globalizacao e fragmentação do espaco agricola (elias)

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Scripta NovaREVISTA ELECTRNICA DE GEOGRAFA Y CIENCIAS SOCIALES Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depsito Legal: B. 21.741-98 Vol. X, nm. 218 (03), 1 de agosto de 2006

GLOBALIZAO E FRAGMENTAO DO ESPAO AGRCOLA DO BRASIL Denise Elias Universidade Estadual do Cear (UECE)

Globalizao e fragmentao do espao agrcola do Brasil (Resumo)A globalizao da economia provocou uma reestruturao produtiva da agropecuria brasileira, marcada pela territorializao do capital e pela oligopolizao do espao agrcola, culminando na organizao de um novo modelo econmico, tcnico e social de produo. Como este se processa de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva, acentuando as histricas desigualdades sociais e territoriais do pas, alm de criar muitas novas desigualdades, paralelamente difuso do agronegcio, ocorre uma nova diviso territorial e social do trabalho agropecurio. Desse modo, amplia-se a dialtica da produo do espao agrcola, cada vez mais fragmentado, caracterizando-se arranjos territoriais produtivos agrcolas. Este artigo tem por objetivo tratar das principais caractersticas da consecuo do agronegcio no Brasil; da fragmentao do espao agrcola e do incremento da urbanizao no Brasil agrcola moderno, resultando numa nova tipologia de cidade: a cidade do agronegcio.

Palavras-chave. Brasil, agronegcio, arranjos territoriais produtivos, cidade do agronegcio

Globalization and fragmentation of the agricultural space of Brazil (Abstract)The globalization of economy provoked a productive reorganization of the Brazilian farming, marked for territorialization by capital and for oligopolyzation of the agricultural space, culminating in the organization of a new economic technique and social model of production. This model is processed socially excluding and selective space form, accenting the historical social and territorial inequality of the country, besides creating many new inequalities, parallel to the diffusion of the agribusiness, a new territorial and social division of the farm work occurs. In this way, is extended the dialectic production of agricultural space, each more fragmented, characterizing productive territorial arrangements. This article has for objective to deal with the main characteristics of the achievement of the agribusiness in Brazil; of the fragmentation of agricultural space and the increment of urbanization in modern agricultural Brazil, resulting in a new typology of city: the agribusiness city. Key words: Brazil, agribusiness, productive territorial arrangements, agribusiness city.

Reestruturao Produtiva da Agropecuria [1] No Brasil, nas ltimas quatro dcadas, os setores econmicos vm passando por intensa reestruturao produtiva. Com a globalizao da economia verificaram-se profundas transformaes no processo produtivo associado agropecuria e reestruturaram seus sistemas de ao e de objetos (Santos, 1994, 1996) mediante introduo da cincia, da tecnologia e da informao. Resultou, ento, um novo modelo tcnico, econmico e social de produo agropecuria, ao qual aqui chamaremos, conforme Santos (2000), de agricultura cientfica, oferecendo novas possibilidades para a acumulao ampliada do capital. Segundo o mesmo autor (p. 88), e na nossa opinio, com a globalizao se instala uma agricultura propriamente cientfica, responsvel por intensas mudanas quanto produo agrcola e vida de relaes. Para Santos, podemos falar de uma agricultura cientfica globalizada quando a produo agrcola tem uma referncia planetria, e recebe influncia das mesmas leis que regem os outros aspectos da produo econmica. A competitividade, caracterstica das atividades de carter planetrio, leva a um aprofundamento da tendncia instalao de uma agricultura cientfica. Especialmente exigente de cincia, tcnica e informao, esta induz ao aumento exponencial das quantidades produzidas em relao s superfcies plantadas. Por sua natureza global, conduz a uma demanda extrema de comrcio na qual o dinheiro passa a ser uma informao indispensvel. Embora desde o incio do comrcio em grande escala a agropecuria comercial se desenvolva no pas, caracterizando a histria econmica e a ocupao do territrio, somente quatro sculos mais tarde ela apresenta mudanas radicais. Isto se deve ao fato de a revoluo tecnolgica tambm ter atingido essa atividade, que passa a incorporar os principais paradigmas da produo e do consumo globalizados, em consonncia com as transformaes gerais do restante da sociedade. A partir da dcada de 1980, a reestruturao produtiva da agropecuria intensificou-se, mas privilegiou reas, produtos segmentos sociais. Isto acarretou profundos impactos sociais, territoriais e ambientais que culminaram na elevao da histrica concentrao da propriedade da terra; num processo de oligopolizao do setor agropecurio; em transformaes das relaes sociais de produo; na fragmentao do espao agrcola e no incremento da urbanizao. Neste contexto, a aplicao dos procedimentos e mtodos cientficos para a realizao da agropecuria, com vistas ao aumento de produtividade e reduo de custos, aperfeioou e expandiu seu processo produtivo, imprimindo complexas inovaes s foras produtivas do setor. Com a pesquisa tecnolgica pde-se reestruturar a base tcnica empregada nesse conjunto de atividades, e, ao mesmo tempo, transformar os sistemas tcnicos agrcolas, abrindo um grande nmero de novas possibilidades para a realizao da mais-valia mundializada, por meio da fuso de capitais com os demais setores econmicos. Conforme observado, o aumento da extenso da rea cultivada deixou de ser o fator exclusivo de crescimento da produo agrcola, uma vez que as inovaes tecnolgicas elevaram a produtividade do trabalho e da terra, que avanava muito lentamente at essa poca. Verificou-se, ento, a reestruturao da agropecuria mediante amplo emprego de mquinas, insumos qumicos e biotecnolgicos fornecidos pela atividade industrial, com notveis metamorfoses nas relaes de produo, ocorridas, tambm, na diviso social e territorial do trabalho agropecurio. A rentabilidade do capital, exigida pela economia globalizada, induziu a existncia de formas mais eficazes de produo. Desse modo, transformou radicalmente as foras produtivas da agropecuria, porquanto seus sistemas tcnicos anteriormente hegemnicos no condiziam com a racionalidade

vigente no perodo tecnolgico. A impossibilidade de controle do processo produtivo da agropecuria, com uma estrutura extremamente dependente dos fatores naturais (clima, relevo, solo, temperatura, topografia etc.) e do ciclo biolgico das plantas e dos animais, sempre representou um limite para a acumulao ampliada no setor, uma vez que o tempo de produo comumente superior ao tempo de trabalho. No intuito de superar estas dificuldades, as instituies de pesquisa tm-se empenhado decisivamente e gerado resultados significativos. Entre os principais objetivos das pesquisas agropecurias desenvolvidas, inclui-se o da gerao de insumos artificiais produzidos em escala industrial, capazes de substituir parte dos insumos naturais e ter maior controle sobre o ciclo biolgico das plantas e dos animais, por torn-lo um pouco menos vulnervel s foras da natureza e, em conseqncia, capaz de responder mais positivamente s novas formas de produo, distribuio e consumo. Inmeras pesquisas voltadas para o setor desenvolveram ampla gama de novos produtos qumicos, mecnicos e biotecnolgicos, na tentativa de modificar as caractersticas do solo, prevenir as doenas das plantas, fabricar no laboratrio sementes mais produtivas, aumentar a produtividade e o ritmo do trabalho com a utilizao de mquinas para semear, cultivar, colher etc. Com a difuso desse conjunto de inovaes, configurando novos sistemas tcnicos agrcolas, a agropecuria tornou-se crescentemente dependente do processo cientfico-tcnico de base industrial, e minimiza a anterior vantagem relativa representada pela produo localizada nos melhores solos, nas topografias mais adequadas, entre outros. Alm disso, aumentou a possibilidade de aproveitamento dos solos menos frteis e de ocupao intensiva de territrios desprezados para tal atividade, relativizando-se as questes locacionais, antes imprescindveis. Para Graziano da Silva (1981), a produo agropecuria deixou de ser uma esperana ao sabor das foras da natureza para se converter numa certeza sob o comando do capital, perdendo a autonomia que manteve, durante sculos, em relao aos outros setores da economia. A nosso ver, devemos ser cuidadosos com a simples reproduo de afirmaes como esta. Mas no h dvida quanto s reestruturaes advindas, uma vez que parte da agropecuria brasileira passou a ser um empreendimento totalmente associado racionalidade do perodo tcnico-cientficoinformacional (Santos, 1979, 1988, 1993, 1994, 1996, 2000), com algumas possibilidades semelhantes s dos demais setores econmicos para a aplicao de capital e para a obteno de alta lucratividade, tornando-se mais competitiva e permitindo maior valorizao dos capitais nela investidos. Nesse sentido, um dos principais signos da agricultura cientfica no Brasil uma crescente interdependncia com os demais setores da economia. A partir desta interdependncia ocorrem processos freqentes de fuso com capitais dos setores industriais, comerciais e de servios. Tais fuses se do juntamente com o aumento de sua presena no circuito superior da economia (Santos, 1979). Outra caracterstica da agricultura cientfica seu funcionamento cada vez mais regulado pela economia de mercado, em razo das demandas urbanas e industriais. As relaes entre os setores agrcola e industrial merecem destaque, por propiciarem o desenvolvimento de muitos ramos industriais, notadamente dos que fornecem os insumos e bens de capital para a agricultura, assim como das indstrias que processam os produtos agropecurios agroindstrias -, transformando-os em mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado. Tudo isto leva multiplicao dos espaos da produo e das trocas agrcolas globalizadas, e induz os espaos agrcolas a inmeras transformaes, os quais se mostram extremamente suscetveis de

aceitao do capital do agronegcio. Isto se deve, em parte, ao fato de possurem pequena quantidade de pedaos de tempo materializados, o que permite imediata difuso do capital novo e possibilidade de responder mais rapidamente aos interesses das empresas hegemnicas dos setores agropecurio e agroindustrial. Quando do incio da acelerao contempornea (Santos, 1996), o campo era um espao com menos rugosidades (Santos, 1985), e com flexibilidade muito superior apresentada pelas cidades, repletas de capitais mortos, mostrando-se um dos lcus preferenciais de introduo dos capitais industriais e financeiros. Desta forma, nas reas onde se expande a agricultura cientfica, o meio natural e o meio tcnico so rapidamente substitudos pelo meio tcnico-cientfico-informacional (Santos, 1985, 1993, 1994, 1996, 2000), aumentando a proporo da natureza social sobre a natural. Em seu livro O espao dividido, Santos (1979) chama a ateno para o fato de que devemos considerar as modernizaes como o modo de levar em conta as implicaes temporais da organizao do espao, especialmente nos pases em situao desfavorvel na Diviso Internacional do Trabalho. Por modernizao entende-se a generalizao de uma inovao vinda de um perodo anterior ou da fase imediatamente precedente. Como cada perodo caracterizado pela existncia de um conjunto coerente de elementos de ordem econmica, social, poltica e moral, que constituem um verdadeiro sistema, segundo sugere o autor, devemos realizar uma diviso do tempo em perodos para reconhecer a existncia da sucesso de modernizaes, que seria a prpria histria das modernizaes. Ao se utilizar o recurso da periodizao como componente fundamental de mtodo, com vistas consecuo da agricultura cientfica no Brasil e reorganizao do seu espao agrcola, vislumbramos trs momentos principais. Entretanto, lembremos, a periodizao sempre guarda conformidade com os objetivos especficos do autor que a est processando num determinado momento de evoluo de seus estudos. O primeiro seria o da mudana da base tcnica, a partir da dcada de 1950, com o emprego de uma gama de insumos artificiais, em detrimento dos naturais, com a difuso de inovaes qumicas (fertilizantes, agrotxicos, corretivos etc.) e mecnicas (tratores, arados, colheitadeiras etc.). Nesse primeiro momento da reestruturao produtiva da agropecuria, os insumos eram na sua grande maioria importados, uma vez que o Brasil no fabricava tais produtos. Como sabemos, a implantao da primeira grande indstria de bens de produo para a agropecuria d-se em 1959, com a instalao de uma multinacional fabricante de tratores (Amato Neto, 1985). O segundo momento se concretiza em meados da dcada de 1960, quando os interesses das grandes corporaes se apropriam do processo de produo agropecuria brasileira. Nas palavras de Graziano da Silva (1996), configura-se, ento, o processo de industrializao da agricultura, com ampla implantao de indstrias dos ramos a montante da agropecuria, fornecedores de insumos modernos (fertilizantes, mquinas, sementes etc.), e a jusante, transformadores dos produtos agropecurios (agroindstrias), com um intenso processo de instalao de indstrias, que assumem o comando das transformaes no setor. A dinmica da agricultura passa a ser determinada pelo padro de acumulao industrial, centrado no desenvolvimento dos complexos agroindustriais (CAIs) (Sorj, 1980; Muller, 1989; Mazzali, 2000) ou sistemas agroindustriais (SAGs) (Farina e Zylbersztajn, 1998). A agropecuria moderna passa a ser o ncleo dos CAIs ou SAGs emergentes. Sua produo destina-se prioritariamente gerao de commodities e de matrias-primas para as agroindstrias em franca expanso, da mesma forma que demanda uma gama importante de produtos industriais. Caracteriza-se uma nova

organizao econmica e social da agropecuria, que acompanha a unificao da economia pelo movimento do capital industrial e financeiro. Para Graziano da Silva (1996, 1999), esse movimento de mudana da agropecuria brasileira caracteriza-se pela desarticulao do chamado complexo rural com a constituio dos complexos agroindustriais, a ocorrer mediante a substituio da economia natural por atividades agrcolas integradas indstria, pela intensificao da diviso do trabalho e das trocas intersetoriais e com a especializao da produo agropecuria. Podemos identificar a terceira fase da reestruturao produtiva da agropecuria brasileira em meados da dcada de 1970. Nesse perodo, d-se um processo de integrao de capitais a partir da centralizao de capitais industriais, bancrios, agrrios etc., expanso de sociedades annimas, cooperativas agrcolas, empresas integradas verticalmente (agroindustriais ou agrocomerciais), assim como a organizao de conglomerados empresariais por meio de fuses, organizao de holdings, cartis e trustes, com atuao direta nos CAIs (Delgado, 1985). Na dcada de 1970, difunde-se, em grande escala, a biotecnologia, uma das mais revolucionrias e controvertidas tecnologias j desenvolvidas pelo homem. Diferentemente dos dois grupos de inovaes citados anteriormente (qumicas e mecnicas), que modificam as condies naturais do solo e a intensidade e o ritmo da jornada de trabalho, a biotecnologia afeta a velocidade de rotao do capital adiantado no processo produtivo, por meio da reduo do perodo de produo e da potencializao dos efeitos das inovaes qumicas e mecnicas (Silva, 1981). No entanto, a biotecnologia no representa uma simples inovao, mas sim um novo paradigma para a prpria existncia da humanidade. Com a biotecnologia acirra-se a utilizao da cincia para a acumulao ampliada em vrios setores econmicos (farmacutico, qumico, agroindustrial etc.), inclusive na agropecuria, e completam-se as bases da chamada revoluo verde, fundamentada na utilizao e difuso internacional de um conjunto de prticas tecnolgicas de pesquisa e produo agropecurias, vendidas ideologicamente como a resoluo do problema da fome no mundo. Se a expanso dos CAIs constituiu um dos principais vetores da reestruturao produtiva da agropecuria brasileira, acreditamos que compreender os fixos e os fluxos dos principais CAIs atuantes no Brasil (da soja, do suco de laranja, do leite, do trigo, da cana, do milho etc.), em especial a partir de seus circuitos espaciais de produo, seria um importante exerccio de anlise da agricultura cientfica e do territrio resultante dessa produo. Da mesma forma, captar seus crculos de cooperao (Santos, 1986) e seus sistemas de ao (Santos, 1994, 1996) identificar, no tempo e no espao, a forma de agir das grandes corporaes globalizadas que dominam a produo agropecuria e agroindustrial brasileira, revelando suas alianas com o Estado e suas ingerncias na reestruturao do espao agrcola. O estudo dos CAIs da cana e da laranja um bom exemplo da formao de espaos corporativos resultantes dessa evoluo (Elias, 1996, 2003a). Como observado, a reestruturao produtiva da agropecuria no Brasil se d calcada na conquista de mercados internacionais de produtos alimentares industrializados, semi-industrializados ou mesmo in natura, como o caso da fruticultura. Dessa maneira, transformam-se tambm as tradicionais formas de distribuio e consumo de produtos agropecurios. Cada vez mais, a produo para o autoconsumo e a produo simples de mercadorias so substitudas pela economia de mercado, em razo das demandas urbanas e industriais, com vistas produo de mercadorias

padronizadas para o consumo de massa globalizado, sendo as multinacionais os agentes mais poderosos desse processo. Reforam-se as determinaes exgenas ao lugar de produo, especialmente no tocante aos mercados cada vez mais longnquos e competitivos. Fato semelhante ocorre em relao aos preos, internacionais e nacionais, comandados pelas principais bolsas de mercadorias do mundo, sobre os quais no h controle local. Da mesma forma, aumentam as distncias entre os produtores e os centros de deciso e de pesquisa. A predominncia dos interesses exgenos verifica-se em outros componentes do cotidiano, tais como a difuso de um padro estandardizado de consumo alimentar, com a criao de novas mercadorias de alto valor agregado: alimentos semiprontos, congelados, enlatados, iogurtes, margarinas, maioneses, produtos derivados do acar, bebidas lcteas, leo de soja, produtos diet, light, desnatados, bebidas isotnicas, refrigerantes, legumes pr-cozidos etc. Uma parcela cada vez maior dos produtos agropecurios sofre beneficiamento industrial antes de chegar mesa do consumidor. A carne de frango, por exemplo, introduzida no mercado muito fortemente, em substituio carne vermelha, e muda hbitos alimentares, tornando-se uma opo de alimentao mais acessvel para amplas parcelas da populao, pois compete com vantagem, em matria de preo, com a carne bovina. Essas novas mercadorias passam a ocupar as prateleiras das grandes redes de supermercados, transformados nos principais centros de comercializao varejistas dos produtos alimentares industrializados, difundindo novos hbitos de consumo que buscam homogeneizar o padro de consumo alimentar, violando identidades locais baseadas em saberes e fazeres historicamente construdos. Outras atividades econmicas associadas ao tercirio se desenvolvem e ajudam a reforar o novo padro de consumo alimentar, tais como redes de fast foods (Habibs, Pizza Hut, McDonalds etc.), de servios de catering para hotis e linhas areas etc. Essas mudanas caracterizam uma agricultura cientfica globalizada, que funciona, em alguns aspectos, quase como uma linha de montagem. Dessa forma, a reestruturao produtiva da agropecuria tem profundos impactos sobre os espaos agrcolas, que passam, desde ento, por um processo acelerado de reorganizao, mostrando-se extremamente abertos expanso da tecnosfera e da psicoesfera (Santos, 1994, 1996, 2000), caractersticas do perodo tcnico-cientfico-informacional. Organizam-se verdadeiras redes tcnicas (de eletrificao, de armazenagem, de irrigao, de transportes, de telecomunicaes etc.) voltadas para o objetivo de dotar o espao agrcola de fluidez para as empresas hegemnicas do setor. Isto induz mecanizao dos espaos agrcolas e onde a atividade agropecuria se d baseada na utilizao intensiva de capital, tecnologia e informao, visvel a expanso do meio tcnicocientfico-informacional, revelando o dinamismo da produo do espao resultante das reestruturao produtiva da agropecuria. Uma vez que a reestruturao produtiva da agropecuria privilegia reas, produtos e segmentos sociais, tem acarretado profundos impactos sociais, territoriais e ambientais a culminar na territorializao do capital no campo e na oligopolizao do espao agrrio. Desse modo, agrava-se a histrica concentrao fundiria e impe-se uma nova dinmica ao mercado de terras, com forte intensificao do valor de troca em detrimento do valor de uso, contrariando ainda mais as aspiraes pela Reforma Agrria, que se mercantilizou na ltima dcada (com a substituio da

desapropriao pela compra da terra). Tudo isto promove decisivas transformaes nas formas de trabalho agrcola, no espao agrcola e no incremento da urbanizao da sociedade e do territrio. Geopoltica dos Transgnicos O Brasil acaba de dar mais um passo rumo insustentabilidade de seu desenvolvimento, com grandes prejuzos soberania tecnolgica, economia, ao ecossistema e, principalmente, construo de uma sociedade mais justa. Referimo-nos ao incio do pagamento de royalties por parte dos produtores de soja transgnica do Rio Grande do Sul multinacional Monsanto, empresa detentora dos direitos de patente da soja transgnica plantada neste estado. A partir do incio de maro de 2005, oficializou-se a cobrana de R$ 0,60 por saca de sessenta quilos de soja transgnica entregue s cooperativas de produtores, e, no contrato firmado entre estas e a multinacional, est prevista a possibilidade de realizao de auditorias por parte da Monsanto, para averiguao dos repasses. Concretiza-se, entre outros, uma tendncia j evidenciada nos ltimos anos, qual seja, a cobrana pelo uso das sementes transgnicas. Lamentavelmente, tal cobrana se faz respaldada em medidas provisrias e em outras leis, entre as quais a Lei de Patentes, aprovada em 1996, aps tramitar durante cerca de uma dcada no Congresso Nacional. Esta reconhece como legal, por exemplo, a propriedade intelectual das empresas que atuam na rea de engenharia gentica voltada produo e comercializao de transgnicos, e autoriza a cobrana de royalties por parte destas empresas. Embora apenas recentemente a polmica sobre os transgnicos tenha chegado ao grande pblico, sendo mais comumente associada resistncia de ambientalistas e movimentos ecolgicos, em face da insuficincia de estudos cientficos sobre os reais impactos sade do homem e do meio ambiente, o mago do problema mais antigo e revela muitas outras faces, to ou mais temveis. Uma delas a luta pelo monoplio da produo e comercializao das sementes geneticamente modificadas, ora travada entre algumas importantes holdings multinacionais, frente a Monsanto, poderosssima holding que mantm diversas atividades ligadas ao setor qumico, de medicamentos, de agroqumicos e uma das mais destacadas em pesquisa de transgnicos. Como a guerra est longe de terminar, parece-nos oportuno contextualizar minimamente a discusso, com objetivo de qualific-la para um maior nmero de pessoas. Desde meados da dcada de 1970, difunde-se, com grande velocidade, a engenharia gentica, uma das mais revolucionrias e controvertidas tecnologias j desenvolvidas. Sua principal fora conferir ao homem o poder de transformar, em laboratrio, as caractersticas dos seres vivos, principalmente animais e vegetais, a partir da identificao, isolamento e clonagem de genes. Dadas suas inmeras possibilidades, desde sua descoberta, a engenharia gentica vem sendo utilizada em larga escala como fora produtiva em vrias atividades econmicas, particularmente na indstria farmacutica, qumica, alimentcia, assim como na agropecuria, entre outros. Entre as utilizaes mais polmicas, mencionamos as processadas na agropecuria, especialmente as associadas s mudanas genticas de plantas e de animais, por possibilitarem a criao de novas espcies com caractersticas no encontradas na natureza, tais como plantas mais resistentes s intempries, a certos tipos de pragas e doenas, plantas e animais mais produtivos etc. Alm disso, o uso da engenharia gentica viabilizou um maior nmero de safras anuais e de crias por animal reprodutor, multiplicando a produtividade do setor. Propiciou, assim, a diminuio do

ciclo biolgico vegetal e animal, ou seja, a diminuio do tempo de produo, at ento sempre muito superior ao tempo de trabalho aplicado. Dado que, quanto menor a diferena entre tempo de produo e tempo de trabalho, maior a taxa de lucro, conforme observado, o uso da engenharia gentica tem propiciado um aumento exponencial das taxas de lucro na agropecuria. Desde ento, acirra-se sobremaneira a insero da lgica industrial ao ciclo biolgico animal e vegetal, a qual se torna cada vez mais atrativa para conglomerados nacionais e multinacionais. Como notrio, o modo de produo vigente tem como uma de suas principais caractersticas a produo de mercadorias destinadas ao mercado, no qual se realiza o valor de troca destas, via mediao da mercadoria dinheiro. O que queremos destacar aqui que a oficializao do pagamento de royalties mais uma batalha ganha pelas multinacionais hegemnicas do modelo empresarial de agricultura, via patenteamento das sementes geneticamente modificadas, as sementes transgnicas. Desse modo, as sementes, de patrimnio da humanidade, se transformaram em mercadoria, pois so patenteveis como outra mercadoria qualquer, tornando-se exclusividade de poucas empresas, seja quanto a sua produo, seja quanto a sua comercializao. Isto aumenta ainda mais a dependncia dos produtores agrcolas, que, alm de ter de recorrer anualmente ao mercado extremamente oligopolizado para a aquisio desse insumo imprescindvel agricultura, j que as sementes transgnicas so estreis, tm agora de pagar royalties pela utilizao destas. Com o patenteamento e pagamento de royalties pelo uso dos transgnicos, alguns grandes grupos completaram o domnio do pacote tecnolgico imposto agropecuria. As holdings multinacionais associadas ao agronegcio esto entre as lderes em pesquisa biotecnolgica, evidenciada como uma nova fronteira para a concentrao econmica e de poder. No Brasil, a luta pelo pagamento dos royalties pelas sementes modificadas tem alguns anos, vencida agora pela Monsanto, concretizada pelo acordo firmado entre a multinacional e os produtores gachos. Na nossa opinio, as polmicas em relao aos transgnicos devero se multiplicar nos prximos anos, porquanto os usos da engenharia gentica esto somente numa fase preliminar de suas potencialidades. A dimenso do problema ainda maior quando lembramos a unanimidade entre os pesquisadores do setor ao afirmarem que a explorao dos recursos biolgicos dever constituir-se num dos principais vetores de crescimento econmico no sculo XXI. Vale lembrar que a quase totalidade do material gentico usado como matria-prima para as pesquisas biotecnolgicas, da qual a engenharia gentica a parte mais moderna, est nos pases da sia, frica e Amrica Latina, sendo a Amaznia um dos principais centros de biodiversidade do mundo. Isto explica, em parte, por que os Estados Unidos se recusaram a assinar o Tratado da Biodiversidade, na Eco-92, ocorrida no Estado do Rio de Janeiro.

Arranjos Territoriais Produtivos Agrcolas A reestruturao da agropecuria brasileira processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva, mantendo intocveis algumas estruturas sociais, territoriais e polticas incompatveis com os fundamentos do desenvolvimento. Isso significa que privilegiou determinados segmentos sociais, econmicos e os espaos mais rapidamente suscetveis de uma reestruturao sustentada pelas inovaes cientfico-tcnicas e pela globalizao da produo e consumo.

Acirrou-se a expanso das relaes capitalistas de produo no campo, conduzida de forma extremamente prejudicial maioria da populao rural, organizao do territrio e ao meio ambiente. Desse modo, promoveu um crescimento econmico cada vez mais desigual, gerador de desequilbrios, excluso e pobreza, e acentuou as histricas desigualdades socioeconmicas e territoriais brasileiras. No perodo tcnico-cientfico-informacional, a diviso territorial do trabalho agropecurio se redefine. As regies Sudeste e Sul foram as mais intensamente atingidas pelos processos de modernizao em geral e formam, no dizer de Milton Santos (1986a), a Regio Concentrada. nessa regio que o espao agrcola recebeu mais fixos, tornando mais complexos os sistemas de objetos e mais intensos os fluxos de commodities, capital financeiro e informao especializada, entre outros, renovando permanentemente o territrio. a Regio Concentrada que, desde o incio da reestruturao da agropecuria, se adapta progressiva e eficientemente aos interesses do capital hegemnico, reconstituindo-se imagem do presente tcnico-cientfico-informacional e transformando-se na rea com maior expanso da agricultura cientfica e do agronegcio. A Regio Concentrada a mais mecanizada para a produo agropecuria moderna e aquela onde o meio tcnico-cientfico-informacional se d como contigidade (Santos, 1993). Expandida com maior dinamismo e complexidade, possui a maior composio tcnica e orgnica do espao agrcola, constituda com o conjunto tcnico inerente ao novo ciclo de expanso capitalista. tambm na Regio Concentrada que se encontra o maior nmero de empresas agropecurias e agroindustriais hegemnicas do setor. No entanto, nem mesmo a Regio Concentrada se apresenta homognea. O Estado de So Paulo o ncleo do padro agrrio moderno (Muller, 1989). Mas tambm neste Estado a reestruturao produtiva da agropecuria no se processa de forma homognea, tanto que algumas reas so mais intensamente beneficiadas pelas inovaes. o caso da regio de Ribeiro Preto, a nordeste do Estado, um dos principais exemplos do Brasil agrcola moderno (Elias, 1996, 1997, 2003a), na qual se formaram os CAIs da cana-de-acar e da laranja. Em difuso do agronegcio e da reorganizao do espao agrcola, aps a Regio Concentrada, vem a Centro-Oeste. Considerando a diviso territorial do trabalho agropecurio resultante do processo de reestruturao produtiva do setor, podemos distinguir, ainda, outras duas regies: a Amaznia, que compe a fronteira agrcola, incorporada mais recentemente e de forma parcial modernizao, e a regio Nordeste, que permaneceu como a rea mais resistente s transformaes no conjunto de sua agropecuria. Entretanto, se o meio tcnico-cientfico-informacional se d como contigidade nos espaos agrcolas da Regio Concentrada e em parte do Centro-Oeste, ele aparece como manchas e pontos nestas outras regies. Alguns autores (Delgado,1985; Sorj, 1980; Graziano da Silva, 1982), quando analisam as transformaes da agropecuria brasileira, apresentam a regio Nordeste como um subsetor arcaico da agropecuria no pas, baseada numa estrutura fundiria extremamente concentrada, na grande propriedade e na pequena explorao; no uso extensivo da terra e da mo-de-obra; na baixa capitalizao, tanto por trabalhador quanto por unidade de rea, com a predominncia de noassalariados e semi-assalariados, sujeitos a vrias formas de dependncia, com alta utilizao por unidade de produto e baixo grau de integrao tcnica com os setores industriais componentes dos complexos agroindustriais.

Gostaramos de destacar, no entanto, que tais estudos foram realizados antes das novas dinmicas socioeconmicas em processo e no puderam, portanto, consider-las para anlise. No so poucos os autores segundo os quais, hoje, no existe apenas um Nordeste, mas vrios, com profundas diferenciaes entre si, como j mostraram, entre outros, Gilberto Freire, Djacir de Meneses (1995), Manuel Correia de Andrade (1980), Mrio Lacerda de Melo (1978) e, mais recentemente, Tnia Bacelar de Arajo (1997, 1999, 2000). Com o processo de reestruturao econmica e territorial das ltimas dcadas refora-se a realidade dialtica, denotando-se alguns subespaos dinmicos, conforme esta ltima autora. Se at a dcada de 1980, o conjunto da agropecuria nordestina permaneceu quase inalterado, a partir de ento, se vislumbra a ocupao de novas fronteiras pelo agronegcio globalizado, tomando alguns lugares especficos dessa regio, que passam a receber vultosos investimentos de algumas importantes empresas do setor, difundindo-se a agricultura cientfica e o agronegcio. Nesse contexto, o semi-rido, notadamente alguns de seus vales midos, assim como os cerrados nordestinos, que at ento compunham o exrcito de lugares de reserva (Santos, 1993) para o agronegcio, tornam-se atrativos e so incorporados aos circuitos produtivos globalizados de empresas nacionais e multinacionais hegemnicas do setor. Isto significa que tais reas assumem novos papis na diviso internacional do trabalho agrcola. Consoante temos defendido (Elias, 2001, 2002ab, 2003b), hoje existe no Nordeste, assim como de resto em todo o pas, uma dicotomia entre uma agricultura tradicional e uma agricultura cientfica, apresentando-se esta em algumas partes bem delimitadas do territrio nordestino, constituindo verdadeiros pontos luminosos (Santos, 2000) em pleno semi-rido, especialmente em alguns de seus vales midos (submdio So Francisco e baixo curso dos rios Au e Jaguaribe), assim como nos seus cerrados, particularmente no oeste da Bahia, no sul do Maranho e no sul do Piau. Nas ltimas duas dcadas, estes espaos agrcolas do Nordeste vm sendo afetados pela intensificao das relaes de produo tipicamente capitalistas. Isso significa que as transformaes da agropecuria se do de forma seletiva, e atingem intensamente algumas reas, as quais se especializam em determinadas culturas, corroborando para o avano do capitalismo no campo. Ainda nos anos 1980, o submdio do rio So Francisco foi o primeiro a viver esse processo de difuso da agricultura cientfica e do agronegcio e hoje possui importante regio produtora de frutas, voltadas especialmente para a exportao, notadamente seu trecho polarizado pelos municpios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Da mesma forma, o oeste da Bahia, polarizado pelo municpio de Barreiras, foi a primeira rea do Nordeste a se associar aos processos de difuso da produo intensiva de soja. Nestas reas so visveis as reestruturaes da produo, do territrio, com inmeras conseqncias sobre os elementos sociais e tcnicos da estrutura agrria. Em meados da mesma dcada, a produo intensiva de frutas tropicais passou a ocupar o baixo curso do rio Au, no Rio Grande do Norte, polarizada pelo municpio de Au. Praticamente no mesmo perodo, a produo intensiva de frutas tropicais ocupa o baixo curso do rio Jaguaribe, no Cear, regio polarizada pelo municpio de Limoeiro do Norte. No final da dcada de 1980 e incio dos anos 1990, o agronegcio globalizado passou a ocupar outras reas do exrcito de lugares de reserva no Nordeste. Destacaramos o sul dos Estados do Maranho e do Piau, que sofre uma ocupao intensiva pela produo de gros, especialmente a soja. Todas estas reas passam, desde ento, por importantes transformaes socioespaciais.

A difuso da agricultura cientfica e do agronegcio pelas diferentes regies do Brasil, com a territorializao do capital no espao agrcola brasileiro, inclusive de destacadas multinacionais, passa a dominar parte significativa da produo, da comercializao, da difuso de um pacote tecnolgico e, em alguns casos, do prprio financiamento da produo, como no caso da soja, uma vez que as mais poderosas esmagadoras (Bunge e Cargill) adiantam o pagamento da compra da colheita na poca do plantio. Entre os resultados destes processos, ocorre o acirramento da dialtica na organizao do espao agrcola brasileiro. Formam-se vrios diferentes arranjos territoriais produtivos, a culminar num espao agrcola extremamente fragmentado. A fragmentao dos espaos agrcolas aumenta a diferenciao na lgica de sua organizao, na qual denota-se a seletividade de distribuio das polticas pblicas e dos sistemas de objetos. Desse modo, reforam-se as diferenas, cada vez mais complexas e devastadoras. Isto significa que os lugares escolhidos para receber investimentos transformam-se em pontos de modernizao da economia e do territrio enquanto todo o restante fica margem desse processo. Intensifica-se, portanto, a existncia de grandes diferenciaes do espao agrcola, que apresenta distintas densidades tcnicas e normativas. Grosso modo, h duas lgicas principais na organizao do espao agrcola brasileiro: uma conservadora, que ainda funciona fortemente alicerada nas especificidades das condies naturais e dos ciclos biolgicos das plantas e dos animais; e outra modernizadora, que articula a escala local com a internacional, organizando o espao a partir de imposies de carter ideolgico e de mercado. A nosso ver, possvel, a partir das novas dinmicas hegemnicas difundidas por vrios lugares at ento de reserva para o agronegcio, detalhar alguns dos elementos para anlise deste espao agrcola fragmentado. Tal fragmentao muito mais devastadora do que as preexistentes, em virtude de acirrarem a refuncionalizao do espao agrcola brasileiro como um todo, e se difundirem especializaes territoriais produtivas, denotando-se inmeras seletividades, seja da organizao da produo, seja da dinmica do prprio espao agrcola, a resultar numa nova diviso territorial do trabalho agropecurio. Devemos, porm, ressaltar a existncia de vrios circuitos produtivos associados economia agrcola, assim como inmeras superposies particulares de divises territoriais do trabalho. Enquanto cada produo agropecuria ou agroindustrial estabelece um conjunto especfico de circuitos espaciais de produo de diferentes naturezas e magnitudes, formam-se diferentes arranjos territoriais produtivos, os quais se sobrepem, muitas vezes. Entre os agentes sociais ou econmicos associados agropecuria que promovem circuitos produtivos com caractersticas especficas e produzem diferentes arranjos territoriais, poderamos citar pelo menos quatro principais. Um primeiro associa-se agricultura familiar, agricultura camponesa, no integrada ao agronegcio, que vive da agricultura de subsistncia ou da produo simples de mercadorias e que, apesar da difuso do capitalismo no campo, continua a se reproduzir, conforme j provaram alguns estudos, como os de Oliveira (1997) e Martins (1990). Um segundo grupo seria o composto pela pequena produo integrada ao agronegcio, o qual, a despeito de suas especificidades, pode ser observado em vrios segmentos do agronegcio, como na produo de frutas nos vales midos da regio Nordeste (Petrolina/Juazeiro - PE/Ba, baixo Au - RN e baixo Jaguaribe CE), na avicultura no Sul e Centro-Oeste, no fumo no Sul etc. Os mdios e grandes empresrios agrcolas, integrados ou no agroindstria, comporiam um terceiro grupo. Entre os empresrios integrados, o caso da soja nos cerrados e o da laranja no Estado de So Paulo so exemplos notrios. Nestas duas situaes, o principal elo de dependncia entre

empresrios e agroindstria d-se pelo adiantamento de capital promovido pelas agroindstrias por ocasio da compra antecipada da colheita. Ou seja, as agroindstrias adiantam o capital da aquisio da matria-prima em fases do ciclo produtivo anteriores colheita. Assim, funcionam, por vezes, como substitutas das instituies financeiras no fornecimento de capital de custeio. Com a compra antecipada da produo, praticamente tornam os empresrios agrcolas, aos quais chamam de clientes, seus fornecedores exclusivos. Em face de determinados sistemas agroindustriais, parece-nos que este tipo de relao entre produtores agrcolas e agroindstria tem contribudo para a acumulao de capital tambm entre os primeiros. Neste particular, o setor de suco concentrado de laranja mostra-se um caso exemplar. Por ocasio do incio da atividade no Brasil, em meados da dcada de 1960, quando se deu a instalao da primeira agroindstria de suco concentrado de laranja de grande porte (Citrosuco), na regio de Ribeiro Preto (SP), era recorrente o uso de tal forma de negociao da compra e pagamento da produo por ocasio da florada dos pomares. Embora o sistema agroindustrial associado citricultura passe por uma reestruturao desde meados da dcada de 1990, e j apresente como resultado um processo de concentrao, tornando invivel a permanncia de vrios pequenos e mdios citricultores neste ramo do agronegcio, o processo de adiantamento de capital por ocasio da estimativa da safra efetivamente possibilitou a muitos pequenos agricultores se transformarem em empresrios agrcolas. Estes so signos, entre tantas outras coisas, da formao de uma classe mdia agrcola, cuja residncia passa a ser a cidade local prxima ao espao agrcola no qual realiza sua atividade produtiva, na grande parte das vezes em cidades que estamos classificando de cidades do agronegcio. Um quarto segmento seria formado pelas grandes holdings que dominam parte significativa dos segmentos da cadeia produtiva de determinados sistemas agroindustriais, do plantio ao processamento agroindustrial, como ocorre no sistema agroindustrial sucroalcooleiro, entre os mais concentrados no Brasil. A difuso da estrutura monopolista e oligopolista de mercado propiciou tanto a centralizao de capitais como a acumulao de capitais de magnitude superior. Entre os fatores preponderantes para o processo de concentrao verificado no sistema agroindustrial sucroalcooleiro encontra-se a existncia de vultosas quantias de crdito, especialmente na dcada de 1970, que ganhou novos contornos com a promulgao do Prolcool, em 1975. Esta acumulao ampliada de capital proporcionou a concentrao da riqueza nas mos de empresas capitalistas que cresceram significativamente, e possibilitaram a produo em larga escala, associada ao circuito superior da economia. Desse modo, tornaram mais complexos os circuitos espaciais de produo e os crculos de cooperao das atividades econmicas por elas desenvolvidas. O domnio das duas principais holginds associadas ao setor sucroalcooleiro estende-se da posse da terra para a produo de matria-prima at a fabricao do maquinrio para sua transformao industrial. Conforme observado, as horizontalidades e verticalidades construdas a partir das demandas do principal grupo do setor, localizado na regio de Ribeiro Preto (SP), foram capazes de promover a urbanizao e o crescimento urbano de algumas cidades da regio, como Sertozinho. Outros agentes cuja produo resultam em circuitos produtivos agrcolas significativos para a reorganizao do espao agrcola e urbano no Brasil poderiam ainda ser lembrados. Mas, ante a complexidade e as especificidades dos diferentes sistemas agroindustriais atuantes no pas, a nosso ver o importante destacar que, a partir da dialtica na organizao dos espaos agrcolas

incorporados produo agropecuria intensiva e utilizando para anlise a categoria dos circuitos espaciais da produo proposta por Santos (1986b, 1988), possvel vislumbrar vrios circuitos produtivos associados economia agrcola, a compor diferentes arranjos territoriais produtivos, cada qual com sua especificidade no tocante s relaes de produo, s formas de armazenamento e transporte, s relaes com o mercado etc. Entre estes arranjos territoriais produtivos, alguns compem pontos das redes de fluxos rpidos, que conectam as reas com a qual interagem diretamente com os centros de poder em nvel mundial, ou seja, a escala local est articulada com a internacional. Desse modo, organiza-se o territrio a partir de imposies de carter ideolgico e de mercado. Estes comporiam o circuito superior da economia agrcola brasileira, os pontos luminosos do espao agrcola brasileiro, no tocante agricultura cientfica. Alm disso, enfatizamos, o circuito superior da economia agrcola s se realiza em unssono com as cidades, prximas e distantes, e incrementa a economia urbana e a urbanizao, resultando num tipo especfico de cidade que estamos classificando de cidade do agronegcio. Pela diversidade dos sistemas agroindustriais existentes no Brasil, na nossa opinio, compreender os fixos e os fluxos, os sistemas de objetos e os sistemas de ao das principais empresas territorializadas nos pontos luminosos do espao agrcola brasileiro principalmente as associadas ao circuito superior da economia, e, ao mesmo tempo, compreender seus circuitos espaciais de produo e seus crculos de cooperao um exerccio de anlise. Tal exerccio poder nos permitir a sntese das estratgias de ao dos grandes conglomerados e das empresas agrcolas em geral que atuam no agronegcio, assim como do territrio resultante destes processos, ou seja, das novas especializaes produtivas inerentes ao agronegcio, que culminam nos diferentes arranjos territoriais produtivos. Conforme acreditamos, o estudo da reestruturao produtiva da agropecuria brasileira, que culmina com a racionalizao do espao agrcola, com a expanso do meio tcnico-cientficoinformacional no campo, nos ajuda a revelar tanto inmeras redefinies regionais ocorridas no Brasil nas ltimas dcadas, como parte da dinmica, formao e crescimento de vrias das cidades locais e algumas das cidades mdias hoje existentes no pas, especialmente no Brasil agrcola com reas urbanas (Santos, 1993), as quais estamos aqui denominando de cidades do agronegcio.

As Cidades do Agronegcio No Brasil, a territorializao do capital e a oligopolizao do espao agrcola tm promovido profundos impactos socioespaciais, quer no campo quer nas cidades. Isto explica em parte a reestruturao do territrio e a organizao de um novo sistema urbano, muito mais complexo, resultado da difuso da agricultura cientfica e do agronegcio globalizados, que tm poder de impor especializaes produtivas ao territrio. possvel identificar vrias reas nas quais a urbanizao se deve diretamente consecuo do agronegcio globalizado. Como notrio, a modernizao e expanso destas atividades promovem o processo de urbanizao e de crescimento das reas urbanas, cujos vnculos principais se devem s inter-relaes cada vez maiores entre campo e cidade. Estas se desenvolvem atreladas s atividades agrcolas e agroindustriais circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produo e consumo se do de forma globalizada. Representam um papel fundamental para a expanso da urbanizao e para o crescimento de cidades intermedirias e locais, fortalecendo-as, seja em termos demogrficos ou econmicos.

Os elementos estruturantes destas novas relaes so encontrados na expanso das novas relaes de trabalho agropecurio, promovendo o xodo rural (migrao ascendente) e a migrao descendente (Santos, 1993) de profissionais especializados no agronegcio; na difuso do consumo produtivo agrcola (Santos, 1988; Elias, 2003ab). Ao mesmo tempo, dinamizam o tercirio e, conseqentemente, a economia urbana, e evidenciam que na cidade que se realiza a regulao, a gesto e a normatizao das transformaes verificadas nos pontos luminosos do espao agrcola. A racionalizao deste espao imposta pela difuso do agronegcio e da agricultura cientfica deriva do modelo de produo e consumo agropecurio estandardizado de alimentos. Este resulta na formao de redes de produo agropecuria globalizadas que associam: empresas agropecurias, fornecedores de insumos qumicos e implementos mecnicos, laboratrios de pesquisa biotecnolgica, prestadores de servios, agroindstrias, empresas de distribuio comercial, empresas de pesquisa agropecuria, empresas de marketing, cadeias de supermercados, empresas de fast food etc. Como resultado temos a intensificao da diviso do trabalho, das trocas intersetoriais, da especializao da produo e a formao de diferentes arranjos territoriais produtivos agrcolas, assim como na reestruturao das cidades nas suas adjacncias, a mostrar o aprofundamento da territorializao do capital no campo e da monopolizao do espao agrcola. Conforme defendemos, possvel identificar no Brasil agrcola moderno (Elias, 1996,1997, 2003ab, 2005ab, 2006) vrios municpios cuja urbanizao se deve diretamente consecuo e expanso do agronegcio, e formam-se cidades cuja funo principal claramente se associa s demandas produtivas dos setores relacionados modernizao da agricultura. Como observado, nestas cidades se realiza a materializao das condies gerais de reproduo do capital do agronegcio. No perodo tcnico-cientfico-informacional, as cidades do agronegcio se multiplicam no pas e passam a desempenhar muitas novas funes. Transformam-se, ento, em lugares de todas as formas de cooperao erigidas pelo agronegcio globalizado, e resultam em muitas novas territorialidades. Se a cidade a materializao das condies gerais de reproduo do capital (Carlos, 2004), a cidade do agronegcio aquela cujas funes de atendimento s demandas do agronegcio globalizado so hegemnicas sobre as demais funes. Segundo Santos (1994), a adio de produtos qumicos, a utilizao da biotecnologia, o uso intensivo de mquinas agrcolas, entre outros, alm de mudar a composio tcnica e orgnica da terra, fizeram expandir no campo o meio tcnico-cientfico-informacional, o que explica em parte a interiorizao da urbanizao, pois afora o fenmeno da fbrica moderna dispersa d-se tambm o fenmeno da fazenda moderna dispersa (Santos, 1993). Associados consecuo do agronegcio globalizado, originaram-se intensos movimentos de xodo rural, fator determinante para a compreenso do processo de urbanizao acelerada e catica em curso no Brasil nos ltimos quarenta anos. Este processo acarretou profunda crise urbana hoje extensiva a brasileiros de todas as partes do pas, fazendo eclodir, desde a dcada de 1980, inmeros movimentos sociais, tanto no campo como na cidade. Destes, destacamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) como o movimento social mais importante e organizado de toda a histria do pas [2] . Paralelamente difuso da agricultura cientfica e do agronegcio, processou-se um crescimento de reas urbanizadas tambm no campo, notadamente nas reas que se modernizam, porquanto, entre outras coisas, a gesto da agropecuria moderna necessita da sociabilidade e dos espaos urbanos. Tal fato colabora para o Brasil chegar ao sculo XXI com uma generalizao do fenmeno da

urbanizao da sociedade e do territrio. Os antigos esquemas utilizados para classificar a sua rede urbana, as divises regionais, as regies metropolitanas, at hoje empregados pelos institutos oficiais de pesquisa do pas, esto, em parte, j bastante ultrapassados. Requerem, portanto, urgente reviso, capaz de dar conta da complexidade e da dinmica da realidade atual. Ao lado da metropolizao, principal caracterstica da urbanizao brasileira nas dcadas de 1960 e 1970, Milton Santos (1993) adverte para o fato de, o Brasil ter passado por verdadeira revoluo urbana, a partir da dcada de 1980, com a expanso do fenmeno da involuo metropolitana, quando crescem tambm as cidades mdias e locais. Da concordarmos com sua afirmao de ser impossvel continuar simplesmente dividindo o Brasil entre urbano e rural. Para ele, uma diviso entre um Brasil urbano com reas agrcolas e um Brasil agrcola com reas urbanas refletiria melhor a realidade contempornea do pas. Uma das conseqncias da reestruturao produtiva da agropecuria no Brasil o processo acelerado de urbanizao e crescimento urbano, promovidos, entre outros, pelas novas relaes entre o campo e a cidade, desencadeadas pelas novas necessidades do consumo produtivo, o qual cresce mais rapidamente do que o consumo consumptivo. Isto denota o que Santos (1988b, 1992, 1993, 1994, 1996, 2000) chamou de cidade do campo, conceito que utilizamos por cerca de uma dcada (Elias, 1996, 1997, 2003ab, 2005ab), embora atualmente prefiramos substitu-lo pelo de cidade do agronegcio (Elias, 2006). Sem dvida, o impacto de todas essas transformaes tcnicas, econmicas e sociais na dinmica populacional e na estrutura demogrfica foi intenso. Concomitantemente a uma verdadeira revoluo tecnolgica da produo agropecuria e agroindustrial, s transformaes nas relaes de trabalho, ocorreu uma revoluo demogrfica e urbana, marcada por grande crescimento populacional, particularmente urbano. Dessa forma, o Brasil tem apresentado acelerado processo de urbanizao e notvel crescimento urbano. Como observado, uma das caractersticas do processo de modernizao das atividades agropecurias no Brasil o desenvolvimento de uma gama muito extensa de novas relaes entre o campo e as cidades. Isto se deve crescente integrao dessas atividades ao circuito da economia urbana. Tal situao se d tanto pelo fato de seus produtos serem cada vez mais entregues aos mercados urbanos para serem processados e consumidos como, principalmente, porque a agropecuria moderna tem o poder de impor especializaes territoriais cada vez mais profundas. As demandas das produes agrcolas e agroindustriais intensivas tm o poder de adaptar as cidades prximas s suas principais demandas, convertendo-as no seu laboratrio, em virtude de fornecerem a grande maioria dos aportes tcnicos, financeiros, jurdicos, de mo-de-obra e de todos os demais produtos e servios necessrios sua realizao. Quanto mais modernas se tornam essas atividades, mais urbana se torna a sua regulao. A cada renovao das foras produtivas agrcolas e agroindustriais, a cada renovao dos sistemas tcnicos agrcolas e dos sistemas de ao que lhe do suporte, as cidades das reas adjacentes aos espaos agrcolas de produo intensiva se tornam responsveis pelas demandas crescentes de uma srie de novos produtos e servios, das sementes transgnicas mo-de-obra especializada. Isto faz crescer a urbanizao, o tamanho e o nmero das cidades do agronegcio. As casas de comrcio de implementos agrcolas, sementes, gros, fertilizantes; os escritrios de marketing, de consultoria contbil; os centros de pesquisa biotecnolgica; as empresas de

assistncia tcnica, de transportes; os servios do especialista em engenharia gentica, veterinria, administrao, meteorologia, agronomia, economia, administrao pblica, entre tantas outras coisas, difundem-se por todas as partes do Brasil agrcola moderno (Elias, 1996, 1997, 2003ab). Com isso, a modernizao agropecuria no apenas ampliou e reorganizou a produo material, agrcola e industrial, como foi determinante para a expanso quantitativa e qualitativa da produo no-material, aumentando a terciarizao das economias prximas s reas de realizao do agronegcio, especialmente os ramos associados ao circuito superior da economia. O resultado uma grande metamorfose e crescimento da economia urbana das cidades prximas das produes agropecurias modernas, paralelamente ao desenvolvimento de um novo patamar das relaes entre cidade e campo, vislumbrvel nos diferentes circuitos espaciais de produo e crculos de cooperao estabelecidos entre esses dois espaos. O crescimento da produo nomaterial se deve ainda ao crescimento populacional e revoluo do consumo, esta ltima erigida sob os auspcios do consumo de massa, que impe numerosas necessidades aparentemente naturais associadas existncia individual e das famlias. Nas condies brasileiras, existem vrios exemplos segundo os quais os lugares que mais rapidamente respondem aos apelos de uma produo cientfica esto entre os que mais fizeram surgir inmeras atividades no classificveis entre as mais tradicionais atividades econmicas, particularmente do tercirio. Nessas reas, para melhor entender a urbanizao, temos de nos preocupar com a existncia das novas atividades comerciais e de servios, nem sempre disponveis em forma de estatsticas, mas fundamentais para o reconhecimento da realidade contempornea. Os anos 1970 foram de radicais transformaes para inmeras atividades tercirias, com a instalao de muitos novos fixos e, conseqentemente, a constituio de muitos novos fluxos, de matria e de informao, seja intra-urbanos, interurbanos ou entre a cidade e o campo. A intensificao e a especializao da produo aumentam as trocas, da mesma forma que as possibilidades de fluxos. Isto promove maior integrao do territrio nacional. Com a fluidez possvel graas construo dos modernos sistemas de engenharia dos transportes e das comunicaes, intensificam-se as trocas de toda natureza, com grandes impactos na vida social e no territrio, reformulando o sistema urbano antigo. A expanso dos complexos agroindustriais no apenas repercutiu na estrutura tcnica das suas respectivas atividades econmicas como causou profundos impactos nas relaes de trabalho, transformando o conjunto de normas e padres que regulavam tais relaes. Como resultado, ocorre uma nova diviso social e territorial do trabalho, com grandes impactos na estrutura demogrfica e do emprego, que culminam com acelerado processo de urbanizao. O aprofundamento da diviso social e territorial do trabalho agrcola, possvel a partir das condies de instantaneidade e de simultaneidade (Santos, 1996, 2000), verificadas com a revoluo tecnolgica, induziu transformao das relaes entre as cidades, e aumentou as diferenas entre elas, as quais se tornam cada vez mais distintas umas das outras, a despeito de existirem inmeras caractersticas similares, decorrentes do processo unssono que as rege. Em virtude de se organizarem para atender s demandas das atividades econmicas, o resultado uma total remodelao do territrio e a organizao de um novo sistema urbano, hoje muito mais complexo do que h trinta anos, com uma veloz e incessante substituio do meio natural e do meio tcnico pelo meio tcnico-cientfico-informacional. Cada vez que o territrio brasileiro reelaborado para atender produo dos complexos agroindustriais, novos fixos artificiais se

sobrepem natureza, e, desse modo, amplia-se a complexidade dos seus sistemas tcnicos. Diante disto, o territrio torna-se cada vez mais rgido, mais rugoso, promovendo uma urbanizao corporativa (Santos,1993; Elias, 1996), ou seja, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas. Dessa forma o conhecimento do processo de expanso do meio tcnico-cientficoinformacional no campo parece ser, a partir da anlise do fenmeno espacial, uma das vias de reconhecimento da sociedade e do territrio brasileiros atuais. Nas reas mais modernas do Brasil agrcola (Santos,1993) intenso o desenvolvimento de reas urbanas cujos nexos essenciais se devem s inter-relaes cada vez maiores criadas no contexto da globalizao da produo e do consumo de produtos agrcolas e agroindustriais. A modernizao da atividade agrcola e agroindustrial, em especial, redefine o consumo do campo, que deixou de ser apenas consumptivo para se tornar cada vez mais produtivo, e criou demandas at ento inexistentes, ampliando o processo de urbanizao. As cidades do agronegcio do Brasil agrcola moderno (Elias, 1996, 1997, 2003ab) tm-se desenvolvido atreladas s atividades agrcolas e agroindustriais circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produo e consumo se do, em grande parte, de forma globalizada. No perodo tcnico-cientfico-informacional as cidades se multiplicaram no pas e passaram a desempenhar muitas novas funes, transformando-se em lugares de todas as formas de cooperao erigidas pela produo agrcola e industrial, associadas aos complexos agroindustriais. No apenas a cidade que tem fora para receber e emitir numerosos e variados fluxos. Hoje, muitas das atividades realizadas no campo so no necessariamente agrcolas, mas industriais, visto que uma parte considervel das agroindstrias se localiza no campo, junto produo de suas matrias-primas. Essas agroindstrias tm o poder de criar muitas novas relaes, prximas e distantes, cujos circuitos espaciais da produo e crculos de cooperao (Santos, 1986, 1988) buscam nexos distantes. Conseqentemente, criam uma gama de novas relaes sobre o territrio, transformam radicalmente as tradicionais relaes campo-cidade, e fazem com que esses dois espaos passem a emitir e a receber larga quantidade de fluxos de matria e de informao. O resultado uma total reorganizao do territrio brasileiro, urbano e agrcola, onde se destaca a expanso do meio tcnico-cientfico-informacional no s nas cidades, mas tambm no campo. Tudo isso fez da urbanizao um fenmeno bastante complexo, dada a multiplicidade de variveis que nela passam a interferir, como, por exemplo, a modernizao agropecuria associada ao setor industrial, com a conseqente especializao dessas produes; o crescimento da produo nomaterial, seja associada ao consumo produtivo ou ao consumo consumptivo; o aumento da quantidade e da qualidade de trabalho intelectual; o intenso processo de xodo rural; a existncia do agrcola no-rural; a migrao descendente etc. Tudo isso torna invivel considerar apenas as antigas relaes cidade-campo, pois at mesmo o urbano diferente do que era trinta anos atrs. Quanto mais se aprofunda a diviso do trabalho agrcola, mais intenso e complexo se torna o processo de urbanizao. Em todo o Brasil agrcola com reas urbanas possvel a existncia de cidades facilmente identificveis como cidades do agronegcio: Rio Verde (GO); Sorriso, Primavera do Leste e Rondonpolis (MT); Sertozinho, Mato e Bebedouro (SP); Petrolina (PE); Limoeiro do Norte (CE); Balsas (MA); Uruu (PI); Barreiras e Lus Eduardo Magalhes (BA), entre outras. Em todas visvel a desestruturao da formao socioespacial anterior e a promoo de novas dinmicas territoriais, polticas, sociais e culturais.

Consideraes finais No incio de um novo milnio, vive-se uma quebra dos principais paradigmas da relao homemnatureza e reforam-se os questionamentos sobre a viabilidade do modelo de agricultura adotado no Brasil com o advento da globalizao. Nenhum outro modelo promoveu tanta pobreza, desigualdades e degradao ambiental em to pouco tempo; nenhum provocou uma crise de tantas magnitudes, no campo e nas cidades, a evidenciar a associao entre crescimento econmico e deteriorao da situao social e ambiental, com o agravamento das contradies. As transformaes da produo agropecuria e do espao agrcola brasileiros se processaram de forma socialmente e espacialmente seletivas, ao preo de pesados custos sociais e que s vingou pelo amplo amparo do Estado, o qual manteve intocvel algumas estruturas sociais, territoriais e polticas incompatveis com os fundamentos do crescimento econmico voltado para a eqidade social e territorial, acentuando as histricas desigualdades sociais e territoriais brasileiras. Com o acirramento da economia globalizada e a reestruturao do sistema produtivo, h uma ecloso de movimentos sociais, e criam-se novas solidariedades orgnicas (Santos, 1988, 2000), em contraposio aos instrumentos de administrao internacional da agropecuria cientfica globalizada. No Brasil, neste sentido, o MST , indiscutivelmente, a maior referncia. Na efervescncia dos movimentos em prol de uma sociedade mais justa e das discusses sobre a implementao de novos modelos gerenciais para a conduo da economia brasileira, disseminamse as discusses sobre um modelo alternativo de produo agropecuria. Destacaramos, entre os j amplamente estudados impactos exercidos pelo modelo tecnolgico adotado na agropecuria sobre o meio ambiente, a eroso gentica, que dever intensificar-se com a disputa das multinacionais pela oligopolizao da produo e distribuio das sementes para a agricultura. Para incorporar os excludos do modelo de modernizao em curso, urge o exerccio de uma poltica de desenvolvimento agrcola baseada em interesses endgenos, pautados pela viabilidade econmica, pela sustentabilidade ecolgica, pela qualidade esttica e pela igualdade social. Alm disso, a ideologia do consumo e o neoliberalismo, que impedem a convivncia realmente solidria, devem ser substitudos pelas noes bsicas de eqidade social e de cidadania, s absorvidas mediante mudanas estruturais culturais e sociais, cada vez mais indispensveis sustentabilidade do desenvolvimento. Caso contrrio, todos os programas e projetos no passaro de retrica e tero um carter paliativo, no intuito de arrefecer o descontentamento popular. A expanso da agricultura cientfica e do agronegcio, a artificializao da agropecuria, a expanso de algumas poucas culturas, a substituio de matas nativas por culturas comerciais, a difuso do uso dos transgnicos etc., esto entre os vetores que tm afetado profundamente o territrio brasileiro, com acentuada diminuio de variedades vegetais e animais, com profundos impactos nos seus ecossistemas. Resta-nos, diante das questes supracitadas, aprofundar os caminhos para construir os elos da sustentabilidade na agropecuria brasileira, em busca de uma outra globalizao.

Notas[1] No entraremos na celeuma que a utilizao do conceito suscita para o caso da agropecuria. Aqui este entendido como o processo que promove transformaes nos elementos tcnicos e sociais da estrutura agrria. [2] Sobre este assunto podem ser vistos trabalhos de vrios gegrafos, particularmente os de Bernardo Manano Fernandes.

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Copyright Denise Elias, 2006 Copyright Scripta Nova, 2006

Ficha bibliogrfica: ELIAS, D.Globalizao e fragmentao do espao agrcola do Brasil. Scripta Nova. Revista electrnica de geografa y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, nm. 218 (03). [ISSN: 1138-9788]