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Page 1: Globalização, neoliberalismo e cadeia produtiva do calçado · primeira globalização, dominada pela expansão mercantilista (de 1450 a 1850) da economia-mundo européia, a segunda

Globalização, neoliberalismo e cadeia produtiva do calçado

Cíntia Aparecida da Silva *

Helen Barbosa Raiz Engler * Resumo: O processo de globalização do capital conduziu à mundialização da informação e dos padrões culturais e de consumo. Isso se deu não apenas ao progresso tecnológico, mas ao imperativo dos negócios. A supracitada situação teve repercussões na esfera local, na cidade de Franca/SP (cenário da pesquisa), a produção de calçados tornou-se relevante para a economia nacional a partir da segunda metade do século XX, consolidando-se especialmente na década de 1970 devido à demanda crescente do mercado interno, estimulada pelo processo de industrialização e urbanização vivido no país, somando-se ainda a expansão da produção destinada à exportação. Palavras-chave: globalização; neoliberalismo; economia; cadeia produtiva do calçado. Abstract: The process of globalization of the capital lead to the mundialização of the information and the cultural standards and consumption. This if gave to the technological progress, but to the imperative of the businesses not only. The above-mentioned situation had repercussions in the local sphere, in the city of Franca/SP (scene of the research), the production of footwear became excellent for the national economy from the second half of century XX, consolidating itself especially in the decade of 1970 due to increasing demand of the domestic market, stimulated for the process of industrialization and urbanization lived in the country, adding itself still the expansion of the production destined to the exportation.

Key words: Globalization; Neoliberalism; Economy; Productive Chain of the Footwear

Globalização: aspectos históricos e conceituais

O processo de globalização do capital conduziu à mundialização da informação

e dos padrões culturais e de consumo. Isso se deu não apenas ao progresso tecnológico,

mas ao imperativo dos negócios.

Segundo Chesnais (1994), o termo global se refere à capacidade da grande

empresa de elaborar, para ela mesma, uma estratégia seletiva em nível mundial, a partir

de seus próprios interesses. Essa estratégia é global para ela, mas é integradora ou

excludente para os demais atores, quer sejam países, outras empresas ou trabalhadores.

A expansão indiscriminada e ideológica do termo, tem como resultado ocultar o fato de

que uma das características essenciais da mundialização é justamente integrar, como

componente central, um duplo movimento de polarização, pondo fim a um tendência

secular, que se dirigia no sentido da integração e da convergência.

* Mestranda em Serviço Social pela Unesp, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Mentalidades e Trabalho: do local ao global. End. eletrônico: [email protected] * Profª. do Deptº de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Unesp, pesquisadora líder do Núcleo de Pesquisa Mentalidades e Trabalho: do local ao global. End. eletrônico: [email protected]

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A idéia de que a globalização é algo novo é uma noção do fim do século XX. Os

países em desenvolvimento têm sido progressivamente integrados em uma economia

global desde a descoberta do novo mundo há mais de cinco séculos.

Dessa forma, verifica-se que há alguns poderosos elementos de continuidade

entre passado e presente, incluindo o papel dos países ricos no gerenciamento dos

mercados globais para promover seus próprios interesses. Entretanto, a globalização, no

início do século XXI está revolucionando as relações econômicas entre os países.

Utilizando de termo mais geral, considera-se que a globalização descreve a

crescente interdependência entre os países do mundo. O comércio internacional aliado a

enormes crescimentos no movimento de capitais e à mudança tecnológica é um dos

propulsores mais poderosos dessa interdependência. Mas, por trás das forças

econômicas abstratas, a globalização está também transformando as vidas das pessoas

comuns e reconfigurando as relações econômicas entre os países.

Retratando o fenômeno da globalização no seu sentido histórico e não

ideológico, ressaltam-se suas três fases, na qual a primeira fase da globalização, ou

primeira globalização, dominada pela expansão mercantilista (de 1450 a 1850) da

economia-mundo européia, a segunda fase, ou segunda globalização, que vai de 1850 a

1950 caracterizada pelo expansionismo industrial-imperialista e colonialista e, por

última, a globalização propriamente dita, ou globalização recente, acelerada a partir do

colapso da URSS e a queda do muro de Berlim, de 1989 até o presente:

Primeira fase da globalização (1450-1850)

A primeira fase da globalização, resultado da procura de uma rota marítima para

as Índias, assegurou o estabelecimento das primeiras feitorias comerciais européias na

Índia, China e Japão, e, principalmente, abriu aos conquistadores europeus as terras do

Novo Mundo. Enquanto as especiarias eram embarcadas para os portos de Lisboa e de

Sevilha, de Roterdã e Londres, milhares de imigrantes iberos, ingleses e holandeses, e

franceses (em menor número), atravessaram o Atlântico para vir ocupar a América.

Aqui formaram colônias de exploração, no sul da América do Norte, no Caribe e no

Brasil, baseadas geralmente num só produto (açúcar, tabaco, café, minério, etc.)

utilizando-se de mão de obra escrava vinda da África ou mesmo indígena; ou colônias

de povoamento, estabelecidas majoritariamente na América do Norte, baseadas na

média propriedade de exploração familiar. Para atender as primeiras colônias o tráfico

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negreiro tornou-se rotina, fazendo com que 11 milhões de africanos (40% deles

destinados ao Brasil) para trabalhar nas lavouras e minas.

Igualmente promoveu uma espantosa desapropriação das terras indígenas e no

sufocamento ou destruição da sua cultura. Em quase toda a América ocorreu uma

catástrofe demográfica, consequência dos maus tratos que a população nativa sofreu e

as doenças e epidemias que os devastaram, devido ao contato com os colonizadores

europeus.

Nesta primeira fase estrutura-se um sólido comércio triangular entre a Europa

(fornecedora de manufaturas), África (que vende seus escravos) e América (que exporta

produtos coloniais). A imensa expansão deste mercado favorece os artesãos e os

industriais emergentes da Europa que passam a contar com consumidores num raio bem

mais vasto do que aquele abrigado nas suas cidades, enquanto que a importação de

produtos coloniais faz ampliar as relações inter-européias. Politicamente, a primeira

fase da globalização se fez quase toda ela sob a égide das monarquias absolutistas que

concentraram enorme poder e mobilizaram os recursos econômicos, militares e

burocráticos, para manterem e expandirem seus impérios coloniais.

A doutrina econômica desta primeira fase foi o mercantilismo, adotado pela

maioria das monarquias européias para estimular o desenvolvimento da economia dos

reinos. A produção e distribuição do comércio internacional eram feitas por mercadores

privados e por grandes companhias comerciais (as Cias. Inglesas e holandesas das

Índias Orientais e Ocidentais) e, em geral, eram controladas localmente por corporações

de ofício.

Todo o universo econômico destinava-se a um só fim, acumular riqueza. O

poder de um reino era aferido pela quantidade de metal precioso (ouro, prata e jóias

preciosas) existente nos cofres reais. Para assegurar seu aumento o Estado exercia um

sério controle das importações e do comércio com as colônias. Esta política levou cada

reino europeu a se transformar num império comercial, tendo colônias e feitorias

espalhadas pelo mundo todo (os principais impérios coloniais foram o inglês, o

espanhol, o português, o holandês e o francês).

Segunda fase da globalização (1850-1950)

Os principais acontecimentos que marcam a transição da primeira fase da

globalização para a segunda dão-se nos campos da técnica e da política. A partir do

século XVIII, a Inglaterra industrializa-se aceleradamente e, depois dela, a França, a

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Bélgica, a Alemanha e a Itália. A máquina à vapor é introduzida nos transportes

terrestres (estradas-de-ferro) e marítimos (barcos à vapor). Conseqüentemente esta nova

época será regida pelos interesses da indústria e das finanças, sua associada e, por vezes

amplamente dominante, e não mais das motivações dinásticas-mercantís. Será a grande

burguesia industrial e bancária, e não mais os administradores das corporações

mercantis e os funcionários reais quem liderará o processo.

A escravidão que havia sido a grande base da primeira globalização tornou-se

um impedimento ao progresso do consumo e, somada à crescente indignação que ela

provoca, termina por ser abolida, primeiro em 1789 e definitivamente em 1848 (no

Brasil ela ainda irá sobreviver até 1888).

No campo da política a Revolução Americana de 1776 e a Francesa de 1789,

irão liberar enorme energia fazendo com que a busca da realização pessoal termine por

promover uma grande ascensão social das massas. Logo depois, como resultado das

Guerras Napoleônicas e da generalizada abolição da servidão e outros impedimentos

feudais, milhões de europeus abandonaram seus lares nacionais e emigraram em massa

para os Estados Unidos, Canadá, e para a América do Sul (Brasil, Argentina, Chile e

Uruguai).

Nestes cem anos da segunda fase da globalização (1850-1950) os antigos

impérios dinásticos desabaram (o dos Bourbons e, definitivamente, em 1830, o dos

Habsburgos e dos Hohenzollers, o dos Romanov). Das diversas potências que existiam

em 1914 (o império britânico, o francês, o alemão, etc.) só restaram depois da Segunda

Guerra Mundial, os EUA e a União Soviética.

Globalização recente (pós 1989)

No decorrer do século XX três grandes projetos de liderança da globalização

conflitaram-se entre si: o comunista, inaugurado com a Revolução Bolchevique de 1917

e reforçado pela Revolução Maoista na China em 1949; o da contra-revolução nazi-

fascista que, em grande parte, foi uma poderosa reação direitista ao projeto comunista,

surgido nos anos de 1919, na Itália e na Alemanha, extendendo-se ao Japão, que foi

esmagado no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945; e, finalmente, o projeto

liberal-capitalista liderado pelos países anglo-saxãos, a Grã-Bretanha e os Estados

Unidos.

Num primeiro momento ocorreu a aliança entre o liberalismo e o comunismo

(em 1941-1945) para a auto-defesa e, depois, a destruição do nazi-fascismo. Num

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segundo momento os vencedores, os EUA e a URSS, se desentenderam gerando a

Guerra Fria (1947-1989), onde o liberalismo norte-americano rivalizou-se com o

comunismo soviético numa guerra ideológica mundial e numa competição armamentista

e tecnológica que quase levou a humanidade a uma catástrofe (a crise dos mísseis de

1962).

Com a política da glasnost, adotada por Mikhail Gorbachov na URSS desde

1986, a Guerra Fria encerrou-se e os Estados Unidos proclamaram-se vencedores, tendo

como símbolo à derrubada do muro de Berlim ocorrida em novembro de 1989. A China

comunista, por sua vez, que desde os anos 1970 adotara as reformas visando sua

modernização, abriu-se para a implantação de indústrias multinacionais.

Examinando a evolução mais recente do capitalismo mundial, nota-se que o fim

da década de 1960 começou a evidenciar uma excessiva acumulação do capital. Os

processos fordistas, que consolidaram a Revolução Industrial, haviam reduzido

fortemente os custos via produção em série e em grande escala. A partir da Segunda

Guerra Mundial, esse modelo utilizado pelas grandes corporações norte-americanas

espalhou-se pelo mundo inteiro, convertendo-se em novo paradigma tecnológico.

A expansão da acumulação gerada pela eficiência desse modelo levou a uma

excessiva concentração de capital fixo em torno das linhas de montagem. Assim,

rentabilidade e competição estavam diretamente relacionadas à escala de produção e à

contínua renovação dos equipamentos que, quando obsoletos, eram utilizados na

periferia do sistema, como no caso da indústria automobilística no Brasil. Tal situação

gerou uma capacidade geral de produção superior à demanda dos mercados.

Para Tavares (1993), a globalização prioriza as relações econômicas, as

intervenções promovidas pelos capitais internacionais e suas novas formas de circulação

e reprodução, devendo não ser entendida somente como um fenômeno contemporâneo,

mas sim um estágio avançado do desenvolvimento do capitalismo, alicerçado

historicamente em vários séculos.

Brasil: novo paradigma nos anos 1990

A hegemonia do pensamento liberal, hoje sob a égide da globalização acima

conceituada, representa o novo paradigma da última década do século XX. Apesar de

não ser uma questão recente, vem repercutindo de maneira significativa nas esferas das

relações sociais, com a presença da microeletrônica e a da informática, imprimindo uma

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nova dinâmica na produtividade. Há assim, um predomínio das relações de mercado

sobre as privatizações e a desregulamentação do trabalho.

Neste novo modelo, o papel do Estado nacional encontra-se de forma reduzida,

aplicando políticas fiscais e propiciando a liberdade cambial no intuito de satisfazer as

exigências de um capital, que é predominantemente rentista.

Não há na atual fase de mundialização do capital interesse em criar novos meios

de produção; trata-se de uma mudança de propriedade do capital, reestruturando e

racionalizando suas capacidades produtivas sob o incentivo das privatizações e das

políticas de liberalização e desregulamentação.

No caso do Brasil, verificamos que o país entrou nessa fase de acumulação

capitalista com uma representação política debilitada, recém saída da ditadura militar, e

o plano de estabilização de Fernando Henrique Cardoso não deu conta de amenizar o

quadro social que vem se arrastando desde os governos passados. Mesmo diante dos

avanços constitucionais com a promulgação da Constituição Federal de 1988 conhecida

como Constituição Cidadã, o Estado continuou distante dos setores populares e

marginalizados, “A globalização e a inovação tecnológica reduzem a capacidade de manobra

dos Estados e dos sindicatos. A mobilidade do capital e a possibilidade de alocar segmentos da

cadeia produtiva em outras regiões desestabilizam a estrutura dos salários, deslocando a

concorrência para fora da esfera nacional” (DUPAS, 2001, p. 35).

Conforme (SADER, 1996), analisando o modelo hegemônico do neoliberalismo

considera-se que o mesmo está apoiado em três pontos principais: o primeiro está

centrado na dominação de classe adequada às relações econômicas, sociais e ideológicas

contemporâneas; o segundo nasce de uma crítica ao Estado de bem-estar, com propostas

e metas para a retomada do crescimento, adequadas a um Estado mínimo; o terceiro

constitui-se num corpo doutrinário com valores ideológicos, que destaca o excesso da

intervenção estatal como responsável pelas ineficiências do sistema econômico.

Nos anos 1950 ocorreu a revolução tecnocientífica que influenciou fortemente a

transformação das áreas de comunicação, técnica e organização da produção, já em

meados dos anos 1970 e 1980 tem-se a substituição do modelo fordista de produção. As

fábricas passam a uma produção flexível, ou seja, altamente informatizada, produzindo

de acordo com a demanda. Além disso, as fábricas se constroem em administrações

mais descentralizadas e com tamanhos físicos menores.

Tais mudanças no mundo do trabalho tiveram um grande poder de difusão.

Ressurgindo, assim uma nova fase do processo de globalização, através da

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transnacionalização, que são transformações na ordem política e econômica mundial

para a integração de mercados mundiais e a interdependência dos países. As

supracitadas mudanças também ocorreram no espaço social e cultural, acompanhadas de

uma intensa revolução nas tecnologias de informação.

Nos anos 1980, as profundas mudanças no mundo do trabalho, em suas formas

de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política

atingiram intensamente a classe trabalhadora, fazendo-a sofrer uma forte crise, a qual

alcançou as esferas da materialidade, subjetividade e também sua dinâmica,

repercutindo em sua forma de ser.

Essa transformação ocorrida, também denominada de reestruturação produtiva

foi se intensificando com o passar dos anos culminando em seu ápice nos anos 1990.

Dessa forma, a economia ficou caracterizada por um processo de diminuição do

crescimento econômico, implicando uma baixa capacidade de geração de postos de

trabalho.

Assim, a atual fase do capitalismo aumentou a concentração de riqueza no

mundo e, em decorrência, a desigualdade social. No Brasil, isso pode ser verificado com

a abertura comercial iniciada no governo do presidente Fernando Collor de Melo1.

O governo Fernando Collor de Melo tratou de implementar uma política

econômica e uma política externa que seguiam de perto as recomendações e diretrizes

do chamado Consenso de Washington, qual seja, de privatizações e de liberalização

econômica, tanto no que tange aos fluxos de capitais quanto aos fluxos de mercadorias.

Assim, assistiu-se a uma ruptura econômica e política que marcou

definitivamente a trajetória do desenvolvimento do Brasil na década de 1990. Pela

primeira vez, para além de uma política de estabilização, surgiu a proposta de um

projeto de longo prazo, que articulava o combate à inflação com a implementação de

reformas estruturais na economia, no Estado e na relação do país com o resto do mundo,

com características nitidamente liberais. No entanto, esse projeto, conduzido

politicamente de maneira bastante inábil, acabou por se inviabilizar naquele momento,

passando o governo Fernando Collor de Melo a ser responsável também pela queda no

consumo, que afetou diretamente o setor industrial.

1 Fernando Collor de Melo tomou posse como o primeiro presidente eleito de forma direta, depois de 25 anos de ditadura. Carioca, fez carreira política em Alagoas. Elegeu-se deputado federal pelo Partido Democrático Social (PDS) em 1982. Pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi eleito governador de Alagoas em 1986. Renunciou à Presidência da República em 02 de outubro de 1992 em meio a denúncias de esquemas de corrupção.

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Desse modo, a abertura comercial expôs as empresas nacionais à competição

internacional, impelindo o empresariado do país a buscar formas e processos de

produzir bens e serviços com melhor qualidade, a preços competitivos. Houve a adoção

de investimentos em tecnologia e modificações na organização das empresas, de

maneira simultânea ou isoladamente, em uma busca frenética por “modernização”, vista

sob o prisma do empresariado como um elemento vital e necessário para a retomada do

crescimento econômico, estagnado por toda a década de 1980.

A ascensão de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República em 1994,

através de uma aliança do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com o

Partido da Frente Liberal (PFL), reafirmou o processo de liberalização e de privatização.

A política econômica em relação ao setor externo passou a ser um elemento central de

toda a política do governo, na medida em que, a política de estabilização, reconhecida

pelo governo como aspecto mais importante no curto prazo, - e na medida em que tinha

na âncora cambial seu aspecto decisivo, além da âncora salarial, tornou-se

deliberadamente a política econômica externa e toda a política governamental refém dos

ingressos do capital financeiro internacional.

Verificou-se ainda que o governo Fernando Henrique Cardoso ao eleger como

prioridade absoluta o ajuste e a estabilidade econômica, como condição essencial para

implantação tardia do projeto neoliberal no Brasil, não deu a devida atenção à agenda

social brasileira, durante seu primeiro mandato (1995-1998), situação que se prolongou

ainda durante os dois primeiros anos de seu segundo mandato (1999-2002).

Como a adoção da política neoliberal no Brasil se deu tardiamente, em relação

ao mundo desenvolvido e a outros países da América Latina, só a partir do final da

década de 1990, o Estado brasileiro se orientou pelas recomendações dos organismos

internacionais, especialmente do Banco Mundial, para a reforma dos programas sociais

na América Latina, preconizados na década de 1980. Ignorou que o próprio Banco

Mundial já havia reconhecido que o ajuste econômico conservador, como vem sendo

assumido no continente, é incapaz de reduzir a pobreza. Desconsiderou também as

recomendações defendidas, principalmente pela ONU/PNUD2, a partir da década de

1990, para a reforma dos programas sociais na América Latina que coloca a necessidade

de desenvolvimento com equidade e repõe o papel das políticas sociais em articulação

2 Organização das Nações Unidas/ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

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com a política econômica, com ênfase na política de saúde, educação e de alimentação e

no provimento dos serviços sociais básicos.

São reformuladas as políticas sociais e trabalhistas, com vistas ao rebaixamento

ainda maior do padrão de uso e remuneração do trabalho. A descentralização e a

focalização do gasto social são medidas utilizadas, em geral, como forma de ajuste

fiscal e consolidação do sistema através de políticas compensatórias.

Permanece nesse período a privatização de empresas estatais, entre elas, a

Petrobrás e a Companhia Vale do Rio Doce na esfera federal, empresas do ramo

telefônico e de eletricidade na esfera estadual, todas respaldadas pela política de ajuste

fiscal preconizado pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) como pretexto para

pagar a dívida externa do país. Nesse cenário, ressurge Luís Inácio Lula da Silva, que já

fora candidato à presidência por três vezes, apresentando um programa adverso ao de

Fernando Henrique Cardoso, propondo o pagamento da dívida externa do país sem

enxugamento maior da máquina do Estado além da implantação e implementação de

políticas sociais voltadas às categorias menos favorecidas da sociedade.

Lula mostrava-se à época como alternativa de mudança ao modelo econômico

utilizado por Fernando Henrique Cardoso nos oitos anos de seu governo e José Serra3

seu maior oponente nas eleições, apresentava-se como mantenedor do modelo

econômico do governo FHC.

Ao vencer as eleições, entretanto, o governo do presidente Lula mantém a

política econômica de seu antecessor – Fernando Henrique Cardoso –, como o controle

da inflação por meio de juros altos e a busca de um elevado superávit primário. Assim,

temos como conseqüência, a redução dos índices inflacionários e o recuo do cambio do

dólar, mas também aumento do desemprego, perda do poder aquisitivo pela população e

diminuição das atividades econômicas.

Analisando os governos da década de 1990 até o atual verifica-se que

financeiramente a queda de barreiras tarifárias e não tarifárias e a política de

estabilização utilizada por esses governos implicaram na valorização cambial e político-

monetária ativa que se direcionou para um investimento estratégico da modernização do

parque industrial, através da substituição seletiva e parcial de máquinas convencionais

por equipamentos mais sofisticados e de base microeletrônica.

3 José Serra foi o candidato da coligação entre o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL).

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Cadeia produtiva do calçado: o caso de Franca/SP

Na cidade de Franca/SP – cenário da pesquisa, localizada na região nordeste do

Estado de São Paulo, distante 400 km da capital paulista – a produção de calçados

tornou-se relevante para a economia nacional a partir da segunda metade do século XX,

consolidando-se especialmente na década de 1970 devido à demanda crescente do

mercado interno, estimulada pelo processo de industrialização e urbanização vivido no

país, somando-se ainda a expansão da produção destinada à exportação,

A cidade de Franca, atualmente, apresenta característica urbano-industrial, destacando a indústria de calçados e de curtumes, e igualmente, desenvolve atividades tradicionais como a agropecuária, a lapidação de diamantes, além do comércio e da prestação de serviços diversificados. Sua urbanização decorreu, principalmente, da industrialização do setor calçadista (CAMPANHOL, 2000, p. 13)

Em Franca, durante o processo de reestruturação produtiva, nota-se uma redução

abrupta do número dos postos de trabalho formal, implicando diretamente no aumento

da informalização do emprego no setor. A redução dos postos de trabalho intensificou-

se com a abertura econômica inaugurada pelo governo Fernando Collor de Mello e

concretizada no período Fernando Henrique Cardoso.

Franca possui um total de 760 empresas de calçados, englobando micro,

pequenas, médias e grandes empresas. Segundo Carloni (2006), a capacidade de

produção anual (ano base de 2006) supera 37 milhões de pares com uma receita de

aproximadamente US$ 500 milhões por ano em 2005. Já a produção em nível nacional

fica em torno de 725 milhões de pares anuais, trazendo um faturamento que fica na casa

dos US$ 8 bilhões no mesmo período.

No cenário global nacional constatamos que o Brasil é o terceiro maior produtor

de calçados do mundo, perdendo apenas para a China com produção anual de 8,8

bilhões de pares e para a Índia com 80 milhões.

Todavia, o nível de empregos em Franca, em queda em anos anteriores, se

recuperou: o setor no fim do ano de 2007 empregou 22 mil operários, 4,98% a mais que

os 20.957 no ano de 2006, segundo o Sindifranca (Sindicato da Indústria de Calçados de

Franca).

Consideramos que apesar dessa cifras, ao longo da década de 1986-1996, a

indústria calçadista extinguiu pelo menos 16.500 postos de trabalho nesse período, em

sua enorme maioria em decorrência, não da incorporação de maquinaria mas do

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gerenciamento da produção pelas indústrias. Ao mesmo tempo em que se reduziram

drasticamente os postos de trabalho nas indústrias, proliferaram diversas modalidades

de trabalho em domicílio4 e nas bancas de pesponto5.

Frente ao exposto, pode-se concluir que as relações e condições de trabalho em

Franca movimentam-se conforme a tendência constante do capital, deteriorando a força

produtiva, pois, o setor calçadista não apresenta inovações tecnológicas significantes e

no trabalho subcontratado os meios de produção são antigos e ultrapassados, além da

indústria apresentar grande dependência de políticas de incentivo por parte do governo.

Esse processo ocorrido na indústria calçadista francana tornou-se um fator que

trouxe conseqüências do global ao local, pois atividades do espaço local foram inseridas

no espaço global e o funcionamento das indústrias de calçados de Franca sempre

estiveram ligados às políticas econômicas governamentais, assim sendo não ficou imune

às medidas de caráter neoliberal, muito presentes no atual processo de globalização.

Ao longo da década de 1990, verificamos na indústria calçadista uma redução

abrupta do número dos postos de trabalho formais, implicando diretamente no aumento

da informalização do emprego no setor e a des-responsabilização das empresas no que

tange o direito dos trabalhadores. Assim, os trabalhadores sentem-se desprotegidos em

relação ao Estado que se omite em muitas questões entre empregados e empregadores e

também das empresas que ao não assinarem a carteira de trabalho, ou seja, não

oficializarem o emprego, retiram dos trabalhadores poder de reivindicação de direitos.

Nesse cenário vemos que os trabalhadores são os primeiros e os mais afetados

quando as taxas de lucro diminuem. Mesmo sendo responsáveis pelo sustento de uma

família inteira são os primeiros a terem seus salários rebaixados e posteriormente

cortados em decorrência dos problemas financeiros das empresas.

Referências: ALVES, Giovanni. O novo e (precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e

crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a

centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. (2ª ed.).

4 O trabalho em domicílio foi uma prática que, entre as décadas de 1950 e 1960, esteve associada às estratégias de constituição e reprodução das pequenas empresas calçadistas 5 Banca de pesponto, na indústria calçadista, é a instância subcontratada pela fábrica para realizar frações do processo do calçado, principalmente a costura mecânica (pesponto) e costura manual das partes superiores do sapato.

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CAMPANHOL, Edna Maria. As Reações socioeconômicas em Franca em face do processo de globalização. Tese (Doutorado) em Serviço Social. Franca, Unesp, 2000.

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