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Princípios de Quimioterapia de Combinação 39 Ryan L. Albritton, Donald M. Coen e David E. Golan Introdução Caso Terapia de Combinação Antimicrobiana Concentração Inibitória Mínima e Concentração Bactericida Mínima Tipos de Interações Medicamentosas—Sinergismo, Aditividade e Antagonismo Exemplos de Terapia de Combinação Antimicrobiana Tuberculose Combinações Sinérgicas Co-Administração de Penicilinas com Inibidores da -Lactamase Infecções Polimicrobianas e Potencialmente Fatais Combinações Farmacológicas Desfavoráveis Terapia de Combinação Antiviral: HIV Quimioterapia de Combinação Antineoplásica Considerações Gerais Fundamentos Básicos da Quimioterapia de Combinação Exemplos de Quimioterapia de Combinação Antineoplásica Doença de Hodgkin Câncer Testicular Tratamento da Doença Refratária ou Recorrente Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas INTRODUÇÃO Uma vez identificado o agente infeccioso ou o tipo de célula responsável por uma doença infecciosa ou neoplásica, o médico pode optar por uma monoterapia potente e dirigida especifica- mente contra o agente ou o tipo de célula em questão. Contanto que o patógeno ou o tumor sejam suscetíveis, que o desenvolvi- mento de resistência seja raro e que o índice terapêutico seja alto, essas monoterapias, em comparação com combinações de múltiplos fármacos, podem minimizar os efeitos adversos indesejáveis. Entretanto, quando os patógenos ou os tumores mostram-se resistentes a determinado agente quimioterápico ou desenvolvem rapidamente resistência a outros agentes, quando se constata a presença simultânea de múltiplos pató- genos com diferentes sensibilidades a fármacos, ou quando a dose do agente terapêutico é limitada pela sua toxicidade, os esquemas de monoterapia freqüentemente fracassam. Nessas circunstâncias, a quimioterapia de combinação pode oferecer vantagens decisivas em relação à monoterapia. Os fármacos em um esquema de múltiplos agentes podem interagir de modo sinérgico, aumentando a eficiência antimicrobiana ou antineo- plásica da combinação, e podem diminuir a probabilidade de desenvolvimento de resistência. As combinações são freqüente- mente utilizadas quando é necessário iniciar o tratamento antes da identificação definitiva do patógeno, e podem-se utilizar combinações sinérgicas para reduzir a toxicidade quando cada fármaco da combinação apresenta baixo índice terapêutico. Embora a quimioterapia de combinação abra novas portas para a eliminação eficaz de um patógeno ou de um tumor do corpo, ela também introduz um nível adicional de complexidade, com potencial de múltiplos efeitos adversos e interações medica- mentosas. Qualquer esquema de combinação de fármacos deve ter por objetivo possibilitar a remoção eficiente do patógeno ou do tumor agressor, sem produzir toxicidade inaceitável no hospedeiro. n n Caso O Sr. M, de 27 anos de idade, habitante da zona rural do Haiti, procura uma clínica devido a uma tosse crônica. O paciente não tinha condições financeiras de procurar um tratamento numa clínica particular, de modo que foi à drogaria e pediu ao farmacêutico algum remédio apropriado. O farmacêutico pensou que o Sr. M pudesse ter tuberculose e vendeu-lhe um suprimento de isoniazida e rifampicina para 2 semanas. O Sr. M tomou os medicamentos por 2 dias, mas eles lhe causaram náusea, de modo que decidiu tomar apenas a isoniazida durante 2 semanas. Os sintomas desa- pareceram. Três meses depois, o Sr. M voltou a ter tosse. Desta vez, per- cebeu a presença de sangue no escarro e também apresentou sudorese noturna. Tomou o que restava do suprimento de 2 sema- nas de rifampicina e sentiu um breve alívio dos sintomas. Todavia, dentro de poucos dias, a tosse, o escarro sanguinolento e os suores noturnos voltaram. Como não tinha dinheiro suficiente para com- prar os remédios, dirigiu-se ao hospital público mais próximo em busca de atendimento e medicamentos gratuitos. O médico da instituição colheu três amostras de escarro, e todas foram positi- vas para bacilos ácido-resistentes. O médico também enviou uma amostra de escarro ao laboratório para cultura; entretanto, como o agente etiológico da tuberculose, Mycobacterium tuberculosis, é de

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Princípios de Quimioterapia de Combinação

39

Ryan L. Albritton, Donald M. Coen e David E. Golan

IntroduçãoCasoTerapia de Combinação Antimicrobiana

Concentração Inibitória Mínima e Concentração Bactericida Mínima

Tipos de Interações Medicamentosas—Sinergismo, Aditividade e Antagonismo

Exemplos de Terapia de Combinação AntimicrobianaTuberculoseCombinações SinérgicasCo-Administração de Penicilinas com Inibidores da �-LactamaseInfecções Polimicrobianas e Potencialmente Fatais

Combinações Farmacológicas DesfavoráveisTerapia de Combinação Antiviral: HIVQuimioterapia de Combinação Antineoplásica

Considerações GeraisFundamentos Básicos da Quimioterapia de CombinaçãoExemplos de Quimioterapia de Combinação Antineoplásica

Doença de HodgkinCâncer Testicular

Tratamento da Doença Refratária ou RecorrenteConclusão e Perspectivas FuturasLeituras Sugeridas

INTRODUÇÃO

Uma vez identificado o agente infeccioso ou o tipo de célula responsável por uma doença infecciosa ou neoplásica, o médico pode optar por uma monoterapia potente e dirigida especifica-mente contra o agente ou o tipo de célula em questão. Contanto que o patógeno ou o tumor sejam suscetíveis, que o desenvolvi-mento de resistência seja raro e que o índice terapêutico seja alto, essas monoterapias, em comparação com combinações de múltiplos fármacos, podem minimizar os efeitos adversos indesejáveis. Entretanto, quando os patógenos ou os tumores mostram-se resistentes a determinado agente quimioterápico ou desenvolvem rapidamente resistência a outros agentes, quando se constata a presença simultânea de múltiplos pató-genos com diferentes sensibilidades a fármacos, ou quando a dose do agente terapêutico é limitada pela sua toxicidade, os esquemas de monoterapia freqüentemente fracassam. Nessas circunstâncias, a quimioterapia de combinação pode oferecer vantagens decisivas em relação à monoterapia. Os fármacos em um esquema de múltiplos agentes podem interagir de modo sinérgico, aumentando a eficiência antimicrobiana ou antineo-plásica da combinação, e podem diminuir a probabilidade de desenvolvimento de resistência. As combinações são freqüente-mente utilizadas quando é necessário iniciar o tratamento antes da identificação definitiva do patógeno, e podem-se utilizar combinações sinérgicas para reduzir a toxicidade quando cada fármaco da combinação apresenta baixo índice terapêutico. Embora a quimioterapia de combinação abra novas portas para a eliminação eficaz de um patógeno ou de um tumor do corpo, ela também introduz um nível adicional de complexidade, com

potencial de múltiplos efeitos adversos e interações medica-mentosas. Qualquer esquema de combinação de fármacos deve ter por objetivo possibilitar a remoção eficiente do patógeno ou do tumor agressor, sem produzir toxicidade inaceitável no hospedeiro.

nn Caso

O Sr. M, de 27 anos de idade, habitante da zona rural do Haiti, procura uma clínica devido a uma tosse crônica. O paciente não tinha condições financeiras de procurar um tratamento numa clínica particular, de modo que foi à drogaria e pediu ao farmacêutico algum remédio apropriado. O farmacêutico pensou que o Sr. M pudesse ter tuberculose e vendeu-lhe um suprimento de isoniazida e rifampicina para 2 semanas. O Sr. M tomou os medicamentos por 2 dias, mas eles lhe causaram náusea, de modo que decidiu tomar apenas a isoniazida durante 2 semanas. Os sintomas desa-pareceram.

Três meses depois, o Sr. M voltou a ter tosse. Desta vez, per-cebeu a presença de sangue no escarro e também apresentou sudorese noturna. Tomou o que restava do suprimento de 2 sema-nas de rifampicina e sentiu um breve alívio dos sintomas. Todavia, dentro de poucos dias, a tosse, o escarro sanguinolento e os suores noturnos voltaram. Como não tinha dinheiro suficiente para com-prar os remédios, dirigiu-se ao hospital público mais próximo em busca de atendimento e medicamentos gratuitos. O médico da instituição colheu três amostras de escarro, e todas foram positi-vas para bacilos ácido-resistentes. O médico também enviou uma amostra de escarro ao laboratório para cultura; entretanto, como o agente etiológico da tuberculose, Mycobacterium tuberculosis, é de

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crescimento lento, ele também prescreveu ao Sr. M um esquema farmacológico que consistiu em isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol durante 2 meses, seguido de isoniazida e rifampicina, por 4 meses.

Todavia, depois de várias semanas, a cultura revela que a tuber-culose do Sr. M não é sensível à isoniazida nem à rifampicina. Ele agora está procurando uma nova recomendação para tratamento.

QUESTÕESn 1. Por que os esforços iniciais de tratamento do Sr. M não foram

bem-sucedidos? Qual a estratégia de tratamento que poderia ter sido empregada para evitar o fracasso do tratamento do Sr. M?

n 2. Por que o médico do hospital público prescreveu quatro fármacos diferentes ao Sr. M?

n 3. Como a resistência é transferida de uma geração de bacilos da tuberculose para outra? Como esse mecanismo de trans-ferência de resistência pode ser comparado com o mecanis-mo pelo qual a resistência à penicilina é transferida de uma geração de bactérias à outra?

n 4. O Sr. M apresenta tuberculose resistente a múltiplos fár-macos (TB-RMF)? O paciente deve manter o esquema de quatro fármacos que inclui a isoniazida e a rifampicina? Se a resposta for negativa, como esse tratamento deve ser modi-ficado?

TERAPIA DE COMBINAÇÃO ANTIMICROBIANA

As infecções microbianas costumam ser tratadas com asso-ciações de fármacos por diversas razões, incluindo a ameaça de desenvolvimento de resistência ao fármaco, a necessidade de tratar pacientes imunocomprometidos e a natureza polimi-crobiana de numerosas infecções. Como os micróbios estão geneticamente distantes dos seres humanos, as combinações de agentes antimicrobianos também podem oferecer a vanta-gem de utilizar como alvos diversas moléculas diferentes que são específicas dos micróbios, sem aumento concomitante dos efeitos adversos. Esse princípio básico pode ser notavelmente comparado com o uso de muitos agentes antineoplásicos (ver adiante), cujos efeitos adversos freqüentemente limitam a dose de um agente. A discussão que se segue fornece uma base con-ceitual para os diferentes tipos de interações de agentes antimi-crobianos e, a seguir, fornece exemplos específicos de terapia de combinação antimicrobiana.

CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA E CONCENTRAÇÃO BACTERICIDA MÍNIMAOs agentes antimicrobianos com atividade contra determinado microrganismo patogênico (bactéria, protozoário ou fungo) podem ser caracterizados pela concentração inibitória míni-ma (CIM) e concentração bactericida mínima (CBM) para o par fármaco–patógeno. A CIM é definida como a menor concen-tração de fármaco capaz de inibir o crescimento do microrga-nismo depois de 18 a 24 horas de incubação in vitro. A CBM é definida como a menor concentração do fármaco em que 99,9% de uma cultura de bactérias ou de algum outro microrganismo são destruídos depois de 18 a 24 horas de incubação in vitro. Em geral, a CBM é maior do que a CIM. As comparações entre as CIM ou as CBM e as concentrações clinicamente obtidas

de agentes antimicrobianos permitem agrupar esses fármacos em duas grandes categorias: –cida e –stático (Quadro 39.1; ver Cap. 31). Um agente antimicrobiano é –stático (por exem-plo, bacteriostático, fungistático) quando a sua CIM encontra-se dentro da faixa terapêutica do fármaco, mas não a CBM, enquanto o agente é –cida (por exemplo, bactericida, fungicida) quando a sua CBM encontra-se dentro da faixa terapêutica do fármaco. É importante assinalar que a CIM e CBM referem-se a um par fármaco–micróbio específico dentro de um conjunto específico de condições. Muitos fármacos com atividade contra determinado microrganismo são –státicos em um meio de cultura, porém –cidas em outro meio de cultura, ou –cidas em concentrações suficientemente altas in vitro. Além disso, para determinado fármaco, a CIM e CBM podem diferir de um micróbio para outro. Com efeito, um fármaco pode ser –stático contra um microrganismo e –cida contra outro. Como definição operacional, podemos dizer que, em concentrações terapêuti-cas, os fármacos –cidas matam o microrganismo, enquanto os fármacos –státicos apenas interrompem o crescimento micro-biano. Com essa definição, a concentração terapêutica refere-se a níveis plasmáticos do fármaco suficientes para exercer a sua atividade farmacológica (que, neste caso, consiste em matar o microrganismo ou em interromper o seu crescimento), sem toxicidade inaceitável para o paciente. Por exemplo, os inibidores da síntese da parede celular bacteriana são, em sua maioria, bactericidas, enquanto os inibidores da síntese de pro-teínas bacterianas são, em sua maioria, bacteriostáticos (ver Cap. 32 e Cap. 33).

Conforme assinalado no Cap. 31, uma importante distinção entre os fármacos –státicos e –cidas reside nas suas aplicações clínicas. Em geral, o uso bem-sucedido de fármacos –státicos no tratamento de infecções requer a integridade do sistema imu-ne do hospedeiro. Essa exigência se deve ao fato de os fárma-cos –státicos não matarem os microrganismos existentes, mas apenas impedirem a sua multiplicação. Por conseguinte, esses fármacos dependem dos mecanismos imunes e inflamatórios do hospedeiro para proceder à eliminação dos microrganismos do corpo. Esses fármacos são mais eficazes quando iniciados precocemente no curso de uma infecção, no momento em que a carga infecciosa é mais baixa. Em conseqüência, é possível haver o reaparecimento de uma infecção se o fármaco –stático for removido antes da eliminação completa da infecção pelo sistema imune. Nessas circunstâncias, o microrganismo pode voltar a crescer após a remoção do fármaco (Fig. 39.1).

De acordo com o seu mecanismo de destruição celular, os agentes bactericidas podem ser ainda caracterizados como

QUADRO 39.1 Exemplos de Antibióticos Bactericidas e Bacteriostáticos

ANTIBIÓTICOS BACTERICIDAS

DEPENDENTES DA CONCENTRAÇÃO

DEPENDENTES DO TEMPO

ANTIBIÓTICOS BACTERIOSTÁTICOS

Aminoglicosídios BacitracinaQuinolonas

�-lactâmicosIsoniazidaMetronidazolPolimixinas PirazinamidaRifampicinaVancomicina

CloranfenicolClindamicinaEtambutolMacrolídios NovobiocinaSulfonamidasTetraciclinasTrimetoprim

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dependentes do tempo ou dependentes da concentração (Fig. 39.2). Os agentes bactericidas dependentes do tempo exibem uma taxa constante de destruição que não depende da concen-tração do fármaco, contanto que esta concentração seja superior à concentração bactericida mínima (CBM). Por conseguinte, a consideração adicional para o uso clínico desses agentes não consiste na concentração absoluta do fármaco obtida, mas no tempo durante o qual a concentração do fármaco permanece dentro da faixa terapêutica (que é definida como [fármaco] > CBM). Em contrapartida, os agentes bactericidas dependentes da concentração apresentam uma taxa de matança que aumenta com a sua concentração para [fármaco] > CBM. Para esses agentes, uma dose única muito grande pode ter efeito terapêuti-co profundo, podendo ser suficiente para eliminar a infecção.

TIPOS DE INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS — SINERGISMO, ADITIVIDADE E ANTAGONISMOAté esse momento, foram consideradas as propriedades gerais dos fármacos utilizados como agentes isolados no tratamento de uma infecção microbiana. Quando esses fármacos são uti-lizados em associação com outros agentes, seus efeitos podem ser modificados (aumentados ou diminuídos). Com efeito, os fármacos que exibem pouca ou nenhuma atividade contra deter-minado microrganismo, quando utilizados como única medica-ção, podem apresentar uma alta atividade quando administrados em combinação com outro agente. Um exemplo desse conceito envolve o tratamento da infecção por Enterococcus faecalis, um microrganismo Gram-positivo que exibe pouca sensibilidade aos aminoglicosídios. Convém lembrar que, de acordo com o modelo de Davis, os aminoglicosídios matam as bactérias ao induzir uma leitura incorreta do código genético e a tradução de proteínas defeituosas, causando maior lesão celular (ver Cap. 32). No caso do E. faecalis, os aminoglicosídios são incapazes

de penetrar através da parede celular espessa do microrganis-mo para atingir o seu alvo, a subunidade ribossomal 30S. Entretanto, quando utilizados em combinação com um inibidor da síntese da parede celular, como vancomicina ou antibiótico �-lactâmico, os aminoglicosídios são capazes de alcançar os ribossomos bacterianos e matar efetivamente as bactérias (ver Cap. 33). O efeito potencializador do inibidor da síntese da parede celular sobre a atividade do aminoglicosídio fornece um exemplo do importante conceito farmacológico de siner-gismo.

A partir desse exemplo, poderíamos indagar se a combinação de dois fármacos com atividade individual contra determinado micróbio sempre irá resultar em uma combinação farmacoló-gica mais potente. Surpreendentemente, para muitas combina-ções, verifica-se que isso não acontece. Com efeito, quando dois fármacos com atividade contra o mesmo patógeno são combinados, eles podem interagir para aumentar a eficácia da combinação (sinergismo) ou diminuí-la (antagonismo). Alter-nativamente, os fármacos podem não interagir, e o efeito da combinação consiste simplesmente na soma dos efeitos de cada fármaco utilizado individualmente (aditividade). A interação entre dois agentes antimicrobianos é freqüentemente quantifi-cada ao selecionar um parâmetro final de avaliação particular (por exemplo, inibição do crescimento bacteriano) e, a seguir, ao medir o efeito de várias combinações dos dois fármacos para atingir esse parâmetro. Quando os dados obtidos são repre-sentados graficamente, podem-se obter informações adicionais (Fig. 39.3). As intercepções x e y correspondem às CIM dos dois fármacos, e a concavidade da curva indica a natureza da interação entre os dois fármacos—a concavidade voltada para cima é sinérgica, e a concavidade voltada para baixo é anta-gonista, enquanto a linear é aditiva. A discussão que se segue fornece o fundamento matemático dessas relações.

Suponhamos que os fármacos A e B inibem uma enzima específica necessária para o crescimento e a divisão das bac-térias. Neste caso, a relação [A]/CIMA representa a fração de inibição de crescimento bacteriano que pode ser atribuída à

Agente bacteriostático

Adição do fármaco

Remoção do fármaco

Agente bactericidaN

úmer

o de

bac

téria

s vi

vas

Tempo

Fig. 39.1 Comparação dos efeitos dos agentes bacteriostáticos e bactericidas sobre a cinética de crescimento das bactérias. Na ausência de fármaco, as bactérias crescem de acordo com uma cinética exponencial (de primeira ordem). Um fármaco bactericida mata o microrganismo-alvo, conforme demonstrado pela diminuição do número de bactérias vivas dependente do tempo. Um agente bacteriostático impede o crescimento microbiano sem matar as bactérias. A remoção de um agente bacteriostático é seguida de aumento exponencial no número de bactérias, visto que as bactérias previamente inibidas voltam a crescer. Os agentes bacteriostáticos erradicam as infecções ao limitar o crescimento do microrganismo infectado por um período de tempo suficiente para permitir ao sistema imune do hospedeiro matar as bactérias.

Fármaco dependente da concentração

Fármaco dependente do tempo

Taxa

de

mat

ança

mic

robi

ana

Concentração do fármaco

CBM

Fig. 39.2 Relação entre a taxa de destruição microbiana e a concentração do fármaco para agentes bactericidas dependentes do tempo e dependentes da concentração. Os agentes bactericidas dependentes do tempo exibem uma taxa constante de matança microbiana em concentrações superiores à concentração bactericida mínima (CBM) (linha sólida). Em contrapartida, os agentes bactericidas dependentes da concentração produzem matança aumentada com concentrações crescentes do fármaco (linha pontilhada). Observe que a eficácia dos agentes bactericidas dependentes da concentração acaba atingindo um platô, visto que a concentração efetiva do fármaco torna-se limitada pela velocidade de difusão do fármaco para o alvo molecular.

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presença do fármaco A. Essa fração é conhecida como concen-tração inibitória fracionária de A (CIFA). De modo semelhante, CIFB = [B]/CIMB refere-se à fração de inibição do crescimen-to que pode ser atribuída ao fármaco B. Suponhamos agora que a concentração de A seja diminuída apenas numa pequena quantidade, –d[A]. Para compensar essa perda de inibição do crescimento (dCIFA = –d[A]/CIMA), é necessário aumentar a concentração de B em uma quantidade +d[B].

Para fármacos aditivos, a relação –d[A]/d[B] (que é igual à inclinação da curva na Fig. 39.3) é uma constante, visto que uma unidade de A possui exatamente a mesma atividade das unidades (CIMA/CIMB) de B. Por exemplo, A e B podem ligar-se a sítios independentes da enzima (isto é, cada fármaco não tem nenhum efeito sobre a ligação do outro fármaco).

Em contrapartida, se A e B forem sinérgicos, a quantidade de B (d[B]) necessária para compensar uma diminuição de A (–d[A]) depende da quantidade já presente de A. Devido ao efeito potencializador do fármaco A sobre o fármaco B, a d[B] é menor para uma maior concentração de [A] (isto é, d2[A]/d[B]2 > 0, que corresponde à curva côncava voltada para cima na Fig. 39.3). Dentro de uma perspectiva molecular, essa relação pode corresponder a uma situação em que a ligação de A à enzima induz uma mudança de conformação no sítio de ligação de B, que aumenta a ligação de B.

Por dedução, A e B são antagonistas quando a quantidade de B necessária para compensar uma pequena redução na concen-tração de A for maior para uma concentração mais alta de [A] (isto é, d2[A]/d[B]2 < 0, que corresponde à curva côncava vol-tada para baixo na Fig. 39.3). Por exemplo, a ligação de A pode resultar em menor atividade para a ligação de B à enzima.

Observe que, em virtude de seu caráter intuitivo e simpli-cidade, o modelo matemático descrito acima é freqüentemente utilizado para definir o sinergismo, a aditividade e o antagonis-mo. Entretanto, não constitui a formulação mais geral da análise quantitativa dos efeitos de múltiplos fármacos, que está além do propósito desse texto. O leitor interessado pode consultar o trabalho de Chou e Talalay (1984) para uma cobertura mais detalhada desse assunto.

Várias generalizações podem ser formuladas acerca da natu-reza das interações medicamentosas entre diferentes classes de agentes antimicrobianos. Em primeiro lugar, muitos agentes bacteriostáticos (por exemplo, tetraciclina, eritromicina, clo-ranfenicol) antagonizam a ação dos agentes bactericidas (por exemplo, vancomicina, penicilina), visto que inibem o cresci-mento celular e/ou impedem os processos celulares necessários para a ação dos fármacos bactericidas (descritos adiante de modo mais pormenorizado). Em segundo lugar, dois agentes bactericidas atuam habitualmente de modo sinérgico quando utilizados em combinação. Uma notável exceção a esta última generalização é a rifampicina, um inibidor bactericida da RNA polimerase que antagoniza outros agentes bactericidas ao inibir o crescimento celular. Por fim, as interações entre dois agentes bacteriostáticos são freqüentemente aditivas, porém não podem ser previstas em todos os casos.

EXEMPLOS DE TERAPIA DE COMBINAÇÃO ANTIMICROBIANA Existem várias razões imperiosas para o uso de combinações de fármacos no tratamento de infecções bacterianas, incluindo (1) prevenir o desenvolvimento de resistência; (2) aumentar a ativi-dade (eficácia) da terapia farmacológica contra uma infecção específica (sinergismo); (3) reduzir a toxicidade para o hospe-deiro; (4) tratar múltiplas infecções simultâneas (algumas vezes, denominadas infecções polimicrobianas); e (5) tratar empirica-mente uma infecção passível de ameaçar a vida do paciente antes da identificação do microrganismo responsável.

Tuberculose O tratamento da tuberculose ilustra uma das principais razões pelas quais se utilizam combinações de fármacos: suprimir o desenvolvimento de resistência. No curso dessa doença, os bacilos da tuberculose (também denominados micobactérias) são inalados e fagocitados pelos macrófagos alveolares, onde os bacilos multiplicam-se no interior de vacúolos intracelula-res. Uma resposta linfocítica predominantemente mediada por células T é então desencadeada, e os macrófagos e as células T auxiliares formam grandes granulomas que circundam os locais infectados. Em geral, os macrófagos ativados são capazes de manter a infecção sob controle ao matar os bacilos em multipli-cação, porém infelizmente são incapazes de erradicar a infecção por completo. A lesão tecidual é causada pela liberação de pro-teases neutras e intermediários de oxigênio reativo dos macró-fagos ativados, resultando finalmente em necrose central nas cavidades tuberculosas dos pulmões. No interior de cada uma dessas cavidades, até 108 a 109 bacilos vivos podem ser contidos por macrófagos e células T auxiliares.

Tipicamente, a cura bem-sucedida das infecções da tuber-culose exige o uso de combinações de fármacos com ativi-dade antimicobacteriana. Os fármacos comumente utilizados incluem a isoniazida, a rifampicina, a pirazinamida e o etam-butol (ver Cap. 33). Conforme ilustrado no caso do Sr. M,

CIM

do

fárm

aco

A

CIM do fármaco B

0

A0

B00

Sinérgica

Antagonista

Aditiva

Fig. 39.3 Quantificação das interações aditivas, sinérgicas e antagonistas entre fármacos. As combinações de fármacos podem exibir efeitos aditivos, sinérgicos ou antagonistas. A natureza dessa interação pode ser representada graficamente ao observar o efeito que cada fármaco exerce sobre a concentração inibitória mínima (CIM) do outro fármaco. Se dois fármacos tiverem uma interação aditiva, a adição de quantidades crescentes do Fármaco B ao Fármaco A irá resultar em uma diminuição linear na CIM do Fármaco A; neste caso, cada um dos dois fármacos pode ser considerado como intercambiável. Se dois fármacos tiverem uma interação sinérgica, a adição do Fármaco B ao Fármaco A irá resultar em uma CIM significativamente menor para o Fármaco A (isto é, ocorre aumento na potência do Fármaco A). Se dois fármacos tiverem uma interação antagonista, a adição do Fármaco B ao Fármaco A não irá diminuir significativamente a CIM do Fármaco A; em alguns casos (não ilustrados), é necessário administrar doses muito mais altas de cada fármaco para obter o mesmo efeito observado quando cada fármaco é utilizado como única medicação. A0 e B0 são as CIM dos Fármacos A e B, respectivamente, quando utilizados como agentes isolados.

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um esquema padrão pode consistir em 2 meses de isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol, seguidos de 4 meses de isoniazida e rifampicina. Um ou dois fármacos desse esque-ma são algumas vezes substituídos pela estreptomicina e por outros fármacos de segunda linha se houver desenvolvimento de resistência. A isoniazida e a rifampicina são os fármacos pre-feridos, em virtude de sua capacidade de matar as micobactérias tanto intracelulares quanto extracelulares. Os outros fármacos são bacteriostáticos (pirazinamida e etambutol), ineficazes con-tra os bacilos intracelulares (estreptomicina) ou hepatotóxicos (pirazinamida).

Conforme assinalado no Cap. 33, a resistência aos agen-tes antimicobacterianos desenvolve-se primariamente através de mutações cromossômicas, e a freqüência de resistência a qualquer um dos fármacos é de cerca de 1 em 106 bactérias. Essas mutações são transferidas para as células-filhas quando as bactérias sofrem replicação, levando ao estabelecimento de uma população resistente ao fármaco. O Cap. 33 discute as implicações do fato de que uma cavidade tuberculosa contém 108 a 109 bactérias, enquanto a freqüência de mutantes resisten-tes a um único fármaco é de cerca de 1 em 106. Em média, 100 bactérias já se mostram resistentes a cada fármaco em qualquer lesão, mesmo antes da administração do fármaco. Além disso, o tratamento com apenas um fármaco resultaria na seleção de bacilos resistentes a este fármaco. No caso do Sr. M, as 2 sema-nas iniciais de tratamento com isoniazida provavelmente mata-ram todos os bacilos sensíveis à isoniazida na cavidade. Isso explica o desaparecimento dos sintomas depois de 2 semanas de tratamento. Entretanto, os 100 ou mais bacilos resistentes à isoniazida que foram selecionados pelo uso da monoterapia no caso do Sr. M permaneceram e multiplicaram-se. Se tivesse tomado rifampicina, bem como isoniazida, apenas 1 em 1012 bacilos teria se tornado resistente a ambos os fármacos.

No decorrer dos 3 meses durante os quais o Sr. M inter-rompeu a isoniazida, os bacilos resistentes à isoniazida que permaneceram nos pulmões multiplicaram-se, criando outra lesão de bacilos, com conseqüente recidiva dos sintomas. Em conseqüência, começou a tomar rifampicina. Desses 108 a 109 bacilos resistentes à isoniazida, houve novamente uma proba-bilidade de 1 em 106 de que um bacilo tenha sofrido mutação para adquirir resistência à rifampicina. Ao tomar rifampicina durante 2 semanas, o Sr. M matou todos os bacilos sensíveis à rifampicina, porém selecionou os microrganismos resistentes a esse fármaco. Por conseguinte, ainda permaneceram bacilos resistentes tanto à isoniazida quanto à rifampicina, constituindo o fenótipo de tuberculose resistente a múltiplos fármacos (TB-RMF).

O Sr. M não deveria, neste exato momento, continuar com o esquema de combinação inicialmente descrito, visto que isso poderia causar maior resistência, aumentando ou amplifican-do o padrão de resistência original. Em outras palavras, esse esquema poderia selecionar ainda mais bacilos resistentes à iso-niazida e à rifampicina, eliminando quaisquer bacilos sensíveis remanescentes. Além disso, a continuação de fármacos reco-nhecidamente ineficazes aumentaria a probabilidade de efeitos adversos, sem conferir nenhum benefício terapêutico. Outro aspecto importante é que o Sr. M também poderia transmitir a TB-RMF a outras pessoas.

Por conseguinte, o Sr. M necessita de um novo esquema farmacológico para o tratamento da TB-RMF. Idealmente, o esquema deve consistir em fármacos que demonstraram ser efe-tivos em testes de sensibilidade. Além disso, devem-se evitar os fármacos anteriormente utilizados no plano de tratamento malsucedido (isto é, pirazinamida e etambutol), mesmo que

tenha sido demonstrada a sua “suscetibilidade” em testes de cultura. O tratamento para a TB-RMF deve ser iniciado com seis fármacos novos aos quais os microrganismos isolados da TB do Sr. M mostraram-se sensíveis. Em geral, esses esquemas consistem em doses diárias de um aminoglicosídio (estrepto-micina, canamicina ou amicacina), durante pelo menos 4 a 6 meses. Devem-se administrar quatro a cinco fármacos orais juntamente com o aminoglicosídio durante 24 meses após a cultura de escarro se tornar negativa. As fluoroquinolonas, a rifabutina, a etionamida e a clofazimina são fármacos de segunda linha que podem ser incluídos no esquema. Observe que o esquema de segunda linha, como um todo, será significa-tivamente mais tóxico e menos bem tolerado do que o esquema de primeira linha.

Tendo em vista todos os aspectos anteriormente discutidos, deve-se evitar TB-RMF a todo custo. Os pacientes com tuber-culose sensível a fármacos devem ter acesso à terapia de com-binação e também devem receber ajuda na aderência à terapia de combinação para evitar o desenvolvimento de bacilos resis-tentes a fármacos. Esses princípios constituem a base do DOTS (Directly Observed Therapy Short Course/Tratamento Direta-mente Supervisionado), a estratégia recomendada pela OMS para tratamento da tuberculose. O tratamento supervisionado DOTS é um programa de saúde pública constituído de cinco componentes: (1) compromisso político e recursos para o con-trole da TB; (2) uso de microscopia para esfregaço de escarro para diagnóstico acurado de TB; (3) tratamento padronizado de 6 a 8 meses diretamente supervisionado por um profissional de saúde da comunidade durante os primeiros 2 meses, no míni-mo; (4) suprimento regular e ininterrupto dos medicamentos; e (5) registro e relato padronizados do tratamento e da evolu-ção de cada paciente às autoridades centrais. Quando utilizado em casos de TB sensível a fármacos, o tratamento diretamen-te supervisionado DOTS apresenta um notável índice de cura e pode impedir o desenvolvimento de resistência. Conforme assinalado anteriormente, o tratamento da TB-RMF exige uma terapia mais intensiva, mais invasiva, mais tóxica e de duração mais longa do que o esquema padronizado do DOTS.

Combinações SinérgicasUma segunda razão para o uso de um esquema farmacológico de combinação consiste em tirar proveito do sinergismo entre as ações de dois fármacos. Esse aspecto é particularmente importante no contexto de infecções que não são facilmente eliminadas pelas defesas imunológicas de pacientes imuno-comprometidos. No paciente imunocompetente, os agentes bacteriostáticos e bactericidas são, com freqüência, igualmente eficazes na eliminação de uma infecção. Entretanto, os agentes bactericidas são nitidamente preferidos no contexto dos paci-entes imunocomprometidos (por exemplo, pacientes com HIV-AIDS, pacientes imunossuprimidos submetidos a transplante e pacientes neutropênicos com câncer), da infecção endovascular (por exemplo, endocardite bacteriana) ou da meningite. A razão do uso de combinações bactericidas no paciente imunocom-prometido deve ser óbvia — o hospedeiro não possui número suficiente de linfócitos e/ou neutrófilos funcionais para elimi-nar até mesmo uma população bacteriana que não está sofrendo divisão. No caso da endocardite, a razão não é tão evidente. Neste caso, embora não haja deficiência na contagem absoluta de leucócitos, os fagócitos são incapazes de penetrar eficiente-mente na “vegetação” espessa — composta de uma rede de fibrina, plaquetas e produtos bacterianos — que circunda as bactérias. Com freqüência, são indicadas combinações de agen-

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Princípios de Quimioterapia de Combinação | 677

tes bactericidas no tratamento da meningite para maximizar a probabilidade de superar a opsonização fraca das bactérias por anticorpo e complemento no local imunologicamente privile-giado das meninges (ver Cap. 7).

Um exemplo de sinergismo antibacteriano envolve o uso de uma penicilina e de um aminoglicosídio no tratamento das causas mais comuns de endocardite bacteriana aguda e subagu-da, o Staphylococcus aureus e o Streptococcus viridans, respec-tivamente. Conforme descrito anteriormente, o mecanismo do sinergismo depende da inibição da biossíntese da parede celular pela penicilina, permitindo a penetração do aminoglicosídio na camada espessa de peptidoglicano desses microrganismos Gram-positivos.

Duas outras combinações sinérgicas comumente utilizadas incluem (1) a combinação antifúngica de anfotericina B e flu-citosina e (2) a combinação antibacteriana e antiprotozoário de uma sulfonamida e trimetoprim ou pirimetamina. Esses exemplos clássicos servem para ilustrar dois mecanismos bási-cos pelos quais um fármaco pode potencializar a atividade do outro. Acredita-se que, de maneira análoga à ação das peni-cilinas, que aumentam a captação dos aminoglicosídios pelas bactérias Gram-positivas, a anfotericina B aumenta a capta-ção de flucitosina pelas células fúngicas ao provocar lesão das membranas celulares dos fungos ricas em ergosterol (ver Cap. 34). Somente após ter penetrado na membrana do fungo é que a flucitosina pode ser convertida em sua forma ativa (5-fluoru-racila, que é convertida em 5-FdUMP, um inibidor irreversível da timidilato sintase) por uma desaminase específica de fungo. Devido ao índice terapêutico particularmente baixo da anfo-tericina B (que constitui primariamente uma conseqüência de sua neurotoxicidade), essa combinação tem a grande vantagem de reduzir a dose de anfotericina B necessária no tratamento de uma infecção fúngica sistêmica, como a meningite cripto-cócica.

O sulfametoxazol e o trimetoprim costumam ser utilizados em combinação no tratamento da pneumonia por Pneumocys-tis carinii, uma infecção oportunista freqüentemente observada em pacientes com AIDS, bem como no tratamento de muitas infecções do trato urinário causadas por microrganismos Gram-negativos entéricos. Uma combinação análoga, a sulfadoxina e a pirimetamina, é utilizada no tratamento da malária, da toxo-plasmose e de outras infecções por protozoários. Essas combi-nações ilustram um segundo mecanismo pelo qual os fármacos podem exercer um efeito sinérgico. O mecanismo do sinergis-mo baseia-se na inibição de duas etapas na biossíntese de ácido fólico que afetam a concentração celular do mesmo metabólito crítico, o diidrofolato (ver Cap. 31). A forma reduzida desse metabólito, o tetraidrofolato, é um substrato necessário para a biossíntese de purinas e para muitas reações de transferência de um carbono, sendo, portanto, necessária para a replicação do DNA e a divisão celular (Fig. 31.7).

As sulfonamidas são inibidores competitivos da diidropte-roato sintase, a enzima que catalisa a primeira etapa na síntese de tetraidrofolato a partir do PABA e da pteridina. O trimetoprim e a pirimetamina inibem uma etapa subseqüente dessa via, atuan-do como inibidores competitivos das isoformas da diidrofolato redutase (DHFR) de bactérias e protozoários, respectivamente. A redução induzida pela sulfonamida na concentração celular de diidrofolato atua de modo sinérgico com o trimetoprim ou a pirimetamina, visto que estes últimos fármacos competem com a diidrofolato pela sua ligação à DHFR. (Em outras palavras, a ação do trimetoprim ou da pirimetamina é potencializada, visto que a sulfonamida atua ao diminuir a concentração de diidrofolato, o substrato que compete com esses fármacos para

a sua ligação à enzima.) Além disso, a resistência a essa com-binação não pode desenvolver-se facilmente, visto que as cepas resistentes ao trimetoprim possuem habitualmente uma DHFR alterado, que possui menor afinidade pelo diidrofolato. Nes-sas circunstâncias, a concentração mais baixa de diidrofolato que resulta da ação da sulfonamida é insuficiente para permitir que a DHFR alterado possa suprir as necessidades celulares de tetraidrofolato. Para que haja desenvolvimento de resistência à combinação farmacológica, a célula deve simultaneamente produzir quantidades excessivas de PABA (para superar a ini-bição competitiva pela sulfonamida) e haver mutação da DHFR (para diminuir a afinidade dessa enzima pelo trimetoprim). Essa combinação de eventos tem pouca probabilidade de ocorrer numa única célula bacteriana ou de protozoário.

Co-Administração de Penicilinas com Inibidores da �-LactamaseA combinação de um antibiótico �-lactâmico com um inibidor da �-lactamase (por exemplo, ácido clavulânico, sulbactam, tazobactam) ilustra um mecanismo de interação medicamen-tosa que não é tecnicamente sinérgico (visto que o inibidor da �-lactamase não tem nenhuma atividade antibacteriana intrínseca), mas que compartilha uma semelhança funcional com as combinações de fármacos discutidas anteriormente. O ácido clavulânico é um inibidor da �-lactamase, uma enzima utilizada por muitas bactérias Gram-positivas e Gram-negati-vas resistentes a �-lactâmicos para inativar as penicilinas (ver Cap. 33). Ao impedir a hidrólise e a inativação das penicili-nas, o ácido clavulânico (e outros inibidores da �-lactamase) aumenta acentuadamente a potência das penicilinas (e de outros �-lactâmicos) contra bactérias que expressam a �-lac-tamase. Essa combinação tem sido efetiva no tratamento de infecções causadas por Streptococcus pneumoniae resistente à penicilina, que constitui uma causa comum de otite média em lactentes. Tipicamente, esses microrganismos adquiriram resistência às penicilinas através de uma �-lactamase codifi-cada por plasmídios.

Infecções Polimicrobianas e Potencialmente FataisAs combinações de agentes antimicrobianos são utilizadas não apenas para impedir o desenvolvimento de resistência e atuar de modo sinérgico contra um patógeno específico conhecido, mas também para tratar infecções polimicrobianas e infecções para as quais o tratamento deve ser iniciado antes da identificação do micróbio causador da infecção. Consideremos, por exem-plo, o caso de um apêndice roto ou de divertículo colônico a partir do qual houve extravasamento de bactérias na cavidade peritoneal. Esse abscesso intra-abdominal tende a conter um amplo espectro de microrganismos — demasiado amplo para que seja tratado efetivamente por um único antibiótico. Após drenagem do abscesso, o tratamento com uma combinação de agentes antibacterianos como aminoglicosídio — para matar as Enterobacteriaceae Gram-negativas aeróbicas (por exemplo, E. coli) — e clindamicina ou metronidazol — para matar anaeróbios (por exemplo, Bacteroides fragilis; ver Cap. 35) — freqüentemente resulta em eliminação da infecção. Nos casos em que está indicado um tratamento presuntivo antes da identificação do microrganismo causal, deve-se efetuar uma cultura de amostras de líquidos corporais, como sangue, escar-ro, urina e líquido cefalorraquidiano (LCR) antes de instituir a terapia. A seguir, administra-se uma combinação de fármacos com atividade contra os micróbios que mais provavelmente

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678 | Capítulo Trinta e Nove

estão envolvidos na infecção (ou que poderiam resultar em desfecho mais grave) até que se efetue uma identificação bac-teriológica positiva e sejam obtidos os resultados da sensibili-dade a fármacos. Nesse estágio, pode ser possível interromper fármacos desnecessários para implementar uma monoterapia potente e específica.

COMBINAÇÕES FARMACOLÓGICAS DESFAVORÁVEISAlgumas vezes, pode ocorrer antagonismo na quimioterapia de combinação, embora se deva evitar essa situação, quando possível. O antagonismo é mais comumente observado quan-do se utilizam agentes –státicos em associação com agentes –cidas. Por exemplo, as tetraciclinas são antimicrobianos bacteriostáticos que antagonizam a atividade bactericida das penicilinas (ver Cap. 32). Convém lembrar que a atividade bactericida das penicilinas depende do crescimento das célu-las. Ao inibir a reação de transpeptidação envolvida na ligação cruzada da parede celular bacteriana, as penicilinas criam um desequilíbrio entre a síntese da parede celular e a sua degrada-ção mediada pela autolisina. Se a célula bacteriana continuar crescendo, esse processo leva à formação de um esferoplasto e, por fim, à lise osmótica. Por conseguinte, um inibidor da síntese protéica, como a tetraciclina, que interrompe o cresci-mento celular, irá antagonizar o efeito de um �-lactâmico. De forma semelhante, os imidazólicos e triazólicos são agentes fungistáticos que antagonizam a atividade fungicida da anfo-tericina B (ver Cap. 34). O mecanismo do antagonismo pode ser percebido ao verificar que a anfotericina B atua através de sua ligação ao ergosterol e formação de poros na mem-brana fúngica, enquanto os imidazólicos e os triazólicos ini-bem a enzima microssomal dependente do citocromo P450, a 14�-esterol desmetilase, que está envolvida na biossíntese do ergosterol. Por conseguinte, os imidazólicos e os triazólicos opõem-se à ação da anfotericina B, visto que diminuem a concentração do alvo da anfotericina B. (Apesar dessas con-siderações, os agentes antimicrobianos –státicos e –cidas são algumas vezes utilizados clinicamente em associação quando não existem outras alternativas satisfatórias. Nessas circuns-tâncias, pode ser necessário aumentar a dose do fármaco –stático e/ou –cida para superar a interação medicamentosa antagonista. A conseqüente elevação nos níveis de um ou de ambos os fármacos da associação pode levar a uma maior probabilidade de efeitos adversos.)

TERAPIA DE COMBINAÇÃO ANTIVIRAL: HIV

Conforme discutido no Cap. 36, não existe nenhum agente anti-HIV que demonstre proporcionar um benefício supressor a longo prazo quando utilizado como único medicamento. Isso se deve, em grande parte, ao desenvolvimento de resistência ao fármaco.

O ciclo de vida dos vírus é de suma importância para com-preender a razão pela qual a monoterapia contra o HIV não consegue suprimir a replicação do vírus a longo prazo (ver Cap. 36; Fig. 36.2). Após ligação e fusão do vírus, a enzima viral transcriptase reversa (TR) sintetiza DNA de fita dupla a partir do genoma de RNA viral de fita simples. A seguir, o DNA integra-se no cromossomo do hospedeiro e sofre repeti-das transcrições utilizando o processo de transcrição da célula hospedeira. Essas transcrições genômicas completas são final-mente acondicionadas em vírions, que passam a infectar novas

células. Todavia, a TR do HIV é relativamente inacurada, de modo que a taxa de erros na replicação é muito elevada. Além disso, a transcrição do DNA integrado em RNA também está sujeita a erro. Em conseqüência, cada nova partícula de HIV contém, em média, uma mutação em relação ao vírus parental. Embora a taxa de erros resultante não seja tão alta a ponto de ser intolerável para o vírus, ela é elevada o suficiente para que, depois de ciclos repetidos de infecção, transcrição reversa e transcrição, um número significativo de vírus passe a codificar alvos alterados de terapia anti-HIV, adquirindo, assim, resistên-cia, até mesmo antes do tratamento.

Dentro do contexto das taxas elevadas de mutação, a qui-mioterapia de combinação mostra-se benéfica. As combina-ções de inibidores da TR (por exemplo, AZT e 3TC) são mais efetivas do que o uso isolado de um inibidor da TR, em parte pelo fato de que a resistência a um análogo de nucleosídio não confere necessariamente resistência a outro. O atual padrão de tratamento da infecção pelo HIV é a denominada “terapia tríplice”. A terapia tríplice pode utilizar um inibidor da TR análogo de nucleosídio em combinação com um inibidor não-nucleosídio da transcriptase reversa (INNTR) e um inibidor da protease, ou dois análogos de nucleosídios e um inibidor da protease, ou dois análogos de nucleosídios e um INNTR. Os estudos clínicos realizados demonstraram que essas com-binações são capazes de reduzir os níveis plasmáticos de RNA viral abaixo do limite de detecção (atualmente, 50 cópias/mL). Nesses baixos níveis de replicação viral, a probabilidade de desenvolvimento de resistência a qualquer um dos fármacos é acentuadamente reduzida. Assim, por exemplo, foi constatado que as combinações permanecem efetivas por períodos muito mais longos de tempo do que qualquer agente isoladamente. Entretanto, os esquemas complicados de administração (que estão melhorando) e os efeitos adversos dessas combinações podem reduzir a aderência do paciente ao tratamento. Por conseguinte, embora alguns pesquisadores sejam otimistas no sentido de que o tratamento agressivo precoce com combina-ções de fármacos possa suprimir indefinidamente a replicação viral, outros preferem aguardar antes de instituir esse tipo de tratamento agressivo.

QUIMIOTERAPIA DE COMBINAÇÃO ANTINEOPLÁSICA

A quimioterapia antineoplásica depara-se com várias dificul-dades intrínsecas. As células cancerosas podem ser considera-das como células “próprias alteradas”, que mantêm diversas semelhanças com as células normais não-cancerosas, tor-nando difícil estabelecer alvos específicos contra as células can cerosas. Além disso, muitos dos agentes quimioterápicos atualmente disponíveis para o câncer apresentam numerosos efeitos adversos, que freqüentemente limitam a sua dose e freqüência de administração. Apesar desses obstáculos, a qui-mioterapia de combinação sofreu notáveis avanços no trata-mento do câncer, incluindo os exemplos da doença de Hodgkin e do câncer testicular discutidos no final desta seção. O Quadro 39.2 fornece uma visão geral das principais classes de fármacos antineoplásicos, incluindo seus mecanismos de ação, especifi-cidades do ciclo celular, principais mecanismos de resistência e toxicidades que limitam a sua dose. Observe que todas essas classes de fármacos já foram discutidas em capítulos anteriores; a discussão que se segue integra as informações relevantes sobre cada fármaco em particular dentro de um contexto clínico.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS Dizem que o câncer é um distúrbio do ciclo celular. Para per-ceber os desafios que precisam ser enfrentados no tratamento do câncer com terapia farmacológica, convém examinar o modelo atual de transformação oncogênica. As células somáti-cas normais sofrem diferenciação durante o seu processo de maturação a partir de uma pequena população de células-tronco com capacidade de regeneração. Como as células perdem a sua capacidade de divisão à medida que progridem ao longo de sua via de diferenciação, não é surpreendente que as neo-plasias malignas tenham tendência a surgir em populações de células imaturas ou indiferenciadas (talvez até mesmo a partir de células-tronco). Em nível molecular, o processo de transfor-mação maligna envolve múltiplas etapas, incluindo a perda de produtos dos genes supressores tumorais (por exemplo, p53 e Rb) e ativação de proto-oncogenes (por exemplo, ras e c-myc) através de vários processos, como mutação somática, translo-cação do DNA e amplificação gênica. As alterações adquiri-das nos genes que regulam a progressão das células pelo ciclo celular conferem uma vantagem para as células malignas em termos de crescimento, que passam a proliferar na ausência de sinais regulatórios normais de crescimento. Algumas das célu-las transformadas mais agressivas multiplicam-se numa taxa de cerca de duas divisões por dia. Nessa velocidade, uma única célula desse tipo pode dar origem a uma massa clinicamente detectável de 1 g (109 células) em apenas 15 dias, podendo ser alcançada uma carga tumoral de 1 kg (1012 células) em 20 dias, o que é freqüentemente incompatível com a vida.

Felizmente, a oncogênese costuma ocorrer muito mais lenta-mente—um fato que sustenta o conceito de triagem para mui-tos tipos de câncer (por exemplo, cervical, de próstata e de cólon). Uma célula maligna pode dar origem a uma pequena colônia de células (106 células) com bastante rapidez, porém o seu crescimento posterior é detido pela disponibilidade limi-tada de oxigênio e nutrientes. Como o oxigênio pode sofrer difusão passiva nos tecidos a uma distância de apenas 2 a 3 mm, as células que se encontram no centro da massa tumo-ral em crescimento tornam-se hipóxicas e entram na fase G0 (de repouso). Em conseqüência, a percentagem de células que sofrem difusão ativa (isto é, a fração de crescimento do tumor) diminui à medida que o tamanho do tumor aumenta. Além dis-so, a proliferação contínua de células nas margens do tumor provoca uma diminuição adicional da pO2 no centro do tumor, de modo que as células tumorais hipóxicas começam a morrer (necrose central). O tumor continua crescendo, ainda que numa velocidade mais lenta, visto que a taxa de divisão celular nas margens excede a taxa de necrose central. Em algum momento, as células tumorais hipóxicas podem expressar ou induzir a expressão estromal de fatores angiogênicos (por exemplo, fator de crescimento endotelial vascular, VEGF), que induzem a vas-cularização do tumor. A vascularização pode ser acompanhada de súbito aumento da fração de crescimento, à medida que as células que se encontram na fase G0 entram no ciclo celular.

Como uma única célula maligna tem a capacidade de sofrer expansão clonal para dar origem a um tumor, acredita-se que toda célula maligna deva ser destruída para obter a cura do câncer. Essa hipótese, juntamente com a hipótese de “destruição logarítmica” para a destruição de células tumorais (ver Cap. 31), sugere que é necessário administrar múltiplos ciclos de quimioterapia nas doses mais altas toleráveis e nos intervalos mais freqüentes toleráveis para obter uma cura. A quimiote-rapia antineoplásica obedece habitualmente à cinética de pri-meira ordem (isto é, uma fração constante de células tumorais

é destruída a cada ciclo de quimioterapia). Essa cinética de destruição de células tumorais difere da destruição dependente do tempo que caracteriza muitos agentes antimicrobianos, que obedece a uma cinética de ordem zero (isto é, um número fixo de micróbios é destruído por unidade de tempo).

Somando-se à dificuldade de um tratamento bem-sucedido para o câncer está o fenômeno de progressão tumoral, em que uma população de células malignas de origem clonal torna-se heterogênea através do acúmulo de múltiplas alterações genéti-cas (mutações). Quando submetidos a uma pressão seletiva pela vigilância imune ou pela administração de um agente antineo-plásico, subclones do tumor com fenótipos relativamente não-antigênicos ou resistentes a fármacos são selecionados segundo os princípios de Darwin. As mutações que conferem resistência a fármacos são particularmente preocupantes, visto que muitas células transformadas, tendo perdido a sua capacidade de reparo de lesão do DNA, caracterizam-se por instabilidade genômica. Por conseguinte, as deleções, as amplificações gênicas, as trans-locações e as mutações pontuais não são eventos raros e podem resultar em resistência a fármacos antineoplásicos através de qualquer um dos mecanismos apresentados no Quadro 39.3.

Com a possível exceção das classes de terapias recém-desen-volvidas, que se baseiam em alvos moleculares seletivamente expressos por um clone de células malignas (por exemplo, um anticorpo clonal dirigido contra um antígeno de célula tumoral ou um inibidor enzimático dirigido contra uma molécula de trans-dução de sinais que sofreu mutação; ver Cap. 1, Cap. 38 e Cap. 53), a quimioterapia antineoplásica tem sido direcionada para interromper o ciclo celular nas células em rápida divisão. Alguns desses agentes atuam ao induzir uma lesão do DNA e apoptose subseqüente em todas as fases do ciclo celular, ao passo que outros atuam de modo seletivo em uma fase do ciclo celular (ver Cap. 31, especialmente a Fig. 31.4). Infelizmente, esses fármacos também estão associados a uma toxicidade significativa para o hospedeiro, sobretudo para tecidos que normalmente apresentam uma elevada taxa de renovação celular (por exemplo, medula óssea, folículos pilosos, epitélio intestinal). Em conseqüência, a neutropenia, a trombocitopenia, a anemia, a alopecia, a náusea e as ulcerações orais e intestinais constituem efeitos adversos comuns de muitos agentes antineoplásicos.

Embora muitos linfomas de rápido crescimento e leucemias pareçam desaparecer com a quimioterapia antineoplásica, os tumores sólidos mais indolentes devem ser tratados com radio-terapia adjuvante (isto é, para potencializar a quimioterapia) e/ou cirurgia. Quando esses tumores são detectados clinica-mente, já estão freqüentemente muito grandes e já podem ter metastatizado amplamente. Nesses casos, a remoção cirúrgica do tumor primário é muitas vezes seguida de radioterapia e/ou quimioterapia sistêmica, utilizando agentes que penetram em vários tecidos (por exemplo, cérebro, fígado) passíveis de abri-gar doença metastática.

Em resumo, a terapia para o câncer deve eliminar todas as células malignas do corpo, tornando desejável o uso de altas doses de agentes quimioterápicos. (Na prática, os mecanismos imunes podem ser capazes de eliminar pequenos números de células cancerosas remanescentes, se essas células forem imu-nogênicas o suficiente.) Todavia, a toxicidade desses agentes relativamente não-seletivos limita as doses passíveis de admi-nistrar. Além disso, pode-se verificar o desenvolvimento de resistência a esses fármacos através de alterações genéticas. Por fim, como o alvo desses agentes consiste, principalmente, em células que sofrem rápida divisão, os fármacos antineo-plásicos são muito menos efetivos contra os grandes tumores sólidos que apresentam baixa fração de crescimento. Cada uma

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dessas considerações aponta para a necessidade de esquemas farmacológicos de combinação para o tratamento do câncer. A seguir, são discutidos os princípios farmacológicos básicos desses esquemas.

FUNDAMENTOS BÁSICOS DA QUIMIOTERAPIA DE COMBINAÇÃO Na quimioterapia antineoplásica, os esquemas farmacológicos de combinação incluem tipicamente agentes que atuam sobre diferentes alvos moleculares, em diferentes fases do ciclo celu-lar ou com diferentes toxicidades que limitam a dose adminis-trada (Quadro 39.2). Essa estratégia afeta as células tumorais que sofrem divisão assincrônica, diminui o desenvolvimento de resistência a fármacos e permite que cada fármaco possa ser administrado em sua dose mais alta tolerável, maximizando, assim, a eficácia, sem toxicidade excessiva. Os avanços recen-tes na terapia de suporte também aumentaram as doses máximas toleradas de muitos agentes antineoplásicos. Por exemplo, o uso rotineiro de antieméticos, o transplante de medula óssea autólo-ga, os fatores de crescimento hematopoéticos (por exemplo, GM-CSF, G-CSF, eritropoetina) e os antibióticos de amplo espectro profiláticos reduziram as complicações dos esquemas de quimioterapia mielossupressora. De forma semelhante, o tratamento com alopurinol para impedir a hiperuricemia que poderia ocorrer em conseqüência da liberação disseminada e metabolismo das purinas a partir das células tumorais necróti-cas (isto é, síndrome de lise tumoral) reduziu a morbidade associada ao uso de altas doses de quimioterapia sistêmica (ver Cap. 47). Por fim, a denominada “leucovorina como resgate” após a administração de altas doses de metotrexato poupa seletivamente as células não-malignas, impedindo a sua morte associada à depleção de tetraidrofolato (ver Cap. 31).

Ao contrário do tratamento das infecções bacterianas e virais, a quimioterapia para o câncer emprega freqüentemente uma estratégia de doses intermitentes. O principal fundamen-to lógico para essa estratégia consiste em evitar a toxicidade inaceitável para as células e os tecidos normais, proporcio-nando, por exemplo, tempo suficiente para haver recuperação da medula óssea. As doses intermitentes também podem ter a vantagem de “empurrar” algumas células, que não estão se dividindo, para fora da fase G0, tornando-as mais suscetíveis a ciclos subseqüentes de quimioterapia. Este último fundamento levou ao uso da radioterapia adjuvante e inclusão de fármacos inespecíficos do ciclo celular em certos esquemas de quimio-terapia de combinação. Em alguns estudos, foi constatado que ambas as estratégias aumentaram significativamente as frações de crescimento de tumores. Apesar dessas considerações, a administração contínua de agentes quimioterápicos é, em cer-tas ocasiões, benéfica no tratamento de tumores cujo ciclo é lento (por exemplo, mieloma múltiplo) ou nos casos em que a infusão de “bolo” do fármaco está associada a uma toxicidade significativamente maior (por exemplo, antraciclinas).

Por fim, algumas combinações de agentes antineoplásicos recorrem a efeitos sinérgicos conhecidos. Um exemplo clinica-mente importante é a interação entre as 5-FU e o metotrexa-to. Esses fármacos são utilizados em associação no tratamento de muitos adenocarcinomas, incluindo cânceres de mama, de cólon e de próstata. Ambos os fármacos são específicos da fase S e possuem toxicidades comuns que limitam a sua dose (lesão da medula óssea e da mucosa intestinal), de modo que o seu uso em combinação pode ser surpreendente (ver Cap. 31 e Cap. 37). O mecanismo do sinergismo parece consistir na ativação aumentada da 5-FU na presença de metotrexato. Convém lembrar que a 5-FU é metabolizada por vias de recu-peração celular, que finalmente convertem o fármaco na forma ativa 5-FdUMP, que inibe irreversivelmente a enzima timidi-

QUADRO 39.3 Mecanismos de Resistência Tumoral a Agentes Quimioterápicos

MECANISMO DE RESISTÊNCIA TUMORAL EXEMPLOS

Mecanismos FarmacocinéticosAcúmulo insuficiente do fármaco

Captação insuficiente do fármaco Metotrexato, doxorrubicinaEfluxo do fármaco a partir da célula tumoral (fenótipo MDR) Alcalóides da vinca, etoposídeos, doxorrubicina

Distribuição insuficiente do fármaco Locais santuários (por exemplo, cérebro, testículo) Metotrexato, ara-C

Metabolismo desfavorável do fármaco ou pró-fármacoAtivação insuficiente do pró-fármaco 5-FU, 6-MP, ara-C, 6-TGInativação aumentada do fármaco

Hiperexpressão da citidina desaminase Ara-CHiperexpressão da fosfatase alcalina 6-TG, 6-MP

Mecanismos FarmacodinâmicosHiperexpressão, alteração ou perda da molécula-alvo*

Diidrofolato redutase MetotrexatoConcentração diminuída de co-fator 5-FUConcentração aumentada da molécula competidora Metabólito do ara-C (dCTP)Reparo de lesões induzidas por fármacos no DNA, nas proteínas ou nos lipídios (membranas)

Agentes alquilantes

Utilização aumentada de vias alternativas AntimetabólitosResistência à apoptose induzida por fármacos A maioria dos agentes antineoplásicos

*Devido a mutação, amplificação ou deleção do DNA; alteração da transcrição ou processamento pós-transcrição; alteração da tradução ou modificação pós-tradução; ou alteração da estabilidade do alvo.

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lato sintase. A primeira etapa na ativação da 5-FU é catalisada pela enzima fosforribosil transferase: 5-FU + PRPP → 5-FUMP + PPi. O metotrexato, um inibidor da biossíntese de purinas, potencializa essas vias de recuperação. Em particular, as células tratadas com metotrexato apresentam níveis elevados de 5-fos-forribosil-1-pirofosfato (PRPP), que favorece a conversão da 5-FU em 5-FUMP, que é finalmente convertido em 5-FdUMP pela ação da ribonucleotídio redutase.

EXEMPLOS DE QUIMIOTERAPIA DE COMBINAÇÃO ANTINEOPLÁSICA

Doença de HodgkinO tratamento da doença de Hodgkin (DH) ilustra o uso racio-nal de combinações de agentes antineoplásicos. Nessa doença, ocorre proliferação clonal de células de Reed-Sternberg (RS) dentro de um denso conjunto de células inflamatórias reativas. A DH origina-se a partir de um único linfonodo e progride de modo contíguo, acometendo o tecido linfóide adjacente. A célula de RS é a célula neoplásica, que parece originar-se de células B, tornando a doença um verdadeiro linfoma. Os subti-pos patológicos, definidos com base na morfologia das células de RS e no padrão de alterações inflamatórias reativas circun-dantes, incluem a DH com esclerose nodular, celularidade mista e depleção de linfócitos.

Tipicamente, os pacientes apresentam linfadenopatia (cer-vical, supraclavicular, axilar ou inguinal) e/ou sintomas sistê-micos, incluindo febre, mal-estar, prurido, sudorese noturna e perda de peso. O estágio da doença determina o tratamento; assim, os pacientes com doença nos estágios iniciais (estágios I e II) são submetidos a radioterapia, com ou sem quimiotera-pia, enquanto os pacientes com doença nos estágios avançados (estágios III ou IV) necessitam de quimioterapia de combinação (Quadro 39.4).

Antes da introdução dos agentes alquilantes em meados da década de 1960, a quimioterapia com um único agente para a DH avançada resultava em uma sobrevida mediana de 1 ano. Com o desenvolvimento do MOPP (mecloretamina, vincristi-na, procarbazina e prednisona), a primeira combinação bem-sucedida de agentes antineoplásicos, metade desses pacientes obteve cura da doença. Entretanto, o tratamento permanecia

QUADRO 39.4 Sistema de Estadiamento de Ann Arbor para Doença de Hodgkin

ESTÁGIO DESCRIÇÃO SUBCLASSIFICAÇÃO

I Comprometimento de uma única região de linfonodos IA: Ausência de sintomas sistêmicos IB: Sintomas sistêmicos (por exemplo, febre, sudorese noturna, perda de peso)IE: Extensão contígua extranodal

II Comprometimento de duas ou mais regiões de linfonodos no mesmo lado do diafragma

IIA: Ausência de sintomas sistêmicos IIB: Sintomas sistêmicos IIE: Extensão contígua extranodal

III Comprometimento de regiões de linfonodos em ambos os lados do diafragma

IIIA: Ausência de sintomas sistêmicosIIIB: Sintomas sistêmicos IIIS: Comprometimento esplênico IIIE: Extensão contígua extranodal

IV Doença disseminada comprometendo múltiplos órgãos extralinfáticos (por exemplo, fígado, baço, medula óssea)

IVA: Ausência de sintomas sistêmicosIVB: Sintomas sistêmicos

limitado em virtude de sua toxicidade significativa, incluin-do complicações gastrintestinais e neurológicas precoces, bem como esterilidade tardia e neoplasias malignas secundárias (síndrome mielodisplásica, leucemia não-linfocítica aguda e linfoma não-Hodgkin). As investigações adicionais levaram ao desenvolvimento da combinação ABVD (doxorrubicina, bleomicina, vimblastina e dacarbazina), que é freqüente-mente menos tóxica e pelo menos tão efetiva quanto o MOPP. A ABVD ou uma combinação de ABVD/MOPP continuam sendo o padrão atual de tratamento para estágios avançados da DH. O fundamento lógico da combinação ABVD provém do reconhecimento de que esse esquema combina agentes tan-to seletivos quanto não-seletivos do ciclo celular, bem como fármacos com diferentes toxicidades que limitam a dose. Em comparação com o MOPP, o ABVD está associado a um núme-ro significativamente menor de complicações hematológicas e gonadais e neoplasias malignas secundárias.

Câncer Testicular Os princípios de quimioterapia de combinação antineoplásica também são exemplificados no tratamento do câncer testicular. Esse tumor, que surge do epitélio espermatogênico do testícu-lo, é habitualmente detectado como massa testicular ao exame físico. O tumor metastatiza através dos canais linfáticos para os linfonodos pélvicos e periaórticos antes de sofrer ampla dis-seminação por via hematogênica. O tratamento da doença local (sem qualquer evidência de metástases) consiste em remoção cirúrgica do testículo afetado, com ou sem radiação pélvica. A doença avançada exige tratamento sistêmico com quimiote-rapia de combinação. O esquema padrão de tratamento é o PVB (Fig. 39.4). Dos três fármacos utilizados nesse esquema (cisplatina, vimblastina e bleomicina), a cisplatina é o fár-maco inespecífico do ciclo celular que pode induzir as células tumorais que não sofrem divisão a passar para o reservatório de ciclo ativo, onde se tornam suscetíveis à ação dos agentes específicos do ciclo celular, a bleomicina e a vimblastina. Os fármacos incluídos nessa combinação apresentam diferentes alvos moleculares, atuam em fases diferentes do ciclo celular e exibem diferentes toxicidades que limitam a dose. As doses intermitentes proporcionam um tempo suficiente para que cada sistema de órgãos afetado (pulmonar, renal e medula óssea)

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possa se recuperar entre os ciclos. Após remoção cirúrgica do tumor primário, esse esquema leva habitualmente à cura.

TRATAMENTO DA DOENÇA REFRATÁRIA OU RECORRENTEEmbora a quimioterapia de combinação tenha resultado em melhora pronunciada da sobrevida no caso de alguns cânce-res, muitos cânceres tornam-se refratários à quimioterapia de combinação padrão. Se um esquema de quimioterapia padrão fracassar, outras opções incluem terapia com fármacos experi-mentais, cuidados paliativos ou novos fármacos aprovados para uso após a falha do tratamento. Muitos pacientes decidem inscrever-se em estudos clínicos experimentais. Essa decisão pode estar baseada na esperança de que um agente em fase de investigação possa demonstrar ser eficaz, porém com a com-preensão de que um verdadeiro benefício só poderá ser obtido em futuros pacientes. O tratamento paliativo e a assistência em asilos constituem alternativas para um tratamento farma-cológico contínuo nos casos de doença metastática avançada. Um número crescente de fármacos com novos mecanismos de ação está se tornando disponível para doenças que, de outro modo, seriam refratárias ao tratamento. Muitos desses agen-tes atuam seletivamente sobre antígenos específicos tumorais e vias de transdução de sinais, conforme discutido nos Caps. 38 e 53. A otimização das combinações desses fármacos e de outros agentes antineoplásicos para maior eficácia e segurança representa um importante desafio para o futuro.

n Conclusão e Perspectivas FuturasOs princípios da quimioterapia de combinação ressaltam a importância do tratamento com associações de fármacos numa variedade de situações clínicas. O uso de combinações de fár-macos aumentou acentuadamente a eficiência do tratamento das doenças tanto infecciosas quanto neoplásicas. As vantagens oferecidas por esquemas de múltiplos fármacos em comparação com a terapia com um único fármaco (monoterapia) incluem aumento da eficácia antimicrobiana, antiviral e antineoplásica, diminuição da resistência global a fármacos, redução da toxi-cidade para o hospedeiro e cobertura mais ampla de micror-

ganismos patogênicos suspeitos. Essas vantagens são ilustradas pelo uso racional de associações de fármacos no tratamento de infecções causadas pelo Mycobacterium tuberculosis e pelo HIV, bem como no tratamento de distúrbios neoplásicos, como a doença de Hodgkin e o câncer testicular. O tratamento de doenças causadas por microrganismos resistentes a múltiplos fármacos, como a TB-RMF e o HIV-RMF, continua sendo um desafio especial, assim como o tratamento dos cânceres geneti-camente heterogêneos com baixa fração de crescimento, como os cânceres de pulmão, de cólon, de mama e de próstata. O aprimoramento contínuo dos esquemas de quimioterapia de combinação irá depender de uma compreensão mais aprofun-dada dos alvos moleculares e das vias metabólicas utilizadas pelos microrganismos e pelas células cancerosas.

n Leituras Sugeridas Canellos GP, Anderson JR, Propert KJ, et al. Chemotherapy of advan-

ced Hodgkinʼs disease with MOPP, ABVD, or MOPP alternating with ABVD. N Engl J Med 1992;327:1478–1484. (Essas combina-ções de agentes antineoplásicos ainda são o padrão de tratamento da forma avançada da doença de Hodgkin.)

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n AgradecimentosOs autores agradecem a Shreya Kangovi e Gia Landry pelo esboço inicial do caso do Sr. M e pela discussão apresentada no capítulo sobre esse caso.

Fármaco

Bleomicina

Vimblastina

Cisplatina

Tempo (dias)

0 217 14

Dias 1-5

Dias1-2

Dia2

Dia9

Dia16

Fig. 39.4 Esquema de quimioterapia de combinação com platina-vimblastina-bleomicina (PVB) para o câncer testicular. O esquema PVB utilizado no tratamento do câncer testicular consiste em uma combinação de cisplatina, vimblastina e bleomicina. A cisplatina é um fármaco inespecífico do ciclo celular; esse agente pode induzir a passagem de células que não sofrem divisão para o ciclo celular, onde podem ser mortas pela bleomicina, um agente específico da fase G2, e pela vimblastina, um agente específico da fase M. O esquema de doses intermitentes limita a toxicidade do fármaco e proporciona um tempo suficiente para que a medula óssea se recupere da mielossupressão induzida pelos fármacos. O ciclo de 3 semanas mostrado aqui é tipicamente administrado quatro vezes em sucessão (12 semanas no total).