. Um eventual retorno do crescimento econômico traz, consigo, efeitos colaterais indesejáveis, tais como o agravamento da lentidão no trânsito, o aumento na emissão de poluentes e novo estímulo à atração de migrantes. O mesmo se pode dizer da atratividade a investimentos. Se, por um lado, ela mantém a renda da população e a sua capacidade de pagar impostos, por outro lado, ela pode estar atraindo mais empresas que gerarão mais problemas decorrentes da concentração populacional.

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CAPÍTULO 03

O MUNICÍPIO E AS INSTITUIÇÕES FISCAIS E ADMINISTRATIVAS FEDERAIS

Este capítulo analisa o impacto das instituições fiscais e administrativas federais sobre a governabilidade do Município de São Paulo. A Constituição Federal garante aos municípios brasileiros a condição de ente federado em pé de igualdade com os estados, a União e o Distrito Federal.9 Isto confere grande autonomia administrativa aos municípios. Tal fato contrasta, por exemplo, com a situação das municipalidades norte-americanas, cujo sistema federal faz das cidades meras instâncias administrativas dos estados. Nos Estados Unidos, a chamada Dillon’s Rule, instituída por decisão da Suprema Corte do Estado de Iowa em 1868, estabelece que os estados têm autonomia e autoridade plenas para criar e abolir administrações municipais10.

O modelo norte-americano implica forte restrição à governabilidade municipal, visto que os estados podem aprovar leis instituindo novos serviços municipais sem, contudo, transferir às cidades recursos financeiros para arcar com as novas despesas (unfunded mandates). Também podem os estados conceder isenções de tributos municipais ou fixar salários e aposentadorias para os funcionários municipais sem se preocupar com o impacto sobre as finanças locais.

Tomando como referência países do terceiro mundo como Índia, México e Argentina, vemos que também nesses casos as municipalidades são politicamente frágeis e dependentes dos governos estaduais ou centrais. Na Índia não são claramente definidos os direitos, funções e esferas de responsabilidade dos governos locais. Eles são controlados pelos governos estaduais, sendo meras criaturas dos governos estaduais, tendo responsabilidades delegadas e direitos que podem ser, a qualquer momento, revogados pelos estados11.

No México, embora os governos municipais constituam uma entidade legal autônoma, eles têm limitada competência tributária, não possuem poder legislativo, com as leis municipais sendo estabelecidas pelas assembléias estaduais. Na Argentina, a Constituição Nacional estipula que cabe às províncias organizar os municípios dentro de seus territórios12

Sob esse ponto de vista, os municípios brasileiros encontram-se em posição bem mais confortável. Têm sua área de atuação delimitada pela Constituição Federal e não sofrem ação intrusiva dos estados ou da União, gozando de autonomia para a tomada de decisão local. São bastante restritas as possibilidades de intervenção formal dos estados nos seus municípios e na prática, mesmo quando se verificam situações que permitem tal intervenção, ela raramente

9 “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado democrático de direito...” (C.F.)10 Fuchs (1992)11 Gupta et al (1994)12 Ter-Minassian (1997).

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ocorre.13 Também é vedado, à União, “instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”14

Nos anos oitenta, enquanto nos Estados Unidos as cidades sofriam com o corte de transferências federais iniciado com o New Federalism de Reagan15; os municípios brasileiros eram beneficiados pela nova partilha de recursos fiscais definida pela Constituição de 1988. O espírito da nova Carta é de descentralização financeira e política, o que não só garantiu autonomia administrativa às cidades, mas também elevou a participação desse nível de governo na receita pública total do país.

Em 1988, antes de a nova constituição entrar em vigor, os municípios arrecadavam o equivalente a 2,9% de todos os tributos do país, e recebiam transferências federais e estaduais equivalentes a 7,8% de toda a receita pública, totalizando 10,7%. Em 1997, em plena vigência das novas regras constitucionais, os municípios arrecadavam 5% da receita nacional e recebiam outros 11,1% em transferências: uma receita total de 16,1%16. Shah (1994, p.42) considera que nesta nova situação fiscal “os governos municipais no Brasil devem ser motivo de inveja para todos os governos, tanto nos países em desenvolvimento quanto nas nações mais desenvolvidas.”

Apesar disso, há na Constituição Federal sérias restrições à governabilidade do município de São Paulo e dos demais grandes centros urbanos do país, que são examinadas a seguir.

A Armadilha da Composição das Despesas

A Carta de 1988, seguindo a tradição política brasileira, coloca os municípios como responsáveis por atividades como saúde, educação, habitação e transportes.17 Por outro lado, atividades administrativas que tradicionalmente são executadas pelas cidades em outros países; tais como polícia e bombeiros ficam a cargo dos governos estaduais.

O serviços públicos de saúde, educação, transportes públicos e habitação, embora possam ser oferecidos pela iniciativa privada, entram no menu de serviços públicos como instrumento de redistribuição de renda e redução da pobreza. É preciso garantir assistência à

13 O art. 35 da Constituição define as seguintes situações em que o estado pode intervir em um município: não pagamento de dívida de longo prazo por mais de dois anos não prestação de contas não aplicação de percentual mínimo de recursos em educação desrespeito à constituição estadual, à lei ou a decisões judiciais.14 C.F., art. 151, inciso III. Embora não haja dispositivo proibindo os estados de conceder isenções a tributos municipais, por analogia esta restrição é, na prática, obedecida.15 Fuchs (1992, p. 51,62) assim se refere à política de Reagan em relação às cidades: “Antes da crise fiscal de Nova York, em 1975, as cidades geralmente tentavam maximizar suas parcelas de transferências intergovernamentais. Essa era uma estratégia inteligente desde que não parecia provável que Washington ou o governo estadual poderia reduzir tais transferências. Mas quando o Novo Federalismo de Ronald Reagan surgiu, em um período de grandes déficits federais e de um viés antiurbano em Washington, as cidades foram forçadas a monitorar as receitas intergovernamentais com mais cuidado(...) O Novo Federalismo atingiu seu auge no período 1985-89, quando a ajuda federal a Nova York caiu 38%”.

16 Cifras estimadas por Afonso, Raimundo e Araújo (1998)

17 C.F. art. 30.

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saúde daqueles que não podem pagar por serviços privados, assim como é preciso dar condições para que os mais pobres morem com dignidade e ascendam na escala social através do acesso à escola e ao conhecimento. Na área de transportes destaca-se o subsídio municipal às tarifas de transportes coletivos, que representam uma transferência de renda aos usuários desse transporte.

De fato, na prática, utilizam-se dos serviços públicos de saúde, educação, transportes e habitação os indivíduos de menor renda e que pouco contribuem para a arrecadação fiscal municipal. São restritas as possibilidades de financiamento desses serviços mediante cobrança de taxas aos usuários. Do ponto de vista financeiro eles representam um peso para a cidade.

Além disso, como ocorre em qualquer lugar do mundo, a oferta desses serviços tende a gerar expansão da demanda: quanto mais vagas houver nas escolas e hospitais públicos de uma cidade e quanto melhor o serviço ali prestado; maior o contingente de moradores de municípios periféricos que buscarão tal serviço sem, contudo, serem contribuintes de tributos da cidade. Da mesma forma, quanto mais amplos os projetos habitacionais, maior o estímulo à migração proveniente de outros estados.

Outro problema associado a este tipo de despesas é que em momentos em que se faz necessário um ajuste fiscal torna-se politicamente difícil fazer cortes em despesas voltadas para a população carente. O orçamento municipal torna-se, portanto, rígido e sujeito a crises fiscais.

Ficam relegadas a segundo plano as tradicionais funções de uma administração municipal, quais sejam: limpeza, iluminação e urbanização de áreas pública; saneamento, planejamento urbano, fiscalização do uso do solo, parque, jardins e recreação. Essas atividades tradicionais, além de terem menor custo que as funções de transportes, habitação, educação e saúde; quando bem executadas, favorecem justamente aos indivíduos e empresas que mais contribuem para a arrecadação municipal. Quando satisfeitos com os serviços recebidos, eles não migram para outras cidades e permanecem sustentando o erário.

Não se está dizendo que o Município de São Paulo não deva atuar em serviços voltados para a população mais pobre. Tais serviços são meritórios e necessários. É preciso, contudo, que haja um adequado sistema de financiamento das ações de saúde, educação, habitação e transportes. Do contrário a governabilidade do Município fica ameaçada pela pressão fiscal exercida por esse perfil de gastos, que tende a gerar crises financeiras periódicas sem que se consiga fechar completamente o hiato entre demanda e oferta de serviços voltados para a população mais pobre.

Redistribuir renda e aliviar a pobreza deve ser uma função do governo federal. Toda cidade ou estado que tentar fazer isto sozinho será derrotado, seja pela falta de verbas, seja pelo fluxo de pobres vindos de outras regiões, atraídos pelos benefícios providos pelo governo local. Sozinhas, sem suporte federal, essas cidades não conseguirão lidar com todas as mazelas geradas pela concentração espacial da atividade econômica. Como será visto a seguir, o financiamento federal aos gastos do Município de São Paulo na área social representa uma pequena parcela do gasto total.

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Fuchs (1992), em um estudo comparativo das finanças de Nova York e Chicago, argumenta que Nova York tem sido mais vulnerável que Chicago a crises financeiras justamente por ter um perfil de gastos voltado para o que a autora classificou de “funções não comuns”, ou seja, despesas que não pertencem ao menu tradicional de uma administração municipal e que são voltadas para os pobres. É interessante utilizar a classificação da autora para traçar um paralelo entre a estrutura de despesas de São Paulo e Nova York.

São consideradas como “despesas em funções comuns” “serviços habitualmente fornecidos pelos governos municipais: auditoria governamental, construção de prédios públicos, finanças, polícia, bombeiros, saneamento, coleta e tratamento de lixo, ruas e estradas, recreação”. Já as “despesas em funções não comuns” são “saúde, hospitais, assistência social, bibliotecas, regeneração urbana, transporte coletivo, água, prisões e educação”18

Em Nova York as funções não comuns representavam, desde a década de 70 até o início dos anos 90, em torno de 60% da despesa total da cidade. Já em Chicago elas absorviam apenas 20% da despesa local. Daí a explicação de Fuchs para a maior estabilidade financeira de Chicago:

“Em Nova York ainda há um desequilíbrio uma vez que o orçamento continua a ser dominado por serviços que geram déficit, que aumentam o tamanho da força de trabalho da prefeitura e inflam seus custos de capital e sua dívida. Esse perfil de despesas tornou mais difícil equilibrar o orçamento de Nova York. Em Chicago, por outro lado, os serviços típicos de manutenção da cidade absorvem a maior parte das despesas, o que dá grande flexibilidade ao orçamento.”19

A classificação contábil adotada no Brasil não permite que se faça um paralelo perfeito com as cidades norte-americanas. Alguns gastos em função não comum são apresentados de forma agregada com gastos em função comum. Por exemplo, os gastos em saúde (função não comum) são agregados aos de saneamento (função comum). Todavia é possível fazer uma comparação aproximada. A Tabela abaixo mostra a classificação das despesas da capital paulista por funções em 1998.

18 Fuchs (1992, p.100)19 Fuchs (1992, p. 144). A autora também atribui a maior estabilidade financeira de Chicago à criação de agências independentes, responsáveis pela provisão de serviços públicos, com poder de tributar e cobrar tarifas, o que teria levado a uma maior aproximação entre provisão de serviços públicos e seu financiamento, contendo a possibilidade da criação de despesas sem a respectiva provisão de recursos (“unfunded expenditures”).

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Tabela 5 - Despesa da Prefeitura de São Paulo por Função: 1999

R$ Milhões1999 1999 %

Legislativa 286.119.719,00 286 4%Judiciária 101.583.788,67 102 1%Administração e Planejamento 872.261.751,73 872 12%Agricultura 22.913.379,14 23 0%Defesa Nacional e Segurança Pública 62.478.297,29 62 1%Educação e Cultura 1.357.429.936,71 1.357 19%Habitação e Urbanismo 1.169.844.423,31 1.170 16%Indústria, Comércio e Serviços 36.492.884,94 36 1%Saúde e Saneamento 964.135.832,89 964 13%Assistência e Previdência 1.233.604.056,69 1.234 17%Transportes 1.082.928.859,88 1.083 15%Total 7.189.792.930,25 7.190 100%Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo

Os gastos com transportes, assistência e previdência, saúde e saneamento, educação e cultura somam 65% da despesa total. Portanto, uma cifra muito mais próxima da vulnerabilidade novairquina do que da estabilidade de Chicago. Podem-se fazer algumas adaptações para tentar lidar com as diferenças de classificação de despesas entre Brasil e EUA. Supondo, por exemplo, que as despesas em saúde representam 50% do gasto em saúde e saneamento, e que as despesas com habitação (função não comum) sejam 50% do gasto com habitação e urbanismo, ter-se-ia as funções não comuns absorvendo 48% da despesa total.

Outra forma de inferir os gastos em saúde, habitação, transportes e educação é analisar os gastos por órgãos de governo. Assim, considerar-se-iam, por exemplo, como despesas de saúde, somente aquelas realizadas pela Secretaria de Saúde do Município. Neste caso corre-se o risco de uma subestimação. Outros segmentos da administração podem estar sendo responsáveis por serviços de saúde. Pode ocorrer, por exemplo, que parte dos médicos contratados pelo Município tenham seus salários vinculados a uma secretaria de administração do pessoal. Ou, no caso dos transportes, não só a Secretaria de Transportes realiza obras e serviços nesta função de governo, mas também a Secretaria de Viação e Obras.

Levando em conta essa possibilidade de subestimação, a tabela 6 mostra, para o ano de 1999, a participação das secretarias de governo na despesa total. As secretarias de habitação, saúde, bem-estar social, educação e transportes absorvem 45% da despesa total da prefeitura. Um número próximo aos 48% obtidos com a classificação de despesas da tabela 5.

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Tabela 6 - Despesa da Prefeitura de São Paulo por Órgãos: 1999

R$ Milhões %Câmara Municipal 207 2,9%Tribunal de Contas 79 1,1%Gabinete do Prefeito 133 1,9%Sec. das Administrações Regionais 702 9,8%Sec. Municipal de Planejamento 8 0,1%Sec. de Habitação e Desenvolvimento Urbano 278 3,9%Sec. Municipal da Administração 27 0,4%Sec. Municipal de Educação 1.008 14,0%Sec. das Finanças 63 0,9%Sec. Municipal da Saúde 760 10,6%Sec. Municipal de Esportes, Lazer e Recreação 69 1,0%Sec. Municipal de Transportes 937 13,0%Sec.dos Negócios Jurídicos 53 0,7%Sec.de Vias Públicas 319 4,4%Sec.de Serviços e Obras 169 2,4%Sec.da Família e Bem Estar Social 290 4,0%Sec. Municipal de Cultura 87 1,2%Sec. Municipal de Abasrecimento 160 2,2%Sec. Municipal do Verde e do Meio Ambiente 33 0,5%Encargos Gerais do Município 1.807 25,1%Total 7.190 100,0%

Este padrão de gasto não seria problemático se houvesse dinheiro federal financiando as despesas em funções não comuns. Neste caso a prefeitura seria mera executora de uma política federal de redistribuição de renda. Mas isso não ocorre. O financiamento dessas despesas é feito, principalmente, pela Prefeitura de São Paulo. Os casos das despesas de saúde e de educação mostram claramente esta situação.

Em 1999 o Ministério da Educação, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), destinou ao Estado de São Paulo, a quantia de R$ 780 milhões20. Esse montante foi direcionado aos estabelecimentos de ensino público(educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) administrados pelo Estado e por todas as prefeituras do Estado de São Paulo. As escolas administradas pela Prefeitura de São Paulo são responsáveis por 8,7%21 das matrículas desse universo. Supondo que os recursos financeiros sejam distribuídos proporcionalmente às matrículas, a cidade de São Paulo teria recebido R$ 68 milhões. Ora, o gasto da Secretaria de Educação em 1999, como visto na tabela 6, foi de R$ 1 bilhão. O financiamento federal foi irrisório.O mesmo se dá na área da saúde. Os pagamentos federais às instituições municipais de saúde totalizaram, em 1998, R$ 11,9 milhões22, enquanto o gasto total da Prefeitura nesta área atingiu R$ 760 milhões.

20 Fonte: Ministério da Educação: www.mec.gov.br21 Fonte: EMPLASA (2000)22 Pagamentos Federais de internações hospitalares e de atendimento ambulatorial.

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No caso da saúde há, ainda, o agravante de a cidade ter sido excluída de praticamente todas as modalidades de transferências federais. Existem três grandes blocos de transferências do Ministério da Saúde para os municípios: um valor destinado à atenção básica, os pagamentos por serviços prestados por hospitais (internações e atendimento ambulatorial) e as transferências voluntárias para execução de projetos (o que inclui convênios com organismos internacionais). Para estar habilitado a receber tais transferências o município precisa adaptar seu sistema de saúde ao modelo adotado pela União (Sistema Único de Saúde – SUS). As administrações de Paulo Maluf e Celso Pitta optaram por um modelo de atendimento diverso, contratando cooperativas médicas, no chamado sistema PAS.

Com isso a Prefeitura de São Paulo não foi habilitada pelo Ministério da Saúde para receber transferências nessa modalidade. Para que se tenha uma idéia do prejuízo financeiro que tal opção representou para a cidade, a tabela abaixo mostra que a cidade do Rio de Janeiro recebeu transferências do Ministério da Saúde, na categoria Fundo a Fundo (dinheiro entregue pelo Ministério para ser administrado pelo Município) no valor de R$ 423 milhões em 1999, contra apenas R$ 8 milhões para a cidade de São Paulo.23 Das outras grandes capitais do sul-sudeste apenas Curitiba recebeu menos de R$ 200 milhões.

Tabela 7 – Repasses Fundo a Fundo do Ministério da Saúde aos Principais Municípios das Regiões Sul e Sudeste: 1999

R$ MilhõesAtenção Básica Assist. Hospit. e Ambulat. de Média e Alta Complexidade Total

São Paulo 8,3 0,0 8,3Rio de Janeiro 362,6 63,3 425,9Belo Horizonte 26,3 222,9 249,2Porto Alegre 16,3 233,7 250,0Curitiba 19,7 158,9 178,6

Fonte: Ministério da Saúde (www.saude.gov.br)

O excessivo comprometimento com despesas de cunho social só não é maior porque o governo estadual, após quatro anos de reestruturação financeira, vem realizando significativos investimentos na área de transportes coletivos na cidade, aliviando a pressão sobre a prefeitura. O Programa Integrado de Transportes Urbanos prevê a expansão do metrô na cidade em 289 km até o ano de 2020, representando investimentos de R$ 30 bilhões. A linha Capão Redondo – Largo 13, ligando o empobrecido extremo sul da cidade ao centro, tem previsão de conclusão para o ano de 2001. As obras da linha Morumbi – Luz, com 13,5 km e 15 estações também se iniciam em 2001.24

O financiamento de gastos sociais através de fontes municipais de recursos diverge do que é praticado em grandes cidades mundiais como Paris e Londres. Nesses dois casos os governos locais (os departamentos de Paris e os diversos Boroughs de Londres) têm papel relevante nas ações de educação, saúde e bem-estar social, mas o financiamento tem grande participação do governo central.

23 Fonte: Ministério da Saúde: www.saude.gov.br24 Fonte: Secretaria de Transportes Metropolitanos e Folha de S. Paulo.

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Um estudo comparativo das administrações dessas duas cidades mostra que “as autoridades locais na Grande Londres são responsáveis por escolas, assistência social, habitação, planejamento e proteção ambiental. Elas recebem 80% de suas receitas sob a forma de transferências do governo central, arrecadando com tributos locais apenas 20%” No caso de Paris “o departamento (...) tem a responsabilidade por assistência social, saúde pública, transporte não urbano, investimentos e manutenção de escolas secundárias, . Os departamentos tem sua receita composta por, aproximadamente, 50% de tributos locais e 50% de transferências recebidas.”25

No Canadá os governos locais são responsáveis pelas áreas de saúde, educação e serviços sociais. Mas custeiam apenas 35% das despesas com escolas, com as províncias financiando o restante. Como argumenta Ter-Minassian (1997, p. 213): “Em anos recentes, as províncias têm expandido sua participação no financiamento de educação primária e secundária porque os governos locais não têm sido capazes de arrecadar tributos em montante suficiente através do imposto local sobre propriedade”. O mesmo ocorre na Austrália, onde “o governo central faz grandes doações aos governos subnacionais para financiar educação, saúde, transportes, habitação e seguridade social”26

A cidade de São Paulo está, portanto, em uma armadilha fiscal, criada por um menu de despesas tipicamente voltada para atendimento às populações mais pobres, que é financiado por receita local. A solução para este tipo de problema passa por:

- reformulação das atribuições constitucionais dos municípios. Seria interessante para a cidade de São Paulo, e os grandes centros em geral, absorver funções estaduais na área de segurança pública em troca da assunção pelo Governo Estadual da administração e/ou financiamento de programas na área de saúde, educação, transportes e habitação. A solução dos graves problemas de segurança pública, ao mesmo tempo que exigem maior participação dos prefeitos para sua adequada solução, absorvem menos recursos que as áreas sociais hoje a cargo da Prefeitura. Já tramitam, no Congresso Nacional, diversos projetos de emenda constitucional prevendo a municipalização da segurança pública. Cabe, então, às lideranças políticas municipais negociar, no âmbito federal, o formato de municipalização mais adequado à cidade de São Paulo;

- ampliação do financiamento federal às ações sociais da Prefeitura. Em especial parece ser muito importante o enquadramento do sistema municipal de atenção à saúde ao modelo do SUS, como forma de a cidade voltar a receber recursos federais.

25 Corporation of London (1997, p. 128-9, 136-7)26 Ter-Minassian (1997, p. 177)

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A Partilha das Transferências Constitucionais

Além do baixo subsídio federal às suas despesas sociais, os grandes centros urbanos também são prejudicados pelos critérios de partilha do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Ao contrário das transferências federais nas áreas de saúde e educação, o FPM é um dinheiro que pode ser usado a critério do município, não estando vinculado a qualquer tipo de despesa.

Embora seja carreado para os municípios um grande volume de transferências financeiras através do FPM (22,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados)27, os grandes centros urbanos são preteridos nessa partilha, na qual são privilegiadas as pequenas cidades, na área rural e nas regiões menos desenvolvidas do país.28

A tabela 8 mostra que, em 1996, a Receita Federal arrecadou no Município de São Paulo aproximadamente R$ 10,9 bilhões em Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados29. Desse valor, apenas R$ 23 milhões retornaram à cidade sob a forma de cota-parte do FPM. Outros R$ 20 milhões foram entregues à cidade como cota parte do IPI relativa à exportação de produtos industrializados. Ou seja, as transferências recebidas por São Paulo eqüivalem a 0,4% do imposto ali arrecadado.

A título de comparação toma-se o caso do pequeno município de Sena Madureira, no Estado do Acre, com população estimada em 23 mil habitantes. Ali, a arrecadação de IR e IPI atingiu R$ 156 mil, enquanto a cota-parte de FPM recebida foi de R$ 1.468 mil. Ou seja, uma entrada de recursos equivalente a 942% dos tributos arrecadados na localidade.

Tabela 8 - Arrecadação dos Impostos que Compõem o FPM nos Municípios de São Paulo-SP e Sena Madureira-AC e Respectivas Cotas-Partes do FPM

IR e IPI arrecadados no Município

(A)

Cota-Parte do FPM recebida pelo Município (inclui cota parte de IPI

de exportação)(B)

(B)/(A)

São Paulo – SP 10.908.621 43.345 0,40%Sena Madureira – AC 156 1.469 942%Fontes: Estimativa com base em dados de arrecadação da Receita Federal, de distribuição de transferências pela STN, e em estimativas de PIB municipal feitas por Andrade e Serra (1999).

Tal política de partilha fiscal funda-se, entre outros argumentos, na idéia de que é preciso oferecer infraestrutura pública adequada nas cidades interioranas e pobres, com intuito de conter a migração para os grandes centros. Independente da discutível eficácia deste 27 C.F. art. 159.28 Sobre os critérios de partilha de recursos federais e estaduais ver Mendes (1992), Santos, Costa e Andrade (2000) e Silva (1995).29 São esses dois tributos que formam o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Para estimar a arrecadação desses impostos no Município de São Paulo foi aplicado ao total arrecadado no Estado de São Paulo o percentual de 43%, que é a participação estimada do Município de São Paulo no PIB estadual. As estimativas de PIB são de Andrade (1999), os valores arrecadados em impostos foram obtidos junto à Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br). O mesmo procedimento foi adotado para o município de Sena Madureira (AC), utilizado como comparativo.

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método, o fato é que, mesmo que houvesse instantânea paralisação dos fluxos migratórios, as grandes cidades continuariam precisando de recursos para prestar serviços públicos à sua já numerosa população; em especial, à sua numerosa população pobre.

A tabela 9 mostra que há, no Brasil, 79 milhões de trabalhadores pobres (ganhando menos de 2 salários mínimos). Desse total, 23 milhões (29%) estão nas regiões metropolitanas. Essas regiões compreendem, segundo o IBGE, 187 municípios, o que significa uma média de 123 mil trabalhadores pobres por município metropolitano. Portanto, as administrações dos grandes centros sofrem uma pressão muito maior para prestar serviços de atendimento aos mais pobres.

Tabela 9 - Número de Pessoas Economicamente Ativas, de 10 Anos ou Mais de Idade , com Rendimento até 2 Salários Mínimos: Brasil, Regiões Metropolitanas, Região Metropolitana de

São Paulo: 1999

Brasil (A) Regiões Metropolitanas (B)=(C)+(D)

(B)/(A) Região Metropolitana de

São Paulo (C)

(C)/(A) Demais Regiões Metropolitanas

(*) (D)

(D)/A)

sem rendimento 15.176.567 3.424.579 23% 1.381.299 9% 2.043.280 13%até 1/2 salário mínimo

3.740.215 463.254 12% 64.812 2% 398.442 11%

+ de 1/2 a 1 salário mínimo

10.762.282 1.817.277 17% 292.935 3% 1.524.342 14%

+ de 1 a 2 salários minímos

15.991.934 4.037.595 25% 943.587 6% 3.094.008 19%

Total 79.315.287 23.063.872 29% 8.556.404 11% 14.507.468 18%Fonte: IBGE-PNAD(*) Belém, Fortaleza, Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife.

Não só a demanda por serviços de atendimento aos mais pobres é intensa nas grandes cidades. Também é alta a necessidade de investimento em infraestrutura urbana. São necessários pesados investimentos em sistemas viários, transportes de massa, preservação ambiental. Não é trivial viabilizar o deslocamento diário de milhões de pessoas minimizando congestionamentos e emissão de poluentes. Também não é simples dar destinação adequada a resíduos industriais e lixo residencial quando se tem dez milhões de pessoas concentradas em uma área geográfica limitada. Tudo isso exige planejamento, tecnologia e, sobretudo, dinheiro.

Sendo os grandes perdedores na partilha de recursos fiscais, os grandes municípios são, então, forçados a ampliar suas receitas próprias, através de impostos e taxas. Contudo, não têm grande liberdade para fazê-lo, pois os pequenos e médios municípios vizinhos (menos assoberbados pela demanda por serviços públicos e melhor aquinhoados na divisão das transferências estaduais e federais) podem atrair empresas e moradores de alta renda em função de sua menor carga tributária local.

Em 11/01/99, por exemplo, o jornal O Estado de S. Paulo registrava:

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“A Prefeitura [de São Paulo] está perdendo recursos provenientes da arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS) para outras cidades da região metropolitana. Estudo realizado por técnicos do Ministério Público do Estado de São Paulo indica que, apenas para Pirapora do Bom Jesus, essa perda atingiu R$ 8,4 milhões, entre outubro de 1995 e dezembro de 1997(...). A alíquota do ISS do município é de 0,3% e, na capital, de 5%. Muitas empresas, porém, instalam-se formalmente nessas cidades, mas continuam atuando em São Paulo.

Em 16/03/99 o mesmo jornal volta a registrar:

“A prefeitura de Piedade, na região de Sorocaba, iniciou uma campanha para atrair os empresários acometidos pela ’síndrome de pânico’ da capital, que desejam escapar das enchentes, do trânsito e da violência mudando-se para o interior. O município dá o terreno e incentivos para quem quiser transferir seus negócios para a cidade, de 45 mil habitantes. (...) [Oferece-se ainda] doação de terreno, serviços de terraplanagem e isenção do Imposto Predial e Territorial Urbvano (IPTU), previstos em lei. A prefeitura baixou a alíquota do Imposto sobre Serviços (ISS) para 0,3%” 30

É evidente que não está ao alcance dos governantes dos grandes municípios a mudança dos critérios de partilha das verbas federais. Contudo, cabe aos políticos do Município de São Paulo colocar o tema na agenda nacional e demonstrar que a mudança não traria benefícios apenas para os paulistanos.

Isto porque ao longo dos doze anos de vigência da nova constituição o Município não assistiu impassível ao escoamento de verbas fiscais para outros municípios e estados. Tratou de buscar a sua parte de forma indireta: financiou seus investimentos e despesas correntes através de endividamento crescente.

Reconhecendo-se como too big to fail o maior município do país sabia que em algum momento o restante do país pagaria a conta através da federalização de suas dívidas; o que de fato ocorreu. Em maio de 2000 a União assumiu uma dívida de R$ 10,5 bilhões da Prefeitura; que vai ressarcir o governo federal ao longo de 30 anos, com taxa de juros entre 6 e 9%.

Esse processo de compensação indireta atinge seriamente a governabilidade local e gera custo para todas as partes. Em primeiro lugar, quando a crise da dívida se instala, há uma longa e penosa negociação para o seu refinanciamento, durante a qual o governo endividado deixa de dar atenção aos assuntos cotidianos da administração, resultando em deterioração dos serviços públicos. Em segundo lugar, é inevitável passar por um processo de ajuste fiscal no qual obras já em andamento são abandonadas e despesas de manutenção são reduzidas, gerando desperdício no primeiro caso e custos futuros de recuperação da infraestrutura no segundo caso. Em terceiro lugar, os demais estados e municípios passam a exigir vantagens e compensações para aprovar, no Congresso, a renegociação da dívida; o que onera ainda mais o governo federal. Em quarto lugar a credibilidade internacional do país é abalada por mais um caso de default da administração pública. Em quinto lugar, a cada nova renegociação de dívida feita pelo governo federal há uma sinalização para estados e municípios de que vale a pena se

30 O Estado de S. Paulo (16/3/99)

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endividar pois, no final, o ônus da dívida é federalizado, o que gera o chamado “perigo moral”: um estímulo à gestão financeira pouco cuidadosa.

A Herança Financeira Deixada Pelas Últimas Administrações

O panorama traçado até aqui, onde se mostrou uma alta demanda por serviços sociais municipais, elevado endividamento e baixa participação do governo federal no financiamento municipal; tende a apontar para uma situação financeira de desequilíbrio. Situação certamente agravada pelo longo período de baixo crescimento econômico vivido nos anos 90.

De fato, a primeira e a segunda linhas da tabela 10 mostram que desde 1988 as contas da prefeitura apresentam déficits elevados. Percebe-se nesta tabela que o último ano de governo de Jânio Quadros (1988) foi de grande desequilíbrio fiscal. O déficit atingiu 86% das receitas. Ou seja, gastou-se quase o dobro do que foi arrecadado. A Tabela 11 mostra que neste ano houve um grande aumento do endividamento, com as novas operações de crédito superando as amortizações de dívidas em R$ 879 milhões (a preços de 1999). Em conseqüência, de uma administração fiscal pouco cuidadosa a dívida da prefeitura, como mostra a última linha da tabela 10, eqüivalia a 3 vezes o valor da arrecadação anual. Os encargos da dívida consumiam 16% da receita da prefeitura.

Tabela 10 Alguns indicadores Financeiros do Município de São Paulo: 1988-99

% da Receita Total1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Superávit(+) ou Déficit(-) Total -86 -11 -32 -15 -19 -17 -8 -14 -21 -8 -3 -8Superávit(+) ou Déficit(-) Primário(1)

-70 -8 -30 -11 -18 -17 -3 -12 -19 -4 2 -4

Superávit(+) ou Déficit(-) Corrente

-24 5 4 4 -11 -8 16 24 16 11 11 6

(Pessoal+Inativos e Pensionistas)

48 50 49 47 40 37 38 36 31 35 41 41

Encargos da Dívida 16 3 2 4 1 1 5 2 2 3 5 3Dívida Total 305 259 162 142 89 68 87 107 136 162 188 309

Fonte: SEADE e Balanços Gerais da Prefeitura de São Paulo(1) Exclui a despesa com encargos da dívida

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Tabela 11 Endividamento Líquido do Município de São Paulo

R$ de 1999(1)

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1988 1999Operações de Crédito (A) 1.206 362 306 633 302 706 629 2.148 786 1.070 1.551 122Amortização da Dívida (B) 328 591 322 274 294 300 712 1.019 813 1.097 1.542 113Endividamento Líquido (C) = (A) - (B)

879 -230 -16 359 8 406 -83 1.129 -27 -27 9 9

Acumulado na Gestão Erundina (1989-1992)

121

Acumulado na Gestão Maluf (1993-1996)

1425

Acumulado na Gestão Pitta (1997-1999)

-9

Fonte: SEADE e Balanços Gerais da Prefeitura de São Paulo

Luiza Erundina recebeu, portanto, um governo com grande fragilidade fiscal. Mas já no primeiro ano de governo beneficiou-se da primeira de três grandes operações de socorro financeiro que o governo federal viria a patrocinar nos anos 80 e 90. Em 1989 foram federalizadas as dívidas externas de estados e municípios.

Um outro fator que ajudou na redução da dívida da prefeitura foi a baixa taxa de juros real vigente no período 1989-91, visto que as taxas nominais de juros não acompanhavam o ritmo de crescimento da inflação; enquanto a receita tributária estava plenamente indexada.

Além disso o governo Erundina não adotou uma política financeira de endividamento. De acordo com a tabela 11, nos quatro anos de seu governo a prefeitura teve um endividamento líquido acumulado de apenas R$ 121 milhões.

Em conseqüência, a relação dívida-receita caiu de 3,05 para 0,89 ao longo do mandato de Erundina. Isso gerou um grande benefício em termos de redução de despesas com encargos da dívida, que caíram de 16% da receita, em 1988, para 1% em 1992.

Houve também uma forte recuperação da capacidade de arrecadação tributária da prefeitura. A tabela 12 mostra que a receita cresceu 74% em termos reais na comparação de 1988 com 1992 contra um aumento de apenas 11% na despesa. Isso, contudo, não foi suficiente para equilibrar as finanças da prefeitura, que continuaram a mostrar déficit elevado.

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Tabela 12 – Execução Financeira da Prefeitura de São Paulo: 1988-99 (a preços de 1999)1

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999Receita Total (2) 2.609 3.871 3.973 4.858 4.536 3.976 4.514 5.326 6.134 5.957 6.119 6.569

Receita Corrente 2.483 3.851 3.895 4.605 3.781 3.226 4.378 5.313 5.809 5.768 6.635 6.539Rec. Tributária 1.013 983 1.537 1.993 1.673 1.314 2.031 2.501 2.860 2.938 3.018 3.013IPTU 176 110 287 586 209 168 411 609 721 733 741 753ISS 719 687 976 952 905 731 906 1.140 1.323 1.385 1.449 1.433Taxas e Contribuições de Melhoria 119 48 130 276 380 253 513 535 624 638 638 633Outros Tributos 0 138 144 179 179 163 200 217 192 182 190 194

Transferências Correntes do Estado 1.043 1.548 1.754 1.683 1.459 1.326 1.687 2.048 2.116 2.000 2.194 2.345Transferências Correntes da União 89 119 130 239 152 138 195 231 186 182 301 508

Outras Receitas Correntes 338 1.201 475 689 497 448 465 533 647 647 1.122 6720 0

Receitas de Capital (2) 126 20 78 254 754 750 136 14 325 190 35 30Transferências de Capital do Estado 0 0 0 7 4 0 0 1 1 2 1 0Transferências de Capital da União 37 18 26 21 2 0 2 1 11 10 1 1Outras receitas de Capital 89 3 52 225 749 750 135 12 313 178 33 29

Despesas Total (3) 4.860 4.308 5.247 5.564 5.413 4.660 4.876 6.061 7.448 6.415 6.291 7.0770 0

Despesa Corrente 3.112 3.648 3.726 4.390 4.300 3.558 3.667 4.060 4.844 5.132 5.408 6.122Pesssoal 999 1.533 1.598 1.847 1.519 1.206 1.343 1.491 1.401 1.448 1.672 1.744Inativos e Pensionistas 261 386 364 415 303 268 361 429 513 623 823 926Encargos da Dívida 414 114 83 179 64 23 205 116 145 201 299 217

0 0Despesa de Capital (3) 1.749 660 1.521 1.174 1.113 1.102 1.209 2.001 2.604 1.284 2.425 1.068

0 0Superávit(+) ou Déficit(-) Total -2.251 -437 -1.273 -706 -878 -684 -362 -734 -1.315 -458 -172 -508Fontes: SEADE e Balanços Gerais da Prefeitura de São Paulo(1) Deflator IPC-FIPE(2) Exclui Operações de Crédito(3) Exclui Amortização da Dívida

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Paulo Maluf assumiu em 1983, ano em que o município foi brindado com a segunda grande operação de socorro financeiro pela União. Desta vez foram federalizadas as dívidas cujos credores eram empresas estatais. Assim, apesar de ter havido uma queda na receita total do município naquele ano, a relação dívida-receita caiu para 0,68. Havia, portanto, “espaço” para expandir o endividamento municipal.

Maluf iniciou, então, um governo que se destacaria por forte endividamento. Ao longo dos quatro anos a diferença entre empréstimos tomados e amortizações pagas foi de R$ 1,4 bilhão, como mostrado na tabela 11.

Quando Maluf assumiu, em 1993, já estavam bastante limitadas as opções de endividamento para as prefeituras. A cada operação de refinanciamento de dívida estadual e municipal, o governo federal impunha condições aos governos socorridos, que representavam proibições a tomar certas modalidades de empréstimos (havia tetos para empréstimos bancários de longo e curto prazo, instituídos pelo Banco Central e limites ao endividamento global, fixados pelo Senado).

Maluf utilizou, então, uma das poucas brechas existentes para o endividamento: a emissão de títulos públicos. A Constituição permitia que fossem emitidos títulos para pagar antigas dívidas judiciais (precatórios) de estados e municípios; desde que esta dívida tivesse sido constituída antes de 1988. Como mostra o relatório da CPI dos Precatórios, o governo Maluf, a título de pagar precatórios emitiu títulos em valor muito superior aos seus débitos judiciais. Ainda de acordo com a CPI, pelo menos R$ 1,3 bilhões, a preços de dezembro de 1996, foram aplicados em outras finalidades que não o pagamento de precatórios.

Este forte endividamento mobiliário seria fatal para a situação patrimonial da prefeitura. Isto porque desde 1994, em função do programa de estabilização da economia e de choques externos, como as crises da Ásia e da Rússia, as taxas de juros reais têm sido muito elevadas. A dívida mobiliária é uma modalidade financeira muito sensível a elevação de taxas de juros, visto que é refinanciada diariamente no mercado financeiro.

Acrescente-se a isso o fato de que, como apurado pela CPI dos precatórios, os títulos paulistanos foram negociados por taxas muito superiores às de mercado, com fortes indícios de irregularidades e desvio de recursos. O resultado foi o rápido crescimento da relação dívida-receita, que entre 1993 e 1996 passou de 0,68 para 1,37.

Celso Pitta, como prefeito eleito para o período 1997-2000, passou todo o seu mandato pagando as dívidas que ajudou a criar como Secretário de Finanças de Maluf. Observa-se na tabela 11 que , nos seus três primeiros anos de governo, Pitta amortizou mais dívidas do que tomou empréstimos, numa diferença de R$ 9 milhões. Contudo, a dívida já era grande, e sobre ela incidiam juros reais elevados. Por isso, mesmo tendo promovido um significativo ajuste fiscal, com redução do déficit primário de 19% para 4% entre 1996 e 1999, Pitta não conseguiu impedir que a relação dívida-receita disparasse, atingindo 3,09. Ou seja, em 1999 voltou-se à delicada situação patrimonial deixada por Jânio em 1988.

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A Situação Financeira a ser Enfrentada pela Administração de Marta Suplicy

Apesar deste quadro de endividamento acelerado, que caracteriza uma situação falimentar ou pré-falimentar; as perspectivas financeiras para a próxima administração da capital não são ruins. Isto porque o governo federal entrou em cena mais uma vez, refinanciando a dívida de estados e municípios. No caso da prefeitura paulistana isso representou um refinanciamento de R$ 10,5 bilhões. Somando-se a outras dívidas cujo credor já era o Tesouro Nacional, o governo federal era, em julho de 2000, credor de 95% dos R$ 15,6 bilhões devidos pela Prefeitura31.

Pelo contrato firmado com a União, a dívida foi refinanciada em 30 anos, com juros variando entre 6% e 9%. Trata-se de prazo e juros muito mais confortáveis que aqueles estabelecidos para a dívida junto ao mercado financeiro, antes da federalização do passivo. Além disso, há um teto para as prestações mensais pagas pela Prefeitura. Esta não desembolsará mais do que 13% da sua receita líquida para pagar as prestações da dívida com a União. O montante que exceder a esses 13% é capitalizado no principal da dívida, para pagamento posterior.

O impacto inicial do refinanciamento da dívida foi um aumento com a despesa de amortização e encargos. Isto porque antes do refinanciamento a prefeitura vinha rolando praticamente toda a sua dívida, sem pagar amortizações ou juros. De fato, a tabela 10 mostra que os encargos da dívida eqüivaliam a algo entre 3% e 5% da receita nos últimos anos. Portanto, passar de 3% para 13% o comprometimento de recursos com amortização e encargos significará um aumento no desembolso da ordem de R$ 660 milhões ao ano.

Esta é, de fato, uma despesa pesada, que não vinha sendo realizada (ao custo de se ter uma dívida crescendo como bola de neve). Contudo tal pagamento pode ser equacionado. Como já ressaltado anteriormente, a Prefeitura pode obter transferências de recursos federais de pelo menos R$ 300 milhões/ano simplesmente adequando o sistema municipal de saúde ao modelo do SUS. Ou seja, o dinheiro próprio hoje aplicado no PAS poderia cobrir metade do gasto adicional com o pagamento da dívida à União, enquanto a saúde passaria a ser financiada com dinheiro federal.

Além disso, com a regularização da dívida, o município passa a ter condições de tomar empréstimos junto a organismos financeiros internacionais e ao BNDES 32 Há ainda espaço para levantar recursos junto ao governo federal em áreas como segurança pública (treinar e equipar a guarda civil metropolitana), assistência social (financiamento federal para programa de bolsa escola) e habitação (financiamentos da Caixa Econômica Federal).

Há, também, espaço para melhorar a qualidade da despesa. O Tribunal de Contas do Município e a Câmara de Vereadores, por exemplo, expandiram significativamente os seus gastos nos últimos anos. A despesa do Tribunal passou de R$ 25 milhões em 1992 para R$ 79

31 Fonte: Banco Central do Brasil. Exclui restos a pagar32 Pelo contrato de refinanciamento, os empréstimos junto ao mercado financeiro estão proibidos até que a relação dívida/receita seja igual a 1 mas não estão vedados os empréstimos junto a organismos internacionais e BNDES. Em dezembro de 1999 a relação dívida/receita estava próxima de 2

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milhões em 1999. Já a Câmara, que gastou R$ 107 milhões em 1992 despendeu R$ 207 milhões em 1999.33.

Note-se ainda que, ao contrário da maioria das prefeituras do país, a despesa do Município de São Paulo com pagamento de pessoal não é elevada. Embora tenha crescido nos últimos anos, como mostrou a tabela 10, ela representa apenas 41% das receitas (o limite máximo imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal é de 60%). Isto é um bom indicador, dado que a despesa de pessoal é um item rígido das despesas, sendo difícil cortar gastos neste tipo de rubrica.

Registre-se que há espaço para a próxima administração implantar uma política de controle de gastos. Embora o governo seja minoritário na nova composição da Câmara de Vereadores34, em assuntos de controle fiscal e combate à corrupção não será difícil fazer uma coalizão com o PSDB. O PSDB apresentou, por exemplo, na legislatura que finda em dezembro de 2000, um projeto de extinção do Tribunal de Contas do Município35. Tal proposição funda-se na ineficácia do órgão para conter e prevenir a expansão da corrupção, bem como no elevado custo de sua manutenção. Desse modo, dificilmente o PSDB se posicionará contrário a projeto da prefeitura cujo teor seja reformular, extinguir ou conter a expansão dos gastos do Tribunal, bem como modernizar e moralizar a administração.

Deve-se levar em conta, ainda, a perspectiva de crescimento econômico para os próximos anos que, como argumentado acima, tende a alavancar a arrecadação de impostos e a reduzir a pressão de demanda por gastos sociais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal também atuará a favor de um ajuste financeiro do Município. Em primeiro lugar porque a Prefeita pode utilizar as restrições da Lei como escudo para barrar as pressões por aumentos de gastos em diversos setores. Em segundo lugar porque a atual administração não poderá deixar despesas a pagar pendentes, sob pena de responsabilidade criminal dos atuais administradores.

Este segundo ponto merece uma análise mais detalhada. A administração Celso Pitta vem sinalizando, através da imprensa e do projeto de orçamento para 2.001, que deixará “restos a pagar” (ou seja, despesa já realizada e ainda não paga) para a nova administração; sem os correspondentes recursos em caixa. Há estimativa de que os restos a pagar podem chegar a R$ 1,5 bilhão36. O dispêndio efetivo dessa quantia inviabilizaria o primeiro ano de administração da cidade, cujo orçamento prevê uma receita total de R$ 7,4 bilhões.

Esse tipo de consideração tem gerado preocupação quanto a existência de uma armadilha financeira para a nova administração. O quadro não parece ser, contudo, tão grave. É preciso analisar com cuidado os restos a pagar que estão inscritos no orçamento. De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, um prefeito em final de mandato só pode deixar restos a pagar se a despesa tiver sido realizada pelo menos oito meses antes do final do mandato; como disposto no artigo 42 da Lei:

33 Fonte: Balanço Geral do Município de São Paulo. Valores de 1992 atualizados para 1999 pelo IPC-FIPE.34 Este ponto será analisado no capítulo 435 O autor do projeto é o vereador Pierre de Freitas. O Tribunal de Contas do Município será analisado no capítulo 636 Ver, por exemplo, Jornal da Tarde de 28/10/2000, p. 13 A

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Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

Assim, é importante que a nova administração faça uma cuidadosa auditoria para checar se parte dos restos a pagar contidos no orçamento de 2.001 não se referem a despesas de final de mandato. Se existirem despesas recentes nos restos a pagar, então a nova administração pode questionar judicialmente a legalidade da despesa e processar o atual prefeito. Vale lembrar que a pena para o desrespeito ao art. 42 da LRF é de 6 meses a 4 anos de detenção, de acordo com a lei de crimes fiscais, recentemente sancionada pelo Presidente da República.

Por outro lado, se os restos a pagar em questão forem despesas mais antigas, então elas representam pagamentos em atraso (que podem ser renegociados e reescalonados), ou podem ser pagamentos parcelados, que não necessariamente vencem em 2001. Portanto, a nova administração não estará necessariamente engessada pelos compromissos deixados por Celso Pitta; embora tenha que trabalhar duramente para conhecer o passivo da prefeitura bem como no seu reescalonamento.

Em suma, apesar da situação de déficit e alto endividamento, há boas possibilidades de melhora das finanças municipais no próximo governo; o que deve contribuir para aumentar o grau de governabilidade do Município. É fundamental, contudo, que a nova prefeita assuma uma atitude conciliatória e de negociação. É preciso negociar com o governo federal verbas para atender as despesas municipais na área social. Com o governo estadual (e municípios vizinhos) também é preciso negociar investimentos em equipamentos e serviços metropolitanos (meio-ambiente, transportes, água e saneamento). E, finalmente, com os municípios da região metropolitana é preciso negociar, também, uma trégua na guerra fiscal envolvendo o ISS.

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CAPÍTULO 04

O MUNICÍPIO E AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS

A preocupação deste capítulo é verificar se a divisão de poderes entre o executivo e o legislativo do município favorece ou reduz a governabilidade na cidade de São Paulo. A tese aqui defendida é a de que o poder de veto que o legislativo tem sobre as ações do prefeito tem sido usado como instrumento de barganha pelos vereadores, em troca de verbas da prefeitura em favor de grupos de interesse ligados aos parlamentares. Esta conduta resulta da interação entre uma lei orgânica (a constituição municipal) de inspiração democrática e voltada para uma ação efetiva do poder legislativo no governo municipal, e uma estrutura político-partidária problemática, onde os partidos são fracos e as lideranças pessoais fortes. O resultado é a redução da governabilidade municipal, com o prefeito sendo obrigado a permanentemente negociar a aprovação de seus projetos e políticas com uma base parlamentar sequiosa por obter vantagens para sua clientela.

Faz-se, a seguir, uma breve descrição dos problemas inerentes ao sistema político-partidário-eleitoral brasileiro. Em seguida, mostra-se como a nova Lei Orgânica Municipal, criada após à promulgação da Constituição de 1988, ampliou os poderes do legislativo. O casamento desses dois fatos é descrito a seguir, onde se mostra como cada uma das administrações da cidade, após 1988, foi marcada por uma intensa barganha com a câmara de vereadores, e como isso afetou a capacidade do prefeito de administrar a cidade.

O sistema político-partidário-eleitoral brasileiro 37

O Brasil tem um sistema político em que os partidos são pouco estruturados e com baixo poder de comando sobre seus membros. Via de regra um indivíduo filia-se a um partido para cumprir exigência legal e poder disputar eleições. O partido não é uma fonte segura de financiamento da campanha, ou uma organização que dará suporte político e operacional, prestígio ou poder de pressão ao indivíduo.

Freqüentemente o lançamento inicial de um indivíduo à carreira política se faz fora de quadros partidários. É nos sindicatos, nas associações profissionais, nas associações de bairro, nas igrejas, na tradição familiar, nos clubes de futebol, nas profissões de grande popularidade como esportista ou homem de mídia; que se forjam muitos dos políticos nacionais. Somente após credenciarem-se em alguma dessas instituições extra-partidárias é que esses indivíduos buscam um partido para viabilizar a sua entrada no mundo político.

São muitas as evidências cotidianas da fragilidade partidária. Uma delas é a proliferação de bancadas parlamentares supra-partidárias associadas a grupos de interesse que se mostram mais unidas e fortes que bancadas de partidos: evangélicos, sindicalistas, ruralistas, planos de saúde, funcionários públicos, entre outros.

A grande intensidade com que políticos trocam de partido também indicam a pouca vinculação individual à estrutura partidária. Não há, em geral, interesse por cargos de direção partidária. A mudança de partidos demonstra a prevalência do interesse particular do

37 Mainwaring (1991) é a referência básica a este respeito. Já tratamos o tema em MENDES(1999)

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político (por exemplo, garantir vaga para disputar a próxima eleição ou estar em um partido que seja aliado do governo e com acesso a cargos e verbas) sobre uma postura ideológica alinhada com as diretrizes de um determinado partido.

Obviamente a estrutura legal do sistema político-eleitoral do país contribui para a fragilidade partidária. A inexistência de restrições legais à criação de partidos e de cláusula de barreira, que exijam uma votação mínima em âmbito regional para que um partido tenha direito a representação no Congresso nacional, estimulam a multiplicação de partidos.

Muitos “partidos de aluguel” são criados para viabilizar pretensões individuais ou abrigar políticos que perderam espaço em legendas de maior porte. A fraqueza partidária está diretamente associada a inexistência da fidelidade partidária: os parlamentares não são obrigados a seguir a orientação de seus partidos durante o exercício do mandato, podendo usar seu poder de voto de forma discricionária.

Nas eleições proporcionais (deputados e vereadores) os candidatos mais votados ocupam as vagas obtidas pelo partido ao qual pertencem. Esse sistema, conhecido como “lista aberta”, estimula o individualismo das campanhas e as disputas internas: o maior adversário de um candidato a deputado não é o candidato de outro partido, e sim o candidato do seu próprio partido, que mais diretamente concorre com ele pela vaga no parlamento.

Partidos fracos e campanhas individualistas levam, também, ao financiamento individual das campanhas. Ou seja, cada candidato a vereador, deputado estadual ou federal precisa obter, sozinho, os recursos necessários à sua campanha. Uma forma eficiente de fazê-lo, para aqueles que já dispõem de mandato e pretendem buscar a reeleição, é tentar cativar um feudo eleitoral, carreando recursos públicos para uma comunidade específica. Surge aí uma política de clientela, onde é fundamental obter o comando de órgãos da prefeitura que prestem serviços à comunidade onde se situa a base de apoio do político.

Nesse quadro de fragmentação de poder político torna-se muito difícil que um prefeito consiga ser eleito contando com uma bancada de apoio majoritária na câmara de vereadores ou na assembléia legislativa. Mesmo que o partido do governador ou prefeito eleito tenha obtido a maioria das vagas no legislativo, nada garante que os indivíduos que ocupam aquelas vagas (que financiaram individualmente suas campanhas e dispõem de base própria de apoio), venham a formar uma bancada coesa e disposta a apoiar todas as iniciativas e projetos do poder executivo.

Os vereadores, como a maioria dos políticos, em qualquer lugar do mundo, estão sempre pensando na reeleição e nos custos das campanhas futuras, bem como na manutenção do apoio de sua base eleitoral (um determinado grupo de interesse ou região geográfica). Por isso, sempre que possível, vão tentar barganhar com o executivo, obtendo algum tipo de vantagem (cargos na administração, obras em determinados bairros ou distritos, vantagens para categorias profissionais) para aprovar os projetos de iniciativa do prefeito ou governador. Torna-se muito difícil formar uma maioria governista baseada apenas em um programa partidário ou na fidelidade do parlamentar à sua legenda. O apoio parlamentar passa a ter preço.

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Fossem os partidos fortes, com o prefeito ocupando posição de destaque na direção partidária, seria mais fácil contrabalançar o poder de barganha dos parlamentares pertencentes ao partido governista: aqueles que não colaborassem com as iniciativas do prefeito perderiam prestígio no partido; o que significaria não conseguir vaga para disputar as próximas eleições, perder cargos na direção partidária, perder recursos para financiar campanha.

Além disso, se o número de partidos fosse pequeno, seria mais fácil a formação de maiorias e a composição de coalizões estáveis (bastaria que o prefeito negociasse com a direção dos partidos, não sendo necessário “caçar” o apoio individual de cada parlamentar). A disciplina partidária também tenderia a reduzir o espaço para a formação de bancadas de grupos de interesse.

Toda essa fragilidade do sistema político-partidário-eleitoral não afetaria a governabilidade do município se o poder político do legislativo não fosse relevante. Em um contexto no qual o legislativo pouco interfere no orçamento, e o prefeito pode implantar projetos sem a prévia anuência parlamentar; não há porque gastar tempo e dinheiro negociando e fazendo concessões ao legislativo.

Era justamente esta a situação do Município de São Paulo (e dos demais municípios brasileiros) antes da Constituição de 1988. O regime militar, autoritário e centralizador, conferia poucos poderes aos legislativos federal, estaduais e municipais. Contudo, com a redemocratização os legislativos ganharam força. Mas como o sistema político-partidário-eleitoral não evoluiu; a nova combinação de legislativo forte e partidos fracos tornou-se uma fonte de instabilidade, que mina a governabilidade municipal.

A próxima seção mostra o crescimento do poder legislativo na nova ordem constitucional, comparando a antiga e a nova lei orgânica vigentes no município de São Paulo.

O Crescimento do Poder do Legislativo na Nova Ordem Constitucional

Na ordem constitucional vigente entre 1964 e 1988, cabia aos estados editar uma única lei orgânica para todos os seus municípios. No Estado de São Paulo editou-se o Decreto-Lei N.9, de 31 de Dezembro de 1969. Com a Constituição de 1988, a feitura e aprovação da lei orgânica passou a ser competência municipal38

A grande mudança de poder em favor do legislativo municipal paulistano, com a nova Lei Orgânica, de 4 de abril de 1990, foi o fim do chamado “decurso de prazo”. Pela lei anterior, o prefeito tinha forte poder de agenda. Os projetos enviados pelo prefeito à Câmara deveriam ser apreciados dentro de, no máximo, noventa dias. Caso isso não ocorresse, o projeto era considerado automaticamente aprovado, “devendo o Presidente da Câmara comunicar o fato ao Prefeito, em quarenta e oito horas, sob pena de destituição”39

O mesmo mecanismo funcionava para as apreciações, pela Câmara, de vetos do prefeito a legislação por ela aprovada: 38 C.F. 1988, art. 29.39 Decreto-Lei Complementar n. 9, art. 26.

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“Comunicado o veto, a sua apreciação pela Câmara deverá ser feita dentro de quarenta e cinco dias de seu recebimento, em uma só discussão, considerando-se aprovada a matéria vetada se obtiver o voto favorável de dois terços dos membros da Câmara, em votação pública. Se o veto não for apreciado neste prazo, considerar-se-á mantido pela Câmara” 40

Dispondo desta prerrogativa, o prefeito não precisava formar uma maioria parlamentar para aprovar os seus projetos ou vetos. Bastava dispor do apoio de um pequeno número de parlamentares, dispostos a lançar mão de expedientes protelatórios (pedir vistas dos processos, encaminhá-los a diversas comissões para exame, inversão de prioridades na pauta de votação) para que o prazo de tramitação vencesse e o projeto fosse automaticamente aprovado.

A câmara reduzia-se a um ornamento, que dava uma fachada democrática a um governo que era, na prática, autocrático. Não importava quão amplas fossem as competências da câmara, visto que o decurso de prazo não a permitia exercer tais competências.

E de fato eram muitas as competências legislativas, tanto que a nova Lei Orgânica pouco inovou neste ponto. Listam-se abaixo algumas das principais prerrogativas do legislativo, presentes na atual lei orgânica e que já constavam da lei anterior.

- legislar sobre tributos municipais, bem como autorizar isenções, anistias fiscais e remissões de dívidas

- aprovar plano diretor- autorizar a concessão de serviços públicos- autorizar a tomada de empréstimos pela prefeitura- fiscalizar os atos e julgar as contas do prefeito- aprovar código de obras e edificações- autorizar concessões de serviços públicos- autorizar consórcios com outros municípios- criar comissões especiais de inquérito- convocar secretários municipais para prestar informações

A nova Lei Orgânica aboliu o decurso de prazo e a câmara passou a ter poder real de decisão sobre todos esses assuntos. Agora, o único caso em que as matérias têm prazo máximo para tramitar são aquelas em que o prefeito solicita o regime de urgência. Caso a matéria não seja votada dentro do prazo:“(...) o projeto será incluído na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, até que se ultime a votação”.41 Ou seja, o legislativo tem que votar a matéria, e o prefeito precisa criar uma maioria para aprová-la. Sistema similar é adotado em relação à apreciação, pela Câmara, dos vetos feitos pelo prefeito.42

40 DLC n. 9, art 3041 LOM, art 38.42 LOM, art. 42, parágrafo 4º

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A dificuldade de se formar maiorias estáveis é tão grande no sistema político-partidário brasileiro, que no plano federal, um antigo expediente do regime autoritário precisou ser mantido após à redemocratização. Pela antiga constituição, o governo federal podia expedir “Decretos-Lei” que, na prática, eram leis que não precisavam ser aprovadas pelo legislativo. Execrado pelos defensores da democracia, o Decreto-Lei precisou ser mantido na nova Constituição democrática, agora chamando-se “Medida Provisória”; visto que, sem esse mecanismo, a capacidade do governo federal para tomar decisões e governar o país seria completamente minada por um legislativo desagregado e com baixa coesão partidária.

Pois bem, no plano municipal o decurso de prazo não foi substituído por nenhum mecanismo similar, ficando os prefeitos extremamente vulneráveis ao poder de barganha dos vereadores. Não param aí, contudo, as inovações da atual lei orgânica em favor do legislativo. Ela introduziu novas competências para esse poder, entre as quais destacam-se as possibilidades de emendar o orçamento e de cassar o mandato do prefeito.

Pela antiga ordem constitucional, a cassação do mandato do prefeito constituía matéria de competência federal. Assim, a antiga lei orgânica afirma em seu artigo 40:

“A extinção ou cassação do mandato do Prefeito e Vice-Prefeito, bem como a apuração dos crimes de responsabilidade do Prefeito ou de sue substituto, ocorrerão na forma e nos casos previstos na legislação federal”

Já a nova lei orgânica prevê em seu art. 72:

“O Prefeito e o Vice-Prefeito serão processados e julgados:I - ...II – pela Câmara Municipal nas infrações político-administrativas nos termos da lei, ......§ 1º Admitir-se-á denúncia por Vereador, por partido político e por qualquer munícipe eleitor:....§ 4º Admitida a acusação, por 3/5 dos membros da Câmara Municipal, será constituída Comissão Processante, ...§ 5º A perda do mandato do Prefeito será decida por, pelo menos, 2/3 dos membros da Câmara Municipal”

No caso do orçamento municipal, a antiga lei orgânica permitia ao legislativo

apenas aceitar ou recusar o orçamento proposto pelo prefeito:

“Art. 83 - O Prefeito enviará à Câmara Municipal, até o dia 30 de setembro de cada ano, o projeto de lei orçamentária para o exercício seguinte. Se até 30 de novembro a Câmara não o devolver para sanção, será promulgado como lei o projeto originário do Executivo. Rejeitado o projeto, subsistirá a lei orçamentária anterior”

Já na nova lei orgânica, é permitido à Câmara Municipal alterar, através de emendas, a proposta do executivo. Além disso, cabe à Câmara fixar o percentual da receita orçamentária que o prefeito poderá remanejar, ao longo do ano, de uma despesa para outra, sem consulta prévia ao legislativo.43

43 LOM, art. 138 e Regimento Interno da Câmara Municipal

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Essas duas novas atribuições potencializaram o poder de barganha da Câmara junto ao prefeito, seja pela ameaça de cassação, seja pela apresentação de emendas reduzindo a dotação orçamentária de projetos considerados prioritários pelo prefeito (principais projetos apresentados durante a campanha eleitoral), ou ainda pela ameaça de dar ao prefeito uma margem muito restrita de alteração do orçamento ao longo do ano.

Neste novo contexto institucional, o relacionamento Prefeitura – Câmara tornou-se um problema central para a governabilidade do município. A próxima seção descreve como cada um dos prefeitos que atuou sob a nova lei orgânica lidou com a questão.

As Relações Executivo X Legislativo: as composições possíveis

Nenhum dos três prefeitos que governaram sob a vigência da nova Lei Orgânica (Erundina, Maluf e Pitta) conseguiu ter, logo após às eleições, uma base de apoio de 28 vereadores (maioria simples num total de 55 cadeiras) eleitos pelo seu partido ou coligação. Isto não é apenas uma coincidência. Trata-se de uma conseqüência direta do grande número de partidos e da fragilidade dessas organizações.

Neste contexto, os prefeitos só dispõem de duas estratégias para conseguirem obter uma maioria legislativa e, com isso, evitar que suas administrações sejam inviabilizadas por seguidos vetos dos vereadores. Régis de Castro Andrade (1998) chamou essas duas opções de Coalizão Fisiológica de Governo (CFG) e Negociação Pontual (NP).

A CFG consiste em comprar o apoio de vereadores já no início do período de governo. Vereadores eleitos por outras coligações partidárias são atraídos para o bloco do governo por meio de oferta de acesso a verbas e cargos públicos para seus correligionários. Obviamente o mesmo tipo de benesse precisa ser oferecida, também, aos partidários do prefeito, sob pena de haver rebelião na base aliada.

Este tipo de composição política é muito oportuna para vereadores que financiam individualmente suas campanhas e precisam de instrumentos para garantir sua sobrevivência política. O principal instrumento de atração de vereadores têm sido as administrações regionais (AR). Já utilizadas no passado por Adhemar de Barros e Jânio Quadros como instrumentos para gratificar a fidelidade de parlamentares, as ARs são utilíssimas aos parlamentares. Tratam-se de órgãos descentralizados da prefeitura encarregados de fazer a varrição das ruas, manutenção dos equipamentos público; fiscalizar posturas (horário de funcionamento de bares, presença de camelôs nas vias públicas, respeito a restrições de funcionamento de atividades comerciais em áreas residenciais); fiscalizar construções e projetos de engenharia; conceder autorização para uso de imóveis recém-construídos (habite-se); concedem de alvarás de funcionamento de estabelecimentos comerciais.

Ao ganhar o direito de indicar um administrador regional, um vereador junta diversas pontas importantes em termos eleitorais e financeiros. Em primeiro lugar, ele entra em contato com os prestadores de serviços e vendedores de bens à prefeitura (empresas de varrição e coleta de lixo, fornecedores de material de consumo, empreiteiros que realizam obras como asfaltamento de ruas), que se tornam potenciais financiadores de campanhas. Em

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segundo lugar, o vereador ganha uma base regional de atuação. Fica em contato com os comerciantes e empresários da região, tornando-se uma espécie de procurador destes junto ao executivo municipal; ganhando assim uma segunda fonte de financiamento eleitoral. Em terceiro lugar, há a oportunidade de capitalizar todos os benefícios que a AR oferece aos moradores da região como tendo sido conquistas suas junto à prefeitura: asfaltamento de ruas, limpeza de córregos, coleta de lixo, iluminação pública. Em quarto lugar, se o vereador resolver se aventurar em atividades ilegais, as funções de fiscalização da AR são uma fonte segura e rentável de propinas.

A formação de uma CFG transforma a Câmara em uma instância homologatória dos projetos do executivo. Os vereadores beneficiários do acordo precisam manter fidelidade ao executivo, sob pena de perderem o espaço que lhes foi concedido na máquina administrativa. Isso garante ao prefeito tranqüilidade na aprovação de seus projetos, além de nenhuma ameaça de processo ou cassação pela Câmara. A oposição fica de mãos atadas, pois é transformada em minoria, sem condições de vetar ou investigar as ações do prefeito.

Apenas nos casos e projetos em que há grande exposição na mídia, e que votar a favor do prefeito significa contrariar um sentimento dominante na opinião pública, é que a CFG pode sofrer ameaça de ruptura. Nestes casos o vereador precisa medir os custos e benefícios de votar contra o governo e perder seu feudo dentro da administração, ou manter-se fiel e arcar com os custos da impopularidade. Não é difícil imaginar que nesses momentos o preço da fidelidade ao governo aumente, e concessões adicionais aos vereadores entrem na pauta.

Um prefeito que rejeite a CFG só poderá viabilizar a sua administração através de negociações pontuais (NP). Cada vez que um projeto é enviado à Câmara, o prefeito precisa abrir negociações para obter uma maioria para aprovar especificamente aquele projeto. Neste caso, o prefeito precisa obter o apoio da opinião pública para o projeto, como forma de pressionar os parlamentares a votar favoravelmente. Não se descarta, também, a possibilidade de concessões do prefeito a demandas da clientela de um parlamentar.

A vantagem da NP sobre a CFG é que o prefeito não perde o controle sobre parte da administração que, na CFG, é loteada entre vereadores. A desvantagem óbvia é que torna-se mais difícil governar, sendo necessário negociar e formar maiorias ao longo de todo o mandato, enquanto na CFG basta negociar no início do mandato. Além disso, como na NP não há uma maioria governista permanente, abre-se espaço para que os lobbies e grupos de pressão atuem na Câmara, o que significa um aumento no universo de agentes com poder de interferência no processo, tornando a negociação mais demorada e a probabilidade de não haver acordo mais elevada.

A seguir analisa-se como os três últimos prefeitos de São Paulo utilizaram estas duas opções de governar; como forma de projetar as dificuldades e opções disponíveis para o governo que se inicia em janeiro de 2001.

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O Governo de Luíza Erundina

Eliana Pralon e Gabriela Ferreira (1998) e Cláudio Gonçalves Couto (1998) fazem avaliações coincidentes sobre a estratégia política do governo Erundina que teria, inicialmente, rejeitado tanto a CFG quanto a NP. No início de seu governo Erundina teria tentado governar sem maioria na Câmara. A inviabilidade desta opção, contudo, a teria feito optar pela negociação pontual; o que lhe permitiu obter algumas vitórias e atingir a realização de alguns pontos de seu programa de governo.

O Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual Erundina foi eleita, constitui-se em exceção ao perfil partidário brasileiro acima descrito, segundo o qual os partidos são fracos e sem poder de comando sobre seus filiados. O PT, nascido no movimento operário, e com forte participação de entidades sindicais, traz desde seu nascimento uma elevada dose de disciplina partidária de seus membros; que também têm menor espaço para adotarem posturas clientelistas ou fisiológicas, sob pena de punição e exclusão do partido.

Assim Erundina já contava como certo o apoio dos 16 parlamentares eleitos pelo PT, bem como de dois vereadores eleitos pelo PCB e PC do B, que concorrem em coligação com o PT e que também são partidos ideológicos e menos suscetíveis a barganhas. Era preciso obter mais 10 votos para se ter a maioria. O PSDB, partido que à época endossava propostas próximas às do PT tinha 5 vereadores, que poderiam ser simpáticos aos projetos da prefeitura. Os cinco votos restantes poderiam ser obtidos por meio de “pressão social”. Acreditava-se que essa pressão e que as entidades organizadas seriam suficientes para induzir o voto de pelo menos cinco vereadores a favor da prefeitura.

Esse cálculo mostrou-se equivocado por vários motivos. Em primeiro lugar, tratava-se da primeira experiência de governo do PT paulistano. Assim, a postura oposicionista do partido, sempre reivindicatória, entrou em choque com as limitações orçamentárias e administrativas da prefeitura. Esboçou-se um conflito entre os petistas no governo (que precisavam estabelecer prioridades e lidar com a limitação de recursos) e os petistas fora do governo, que pressionavam pelo pronto atendimento das demandas da população.

Em segundo lugar, a pressão da opinião pública não necessariamente era favorável aos projetos do governo. Em casos como o de aumento de impostos a imprensa capitaneava a oposição ao projeto, estimulando o voto contrário dos vereadores oposicionistas.

Em terceiro lugar, o PSDB, em vez de aliado ocasional, tornou-se ferrenho opositor. Por disputar um eleitorado com perfil muito semelhante ao do eleitor petista, ao PSDB (partido em formação, que prometia também ser uma legenda com perfil ideológico definido) mais interessava o fracasso do PT do que a implantação de uma ou outra política presente em seu ideário.

Frente a essa dificuldades, Erundina curvou-se à importância da Câmara no processo decisório, e migrou para a opção da negociação pontual já no seu segundo ano de mandato (1990). Pralon e Ferreira (1998) ilustram o sentimento de auto-suficiencia do início do governo Erundina através do Projeto de Lei do executivo que previa a desafetação de áreas ocupadas por favelas e a concessão de direito real de uso aos ocupantes. Segundo as autoras, embora buscasse negociar a aprovação do projeto na Câmara, Erundina criticava a oposição

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em entrevistas e quando se dirigia aos favelados que tinham interesse no projeto. Esta postura de confronto açulou os ânimos da oposição, que não teve dificuldade em rejeitar o projeto.

Posteriormente, migrando para um processo de negociação pontual, Erundina passou a negociar o apoio da oposição em troca de emendas ao orçamento que beneficiavam a clientela de vereadores. Couto (1998, p.65) argumenta que esse tipo de barganha foi enquadrado “dentro de um programa mais amplo de ação governamental, de modo que não se transformasse numa distribuição aleatória de recursos”. Já Marco Antônio Teixeira (1999, p.58-9) considera que “Luiza Erundina não conseguiu romper com a tradição de indicar os administradores regionais tendo como referência o critério de troca de apoio político.(...)em função dos conflitos com o PT e da adesão de vereadores vindos do PDT, PDS e PTB para o bloco governista, realizou várias alterações no seu quadro de administradores regionais, visando acomodar os interesses das novas forças políticas [aliadas]”.

Independente do maior ou menor grau de clientelismo e fisiologismo presente no governo Erundina, o fato é que a negociação com a oposição permitiu importantes vitórias do governo. Foi possível, por exemplo, recuperar a capacidade tributária da prefeitura, que havia sido erodida durante a gestão de Jânio Quadros. No orçamento de 1991 a prefeitura propôs um aumento de 350% do IPTU e a Câmara aprovou, após negociação, reajuste de 125%. No orçamento de 1992 aprovou-se novo aumento de 52%, frente a uma proposta inicial de 80%. Erundina também conseguiu maioria para rejeitar um relatório do Tribunal de Contas do Município, que desaprovava suas contas e poderia resultar em cassação de seu mandato. Registra-se também como conquista da negociação pontual o aumento das verbas orçamentárias destinadas aos setores de educação, saúde e assistência social, em detrimento dos investimentos viários; projeto de campanha da prefeita.

Por outro lado, mostrando que não é fácil a vida de um prefeito que depende da negociação pontual de cada projeto, há o caso da proposta de tarifa zero para os transportes coletivos, que foi rejeitado pela Câmara. Registra-se, também, que em nenhum ano de seu governo Erundina conseguiu autorização da Câmara para remanejar verbas do orçamento sem consulta ao legislativo acima de 1%; embora sempre solicitasse margem de 10%.

O Governo Paulo Maluf

Paulo Maluf assumiu a prefeitura em 1993 com uma base de apoio bem mais confortável que aquela com a qual se deparara Erundina. Eram 22 vereadores malufistas, faltando apenas 6 para se atingir a maioria simples.

Contudo, o perfil dos partidários de Maluf era mais fluido e menos sujeito a disciplina e ética partidária do que aqueles que compuseram a base de apoio de Erundina. Maluf optou, então, por construir uma coalizão fisiológica de governo, que lhe garantisse paz ao longo de todo o mandato.

Embora as ARs tenham sido o carro chefe do processo de barganha, também foram usados outros instrumentos de cooptação. Empregos para correligionários em empresas municipais como a Anhembi Turismo e Eventos, a PRODAM (empresa de processamento de dados) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB), bem como cargos

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em postos de saúde, delegacias municipais de ensino e creches também mostraram-se eficientes instrumentos nas negociações.

Para Marco Antônio Teixeira (1998), Maluf almejava não apenas obter a maioria simples de 28 vereadores, e sim a maioria qualificada de 37 vereadores (que permitiria aprovar, por exemplo, mudanças na lei orgânica e no plano diretor); o que o levou, já no início do governo, a aumentar o número de ARs de 20 para 26.

A estratégia de cooptação funcionou e Maluf governou sem enfrentar maiores problemas na Câmara. Ainda antes de assumir o cargo, quando era votado o orçamento de 1993 (que seria o orçamento do seu primeiro ano de mandato) conseguiu obter na Câmara o que fora negado a Erundina durante quatro anos: uma margem de remanejamento do orçamento de 10%. Segundo Teixeira (1998, p. 91): “Maluf não teve nenhum de seus principais projetos rejeitados pela Câmara Municipal e só se viu forçado a negociar uma de suas iniciativas: a reedição de uma Lei aprovada em 1968 que previa a extensão da avenida Faria Lima”.

Uma das iniciativas de Maluf merece destaque: o Plano de Assistência á Saúde – PAS. Já se comentou acima que, ao adotar modelo diferenciado daquele proposto pelo Ministério da Saúde, a Prefeitura de São Paulo deixou de receber verbas federais que poderiam superar R$ 300 milhões/ano. Mas o PAS tinha ainda uma outra característica importante: ele descentralizava o atendimento à saúde. Os médicos que ali atuassem seriam cooperativados e as compras e despesas dos módulos do PAS não estariam sujeitos a licitação. Com esse perfil, o PAS tornou-se mais um instrumento útil para a cooptação de apoio político e mais uma parte da prefeitura vulnerável à corrupção.

Sem enfrentar embates com a Câmara de Vereadores, Maluf pôde realizar diversos empreendimentos, em especial, diversas obras viárias, que lhe garantiram alta popularidade ao final de seu mandato. Deixou, contudo, uma prefeitura endividada e com casos de corrupção nas ARs e nos módulos do PAS; bem como de irregularidades na emissão de títulos públicos pela prefeitura.

A tabela 11 já havia mostrado um endividamento adicional de R$ 1,4 bilhão durante o governo Maluf. O gráfico 17 confirma essa assertiva, mostrando uma nítida mudança de trajetória da dívida paulistana a partir de 1993, primeiro ano da gestão Maluf. Durante os seus quatro anos de governo o endividamento novo e a incidência de juros sobre a dívida antiga fez com que a dívida municipal saltasse de menos de R$ 5 bilhões para quase R$ 10 bilhões.

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O Governo de Celso Pitta

Ao assumir em 1996 como sucessor indicado por Maluf, eleito em função da popularidade deste, a tendência natural de Pitta deveria ser a de manter a coalizão fisiológica de governo criada por Maluf.

Isso contudo não aconteceu. A estabilidade de uma CFG depende, em primeiro lugar, da existência de recursos financeiros suficientes para comprar o apoio de parlamentares. Certamente não terá longevidade um acordo no qual se dá a um vereador o controle de parte da máquina administrativa municipal sem que esta tenha orçamento suficiente para que ele tire partido da situação. Neste caso o vereador tornar-se-ia impopular, por não poder atender às demandas da sua clientela. E, como visto acima, Pitta recebia a prefeitura em condições financeiras delicadas; tanto no que diz respeito ao fluxo de receitas e despesas, quanto em relação ao estoque de dívida.

A segunda condição para um bom funcionamento da CFG é a capacidade do prefeito em exercer liderança política para conter o apetite dos vereadores aliados. Estes sempre pressionarão por mais benesses e vantagens. Se não tiver liderança suficiente para impor limites a essas demandas, o prefeito corre o risco de ser tragado pelos aliados. E Pitta não dispunha da experiência política nem da liderança carismática exercida por Maluf sobre seus aliados.

O partido de Pitta elegera 19 vereadores, faltando 9 votos para se atingir a maioria. Mas, segundo Teixeira (1999), havia um potencial de apoio de pelo menos 35 vereadores, todos dispostos a participar da distribuição de cargos nas ARs, PAS e demais áreas da prefeitura.

Pitta, contudo, tentou iniciar seu mandato “enquadrando” os vereadores e afirmando que não lotearia as ARs e que pretendia criar conselhos para fiscalizar a ação das regionais. Talvez por sua condição de secretário de finanças de Maluf, o novo prefeito já estivesse antevendo a necessidade de um forte ajuste fiscal; o que não seria possível se parte da máquina pública fosse entregue aos vereadores. Além disso já brotavam denúncias de corrupção em todas as áreas da prefeitura comandadas por vereadores.

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A resistência do novo prefeito de perpetuar a coalizão fisiológica montada por Maluf abriu crise política antes mesmo da sua posse. Vereadores reeleitos por seu partido, que trabalhavam no orçamento do primeiro ano do novo mandato, passaram a pressionar com o corte de verbas para projetos que constituíam promessas de campanha de Pitta (sistema de transportes “Fura-fila”), redução de verbas do PAS e fixação de margem zero para remanejamento do orçamento44

Pitta foi obrigado a recuar, com Paulo Maluf intermediando um acordo entre as partes. Os vereadores voltaram a ter acesso aos cargos municipais e o novo prefeito já assumia fragilizado, sem poder político para conter a demanda de sua base de apoio. Além disso, instalava-se no Senado Federal uma CPI para apurar emissão irregular de títulos por estados e prefeituras. Constatou-se nesta CPI que não só a prefeitura de São Paulo era a matriz das irregularidades (funcionários da prefeitura vendiam “consultoria” que consistia em ensinar outros Estados e Municípios a fraudar emissão de títulos), como também havia emitido mais de R$ 1 bilhão em títulos irregulares. Provas cabais de manipulação da compra e venda desses títulos no mercado financeiro também fragilizavam Pitta.

O restante do seu governo foi um navegar em meio a seguidas denúncias de corrupção e de crise financeira. Em 1998 começaram a aparecer as primeiras provas concretas de envolvimento de vereadores com esquemas de propinas nas ARs45. Maluf, candidato ao governo do Estado, afastou-se de seu afilhado político para isolar-se das crises da prefeitura, o que ampliou ainda mais o isolamento de Pitta. Pressionado por permanente ameaça de impeachment pela Câmara, Pitta viu suas condições de governabilidade reduzirem-se a zero e tornou-se refém da base aliada, que cobrou alto preço para mantê-lo no cargo até o final do mandato.

As perspectivas para a Administração de Marta Suplicy

Marta Suplicy tem uma bancada aliada de 19 vereadores (16 do PT e 3 do PC do B). Apenas 1 vereador a mais do que dispunha Erundina. Pela dificuldade que enfrentou a primeira prefeita petista, estes números mostram que Suplicy não terá dias fáceis em seu confronto com a Câmara.

O PSB, atual partido de Erundina, que poderia vir a ser um aliado do governo, elegeu apenas dois vereadores, e não é nítido o poder de comando do partido sobre o voto desses parlamentares, que têm base própria de apoio fora do partido: um pertence à central sindical Força Sindical e outro tem forte presença no bairro da Casa Verde.

Outros dois partidos aliados em potencial, o PPS (2 vereadores) e o PSDB (8 vereadores); que no segundo turno das eleições apoiaram o PT, para evitar que Maluf voltasse a ser prefeito da cidade, dificilmente comporão uma base de apoio ao governo. Isto porque ambos os partidos são adversários do PT no plano federal, e já vislumbram a campanha presidencial de 2002.

44 Teixeira (1999)45 Esse ponto será tratado em maior detalhe no capítulo 5

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Se no governo Erundina o PSDB tinha motivos para fazer oposição, por estar disputando o mesmo eleitorado do PT na cidade; esta oposição tenderá a ser ainda mais forte quando se tem um pleito presidencial a vista. Acrescente-se, ainda, que no governo Erundina a bancada do PSDB era de apenas 5 parlamentares, possuindo, agora, 8 vereadores.

O potencial de conflito com o governo federal (e com o PSDB) é claro quando se olha, por exemplo, a questão da dívida da prefeitura com a União. Logo nos primeiros dias de governo a prefeita sinalizou que tentaria renegociar este passivo, obtendo melhores condições de pagamento. Esta postura parece ser prejudicial à própria prefeitura e favorável a seus adversários políticos. Isto porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe novos refinanciamentos; e o governo federal está ansioso para aplicar essa proibição, como forma de sinalizar para todos os estados e municípios que a lei é séria. Assim, nada melhor do que aplicar a proibição a um adversário político e que é, também, uma grande cidade.

A postura de oposição sistemática do PT ao governo federal também deve intensificar-se à medida que a data das eleições presidenciais se aproximarem. Isto, obviamente, dificultará o acesso das prefeituras petistas a convênios com ministérios das áreas sociais, como educação e saúde; bem como estimulará uma oposição sistemática dos vereadores do PSDB ao governo petista no município de São Paulo.

O PSDB também será uma dificuldade para a prefeita porque, pelo menos até 2002, este partido está no comando do governo do Estado de São Paulo. Será fundamental para uma boa administração do município uma articulação produtiva com o governo do Estado; principalmente no que diz respeito às questões de interesse metropolitano, que transcendem as fronteiras da cidade: água, esgoto, meio-ambiente, política tributária e rede de saúde.

Apesar da disputa política com PSDB e PPS, não deverá ser difícil obter o apoio desses partidos para matérias que fazem parte da bandeira política da maioria de seus políticos: o ajuste fiscal, o combate à corrupção, o desmonte de estruturas criadas por Maluf (em especial o PAS) e a ineficiência e excesso de despesas do Tribunal de Contas do Município. Além desses pontos, dificilmente haverá condições de manter o apoio de PSDB e PPS.

Dado o perfil individualista dos parlamentares dos demais partidos, a nova prefeita só conseguirá manter uma maioria fiel ao longo de todo o mandato, sem necessidade de desgastantes negociações pontuais, se dispuser de instrumentos de barganha que atraiam parlamentares de outros partidos. O grande desafio será instituir esse tipo de barganha sem que se caia no modelo malufista, antítese da proposta de governo pregada pelo PT na campanha eleitoral. Ou, então, o caminho terá que ser o turbulento processo da negociação pontual.

Negociar e não radicalizar precisarão ser as palavras de ordem. É preciso evitar o equívoco do confronto já no início de mandato (erros cometidos por Erundina e Pitta); ao mesmo tempo em que se precisa deixar claro os limites da negociação, quando alguns vereadores começarem a pressionar e testar a resistência da prefeitura.

A próxima seção alinhava alguns instrumentos que poderiam ser utilizados para conter o poder de barganha individual dos vereadores e viabilizar um processo de barganha política menos sujeito ao descontrole e à corrupção.

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O Que se Pode Fazer Para Superar os Obstáculos Políticos à Governabilidade Municipal?

O principal instrumento para reequilibrar o poder político entre executivo e legislativo municipais está fora do alcance dos políticos locais. Trata-se de uma reforma política nacional, já em discussão no Congresso Nacional (mas sem perspectivas de aprovação e implementação a curto-prazo) que aumente a disciplina partidária e, consequentemente, reduza o poder de barganha individual dos parlamentares para negociar e vender seu apoio político.

Medidas importantes seriam a fidelidade partidária, com perda de mandato para quem desobedecer a orientação do partido nas votações mais importantes; sistema eleitoral em que o partido indica os candidatos que vão preencher as vagas conquistadas pela agremiação (lista fechada); fim do acesso de pequenos partidos ao horário eleitoral gratuito na TV. Tudo isso fortaleceria os partidos e enfraqueceria os parlamentares. Em conseqüência o prefeito teria maior controle sobre a sua base, sem precisar comprar este apoio. Além disso, a diminuição do espectro de partidos aumentaria a probabilidade de um prefeito se eleger contando com maioria na Câmara.

Uma medida muito importante seria a instituição do voto distrital misto. Por essa modalidade, parte dos parlamentares seria eleita para representar uma dada região da cidade, enquanto outros seriam eleitos por votação em todo município. Esse sistema traria diversas vantagens. Em primeiro lugar, baixaria o custo de campanha. O candidato de um distrito só precisaria fazer campanha em sua localidade. Isso diminuiria o afã dos políticos por acumular recursos ao longo da campanha. Em segundo lugar, estar-se-ia abrindo espaço para lideranças locais legítimas, e reduzindo-se a oportunidade para que um vereador, muitas vezes não residente na área, se tornasse um intermediário dos interesses locais junto à prefeitura, através do controle de uma AR. Ou seja, seria a substituição de um “despachante” (o vereador do modelo atual) por um líder comunitário (o vereador eleito pelo voto distrital). Em terceiro lugar, estaria garantido espaço para candidatos a vereador com propostas para o todo da cidade (padrões urbanísticos, plano diretor, processo orçamentário) e não apenas para aqueles preocupados com questões locais.

Mas há também mecanismos que podem ser usados pela própria prefeitura, sem a necessidade de legislação de hierarquia superior, para aumentar a governabilidade da cidade. O principal deles, já testado e aprovado em várias administrações do PT, é o orçamento participativo. Ao delegar às comunidades locais o poder de decidir a alocação de parte da verba do orçamento, a prefeitura esvazia a função política de intermediário entre comunidade e prefeitura, exercida pelos vereadores que controlam ARs. Os bairros não precisam mais que o vereador consiga esta ou aquela benfeitoria. Podem solicitá-la diretamente através das reuniões do orçamento participativo.

É verdade que as alocações decididas pelas instâncias do orçamento participativo precisam ser homologadas pela Câmara de Vereadores. Mas torna-se politicamente desconfortável para um vereador alterar dotações que foram decididas diretamente pela comunidade.

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Em 20/09/2000, o jornal Valor Econômico publicou matéria sobre a utilização do orçamento participativo em Porto Alegre, que já ocorre por 12 anos consecutivos. Assim é resumida a situação dos vereadores com relação ao procedimento:

“O receio dos parlamentares [em alterar as decisões do orçamento participativo] tem um motivo concreto. Não é fácil, nem prudente do ponto de vista eleitoral, contrariar cerca de 35 mil pessoas que de março a julho reúnem-se para definir as prioridades de suas regiões, discutir as obras gerais e estruturais propostas pelo Executivo e eleger seus delegados para representá-las no Conselho do Orçamento Participativo”.

O grande desafio é equilibrar o uso do orçamento participativo e, ao mesmo tempo, deixar espaço de barganha para atrair vereadores da oposição para o bloco governista. Assim, seria desaconselhável que 100% dos investimentos fossem decididos pelo orçamento participativo, garantido-se uma cota a ser discutida com os vereadores.

É evidente, também, que não se pode simplesmente aplicar diretamente os métodos adotados em Porto Alegre, uma cidade de menos de 2 milhões de habitantes, aos 10 milhões de paulistanos. O orçamento participativo deve ser introduzido como uma das ferramentas de reorganização da estrutura de governo, cujo principal objetivo deve ser lidar com os problemas de escala gerados pelo gigantismo da cidade, ponto a ser tratado no capítulo 7

Também seria interessante que a prefeitura organizasse e delimitasse com clareza o espaço de barganha disponível para os vereadores. Procedimento desse tipo parece ter sido adotado com sucesso pelo governo federal em relação às emendas apresentadas pelos deputados federais e senadores ao orçamento da União. Nos primeiros anos após à promulgação da Constituição de 1988, quando os parlamentares voltaram a ter poder de emendar o orçamento, havia uma avalanche de emendas, que buscavam captar recursos em favor da clientela de cada parlamentar. Não havia, contudo, qualquer limitação ao tipo de gasto ou programa em que se poderia utilizar recursos orçamentários.

Aos poucos o governo federal foi conseguindo restringir e organizar o processo de barganha parlamentar. Como mostra Sanches (1998, p. 11) : “O Executivo passou a sinalizar (...) que as liberações de recursos teriam pouca viabilidade fora dos projetos que integram os programas ‘Brasil em Ação’, ‘Comunidade Solidária’, e ‘Combate à Mortalidade na Infância’, ou prioridades da Administração como a irrigação, a restauração de rodovias e a regularização fundiária”. Assim, as emendas individuais, “na sua forma mais recente, não passam de antecipação do processo de habilitação dos Estados e Municípios aos recursos dos programas prioritários do governo” (Sanches, 1998, p. 12).Tal procedimento confere mais disciplina e critério à distribuição de recursos, sem anular a participação dos parlamentares.

Uma atitude estratégica importante, frente à dificuldade de se formar uma maioria na Câmara sem recorrer a procedimentos fisiológicos ou clientelísticos, seria iniciar o governo com medidas que não precisem de aprovação da Câmara e de grande visibilidade para a população. A instituição de um programa anticorrupção na prefeitura, medidas de ajuste fiscal, programa de redução da poluição visual e limpeza da cidade. Tudo isso daria tempo para que se costurasse com mais calma, e sem a necessidade de compra de apoio, uma base de apoio na Câmara.

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Outro ponto relevante seria aumentar o controle sobre as atividades das Administrações Regionais e demais órgãos descentralizados da Prefeitura. Isto significa uma maior eficácia da fiscalização oficial, via Tribunal de Contas e Controle Interno; a instituição de mecanismos de controle social, estimulando a fiscalização por parte da população, bem como de mecanismos de detecção e punição de procedimentos corruptos; a democratização e aumento da transparência na escolha de administradores regionais e demais dirigentes de órgãos descentralizados da prefeitura. Todos estes pontos serão objeto de análise no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 05

A CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

Corrupção tem sido um tema central quando se fala sobre a administração municipal paulistana. Sucessivos escândalos e as investigações que os seguem indicam que a corrupção tornou-se sistêmica em várias áreas da prefeitura: há mecanismos estruturados de coleta e distribuição de propinas envolvendo políticos e funcionários municipais. A corrupção foi o tema central da campanha eleitoral de 2.000. Não é mera coincidência o fato de o vereador mais votado ter sido justamente o presidente da CPI que investigou o assunto. A derrota de Paulo Maluf, e a coalizão de partidos que se formou contra ele, podem ser creditadas à associação de seu nome aos sucessivos casos de corrupção na cidade.

É fundamental para o próximo governo quebrar a espinha dorsal da corrupção na administração municipal, sob pena de perder credibilidade junto à população. Medidas anticorrupção também serão estratégicas para a formação de coalizões na Câmara Municipal. Como já afirmado acima, embora seja difícil imaginar um apoio perene de partidos como PSDB e PPS ao governo do PT, certamente esses partidos apoiarão medidas de combate à corrupção e de ajuste financeiro da prefeitura. Assim, é nesse campo de interesse comum que o novo governo terá mais espaço para avançar rapidamente.

Este capítulo faz um breve sumário descritivo dos sistemas de corrupção desvelados na cidade. Em seguida, são traçadas propostas gerais para lidar com o problema. Não se pretende aqui fazer um diagnóstico exaustivo nem um receituário detalhado. Já existem inúmeros trabalhos sobre esta questão46. A intenção do capítulo é ressaltar a importância de se colocar o combate à corrupção como eixo central de ação do próximo governo. Pretende-se também enfatizar que um programa de combate à corrupção não é simples, não é barato e não se faz apenas com boas intenções.

Descrição dos Esquemas de Corrupção Conhecidos na Cidade de São Paulo

No dia 2 de dezembro de 1998 um fiscal da prefeitura, vinculado à Administração Regional de Pinheiros, foi preso em flagrante tentando extorquir R$ 20 mil de uma comerciante que pleiteava autorização para abertura de uma academia de ginástica. Ao prestar depoimento, o fiscal quebrou um código de silêncio e confessou participar de um esquema de arrecadação de propinas cujo favorecido maior seria o Vereador Paulo Roberto Faria Lima, que “controlava” a Administração Regional de Pinheiros. Começava aí o desvelar de um amplo esquema de corrupção, centrado nas administrações regionais, e que, via de regra, tinham no comando vereadores aliados ao grupo político de Celso Pitta e Paulo Maluf.

Três meses depois, em março de 1999, após muita disputa política entre a oposição (que tentava ampliar as investigações) e a situação (que lutava para tirar a questão da corrupção da pauta política), instaurou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que conseguiu investigar quatro administrações regionais: Sé, Lapa, Pirituba e Penha. Curiosamente a administração de Pinheiros, onde havia iniciado o escândalo não foi alcançada pelas investigações. Isto porque à medida que mais e mais vereadores foram sendo implicados pelas 46 Destaca-se a resenha de Vito Tanzi sobre o tema (Tanzi , 1988), bem como Stapenhusrst e Kpundeh (1999), Ofosu-Amah, Sopramanien e Uprety (1999) e Klitgaard, Maclean-Abaroa e Parris (2000)

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investigações cresceu no plenário da Câmara Municipal um sentimento de auto-defesa, que culminou com uma manobra regimental que deu por encerrada a investigação. Apesar do seu fim precoce, a CPI pôde produzir um relatório bastante elucidativo dos esquemas de corrupção existentes nas administrações regionais.Além da CPI, o Ministério Público Estadual foi bastante atuante no caso, fazendo uso da sua independência institucional para levar as investigações adiante.

Os atos de corrupção, descritos pelo relatório da CPI, obedecem a um modelo uniforme nas diferentes administrações regionais. Fiscais, engenheiros e demais funcionários que atuavam na ponta do sistema, ou seja, em contato com empresas e pessoas sujeitas à fiscalização da prefeitura, cobravam propinas. Estas eram repassadas para um ou mais funcionários administrativos das administrações regionais que centralizavam a arrecadação e faziam a partilha, cabendo um percentual aos arrecadadores, outro para o próprio centralizador da arrecadação, e uma terceira, em geral de maior valor, para o vereador que tinha o controle político da regional.

A organização era tal que os fiscais e demais funcionários envolvidos na arrecadação de propinas tinham metas de arrecadação a cumprir. Por exemplo, segundo o Promotor Marcelo Mendroni, autor de denúncia contra o vereador Faria Lima, o acusado exigia que a arrecadação mensal de propina atingisse R$ 120 mil por mês.

São listadas, a seguir, as modalidades de corrupção apuradas:

a) supervisão de serviços contratados pela prefeitura : fiscais da prefeitura, encarregados de vistoriar os serviços contratados junto a empresas privadas como, por exemplo, varrição de ruas; recebiam propinas para não relatar ruas não varridas, uso insuficiente de varredores, etc. Além disso, tinham a oportunidade de achacar as empresas de varrição, pois estas precisavam de um documento da administração regional, atestando o pleno cumprimento do serviço, para poderem receber o pagamento junto à prefeitura.

b) uso e ocupação do solo : eram fonte certa e regular de propina paga a fiscais: a não repressão de ocupação irregular de terrenos públicos visando a formação de favelas; a não punição de estabelecimentos comerciais que não cumpriam a lei de zoneamento; a passividade em relação ao fechamento de ruas visando a formação de condomínios residenciais ilegais.

c) bancas de jornais ilegais : propinas para instalação e não remoção de bancas de jornal sem a devida autorização da prefeitura.

d) propagandas ilegais : pagamento de propinas para não retirada de propagandas (faixas e cartazes) ilegais afixados em via pública.

e) vendedores ambulantes: cobrança de propinas para que ambulantes sem autorização da prefeitura pudessem permanecer nas ruas sem serem autuados pela administração regional. Expedição de licenças falsas para ambulantes. Apreensão ilegal de mercadorias. Liberação ilegal de mercadorias, mediante propina. Desvio de mercadorias apreendidas, que eram vendidas por outros ambulantes. Apurou-se até o uso de mercadorias apreendidas em festa promovida pelo vereador Hanna Garib. Venda e aluguel de espaços nas calçadas para que camelôs se instalassem. Fraude em licitação para escolha da

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firma fornecedora de barracas padronizadas para camelôs, que atuariam em áreas destinadas pela prefeitura para ambulantes previamente cadastrados.

f) comerciantes: cobrança de propina para que a administração regional não permitisse que vendedores ambulantes se instalassem próximo às suas lojas.

Cada uma dessas modalidades contava com pessoas pré-determinadas nas funções de arrecadação, centralização e distribuição da propina. Valores previamente fixados e regularidade na arrecadação também atestavam, como afirma o relatório da CPI, que “amadores não seriam capazes de idealizar, operacionalizar e colocar em prática o esquema”.

No caso da extorsão a ambulantes, participavam da coleta de propina não só funcionários da prefeitura, mas também dirigentes de sindicatos de camelôs; enquanto que nos pagamentos por comerciantes da região do Brás, para manter camelôs afastados de suas ruas, centralizava o esquema de arrecadação o presidente da associação comercial da região. Ex-policiais e proprietários de empresas privadas de segurança eram outros agentes “privados” que atuavam em conjunto com funcionários municipais nos esquemas ilícitos.

Conexões com o financiamento de campanhas também são abundantes. Na administração regional de Pinheiros o vereador Faria Lima é acusado de coagir os funcionários a comprar convites para um jantar promovido por seu pai, que era candidato a deputado estadual, bem como a colocar faixas de propaganda política em prédios em construção47. O vereador José Izar é acusado pela CPI de transformar a Administração Regional da Lapa em “um comitê político-eleitoral, onde os funcionários cuidavam da confecção de materiais, vendiam rifas, pagavam despesas de campanha e salários de funcionários do comitê de seu irmão, exigiam de munícipes contribuições de campanha em troca de favorecimentos indevidos da máquina administrativa”. Na Administração Regional da Sé, ainda segundo a CPI, “as equipes de apreensão eram obrigadas a pagar R$ 200, durante a campanha eleitoral, para a manutenção do escritório político do Deputado Hanna Garib”. Constatou-se, também, “uma arrecadação entre ambulantes, comandada pelo ambulante Piauí, para a compra de camisetas para a campanha de Garib”.

Muitos vereadores não limitavam aos esquemas de propina os seus atos ilegais. Foram apurados com freqüência: nepotismo, indicação de funcionários fantasmas para empresas da prefeitura, confisco de parte do salário dos assessores de gabinete, uso para fins particulares de veículos de empresas prestadoras de serviço à prefeitura, coação de testemunhas convocadas a depor à CPI ou à polícia, uso de servidor público em comitê político-eleitoral particular.

As investigações atingiram 7 vereadores e um deputado estadual (ex-vereador): 3 foram cassados e indiciados por diversos crimes, dois já foram denunciados à justiça e

47 Folha de S. Paulo 02/12/1999

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aguardam julgamento em liberdade, 3 estão sendo submetidos a inquéritos ainda em andamento. 100 pessoas foram presas (entre elas o vereador cassado Vicente Viscome) e outras 200 foram indiciadas. A maioria dos vereadores diretamente envolvidos em corrupção ou que atuaram no sentido de abafar a crise e emperrar as investigações não se reelegeu para a legislatura 2001-2004.

Contudo o esquema não foi desbaratado. Continuam a existir as condições favoráveis à sua propagação como o loteamento político da administração da cidade, os fracos sistemas de checagem e transparência dos atos dos administradores regionais, a fragilidade do prefeito frente ao poder de veto do legislativo e a legislação de posturas municipais excessiva e detalhista.

Também não foram devidamente investigadas outras fontes de corrupção como os contratos do sistema de saúde através do PAS e a administração de empresas públicas de propriedade da prefeitura; onde as condições são propícias à corrupção: movimentação de grande somas de dinheiro; maior facilidade para esconder informações, dado o caráter semi-privado das instituições, que utilizam contabilidade individualizada e não estão submetidas ao orçamento fiscal da prefeitura.

Para que se tenha idéia da amplitude da corrupção na administração municipal, registra-se que nem mesmo o serviço funerário municipal esteve imune à dilapidação: caixões e flores eram comprados pelo município e desviados para serem vendidos por funerárias particulares.48A seguir analisam-se os custos da corrupção, bem como os meios que poderiam ser utilizados para retirar a cidade da armadilha em que se encontra.

O Custo da Corrupção

Para que se tenha noção da importância de se combater a corrupção, é preciso que se avalie as suas conseqüências e os seus custos. Vito Tanzi (1998), em excelente artigo resenha sobre o tema, lista os seguintes efeitos deletérios da corrupção:

a) reduz a receita (por exemplo, propina aos fiscais de tributos) e aumenta a despesa pública (por exemplo, superfaturamento). Isso aumenta o desequilíbrio fiscal e reduz a capacidade do governo para fazer investimentos e gastos necessários.

b) aumenta a pobreza. Como já argumentado anteriormente, os gastos públicos nas áreas de saúde, educação, habitação e transportes atendem mais e são mais importantes à população de baixa renda. Quando a capacidade de gasto e investimento da prefeitura são reduzidos pela corrupção, a qualidade dos serviços públicos pró-pobres tende a cair.

c) aumenta a desigualdade de renda, pois permite aos indivíduos melhor posicionados na escala social tirar vantagem de sua capacidade para pagar propinas, tendo as suas demandas atendidas pelo governo com maior presteza. A esse respeito Tanzi cita o caso da Rússia, onde a rápida piora da distribuição

48 Folha de S. Paulo 03/08/1999.

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de renda após o fim do regime comunista estaria na apropriação pela máfia local dos ativos públicos privatizados.

d) reduz a capacidade do governo para impor os regulamentos e controles necessários ao bom funcionamento de uma economia de mercado: controle de qualidade de alimentos, dos sistemas públicos de transportes; uso parcimonioso e sustentado dos recursos naturais; controle da poluição sonora, atmosférica e visual, ordenamento da expansão urbana. Todas essas funções perdem eficácias pois as regras do jogo são burladas através do pagamento de propinas.

e) reduz a capacidade do governo de obrigar o cumprimento dos contratos proteger os direitos de propriedade. O desrespeito a esses quesitos afasta os investidores e tende a reduzir a taxa de crescimento da economia local.

f) propina representa um imposto extra para quem paga. Não só o valor pago representa custo, mas também há o custo de procurar quem será o receptor da propina e de negociar valores. Tudo isso aumenta a incerteza para empresas que atuam em um ambiente corrupto, reduzindo o estímulo ao investimento.

g) reduz a legitimidade da democracia. Em muitos casos de transição de regimes centralizados para democracia ocorre a apropriação de instrumentos públicos por grupos políticos. Isto pode fazer com que as pessoas associem corrupção a regimes democráticos, reduzindo o apoio à democracia. Neste ponto vale lembrar que uma das principais bandeiras do movimento militar de 1964 foi o combate à corrupção.

h) inibe a criação de empregos. Nos países em desenvolvimento as pequenas empresas são as principais fontes de emprego. Mas são justamente essas as mais afetadas pelos esquemas de corrupção. Elas são mais vulneráveis aos achaques de fiscais, que atuam nas áreas de licenças e autorizações de funcionamento. As pequenas empresas não dispõem da estrutura das grandes empresas, que têm departamentos especializados e capacidade financeira para enfrentar ou remunerar agentes públicos corruptos sem que isso afete sua rentabilidade. Além disso, as pequenas empresas, em geral, atuam em mercados competitivos, o que as impede de repassar para os preços os custos das propinas pagas.

i) distorce prioridades de gastos do governo. Em geral passa a haver uma preferência maior por investimentos em grandes obras, onde se torna mais fácil montar esquemas de desvio de dinheiro, em detrimento dos gastos correntes de manutenção dos investimentos já existentes e das despesas de custeio. O resultado é a realização de investimentos de baixo retorno social e a escassez de recursos para o custeio da máquina pública; o que piora o nível de bem-estar da sociedade.

Além de todos esses efeitos danosos, é preciso reconhecer que a intensidade da corrupção também é relevante. Como argumentam Robert Klitgaard, Ronald Maclean-Abaroa e H. Lindsey Parris, em seu Corrupt Cities:

“Os atos corruptos diferenciam-se em gravidade e tipo. Existe a corrupção ‘free-lance’, na qual um ou alguns funcionários tentam tirar vantagem de

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seu monopólio de poder para receber propinas. Outras vezes, contudo, a corrupção torna-se sistemática (...) quando a corrupção atinge esse estado, isso é mortal; e essa é, infelizmente, a situação de muitas cidades no mundo.. Corrupção sistemática gera custos econômicos através da distorção de incentivos, custos políticos através da fragilização das instituições, e custos sociais através da redistribuição da riqueza e poder em favor de pessoas não merecedoras. Quando a corrupção mina os direitos de propriedade, a letra da lei, e os incentivos a investir, o desenvolvimento econômico e político são estrangulados”49

Pela descrição feita na seção anterior, parece haver pouca dúvida de que a corrupção que se abate sobre a cidade de São Paulo já atingiu o caráter de corrupção sistemática. Quando está em estágio inicial, a corrupção envolve passos arriscados. O indivíduo disposto a praticar tal ato precisa identificar a outra parte (um corruptor ou alguém passível de ser corrompido), é preciso ter mecanismos para fazer pagamentos e é preciso “entregar o produto” da corrupção (realizar uma fraude em concorrência, autorizar funcionamento de uma atividade em local impróprio). Quando a corrupção se torna sistêmica, isso significa que os atores e as oportunidade já estão identificados, os pagamentos e entregas já têm mecanismos estabelecidos e já existe uma rotina de proteção e camuflagem dos atos corruptos. Esta parece ser a situação da cidade de São Paulo.

Quebrar esse sistema não é trivial, não é barato, nem pode ser feito apenas com boas intenções. É preciso alterar a estrutura de governo e do processo de decisão, para que sejam reduzidas as oportunidades de corrupção. A próxima seção analisa as limitações e as opções estratégicas que precisam ser feitas em um programa de combate à corrupção.

A Necessidade de um Programa de Combate à Corrupção como Eixo do Programa de Governo 50

O Partido dos Trabalhadores, que assumirá a próxima gestão da Prefeitura de São Paulo, notabilizou-se, ao longo de sua existência, por uma persistente oposição ao governo federal, tanto no período de regime militar, quanto após à redemocratização. Embora já tenha sido governo em diversas cidades e em alguns estados, o discurso predominante no PT é o de oposição. E como tal, é forte a postura anticorrupção de seus militantes. Talvez as poucas oportunidades de ser governo, e a longa permanência na oposição, tenham criado uma aura de honestidade, bastante explorada pelos membros do partido em suas campanhas políticas. Afinal o principal papel do PT nos últimos anos tem sido o de criticar o governo de seus opositores (seja ele federal, estadual ou municipal).

Essa situação cria o risco de um raciocínio simplista por parte dos membros do partido que poderia ser assim caricaturado: “nós somos os bons moços, os outros são os

49 Klitgaard, Maclean-Abaroa e Parris (2000, p. 3-4)50 A presente seção baseia-se no já citado livro de Klitgaard, Maclean-Abaroa e Parris (2000), que deve ser leitura obrigatória a todos interessados no tema, tanto pela sua simplicidade quanto pelo seu caráter de manual prático. Procura-se fazer, aqui, uma adaptação dos conceitos expressos naquela obra ao caso específico da cidade de São Paulo.

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corruptos. Para acabar com a corrupção, basta que nós entremos e eles saiam do poder”. Esse raciocínio parece ser equivocado.

A corrupção decorre de um cálculo relativamente simples. Se há oportunidade para um agente público obter propina. Se é baixa a probabilidade de ele ser apanhado praticando o ato ilícito. Se, caso apanhado, as punições (criminais e sociais) forem brandas e a probabilidade de punição for baixa. Então a tentação a se corromper será elevada. É claro que a formação e as convicções de um indivíduo e a sua postura ética poderão fazê-lo resistir a se corromper. Mas, na média, quanto maior o espaço para a corrupção se manifestar, maior ela tenderá a ser.

Por isso, simplesmente confiar no caráter a na orientação ideológica dos membros de um partido como forma de reduzir a corrupção parece não ser uma boa estratégia. Como diz o ditado popular: “a ocasião faz o ladrão”. Embora lideranças com postura fortemente ética possam inibir a prática de corrupção; seria ingenuidade imaginar que isso seria suficiente para induzir funcionários e demais agentes públicos a não explorarem oportunidades de obter vantagens ilícitas.

Ou seja, não basta um “choque de ética”. É preciso fazer um diagnóstico da corrupção existente, de suas causas e, a partir daí, reformar métodos e procedimentos da administração municipal, com vistas a: reduzir as oportunidades de corrupção, aumentar a probabilidade de os criminosos serem descobertos; aumentar as sanções penais e sociais a eles aplicadas. Isso vai muito além de simplesmente trocar os “maus moços” pelos “bons moços” para “acabar com tudo de ruim que está aí”, como gostava de pregar, durante a campanha eleitoral, a prefeita eleita de São Paulo. É preciso mudar o método e a estrutura administrativa da cidade.

Lutar contra a corrupção não deve ser considerado um fim em si mesmo, mas um princípio de orientação para reformar a administração da cidade. Deve ser o veículo através do qual se implante a modernização na prestação dos serviços públicos e se aumente o poder dos cidadãos para intervir e fiscalizar a ação do governo. É preciso desenhar uma estratégia que quebre o funcionamento de sistemas corruptos e a cultura de cinismo e oportunismo que circundam esses sistemas.

Soluções usuais como criar leis mais restritivas e dar mais poder aos órgãos de fiscalização e investigação não parecem funcionar quando a corrupção já se tornou sistêmica. Muitas vezes as leis mais restritivas podem aumentar o espaço para a corrupção, ao exigir mais documentos e criar mais dificuldades para um indivíduo que deseja, por exemplo, pleitear uma autorização ou licença junto à prefeitura. Se os órgãos de fiscalização já foram cooptados pelos esquemas de corrupção, ou se são omissos ou lenientes, então pouco adiantaria dar mais poder e dinheiro para essas instituições.

Fazendo uma analogia com as políticas de saúde, pode-se dizer que no caso da corrupção também é melhor prevenir do que remediar. Remediar, neste caso, seria perseguir corruptos, tentar processá-los e prendê-los. Prevenir significaria reduzir as oportunidades para que a corrupção ocorra. Como afirmam Klitgaard, Maclean-Abaroa e Parris (2000), a “fórmula” geral para se detectar onde estão as oportunidades de corrupção é averiguar onde

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existe a combinação de: monopólio (de decisões, de fornecimento de bens e serviços públicos) com poder discricionário do funcionário público e baixa transparência (accountability).

Se, como visto no caso paulistano, entrega-se a um vereador o poder de indicar quem será o comandante de uma administração regional; se não há uma clara prestação de contas dessa administração regional, com a população local tendo poucos instrumentos para avaliar e criticar a performance e os atos do administrador; se o prefeito também não consegue avaliar a performance do administrador local, devido à imensidão da cidade; se esse administrador tem o monopólio do poder para firmar contratos, multar, deixar de multar, autorizar ou deixar de autorizar funcionamento de estabelecimentos; então está criada uma situação ideal para que a corrupção floresça.

É preciso, pois, fazer um diagnóstico de onde esse tipo de situação existe dentro da administração pública. Embora haja casos, como os das administrações regionais, que já tenham chegado ao conhecimento público, pode haver outros ainda encobertos, sendo preciso detectar as áreas da administração mais propensas à ocorrência de corrupção.

Além disso, por uma questão de tempo e custo não se pode atacar todo tipo de corrupção ao mesmo tempo. É preciso definir quais são os casos mais nocivos à sociedade, quais são os mais simbólicos e que deveriam ser atacadas como forma de sinalizar uma mudança de postura, quais são as formas de corrupção mais fáceis de vencer, como forma de conseguir algumas vitórias rápidas que dêem impulso ao programa anticorrupção.

É necessário que se tenha um centro de coordenação do programa. Investigar, processar e obter condenações não será um processo bem sucedido a menos que as secretarias de governo, empresas públicas, autarquias e fundações sujeitas à corrupção atuem em conjunto. É preciso que o esforço dessas agências seja coordenado por um grupo que se dedique a estudar casos de corrupção, a dar assistências às demais agências públicas para rever seus métodos de trabalho e detectar áreas sujeitas a corrupção.

Não se trata de criar um grupo de intocáveis, que atemorizará todos os administradores públicos com o fogo da inquisição ao menor deslize. Também não se pode dar espaço para que o grupo de coordenação anticorrupção ganhe espaço para exibicionismo na mídia. Isto criaria uma atitude defensiva e de pouca colaboração dos secretários de governo e dirigentes das demais agências públicas em relação ao programa. Pelo contrário, deve-se ter um grupo low profile capaz de mobilizar recursos e centralizar os esforços anticorrupção, bem como creditar as vitórias aos dirigentes das agências públicas que implantarem reformas administrativas capazes de prevenir efetivamente os atos ilícitos.

Apresenta-se, a seguir, uma lista de medidas concretas, adaptadas de Klitgaard et all (2000), que poderiam compor a reorganização do governo municipal visando prevenir o comportamento corrupto.

a) Selecionar rigorosamente o grupo que atuará no órgão de coordenação do programa. Usar testes preditivos e psicológicos, analisar a folha corrida dos candidatos, a sua formação técnica. Enfatizar o mérito e evitar qualquer tipo de indicação política para a formação do grupo.

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b) Recrutar para o órgão de coordenação auditores, contadores, analistas de sistema e demais profissionais capazes de montar estratégias de prevenção e detecção de corrupção; trazendo-os de outras áreas da administração ou buscando-os no mercado de trabalho.

c) O dirigente do órgão de coordenação deve ser indicado pelo prefeito e estar acima de qualquer suspeita sendo, de preferência, não filiado ao partido político do prefeito.

d) Deve haver um grupo de cidadãos encarregado de fiscalizar os fiscais. Ou seja, responsáveis pelo controle externo da ação do grupo de coordenação anticorrupção, como forma de evitar abusos de autoridade.

e) Pagar um salário maior aos membros do grupo anticorrupção, bem como condicionar parte de seu pagamento à sua performance.

f) Para o funcionalismo municipal em geral, e para o grupo anticorrupção em particular, associar as recompensas não monetárias (viagens, cursos, promoções, condecorações e homenagens) à performance. Quando possível, fazer contratos temporários, com renovação sujeita a uma cuidadosa avaliação da performance.

g) Aumentar a severidade das punições formais e sociais, desde a demissão sumária até a ampla divulgação do nome de envolvidos através da imprensa. Quando possível (não houver confronto com legislação estadual ou federal), aumentar as penalidades administrativas dos infratores, ou recorrer a procedimentos como transferência para cargos e funções de menor status.

h) Não perder a oportunidade de “fisgar um peixe grande”, como forma de sinalizar que as regras estão mudando e que não haverá impunidade nem para os mais poderosos. Para que o programa anticorrupção não seja confundido com perseguição político-partidária (e não seja, como tal, explorado pelos adversários políticos), seria importante estar atento para a oportunidade de se fisgar um peixe do mesmo partido do prefeito.

i) Ter informações claras e completas sobre os esforços e resultados do programa. Apresentar estimativas de quanto foi economizado através do combate à corrupção, e de que forma os serviços públicos melhoraram após à reformulação de métodos e procedimentos.

j) Criar um programa de análise estatística visando aferir possíveis casos de corrupção: seleção aleatória de contratos e compras públicas para uma análise mais minuciosa, sistemas de alerta para possíveis casos de corrupção (monitoramento de preços e quantidades de compras públicas, número de atendimentos em hospitais pagos por procedimentos).

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k) Fazer diagnósticos da vulnerabilidade de cada agência pública à corrupção: os burocratas da agência têm muito poder discricionário para decisão? a clientela da agência dispõe de mecanismos para fazer reclamações? os procedimentos administrativos são muito complexos e demorados, estimulando o pagamento de propinas em troca de facilidades?

l) Abrir canais de comunicação e fiscalização para a comunidade e estimular que as denúncias e fiscalizações sejam feitas: disque-denúncia 24 horas, comitês de acompanhamento das obras públicas e das ações dos órgãos descentralizados da prefeitura em cada região da cidade.

m) Atrair para o esforço anticorrupção as entidades não governamentais, tais como amigos de bairro, associações de moradores, associações profissionais (em especial aquelas que congregam micro-empresas e grupos de profissionais liberais mais sujeitos a achaques de agentes públicos corruptos). Estimular essas organizações a apresentar sugestões anticorrupção e denúncias, em fórum adequado, que se reuna periodicamente.

n) Buscar apoio financeiro e técnico para as ações anticorrupção junto aos governos estadual e federal, bem como de organizações internacionais. Ações coordenadas com o governo federal, por exemplo, são fundamentais para agilizar procedimentos como investigação no imposto de renda dos suspeitos, participação de agentes da polícia federal em investigação, prisão de suspeitos foragidos em outras partes do país ou no exterior, modificações na legislação federal que auxiliem na prevenção e desestímulo à corrupção. Organizações internacionais, como a Transparência Internacional, poderiam ajudar com seu know-how e dar mais credibilidade ao processo local.

o) Sempre que a legislação estadual e federal permitir, inverter o ônus da prova nos casos de corrupção. Funcionários municipais que não explicarem adequadamente a origem de patrimônio incompatível com a renda passam a ser punidos; independente da necessidade de se provar que tal patrimônio foi obtido por vias ilegais.

p) Aumentar a transparência da administração pública. O órgão de coordenação do esforço anticorrupção deveria se encarregar de fazer cartilhas explicando à população como são os procedimentos e prazos, por exemplo, de concessão de habite-se e de autorização para funcionamento de estabelecimento comercial. Sistemas informatizados que permitissem ao demandante acompanhar a tramitação de seus processos nos órgãos públicos e ampla divulgação, detalhamento e debate sobre as contas e finanças municipais também seriam úteis.

q) Aumentar o acesso da população às decisões de investimento público. O orçamento participativo, já comentado anteriormente, parece ser um instrumento adequado.

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r) Rever métodos e procedimentos. Revogar leis desnecessárias que só complicam procedimentos e reduzem a transparência dos atos públicos. Simplificar e desburocratizar a relação do cidadão com o poder público.

Embora extensa, a lista acima não é exaustiva. Ela demonstra a complexidade e abrangência de um programa anticorrupção. Fica evidente que simplesmente trocar os dirigentes e o partido político comandante do poder municipal não é suficiente para dar conta da corrupção sistêmica. As medidas constituem uma verdadeira reforma da administração: maior poder de fiscalização e decisão para a população, simplificação de métodos e procedimentos, reorganização dos fluxos de informação sobre a qualidade e eficiência da administração, prevalência do mérito nos salários e definição de cargos, condicionamento de salários e manutenção de cargo à performance.

A estrutura e procedimentos acima descritos contrastam com o pífio esforço que a atual administração municipal realizou para enfrentar a corrupção. Matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, de 17/05/99 ilustram o ponto com clareza:

“Em Nova York, o departamento anticorrupção, criado em 1873, tem 354 funcionário, 236 dos quais fazem investigação e têm poder de polícia – podem prender. Em São Paulo, a corregedoria da prefeitura, criada em 8 de março deste ano, tem 35 funcionários, oito dos quais fazem investigação, e só tem poder de encaminhar as denúncias ao Ministério Público(...). Como oito corregedores, cinco telefonistas e um carro, a corregedoria só consegue apurar fatos que não exijam investigação complexa(...) A maior deficiência do órgão(...) é a falta de quadros técnicos. Os corregedores são advogados(...) todos aposentados. Sem estrutura, o trabalho depende do voluntariso dos funcionários.”

Sendo o controle interno exercido pela prefeitura assim tão precário, só restaria confiar no controle externo, que é exercido pelo Poder Legislativo, através do Tribunal de Contas do Município (TCM). O próximo capítulo avalia a estrutura e os incentivos a que está exposto o TCM, indicando que também o controle externo mostra-se frágil e vulnerável.

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CAPÍTULO 06

TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO: UM CASO EXEMPLAR DE FRAGILIDADE NA PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO.

O Tribunal de Contas do Município (TCM) é o principal agente de fiscalização dos atos da prefeitura. Trata-se de órgão auxiliar da Câmara Municipal51, que é a responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município. O TCM tem poder para realizar auditorias, por iniciativa própria ou por determinação da Câmara, em qualquer entidade da administração direta e indireta da prefeitura.

Anualmente o TCM encaminha à Câmara parecer prévio sobre as contas da prefeitura referentes ao ano anterior, sugerindo a aprovação ou rejeição destas. Cabe à Câmara decidir, por votação em plenário, com base no parecer, se aceita ou não as contas da prefeitura. A rejeição das contas de um prefeito pode ser a base para um processo de cassação de seu mandato com conseqüente inelegibilidade.

O TCM dispõe de todas as ferramentas para exercer uma eficaz fiscalização: ampla competência (pode auditar, por iniciativa, própria todos os atos da prefeitura), as multas e imputações de débito por ele emitidas têm eficácia de título de dívida executivo, pode propor à Câmara Municipal a sustação de despesa da prefeitura considerada irregular, tem acesso direto ao sistema de contabilidade da prefeitura.

Contudo, o sistema de escolha de seus dirigentes parece minar a eficácia do Tribunal. O TCM tem cinco conselheiros e, seguindo a prática adotada no Tribunal de Contas da União e nos tribunais de contas estaduais, a escolha de dois desses conselheiros é feita pelo prefeito, enquanto os outros 3 são escolhidos pela Câmara. A Lei Orgânica (assim como a Constituição Federal e as constituições estaduais) exija que, para o preenchimento da vaga de conselheiro, sejam necessários:

“Art. 49...I - ...II - idoneidade moral e reputação ilibada;III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;IV – mais de dez anos de exercício de função ou de formação profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.”

Na prática, tanto os prefeitos quanto a Câmara Municipal utilizam as vagas de conselheiro do Tribunal como um espaço para acomodar aliados políticos. Trata-se de um cargo vitalício, com aposentadoria compulsória (com vencimentos integrais) aos 70 anos de idade. É uma posição estratégica. Ao se tornar conselheiro, um político deixa de ter que passar, a cada quatro anos, pelas extenuantes campanhas eleitorais; para as quais tem que levantar fundos e sempre corre o risco de não ser eleito. Também não fica mais na dependência de acordos políticos de formação de governo para conseguir ocupar ou influenciar as decisões de uma secretaria ou empresa pública.

51 Art. 49 da Lei Orgânica.

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Com o poder que dispõe para fiscalizar as contas da prefeitura, tem instrumentos de barganha suficientes para negociar com o prefeito vantagens como: empregos para amigos e parentes na prefeitura ou no próprio tribunal, influência nas decisões da prefeitura, financiamento de campanhas políticas de políticos aliados através de contatos com empresas privadas que prestam serviços à prefeitura, etc.

O uso político das nomeações para a direção do TCM acaba por subverter as funções do órgão, afetando a sua independência e qualificação técnica para a prática de auditorias e de avaliação de contas públicas; que passam a ser influenciadas por conveniências do grupo político ao qual está vinculado o conselheiro, e a quem ele deve a sua nomeação para o cargo.

Uma breve descrição do currículo dos atuais conselheiros do TCM demonstra a

extrema politização do cargo:

Walter Abraão (atual Presidente): jornalista, ex-radialista e locutor de TV, advogado. Foi eleito vereador em 1988 e 1992.

Antônio Carlos Caruso (atual Vice-Presidente): eleito vereador em 1988 e 1992.

Eurípedes Sales: ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal. Edison Simões: eleito suplente de vereador em 1996.

Roberto Braguim: ex-chefe de gabinete dos Prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta.

Ou seja, ao contrário do que fazem crer os critérios para nomeação, estabelecidos na Lei Orgânica, o que menos se exige de um candidato a conselheiro do TCM é uma carreira voltada para a auditoria, contabilidade e fiscalização. Políticos moldados na escola da barganha por recursos públicos tornam-se fiscais do uso desses recursos. É evidente que esse padrão de nomeação não é capaz de criar uma instituição de fiscalização independente e com credibilidade.

Matérias publicadas na Folha de S. Paulo, em 13/06/1997 e em 03/08/1997 ilustram a intensa disputa política existente em torno de uma nomeação para o TCM:

“Disputa por vaga no TCM está provocando um racha entre vereadores do PPB, o partido do prefeito Celso Pitta.(...)O vereador Archibaldo Zancra e o ex-deputado José Roberto Faria Lima tentam ser candidatos. Os seus aliados fazem uma briga surda pelos corredores da Câmara, com acusações de todos os tipos.

Alguns vereadores aguardam sinalizações do secretário de governo [da prefeitura], Edevaldo Alves da Silva, para decidir de que lado ficam”.

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“Um acordo entre o presidente da Câmara Municipal, Nelo Rodolfo (PPB), e o líder do partido, Hanna Garib, lançou o nome do suplente de vereador Édison Simões para a vaga aberta no TCM.Porém, correndo por fora desde que chegou de Paris, onde teria encontrado o ex-prefeito Paulo Maluf, o vereador Zé Índio admite sua possível indicação: ‘Se o cavalo passar selado, eu monto mesmo’.O ex-deputado José Roberto Faria Lima e o vereador Achibaldo Zancra – os dois candidatos oficiais ao cargo – vão ser descartados pelo partido na eleição que deve ocorrer nas próximas semanas(...) Faria Lima responde a processos administrativos no próprio TCM por causa de sua atuação como presidente da Prodam (Processamento de Dados do Município) na gestão Maluf”.

Os vasos comunicantes entre política e TCM não funcionam apenas na direção de entrada no Tribunal. Também é bastante conveniente para um prefeito incluir, em sua equipe de governo, um conselheiro aposentado do TCM. Este indivíduo provavelmente tem ascendência sobre funcionários ainda em exercício no órgão fiscalizador, pode ter ali apadrinhados políticos por ele nomeados, conhece os meandros do tribunal. Tudo isso facilita a aprovação das contas do prefeito.

Este expediente foi adotado, por exemplo, por Paulo Maluf que, em abril de 1994, nomeou José Altino Machado para ser seu secretário de negócios jurídicos. Altino, ex-conselheiro do TCM, era presidente do órgão até dois meses antes de sua nomeação. Já havia sido presidente do TCM em três outras oportunidades, bem com já ocupara a vice-presidência por três vezes.

São freqüentes as notícias em que os conselheiros do TCM aparecem com patrocinadores de empregos a parentes, seja no próprio Tribunal, seja em outras áreas da prefeitura. Walter Abrahão Filho, por exemplo, ocupa cargo em comissão no TCM por indicação de seu pai, atual presidente do órgão52. Inquirido sobre a nomeação de seu filho o presidente da instituição de maior responsabilidade pelo zelo no trato do dinheiro público afirmou que “o nepotismo não é uma prática ilegal e tem de ser visto também sob o aspecto positivo(...) só é negativo quando se pagam salários muito elevados, cria-se um cabide de emprego e ninguém trabalha”.53

Um ex-presidente do Tribunal, o conselheiro aposentado Paulo Planet Buarque, tinha em seu gabinete a filha e a irmã54; e também tinha parente comissionada na presidência da Câmara Municipal55. O Conselheiro Roberto Braguim tinha seu irmão em cargo de confiança na prefeitura56. .57

Uma evidência de que os conselheiros do TCM, ao assumirem suas funções de guardiões do dinheiro municipal, não abandonam a labuta política, em prol de uma postura técnica, está nos recorrentes casos de ligação estreita entre conselheiros e candidatos a cargos eletivos. Segundo O Estado de S. Paulo de 10/07/1999, a campanha para deputada estadual de

52 O Estado de S. Paulo 31/07/2000.53 O Estado de S. Paulo 02/08/1997.54 O Estado de S. Paulo 26/04/1997.55 Folha de S. Paulo 10/01/1997.56 Folha de S. Paulo, 10/01/1997.57 O Estado de S. Paulo 06/04/2000.

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Edir Sales (PL), irmã do conselheiro Eurípedes Sales, foi quase que totalmente financiada por contribuições de oito funcionários do TCM, todos eles assessores do referido Conselheiro: “as quantias [doadas] representam o dobro e até o triplo do salário-base dos funcionários”. O mesmo jornal, em 31/07/1999 registra que:

“Dos cinco conselheiros do TCM, dois – (...)Eurípedes Sales e Antônio Carlos Caruso – já têm integrantes de suas famílias e ex-funcionários exercendo cargos eletivos e o presidente do TCM, Walter Abrahão, poderá ter um de seus filhos ocupando uma das 55 cadeiras da Câmara Municipal, caso o estudante de direito Walter Abrahão Filho consiga eleger-se vereador pelo PFL.A irmã de Sales é deputada estadual pelo PL. O filho de Caruso (...) também é deputado estadual, (...) o ex-chefe de gabinete do conselheiro(...), Antônio Goulart, foi eleito vereador em 1996(...) O ex-chefe de gabinete de Caruso no TCM, Almir Guimarães, demitiu-se do cargo para disputar a eleição”

Para completar o quadro de captura do TCM por interesses políticos e privados, o Tribunal vem adquirindo gradativa autonomia nos últimos anos em relação ao controle de seus gastos e suas ações pela Câmara Municipal. Em maio de 1995 o Tribunal de Justiça julgou inconstitucional o artigo 51 da Lei Orgânica do Município, segundo o qual a Câmara de Vereadores teria direito de realizar auditorias no TCM.

Com isso ninguém tem poderes para fiscalizar os fiscais. O vereador Pierre de Freitas (PSDB), que apresentou em abril de 1999 um projeto de lei extinguindo o TCM, argumenta que ninguém consegue saber quais são os salários pagos pelo Tribunal. Com a autonomia adquirida judicialmente, o TCM simplesmente ignora os pedidos de informação formulados pela mesa da Câmara58. O TCM chega ao requinte de ser o único órgão da administração pública a não gerar a sua folha salarial na empresa de processamentos de dados do município, a PRODAM; tendo contratado empresa privada para fazê-lo, o que provavelmente ajuda a manter o sigilo sobre os salários pagos.

A ineficácia do TCM não parece provir de incapacidade de seu corpo técnico. Segundo informações prestadas pela assessoria do vereador Pierre de Freitas, há pelo menos 100 auditores e técnicos de boa formação no quadro funcional do Tribunal; produzindo relatórios e auditorias de qualidade. Contudo o trabalho gerado por esses técnicos é submetido a um filtro político pelos conselheiros, sendo considerado apenas um subsídio para a tomada de decisão.

A Relação TCM X Prefeitura nas administrações de Erundina e Maluf

Erundina e TCM tiveram uma relação de confronto ao longo de todo o mandato da prefeita. O Tribunal rejeitou as contas da prefeita nos anos de 1990, 1991 e 1992. Os pareceres contrários argumentavam que a prefeita havia se recusado a prestar informações solicitadas pelo Tribunal, havia cometido irregularidades em contratos com empresas privadas bem como cometera erros técnicos em seus demonstrativos contábeis.

58 O Estado de S. Paulo 04/08/2000.

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Os partidários de Erundina, e a própria prefeita, argumentam que a ação do TCM

foi uma represália à demissão de apadrinhados políticos dos conselheiros que ocupavam cargos na prefeitura bem como; à rejeição de um plano de cargos e salários do TCM que ampliava o número de empregos e os salários do órgão, e ao fato de a maioria dos conselheiros serem aliados políticos de Paulo Maluf, Jânio Quadros e Orestes Quércia; adversários viscerais do PT. Argumenta-se ainda, que Erundina quebrou o monopólio e a manipulação de contratos com empresas de coleta de lixo, monopólio este que membros do TCM teriam ajudado a formar e manter.59

O parecer do Tribunal rejeitando as contas de prefeitura de 1990 foi derrubado pela Câmara, ocasião em que houve uma forte pressão da imprensa e de entidades profissionais e comunitárias a favor da prefeita. Em 1991, contudo, a Câmara aceitou o parecer contrário do TCM. Para não ser punida com a inelegibilidade, a Prefeita ingressou com ação na justiça contestando a decisão.

Independente de a razão nesta disputa estar a favor de Erundina ou do TCM; o que se nota é que, na gestão Maluf, o TCM foi bastante brando. As contas de Maluf no exercício de 1994, por exemplo, foram aprovadas pelo Tribunal apesar de os relatórios produzidos por funcionários técnicos do órgão terem apontado “desrespeito à legislação de salários, falta de reajustes mensais das dotações orçamentárias e transferências de recursos de uma área para outra”.60

Com relação às contas de 1995 o Tribunal constatou que Maluf havia aplicado menos de 30% dos recursos municipais em educação, o que representa desrespeito à lei orgânica e constitui motivo para parecer contrário às contas. Mas as contas de Maluf foram novamente aprovadas.

Em 1996 mais uma vez o TCM constatou insuficiência de gastos em educação. Adicionalmente, os pareceres técnicos apontavam o não pagamento de precatórios judiciais; fato que, mais tarde uma CPI federal revelaria, estava associado a amplo esquema de desvio de recursos municipais. As contas foram mais uma vez aprovadas.

Ao longo da gestão Maluf o TCM foi muito bem tratado em termos financeiros. Em agosto de 1995, coincidentemente ou não, logo após à divulgação de parecer favorável às contas de 1994 o Tribunal teve liberada verba de R$ 1 milhão para expandir suas instalações61. No ano anterior a Câmara já havia aprovado a criação de 300 novos cargos no TCM, sendo que a metade poderia ser preenchida sem concurso público62. Em 1997, já na gestão Pitta, no mesmo dia em que o Tribunal emitiu parecer favorável às contas do último ano da gestão Maluf (1996), foi colocado em pauta na Câmara de Vereadores um projeto que criava 20 novos cargos no TCM.63

59 Sobre este último ponto ver, por exemplo, Folha de S. Paulo 09/03/1994 e 25/03/1999.60 Folha de S. Paulo 19/08/1995.61 Folha de S. Paulo 23/08/1995.62 Folha de S. Paulo 08/06/1994.63 Folha de S. Paulo 12/06/1997.

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O gráfico abaixo mostra a rápida evolução dos gastos do TCM ao longo das gestões Maluf e Pitta. De R$ 25 milhões no último ano da gestão Erundina, o Tribunal passou para R$ 79 milhões em 1999: um crescimento de 215%.A título de comparação, registra-se que as despesas da Secretaria de Educação cresceram apenas 10% no mesmo período.

A Relação TCM X Prefeitura na Administração Pitta

A convivência harmônica entre TCM e prefeitura viria a ser abalada na gestão Celso Pitta. Em dezembro de 1996 o Senado Federal instalou uma CPI para investigar fraudes na emissão de títulos públicos municipais. As investigações acertaram em cheio a prefeitura de São Paulo. Os crimes constatados foram os mais diversos: falsificação de dívidas judiciais para que estas servissem de lastro à emissão de títulos públicos (cuja emissão estava proibida pela Constituição Federal desde 1993, exceção sendo feita apenas para financiar pagamento de dívidas judiciais); desvio dos recursos obtidos com a emissão de títulos para outras finalidades que não o pagamento das dívidas judiciais; operações da prefeitura no mercado secundário de títulos públicos que causavam prejuízos ao erário; conluio com instituições financeiras que auferiam ganhos a partir dessas operações; existência de uma quadrilha formada por altos funcionários da Secretaria de Finanças da prefeitura que prestava “consultoria” a estados e municípios, vendendo a tecnologia de fraude de dívidas judiciais.

E tudo isso passara incólume pelas auditorias do TCM, que obviamente ficava em situação delicada junto à opinião pública. Apesar disso, o Tribunal continuou aprovando as contas da prefeitura nos anos seguintes. O aumento no custo desses pareceres favoráveis, em cenário político desfavorável, parece estar refletido no acelerado crescimento das verbas alocadas ao TCM, como mostrou o gráfico acima.

Em dezembro de 1998, com o desvelar do já comentado esquema de propinas dos fiscais da prefeitura, a situação do TCM tornou-se crítica. Apesar de a corrupção parecer estar entranhada em todo o tecido da prefeitura, o Tribunal jamais havia detectado sinais nesse sentido.

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Em abril de 1999, em plena ebulição das denúncias de corrupção na prefeitura, o vereador Pierre de Freitas (PSDB) apresentou projeto de lei propondo a extinção do TCM. Sua argumentação era de que o Tribunal custava caro e não era eficiente; podendo ser substituído, em suas funções, pelo Tribunal de Contas do Estado. Para dar suporte a esta proposta, os deputados estaduais João Caramez e Sidney Beraldo apresentaram, no legislativo estadual, proposta de emenda constitucional suprimindo o artigo que normatizava a existência do TCM. Ao mesmo tempo, na Câmara Federal, a agora deputada Luiza Erundina, escaldada por sua relação conflituosa com o TCM, apresentou projeto de emenda constitucional extinguindo todos os tribunais de contas municipais do país.

Pressionado pela ameaça de extinção e imobilizado pelo pipocar de denúncias de corrupção que não havia sido capaz de detectar, o TCM parece ter partido para a ofensiva. Em 03/08/1999, por exemplo, a Folha de S. Paulo registrava:

“O Tribunal de Contas do Município de São Paulo está colocando em prática uma campanha junto aos chamados ‘formadores de opinião’ para tentar mudar a imagem do órgão. Segundo avaliação do presidente do tribunal, Walter Abrahão, a campanha se tornou necessária depois que começaram a ser publicadas reportagens negativas sobre o tribunal (...)’Detectamos que o Tribunal estava sendo atacado e reagimos’, disse Abrahão. a etapa mais recente da estratégia foi a distribuição de 5.000 cartilhas sobre o tribunal a órgãos de imprensa, governamentais, universidades, sindicatos e entidades da sociedade civil.”

O TCM parece ter, também, intensificado suas ações de fiscalização. A tabela abaixo apresenta dados curiosos a esse respeito. Nela estão classificadas as referências feitas ao TCM pelos dois principais jornais de São Paulo (O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo). Por pesquisa em arquivo dos dois jornais na internet, foram levantadas citações do tribunal em 201 matérias entre 1994 e 2000, incluindo-se cartas de leitores, artigos assinados e reportagens em geral. Foram classificadas como citações positivas os elogios recebidos pelo Tribunal, bem como notícias sobre ações bem sucedidas do tribunal no cumprimento de suas funções (detecção de atos irregulares, suspensão de contratos, etc). Como referências negativas estão, por exemplo, críticas quanto à ineficiência, aos altos salários e gastos, o envolvimento do Tribunal em interesses políticos. Referências neutras são aquelas que não criticam ou elogiam como, por exemplo, a citação por entrevistados de pareceres do Tribunal como apoio a seus pontos de vista.

Tabela 13 - Citações do TCM na Imprensa: 1994-2000

ANO Positivas Negativas Neutras Auto Defesa Total1994 0 3 4 1 81995 3 3 1 0 71996 5 4 4 0 131997 5 9 11 0 251998 0 15 9 1 251999 27 26 8 3 642000 17 25 15 2 59

Total Geral 201Fontes: O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo

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Percebe-se que a partir de 1999, ano em que se iniciou o escândalo da corrupção na prefeitura, mais do que dobram as citações ao TCM, tanto as negativas quanto as positivas. A maioria das citações positivas referem-se a atos de fiscalização e punição aplicadas pelo Tribunal, o que gera a idéia de que o Tribunal reagiu às críticas através da intensficação de suas ações. Já as citações negativas giram em torno do apoio aos projetos de extinção do TCM. É curioso, também, que a partir de 1988 os dirigentes do TCM passam a escrever artigos e cartas aos jornais, defendendo a instituição contra críticas veiculadas pela imprensa; caso que foi classificado na tabela acima como “auto-defesa”.

Com o agravar da crise política e a perda gradativa de sustentação do Prefeito Celso Pitta, o Tribunal passou a viver uma situação dúbia. Se, por um lado, ele estava sob o fogo cerrado das críticas e ameaças de extinção; por outro lado aumentava o seu poder de barganha junto ao Prefeito: um parecer negativo sobre as contas da prefeitura seria um forte combustível à crise política.

É nesse contexto que, ao final de 1999, o TCM solicita ao Prefeito que encaminhe um projeto de lei à Câmara concedendo, ao Tribunal, maior autonomia na remuneração e aumento de seu pessoal.64 O projeto foi encaminhado, mas acabou sendo rejeitado na Câmara.

A rejeição desse projeto, a fragilidade política de Pitta ao final de um mandato respingado por diversos escândalos, o apoio de vários candidatos à prefeitura ao projeto de extinção do TCM; tudo isso parece ter estimulado o Tribunal a rejeitar as contas do Prefeito relativas ao ano de 1999, o que de fato ocorreu, por votação unânime dos conselheiros. Mais uma vez os baixos gastos em educação foram um dos motivos para rejeição das contas. Em segundo lugar são apontadas manipulações contábeis visando rolagem ilegal de dívida para os próximos anos. Em terceiro lugar voltaram a aparecer as dívidas judiciais não pagas e o desvio para outras finalidades dos recursos arrecadados via títulos públicos para pagamento daquelas dívidas.

Reforma do TCM no Contexto do Combate à Corrupção

É evidente que um governo que decida dar importância central ao combate à corrupção, nos moldes propostos no capítulo anterior, não pode convier com a atual estrutura do TCM. As opções de reforma estão postas à mesa, já existindo diversos projetos de lei (municipais, estaduais e federais) encaminhando duas possíveis soluções:

• extinção e transferência das funções para o Tribunal de Contas do Estado ou para empresas privadas de auditoria;

• mudança nos critérios de nomeação dos conselheiros, impedindo-se a nomeação de quem tenha exercido cargo político ou de confiança em passado recente, além de maior rigor nas exigências de qualificação técnica dos dirigentes escolhidos.

64 Folha de S. Paulo 15/01/2000.

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A opção de extinção é atrativa por ser um ato marcante, que poderia sinalizar à sociedade uma mudança de rumo no trato da corrupção. Certamente angariaria aplausos da imprensa e apoio para novas medidas. Contudo, esta opção pode gerar uma longa disputa judicial em torno da constitucionalidade ou não da matéria, podendo levar, até mesmo, a uma determinação judicial de nulidade da extinção, o que representaria um revés político significativo para o novo governo.

A discussão da constitucionalidade da matéria está tão sujeita a interpretações subjetivas e lobbies que atualmente se tem um situação esdrúxula. O projeto de emenda a Constituição Federal, que acaba com todos os TCMs do país, vem sendo considerado inconstitucional por interferir em questões internas dos municípios. Ao passo que os projetos municipais que extinguem os TCM locais são considerados inconstitucionais porque, argumenta-se, a Constituição Federal define a existência de tais Tribunais!

Um exemplo típico desse tipo de disputa está no Estado de Goiás, cuja Assembléia Legislativa aprovou, em setembro de 1997, emenda à constituição estadual extinguindo o Tribunal de Contas dos Municípios. Pois bem, após argüições de inconstitucionalidade e pressão política, nova emenda, em novembro do mesmo ano, restabeleceu o Tribunal.65

Desse modo parece ser mais frutífero um esforço em prol dos projetos que alteram os critérios de nomeação dos dirigentes do Tribunal. Embora o impacto político inicial não seja tão grande quanto na opção da extinção; haveria a vantagem de se aproveitar a estrutura já existente para, sob uma direção independente e com adequados incentivos, exercer uma fiscalização capaz de prevenir a corrupção.

Caso se consiga, de fato, despolitizar a direção do TCM seria importante, também, alterar o rito de aprovação/rejeição de contas da prefeitura. Atualmente, a chancela do parecer do TCM pela Câmara parece ser importante, para evitar que um parecer político do TCM cometa uma injustiça contra o prefeito. Contudo, uma vez despido o TCM de interesses políticos, e submetido a adequado controle de suas atividades, poder-se-ia pensar em tornar o seu parecer definitivo, sem necessidade de chancela pela Câmara. Isso evitaria um outro tipo de manipulação política: a aprovação, pela câmara, de contas corretamente rejeitadas pelo TCM, em função de barganhas políticas entre o prefeito e os vereadores.

Nesse contexto seria importante haver, também, uma gradação de tipos de rejeição e de penalidades a elas associadas. Em vez de uma escolha binária, aprovação ou rejeição, com a conseqüente inelegibilidade do prefeito; poder-se-ia ter uma escala gradativa de penas, associadas à gravidade das irregularidades cometidas; em sistema similar ao implantado pela Lei de Crimes Fiscais, aprovada recentemente pela Câmara Federal.

O fato de o TCM dispor de aproximadamente uma centena de técnicos e auditores qualificados também favorece a opção de reforma da estrutura do órgão, em vez de sua extinção. Note-se, por fim, que se o novo governo estabelecesse uma central anticorrupção, como proposto no capítulo anterior, haveria um “concorrente” natural que forçaria o TCM a

65 Constituição do Estado de Goiás, emendas n. 17 e 21.

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buscar maior eficácia de sua ação, sob pena de ficar desmoralizado pelos melhores resultados obtidos pela controladoria interna da prefeitura.

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CAPÍTULO 07

PROBLEMA DE ESCALA: ORGANIZANDO RACIONALMENTE A ADMINISTRAÇÃO DA CIDADE

Os números associados à administração da cidade de São Paulo são capazes de fazer tremer administradores públicos em qualquer parte do mundo. São 885 mil alunos matriculados em mais de 800 escolas administradas pelo município. Na área da saúde há 244 unidades de atendimento à saúde, desde postos de saúde hospitais especializados, que realizam mais de 3 milhões de consultas médicas por ano. Há 12 mil quilômetros de ruas pavimentadas na cidade, a requerer permanente manutenção. O lixo coletado atinge 10 milhões de toneladas por ano.66

É possível administrar com eficiência uma máquina pública com tal escala de operação? Como são administradas as outras megacidades do mundo, que problemas enfrentam e que ensinamentos podem dar à cidade de São Paulo? São esses o pontos tratados no presente capítulo.

É evidente que uma administração centralizada dos serviços públicos prestados a 10 milhões de habitantes seria totalmente inviabilizada por problemas de escala: como atender de forma diferenciada as necessidades dos alunos do ensino fundamental em cada escola? Como organizar um sistema de inspeção e manutenção de ruas? Como decidir sobre o material de consumo necessário a cada hospital e posto de saúde?

A tentativa de gestão descentralizada através das administrações regionais fracassou, como ficou evidente ao longo dos capítulos anteriores. Não se conseguiu dar voz às comunidades locais em assuntos como fiscalização das ações do poder público, decisão quanto aos investimentos e serviços mais necessários em cada área, escolha de representantes de cada localidade junto à prefeitura. O modelo atual tem levado à captura da máquina pública por grupos de interesse e, muitas vezes, pelo crime organizado.

Assim tornou-se baixa a eficácia da prefeitura na prestação de serviços e nos investimentos de impacto local, que requerem um conhecimento apurado das necessidades de cada comunidade. Isto inclui ações públicas como urbanização, limpeza e iluminação de ruas; parques e jardins; definição de localização de novos equipamentos (escolas, bibliotecas, centros recreativos). Daí a necessidade de uma descentralização eficaz, que não represente perda de poder do prefeito em favor de interesses privados ou escusos, mas sim em favor das comunidades.

Não só o problema de escala mas também o de coordenação é fundamental. Em qualquer lugar do mundo, os centros metropolitanos apresentam grande potencial para geração de problemas. O permanente fluxo de migrantes pressiona o mercado imobiliário e gera permanente demanda por infra-estrutura pública. O espraiamento da área construída aumenta a impermeabilização do solo e, consequentemente, o risco de enchentes bem como de danos ao meio ambiente.

66 Emplasa (2000) e Município de S. Paulo (2000)

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A necessidade de deslocamento das pessoas nesta área urbana cada vez maior passa a exigir investimentos em transportes públicos: novas estradas ligando as cidades metropolitanas, prolongamento de linhas de trem e metrô. Engarrafamentos de trânsito afetam tanto a qualidade de vida, quanto o meio ambiente; além de gerar perdas econômicas (desperdício de combustíveis, tempo de trabalho perdido no trânsito) e exigir investimentos de alto custo para a expansão das vias públicas.

O espraiamento de indústrias e residências, a partir da cidade central para os municípios vizinhos, gera problemas graves de destinação de resíduos industriais, coleta e destinação de lixo, captação e distribuição de água; com impactos óbvios sobre o meio ambiente.

É usual que o contraste social seja grande em áreas metropolitanas, visto que ali convivem pessoas situadas nos extremos da pirâmide social: a população pobre, que busca na metrópole a oportunidade de um emprego e renda mais elevada que em outras regiões, e os proprietários e altos funcionários de empresas dinâmicas e lucrativas, que buscam os grandes centros em função de seus grandes mercados. Tal desigualdade é propícia para o surgimento de violência e criminalidade.

Não bastasse esta elevada escala de dificuldades, há ainda o que se pode considerar o principal problema das áreas metropolitanas: a necessidade de coordenar políticas nas áreas onde há “externalidades”. Um município metropolitano, sozinho, não pode, por exemplo, despoluir um rio que passa em seu território, se um município vizinho, de onde vem este rio, continuar jogando detritos em seu leito. Da mesma forma, não é possível fazer uma política municipal de transportes, isolada dos vizinhos, quando grande parte dos veículos que trafegam no município são provenientes de cidades vizinhas.

A gerência eficiente de cidades metropolitanas exige um conjunto de ações de planejamento, programação, orçamento, desenvolvimento, operação e manutenção de um centro metropolitano. E não é trivial fazer isso quando se tem uma miríade de unidades de governo e de órgãos diferentes, todos politicamente autônomos. A integração econômica e social de municípios metropolitanos exige uma correspondente integração político-administrativa.

Analisam-se, a seguir, as experiências de outras grandes metrópoles mundiais no trato tanto da descentralização administrativa quanto da gerência metropolitana.

Algumas Experiências internacionais

As sete maiores regiões metropolitanas do mundo são Tóquio, Nova York, Osaka-Kobe-Kyoto, São Paulo, Seul, Los Angeles e Cidade do México67. Vale a pena fazer uma incursão sobre os problemas, soluções, erros e acertos das administrações de algumas dessas cidades, em busca de lições para São Paulo.

Tóquio 68 67 Soja (1996)68 Fonte: governo metropolitano de Tóquio: www.seikatubunka.metro.tokyo.jp

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O recorte administrativo do território japonês é feito em “prefeituras”, que seriam equivalentes ao conceito de “estado” ou “província” das federações ocidentais. As prefeituras contêm municipalidades (cidades e vilas), que são hierarquizadas conforme suas populações, áreas geográficas e presença de população flutuante. Cidades com população acima de 500 mil habitantes são chamadas de “cidades designadas” pois recebem, do governo central, a designação para exercer funções que, nas cidades menores, ficam por conta das prefeituras (governos estaduais). Além disso as cidades designadas ficam liberadas de controles administrativos impostos pelo governo central e pelas prefeituras. Logo em seguida na hierarquia vêm as cidades centrais (core cities) que são aquelas cuja população está entre 300 e 500 mil habitantes, que possuem área igual ou maior a 100 quilômetros quadrados e que têm população diurna muito superior à população noturna.

Por sua grande importância e tamanho, Tóquio apresenta-se como um caso a parte. Em 1943 a cidade ganhou o status de prefeitura (estado), constituindo-se o governo metropolitano de Tóquio, comandado por um governador. A metrópole é dividida em 23 distritos administrativos (ku), que formam a região central de Tóquio, e mais 31 municipalidades localizadas em áreas adjacentes aos ku69.

Dos 12 milhões de habitantes de Tóquio, 8 milhões (66%) vivem na área dos 23 ku. Estas são entidades autônomas que não existem em nenhuma outra cidade japonesa. Eles são responsáveis pelos serviços de caráter local, têm seus gestores eleitos pelo voto direto desde 1974 e são financiados por tributos arrecadados pelo governo metropolitano.

Ao longo dos anos, surgiram muitos problemas de coordenação e sobreposição de funções entre o governo metropolitano e os ku. Inúmeras reformas nas atribuições e divisões de funções entre os dois níveis de governo foram feitas ao longo dos anos. Uma nova lei, editada em 1998, aumentou a autonomia administrativa e financeira dos ku e, ao mesmo tempo, restringiu suas atividades a “operações administrativas que afetem diretamente a vida de seus residentes”. A nova legislação entrou em vigor em abril de 2000.

As municipalidades de Tóquio correspondem aproximadamente ao que seriam os subúrbios das metrópoles norte-americanas. Localizam-se na chamada região de Tama. Áreas mais distantes do centro, de urbanização recente, com maior abundância de áreas verdes, rios e outras vantagens ambientais. Mas sua urbanização acelerada gerou os inevitáveis problemas de congestionamento de trânsito e insuficiência da infra-estrutura de serviços públicos. Existe uma percepção crescente de que a região de Tama está se constituindo em um conjunto de cidades dormitório de pessoas que trabalham nos ku.

Essas municipalidades arrecadam tributos próprios e recebem transferências do governo central. À medida que suas necessidades financeiras aumentam em função da rápida urbanização, o governo metropolitano e os ku têm alocado recursos para essas cidades através de diversos fundos.

O governo metropolitano encarrega-se do serviço de abastecimento de água e de combate a incêndios em todas a área metropolitana. Cuida, também, das áreas de saúde,

69 Além disso, são administradas pelo governo de Tóquio 9 municipalidades localizadas em ilhas do pacífico.

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saneamento, planejamento urbano e administrativo, meio-ambiente, transportes, habitação, segurança pública. De modo geral atribuem-se ao governo metropolitano as atividades com as seguintes características:

a) funções administrativas de amplo espectrob) funções de coordenação dos entes públicosc) funções que não podem ser de responsabilidade das cidades em função da

escala ou complexidade de operação

À medida que as municipalidades crescem e se credenciam como “cidades designadas” ou “cidades centrais”, elas passam a absorver parte dessas atribuições. Há ainda entidades públicas especiais, não subordinadas diretamente ao governo metropolitano, mas sujeitas à sua coordenação, voltadas a coordenar ação conjunta das municipalidades, instalar equipamentos públicos e desenvolver projetos especiais de desenvolvimento local.

O modelo administrativo de Tóquio encerra diversas lições proveitosas para o Brasil e, em especial, para a cidade de São Paulo. Em primeiro lugar, está a necessidade de hierarquizar as cidades. Uma cidade com 2 mil habitantes não pode ter as mesmas atribuições legais de outra cidade que tenha 100 mil habitantes. Assim como uma cidade com grande população flutuante tem necessidades distintas de outra onde não há fluxo de pessoas nos horários e dias comerciais. No Brasil os municípios são considerados todos iguais, recebendo as mesmas atribuições e as mesmas fontes de financiamento.

Em segundo lugar é preciso considerar, para o caso de São Paulo, a maior metrópole e maior centro produtivo do país, um status especial dentro da federação brasileira. Isto pode ser feito de distintas maneiras: um governo metropolitano, abarcando a cidade de São Paulo e alguns municípios vizinhos; a transformação da cidade em estado; a criação de uma instância metropolitana que absorva algumas atribuições que hoje pertencem aos municípios e ao Estado de São Paulo. Todas essas possibilidades serão discutidas em maior detalhe mais adiante.

Em terceiro lugar, a experiência de Tóquio mostra a importância da descentralização administrativa daqueles serviços que afetam mais diretamente a vida da população e cujo alcance se resume a uma pequena área. Os ku e as municipalidades em que se divide o território da metrópole parecem ser um similar bem sucedido das malfadadas administrações regionais paulistanas.

Metrópoles Norte-Americanas

A administração pública norte-americana tem a tradição de criar entes públicos autônomos, cujas jurisdições se sobrepõem, tais como distritos escolares, municipalidades, condados, towns, distritos especiais e entidades semi-privadas, como as associações de moradores. Nas grandes metrópoles, a existência desse diversos agentes detentores de autonomia de decisão torna muito difícil um acordo para enfrentamento conjunto das questões metropolitanas.

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Analisando o caso de Los Angeles, por exemplo, Edward Soja (1996) argumenta que “a nova metrópole que emergiu nos últimos trinta anos é regional em escala, escopo, funcionamento e padrões da vida cotidiana”, mas apesar disso ,”o presente modelo de governo da região, altamente fragmentado, permanece intacto.”

O caso de Nova York não parece ser muito diferente. Estudo que compara essa cidade a Londres, afirma que:

“Nenhuma das duas metrópoles tem uma autoridade de planejamento com responsabilidade por toda a região, e tanto em Londres quanto em Nova York, a coordenação entre a cidade e a região metropolitana é muito limitada. Isso tem implicações negativas sobre o uso do solo e sobre a qualidade dos transportes.”70

Bruce Katz (1999, p. 314), por sua vez, afirma que “com exceção de Portland, Oregon, and Minneapolis/St. Paul, Minnesota, as metrópoles norte-americanas não possuem planos coordenados ou regulação do uso do solo”

Todavia, o mesmo Katz (p. 303) aponta para uma inversão de tendência no trato de questões metropolitanas: “após décadas de discussão acadêmica e negligência na prática, as cidades americanas e seus subúrbios estão buscando soluções metropolitanas para seus problemas”. Katz descreve com clareza o problema metropolitano nos Estados Unidos, que parece ser um pouco distinto do caso brasileiro. Nos EUA a grande questão metropolitana é o esvaziamento dos grandes centros, com a população de renda média e alta buscando os subúrbios onde há mais áreas verdes, maior espaço para construção, terrenos mais baratos e menores impostos.

Diversos problemas surgem a partir desse deslocamento populacional. Como já comentado em capítulos anteriores, os centros urbanos perdem seus principais contribuintes e, ao mesmo tempo, passam a acumular grande contingente de pobres, que demandam maiores gastos públicos em assistência social e serviços como educação e saúde gratuita. Além disso, surge a necessidade de expandir toda a infra-estrutura urbana para os subúrbios: escolas, hospitais, abastecimento de água, urbanização; ao passo que a infra-estrutura já existente nos centros urbanos mais antigos torna-se subutilizada.

Caros investimentos em vias expressas ligando os subúrbios ao centro tornam-se necessários e, uma vez realizados, realimentam o estímulo para que a população se mude para os subúrbios. As áreas livres, verdes e agricultáveis tornam-se cada vez mais raras. A densidade populacional cai drasticamente, o que significa que para abrigar um dado número de habitantes, áreas cada vez maiores estão sendo urbanizada, com todas as conseqüências negativas para o meio ambiente daí decorrentes.

Empregos que exigem menor qualificação, nos setores de comércio varejista e serviços simples; que geralmente empregam a população de baixa renda e baixa educação, deslocam-se para os subúrbios; enquanto os pobres vivem nos centros urbanos, gerando mais custos de deslocamento e perda de qualidade de vida.

70 Corporation of London (2000).

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Todos esses efeitos negativos não garantem, contudo, que o melhor padrão de vida daqueles que se mudaram para os subúrbios se mantenha a longo prazo. Os problemas de congestionamento de trânsito nas viagens cotidianas ao centro, a elevação do custo de infra-estrutura e a deterioração do meio-ambiente nos subúrbios tornam-se apenas uma questão de tempo.

Uma crescente consciência do alto custo desta dispersão urbana tem induzido à prática de estratégias metropolitanas de governo. Associações comerciais e comunitárias, grupos ambientalistas e governantes têm liderado esforços de racionalização do crescimento metropolitano e recuperação dos centros urbanos. Governos estaduais têm feito diversos esforços para dar uma caráter metropolitano às suas ações. Têm alterado suas leis de uso do solo para impedir a expansão urbana, bem como comprado terras para garantir áreas livres de construção.

Há uma crescente ênfase na estratégia de smart growth, que consiste na manutenção da infra-estrutura urbana já existente, em detrimento de novos investimentos nos subúrbios; elevação de tributos e tarifas nas áreas suburbanas de rápido crescimento; revisão de leis de uso do solo para garantir maiores áreas livres, não sujeitas a construção. Também há a formação de fundos metropolitanos, em que recursos tributários de diversas jurisdições são coletados para financiar investimentos de interesse metropolitano. Agências estaduais estão sendo criadas especificamente para lidar com questões metropolitanas de transportes, meio-ambiente, lixo e desenvolvimento econômico.

Katz (1999, p. 321-22) cita diversos exemplos de organismos governamentais metropolitanos:

“Desde os anos 70, a lei fiscal de Minnesota vem alocando 40% do aumento da receita de impostos sobre a propriedade, arrecadado em áreas de desenvolvimento comercial e industrial para um fundo metropolitanol. Os recursos alocados para esse fundo – mais de 367 milhões de dólares em 1996 – são distribuídos para as comunidades em razão inversa de sua capacidade fiscal (...)Em 1978 o Estado do Oregon criou o the Greater Portland Metropolitan Service District, um conselho eleito diretamente que inspecional as políticas de transportes e uso do solo, incluindo o desenvolvimento e a preservação da fronteira de expansão da cidade. O órgão também opera o sistema de transporte coletivo, vários parques, e atividades culturais. No início dos anos 90 Minnesota colocou todos os serviços de esgoto, trânsito e uso do solo das Twin Cities sob o comando de uma única entidade, o Conselho Metropolitanol. A ação do Estado transformou uma agência de planejamento, com um orçamento de 40 milhões de dólares, em uma autoridade regional com 600 milhões de dólares disponíveis por ano”.

A experiência metropolitana brasileira é um tanto distinta da norte-americana. A suburbanização, no Brasil é uma opção para os pobres, não sendo muito difundida, ainda, a opção das classes mais abastadas de afastarem-se dos grandes centros. Apesar disso há algumas lições interessantes que podem ser aproveitadas pela cidade de São Paulo. A primeira delas é a possibilidade de criação de organismos ou empresas públicas encarregadas de lidar com

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aspectos específicos da política metropolitana. Por exemplo, uma agência metropolitana de transportes.

Em segundo lugar, ressalta-se o papel fundamental dos governos estaduais no desenvolvimento de uma estrutura metropolitana de governo. É o estado que pode alocar recursos, reformular sua estrutura administrativa e coordenar ações nesse sentido. Para os municípios metropolitanos é muito mais difícil tomar ações concretas, visto que precisariam, primeiro, chegar a um consenso, entre eles, das ações necessárias.

Cidade do México

A cidade do México vive problemas sociais muito semelhantes aos de São Paulo. A região metropolitana da Cidade do México concentra 19% de toda a população do país. Há 27 municípios conurbados à cidade, a maioria pertencentes ao vizinho Estado do México, que funcionam como cidades dormitórios para população de baixa renda. Criminalidade, enchentes, poluição, desemprego, congestionamentos de tráfego são assuntos tão corriqueiros lá quanto em São Paulo.

O que torna a experiência da Cidade do México interessante é o fato de ela constituir-se em capital do país. Sendo o México um país de extrema centralização política e administrativa, a cidade esteve, até 1996, sob controle federal. Somente neste ano, com a transição promovida pelo Presidente Ernesto Zedillo, foi que a cidade pôde eleger pelo voto direto a sua assembléia legislativa e o seu governador. Mesmo assim, o congresso nacional ainda tem poder de intervir nas decisões do governo do Distrito Federal, bem como pode depor seu governador.

Assim como no caso de Tóquio, a Cidade do México tem status de estado, sendo hierarquicamente superior às demais cidades do país, e assumindo funções que, no resto do país, são atribuídas aos estados. Outra característica importante da capital mexicana foi a recente introdução das delegaciones. O território da cidade foi dividido em 16 áreas, onde se constituirão subprefeituras, nos moldes dos ku de Tóquio: os dirigentes dessas áreas são escolhidos pelo voto direto da população local, e são responsáveis pelas questões de interesse local.

Embora tenham avançado na área da descentralização, os mexicanos pouco fizeram até o momento para tratar a questão metropolitana. Há graves conflitos entre o Distrito Federal e os estados vizinhos, em especial o Estado do México, quanto a questões de delimitação de fronteiras, fornecimento de bens públicos a munícipes de cidades dormitório da fronteira e quase nenhuma ação conjunta ou cooperativa. O problema metropolitano está sob discussão no México, havendo a

Uma das propostas em discussão para consolidação da reforma política é a transformação do Distrito Federal em um estado com autonomia política plena, com a transformação das atuais delegaciones em municípios, agregando-se, ainda, alguns dos municípios conurbados.

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Administração Metropolitana no Brasil

A história recente da administração de regiões metropolitanas no Brasil não tem muitas conquistas a comemorar. Antes da promulgação da Constituição de 1988, a criação de regiões metropolitanas era uma prerrogativa do governo federal. Este parece ter, simplesmente, girado um compasso em torno das principais capitais do país para definir as regiões. Pouca preocupação houve em identificar laços econômicos e sociais entre os municípios, intensidade de deslocamentos diários entre os municípios ou existência de aglomerados metropolitanos fora das capitais. Não existiam também mecanismos financeiros para bancar os investimentos metropolitanos, ou estímulo à coordenação de políticas entre governos estaduais e seus municípios metropolitanos.

Esta história passou a tomar um rumo mais animador a partir da promulgação da nova constituição. O seu artigo 25, parágrafo 3°, transfere para os estados a prerrogativa de instituir regiões metropolitanas. Isto permitiu ao Estado de São Paulo avançar na organização de regiões metropolitanas. A Constituição Estadual define, no seu art. 153, o conceito de região metropolitana:

“§1° Considera-se região metropolitana o agrupamento de municípios limítrofes que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.”

A Lei Complementar estadual n° 760, de agosto de 1994, estabelece as regras de criação de regiões metropolitanas, definindo os seguintes objetos de política da entidade metropolitana: planejamento e uso do solo, transporte e sistema viário regionais, habitação, saneamento básico, meio ambiente, desenvolvimento econômico e atendimento social.71 Cada região formada tem a opção de escolher, de acordo com suas necessidades, em quais desses itens pretende concentrar suas ações.

Por esta lei, a gerência das regiões metropolitanas se assentaria em um tripé formado por:

• Conselho de Desenvolvimento• Agência Metropolitana• Fundo Metropolitano

O Conselho de Desenvolvimento é um fórum de decisões técnicas e políticas, cujas atribuições principais são: definir quais as áreas em que haverá atuação da entidade metropolitana; aprovar projetos, metas e prioridades; participar da formulação dos orçamentos estaduais e municipais no que tange o interesse metropolitano; harmonizar a política tributária do estado e dos municípios membros.

Na sua composição, 50% da representação cabe ao Estado e 50% para o conjunto dos municípios. Os representantes municipais devem ser os prefeitos ou alguém por eles

71 L.C.E 760/94, Art. 7°

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indicados. Os representantes estaduais devem ser os secretários das áreas envolvidas na gestão metropolitana ou seus representantes. O Conselho deve possuir câmaras temáticas, que levantam os principais problemas a serem tratados, realiza estudos e propõe a pauta de discussão do conselho.

A agência metropolitana é o braço executivo do Conselho. Deve executar os estudos e projetos aprovados pelo Conselho, fazer licitações e contratar obras, fiscalizar e aplicar multas aos infratores da legislação na região. Os cargos de direção dessa autarquia ficam subordinados ao Conselho de Desenvolvimento.

O fundo metropolitano é o braço financeiro da organização metropolitana. A aplicação de recursos deve ser decidida pelo Conselho de Desenvolvimento. As origens dos recursos são, principalmente, os orçamentos do Estado e dos municípios membros. Cada um tem uma cota de contribuição preestabelecida, em função de sua população e capacidade fiscal. Há, ainda, a possibilidade de o fundo contar com eventuais transferências da União; empréstimos; retorno das operações de crédito feitas pelo fundo a órgãos e empresas públicas envolvidos nas ações metropolitanas; receitas de multas, entre outras.

Com essa nova estrutura já foram criadas duas novas regiões metropolitanas no Estado: a da Baixada Santista (RMBS), em julho de 1996, e a de Campinas, em junho de 2000. A experiência da Baixada revela as dificuldades e avanços do novo modelo de regiões metropolitanas. Registra-se, em primeiro lugar, a demora para que os organismos criados entrassem em operação efetiva. Apesar de criada em 1996, a RMBS só teve a sua agência metropolitana (AGEM) regulamentada em julho de 1999. Antes disso, pouco se pode fazer nos assuntos de interesse metropolitano, visto a que cabe à AGEM colocar em prática as decisões do Conselho Metropolitano.

Receosos de que o organismo metropolitano torne-se uma organização ineficiente, sem capacidade de implementação prática de investimentos e políticas, ou motivados por querelas político-partidárias com o governo estadual; alguns prefeitos têm, sistematicamente, atrasado suas contribuições ao fundo metropolitano; o que leva o governo do estado a também suspender suas contribuições, como forma de pressionar os municípios inadimplentes a quitar seus débitos. Isso mina a capacidade financeira do fundo metropolitano e dificulta que a AGEM dê partida em suas atividades.

Também há problemas de coordenação entre o a entidade metropolitana e as secretarias de estado. O jornal A Tribuna, da cidade de Santos, por exemplo, registrou em 10/10/2000:

“O Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista (CONDESB)(...) contratou estudos no valor de R$ 500 mil para a escolha de uma área para a criação de um aterro sanitário na Cidade. Depois de definida a área, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado deu parecer contrário”.

A efetiva implantação de uma gerência metropolitana esbarra, também, na visão de curto prazo dos agentes políticos, interessados em exibir realizações aos eleitores. Isso cria uma certa impaciência em relação à realização de estudos e planos, necessários a uma ação eficiente da administração metropolitana, uma vez que essas atividades não aparecem para o público.

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Levantamentos aerofotográficos da região, definição de plano diretor e outras ferramentas úteis e necessárias; que precisam ser realizadas nas fases iniciais de instalação da região, muitas vezes são interpretadas como perda de tempo. É comum ver prefeitos e agentes políticos da região reclamando que o Conselho de Desenvolvimento está demorando a aprovar “obras de impacto”. A Tribuna de 01/03/2000 registra, por exemplo, uma reunião de prefeitos para analisar a ação do CONDESB:

“eles[os prefeitos] observam que a metropolização da região existe há cinco anos e nada de concreto ‘nenhum tijolo’, como observou o prefeito de Santos, resultou disso.[O prefeito de Cubatão reclama por] ‘outras ações de interesse comum que apresentem resultados práticos a curto prazo’ ”.

Há, ainda, o risco de a formação da entidade metropolitana ser interpretada pelos prefeitos como uma forma de maior atração de dinheiro estadual para região, com conseqüente alívio financeiro para os municípios. Na verdade, a instalação de uma região metropolitana muitas vezes gera encargos adicionais para os municípios, que precisam financiar não só os custos da gerência metropolitana, como também fazer investimentos complementares àqueles realizados pela entidade metropolitana.

Um exemplo deste caso está na inauguração de uma segunda pista na Rodovia dos Imigrantes. Como esta obra tenderia a aumentar o fluxo de veículos que desembocariam nas cidades da Baixada Santista, as prefeituras locais foram instadas a realizar, com recursos próprios, obras de adaptação de suas vias, como alargamento de ruas e mudança de sinalização. Esse tipo de custo tende a minar o consenso entre os membros do Conselho de Desenvolvimento no momento de definir os investimentos prioritários da região.

Apesar dessas dificuldades, a experiência da Baixada Santista parece estar consolidando a prática da ação conjunta dos municípios e estado. Diversos assuntos vêm sendo discutidos nas reuniões do CONDESB, tais como: solução conjunta para a destinação do lixo, programas de geração de emprego e renda, política preventiva contra a dengue, política conjunta de combate à sonegação fiscal, definição conjunta dos principais investimentos a serem incluídos no orçamento do Estado e da União em favor da região, integração da rede hospitalar dos municípios, transferência do controle do porto de Santos da União para uma gestão compartilhada entre municípios e Estado, desenvolvimento do turismo .A agência metropolitana, por sua vez, vem realizando estudos para zoneamento ecológico, implantação de sistema cartográfico e de informatização de dados metropolitanos e elaboração de plano diretor.

A experiência da Baixada pode ser útil para a reformulação da Região Metropolitana de São Paulo, que ainda não foi afetada pelas novas regras, mantendo a sua estrutura antiga e ineficiente. Há, portanto, espaço para avançar e ganhar governabilidade na cidade de São Paulo, ao se implantar o novo modelo de gestão metropolitana. Dentro da RMSP já estão surgindo movimentos espontâneos de articulação entre prefeituras, independente da ação do governo estadual, como é o caso do fórum formado pelas prefeituras das cidades do ABC; que certamente se constituirão na base de reformulação da RMSP.

Tal reformulação vai exigir, obviamente, capacidade política de negociar e cooperar com o governo de Estado que, como argumentado acima, tem maiores facilidades

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financeiras e operacionais para induzir a metropolização das políticas públicas. Isto não será trivial, dada a já comentada rivalidade política em véspera de eleição presidencial, bem como as dificuldades, acima destacadas, que estão envolvidas em um processo de decisão coletiva como o de uma região metropolitana.

As Diferentes Opções de Metropolização de São Paulo

As experiências internacionais e da Baixada Santista permitem que se vislumbrem possíveis modelos para a metropolização de São Paulo. Em primeiro lugar há que se registrar as dificuldades inerentes ao modelo escolhido pelo Estado de São Paulo. A formação de um órgão colegiado ( o Conselho de Desenvolvimento) para tomar decisões, dispersa poder, dificultando a tomada de decisões; fato que já se está verificando na Baixada Santista.

Uma possível alternativa seria o Estado de São Paulo criar uma autoridade metropolitana à qual seriam delegadas atribuições em áreas de atuação pré-definidas (transportes, meio-ambiente, saneamento, etc). Para ter acesso a investimentos e serviços prestados por esta agência, os municípios deveria abrir mão de legislar em tais áreas, entregando efetivamente o poder de decisão à agência, bem como deveriam participar do financiamento dos investimentos. Tanto o governador do estado quanto os prefeitos da área metropolitana perderiam poder, que seria transferido para a agência metropolitana, mas ganhariam governabilidade, pois teriam boa parte de seus problemas urbanos resolvidos com maior eficácia.

Outra opção seria a cidade de São Paulo e alguns municípios conurbados passarem a constituir um Estado, ou ganharem um status diferenciado dentro da federação, podendo assumir, além das funções metropolitanas, encargos como segurança pública e educação secundária. Em contrapartida poderiam arrecadar tributos de competência estadual para se financiar. Este novo estado formaria uma espécie de governo metropolitano. Como visto acima, duas das seis maiores cidades do mundo – Tóquio e México - têm status de estado. Essa opção deveria ser considerada com seriedade para o caso paulistano.

Diversos graus de autonomia poderiam ser escolhidos dentro desta opção. O novo estado poderia ter um status político semelhante ao do Governo do Distrito Federal brasileiro, que acumula funções de município e estado e tem autonomia política plena. Ou poderia ter autonomia limitada, assumindo caráter de estado apenas para funções metropolitanas pré-definidas (meio ambiente, transportes, uso do solo, etc), enquanto nas demais áreas continuaria funcionando apenas como município.

Há, ainda, a opção no estilo norte-americano, em que o Estado de São Paulo poderia atuar por áreas, criando agências metropolitanas de transportes, de meio-ambiente, de saneamento e, através de financiamentos, atrair a colaboração financeira e operacional dos municípios envolvidos.

O governo federal também tem importante papel na metropolização das políticas públicas. Em primeiro lugar, seria preciso rever os atuais critérios de distribuição de transferências federais, que prejudicam sobremaneira os grandes centros metropolitanos, como já comentado no capítulo 3.

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Em segundo lugar, as chamadas transferências federais voluntárias, que basicamente constituem-se em emendas parlamentares ao orçamento federal que favorecem cidades e estados específicos, poderia ser utilizadas para induzir a ação cooperativa de municípios metropolitanos. Bastaria o governo federal estabelecer que projetos de interesse conjunto de dois ou mais municípios teriam prioridade na liberação dos recursos. Este e outros mecanismos financeiros poderiam ser utilizados para induzir a ação conjunta de cidades metropolitanas. Em trabalho realizado em 199272, por exemplo, propus a criação de um fundo de participação das regiões metropolitanas, no qual parte dos recursos atualmente alocados para os fundos de participação dos estados e dos municípios passassem a constituir um fundo destinado a financiar investimentos metropolitanos.

Em terceiro lugar, um sistema de hierarquização das cidades, dando-se maior liberdade de ação e maiores competências tributárias às grandes cidades, ajudaria no trato das questões metropolitanas.

A reformulação da RMSP também poderá gerar uma oportunidade para que se

solucione o problema da guerra fiscal entre municípios. Poder-se-ia estabelecer um acordo no qual o ingresso em uma entidade cooperação, e o conseqüente benefício dos investimentos e esforços comuns (ou a realização de investimentos da entidade metropolitana dentro de um dado município) ficaria condicionada à adoção de tarifas de ISS dentro de intervalos pré-estabelecidos. Isso, mais uma vez, exigiria um acordo político entre a prefeitura de São Paulo, maior interessada no fim da guerra fiscal, e o governo do Estado. Esquemas de fundo metropolitano, com participação de municípios de acordo com sua capacidade, bem como de repartição de recursos fiscais, também poderiam induzir a adoção de um comportamento fiscal harmônico dentro da região metropolitana.

Em suma, a coordenação metropolitana é um campo fértil para se melhorar a governabilidade da cidade de São Paulo. Não é fácil implantar qualquer das sugestões acima listadas. A maioria delas depende de emendas à Constituição Federal. Contudo, os problemas de escala e coordenação que assolam a cidade colocarão, mais cedo ou mais tarde, a questão metropolitana em pauta.

Subprefeituras: descentralizando poder em favor da população

Se, por um lado, a reformulação da região metropolitana é importante para lidar com problemas de grandes dimensões e que envolvem coordenação com outros entes políticos; por outro lado, também é necessário rever a organização administrativa voltada para os problemas de dimensão local: descentralizar para evitar a dificuldade de se prover bens e serviços em grande escala, o que impediria o atendimento diferenciado das necessidades locais e geraria custos operacionais elevados.

As experiências acima relatadas mostram que tanto Tóquio quanto a Cidade do México já instalaram subprefeituras (ku e delegaciones), nas quais os dirigentes locais são eleitos

72 Mendes (1992).

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por voto direto. Na tradição norte-americana vai-se ainda mais longe, com uma miríade de entes governativos locais, muitas vezes com autoridade sobre uma mesma área geográfica (distrito escolar, distrito sanitário, town, city, etc.).

Rever a atual estrutura de descentralização administrativa, baseada em administrações regionais, parece ser uma necessidade premente, tanto para combater a corrupção sistêmica, quanto para aumentar a eficácia da ação municipal, aproximando a ação da prefeitura das necessidades locais. A proposta de criação de subprefeituras – que já consta da Lei Orgânica do Município mas nunca foi implementada – tornou-se uma quase unanimidade entre os candidatos a prefeito nas últimas eleições, incluindo a prefeita eleita.

A questão básica é: como fazer subprefeituras que realmente funcionem, e que não representem apenas uma mudança no nome das atuais administrações regionais, mantendo os seus vícios?. Para evitar esse problema, a nova divisão administrativa e de poder da cidade precisaria cumprir alguns requisitos, listados a seguir.

O subprefeito deveria ter poder de decisão e status político muito superior ao dos atuais administradores regionais. Os atuais administradores estão subordinados a um secretário de administrações regionais, enquanto os subprefeitos estariam subordinados ao próprio prefeito. Eles seriam responsáveis pela implementação do orçamento municipal em suas áreas, no que diz respeito às atividades e projetos de impacto local.

Nas áreas da administração que permanecessem centralizadas, tais como planejamento do desenvolvimento urbano, sistemas de transportes e meio-ambiente; o subprefeito seria um gerente local da ação da prefeitura. Ou seja, mesmo as ações públicas que não venham a ser descentralizadas, ficando sob responsabilidade direta do prefeito, teriam participação ativa dos subprefeitos, como agentes executores locais.

Não se pode criar subprefeituras em número excessivo. Atualmente são 27 administrações regionais, o significa uma população média de 370 mil habitantes por administração. As subprefeituras deveriam ser aproximadamente 10, o que daria uma população média de 1 milhão de habitantes. Desse modo cada subprefeito estaria no comando de uma verdadeira “sub-cidade” dentro de São Paulo, com escala suficiente para a provisão de todos os serviços públicos municipais.

O subprefeito deveria ter autonomia decisória suficiente para gerenciar o cotidiano local sem precisar estar, constantemente, pedindo autorização ao prefeito para tomar decisões. Mas, por outro lado, não poderia ser autônomo a ponto de desafiar a autoridade do prefeito. Por isso, ao mesmo tempo em que deve ser garantida ao subprefeito autonomia para executar o orçamento local; ele deve ter uma clara relação de subordinação com o prefeito. Isso pode ser garantido dando ao prefeito não só o poder de nomear o subprefeito (em vez de se usar, por exemplo, eleições diretas para subprefeito, como ocorre nas experiências acima relatadas) bem como de demiti-lo a qualquer momento.

A eleição direta para subprefeito poderia levar a uma significativa fragmentação do poder político da cidade, gerando animosidade e conflito político entre prefeito e subprefeitos. Por isso parece ser mais adequado para São Paulo situar-se em um meio termo entre o modelo utilizado em Paris (onde os responsáveis pelas subprefeituras - arrondissenents - não são eleitos

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diretamente, não têm poderes executivos e atuam apenas como orgão consultivo da prefeitura) e o modelo de México e Tóquio de quase independência política dos subprefeitos.

É fundamental estabelecer um adequado sistema de checks and balances na nova estrutura administrativa, bem como garantir uma adequada fiscalização dos atos dos subprefeitos. Aí entram os “conselhos de representantes”, também previstos na Lei Orgânica. Esses conselhos devem, obviamente, ser formados por moradores da região da subprefeitura, sendo escolhidos por algum sistema direto de votação. Eles devem exercer tanto a função de fiscalizadores das ações do subprefeito, quanto participar da definição de prioridades locais. Isso diminuiria o espaço, hoje existente, para a captura da administração local por interesses privados.

Seria muito importante que esse conselho de representantes tivesse poder de veto sobre o nome escolhido, pelo prefeito, para a subprefeitura. Isso evitaria que o prefeito loteasse as subprefeituras em busca de apoio político, entregando o cargo a um indivíduo sem tradição ou afinidade com a área que deve gerir ou que não seja bem quisto pela comunidade. Além disso, o conselho de representantes deveria, também, ter a prerrogativa de solicitar ao prefeito a substituição do subprefeito, cabendo ao prefeito a decisão de aceitar ou não a solicitação.

Os conselhos também poderiam exercer duas funções importantes: serem os órgãos locais de definição do orçamento participativo e os braços do mecanismo de prevenção à corrupção sistêmica. Neste segundo ponto, a entidade de combate à corrupção, proposta em capítulo anterior, poderia fazer workshops com os conselheiros eleitos em cada subprefeitura, para treiná-los na identificação de atos corruptos.

Igualmente relevante seria evitar que os conselhos de representantes mimetizassem o comportamento da Câmara Municipal, com seus membros buscando o benefício individual e usando o seu poder de veto como instrumento de barganha. Assim, a atividade de conselheiro não poderia ser remunerada, bem como dever-se-ia abrir espaço, nos conselhos, para as associações de bairro e as organizações de moradores já constituídas. Também não se poderia dar aos conselhos poder de veto às decisões dos subprefeitos. Eles poderiam fiscalizar a ação do subprefeito, poderiam fazer reclamações ao prefeito quanto ao comportamento do subprefeito; mas não deveriam constituir uma espécie de legislativo local, com prerrogativa de aprovar ou rejeitar as iniciativas do subprefeito.

Com essa nova estrutura ficaria mais difícil, embora não impossível, ocorrer o atual processo de barganha entre prefeito e vereadores para a indicação de administradores regionais/ subprefeitos. Em primeiro lugar, porque aumentaria a transparência na aplicação de recursos e gestão local, reduzindo-se o espaço para corrupção. Em segundo lugar, porque os conselhos poderiam vetar nomes de indivíduos não associados aos interesses locais. Em terceiro lugar, porque aumentaria a participação comunitária, através do orçamento participativo e das consultas locais feitas pelo conselho de representantes, o que diminuiria o espaço para decisões arbitrárias, guiadas pelo interesse individual.

Resta, porém, o risco de políticos dominarem os conselhos de representantes, como já fizeram no passado com as associações de moradores e outras entidades civis. Também não é baixo o risco de os conselhos de representantes virem a se tornar fonte de

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privilégios, instituindo-se remunerações aos conselheiros, cargos de assessoria, verbas de gabinete, etc. É, porém, um risco que se deve correr, na tentativa de reformular a organização administrativa da cidade. Esse risco ressalta, inclusive, a já enfatizada necessidade de se colocar na espinha dorsal da nova administração uma entidade de prevenção e combate à corrupção sistêmica. Essa postura ajudaria a dar à nova conformação administrativa um perfil virtuoso, reduzindo os riscos de distorções de finalidades.

As linhas gerais de organização de subprefeituras e conselho de rerpresentantes propostas acima estão de acordo com os projetos de lei formulado por um grupo de especialistas em gestão pública, reunidos pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, e que parece estar caminhando para se tornar a proposta oficial da atual administração. Há, portanto, muito espaço para melhoria da governabilidade municipal quando se fala em termos de reorganização administrativa.

As subprefeituras poderiam vir a ser o embrião de novos municípios autônomos. É possível que ao longo dos anos algumas regiões da cidade venham a ganhar autonomia e escala suficiente para se emanciparem. Ou, alternativamente, se a hipótese anteriormente aventada de transformar a região metropolitana em um estado fosse implementada, algumas das subprefeituras também poderiam, com o tempo, ganhar status de municípios (passariam a eleger diretamente o próprio prefeito e ganhariam maior autonomia gerencial).

A Necessária Unificação do Recorte Territorial do Município

A centralização da administração municipal em mãos do prefeito produziu, na cidade de São Paulo, diferentes critérios de subdivisão da cidade. Como cada política setorial (saúde, educação, habitação, etc.) estava nas mãos de uma dada secretaria, que se responsabilizava por tal política em todo o município; cada uma dessas secretarias definiu, com critérios próprios, a subdivisão do território municipal. Se somarmos a isso o fato de que órgãos estaduais atuando no município agiram da mesma maneira, temos que o resultado é um grande número de subdivisões territoriais não coincidentes.

Por exemplo, a divisão dos distritos de saúde não coincidem com a divisão de administrações regionais ou em distritos administrativos que, por sua vez, não coincidem com os distritos policiais (estaduais) de segurança pública.

Essa multiplicidade de critérios cria dificuldades para coordenação de políticas das diferentes secretarias, bem como dificulta a formação de diagnósticos sobre os problemas da cidade. Não se consegue, por exemplo, obter o índice de furtos por habitantes em um distrito de segurança pública, porque os dados populacionais têm como referência os distritos administrativos, enquanto os dados de ocorrências policiais estão agrupados por distrito.

A implantação das subprefeituras exigirá o redesenho e unificação de todas essas subdivisões territoriais. Isto porque o subprefeito será o responsável legal pelas políticas municipais em sua área. Para que as subprefeituras funcionem, de fato, como uma espécie de pequeno município dentro da cidade não poderá haver, por exemplo, um distrito de saúde cuja área alcance duas subprefeituras, a menos que sejam previstos mecanismos de colaboração entre essas duas subprefeituras.

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Tal unificação será positiva, também, para evitar que a burocracia utilize a máquina pública de acordo com sua comodidade. É comum, em governos centralizados, que os burocratas se instalem nas áreas mais confortáveis da cidade, dando pouca atenção às regiões carentes e periféricas. Assim, os órgãos administrativos da prefeitura tendem a ser instalados em áreas nobres da cidade, bem servidas por infra-estrutura pública. Com a descentralização e a reorganização do recorte territorial, necessariamente cada subprefeitura (ou conjunto de subprefeituras) teria o seu responsável local pelas ações de saúde, educação, habitação, etc. Tal indivíduo precisaria trabalhar dentro da circunscrição territorial da subprefeitura e, de preferência, lá residir. Isto acentuaria o caráter comunitário das políticas públicas e aumentaria o conhecimento das necessidades locais pela administração pública, estimulando maior participação e eficiência.

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CONCLUSÃO

Este trabalho analisou as condições de governabilidade do Município de São Paulo a partir de 2.001, quando uma nova administração foi empossada. A Prefeitura de São Paulo vive uma crise de credibilidade sem precedentes. Ainda que no Brasil sejam corriqueiros os casos de corrupção entre mandatários políticos, a quantidade, a amplitude e os volumes financeiros envolvidos nas irregularidades administrativas municipais chocam a população. Da concessão de alvarás às obras públicas, do serviço funerário à coleta de lixo; toda a administração municipal parece maculada pela cobrança de propinas.

Sem desprezar o efeito deletério da corrupção sobre a governabilidade municipal, foram analisados diversos fatores institucionais, políticos, econômicos e demográficos que dificultam ou facilitam a tarefa de governar São Paulo.

Mostrou-se que há diversos indicadores favoráveis a uma melhor governabilidade da cidade n os próximos anos: baixo crescimento da população total e da parcela de migrantes de baixa renda vivendo na cidade, elevação do nível educacional, manutenção da atratividade a investimentos, atenuação da poluição do ar, retorno do crescimento econômico com impacto positivo sobre renda, emprego, arrecadação fiscal e menor pressão por gastos de assistência social.

Há, contudo, problemas estruturais nas áreas financeira, política e administrativa que precisam ser solucionados. No campo fiscal, a cidade de São Paulo está em uma armadilha fiscal, pois gasta quase metade de seu orçamento com despesas tipicamente voltada para atendimento às populações mais pobres (saúde, educação, habitação e transportes públicos), financiadas por receita própria. A solução para este problema passa pela ampliação do financiamento federal às ações sociais da Prefeitura e pela reformulação das atribuições constitucionais dos municípios.

A distribuição federal de recursos tem um viés antiurbano e antimetropolitano que beneficia as pequenas cidades interioranas e não prevêem verbas específicas para investimentos metropolitanos. Os grandes municípios são prejudicados, também, pela guerra fiscal promovida por pequenos municípios vizinhos. A reação da cidade de São Paulo nos últimos anos foi levantar os recursos necessários através de endividamento, usando o seu poder político para repassar a dívida para o governo federal. A reformulação das transferências federais e uma política tributária metropolitana precisariam ser postas em prática para dar conta desses problemas.

Apesar desses problemas, há fatores positivos no fluxo de caixa da prefeitura. Apesar de muito criticado pela atual gestão, a renegociação da dívida da prefeitura com a União estancou o crescimento acelerado da dívida municipal e limitou as prestações mensais a 13% da receita líquida. Haverá um aumento de desembolso a título de juros e amortizações da ordem de R$ 660 milhões ano. Mas esse valor pode ser compensado pelo retorno do sistema de saúde da cidade ao modelo SUS, que garantiria transferências federais de aproximadamente R$ 300 milhões, pelo corte de gastos excessivos de órgãos como Câmara de Vereadores e Tribunal de Contas, e pela possibilidade de voltar a tomar empréstimos junto a organismos internacionais e BNDES.

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Outro problema estrutural a ser resolvido diz respeito ao sistema político-eleitoral fragmentado vigente no Brasil que gera, no plano municipal, fragilidade do prefeito em relação ao poder de veto e barganha dos vereadores. Há uma tendência à instalação de coalizões fisiológicas de governo, com loteamento de cargos. A reforma política em discussão no Congresso Nacional se, aprovada, poderia mitigar esse problema. No plano municipal essa questão poderia ser enfrentada através do orçamento participativo e do enquadramento das demandas paroquiais de vereadores em programas prioritários da prefeitura.

Há, ainda, que se enfrentar o problema da corrupção endêmica. Simplesmente trocar os dirigentes e o partido político comandante do poder municipal não é suficiente para dar conta da corrupção sistêmica que assola a cidade. É preciso reformar a administração: maior poder de fiscalização e decisão para a população, simplificar leis e procedimentos, reorganizar os fluxos de informação sobre a qualidade e eficiência da administração, dar prevalência ao mérito nos salários e definição de cargos, condicionar salários e manutenção de cargo à performance. Programas anticorrupção estão sendo postos em prática em diversas cidades do mundo: Seul, La Paz, Hong Kong seriam alguns exemplos a serem estudados pela nova administração.

Ainda sobre a questão da corrupção, é preciso tomar uma decisão quanto ao Tribunal de Contas do Município (TCM). Órgão público capturado pelos interesses de alguns dirigentes políticos, o TCM surge como um grande sorvedouro de verbas públicas e pouco capaz de impor austeridade no trato da coisa pública. Os dois tipos de solução postos à mesa são a extinção do tribunal ou a mudança nos critérios de nomeação de seus dirigentes, com intuito de evitar nomeações políticas.

Analisam-se, por fim, dois problemas fundamentais na gestão de megacidades: a necessidade de descentralizar a prestação de serviços de impacto local e de coordenar e centralizar a prestação de serviços e investimentos de impacto metropolitano. São frágeis e ineficazes tanto os mecanismos de descentralização quanto de metropolização das políticas públicas em São Paulo. Diferentes modelos dessas políticas, aplicados por cidades como Tóquio, Cidade do México, Los Angeles e Nova York são analisados, gerando propostas para a reformulação da organização administrativa da cidade. Hierarquizar as cidades por tamanho e importância, criar organismos metropolitanos de governo com verbas e poder de decisão suficientes, dar às megacidades o status de estado, criar ógãos metropolitanos por área de serviço (habitação, transporte, meio ambiente) seriam algumas das soluções possíveis.

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