gestão intergovernamental no financiamento do sistema Único de saúde - sus

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: A PROGRAMAÇÃO PACTUADA E INTEGRADA (PPI) DO SUS-MG, 1997-98 Francisco Carlos Cardoso de Campos Belo Horizonte 2000

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Dissertação apresentada ao Curso de Mestradodo Centro de Pós-Graduação e Pesquisas emAdministração- CEPEAD - da Faculdade de CiênciasEconômicas - FACE- da Universidade Federal de MinasGerais - UFMG.

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Page 1: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO

GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: A PROGRAMAÇÃO

PACTUADA E INTEGRADA (PPI) DO SUS-MG, 1997-98

Francisco Carlos Cardoso de Campos

Belo Horizonte

2000

Page 2: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

II

Francisco Carlos Cardoso de Campos

GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: A PROGRAMAÇÃO

PACTUADA E INTEGRADA (PPI) DO SUS-MG, 1997-98

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração. Área de Concentração: Organizações e Recursos Humanos Orientador: Prof. Dr. Reynaldo Maia Muniz

Belo Horizonte

2000

Page 3: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

III

Dedico este trabalho a todos aqueles que abraçaram

a luta por um Sistema Nacional de Saúde público,

equânime e gratuito para todos os brasileiros, quando

todas as outras forças se orientavam para outra direção, e

a esta luta dedicam as suas vidas,

E a meu pai, Gabriel, e minha mãe, Alba, pelo apoio

e incentivo constantes...

Page 4: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

IV

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, ao combalido instituto da UNIVERSIDADE PÚBLICA E

GRATUITA e também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico - CNPq - que, através da concessão de bolsa, permitiu minha dedicação

às atividades do Curso de Mestrado.

Minha gratidão não é menor a minha esposa, Crizelide, e a minha filha, Ana,

por suportarem, com relativa tolerância, minhas ausências durante esses três anos a

que me dediquei ao mestrado.

Ao meu orientador, Prof. Reynaldo Maia Muniz, a quem devo a sugestão do

tema desta dissertação e todo o desenvolvimento teórico sobre gestão

intergovernamental representado por sua pioneira tese de doutorado. Também, por

sua infinita paciência e tolerância com o aluno pouco disciplinado e por ter

transformado a difícil tarefa da orientação numa relação de amizade e confiança

pessoais.

Ao Dr. Edmundo Pereira Rodrigues, pela acolhida com que me honrou na

Coordenadoria de Oftalmologia Social da SES/MG e pela liberação e flexibilização

dos horários de trabalho, sempre que se fez necessário para o desempenho de

minhas atividades no mestrado e, mais ainda, pelo seu exemplo de persistência,

dedicação e entusiasmo na luta por reduzir a cegueira física e política dos mineiros.

A Suzana Maria Morais Miranda, Érica Shisleine Rezende Pinto Souza e

Regina Maria Morais Miranda, pelo diligente e árduo trabalho de transcrição das

entrevistas.

Ao Prof. Dr. Francisco Eduardo de Campos, Coordenador Geral do Núcleo de

Pesquisas em Saúde Coletiva e Nutrição – NESCON – da Faculdade de Medicina de

Universidade Federal de Minas Gerais, por franquear, gentilmente, a infra-estrutura

do Núcleo para a realização dos trabalhos da pesquisa.

Ao Prof. Dr. José Maria Malta Lima, pela zelosa e eficiente correção estilística

e gramatical do texto da Dissertação.

Finalmente, e em especial, a todos os meus colegas de turma, pela ótima

convivência e colaboração mútua, e aos professores e funcionários do CEPEAD, pela

sua dedicação e seriedade com que encaram seu trabalho.

A todos, meu muito obrigado.

Page 5: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

V

“Administrar um grande Estado é como preparar um

pequeno peixe”

(LAO TZÉ, no Tao Te King)

Page 6: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

VI

RESUMO Os mecanismos de gestão intergovernamental (GIG) utilizados na negociação

dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento do Sistema Único de

Saúde (SUS) e do conflito redistributivo resultante foram analisados a partir de um

estudo de caso do processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI) ocorrido no

estado de Minas Gerais, Brasil, nos anos de 1997 e 1998.

A PPI 97/98 inseriu-se numa estratégia adotada pelo gestor estadual de

elevação dos volumes de recursos para o estado e de consolidação de um pacto

político com atores emergentes no cenário setorial em decorrência do próprio

movimento de descentralização verificado na gestão anterior. A identidade de

interesses introduzida na instância de negociação formal (Comissão Intergestores

Bipartite) obrigou à negociação dos conflitos por outros canais. A ineficácia relativa

dos mecanismos de GIG no tratamento do conflito redistributivo no interior do setor

resultou na sua extrapolação para outras áreas do sistema político.

A partir de categorias analíticas construídas a partir da teoria existente sobre

Relações Intergovernamentais (RIG) e Gestão Intergovernamental (GIG), comprovou-

se a utilização de mecanismos semelhantes aos descritos por outros autores para

outros sistemas federativos. Ressalte-se a articulação em redes intergovernamentais,

com graus diferenciados de integração e continuidade dos contatos, decrescendo

desde o nível federal (sub-rede federal) em direção a estados e municípios (sub-rede

estadual). Os atores se relacionam com alto grau de informalidade, atuando à parte

das linhas de mando hierárquicas, com alto grau de autonomia e baixa necessidade

de coordenação vertical. Os conflitos de competência são marcantes, indicando a

persistência de uma fase de transição do modelo centralizado anterior. Mecanismos

de GIG conhecidos como mudança de procedimentos e controle de recursos são

freqüentemente utilizados. Observam-se também mecanismos específicos, que não

contradizem a teoria existente, como a retenção de metas, uma tática marcada pela

manipulação dos dados no processo de programação dos recursos de custeio, e o

camaleonismo de alguns atores, que mudam de postura e discurso conforme o locus

ocupado na rede.

Palavras-chave: relações intergovernamentais; gestão intergovernamental; redes

intergovernamentais; administração pública; financiamento de políticas sociais;

descentralização das políticas de saúde; Programação Pactuada e Integrada;

Sistema Único de Saúde.

Page 7: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

VII

ABSTRACT

This study aims to analyze the mechanisms of Intergovernmental Management (IGM)

and their utilization in the definition of criteria for distribution of financial resources

among intergovernmental spheres in the Brazilian Unified Health System (Sistema

Único de Saúde). In order to deal with the resulting distributive conflict, a case study

was also analyzed. This case is about the so-called process of Integrated Pactuated

Programming – IPP (Programação Pactuada e Integrada – PPI) in the state of Minas

Gerais, Brazil, during 1997 and 1998. The IPP was part of a strategy adopted by state

health authorities as to increase the financial grants for the state level, thus

consolidating a political pact in this scenario. Emergent stakeholders are now a part of

such a pact in the health sector due to a decentralization process verified in the former

administration. Common political interests were brought to a formal negotiating sphere

(Comissão Intergestores Bipartite/Bipartite Managers Commission). Such a new

outcome obliged all interested parts to negotiate the existing conflicts by other informal

channels. The relative inefficacy of these IGM mechanisms to deal with a distributive

conflict in the sector led to an overshot point in other areas of the political system. The

analytical categories observed in this study were found in the intergovernmental

relations and management theory. The study identified similar mechanisms already

pointed out by some other authors concerning other federal systems. Another

important issue that was emphasized was the articulation resulting from different

continuing contacts (federal to state and state to municipalities) in the

intergovernmental network. Such a network has been established with differentiated

levels of integration. The relationships among the participants were observed in a high

level of informality acting apart from hierarchies, showing a high degree of autonomy

and a low vertical coordination need. A conflict of competence is pronounced

indicating a visible persistent transitional phase once compared to the former

centralized model. IGM mechanisms called change of procedures and resources

control are frequently used. Specific mechanisms which do not contradict the current

theory, like the so-called retention of goals in this study, a political tactic marked by

manipulation of data in the budgetary resources process and the chamaleonism of

some stakeholders that do change attitudes, behaviors and discourses according to

the locus where they start in this network, were also observed.

Keywords - Intergovernmental relations; intergovernmental management,

intergovernmental networks, public administration, social policy financing, health

policy, health systems, Sistema Único de Saúde, Programação Pactuada e Integrada.

Page 8: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

VIII

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 REFERENCIAL TEÓRICO 19 2.1 RELAÇÕES E GESTÃO INTERGOVERNAMENTAIS 19

2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E FEDERALISMO 22

2.3 DESCENTRALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS 26

2.4 MODELOS DE RELAÇÕES DE AUTORIDADE NAS RIG 31

2.5 A GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL DE POLÍTICAS 33

2.6 COOPERAÇÃO E CONFLITO NA GESTÃO DAS POLÍTICAS 34

3 METODOLOGIA 37 3.1 TRABALHO DE CAMPO 42

3.1.1 SELEÇÃO DO "HOMEM - CHAVE" 42

3.1.2 AS ENTREVISTAS 43

3.2 CATEGORIAS ANALÍTICAS ADOTADAS 44

3.2.1 CATEGORIA : "INTERAÇÃO" 46

3.2.2 CATEGORIA "ARTICULAÇÃO EM REDE" 47

3.2.3 CATEGORIA "CAPACIDADE DE AÇÃO" 49

3.2.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇÃO" 50

3.2.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO" 50

3.2.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS" 51

3.2.7 CATEGORIA "CONTROLE DOS RECURSOS" 51

3.2.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO" 52

3.2.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO" 52

4 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA 54 4.1 ALGUNS IMPASSES NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS 55

4.2 O FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 59

4.2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DEPENDENTE E VINCULADA 59

4.2.2 OS CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO CONTIDOS NA LEGISLAÇÃO 59

4.2.3 A REGULAMENTAÇÃO NEGOCIADA 63

4.3 A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE EM MINAS GERAIS : SUA CONSTITUIÇÃO

E MOMENTOS DE FUNCIONAMENTO 69

4.3.1 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NÃO INSTITUCIONALIZADA 69

4.3.2 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NA CIB FORMALIZADA 72

4.3.3 A FASE DO CONFLITO ABERTO : 1995-1996 75

4.3.4 A FASE DA CIB HOMOGÊNEA: A EXTERIORIZAÇÃO DO CONFLITO PARA OUTRAS

DIMENSÕES DO SISTEMA POLÍTICO 78

Page 9: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

IX

5 RESULTADOS 80 5.1 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DA PPI 97/98 80

5.1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PPI 97/98 80

5.1.2 A REALIZAÇÃO DA PPI COMO MECANISMO DE PRESSÃO PELO AUMENTO DOS

RECURSOS 87

5.1.3 A PPI ESTADUAL COMO UM MECANISMO DE CONSOLIDAÇÃO DE UM NOVO PACTO

POLÍTICO 90

5.1.4 MUNICÍPIOS PEQUENOS CONTRA MUNICÍPIOS GRANDES: A EXPLORAÇÃO DAS

DESIGUALDADES 92

5.1.5 INSTRUMENTO DE PROGRAMAÇÃO AMBULATORIAL: A PLANILHA ELETRÔNICA 93

5.1.6 A PACTUAÇÃO DAS METAS ENTRE OS MUNICÍPIOS 95

5.1.7 AJUSTE FINAL DOS TETOS ORÇAMENTÁRIOS MUNICIPAIS 98

5.1.8 A PUBLICAÇÃO OFICIAL DOS TETOS MUNICIPAIS E SUA APRESENTAÇÃO AO

MINISTÉRIO DA SÁUDE 102

6 OS MECANISMOS DE GIG: ANÁLISE PELAS CATEGORIAS ADOTADAS 104 6.1 CATEGORIA : "INTERAÇÃO" 104

6.1.1 A INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES : “A ÁRVORE E OS SEUS PASSARINHOS” 104

6.1.2 CAMALEONISMO DOS ATORES: MUDANÇAS DE POSTURA SEGUNDO A POSIÇÃO NA

REDE 106

6.2 A ARTICULAÇÃO EM REDE 108

6.2.1 A ESTRUTURA DA REDE INTERGOVERNAMENTAL 108

6.2.2 A SUB-REDE FEDERAL 108

6.2.3 AS SUB-REDES DOS ESTADOS 112

6.2.3.1 A DESARTICULAÇÃO NA SUB-REDE ESTADUAL: FALHAS NA INTERAÇÃO 119

6.2.4 MECANISMOS DE COMUNICAÇÃO UTILIZADOS 121

6.2.5 A COORDENAÇÃO DA REDE 125

6.3 CATEGORIA “CAPACIDADE DE AÇÃO” 127

6.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇAO" 128

6.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO" 129

6.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS" 138

6.7 CATEGORIA "CONTROLE DE RECURSOS" 140

6.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO" 144

6.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO" 148

7 CONCLUSÃO 152

8 LIMITAÇÕES DO ESTUDO 156

9 RECOMENDAÇÕES DE NOVOS ESTUDOS 157

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14

Page 10: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

X

11 ANEXOS 20 ROTEIRO DE ENTREVISTA 21

PLANILHA ELETRÓNICA DA PPI 25

Page 11: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

XI

SIGLAS AIH Autorização de Internação Hospitalar

BDP Boletim de Diferença de Pagamento

CES Conselho Estadual de Saúde

CIB Comissão Intergestores Bipartite Estadual

CIBR Comissão Intergestores Bipartite Regional

CIS Consórcio Intermunicipal de Saúde

CIT Comissão Intergestores Tripartite

CMS Conselho Municipal de Saúde

CNS Conselho Nacional de Saúde

CODEC Coordenação de Desenvolvimento dos Serviços de Saúde do

Ministério da Saúde

CONASEMS Colegiado Nacional dos Secretários Municipais de Saúde

CONASS Colegiado Nacional dos Secretários (Estaduais) de Saúde

COSAU Coordenação de Operação e Controle dos Serviços de Saúde

do Ministério da Saúde

CONASEMS Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde

CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras

DATASUS Departamento de Informática do SUS/MS

DRS Diretoria Regional de Saúde

FIOCRUZ Fundação Instituto Oswaldo Cruz

FUNDAP Fundação do Desenvolvimento Administrativo

GED Grupo Especial de Descentralização

GIG Gestão Intergovernamental

IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal

INCOR Instituto do Coração/Hospital das Clínicas da USP

IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

MS Ministério da Saúde

NESCON Núcleo de Pesquisas em Saúde Coletiva e Nutrição/FM/UFMG

NOB Norma Operacional Básica do SUS

OPS Organização Pan-americana de Saúde

Page 12: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

XII

PAB Piso da Atenção Básica

PPI Programação Pactuada e Integrada

PROS Programação e Orçamentação da Saúde

PSF Programa de Saúde da Família

RCA Recursos para Cobertura Ambulatorial

RIG Relações Intergovernamentais

SAS Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde

SES-MG Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais

SIA-SUS Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS

SIH-SUS Sistema de Informações Hospitalares do SUS

SINDSAÚDE Sindicato dos Trabalhadores da Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

TABWIN Sistema de Tabulação de Dados para Windows®, DATASUS

TABNET Sistema de Tabulação de Dados do DATASUS, via Internet

Page 13: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

14

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa visa investigar os mecanismos utilizados pelos agentes

públicos situados nos três níveis de governo na gestão dos conflitos relacionados à

distribuição dos recursos de financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS. Para

isso, elegeu-se o processo de Programação Pactuada e Integrada - PPI - realizada

no ano de 1997 e primeiro semestre de 1998, no âmbito do SUS do estado de Minas

Gerais - SUS/MG-, como um caso exemplar.

Este processo representou um esforço de reprogramação de metas físicas e

orçamentárias para o custeio da assistência ambulatorial e hospitalar do sistema

para os diversos municípios do estado de Minas Gerais. Devido aos intensos

conflitos verificados durante sua realização, envolvendo atores dos três níveis de

governo, o caso da PPI representou um momento privilegiado de descrição e análise

de um processo empírico de gestão intergovernamental (GIG) do financiamento da

saúde, com limites temporais definidos, bem como resultados conclusivos, objetivos

e potencialmente verificáveis.

A Constituição Federal de 1988 reafirmou o federalismo como forma de

estruturação político-territorial do Estado e procurou garantir “as condições jurídicas

e financeiras para o efetivo exercício da autonomia das esferas de governo" (MUNIZ,

1998: 4). A crescente complexidade da estrutura sócio-econômica do país e o

desenvolvimento de seu sistema político redundaram na expansão das funções

públicas do Estado, o que passou a demandar um esforço de coordenação

intersetorial e regional para garantir seu êxito (MUNIZ, 1998:75-80).

O processo de implementação do SUS, considerado como política pública

setorial abrangente que prevê funções concorrentes e ações articuladas dos três

níveis de governo (federal, estadual e municipal), apresenta-se como um processo

social complexo,

"...construído no embate político, ideológico e tecnológico entre diversos atores sociais

em situação e resulta de propostas que, ao longo de muitos anos, vêm sendo

impulsionadas por um movimento social que se denomina de reforma sanitária brasileira”

(MENDES, 1996:58).

Page 14: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

15

O financiamento do SUS é reconhecido como ponto crítico desse processo de

implementação, pelas suas implicações diretas sobre a magnitude e a qualidade dos

serviços de saúde prestados à população usuária. Não apenas as enormes

restrições financeiras têm sido apontadas como limitadoras, mas também as

diversas dimensões do modelo de financiamento: as bases de arrecadação dos

recursos que compõem as fontes de receita, a oportunidade de vinculação destas

fontes, os mecanismos de transferência de recursos entre os níveis do sistema

(federal, estadual e municipal), as formas de regulação e remuneração dos atos

médicos (MENDES, 1996) e os próprios modelos técnico-assistenciais adotados, em

que se consubstancia a atenção direta à saúde individual e coletiva (CAMPOS,

1992).

O modelo de financiamento definido pela legislação, bem como o

efetivamente implantado, tem sido objeto de permanentes conflitos e embates nos

campos técnico e político entre os diversos níveis de governo e grupos de interesse.

A necessidade do afluxo ininterrupto de recursos para o custeio da rede de

serviços, o modelo de organização descentralizado do SUS estabelecido pela

Constituição de 1988, associado às dificuldades da aplicação direta dos critérios de

distribuição de recursos previstos na legislação, bem como as mudanças

conjunturais observadas no processo de implementação do sistema, determinam a

configuração de um espaço de contínua negociação e repactuação dos critérios de

distribuição dos recursos centralmente arrecadados pelo nível federal, configurando-

se um típico sistema de relações e de gestão intergovernamentais.

O tema das relações intergovernamentais e da gestão intergovernamental,

apesar de suas potenciais contribuições para a análise do processo de

implementação do SUS e da estruturação e dinâmica do seu sistema de

financiamento, se encontra praticamente ausente dos debates e da produção teórica

na área das políticas de saúde e do SUS, em particular. As abordagens adotadas se

restringem em geral à óptica federalista: seja do processo de descentralização

(municipalização da saúde), com perceptível caráter prescritivo, seja dos aspectos

fiscais relacionados aos montantes de recursos alocados ao setor e formas de

distribuição para as instâncias descentralizadas (abordagem do chamado

federalismo fiscal). As limitações do campo do federalismo são apontadas por

WRIGHT (1997), ao criticar o caráter formalista e prescritivo dos estudos nessa

Page 15: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

16

linha, bem como o privilégio da análise das relações estatais-nacionais, propondo o

conceito de relações intergovernamentais (RIG) para abarcar "a rica gama de ações

e concepções informais dos funcionários que de outra forma permaneceriam

submersas" (WRIGHT, 1997:101). O conceito de RIG incluiria as complexas

relações entre os funcionários públicos pertencentes aos diversos níveis de governo,

predominantemente informais e não hierárquicas, privilegiando os modos concretos

de formulação e implementação das políticas públicas. Essa abordagem apresenta,

então, inúmeras vantagens em relação ao enfoque clássico do federalismo na

compreensão do funcionamento real do sistema político em geral e da administração

pública em especial, embora não invalide as análises federalistas, atuando como

"um novo par de lentes, fazendo visíveis a variedade de cores, o terreno e as pautas

do panorama político que antes estavam obscurecidas" (WRIGHT, 1997:104).

A dinâmica da gestão negociada desses conflitos em instâncias formais, ou

por mecanismos informais de interação e negociação, permitindo a redefinição dos

montantes de recursos destinados a cada município, sem interrupções no seu fluxo,

será enfocada em uma perspectiva de valorização da ação concreta dos atores

sociais específicos envolvidos, portadores de estratégias e intencionalidades

próprias.

Sem se propor a invalidar a importância das análises macroestruturais das

políticas públicas na área de saúde ou questionar a relevância prática dos estudos

do financiamento setorial até aqui empreendidos (centrados no enfoque do chamado

federalismo fiscal), busca abordá-los num nível mais desagregado de análise, ao

focalizar seu interesse nas estratégias, movimentos e ações táticas de atores sociais

específicos envolvidos na negociação permanente dos mecanismos de distribuição

dos recursos de financiamento do SUS e na gestão dos conflitos decorrentes. A

agregação de uma abordagem conceitual diferenciada, qual seja, a das RIG e da

GIG, permite um entendimento mais amplo dos processos de formulação e de

implementação negociada dos critérios e mecanismos de distribuição dos recursos

entre os níveis de governo, um dos aspectos-chave da dimensão administrativa da

implementação do SUS.

Page 16: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

17

Assim, a presente pesquisa se propõe a responder basicamente à seguinte

questão: de que forma é gerida, no subsistema de políticas1 constituído pelo SUS, a

interação entre os agentes públicos concretos situados nos três níveis de governo,

com especial ênfase na descrição dos mecanismos utilizados na negociação

permanente dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento e nas formas

de tratamento dos conflitos redistributivos decorrentes?

A realização desta pesquisa se justificaria por aportar contribuições de

estudos sobre relações e gestão intergovernamental, agregando um novo

instrumental analítico à discussão setorial da saúde, com possíveis implicações

pragmáticas na gestão do sistema de saúde.

Ao introduzir a abordagem de relações intergovernamentais (RIG) e gestão

intergovernamental (GIG) na análise do processo de implementação do SUS, em

especial em seu sistema de financiamento, este estudo permite contribuir para uma

compreensão mais aprofundada desses processos, clareando os mecanismos

utilizados pelos atores envolvidos na gestão do processo de descentralização do

sistema, bem como oferecer subsídios para uma ação mais informada e consciente

por parte dos mesmos.

Este trabalho pode também estimular a utilização desse enfoque por outros

grupos de pesquisa na análise dos processos de descentralização do sistema de

saúde, nos aspectos ligados a sua gestão, induzindo-os a orientações menos

prescritivas e/ou puramente ideológicas.

De um ponto de vista mais pragmático, a apropriação do enfoque da gestão

intergovernamental pelos atores interessados possibilita, potencialmente, contribuir

para maior eficácia na implementação do SUS. A compreensão por parte dos

mesmos de sua inserção num sistema de gestão intergovernamental complexo e

interdependente, em que a interação e a negociação permanentes constituem a sua

essência, evitaria as rupturas freqüentes nos processos de negociação, observadas

no presente estágio das RIG no SUS, reduzindo assim os custos de transação, com

impactos positivos na utilização finalística dos recursos.

1 Os subsistemas de políticas "se compõem de atores muito diversos: instituições, organizações, grupos e indivíduos . Todos eles articulados pelo fato de compartilhar importantes interesses em uma política particular. No sistema norteamericano, são as burocracias governamentais de diversos tipos, grupos de interesse, comitês e subcomitês legislativos, indivíduos poderosos..." (MILWARD & WASNSLEY, 1984, citado por MUNIZ, 1998:10) (Tradução livre do autor da Dissertação).

Page 17: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

18

A exposição dos produtos da presente pesquisa respeitou a estrutura relatada

a seguir. No capítulo "Referencial teórico" foram apresentados os pressupostos

teóricos adotados, discutidos os conceitos de RIG e GIG e sua pertinência e

adequação em relação ao problema da pesquisa, em contraposição aos enfoques do

federalismo mais usualmente utilizados pelos autores que analisam o setor saúde.

Na "Metodologia", foram enumeradas as justificativas para a escolha do setor saúde

e do estudo de caso da PPI 97/98 para a descrição dos mecanismos de gestão

intergovernamental. Nesse capítulo também foram descritas as categorias analíticas

construídas para a abordagem empírica, procurando definir seu significado e

correlacionando-as com o referencial teórico existente, e mesmo complementando-o

com aportes teóricos não incluídos no capítulo anterior. Entendeu-se que tais

acréscimos teóricos junto às categorias facilitariam sua melhor delimitação e

evitariam recorrências freqüentes do leitor ao primeiro capítulo da exposição. Na

"Contextualização da Pesquisa", discutiram-se alguns aspectos da implementação

do SUS e do seu financiamento, procurando demonstrar a necessidade de

negociação compulsória dos critérios e mecanismos de financiamento, frente às

indefinições do texto legal. Procedeu-se, também, à descrição dos estágios de

funcionamento da instância formal de negociação do processo de descentralização

do SUS no âmbito do estado, a Comissão Intergestores Bipartite - CIB -, até o

momento da PPI 97/98, para compor o pano de fundo político-institucional que

delimitava o espaço de ação dos atores. O capítulo "Resultados" foi dividido em dois

blocos. No primeiro, fez-se uma descrição histórico-cronológica do processo da PPI

97/98. No segundo, os mecanismos de gestão intergovernamental foram descritos e

analisados, a partir das categorias analíticas adotadas. Uma síntese analítica foi

empreendida no capítulo das "Conclusões". As limitações percebidas na realização

do estudo, bem como recomendações de estudos subseqüentes, finalizam a

exposição. Como Anexos, juntou-se o Roteiro de Entrevistas utilizado e uma

máscara da planilha eletrônica que serviu de instrumento à PPI 97/98.

Page 18: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

19

2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 RELAÇÕES E GESTÃO INTERGOVERNAMENTAIS

O conceito de Relações Intergovernamentais –RIG- surgiu na década

de 30 como fruto da reflexão sobre o sistema federal dos Estados Unidos da

América. O termo, segundo WRIGHT (1997), passou a ser utilizado "com o advento

do New Deal e do amplo esforço de governo nacional para combater o caos

econômico e social causado pela Grande Depressão" (WRIGHT, 1997:68).

O surgimento desse termo, bem como sua progressiva conceituação

posterior, esteve ligada ao Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) e às políticas

utilizadas para viabilizá-lo:

"Desde os anos 30 até a atualidade, a investigação e a prática das RIG têm sido

motivada por uma grande preocupação com a prestação eficaz de serviços públicos a

seus clientes, sejam eles grupos particulares na sociedade ou a toda a cidadania. Como

resultado disso, as atividades distributivas e redistributivas do 'serviço' ou estado de

Bem-Estar suplantaram as funções regulatórias do governo nacional ou o controle social"

(WRIGHT, 1997:69).

O interesse no tema surgiu, segundo ROSE (1984)2, citado por AGRANOFF

(1992), por se tratar de uma das principais tarefas governamentais a organização e

prestação de serviços próprios do Estado de Bem-Estar Social que, frente à

impossibilidade de sua execução sobre uma ampla base territorial, obriga o

envolvimento de vários níveis de governo:

“O governo central fixa geralmente as condições de prestação ou estabelece os

parâmetros dos serviços, mas não os administra. O resultado, o envolvimento de

diversas instituições pertencentes a distintos níveis de governo, nos sugere a existência

de uma situação de interdependência. Em resumo, a atuação pública implica a presença

de uma dimensão territorial no exercício da autoridade junto ao desempenho de

determinadas responsabilidades funcionais. A clássica concepção unitarista do Estado já

se encontra superada. Não estamos ante uma organização monolítica ou um todo

indiferenciado, mas sim em presença de uma realidade complexa na qual há lugar para o

conflito, o jogo político e as relações de intercâmbio” (AGRANOFF, 1992:181).

Page 19: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

20

O interesse pelo estudo das RIG em uma perspectiva comparada foi

localizado por AGRANOFF (1992) nos finais da década de setenta, como “uma

tentativa de superação das análises tradicionais acerca dos sistemas unitários e

federais” (AGRANOFF, 1992:179). Este autor adotou a definição de RIG proposta

por ANDERSON (1960)3, que as considera “um importante contigente de atividades

ou interações que têm lugar entre unidades de governo de todo o tipo e nível dentro

do sistema federal” (ANDERSON, 1960:3).

Esses mesmos autores enfatizam que a situação de interdependência entre

os níveis ou organizações governamentais na prestação de serviços leva a que os

vínculos reais não sejam necessariamente aqueles estabelecidos nas normas

jurídicas.

Uma extensa revisão do marco das relações intergovernamentais e,

especialmente, da gestão intergovernamental, enfocando historicamente o caso

brasileiro e o movimento descentralizador imprimido pela Constituição de 1998 foi

realizado por MUNIZ (1998).

O modelo de organização do SUS definido na legislação como função

concorrente dos vários níveis de governo com atribuições complementares e

solidárias, bem como a prática da sua gestão, poderia ser considerado como dando

curso a um típico sistema de relações intergovernamentais.

Nesse sentido, os cinco traços distintivos das relações intergovernamentais

propostos por WRIGHT (1997), poderiam ser assinalados no funcionamento do SUS:

1°) As relações intergovernamentais transcendem as pautas de atuação

governamentais reconhecidas e incluem uma ampla variedade de relações entre

todas as unidades de governo. Não se limitam às relações estatais-nacionais e

interestatais, às quais se prende o enfoque das análises clássicas do federalismo,

mas englobam também as relações entre o nível nacional e o local, as locais-

estatais e as interlocais;

2°) A importância do elemento humano: “não existem relações entre

governos, unicamente se dão relações entre pessoas que dirigem as distintas

unidades de governo”, através de relações de “ajuste mútuo”, “construção de

consenso” e “pacificação"; 2 ROSE, R. Understanding big government. Londres: SAGE, 1984.

Page 20: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

21

3°) "As RIG incluem os contatos contínuos dos funcionários e os intercâmbios

de informação e de opiniões". Os participantes das RIG se preocupam, sobretudo,

"para que as coisas se façam, quer dizer, pelos arranjos informais, práticos e

orientados a metas que podem realizar-se dentro do marco formal, jurídico e

institucional dos funcionários";

4°) “Qualquer tipo de funcionário público é, ao menos potencialmente, um

participante no processos intergovernamentais de tomada de decisões nas RIG”;

5°) “As relações intergovernamentais se caracterizam por sua vinculação às

políticas públicas”, com interações nas diversas fases de formulação, implantação e

avaliação das políticas. "As políticas consistem de intenções e ações (ou inações) de

funcionários públicos e as conseqüências destas ações" (WRIGHT, 1997:71-87).

MUNIZ (1998) estende ainda mais o conceito de RIG, para envolver todos os

órgão públicos, inclusive os da administração indireta, bem como as organizações

não governamentais, essas últimas crescentemente envolvidas na formulação e

implementação das políticas públicas. Procura, assim, abarcar

"todas as permutas e combinações de interações possíveis na produção das políticas

- como as processadas entre o governo nacional e local , entre o estatal e local ou,

inclusive, interlocal - e as relações entre as agências setoriais de governo em

diferentes níveis (empresas públicas, fundacionais, etc.) e os organismos não

governamentais" (MUNIZ, 1998:6) (tradução livre, do original em espanhol, do autor

da Dissertação)

Esse referencial remete aos conceitos de redes4 e de redes

intergovernamentais, que serão abordados em outros momentos desta dissertação.

3 ANDERSON, W. Intergovernmental relations in review. Minneapolis: University of Minesota Press, 1960. 4 O conceito de rede e as diversas utilizações do termo nas ciências sociais foram revistos por LOIOLA & MOURA (1997:63-4) associando-o às "novas formas de organização e gestão do trabalho, resultantes de questionamentos quanto à eficácia das estruturas burocráticas e hierárquicas, emergindo daí formas mais soft e orgânicas de interação nas instituições" (p.63). Para as autoras, as redes apresentam como características básicas "a interação de atores e/ou organizações formais com informais, e a regularidade nessas interações", podendo ser estas interações "mais ou menos formalizadas ou até informais, baseando-se em projetos e ações comuns". A consideração de "um arranjo organizacional como rede abre a possibilidade de perceber os atores/agentes em suas interações e propósitos e, portanto, em uma dinâmica processual" (p. 64). As noções e fluidez, complementariedade e interdependência entre atores e organizações, comandadas, em maior ou menor medida, por um centro gerador, servem para indicar redes que se aproximam quer do padrão unidirecional, quer do multidirecional (p.64). Por essas características expostas, o conceito de rede se

Page 21: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

22

2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E FEDERALISMO

Ao criticar o formalismo e o caráter restritivo da linhagem de estudos inseridos no

marco do federalismo5, WRIGHT (1997) propõe o conceito de RIG para "incluir toda

uma gama de atividades e significados que não estão explícitos nem implícitos no

conceito de federalismo" (WRIGHT,1997:100). Esse autor assinala cinco distinções

que proporcionariam razões para se preferir o uso do conceito de RIG sobre o

conceito de federalismo.

A primeira delas prende-se ao fato de que "embora o federalismo não tenha

impedido os nexos locais-estatais, ao largo de sua história o federalismo tem

favorecido as relações estatais-nacionais" (WRIGHT, idem, idem). O enfoque das

RIG amplia o espaço de análise para englobar as "interações entre funcionários de

todas as combinações de entidades governamentais e em todos os níveis"

(WRIGHT, idem, idem).

Uma forma de buscar a superação da herança legalista dos enfoques federalistas

seria a segunda razão para se preferir o conceito de RIG. "Os poderes legais, as

ações formais e os acordos (ou desacordos) escritos têm tendido a dominar o

pensamento e a prática do federalismo" (WRIGHT, 1997:101). O conceito de RIG

transcende o enfoque jurídico estrito desta corrente e inclui "toda uma rica gama de

ações e concepções informais dos funcionários que de outra maneira ficariam

submersas" (WRIGHT, idem, idem).

O enfoque federalista para WRIGHT (1997) "implica um conjunto hierárquico de

relações de poder ou de autoridade". Para ele,

"o conceito de RIG não contem distinções hierárquicas de superioridade ou inferioridade.

Embora não exclui a existência de diferenças de poder, tampouco implica - como

freqüentemente o faz o conceito de federalismo- que o nível nacional seja,

presumivelmente, o superior" (WRIGHT, 1997:101).

aproxima e, de certa forma, complementa os conceitos de relações e gestão intergovernamentais, quando aplicada às interações entre os níveis federativos. 5 Cabe aqui clarear o sentido dúbio do termo federalismo, distinguindo-o entre uma vertente teórica que preside a realização de estudos sobre a conformação territorial do poder do Estado, da acepção de federalismo entendido como uma proposição normativa de um "sistema baseado na distribuição territorial - constitucionalmente definida e assegurada - de poder e autoridade entre instâncias de governo, de tal forma que os governos nacionais e subnacionais são independentes em sua esfera própria de ação" (ALMEIDA,1995:89)

Page 22: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

23

A quarta razão assinalada por esse autor corresponde à preeminência das

políticas públicas no enfoque das RIG, embora "a bibliografia sobre o federalismo

não tenha excluído os assuntos de política, não lhes tem concedido grande

importância", desdenhando do acúmulo teórico das tentativas de explicar como se

formulam e se implementam as políticas. "A busca de conceitos e de resultados

empíricos no âmbito dos estudos de política tem ocorrido simultaneamente com os

esforços de aclarar as RIG", aduz aquele autor (WRIGHT, 1997:102).

Por fim, a múltipla variedade de condições e de propósitos verificados na

utilização do conceito de federalismo resulta numa imprecisão conceitual e confusão

sobre os significados. A pletora de adjetivos que políticos e acadêmicos têm

acrescentado ao termo resultou por "embotar seu significado e alterar sua

capacidade analítica". O termo Relações Intergovernamentais, para WRIGHT

(1997), possibilita maior precisão e reveste-se de "menor carga emocional".

O conceito de RIG não pretende, portanto, substituir o conceito de federalismo,

"...antes porém, serve como uma base conceitual diferente, em vários modos preferida,

sobre a qual explorar e resumir experiências recentes e atuais de funcionários públicos,

assim como de cidadãos. O conceito de RIG é como um novo par de lentes, faz visível

a variedade de cores, o terreno e as pautas do panorama político que antes estavam

obscurecidos" (WRIGHT, 1997:104).

ELAZAR (1990), ao comentar a emergência do conceito de RIG no estudo

dos sistemas federais, reconhece-a como

"...o começo de um estudo sério dos sistemas de administração federal, separados de

seus aspectos legais e constitucionais. Tratava-se de analisar as relações

intergovernamentais reais, existentes, distinguindo-as da maranha legal, árida e

sempre crescente, e das doutrinas jurídicas que, em ocasiões, ignoram as realidades

da política e da administração, que crescem rapidamente e adquirem maior peso em

um governo em fase de expansão" (ELAZAR, 1990:36).

O termo federalismo, para ELAZAR (1990), padece dos inconvenientes de

todas as terminologias clássicas, resultantes da evolução histórica de seu significado

Page 23: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

24

quando utilizado por longos períodos de tempo. Compara-o aos termos democracia

e republicanismo,

"que evocam matizes diversos e que provocam muitos debates entre os estudiosos

porque são difíceis de definir, mas cujo significado profundo pode ser estabelecido

dentro de um contexto apropriado, apesar de suas numerosas variantes, simplesmente

excluindo o uso incorreto do termo em questão" (ELAZAR, 1990:37).

Entende este mesmo autor que o termo federalismo é um termo mais

genérico, "a que nos podemos referir sempre que falamos de relações de

autogoverno + governo compartido", ao passo que relações intergovernamentais

seria um termo mais restrito, que

"...tem a ver com algumas vias particulares e meios de fazer operativo um sistema de

governo no contexto norte-americano, um sistema federal- , que incluem relações

extensivas e contínuas entre o estado federado, os governos locais, e qualquer

combinação que deles se derivem" (ELAZAR, idem, idem).

Embora atribua as confusões terminologias a "uma redução do termo

federalismo à sua dimensão mais estreita" resultante da própria experiência histórica

norte-americana desde a independência, reconhece a universalidade do conceito ao

afirmar que "a certos níveis, as relações intergovernamentais podem ser

contempladas como um fenômeno universal que se produz sempre que dois ou mais

governos interagem no desenvolvimento e execução de atos e/ou programas

políticos". Exclui, obviamente, a possibilidade de utilização desse enfoque aos

estados unitários. O autor conclui, afirmando que o

"...federalismo é um conceito anterior e mais amplo e que relações intergovernamentais

é um termo subsidiário, um tecnicismo sumamente útil na exploração dos

procedimentos que se dão no interior de sistemas políticos concretos, particularmente,

embora não exclusivamente, nos federais, e , com maior efetividade, naqueles que

partem de uma visão da soberania de tipo federalista" (ELAZAR, 1990:39)

A crítica desse expoente da teoria do federalismo não invalida, portanto, a

utilização do enfoque das RIG com o propósito assumido pela atual pesquisa. Ao

Page 24: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

25

contrário, reafirma a pertinência e a adequação desse enfoque teórico, visto o

interesse de centrar o foco de análise na investigação de práticas administrativas

concretas adotadas por funcionários de distintos níveis de governo num setor social

de um sistema caracteristicamente federal.

A forma que as relações entre as esferas de governo assumem nos sistemas

federais é vista por ALMEIDA (1995) como "constitucionalmente competitivas e

cooperativas", marcadas por "modalidades de interação necessariamente baseadas

na negociação entre as instâncias de governo", atribuindo essas características ao

fato de tratarem-se de estruturas não centralizadas. O federalismo se caracterizaria,

justamente, por esta não-centralização:

"Em uma forma original, bem como na definição normativa , o federalismo se caracteriza

pela não-centralização, isto é, pela difusão dos poderes de governo entre muitos centros,

nos quais a autoridade não resulta da delegação de um poder central, mas é conferida

pelo sufrágio universal" (ALMEIDA, 1995:89).

Essa característica de não-centralização do federalismo é devida a ELAZAR

(1990), para quem

"Os países federais possuem a característica da não-centralização, quer dizer, que o

poder se difunde entre numerosos centros, cuja existência e autoridade está garantida

pela constituição geral, em vez de estar concentrada em um único centro" (ELAZAR,

1990:58).

Para ALMEIDA (1995) "a expressão mais clara da natureza não centralizada

do federalismo" (ALMEIDA, 1995:89) é a existência de competências comuns entre

instâncias de governo.

Para a mesma autora, os padrões de relação entre esferas de governo

classificam-se em três tipos de arranjos federativos. O "federalismo dual" constitui o

modelo originário, caracterizado pela ACIR6 e citado por ALMEIDA (1995), como

aquele no qual

6 Advisory Comission on Intergovernmental Relations - ACIR. The federal role in the federal system: the dynamics of growth - the condition of contemporary federalism: conflicts, theories and collapsing constraints. Washington, 1981.

Page 25: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

26

"os poderes do governo geral e do Estado, ainda que existam e sejam exercidos nos

mesmos limites territoriais, constituem soberanias distintas e separadas, que atuam de

forma separada e independente, nas esferas que lhe são próprias" (ALMEIDA,

1995:90).

No "federalismo centralizado", considerado uma resultante da "tendência

universal à expansão do escopo do governo federal", observa-se uma

"transformação dos governos estaduais e locais em agentes administrativos do

governo federal, que possui forte envolvimento nos assuntos das unidades

subnacionais, primazia decisória e recursos". Já no "federalismo cooperativo"

observam-se "graus diversos de intervenção do poder federal e se caracteriza por

formas de ação conjunta entre instâncias de governo". Estas duas últimas tipologias

"podem descrever o padrão predominante das relações entre instâncias de governo,

em dado período, como podem conviver lado a lado, em diferentes áreas de ação

governamental", nomeando relações entre níveis de governo "nas quais a não-

centralização, característica do ordenamento federativo, convive de forma complexa

e, freqüentemente, conflitante com a lógica da centralização-descentralização"

(ALMEIDA, 1995:90).

A discussão sobre o federalismo e o caso brasileiro tem sido extensamente

explorada por diversos autores (ALMEIDA, 1995; PEPPE et al., 1997). Pesquisa

multicêntrica, coordenada pela FUNDAP entre 1993 e 1995, resgata uma ampla

revisão do tema (AFFONSO, 1995). MUNIZ (1998) apresenta também uma extensa

revisão histórica do federalismo brasileiro, já incorporando o enfoque da gestão

intergovernamental, marco inicial a partir do qual a presente pesquisa foi

desenvolvida.

2.3 DESCENTRALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

Para JUNQUEIRA (1997) a descentralização configura-se como "um dos

pressupostos das diversas iniciativas de mudança que ocorreram no setor saúde, a

partir da década de oitenta, culminando como o Sistema Único de Saúde"

(JUNQUEIRA, 1997:173). Apesar das controvérsias existentes na literatura

especializada, adota um conceito de descentralização que julga coerente com o

Page 26: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

27

contexto que presidiu a intenção de conferir maior eficiência e eficácia ao aparato

estatal:

"Apesar das diferenças no âmbito da gestão pública, a descentralização tem um

significado precípuo, o da transferência de poder dos níveis centrais de governo para os

mais periféricos, gerando autonomia de gestão em oposição a um poder centralizado e

burocratizado. Neste sentido, a descentralização emerge em oposição ao poder

centralizado, determinando formas diversas de organização através da criação de

instâncias de poder, tornando-o permeável aos interesses da sociedade e, portanto,

dando maior eficácia à gestão" (JUNQUEIRA, idem, idem).

A partir da década de 70, o conceito de descentralização emerge como uma

alternativa de reorganização político-institucional frente à crise do Estado de Bem-

Estar Social nos países centrais (JUNQUEIRA, idem, idem). No Brasil, o conceito

assume um caráter diferenciado, ao congregar diversas forças políticas na busca da

superação impasse político derivado da crise do Estado autoritário, conformando-se

como uma verdadeira "palavra de ordem", a "Descentralização já!" (LOBO, 1998:14).

Nessa linha, JUNQUEIRA (1997) constata que no "contexto de crise política e

econômica, a descentralização surgiu como uma possibilidade de democratização

do poder" (JUNQUEIRA, 1997:174), ao pretender criar as condições de mudança em

regimes autoritários caracterizados como centralizados, burocráticos e excludentes.

Tais expectativas democratizantes ligadas ao processo de descentralização

se viram em parte frustradas, por não considerarem outros fatores intervenientes

como a privatização do Estado e os arranjos clientelistas do poder local. A

descentralização, longe de garantir, apenas abre novas possibilidades quanto à

interferência dos interesses coletivos nas políticas públicas:

"...é oportuno discutir o conceito de descentralização, que não está, necessariamente,

associado à democratização, nem à participação e nem mesmo à eficácia da gestão.

Embora constitua um instrumento de mudança do formato do Estado, do seu aparato,

tornando-o mais permeável aos interesses coletivos, não se pode dizer que haja uma

relação necessária entre as variáveis e a eficácia da gestão" (JUNQUEIRA, 1997: 174-

5).

Page 27: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

28

ARRETCHE (1996) questiona esta "expectativa de que a descentralização

seria condição necessária à democratização do processo decisório", alertando que

"o caráter democrático do processo decisório depende menos do âmbito no qual se

tomam decisões e mais da natureza das instituições delas encarregadas"

(ARRETCHE, 1996:62). A autora atribui ao interesse de elites locais e/ou regionais,

sequiosas de maior participação no processo político, essa identificação automática

de descentralização com democratização:

"... a associação de centralismo e autoritarismo pode ser mais bem explicada pelo

exame da forma pela qual se associaram historicamente, no processo de formação dos

distintos Estados nacionais, estruturas administrativas do governo central e elites locais

e/ou regionais. É a maior ou menor capacidade de absorção/cooptação/integração

dessas elites no Estado centralizado que estimularia essas elites a identificar

descentralização e democratização em suas demandas de maior participação no

processo político" (ARRETCHE, idem, idem).

A Constituição Federal de 1988 introduziu uma inovação no campo federalista

ao conferir aos municípios o status de entidade federativa (CAMARGO, 1993), com

um elevado grau de autonomia e competências político-administrativas

constitucionalmente conferidas, sugerindo um modelo de não-centralização:

"O IBAM7 tem o mérito histórico de ter inventado uma coisa que só o Brasil possui hoje,

que é o município como entidade federativa, ...proposta que eu diria, até revolucionária -

nenhum país federativo do mundo tem o município como entidade federativa. Isso talvez

se justifique pelo fato de que também são poucos os grandes países que são federativos

para valer" (CAMARGO, 1993:29).

O texto constitucional é claro ao declarar, no artigo 18 do capítulo da

Organização Político-Administrativa do Estado, que "a organização político-

administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição"

(BRASIL, 1989).

No caso da saúde, definida pelo texto constitucional e na legislação

infraconstitucional como de competência comum às três esferas de governo, no

7 IBAM: Instituto Brasileiro de Administração Municipal

Page 28: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

29

entanto, o estágio de centralização verificado no passado induziu a necessidade de

um estágio de transição marcado pela transferência progressiva de competências

decisórias e executivas para estados e municípios, num típico movimento de

descentralização. ALMEIDA (1995) reconhece que "a descentralização contida no

modelo do SUS é radical: implica a realocação de capacidade decisória, de recursos

e funções aos municípios" (ALMEIDA, 1995:95).

Ao estabelecer a saúde como de competência concorrente entre os níveis de

governo, a legislação abriu espaço para conflitos quanto à definição de papéis e

limites claros de competências e responsabilidade na execução de serviços e no seu

controle e avaliação. As iniciativas de definição negociada desses limites de

competência vão resultar na elaboração pactuada das Normas Operacionais Básicas

(NOB), mais especificamente, das NOB 93 e da NOB 96.

ARRETCHE (1996) reconhece que no setor saúde "ocorreram os mais bem

sucedidos avanços em direção a uma reforma de tipo descentralizador"

(ARRETCHE, 1996:95), com transferência efetiva de capacidade decisória,

competências e recursos para a prestação de serviços básicos de saúde. Aponta,

porém, que "dificuldades na implementação destas reformas decorrentes das

dificuldades financeiras e institucionais do governo federal para dar continuidade ao

processo de reformas" (ARRETCHE, idem, idem), conjugadas a disposições

políticas de governadores estaduais e prefeitos municipais em implementar

efetivamente o sistema, resultou num padrão desigual na prestação de serviços de

saúde entre as regiões e municípios do país:

"...as feições do sistema descentralizado se tornam crescentemente heterogêneas no

território nacional, dadas as diferentes possibilidades financeiras e administrativas e as

distintas disposições políticas de governadores e prefeitos: em algumas regiões, onde

os recursos são mais escassos e as demandas são mais agudas, o sistema dá sinais

evidentes de falência; em outras regiões, com mais recursos, os municípios demonstram

capacidade de gestão praticamente autônoma de seus sistemas de saúde"

(ARRETCHE, idem, idem).

Essa heterogeneidade na conformação do sistema de saúde resultante das

distintas capacidades técnico-administrativas, financeiras e de priorização política

dos estados e municípios interfere diretamente na conformação dos padrões de

Page 29: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

30

estruturação das relações intergovernamentais e nos processos de gestão

intergovernamental. A desigualdade estrutural entre as entidades federadas implica

possibilidades também distintas de participação efetiva na rede intergovernamental,

contribuindo para reforçar as desigualdades entre as regiões.

A dimensão da gestão intergovernamental do sistema manifesta-se no SUS

como um campo não previsto quando da elaboração dos princípios e diretrizes que

orientariam a sua organização, sendo suscitada no decorrer do seu processo de

implementação:

"...os problemas relacionados à implementação do modelo sistêmico (hierarquização e

integralidade da assistência; harmonização e integração espacial dos sistemas

municipais), suscitam a discussão sobre as funções e relacionamentos existentes entre

as diferentes instâncias de governo para montagem e funcionamento de um sistema de

ações e serviços hierarquizado e integrado no território supramunicipal" (LIMA, 1999:

22).

O papel das instâncias de gestão negociada do processo de implementação

da diretriz descentralizadora do SUS, as Comissões Intergestoras Tripartite (federal)

e das Comissões Intergestoras Bipartite Estaduais, na "introdução de crescentes

graus de racionalidade na distribuição dos recursos entre municípios e reduzindo a

presença de práticas clientelistas", é apontado por BARROS (1997). Essa autora

faz, também, uma avaliação positiva do impacto do funcionamento dessas instâncias

nas relações entre os níveis de governo:

"Tem sido (as Comissões Intergestoras), principalmente, um espaço de socialização de

informações e de negociação de algumas questões, melhorando a qualidade das

relações entre as esferas de governo, viabilizando processos de intercâmbio e

cooperação técnica horizontal e facilitando a implementação de sistemas de referência.

...Em alguns estados ainda não se constituíram como espaço real de negociação, com o

predomínio de posições da instância estadual. Mas é impossível não reconhecer a

melhor qualidade das relações entre os níveis de governo que a existência desse foro

propiciou" (BARROS, 1997:124).

Em pesquisa exploratória sobre o funcionamento da CIB do estado do Rio de

Janeiro, LIMA (1999: 166) conclui que os conflitos intergovernamentais suscitados

Page 30: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

31

pelo processo de descentralização encontraram tratamento adequado, pelas

possibilidades abertas de negociações efetivas sobre questões relevantes, inclusive

atinentes à redistribuição de tetos financeiros, mesmo em conjunturas políticas

francamente desfavoráveis:

"A experiência do processo decisório na CIB/RJ mostra que mesmo nos períodos de

grande tensão no sistema político-eleitoral (mudanças de governo, de gestores, da

direção do COSEMS8) é possível formar pactos e firmar acordos que apontem para a

solução de problemas. Esta afirmativa pode ser claramente identificada em diferentes

momentos da CIB/RJ. Em especial, no último período analisado, mesmo frente à

escassez e insuficiência de recursos federais a serem distribuídos nos municípios e a

uma conjuntura política desfavorável, consegue-se aprovar uma metodologia de

pactuação e rateio dos tetos financeiros ambulatoriais, onde municípios semi-plenos ou

plenos do sistema, nem todos municípios-pólo com grande capacidade instalada,

realocaram recursos antes transferidos diretamente para o Fundo Municipal de Saúde"

(LIMA, 1999:166).

2.4 MODELOS DE RELAÇÕES DE AUTORIDADE NAS RIG

WRIGHT (1988) estabelece três modelos básicos de RIG, com base no tipo

de relação de autoridade entre os níveis de governo: - modelo de autoridade

coordenada (autonomia), modelo de autoridade dominante ou inclusiva (hierarquia) e

de autoridade igual ou superposta (negociação). No modelo coordenado ou

separado, as relações predominantes são marcadas pela independência,

prevalecendo a plena autonomia dos níveis. No modelo superposto, as relações são

interdependentes e as pautas de autoridade caracterizam-se pela negociação. Para

MUNIZ (1998), no modelo superposto

"...existiria a tendência, ou melhor, o imperativo, da negociação como principal

instrumento de interação intergovernamental , já que esta seria, naturalmente a forma

mais idônea de evitar conflitos e promover a imprescindível cooperação entre os níveis

de governo" (MUNIZ, 1998:8). (Tradução livre do autor da Dissertação)

8 COSEMS: Conselho de Secretários Municipais de Saúde

Page 31: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

32

No modelo inclusivo, as relações são marcadas pela dependência de níveis

inferiores, e as pautas, condicionadas pela hierarquia dos níveis. Neste padrão de

relações caberiam, segundo WRIGHT (1997), dois tipos de estratégias

predominantes, em se utilizando aportes da Teoria dos Jogos9. A primeira estratégia,

do tipo I, é o caso do jogo de soma zero, em que a soma dos ganhos dos jogadores

é igual à soma das perdas. Aqui, os ganhos de poder de um dos níveis de governo

implicam em perdas necessárias dos demais níveis. Outra estratégia adotada é a do

tipo II, ou de aumentar o bolo, sendo um jogo de soma variável. Todos os

participantes deste jogo podem ganhar ou obter ganhos. Um exemplo dado por este

autor para esta estratégia é a transferência condicionada (conditional grants-in-aid).

O nível federal expande sua influência arrecadando mais recursos para oferecer, na

forma de transferências, a estados e localidades. Os fundos são oferecidos com

condições (perdas) impostas a quem os recebe, mas implicam ganhos atrativos que

sopesam menos que as limitações impostas pelas condições.

O Sistema Único de Saúde, como definido na legislação, pressupõe a adoção

formal de um modelo superposto, em que as responsabilidades pela saúde dos

cidadãos são compartidas entre os níveis de governo, sendo a sua gestão realizada

de forma harmônica, cooperativa e interdependente. Na prática, traços de um

modelo inclusivo, baseado numa relação hierárquica entre os níveis, são

observados, como se verá na descrição dos resultados da pesquisa, principalmente

em episódios ou questões em que a capacidade de negociação dos atores se esgota

ou não é envidada. Poder-se-ia afirmar que o padrão das relações de autoridade no

SUS situa-se em algum ponto de um continuum que liga o modelo inclusivo e o

superposto, oscilando pendularmente entre um e outro nas questões específicas ou

momentos da implementação do sistema.

As modalidades de estratégia descritas para o modelo inclusivo são

freqüentemente observadas no SUS, tanto na relação do nível federal com os

estados, do nível federal com os municípios, quanto naquela observada entre

estados e municípios. Como reação, os entes federados afetados buscam restringir

9 * A Teoria dos Jogos é "um método sistemático para estudar o comportamento em situações de tomadas de decisão. Esta teoria pressupõe que todos os participantes se esforçam por otimizar seu comportamento, intentando cada um maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas dentro dos limites da conduta permitida (daí a analogia com os jogos). Os resultados dependem não só do comportamento de qualquer um dos participantes, mas das reações dos demais atores". (WRIGHT, 1997: 110) (Tradução livre do autor da Dissertação).

Page 32: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

33

ao máximo as transferências condicionadas e substituí-las por repasses

automáticos, baseados em critérios estáveis, entre o Fundo Nacional de Saúde e os

fundos estaduais e municipais. As normas regulamentadoras do financiamento do

SUS (as NOB) refletem, em grande parte, o esforço de limitar estas transferências

condicionadas. Embora objeto de conflito permanente, esse tipo de relação se

impõe em diversas circunstâncias, mitigado em parte pelo fato de que estratégias do

tipo II podem pontualmente ser adotadas, quando eventuais conquistas de

incremento de recursos federais permitem que se aumente o bolo.

2.5 A GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL DE POLÍTICAS Uma das dimensões das relações intergovernamentais, no que se refere à

“gestão cotidiana dos problemas entre unidades de governo", denomina-se “gestão

intergovernamental” - GIG (AGRANOFF, 1992).

A situação de interdependência entre os níveis ou organizações

governamentais na prestação de serviços, a complexidade de tais interações, a

importância do conflito, da cooperação e do jogo político entre os atores, a

relevância das relações interpessoais entre os interlocutores dos diversos níveis, a

valorização de vínculos e processos supra-legais estabelecidos e reconstruídos

quotidianamente, são traços marcantes desse enfoque complexo e dinâmico, que

busca superar as análises formalistas e unitaristas do funcionamento do Estado.

Para MUNIZ (1997), o interesse pelas RIG e pela GIG adquiriu maior

relevância a partir da Constituição de 1998, que redefiniu as competências dos

níveis de governo demarcando um novo modelo federalista, em resposta à

democratização e à crescente complexidade da sociedade brasileira. Para esse

autor

"...o sistema político surgido na Constituição de 88 no Brasil supõe relações entre os

níveis de governo com um grau de complexidade não alcançado em períodos anteriores

e cujos requisitos técnicos de gestão passam a contar como elementos estratégicos para

o desenvolvimento das políticas" (MUNIZ, 1997:1). (Tradução livre do autor da

Dissertação).

Page 33: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

34

A gestão intergovernamental pressupõe a utilização de diversos mecanismos

ou técnicas de gestão. MUNIZ (1997) enumera várias de tais técnicas dentre as

arroladas por AGRANOFF (1989):

“...a regulação, bem como alterações das rotinas intergovernamentais, com a intenção

de determinar o comportamento das outras unidades de governo; a administração de

subvenções, tanto por parte de quem as recebe como de quem as concede, com o fim

de canalizá-las para seus interesses; a negociação mediante mecanismos mais ou

menos formais desde um enfoque, no entanto, em que se concebem como perdas para

as demais partes os benefícios alcançados por uma delas; a resolução de problemas,

implicando interesses comuns, uma relativa abertura ao intercâmbio de informação e a

busca e seleção de alternativas que beneficiem a todas as partes; a gestão cooperativa,

que supõe alguma forma de acordo - que vai desde os informais até convênios

formalizados por escrito e, finalmente, o desenvolvimento das capacidades de cada nível

de governo, que lhes permite adquirir as habilidades de prever e influir nas mudanças,

para tomar decisões bem fundamentadas, atrair, absorver e gerir recursos e também

para avaliar as atividades com vistas a adquirir referências para ações futuras". (MUNIZ,

1997:14).

2.6 COOPERAÇÃO E CONFLITO NA GESTÃO DAS POLÍTICAS

LOWY (1964)10, citado por MUNIZ (1998), propõe a existência de "arenas de

políticas", "delimitadas pelos impactos de seus custos e dos benefícios que os

grupos de interesse esperam de sua implementação" e classificadas em três

categorias:

“as políticas regulatórias, formadas por normas e cuja coerção se exerce de forma

direta e imediata sobre o comportamento individual; as políticas distributivas, que

consistem na repartição dos recursos mediante sua desagregação em pequenas

unidades independentes umas das outras e livres de toda regra geral; as políticas

redistributivas, que implicam no estabelecimento de critérios por parte do setor público

dando acesso a vantagens que se outorgam não a sujeitos específicos, mas a classes

de casos ou de sujeitos, sendo a arena mais conflitiva de todas; as políticas

10 LOWY, J. Americam business, public policy, case-studies and political theory. World Politics, v. 16,

1964, p.677-715.

Page 34: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

35

constitutivas , que traduzem em definições por parte do poder público das regras do

jogo em geral, podendo significar reformas constitucionais, institucionais ou

administrativas, apresentando um elevado grau de conflito (MUNIZ, 1998:17).

O caso do financiamento do SUS, foco desse estudo, poderia ser enquadrado

no grupo das políticas redistributivas, de elevado potencial de conflito11, constituindo

uma dimensão de uma política setorial mais ampla representada pelo Sistema Único

de Saúde, passível de ser qualificada como uma "política constitutiva", também

espaço de elevado grau de conflito, a se aplicar as categorias utilizadas de LOWY

(1964)12, citado por MUNIZ (1998).

WRIGHT (1997) ressalta que nas RIG os conflitos convivem simultaneamente

com espaços e iniciativas de cooperação, o que o leva a concluir que a cooperação

e o conflito não se manifestam objetivamente como pólos opostos de um continuum .

Uma tendência de um aumento de conflito nas RIG, nos Estados Unidos da América

do Norte, é antevista por esse autor, devido às expectativas de um baixo

crescimento econômico e à continuidade das políticas de austeridade fiscal adotadas

pelo setor público, bem como pelas crescentes iniciativas de regulação do governo

central. Tais tendências podem ser transplantadas para o Brasil, sem grandes riscos,

vista a situação econômica marcada pela estagnação econômica e as políticas de

ajuste fiscal em curso. Argumenta aquele autor que as situações marcadas pela

dificuldade de crescimento do bolo resultam na adoção pelos atores de estratégias

de soma zero, em que os ganhos de uma parte implicam necessárias perdas da

outra.

O desenvolvimento e rápida difusão das tecnologias informacionais são

apontadas por WRIGHT (1997) como instrumentos para o compartilhamento das

11 O conflito pode ser definido como "uma contenda a respeito de valores, ou por reivindicações de

status , poder e recursos escassos, na qual os objetivos das partes conflitantes são não apenas obter

os valores desejados mas também neutralizar seus rivais" (COSER, 1996:120), podendo ocorrer

entre indivíduos ou coletividades. Para alguns autores o conflito "implicaria choques para o acesso e

a distribuição de recursos escassos" tendo, portanto, "sempre um caráter redistributivo. Não se

trataria, neste caso, do conflito interpessoal no sentido psicológico mas no sentido do conflito social e

político" (PASQUINO, 1995:.225)

12 LOWY (1964) Op. cit.

Page 35: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

36

informações, convertendo-se em uma base favorável à cooperação, porém, não

representando uma condição suficiente.

As possibilidades de cooperação crescem também na medida em que se

aperfeiçoam as tecnologias sociais para a resolução dos conflitos. "A mediação das

disputas em RIG é um enfoque na resolução de conflitos sem recorrer aos tribunais

nem a estratégias, encobertas ou dissimuladas, de influência política". As melhorias

na teoria e na prática da implementação das políticas públicas são consideradas

condições para a redução dos conflitos nas RIG, tornando-as menos "acidentadas e

mais cooperativas" (WRIGHT, 1997:627).

Page 36: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

37

3 METODOLOGIA

Para analisar os mecanismos de gestão intergovernamental utilizados no

tratamento dos conflitos distributivos ligados ao financiamento do SUS, foi realizada

uma pesquisa do tipo descritiva utilizando-se de estratégia qualitativa, em que se

procurou atentar para as percepções e visões de atores sociais situados em

condição privilegiada de observação e/ou participação nos processos descritos.

A unidade empírica escolhida para a investigação foi o processo de

Programação Pactuada e Integrada do SUS, realizada no estado de Minas Gerais,

no período de março de 1997 a julho de 1998, sob a coordenação da Secretaria de

Estado da Saúde, envolvendo órgãos e atores situados nos três níveis de governo

(municipal, estadual e federal).

O processo da PPI 97/98 revelou-se um palco de intensos conflitos pela

distribuição dos recursos federais alocados no setor saúde no estado, obrigando os

atores envolvidos a utilizar mecanismos formais e informais de gestão desse conflito

de natureza redistributiva.

O setor público de saúde e, em especial, os movimentos dos atores

envolvidos na redefinição permanente de seus mecanismos de financiamento e dos

critérios de distribuição dos recursos propiciam um espaço privilegiado para a

descrição e análise de mecanismos de gestão intergovernamental pelas seguintes

razões:

Em primeiro lugar, a ordem instaurada pela Constituição Federal de

1998 definiu a saúde como responsabilidade do Estado e tarefa concorrente das três

esferas de governo, tanto na formulação e execução das políticas, quanto no seu

financiamento.

Em segundo lugar, e independentemente dos dispositivos

constitucionais, tecnicamente a execução das políticas de saúde exige a articulação

dos diversos níveis de governo, pela existência de fenômenos sanitários que

extrapolam os limites geográficos estritos da jurisdição de cada nível, como é o caso

das epidemias e, no caso da assistência à saúde, do fluxo de doentes referenciados

numa rede de serviços hierarquizada tecnologicamente, em níveis crescentes de

complexidade.

Page 37: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

38

Em terceiro lugar, os critérios definidos na legislação infra-

constitucional (Leis Federais n° 8.080, de 19/09/1990 e n° 8.142, de 28/12/1990,

denominadas usualmente, em seu conjunto, de Lei Orgânica da Saúde) foram vagos

e passíveis de múltiplas interpretações, dificultando a sua regulamentação e

tradução em critérios objetivos e definidos (vide o capítulo "Contextualização da

Pesquisa"). Essa situação obrigou os atores envolvidos a desenvolver mecanismos

formais e informais de negociação e definição dos critérios de distribuição, sempre

provisórios, que se consubstanciaram em dispositivos normativos pactuados (as

NOB) e na organização de instâncias de negociação das políticas e mecanismos de

descentralização e de distribuição dos recursos (CIB, no nível estadual, e CIT, no

nível federal).

Em quarto lugar, além de satisfazer os requisitos do referencial teórico

adotado, o das relações e da gestão intergovernamentais, o processo de

implementação do SUS foi reconhecido por diversos autores como representando

um avanço em relação a outros setores das políticas públicas, quanto à sua

descentralização efetiva:

“O SUS constituiu, seguramente, a mais audaciosa reforma da área social empreendida

sob o novo regime democrático. Ainda que a implantação do novo sistema esteja longe

de se haver completado, e muitos sejam seus impasses, no estágio atual já significa uma

transformação profunda do sistema público de saúde” (ALMEIDA, 1995:95).

Neste sentido, formas organizacionais e decisórias do SUS foram emuladas

por outros setores sociais como o da Assistência Social, como a criação de

Conselhos e a normalização complementar na forma de Normas Operacionais. A

utilização de mecanismos de gestão intergovernamental semelhantes aos utilizados

no âmbito do SUS também é presumível, cabendo a estudos de caráter comparativo

verificar a sua existência.

O método de investigação empírica adotado, o estudo de caso, elegendo-se

para tal o processo da PPI, apresentou-se como a abordagem ideal para essa

investigação descritiva. O estudo de caso permite descrever em profundidade os

mecanismos utilizados pelos atores envolvidos, situados nos três níveis de governo,

nas suas transações cotidianas, no sentido de tratar o conflito distributivo pelos

Page 38: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

39

recursos captados e distribuídos majoritariamente pelo nível federal. Como aponta

GRENWOOD13, citado por MUNIZ (1998:30):

"...a principal virtude do método do estudo de caso é que permite uma compreensão

profunda do fenômeno com um todo, tal como se dá no caso estudado. Ao não se ver

distraído por uma multiplicidade de unidades de observação e ao estar restrito a um

certo número de fatores que devem ser observados, o pesquisador pode centrar sua

atenção em um pequeno número de casos e explorar, com grande detalhe, todas e cada

uma das facetas dos casos que prometam brinda-lo com certa luz sobre o fenômeno.

Esse grau de amplitude e profundidade não se pode obter com nenhum dos outros

métodos empíricos." (GRENWOOD, 1973:125). (Tradução livre do autor da Dissertação).

A escolha do caso da PPI do SUS de Minas Gerais respeitou os seguintes

critérios:

Em primeiro lugar, a PPI representou um processo delimitado no

tempo, iniciando-se em março de 1997 com a elaboração da proposta técnica por

parte da Secretaria Estadual de Saúde, e prolongando-se até julho de 1998, com a

publicação final dos "tetos orçamentários" municipais no Diário Oficial do estado.

Em segundo lugar, o processo de PPI envolveu os três níveis de

governo, desde a definição geral do processo pelo nível federal (Ministério da

Saúde), passando pela elaboração da proposta técnica pelo estado de Minas Gerais

(Secretaria de Estado da Saúde - SES/MG), até a negociação entre os municípios, e

entre os municípios e as instâncias estaduais, das metas físicas e orçamentárias dos

serviços de referência regional e estadual.

Em terceiro lugar, o fato do autor da Dissertação ter atuado

profissionalmente, em passado recente, nessa área de programação e orçamento,

ocupando, inclusive, cargo público com função de elaboração técnica da

programação ambulatorial do estado, facilitou o acesso aos atores envolvidos e uma

prévia compreensão dos complexos aspectos técnicos inerentes à questão que, de

outra forma, representariam uma dificuldade adicional para o pesquisador leigo.

Além do mais, o fato de este pesquisador ter participado do processo da PPI,

assessorando um grande município da Região Metropolitana de Belo Horizonte,

representa tanto um fator facilitador no acesso às informações e atores envolvidos,

13 GRENWOOD, E. Metodologia de la investigación social. Buenos Aires: PAIDOS, 1973.

Page 39: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

40

como um fator introdutor de um viés subjetivo, que deve ser aqui explicitado. A

objetividade do estudo foi intentada pela busca consciente de posições divergentes

ou contraditórias manifestadas pelos diversos atores envolvidos, sendo esse um dos

critérios para a seleção dos entrevistados.

Embora não possa ser assumida como uma pesquisa participante, pois não

houve, à época do transcurso dos fatos aqui analisados, uma intenção explícita de

seu registro metódico, uma certa dimensão participante não pode ser negligenciada.

A posição ocupada pelo autor no processo modulou consideravelmente a escolha

consciente do tema e dos aspectos investigados e orientou a sua visão geral do

processo em causa que, de outra maneira, assumiria certamente enfoques

diferenciados.

O pertencimento do autor ao subsistema de políticas representado pelo

financiamento da saúde dirige também uma clara e assumida intencionalidade da

aplicação dos conhecimentos adquiridos na análise descritiva dos fatos abordados

na formulação de políticas e no desenho de estratégias de financiamento e gestão

setoriais.

Informações complementares sobre a criação e funcionamento da instância

de negociação formal (CIB-MG) envolveram entrevistas com cinco atores ligados

direta ou indiretamente aos primeiros momentos de sua criação e funcionamento

posterior, permitindo o estabelecimento de uma periodização histórico-cronológica

dessa instância, que se encontra descrita no capítulo "Contextualização da

Pesquisa".

O universo da pesquisa foi constituído pelos atores localizados em órgãos

oficiais do setor saúde nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e

órgãos de representação envolvidos na regulamentação dos dispositivos do

financiamento do SUS, bem como nas negociações dos critérios de distribuição e

dos montantes de recursos. Esses órgãos são secretarias do Ministério da Saúde

e de uma Secretaria Estadual de Saúde (de Minas Gerais), bem como as

representações de secretários estaduais (Colegiado dos Secretários de Saúde -

CONASS) e secretários municipais de saúde (Colegiado de Secretários

Municipais de Saúde - CONASEMS), participantes das instâncias colegiadas de

gestão (Comissão Intergestores Tripartite nacional e Comissão Intergestores

Bipartite de Minas Gerais). A não inclusão de atores pertencentes à iniciativa

Page 40: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

41

privada ou membros da sociedade civil organizada participantes dos Conselhos

Estaduais ou do Conselho Nacional de Saúde deveu-se à sua participação

marginal no processo em estudo, verificada já de início, na entrevista com o

homem - chave.

As unidades de observação foram os agentes públicos participantes das

negociações cotidianas em torno do subsistema de financiamento, sendo

representantes dos níveis de governo, membros dos staffs de assessoria,

representantes nas comissões intergestores ou dos grupos de trabalho vinculados

a tais comissões.

Page 41: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

42

3.1 TRABALHO DE CAMPO Para a realização do trabalho de campo foi elaborado um "Plano de Trabalho

de Campo" contendo os critérios de seleção do principal informante (o homem-

chave), personagem que concentrasse em si o domínio completo do processo em

estudo, de cujo depoimento se identificariam os principais conflitos ocorridos e os

atores envolvidos, orientando, assim, a composição de uma amostra intencional, não

probabilística, de entrevistados. Como já foi dito, a condição privilegiada de

observação e/ou participação, bem como a manifestação de posições divergentes ou

contraditórias no decorrer do processo descrito, foram consideradas como critérios

para o pertencimento à amostra. Nesse sentido, não foram coletados dados ou

informações destinados a qualquer tratamento estatístico, com pretensões a amplas

generalizações.

Realizou-se também a definição de categorias analíticas que foram utilizadas

na formulação dos roteiros das entrevistas e na posterior análise das mesmas,

correlacionando-as com aspectos do referencial teórico adotado que as

fundamentam.

3.1.1 SELEÇÃO DO "HOMEM - CHAVE"

O critério básico para a escolha do homem-chave14 foi a sua participação

decisiva no processo em estudo, seu domínio completo da história anterior e dos

acontecimentos que conformaram o caso estudado.

Seria desejável que a participação desse ator no processo fosse contínua,

não fragmentada temporalmente, permitindo uma visão histórica e compreensiva da

atuação dos outros atores e uma compreensão dos conflitos existentes e sua

resolução. A localização do homem-chave foi facilitada pela participação do autor

desta pesquisa no subsistema de políticas, pelo seu conhecimento anterior da

maioria dos atores relevantes.

14 A adoção desse informante - chave acompanhou a estratégia utilizada por MUNIZ (1998), assumindo-se a mesma denominação utilizada por aquele autor.

Page 42: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

43

Durante a sua entrevista, atentou-se para os conflitos existentes durante o

processo de programação (PPI) e os diversos atores envolvidos.

A partir da entrevista com o homem-chave os demais atores foram

identificados, compondo a amostra intencional, não probabilística.

3.1.2 AS ENTREVISTAS

Como instrumento de coleta de dados foram desenvolvidos roteiros de

entrevistas, do tipo de entrevista centrada (“focused interview”), descrita por

THIOLLENT (1981), como aquela “na qual, dentro de hipóteses e de certos temas, o

entrevistador deixa o entrevistado descrever livremente sua experiência pessoal a

respeito do assunto investigado". O roteiro foi construído aberto o suficiente para

comportar uma liberalidade no discurso do ator, contemplando questões que

surgissem no decorrer da entrevista.

A composição da amostra dos entrevistados foi não-probabilística (amostra

intencional), buscando incluir atores considerados relevantes pela sua

participação nos processos descritos, procurando, sempre que possível, incluir

posições divergentes e/ ou conflitantes, e constituída por agentes situados nos

três níveis de governo, em funções de direção e/ou consultoria que participassem

das negociações cotidianas e/ou dos processos de regulamentação normativa do

subsistema de financiamento.

Os critérios para a inclusão dos entrevistados na amostra foram a

participação ativa no processo de elaboração e negociação das metas da PPI e o

exercício de função formalmente designada ou informalmente de interlocução

com outras instâncias de governo na definição de critérios de distribuição e

valores de recursos. Um critério complementar foi a manifestação pelo ator de

visão diferenciada ou de proposições divergentes, no decorrer do processo,

incorporadas ou não aos resultados da negociação, e que possa ser localizada a

partir dos relatos dos demais entrevistados.

Este critério concorda com RUQUOY (1997), para quem

"Nos estudos qualitativos interroga-se um número limitado de pessoas, pelo que a

questão da representatividade, no sentido estatístico do termo, não se coloca. O

Page 43: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

44

critério que determina o valor da amostra passa a ser a sua adequação aos objetivos

da investigação, tomando como princípio a diversificação das pessoas interrogadas e

garantindo que nenhuma situação importante foi esquecida. Nesta ótica, os indivíduos

não são escolhidos em função da importância numérica da categoria que

representam, mas antes devido ao seu caráter exemplar" (RUQUOY, 1997:103).

Foram realizadas doze entrevistas, envolvendo cinco atores do nível federal

(incluindo o homem-chave), quatro atores do nível estadual e três atores do nível

municipal. Outras cinco entrevistas foram realizadas anteriormente para o resgate

histórico do funcionamento da CIB-MG, cuja análise se fez em separado e compõe

parte do capítulo “Contextualização da Pesquisa”.

Consultas pontuais foram realizadas em alguns casos, quando se mostraram

necessárias para o esclarecimento de pontos obscuros ou contradições detectadas

nas falas de outros atores entrevistados posteriormente ao ator em causa.

As entrevistas foram transcritas e analisadas, buscando-se extrair os aspectos

relevantes à compreensão dos fenômenos em pauta, segundo categorias analíticas

pré-definidas, que são descritas a seguir.

3.2 CATEGORIAS ANALÍTICAS ADOTADAS A importância da definição de categorias analíticas é identificada por MAROY

(1997), para quem,

"...a operação intelectual básica de uma análise qualitativa de materiais de entrevistas

consiste essencialmente em descobrir 'categorias' , quer dizer, classes pertinentes de

objetos, de ações, de pessoas ou de acontecimentos. Seguidamente, trata-se de definir

as propriedades específicas e de conseguir construir um sistema ou um conjunto de

relações entre essas classes. Esta operação pode, evidentemente, assumir aspectos

diferentes, consoante os objetivos atribuídos à análise" (MAROY, 1997:118).

O processo de construção das categorias varia, segundo SHATZMAN &

STRAUSS (1973)15 citado por MAROY (1997), de acordo com o objetivo a que se

pretenda chegar com a análise, seja a uma descrição simples, a uma descrição

Page 44: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

45

analítica ou, finalmente, a um esquema teórico. Adotando-se a classificação destes

autores, considera-se uma descrição simples ("straight description"), objetivo

explícito da atual pesquisa, quando

"...o investigador utiliza uma teoria existente na disciplina para forjar um esquema de

análise a priori que lhe permita classificar o seu material. Destaca, no seu material,

segmentos que correspondem aos conceitos e às 'categorias' utilizadas na teoria ou na

disciplina. Além disso, tende a articulá-los numa lógica sugerida pela teoria" (MAROY,

1997:119).

Nesse tipo de análise, as categorias devem ser predefinidas, bem como suas

possíveis relações teóricas, como aqui se pretendeu realizar.

Nos demais tipos de objetivos, o de descrição analítica (analitic description) e

o de teoria local, o esquema geral de análise não parte de categorias previamente

estabelecidas, mas estas são elaboradas e derivadas a partir dos materiais, "as

classes ou categorias e suas relações são sugeridas ou descobertas indutivamente

a partir dos dados" (MAROY, 1997:120).

A geração de teorias locais (local theories) seria um objetivo mais ambicioso

de algumas descrições analíticas. GLASSER & STRAUSS (1967), citados por

MAROY (1997:121)16, em sua obra The discovery of grounded theory, defendem que

as análises qualitativas teriam a possibilidade de gerar, a partir dos dados

contextualizados, aquilo que denominam de teoria fundada (grounded), superando a

simples descrição dos fatos em uma área específica. Esta teoria local, derivada

indutivamente de um campo empírico restrito de uma investigação qualitativa

particular, poderia depois se conformar em teorias formais ou gerais (formal

theories), numa segunda fase, abrangendo um campo conceptual mais amplo.

Na presente pesquisa, a construção das categorias analíticas se fez através

do cotejamento de atributos ou dimensões reconhecidas como constitutivas das

relações e da gestão intergovernamentais contidas na teoria estabelecida nessa

área do conhecimento, bem como de referenciais teóricos que dão conta dos

mecanismos envolvidos no seu processo de efetivação prática. 15 SHATZMAN, L. & STRAUSS, A. Field research strategies for a natural sociology. Englewood Cliffs :

Prentice Hall, 1973. 16 GLASSER, B. & STRAUSS, A. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative

research. New York: Aldine, 1967.

Page 45: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

46

Essas categorias se mostraram instrumentos úteis na verificação da

expressão e conformação das diversas dimensões no caso em estudo, orientando a

elaboração do roteiro de entrevistas e possibilitando a análise das mesmas.

A seguir, enumeramos as categorias analíticas e sua definição conceitual.

3.2.1 CATEGORIA "INTERAÇÃO"

Essa categoria pretende contemplar o que para WRIGHT (1997) constituiria

dois dos atributos das RIG, qual sejam o fato de as RIG "abarcarem todas as

permutas e combinações de relações entre as unidades de governo" (primeiro

atributo) e o fato de essas relações serem contínuas e não estarem "formalmente

ratificadas em acordos ou rigidamente fixadas por estatutos ou decisões dos

tribunais" (terceiro atributo). Ambos os atributos foram aqui reunidos numa mesma

categoria analítica pelo fato de que o primeiro constitui o espaço ou o ambiente em

que as relações se dão e o segundo atributo pretende abarcar as formas pelas quais

tais relações se dão concretamente.

Ao enfatizar interações entre atores que se dão além do marco

constitucionalmente estabelecido, o enfoque das RIG supera as análises clássicas

do federalismo, enfatizando um amplo espectro de interações que vão além das que

se estabelecem formalmente entre os governos nacional e estatal ou inter-estatal

(MUNIZ, 1998).

Por definição, o conceito de RIG engloba todo uma gama de interações

complexas que se concretizam na formulação e implementação de políticas:

"Motivo pelo qual abarca todas as permutas e combinações de interações possíveis

na produção de políticas - como as processadas entre o governo nacional e local,

entre o estadual e local, e inclusive interlocal - e as relações entre as agências

setoriais do governo em diferentes níveis (empresas públicas, fundações, etc.) e os

organismos não governamentais" (MUNIZ, 1998:6).

AGRANOFF (1991) considera que o número de unidades de governo

envolvidas nas RIG estaria em contínuo crescimento e, ao reconhecer que no

interior dessas unidades estão implicados diversos segmentos organizativos

Page 46: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

47

funcionalmente especializados, suas relações resultariam num número assombroso

de interações possíveis.

Tais padrões de interação remetem ao conceito de redes interorganizacionais

adotado por MANDELL (1993), pretendendo abarcar a complexidade inerente a esse

tipo de sistema. Assim, para esta autora, as redes interorganizacionais se definem

como "várias distintas ações que estão relacionadas por meio de um tipo específico

de interação e dentro de um certo contexto" (MANDELL, 1993:191). Embora

estreitamente relacionadas, as duas categorias: interação e articulação em rede,

serão tratadas separadamente. Julgou-se oportuno destacar as interações nestas

duas categorias analíticas, procurando abarcar a amplitude, a periodicidade e

superação dos marcos legais na primeira categoria e a estrutura que se conforma

com a acumulação histórica das interações na segunda categoria. Para utilizar os

conceitos de MATUS (1993), a primeira se localiza no plano das fenoprodução

(produção dos fatos) e a segunda se inscreve no plano das fenoestruturas

(acumulações históricas), sendo uma de suas dimensões.

O interesse na adoção dessa categoria analítica seria investigar como se

manifestam as interações entre os atores localizados nos diversos órgãos e níveis

de governo, com vistas a viabilizar o andamento das políticas setoriais (no caso, do

financiamento do setor).

3.2.2 CATEGORIA "ARTICULAÇÃO EM REDE"

WRIGHT (1997) assinala que os administradores públicos estão envolvidos

em um grande número de interações intergovernamentais.

Para MANDELL (1993) estes padrões de interação conformam "redes

intergovernamentais", envolvendo "várias distintas ações que estão relacionadas por

meio de um tipo específico de interação e dentro de um certo contexto" (MANDELL,

1993:191). Já AGRANOFF (1991) destaca que "as redes intergovernamentais se

caracterizam pelo fato de serem, simultaneamente, políticas, administrativas e

interorganizativas" (AGRANOFF, 1991:204).

KLIKSBERG (1999) reconhece que “a idéia de que as relações

intergovernamentais são levadas a cabo em redes intergovernamentais e não em

entidades organizacionais separadas é uma mudança importante na nossa maneira

Page 47: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

48

de conceitualizar a gerência no cenário intergovernamental” (KLIKSBERG, 1999:4)

(Tradução livre do autor da Dissertação).

RUBIEN (1984) entende as redes como estruturas interorganizativas que

podem ajustar-se a um dos três modelos: reticular, de implantação e de enlace.

Estruturas reticulares não são permanentes ou específicas para cada projeto.

Estruturas de implantação são orientadas à execução de programas. As de enlace

se encontram a meio caminho entre o controle central próprio das estratégias de

implantação e a coordenação frouxa das estruturas reticulares.

MANDELL (1993) classifica dois tipos de estrutura de rede: as redes por

projeto (organizadas para dar conta de projetos específicos) e redes funcionais

("existem independentemente da execução ativa ou não de projetos"). Para ela "a

idéia - chave é que a rede interorganizacional se converte em uma vinculação de um

variado número de organizações e/ou indivíduos dentro de um todo coerente"

(MANDELL, 1993:192).

Os padrões de contato e mecanismos de comunicação utilizados

desempenham, segundo a autora, elementos para que condicionem a capacidade

dos administradores para operar estas redes de gerência:

"Posto que não há formas de depender de instruções ou regras específicas para reger as

ações dos membros da rede organizacional , a comunicação efetiva se torna o elemento

crítico da execução de projetos. Por conseguinte, as redes de gerência constituem uma

ferramenta para alcançar o tipo de comunicação multilateral indispensável nestes

contextos. A capacidade dos gerentes para utilizar estas redes de gerência requer que

dominem 'tanto a estrutura das redes como o processo de 'trabalhar em rede' (construir

relações)"' (MANDELL, idem, idem).

Outro aspecto relevante no funcionamento das redes intergovernamentais é o

padrão adotado de coordenação da ação dos diversos atores envolvidos. A

coordenação nas redes pode ser qualificada de multilateral, não baseada na

hierarquia entre níveis de governo.

"Os gerentes na rede interorganizacional na realidade não estão gerenciando diferentes

níveis de governo; estão gerenciando relações que atravessam os distintos níveis de

governo. Os esforços de coordenação hierárquica fracassam porque não tomam em

conta este aspecto singular da gerência dentro da rede" (MANDELL, 1993:197).

Page 48: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

49

LOVELL (1979)17, citada por WRIGHT (1997), ao analisar as estratégias de

coordenação das RIG no contexto norte-americano da década de 70, concluiu pela

existência de uma mínima coordenação das RIG numa fase classificada pelo último

autor, como a fase competitiva, que perdurou durante as décadas de 60 e 70,

naquele país. A autora identificou três tipos ou estratégias de coordenação. A

primeira delas foi a orquestração de cima para baixo, partindo da administração

superior e praticada por ocupantes de cargos eletivos, intentando regular a ação dos

especialistas funcionais, a tecnoburocracia localizada em instâncias executoras dos

programas. Essa foi a estratégia de coordenação menos utilizada nos casos que

estudou. Mais freqüentemente utilizada que a primeira, uma segunda estratégia

envolvia os especialistas funcionais no nível local, em que procuravam saltar o fosso

que os separava dos demais programas governamentais. A maior parte dessa

estratégia se dava por canais informais, que se tornavam cada vez mais importantes

e institucionalizados, realizando-se através de intenso intercâmbio de informações e

idéias entre os profissionais. A terceira estratégia de coordenação foi a chamada

engrenagem de transmissão de baixo para cima, que consistiria no "processo de unir

ou integrar o apoio financeiro no ponto de prestação dos serviços ao cliente ou

cidadão". Este tipo de estratégia revelou-se o "mais freqüente, satisfatório e eficaz",

sendo facilitado pelas transferências globais destinadas ao nível local. (WRIGHT,

1997:159-60).

3.2.3 CATEGORIA "CAPACIDADE DE AÇÃO" Essa categoria corresponde ao segundo atributo, sugerido por WRIGHT

(1997), para a caracterização das RIG relativa ao elemento humano, às pessoas

concretas, funcionários públicos-chave que influenciam poderosamente as RIG. Para

o autor não haveria relações em abstrato entre governos, mas sim, relações entre

funcionários concretos que dirigem diferentes unidades de governo, sendo suas

ações e atitudes o cerne das RIG.

Desta forma "as ações e atitudes individuais dos funcionários públicos

constituem a essência das relações intergovernamentais" (WRIGHT, 1997:74). Ao

17 LOVELL, C.H. Where we are in intergovernmental relations da some of the implications. Southern

Review of Public Administration, v. 2 , jun.1979. p.13-14.

Page 49: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

50

enfatizar os papéis dos agentes públicos individuais como atores potencialmente

influentes nas RIG, este autor valoriza, portanto, um nível analítico mais

desagregado das relações entre os níveis e órgãos de governo do que aquele

adotado no enfoque clássico do federalismo.

A capacidade de ação dos funcionários públicos envolvidos nas RIG está

determinada pelas suas acumulações históricas que desenvolvem na sua trajetória

profissional, inclusive acumulações de poder. Nessa categoria, enquadram-se os

diferenciais de poder, conhecimento, experiências anteriores com os temas, contatos

anteriores consolidados com os demais componentes da rede, credibilidade,

reconhecimento inter paris, reputação, etc. As habilidades de negociação desses

agentes, condicionadas em parte pelas acumulações apontadas, são elementos

fundamentais para a eficácia das RIG.

3.2.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇÃO" Essa categoria verificaria o grau de formalidade das interações. Corresponde

a uma das dimensões do terceiro atributo das RIG descrito por WRIGHT (1997).

Os funcionários envolvidos nas RIG utilizariam basicamente de mecanismos

informais, práticos e orientados para objetivos que possam se realizar no interior dos

contextos organizacionais e legais definidos. Estariam esses atores

fundamentalmente preocupados em que as coisas aconteçam, funcionem, isto é,

que os processos não se interrompam por amarras jurídicas ou institucionais.

3.2.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO"

O processo permanente de negociação entre os agentes públicos constitui

uma das manifestações mais evidentes da prática da GIG. Essa categoria visa

identificar os mecanismos utilizados pelos atores dos três níveis de governo para

definir a agenda de negociação, as práticas utilizadas e os entraves ao processo.

Propõe-se, assim, identificar os

"Instrumentos de gestão das discrepâncias entre distintos atores pelos quais estes,

mediante mecanismos mais ou menos formalizados e desde suas respectivas posições,

chegam a um reconhecimento dos interesses que os unem e separam. Os benefícios

Page 50: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

51

obtidos por alguns participantes se percebem que se dão ligados a perdas, por parte dos

demais" (AGRANOFF, 1991: 210)

3.2.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS"

Categoria advinda dos mecanismos descritos por AGRANOFF(1991) como

típicos da GIG entendidos como

"...processos de ajuste mútuo, geralmente informal, viáveis naqueles casos em que não

existem diferenças de fundo entre as distintas posições. Os interesses em conflito são

percebidos como menos importantes que os pontos de acordo" (AGRANOFF,

1992:210).

MUNIZ (1997) atribui à focalização em problemas específicos a condição de

eficácia das negociações na GIG:

"...o êxito da GIG está condicionado à capacidade de manter o foco permanente no

problema em questão e à capacidade de negociação com o fim de resolver os

problemas específicos, onde fiquem claras não apenas as razões técnicas da solução

adotada, senão também a natureza política da própria GIG" (MUNIZ, 1997:11).

A escolha dessa categoria visa abarcar os mecanismos de definição das

questões problemáticas e de definição da agenda de negociações setoriais e os

enfoques utilizados na sua resolução, seu grau de focalização em torno de questões

potencialmente conceituais e pragmáticas ou meramente ideológicas.

3.2.7 CATEGORIA "CONTROLE DOS RECURSOS"

O controle diferencial dos recursos entre os diversos níveis de governo e

entre os diversos atores é aqui contemplada. Essa heterogeneidade no controle dos

recursos é assim descrita por MUNIZ (1998):

"Devido ao fato de que, nos estados politicamente descentralizados, nenhuma das

esferas territoriais possui todos os recursos necessários (humanos, financeiros, legais e

informativos) para o desenvolvimento da política, a interação entre elas se faz

imprescindível para esta formação, sendo os aspectos financeiros um fator crucial para a

Page 51: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

52

análise desta interação, entendendo-se que 'as cifras monetárias são, desde logo, um

método conveniente para medir a envergadura e o efeito das influências entre unidade

de governo''' (MUNIZ, 1998:7).

Essa atitude do nível que detém os recursos é classificada por WRIGHT

(1997) como a regra de ouro dos jogos de RIG. Esta regra estabelece que quem tem

o ouro faz as regras. Há também a variante de quem paga o músico escolhe o tom.

Ela reflete as expectativas naturais ou impostas de que, ao se outorgar um fundo

federal a um programa ou projeto, deve-se estabelecer requisitos que garantam a

destinação dos fundos aos objetivos estabelecidos.

Tal categoria correspondente ao mecanismo de GIG descrito por AGRANOFF

(1991) que supõe a "utilização de subvenções para alcançar objetivos nacionais

através de governos subnacionais e organizações privadas" (AGRANOFF,

1991:209).

3.2.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO"

Essa categoria busca contemplar o comportamento estratégico e político dos

atores envolvidos no processo da implementação das políticas. Diferentemente do

enfoque estratégico clássico no qual fixam metas, definem estratégias e as

executam, os agentes envolvidos nas redes interorganizacionais assumem uma

postura mais incremental, adotando comportamentos de mobilização:

"Embora tenham idéia do que esperam alcançar, vão 'provando as águas' antes de

proceder. Desenvolvem apoio a suas idéias e as vão modificando à medida que

avançam. No caminho, reúnem as forças necessárias para levar adiante as idéias"

(MANDELL, 1993:195)

3.2.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO"

Nessa categoria busca-se abranger os "intentos de condicionar as ações de

outras unidades de governo através da produção de normas" (AGRANOFF,

1991:209). Pela sua abrangência, aqui se opta por incluir mecanismos que o citado

autor distingue, como mudanças no marco intergovernamental (reforma estrutural

legal ou normativa) e as revisões de procedimentos.

Page 52: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

53

O mesmo autor localiza apenas interesses positivos e cooperativos nessas

mudanças, como fica explícito na motivação que localiza nas primeiras:

"Favorecer o desenvolvimento das relações cotidianas alterando o marco

intergovernamental (aprovação de novos tipos de subvenções intergovernamental ou

estandardização dos requisitos ligados às mesmas, por exemplo)" (AGRANOFF, idem,

idem).

Pressupõe apenas intenções cooperativas e eficientistas nos objetivos do

segundo tipo de mudanças ("revisão de procedimento"), descurando em parte das

manobras utilizadas pelos atores que detêm a capacidade de impor normas legais

ou infralegais para alcançar seus intentos, expandir seu grau de autonomia no

processo e/ou limitar o poder dos outros componentes da arena de políticas.

"Facilitar a gestão das subvenções intergovernamentais através da reforma dos

processos administrativos (formalização e revisão conjunta das solicitações, moderação

dos requisitos de procedimentos, renúncia à aplicação rigorosa das normas)"

(AGRANOFF, idem, idem).

Inclui-se no âmbito de análise por esta categoria os "convênios entre

unidades de governo para a prestação, obtenção ou intercâmbio de serviços, assim

como para a criação de organizações orientadas à consecução de objetivos

comuns" (AGRANOFF, idem, idem).

Page 53: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

54

4 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

Neste capítulo, empreendeu-se inicialmente uma descrição sucinta de alguns

dos impasses resultantes do processo de implementação do SUS, de certa forma

assumidos como motivadores da realização desta pesquisa.

Posteriormente, realizou-se uma contextualização do financiamento do SUS

nos seus aspectos institucionais-legais, revendo-se os critérios de distribuição

contidos na legislação e procurou-se demonstrar a impossibilidade prática de sua

aplicação automática, obrigando sua regulamentação negociada.

A seguir, abordou-se o processo de regulamentação dos dispositivos legais

através da negociação entre os atores situados nos três níveis de governo, que

resultaram nos conteúdos das Normas Operacionais Básicas do SUS. Esses

instrumentos normativos regem a descentralização do sistema, fixando os

mecanismos e critérios de distribuição dos recursos federais, sempre de maneira

transitória, refletindo as conjunturas político-institucionais e a grande

heterogeneidade das situações regionais e locais.

A seguir, procura-se descrever o processo de programação e orçamentação

recente do sistema, situando os antecedentes do processo de PPI, condição para

um entendimento do caso estudado.

Por fim, a partir de uma investigação complementar ao núcleo da presente

pesquisa, buscou-se historiar sinteticamente a CIB-MG, desde a sua criação até o

momento da PPI, e empreendeu-se uma tentativa de periodização de sua evolução

histórica. A compreensão da história e do funcionamento da CIB-MG e, portanto, da

relação entre os gestores municipais com o gestor estadual, é condição para um

bom entendimento do processo da PPI, compondo seu pano de fundo político e

institucional.

Page 54: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

55

4.1 ALGUNS IMPASSES NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS

O processo de implementação do SUS, uma vez superados os momentos de

sua formulação inicial no interior do denominado “Movimento de Reforma Sanitária"

e sua conformação jurídico-legal na Constituição Federal de 1988 e nas Leis

Federais n° 8080, de 19/09/90 e n° 8142, de 28/12/90 (impropriamente

denominadas, em seu conjunto, de Lei Orgânica da Saúde) (BRASIL, 1988,1990),

coloca diversas questões e desafios teórico-práticos do maior interesse e de

resolução urgente.

O "Movimento da Reforma Sanitária", ou simplesmente "Movimento

Sanitário", constituiu-se, na década de 70, a partir de

"...redes de estudantes e docentes de medicina, jovens médicos que iniciaram sua

carreira no serviço público, outros profissionais empregados no serviço público de saúde

e os sanitaristas. A visão do movimento sanitário a respeito da atenção à saúde era

determinada de um lado pelos princípios que serviram de base aos projetos de extensão

de cobertura de saúde implementados pelas secretarias estaduais de saúde, e, de outro,

pelas críticas ao sistema existente de serviços de saúde" (STRALEN, 1996:297)

Uma aliança desses atores, qualificada por ARRETCHE (1996) como "uma

articulação positiva entre a burocracia do Ministério da Saúde, a elite profissional do

setor e governadores e prefeitos", conseguiu viabilizar "a aprovação de medidas de

reforma a partir do centro do sistema político” (ARRETCHE, 1996:56).

O consenso inicial aparente entre os diversos atores sociais envolvidos no

processo de formulação e formalização jurídico-legal foi progressivamente solapado

frente aos diversos obstáculos e encruzilhadas que foram se antepondo no processo

de implementação dessa política social.

Fundamentos basilares do modelo do sistema, como a universalização, a

descentralização e o controle social, se veriam ameaçados por resultados

inesperados ou desfavoráveis que se manifestaram no decorrer do processo de

implementação da política.

A diretiva da universalização dos benefícios da assistência à saúde, ao ser

assumida num contexto de aguda crise financeira em geral e do sistema

Page 55: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

56

previdenciário em particular, aprofundaria o fenômeno que os meios de comunicação

de massa em geral rotulam de caos da saúde. Essa situação crítica da assistência à

saúde no país, para MENDES (1996), não poderia ser imputada exclusivamente à

expansão da demanda decorrente da universalização do sistema, antecedendo

historicamente à sua implantação. Esse autor constata, então

"...uma crise dos serviços de atenção médica, mais agudamente manifestada na

desorganização dos hospitais e dos ambulatórios, em que se misturam ingredientes

perversos: filas, atendimento desumanizado, pacientes nos corredores, mortes

desnecessárias, grevismo crônico, etc. São problemas indiscutíveis mas que não

surgiram como conseqüência do SUS; ao contrário, constituem problemas históricos em

nosso país” (MENDES, 1996:70).

Observou-se um progressivo declínio do gasto público federal nos primeiros

anos da implantação do SUS. A essa queda nos gastos federais aliou-se a

instabilidade das fontes de financiamento num momento de crescimento da

produção dos serviços prestados à população pelo sistema (MENDES,1996),

agudizando, assim, a crise já existente.

Outro fenômeno observado foi denominado, por vários autores, como

universalização excludente. Por esse termo procurou-se caracterizar o padrão de

cobertura assistencial marcado pela expulsão dos setores médios para a assistência

supletiva (seguros-saúde privados) e a redução da clientela do sistema oficial aos

contingentes pauperizados e marginalizados da sociedade (FAVERET FILHO et al.,

1989; MENDES, 1993).

A descentralização, outro princípio basilar do sistema, ocorreu de forma

heterogênea e complexa, não alcançando a melhoria na gestão dos serviços e o

desejado controle social 18 pela população organizada, como se propalava no

discurso das lideranças reformistas.

A democratização do sistema seria, naquela visão, um corolário automático

da descentralização da gestão. Como assinala MUNIZ (1992), “seria equivocada a

18 Por controle social é qualificada, na literatura sanitária brasileira recente, a participação de

setores da sociedade civil organizada na formulação e controle da implementação das políticas de saúde, através das Conferências e Conselhos de Saúde. Na literatura sociológica clássica, o sentido é inverso, denotando o controle da sociedade sobre o indivíduo, assumindo-se "que uma pessoa está condicionada ou limitada em suas ações pelos grupos, pela comunidade e pela sociedade a qual pertence" (WOLFF,1986:265).

Page 56: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

57

identificação entre democracia e instituições político-administrativas

descentralizadas” (MUNIZ, 1992:106).

Assim também entende MÉDICI (1994), ao afirmar que:

“Muitos autores, ao considerar a descentralização como um fim, argumentam que o

resultado da descentralização é a participação social. Esta concepção é falsa. O que

a descentralização permite é uma melhor canalização ou vocalização das demandas

sociais da população, mas isso só ocorre em comunidades que estão mobilizadas na

defesa de seus interesses. Assim, a descentralização pode ser um instrumento de

opressão das comunidades de baixo grau de consciência e organização, pelas

oligarquias que manipulam o poder local” (MÉDICI, 1994:59).

O processo de implementação do SUS envolve, portanto, questões

complexas e ainda não resolvidas, sem melhorias perceptíveis na qualidade dos

serviços, apresentando, pelo contrário, sensível piora dos mesmos, como é voz

corrente nas contínuas denúncias veiculadas nos meios de comunicação de massa.

Os determinantes dessa crise podem ser localizados, para além das

restrições do financiamento e das desastradas administrações federais e estaduais

do período, sem querer negá-las ou obscurecer seu forte papel na configuração do

estágio atual do sistema, nas representações subjetivas e estratégias dos atores

sociais envolvidas na condução do processo de Reforma Sanitária, como alerta

CAMPOS (1994):

“...no caso brasileiro da Reforma Sanitária... optamos por um desvio estruturalista

aparentemente mais viável e mais breve. Nas duas últimas décadas, empenhamo-

nos muito mais na mudança do aparato legal e da estrutura político-administrativa,

esquecendo-nos das pessoas concretas que operariam e que usufruiriam desta

máquina que criávamos. O resultado disso está sendo um impasse. Mudou-se muito,

para pouquíssimos resultados concretos, ou pior, a crise dos serviços de saúde e da

saúde pública prossegue sua trajetória destrutiva, à revelia do esforço de um

conjunto de atores a que se convencionou denominar de movimento sanitário"

(CAMPOS, 1994:33).

A preocupação com a gestão do sistema e com os aspectos de sua efetiva

implementação é relativamente recente, resultante do viés estruturalista

anteriormente apontado por CAMPOS (1994), quando se pretendeu que as

Page 57: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

58

mudanças do arcabouço jurídico-legal e a elaboração de modelos abstratos de

estruturação político-adminitrativa, acrescentando-se aqui as proposições de

modelos de atenção, fossem resultar, mais ou menos automaticamente, em um

sistema mais eficiente, universalizado e equânime.

A compreensão dos mecanismos de gestão do processo de implementação

do SUS em um aspecto vital para sua viabilidade, o financiamento, com um enfoque

centrado nas práticas concretas das pessoas concretas que operam o sistema, é

uma possibilidade aberta pelo enfoque de RIG e GIG que se pretende desenvolver

na atual pesquisa.

Page 58: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

59

4.2 O FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

4.2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DEPENDENTE E VINCULADA

A legislação que instituiu o Sistema Único de Saúde definiu as bases do

modelo de financiamento do sistema, tanto com respeito às fontes quanto aos

mecanismos de transferência de recursos entre o nível federal e os estados e

municípios (BRASIL, LEI n° 8080, de 19/09/90 e LEI n° 8.142, de 28/12/90).

Tal legislação definiu que as transferências seriam subvenções

intergovernamentais do tipo transferências não condicionadas ou não negociadas,

por mecanismos de transferência direta e automática do Fundo Nacional de Saúde

aos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde.

Esse padrão definido na legislação configura um modelo de “descentralização

dependente e vinculada” (MEDICI, 1994:65). A descentralização dependente se

caracteriza por repasses do nível federal, instância arrecadadora, para os demais

níveis, sujeitando-os ao cumprimento de requisitos formais de organização e

alocação de recursos, diferenciando-se da descentralização autônoma, em que os

recursos seriam arrecadados na própria instância local. A descentralização

dependente se daria sob duas formas: a vinculada, baseada em transferências

automáticas definidas em legislação e a forma tutelada, baseada em transferências

negociadas, que agudizaria a condição de dependência dos níveis local e regional

ao nível central e alicerçada em alianças políticas ou técnicas efêmeras (MEDICI,

1994:66).

4.2.2 OS CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO CONTIDOS NA LEGISLAÇÃO A Lei Federal no 8.080, de 19/09/90, estabeleceu explicitamente, no seu Art.

35, os critérios para a distribuição dos recursos federais para a saúde para estados e

municípios:

“Art.35 - Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito

Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo

análise técnica de programas e projetos :

Page 59: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

60

I - perfil demográfico da região;

II - perfil epidemiológico da população a ser coberta;

III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;

IV - desempenho técnico , econômico e financeiro no período anterior;

V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e

municipais;

VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;

VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas

de governo.

Parágrafo primeiro - Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios

será distribuída pelo quociente de sua divisão pelo número de habitantes,

independentemente de qualquer procedimento prévio” (BRASIL, 1990 a).

A Lei Federal n° 8.142, de 28/12/90, estabeleceu, posteriormente, maiores

restrições ao arbítrio governamental, definindo como único critério a ser seguido,

enquanto não se regulamentasse o Art.35 da Lei n. 8.080, aquele contido no

Parágrafo Primeiro do mesmo, ou seja, “o quociente de sua divisão pelo número de

habitantes, independentemente de qualquer procedimento prévio”:

“Art.3° - Os recursos referidos no inciso IV desta Lei serão repassados de forma regular

e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios

previstos no Art.35 da Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990.

Parágrafo primeiro - Enquanto não for regulamentada a aplicação dos

critérios previstos no art.35 da Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990,

será utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente, o critério

estabelecido no parágrafo primeiro do mesmo artigo.

Parágrafo segundo - Os recursos referidos neste artigo serão

destinados, pelo menos setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o

restante aos Estados.

Parágrafo terceiro - Os Municípios poderão estabelecer consórcio

para a execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si,

parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2 desta Lei” (BRASIL,

1990 b).

Para esclarecimento, o referido inciso IV do art.2 desta Lei Federal n. 8.142 se

referiria a recursos do Fundo Nacional de Saúde - FNS - a serem alocados para a

Page 60: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

61

cobertura de ações e serviços de saúde e a serem implementados pelos Municípios,

Estados e Distrito Federal .

A imprecisão dos critérios de distribuição elencados pela legislação induziu a

diversas tentativas de proposição técnica de critérios, como a apresentada por

VIANNA e outros, ainda em 1990 (VIANNA et al.,1990). Esses autores se depararam

com dificuldades em traduzi-los para parâmetros concretos e índices de ponderação

definidos, obtendo-se simulações de perfis de distribuição mais eqüitativos que os

observados na prática, mas sempre vulneráveis a questionamentos pelas multíplices

possibilidades de escolha abertas pela imprecisão do texto legal .

Ao resumir as conclusões da primeira simulação realizada por este estudo de

VIANNA et al. (1990), que resultara em uma distribuição semelhante à da população,

na medida em que critérios concentradores eram anulados por critérios

distributivistas, na ausência da utilização de ponderações, MENDES (1996)

observou que:

“Uma simulação da aplicação dos critérios estabelecidos na Lei Orgânica da Saúde,

pelas macrorregiões brasileiras, com dados de 1989, levou a algumas conclusões:

os perfis demográfico e epidemiológico favoreceram as regiões Norte e Nordeste; as

características quantitativas e qualitativas da rede de serviços privilegiaram as

regiões Sudeste e Sul; o desempenho técnico, medido pela cobertura vacinal ,

beneficiou as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul; os níveis de participação do

setor saúde nos orçamentos estaduais favoreceu as regiões Norte e Nordeste. A

síntese dos critérios permitiu verificar que, em conjunto, eles aproximaram-se do

tamanho populacional relativo, o que significa distribuição bastante igualitária mas

não necessariamente eqüitativa” (MENDES, 1996:197).

Esse perfil mais igualitário de distribuição obtido pela simulação de VIANNA et

al. (1990) seria, para MENDES (1996), motivo para justificar resistências à aplicação

dos critérios contidos na legislação e a prática observada de utilização de critérios

outros, a partir de processos de negociação entre os atores sociais interessados,

expressos nas Normas Operacionais. Assim, segue-se à citação anterior :

“...talvez por isso os critérios da lei não foram implementados na prática

social, sempre sob justificativa de que faltava a regulamentação do Art.35,

da Lei 8.080/90 . De fato, os critérios distributivos, no que concerne aos

recursos da União, na parte que significa transferência para a assistência

Page 61: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

62

médica, vêm sendo construídos por normas operacionais que,

pragmaticamente, desconhecem os critérios legais, dentro da melhor

tradição nacional de fazer leis que não podem ou não devem ser

cumpridas” (MENDES, idem, idem).

Outras propostas de critérios foram elaboradas por OLIVEIRA JR (1992) e

CASTRO (s.d).

A aplicação estrita dos dispositivos legais, no entanto, resultou problemática,

na medida em que o Ministério da Saúde sempre se dispôs a distribuir

exclusivamente recursos de custeio para a assistência médico- hospitalar, como já

tinha sido problematizado por VIANNA et al.(1990), reservando os recursos de

investimento para transferências negociadas, através de convênios. Essa limitação

dos montantes distribuídos contraria a perspectiva que se poderia deduzir da

interpretação textual da legislação, qual seja a da redistribuição da totalidade dos

recursos destinados a estados e municípios, inclusive daqueles destinados a ações

de saúde coletiva e, principalmente, daqueles de investimento. Quaisquer das

simulações de caráter redistributivo realizadas se mostraram desfavoráveis a vários

estados e municípios que, já limitados na suas capacidades de financiamento dos

serviços existentes, se veriam na iminência de ter de compartilhar estes recursos de

custeio com estados e municípios de menor gasto per capita.

Uma distribuição perfeitamente isonômica, com idênticos valores de gasto per

capita, como ademais previa a legislação na ausência de regulamentação dos

critérios contidos no Art.35 da Lei Federal n° 8.080, significaria reduções mais

drásticas dos recursos de custeio para aqueles estados e municípios com estruturas

assistenciais mais expressivas, justamente aqueles já mais sobrecarregados pela

demanda assistencial.

Tal distribuição perfeitamente homogênea dos recursos de custeio contradiz

também o caráter de sistema tecnologicamente hierarquizado que caracterizaria o

SUS, organizado em distintos níveis de atenção, portadores de graus diferenciados

de incorporação tecnológica e, portanto, com custos operacionais distintos e

crescentes à medida que se ascende nos níveis. Essa heterogeneidade inerente ao

sistema impede a aplicação de critérios simplistas de distribuição, pretensamente

mais igualitários. Mesmo as iniciativas de se conferir tetos de programação com

idênticos valores per capita envidadas por alguns estados, como exemplificado por

Page 62: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

63

MENDES (1996), redundariam em acumulação nos centros de referência regional ou

estadual, após negociados os fluxos de referência e contra-referência entre os

municípios. A transferência direta de recursos do nível federal aos estados e

municípios com base exclusivamente no estoque de habitantes revelar-se-ia

impraticável.

CARVALHO (1992)19, em texto apresentado como subsídio à IX Conferência

Nacional de Saúde, afirma que:

“...ao que tudo indica [...], será muito difícil, se não impossível, buscar hoje uma

definição aceitável para o artigo 35. A busca da eqüidade através destes parâmetros,

na atual conjuntura, parece ser temerária. O óbice principal é a falta de dados o

mínimo necessários e o mínimo confiáveis. Corre-se o risco de ferir a eqüidade

através da aceitação de casuísmos indefensáveis. Seria como uma tentativa de

‘forçar’ o cumprimento atual de uma lei impossível de ser cumprida com clareza e

precisão. A saída pela partilha exclusivamente pelo quociente populacional é o

cumprimento exato da Lei n. 8142. O que já é possível hoje . A lei é clara que se deva

adotar este critério até que se defina o Art.35 da Lei n. 8080. À primeira vista, poderia

parecer que esta definição era apenas uma questão de trabalho ‘braçal’ de se fazer

cálculos e modelos. A realidade está sendo clara em mostrar a tantos quantos

tentaram que, com os dados disponíveis atualmente e com os casuísmos necessários

para se definir o 35, esta opção é inviável” (CARVALHO,1992:71).

4.2.3 A REGULAMENTAÇÃO NEGOCIADA

Após um período de “turbulências políticas e morais” que caracterizou o

Governo Collor de Mello (MENDES, 1996), com resistências à descentralização e a

implementação efetiva do SUS, o Ministério da Saúde do Governo Itamar Franco

editaria a Norma Operacional SUS 01/93 (NOB 93), através da Portaria MS n° 545,

de 20 de maio de 1993 (BRASIL, 1993).

Essa norma operacional, que regulamentou o processo de descentralização

da gestão do sistema, criou instâncias permanentes de negociação e normalização

no âmbito federal (Comissão Intergestores Tripartite - CIT) e estadual (CIBs).

19 Este autor posteriormente seria nomeado Secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, cargo que sucedeu a extinta Presidência do INAMPS.

Page 63: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

64

A CIT foi constituída por representantes do Ministério da Saúde, do CONASS,

entidade representativa dos secretários estaduais, e do CONASEMS, configurando-

se como uma instância formal e permanente de negociação e de gestão

intergovernamental. Tem por finalidade "assistir o Ministério da Saúde na elaboração

de propostas para a implementação e operacionalização do SUS, submetendo-se ao

poder deliberativo e fiscalizador do Conselho Nacional de Saúde” (BRASIL, 1993).

As CIBs estaduais foram formadas paritariamente por dirigentes das

Secretarias Estaduais de Saúde e dos órgãos de representação dos Secretários

Municipais de Saúde, constituindo-se como “instância(s) privilegiada(s) de

negociação e decisão quanto aos aspectos operacionais do SUS” e “cujas decisões

deverão ser referendadas ou aprovadas pelo respectivo Conselho Estadual,

submetendo-se ao seu poder deliberativo e fiscalizador” (BRASIL, 1993).

Essas instâncias de gerenciamento do processo de descentralização foram

criadas no sentido de possibilitar a adoção de mecanismos flexíveis de normalização

do processo de descentralização, dada a heterogeneidade dos diversos processos

estaduais de implementação do SUS.

A NOB 93 resultou de um processo de reiteradas consultas e negociações

entre diversos atores sociais e grupos de interesse. Isso fica explícito na introdução

do documento “Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de

cumprir e fazer cumprir a lei”, texto que cumpriu o papel de uma exposição de

motivos da Portaria Ministerial que instituiu a Norma Operacional 01/93, elaborado

pelo Grupo Especial de Descentralização (GED), incumbido da elaboração da

proposta de regulamentação:

“A prioridade atribuída à formulação de uma proposta de operacionalização dos

dispositivos legais que determinam a descentralização do Sistema Único de Saúde,

manifestada, ante o Conselho Nacional de Saúde, se concretizou em documento

apresentado ao Plenário daquele Colegiado em reunião extraordinária, realizada no dia

21 de Janeiro de 1993. A partir daí iniciou-se um longo processo de discussão e

negociação com o conjunto dos atores da área, que em maior ou menor grau já se

encontravam integrados ao debate destas questões . Gestores estaduais e municipais,

setor privado, entidades de representação popular e sindical, instituições públicas

federais, entidades científicas se dedicaram a analisar, questionar e oferecer sugestões

para o aperfeiçoamento da proposta. O que se buscava - e se obteve - foi a superação

Page 64: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

65

de divergências capazes de inviabilizar a implementação das medidas propostas”

(BRASIL, 1993:5).

Como o próprio título do relatório do GED ressalta, “a ousadia de cumprir a

lei” foi uma das consignas que orientou os trabalhos daquele grupo incumbido de

traduzir, em normas acordadas entre os diversos atores sociais interessados, os

dispositivos legais anteriores. Porém, no esforço de regulamentar os conteúdos da

legislação, o GED inseriu critérios de distribuição, transferência de recursos e

mecanismos de descentralização não contemplados pela legislação e, mesmo, em

total desacordo com aqueles dispositivos.

Ao regulamentar a Lei, a NOB 93 reorientou o processo de descentralização,

propondo diversas modalidades de gestão descentralizada para os estados

(condições de gestão parcial e semi-plena) e municípios (condições de gestão

incipiente, parcial e semi-plena), de acordo com o interesse e o compromisso

manifesto pelos respectivos entes federados na assunção das diversas

responsabilidades de gestão descentralizada .

Manteve ainda, a respeito do financiamento, as modalidades de

transferências de recursos denominadas AIH (Autorização de Internação Hospitalar)

e RCA (Recursos de Cobertura Ambulatorial) e os respectivos sistemas

informatizados de pagamento (e base para controle), SIH-SUS (Sistema de

Informações Hospitalares do SUS) e SIA-SUS (Sistema de Informações

Ambulatoriais do SUS). Definiu também que

“...para os municípios o teto quantitativo mensal (de AIHs) será equivalente a um

duodécimo de 8% de sua população, enquanto para os estados será de um duodécimo

de 2% de sua população, acrescido dos quantitativos devidos aos seus municípios que

não estiverem nas condições de gestão incipiente, parcial ou semi-plena” (BRASIL,

1993:5).

No aspecto financeiro, a NOB introduziu o princípio de limitação dos gastos

estaduais e municipais com internações hospitalares a um teto orçamentário

previamente definido. Até então, o limite ao gasto hospitalar se prendia à fixação

apenas do teto físico, isto é, de um quantitativo de internações permitidas de serem

realizadas em cada estado, independentemente do impacto financeiro total que tais

Page 65: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

66

internações fossem representar. O valor do impacto financeiro só podia, então, ser

conhecido à medida que se consolidava a totalidade das faturas hospitalares do

estado. Esse princípio fica assim inscrito na NOB 93, baseando seu cálculo na série

histórica dos valores médios da AIH:

“...o teto financeiro de custeio das atividades hospitalares para os municípios será

calculado através da multiplicação do quantitativo de AIH pelo valor médio histórico da

AIH no estado (janeiro a dezembro de 1992), corrigido na mesma proporção que a tabela

básica de remuneração de procedimentos hospitalares” (BRASIL, 1993:5).

No caso do financiamento ambulatorial, manteve-se o cálculo pela Unidade de

Cobertura Ambulatorial (UCA), valor definido para cada estado e a ser aprovado pelo

Conselho Nacional de Saúde que, ao ser multiplicado pelo número de habitantes do

estado, comporia os RCA, um limite orçamentário para os gastos ambulatoriais.

Todos estas modalidades de cálculo de recursos contradizem o texto legal,

sendo produto da negociação entre os gestores dos três níveis de governo,

correspondendo às especificidades das diversas situações e estágios de

implementação do sistema e à busca de garantias de condicionar o comportamento

dos demais níveis.

Resultados positivos quanto à implantação da NOB foram reconhecidos por

MENDES (1996), mas considerados insuficientes quanto à consecução de maior

eqüidade pelo sistema, pontuando que

“...a NOB 01/93 não obedeceu à determinações legais contidas na Lei 8.080/90 no que

concerne à distribuição dos recursos e não se preocupou em instituir mecanismos que

levassem à equidade. A sua operacionalização, na prática social, fez avançar

significativamente o processo descentralizador e teve impacto na eficiência dos serviços

prestados, especialmente em municípios que adotaram gestão semiplena. Contudo, seus

resultados em eqüidade são questionáveis” (MENDES, 1996:198).

O período que se seguiu à edição da NOB 93 foi marcado por grande

diversidade nos padrões de gestão do sistema descentralizado e das relações entre

estados e municípios (LIMA, 1999 e LEVCOVITZ, 1997) e conflitos de competências

entre os níveis de governo.

Page 66: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

67

A NOB 01/96 vai radicalizar o processo de descentralização do sistema,

buscando corrigir as distorções detectadas durante a aplicação da norma

operacional anterior. LIMA (1999), citando LEVCOVITZ (1997), arrola as estratégias

adotadas pelo Ministério da Saúde, fruto de negociação com o CONASS e o

CONASEMS, além daquelas de reforço à capacidade gestora do SUS e da

organização da gestão da assistência à saúde, representadas pelo desenvolvimento

de instrumental técnico/operacional para gestão do SUS:

"...radicalização da descentralização e ampliação dos efeitos da NOB SUS 01/93, com

definição clara dos papéis das instâncias de governo e plena responsabilização dos

municípios pela saúde integral de seus munícipes; mudança na lógica de alocação de

recursos financeiros com estímulo à utilização dos instrumentos de programação,

controle e avaliação como indutor da recuperação do comando do sistema pelos

gestores públicos; estímulo à mudança do modelo de atenção à saúde, priorizando-se a

reorganização da atenção básica; recuperação da capacidade operacional e melhoria da

qualidade das unidades assistenciais do SUS" (LIMA, 1999:78).

Após um período de negociação de cerca de um ano nos fóruns da CIT e do

Conselho Nacional de Saúde, edita-se a NOB – SUS O1/96, através da Portaria n°

2202, de 5/11/96. O conteúdo da NOB 96 foi amplamente discutido, e "envolveu

vários segmentos da sociedade, além de várias oficinas de trabalho do CONASS e

encontros do CONASEMS", onde se "buscou a elaboração de uma proposta

consensual, que atendesse às necessidades dos diferentes níveis gestores do SUS"

(LIMA, 1998:82).

A NOB 96 introduz uma série de inovações na gestão do sistema, cabendo

aqui destacar a proposta de uma PPI, a introdução do Piso Assistencial Básico

(PAB) - um montante de recursos destinado exclusivamente às ações básicas de

saúde - e uma melhor definição das competências dos três níveis de governo, além

de diversos incentivos financeiros vinculados a ações de vigilância sanitária e

epidemiológica. Modifica também as condições de gestão para estados e

municípios, instituindo as formas de gestão plena da atenção básica e gestão plena

do sistema municipal para os municípios, e gestão avançada do sistema estadual e

gestão plena do sistema estadual, para os estados.

Page 67: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

68

Um maior detalhamento e uma análise dos conteúdos da NOB 96 podem ser

realizados a partir dos trabalhos de LIMA (1999) e SCOTTI (1996), fugindo do

escopo desta pesquisa.

A PPI, no entanto, mote deste estudo de caso, representou:

"...um elemento primordial da NOB SUS 01/96. Enquanto instrumento negociado entre

gestores, traduz as responsabilidades, objetivos, metas, referências inter-municipais,

recursos e tetos orçamentários e financeiros, em todos os níveis de gestão. Expressa a

garantia de acesso universal aos serviços de saúde, diretamente, ou por referência a

outro município, sempre por intermédio da relação gestor-gestor. O processo de

elaboração é ascendente com base municipal, buscando a integralidade das ações,

observando critérios nas CIB e CIT, aprovados nos respectivos Conselhos Estaduais de

Saúde (CES)" (LIMA, 1999:83).

A PPI abrangeria todas as dimensões da atenção à saúde realizadas pelo

sistema (assistência ambulatorial, hospitalar, vigilância sanitária, epidemiológica e

controle de doenças), com uma base municipal, "constituindo um instrumento

essencial de reorganização do modelo de atenção e da gestão do SUS, de alocação

dos recursos e explicitação do pacto estabelecido entre as três esferas de governo"

(BRASIL, 1997:18)

A NOB 96 vai valorizar o papel das instâncias estaduais na coordenação do

processo de programação e a compatibilização e harmonização das metas das

referências intermunicipais.

"O processo de elaboração da Programação Pactuada entre gestores e Integrada

entre esferas de governo deve respeitar a autonomia de cada gestor: o município

elabora sua própria programação, aprovando-a no CMS20; o estado harmoniza e

compatibiliza as programações municipais, incorporando as ações sob sua

responsabilidade direta, mediante negociação na CIB, cujo resultado é deliberado pelo

CES" (BRASIL, 1997:18).

As intenções expressas na NOB 96, quanto ao papel da PPI, serão

modificadas no processo de sua implementação concreta, como se descreverá no

capítulo seguinte.

20 CMS - Conselho Municipal de Saúde

Page 68: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

69

4.3 A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE EM MINAS GERAIS: SUA CONSTITUIÇÃO E MOMENTOS DE FUNCIONAMENTO

A partir dos depoimentos colhidos nas entrevistas, o funcionamento da

CIB/MG foi descrito e periodizado em diversas fases, de acordo com os padrões de

relações estabelecidos, o seu grau crescente de formalização, o perfil dos conflitos

observados e das estratégias adotadas pelas partes no seu tratamento e resolução.

A Comissão Intergestores Bipartite Estadual foi constituída no âmbito do

SUS/MG, imediatamente à sua proposição pela NOB 93, e instituída por portaria da

Secretaria Estadual de Saúde. O papel previsto para essa comissão foi o de

deliberar sobre os diversos aspectos relativos à descentralização do SUS no Estado

que, até aquele momento, vinham sendo assumidas exclusivamente pelo gestor

estadual:

"Um dos aspectos relevantes dessa comissão, segundo atores da SES/MG, é que

ela, através da negociação entre os gestores, normatiza (sic) e legitima as decisões via

deliberações (de acordo com a pauta de reunião) que são publicadas no Diário Oficial do

Estado, facilitando a comunicação com as instituições encarregadas do processo de

implantação do sistema. Esta conduta não era observada antes do SUS, conforme

declarações de atores entrevistados, uma vez que a maioria das decisões partia da SES"

(AIRES, 1996:29).

Antes mesmo dessa instituição formal, as relações entre o gestor estadual e

os gestores municipais já vinham, entretanto, se dando de maneira informal e já

configurando um incipiente espaço de gestão intergovernamental, caracterizando a

primeira das fases, que passamos a descrever.

4.3.1 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NÃO INSTITUCIONALIZADA Os entrevistados são concordes em afirmar que as deliberações sobre o

processo de descentralização do SUS, embora assumidas e publicadas

unilateralmente pelo gestor estadual, no período de 1991 a 1993, foram um

resultado de consultas e pactuações informais com a direção do Colegiado dos

Page 69: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

70

Secretários Municipais de Saúde (COSEMS/MG), entidade reconhecida pela direção

da SES como legítima interlocutora do conjunto dos gestores municipais. Essa

interlocução se processou na definição dos mecanismos de transferência da rede

básica e da cessão de pessoal, no momento inicial da municipalização.

Ainda nessa fase marcada pela informalidade na relação entre os gestores,

deu-se a pactuação do processo e dos critérios de distribuição dos recursos de saldo

de UCA21, condicionando os repasses à assunção, pelos municípios, da gestão da

rede básica. Fica, portanto, evidenciada a utilização de um incentivo de caráter

econômico para estimular tal adesão, na época voluntária, do município ao processo

de descentralização capitaneado pelo estado federado:

"A grande questão é que o financiamento se dava pela definição de teto por estado,

através dos valores de UCA. Havia cinco diferentes valores de UCA no Brasil. A NOB 91

é que trazia esta definição de valor UCA. O estado tinha um teto fixado e começou a

haver um saldo, quando o estado não gastava aquele teto tinha um 'saldo de UCA'.

Então a Secretaria de Estado passava a receber este dinheiro. Como a gente tinha um

processo de negociação, a distribuição deste recurso passou a ser reivindicado que

ocorresse num processo de negociação. Então nós acoplamos o processo de

descentralização à possibilidade de se receber o 'saldo de UCA'. Quem recebesse a

rede básica recebia também esse recurso, uma vez que o estado não pôs recurso

(próprio) para a distribuição” (Depoimento de dirigente da SES, gestão 91/94).

Nessa fase, o processo de programação ambulatorial e hospitalar foi também

um dos objetos da pactuação. No caso da área ambulatorial, houve a definição dos

critérios de distribuição dos Recursos de Cobertura Ambulatorial (RCA), um

montante de recursos destinados aos estados federados para cobertura de todas as

atividades e procedimentos realizados em ambulatórios e fixado regularmente a

partir da NOB 91. Quanto ao financiamento da rede hospitalar pública e privada, a

pactuação se estendeu à fixação de tetos de AIH por município, rompendo-se com a

lógica anterior das cotas pertencentes aos hospitais.

21 UCA - Unidade de Cobertura Ambulatorial: valor per capita atribuído pelo Ministério da Saúde a cada estado federado, que multiplicado pelo número de habitantes, resultava no valor da RCA (Recursos de Cobertura Ambulatorial), teto orçamentário para as ações ambulatoriais ao qual os estados tinham que se adequar , sob pena de sofrer "cortes" nas faturas apresentadas ao Ministério.

Page 70: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

71

Segundo os depoimentos, na primeira distribuição de AIH, quando se

definiram os primeiros tetos por município, a sua distribuição intramunicipal baseou-

se numa programação conjunta entre estado e gestor municipal, num momento em

que os municípios, em geral, ainda não tinham uma perspectiva de assumir

plenamente a gestão da rede hospitalar. A relação da SES com os municípios

assumiu uma postura pautada pela mera informação dos critérios propostos e dos

resultados obtidos, com uma concordância explícita, por parte da direção do

COSEMS, quanto aos encaminhamentos.

Nesse contexto, o conflito mais evidente e a negociação subsequente se

deram principalmente com os deputados majoritários de regiões que assumiram a

defesa da persistência das cotas hospitalares. Essas cotas vinham, até então, sendo

definidas centralmente por ato do Secretário de Estado da Saúde, desde a

implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – SUDS – em 1987.

Com a instituição do SUDS, estágio do processo de descentralização do sistema

nacional de saúde, diversas competências do extinto INAMPS foram delegadas aos

estados, inclusive o poder de realizar a distribuição interna dos recursos para

pagamento dos serviços realizados pelos setores público e privado.

Na época enfocada, a representação dos municípios no COSEMS compunha-

se, em sua maioria, de municípios de maior porte. Em 1992, com a presidência do

órgão passando a um secretário de saúde de um município médio, a participação de

um maior número de municípios de porte médio naquela representação ampliou-se.

A estratégia adotada pela SES à época, para consolidar a transferência da

rede básica se deu, segundo os depoimentos dos dirigentes da SES, através da

participação nas Conferências Municipais de Saúde preparatórias da IX Conferência

Nacional de Saúde, realizada em agosto de 1992.

Durante o ano de 1993, a direção da SES/MG desencadeou a realização de

Seminários Macrorregionais, realizados em cidades-pólo regionais, com intensiva

participação das diversas áreas técnicas da Secretaria. Nesses eventos, buscou-se

o convencimento dos secretários municipais e prefeitos para a aceitação da

transferência da gestão da rede contratada, com o repasse da responsabilidade

pelos procedimentos administrativos de autorização das internações hospitalares.

Tais procedimentos eram realizados, até então, pelos antigos Serviços de Controle e

Page 71: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

72

Avaliação do INAMPS, já incorporados, à época, nas estruturas dos Centros

Regionais de Saúde da SES.

O convencimento dos prefeitos municipais no sentido de assumirem o

controle da rede contratada trouxe novos aliados para este momento de

radicalização do processo de descentralização. Os deputados estaduais, que teriam

agido como empecilho na retirada das cotas hospitalares transformaram-se, para

surpresa dos dirigentes estaduais, em inesperados aliados da descentralização,

quando vislumbraram as possibilidades da transferência efetiva de poder para as

prefeituras municipais de suas regiões.

A adoção de práticas de relações intergovernamentais nessa fase não

institucionalizada e incipiente de funcionamento da instância que se constituiria

posteriormente na CIB-MG fica então evidenciada. A necessidade da gestão

negociada do processo de descentralização e dos critérios e mecanismos de

financiamento, já se faz presente tão logo se implementou a descentralização do

sistema, com a transferência da rede básica de serviços para os municípios. O

caráter informal das relações e a negociação contínua das questões relevantes entre

os gestores foram um traço marcante dessa fase, atestando a constituição de um

incipiente sistema de RIG, com características daqueles descritos por WRIGHT

(1997:71).

4.3.2 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NA CIB FORMALIZADA

Nessa fase, a partir das negociações envidadas no interior da CIB, as

decisões da SES em relação ao funcionamento do sistema, que inicialmente eram

consideradas de competência exclusiva do gestor estadual, passaram a ser

progressivamente submetidas à negociação na instância intergestora e publicados

na forma de deliberações conjuntas:

"A gente fez um levantamento na secretaria estadual das resoluções do Secretário e das

deliberações da Bipartite, sobre o que era o objeto de deliberação da Bipartite no

primeiro ano de seu funcionamento e o que passou a ser no último ano em que nós

ficamos lá (1994). No primeiro ano de funcionamento, tudo saia como forma de

resolução do Secretário. Gradativamente, a Bipartite foi assumindo o papel normativo da

Page 72: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

73

Secretaria. Coisas, que no começo eram consideradas como da competência exclusiva

da Secretaria Estadual, foram gradativamente assumidas como deliberação da Bipartite.

Passou a ser um processo de negociação" (Depoimento de dirigente da SES, gestão 91-

94).

Essa mudança representa uma inflexão importante nos mecanismos de

tomada de decisões sobre as políticas estaduais de saúde. Até então, as decisões

eram tomadas unilateralmente pelo Secretário de Estado da Saúde e expressas em

resoluções. O compartilhamento com a representação dos municípios das decisões

fundamentais com respeito à descentralização do sistema passam a ser uma prática

usual. Progressivamente, todas as decisões que implicavam a habilitação dos

municípios nos critérios previstos na NOB 93, bem como a fixação de valores dos

recursos de custeio para os municípios, passam a ser tomadas conjuntamente.

Ainda em 1994, realizou-se uma reprogramação dos tetos de AIH, com a

redefinição dos seus quantitativos, resultante de uma negociação no âmbito

microrregional dos fluxos de referência intermunicipais , quando "pela primeira vez

um município visualizou o que ele tinha no outro município" (Depoimento de

dirigente da SES, gestão 91-94).

O nível de consenso com o processo de negociação nessa fase pode ser

aquilatado pelo seguinte depoimento:

"Os conflitos nesta época circulavam em torno dos tetos municipais, muito mais em

função dos critérios aplicados na redistribuição do que na publicação do valor final.

Quando se publicavam os tetos, já estavam consensados. Não se publicava sem

consenso. A Bipartite funcionava não por voto, mas por consenso, e ela negociava até

consensar. Havia um processo de negociação árduo. A Bipartite não ‘rachou,’

verdadeiramente, em nenhum momento. Quando as coisas eram apresentadas ao

Conselho Estadual para serem homologadas, elas já tinham um consenso, então o

estado e os municípios defendiam juntos. Nós nunca levamos uma divergência estado -

município. No processo 91-94 isto não aconteceu nenhuma vez da gente ir ‘rachado’.

...Não houve, também, na época, nenhum recurso à Tripartite". (Depoimento de dirigente

da SES, gestão 91-94).

Uma condição determinante para a conformação do grau de conflito presente

nesta fase se prende ao fato da existência de uma relativa margem de folga no teto

orçamentário total do Estado em relação ao nível de execução real dos serviços.

Page 73: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

74

Essa folga propiciou uma maior liberalidade na fixação dos tetos orçamentários

municipais, num momento em que os municípios assumiam a responsabilidade

sobre a gestão das estruturas assistenciais. Neste período, o estado de Minas

Gerais conquistou uma elevação contínua nos valores dos RCA junto ao Ministério

da Saúde, por uma conjunção de interesses entre atores que ocupavam a direção da

Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) e o gestor estadual. Ambos os atores

tinham compromissos explícitos com o processo de descentralização do sistema de

saúde e pertenciam às hostes do Movimento da Reforma Sanitária. O Estado

conseguiu, à época, dobrar o montante dos recursos destinados ao custeio dos

serviços ambulatoriais.

Essa situação privilegiada permitiu um nível relativamente baixo de conflito

entre os gestores e um grande crescimento da oferta de serviços de saúde

executados direta ou indiretamente pelas prefeituras municipais. Essa conjuntura

pode ser classificada como de transição de um modelo de autoridade inclusiva para

um modelo de autoridade superposta, para utilizar as categorias de WRIGHT (1997),

onde o "crescimento do bolo" permitiu a adoção de "estratégias de soma variável",

em que "todos os participantes podem obter ganhos" (WRIGHT, 1997:109). Esse

autor ressalta também uma tendência de crescimento dos conflitos em conjunturas

opostas, de restrição orçamentária e adoção de políticas fiscais restritivas do gasto

público.

Tal conjuntura favorável vai se reverter nos momentos posteriores, quando o

limite do teto orçamentário estadual passa a ser alcançado freqüentemente e mesmo

ultrapassado. Este “estouro do teto”, no jargão dos atores, vai constituir um fator

gerador de um novo tipo de conflito, dada a necessidade de remanejamento entre os

tetos dos municípios sempre que se pretendesse a inclusão de novos serviços. Essa

nova condição atuou também como fator desestimulador para gestores que

estivessem assumindo, naquele momento, a municipalização dos serviços.

Os depoimentos dos dirigentes da SES foram também acordes em localizar a

maior resistência ao processo de descentralização nessas duas primeiras fases, em

setores da própria burocracia estadual. Estes setores passaram a manifestar uma

crescente insegurança, cada vez mais explícita quanto às suas novas atribuições e à

perda ou limitação dos espaços de poder discricionário que vinham até então

gozando. Diversas Diretorias Regionais de Saúde (DRS), que resistiram a

Page 74: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

75

implementar as novas diretivas, tiveram um papel relevante no atraso dos processos

de descentralização para os municípios. Os cento e quinze Serviços de Controle e

Avaliação Microrregional, que conservaram o seu funcionamento praticamente nos

mesmos moldes que foram herdados do INAMPS, mantinham-se como instâncias

burocráticas onde se davam todas as autorizações de AIH e das faturas de serviços

ambulatoriais públicos e privados e passaram a ameaçar a própria competência das

DRS, arrogando normas e orientações já ultrapassadas provindas do seu órgão de

origem, já em processo de extinção.

Observa-se, nos depoimentos coletados, a assunção da condução das

políticas de descentralização como uma tarefa executada com alto

comprometimento pessoal. Neste sentido, o uso freqüente e recorrente da utilização

dos tempos verbais na segunda pessoal do plural revela um elevado envolvimento

dos diversos atores na implementação das políticas, sem se confundir, de nenhuma

forma, com a interpenetração de objetivos meramente pessoais ou de grupos de

interesse na condução da política pública. Essa observação coincide exatamente

com a condição assinalada por outros autores para o sucesso na implementação de

políticas, para os quais “... o êxito da implementação pode ser frustrado quando os

técnicos encarregados desta atividade não estão cônscios de seu comprometimento

com a política" (VAN METER et al., 1975, p.128).

4.3.3 A FASE DO CONFLITO ABERTO: 1995-1996 A administração estadual, iniciada em 1995, encontrou uma situação

qualitativamente diferenciada em relação ao início da anterior, com um processo de

descentralização das estruturas assistenciais e de poderes de gestão para os

municípios já bastante avançada. A prática de gestão compartilhada do próprio nível

estadual com os municípios veio a limitar em muito, como foi descrito, o poder

discricionário do nível central do sistema e do Secretário de Estado, em particular.

Acresce-se que os tetos orçamentários municipais, tanto para a assistência

ambulatorial, quanto para a hospitalar, já se encontravam distribuídos e sua

execução já alcançava os limites globais permitidos para o estado, definidos pelo

Ministério da Saúde.

Page 75: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

76

No programa eleitoral para a saúde do governo que se iniciava duas

propostas prioritárias foram assumidas: a organização de Consórcios Intermunicipais

de Saúde e o Programa de Saúde da Família. O estágio de implementação do SUS,

encontrado pela nova gestão, se diferenciava muito do anterior. A rápida

descentralização do sistema, com a transferência da gestão da rede de serviços

para os municípios (municipalização da saúde), introduz na arena política uma

enorme quantidade de novos atores, gestores municipais de pequenos municípios,

até então alijados das negociações mais relevantes e portadores de demandas

novas, como a da desconcentração dos serviços. Essas demandas, em franca

contradição com os interesses dos municípios de maior porte, decorriam do próprio

processo de municipalização que impunha responsabilidades assistenciais novas,

até então assumidas pelo Estado ou pela rede assistencial existente nos municípios

maiores. O pacto legitimador das políticas da gestão anterior da Secretaria Estadual,

como foi dito, privilegiava a aliança com os municípios de maior porte, resultando

que as novas demandas expressas pelos pequenos municípios tinham dificuldade

de se expressar naquele contexto, ou eram sobrepujadas por outras questões, para

eles menos relevantes.

Essa emergência no cenário de novos atores sociais, oriundos de processos

políticos diferentes daqueles que forjaram os fundadores do Movimento da Reforma

Sanitária (a luta pela redemocratização do país e a reforma democrática do setor

saúde), desmobilizou e deslegitimou o pacto político anterior. Esses novos atores

manifestavam um evidente descompromisso com o arcabouço ideológico do

movimento sanitário e com o discurso municipalista estrito.

Percebendo essas novas demandas destes atores, o Governo Eduardo

Azeredo orientou sua ação para capitalizar estas expectativas, conformadas num

projeto de mudança da orientação do processo de descentralização. As resistências

de setores municipalistas da tecnoburocracia do Estado foram obstaculizadas pela

introdução de um modelo de coordenação microrregional do processo de

descentralização e de organização dos serviços no interior do estado, através dos

Consórcios Intermunicipais de Saúde. Com esta estratégia contemplavam-se as

demandas pela desconcentração geográfica dos serviços de saúde e se estabelecia

uma instância de poder regional, que enfraqueceria o poder das estruturas estatais

Page 76: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

77

existentes, as Diretorias Regionais de Saúde e as Secretarias de Saúde dos

municípios de maior porte.

Nesse quadro, e eleitas as estratégias assinaladas, a alternativa escolhida

pelo novo gestor foi encaminhar, de forma centralizada, as diretivas de sua política

de saúde, não as submetendo ao crivo da CIB. Tal postura gerou, à época, uma

reação exacerbada dos representantes do COSEMS. Na interpretação dos gestores

municipais entrevistados, a estratégia dos Consórcios Intermunicipais fragilizava a

interlocução direta com os mesmos, dirigindo os esforços de convencimento e poder

de decisão nessas instâncias de articulação microrregional diretamente para os

prefeitos municipais, que passavam a assumir a Presidência e o Conselho Diretor

dos consórcios. Outra estratégia adotada consistiu no apelo direto aos pequenos

municípios, grande maioria numérica no estado.

O COSEMS, como foi relatado, mantinha-se constituído por representantes de

municípios de grande e médio porte e encontrava-se bastante fortalecido

tecnicamente por uma assessoria reforçada, inclusive por membros remanescentes

da administração anterior.

A reorientação estratégica empreendida pelo gestor estadual gerou um

conflito permanente no interior da CIB que, nos momentos iniciais, foi esvaziada,

com reuniões ordinárias deixando de ser convocadas ou tendo sua pauta restrita a

aspectos secundários.

Apreende-se, pelos depoimentos, que alguns técnicos da Secretaria Estadual

que detinham cargos de direção na gestão anterior e haviam sido mantidos,

procuravam conservar as práticas anteriores de negociação e interpretavam tais

reorientações como um retrocesso na descentralização, resistindo às mesmas. Tal

resistência resultou no gradativo alijamento destes técnicos do processo e na sua

demissão voluntária ou forçada de seus cargos.

Os depoimentos dos gestores municipais e dos funcionários da gestão

anterior enfatizam o argumento de que as duas propostas de reorganização

comprometiam o processo de descentralização, na forma em que o mesmo vinha

sendo conduzido anteriormente. A proposta dos Consórcios Intermunicipais de

Saúde, capitaneada pela direção da SES/MG, interferia numa articulação que os

próprios municípios estavam iniciando autonomamente, do ponto de vista da

pactuação das referências microrregionais. A outra proposta, a implantação do

Page 77: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

78

Programa de Saúde da Família, apresentava características de uma estratégia

assistencial de nível local, entre outras alternativas possíveis. A sua adoção deveria,

segundo os atores, ser objeto de decisão dos gestores municipais e não uma

imposição vertical do gestor estadual.

Essas divergências quanto ao espaço de autonomia dos municípios para a

definição dessas políticas, que traduziria uma concepção distinta dos limites de

competência de formulação e implementação de políticas no âmbito do sistema, se

configurou, portanto, com um dos pontos centrais do conflito, agora expresso

explicitamente e de forma pública extrapolando os limites da própria instância de

gestão negociada, a CIB.

Em face da resistência encontrada pelo gestor estadual de implementar suas

propostas, iniciou-se um processo de adiamentos repetidos das reuniões da CIB e

de alijamento de sua Secretaria Técnica que, até então, vinha apresentando um

funcionamento ativo e permanente. A decisão que iria alterar radicalmente o papel

da CIB nos momentos posteriores foi a interferência direta na eleição do COSEMS,

realizada em abril de 1997. O governo estadual mobilizou os pequenos municípios,

conclamando-os a participar do processo eleitoral, facilitando inclusive a locomoção

dos delegados. Como resultado dessa mobilização, capitaneada pelo Governo do

Estado, se elege uma chapa identificada com as propostas do Secretário Estadual

de Saúde, sintomaticamente denominada Chapa Consórcio.

A nova CIB, agora constituída por membros do COSEMS estreitamente

identificados com as políticas do gestor estadual, oriundos em sua totalidade de

pequenos municípios do interior do estado, vai marcar o momento seguinte.

4.3.4 A FASE DA CIB HOMOGÊNEA: A EXTERIORIZAÇÃO DO CONFLITO PARA OUTRAS DIMENSÕES DO SISTEMA POLÍTICO

Nessa fase, as propostas do gestor estadual puderam ser implementadas,

dada a constituição de um novo pacto político legitimador, com reflexo direto na

composição da CIB. O grupo técnico da SES, localizado na Superintendência

Operacional de Saúde (SOS), retira-se da interlocução direta com os municípios nas

questões relevantes da descentralização. Até então, esse órgão interno da SES

vinha sendo o locus de pré-processamento técnico e negociação prévia com os

Page 78: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

79

gestores do antigo COSEMS. O Secretário passa, nessa fase, a conduzir

pessoalmente as reuniões da CIB.

Os conflitos distributivos, inerentes à dinâmica de funcionamento do sistema,

passam a ter sua expressão em outros fóruns, visto que, na CIB, a estreita

identidade da direção do COSEMS com o gestor estadual impedia que os mesmos

se manifestassem livremente e encontrassem tratamento adequado naquela

instância.

Denúncias quanto a privilégios na distribuição de recursos para determinados

municípios de interesse político do governo passaram, então, a ser veiculadas na

imprensa. Tais denúncias passaram a ser formuladas por representantes sindicais

dos trabalhadores no âmbito do Conselho Estadual de Saúde, que até essa fase

vinha homologando as decisões da CIB, e foram assumidas também por

parlamentares da oposição. Nessa época, inclusive, representação ao Ministério

Público foi oferecida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Saúde - SINDSAÚDE,

denunciando a distribuição de recursos via Boletim de Diferença de Pagamento

(BDP)22, privilegiando eventuais municípios de interesse político-eleitoral do

Secretário.

Este transbordamento das questões e conflitos inerentes à gestão do

financiamento do SUS para outras áreas de negociação do sistema político

(parlamento, judiciário) e para a imprensa marcou essa fase do funcionamento da

CIB, uma vez que o conflito deixou de receber o tratamento negociado e a resolução

pactuada na instância interna ao setor .

Mesmo destituídos de representação formal,vários municípios de maior porte

mantiveram uma participação informal nas reuniões da CIB, intervindo em diversos

momentos, demonstrando a impossibilidade, mesmo numa situação de conflito

explícito e público, de se prescindir da negociação das questões suscitadas pelo

financiamento do setor.

Nova disputa pela representação no COSEMS, em abril de 1998, resultou na

vitória de outra chapa identificada com a direção da Secretaria Estadual à época,

agora por menor margem de votos que na eleição de 1997.

22 Boletim de Diferença de Pagamento – BDP: instrumento administrativo, utilizado no sistema de pagamento do SUS, para corrigir quantitativos de repasses a mais ou a menos no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS).

Page 79: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

80

5 RESULTADOS

Neste capítulo, são expostos os resultados da pesquisa, divididos em dois

blocos. No primeiro, o processo da PPI é descrito em suas linhas gerais, na forma de

um relato histórico e analítico. No segundo, os mecanismos de gestão

intergovernamental empreendidos pelos atores envolvidos são descritos, em

correspondência com as categorias analíticas construídas a partir do referencial

teórico.

5.1 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DA PPI 97/98

5.1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PPI 97/98

A proposta de uma PPI surge na NOB SUS 01/96 como um mecanismo de

intermediação e explicitação das negociações de recursos financeiros, metas

assistenciais e modelos de atenção à saúde entre os três níveis de gestão do SUS.

A própria NOB resultou de um longo processo de negociação, no âmbito do

Ministério da Saúde, das competências e responsabilidades dos diversos níveis de

gestão e dos mecanismos de financiamento do sistema (vide capítulo 4-

“Contextualização da Pesquisa”).

A NOB 96 reafirmou o arcabouço institucional do processo de negociação

entre os gestores do SUS das questões suscitadas pela descentralização do sistema

e de sua regulamentação, já contido na norma operacional anterior, a NOB 93. Este

arranjo institucional define a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), no nível federal,

e as CIBs, no nível estadual, como os espaços institucionais privilegiados de

negociação, funcionando os Conselhos de Saúde (Nacional e Estaduais) como

instâncias homologatórias das decisões. A CIT assume o papel de instância de

recurso, dirimindo os conflitos não resolvidos no nível dos estados federados. A PPI,

nesse desenho institucional, foi então pensada como um instrumento de integração

das programações dos diversos níveis de gestão do sistema e de formalização dos

Page 80: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

81

resultados das negociações, principalmente da definição de recursos de custeio e

dos fluxos de usuários dentro do sistema:

"As instâncias básicas para a viabilização desses propósitos integradores e

harmonizadores são os fóruns de negociação, integrados pelos gestores municipal,

estadual e federal - a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) - e pelos gestores estadual

e municipal - a Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Por meio destas instâncias e dos

Conselhos de Saúde, são viabilizados os princípios de unicidade e de eqüidade.

Nas CIB e CIT são apreciadas as composições dos sistemas municipais de

saúde, bem assim pactuadas as programações entre os gestores e integradas entre as

esferas de governo. Da mesma forma, são pactuados os tetos financeiros possíveis -

dentro das disponibilidades orçamentárias conjunturais - oriundos dos recursos das três

esferas de governo, capazes de viabilizar a atenção às necessidades e às exigências

ambientais. O pacto e a integração das programações constituem, fundamentalmente, a

conseqüência prática da relação entre os gestores do SUS".(BRASIL, 1997:9)

A expectativa por parte da representação dos municípios, na época, era que o

processo de PPI rompesse com a lógica anterior de programação, presa na maioria

das vezes a ajustes realizados sobre as séries históricas dos gastos de recursos

federais. Tal prática, disseminada na maioria dos estados, penalizava as gestões

mais inovadoras e racionalizadoras, enquadradas em formas de gestão mais

avançadas (gestão semi-plena), que buscavam reorientar os recursos entre os

diversos componentes dos tetos financeiros, com vistas a mudanças no modelo da

assistência:

"A lógica sempre foi uma série histórica e quem controlou teve perda financeira. A

verdade é essa! E o processo de programação que a NOB tentou introduzir era para

romper com isso. Dizendo o seguinte: 'Olha, vamos trabalhar a necessidade a nível

municipal, com o Conselho de Saúde, vamos dimensionar a demanda, e ao final, com o

recurso das três esferas disponível, vamos definir então o que dá para fazer através de

uma receita de prioridades de intervenção. Esse era o princípio, vamos consolidar isso

para o estado? Vamos consolidar a nível nacional? E esse vira um instrumento de

pactuação e tal. Não dá para ser esse ano, então tem metas acordadas para o segundo,

para o terceiro, para o quarto ano. Esse era o princípio. O princípio nunca saiu do

papel..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).

Page 81: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

82

A proposta de uma PPI representava para os gestores municipais, portanto,

um mecanismo que permitiria a ampliação e o exercício de um maior espaço de

autonomia municipal na utilização dos recursos do SUS. A repactuação pretendida,

num fluxo ascendente, a partir do município, como instituía a NOB 96, abriria

também a possibilidade de incremento de recursos:

"...eu programo a partir de necessidade, ainda que seja com parâmetro alocado de

forma eqüitativa para o estado inteiro, ele gera, no final ele gera, porque quem está

acima do parâmetro não aceita reduzir, quem tá abaixo do parâmetro quer atingir o

parâmetro. Então, na prática, ele gera necessidade. Então como você não tem - e as

raras vezes que você teve recurso público, com alguma relevância, ele acabou não

sendo pactuado por programação e, sim, por pressão de demanda de série histórica,

então a PPI sempre foi um instrumento marginal no processo geral de programação.

Essa que é a minha visão disso..." (Depoimento de ator do nível federal -

representação dos municípios)

Publicada já nos últimos dias da gestão de Adib Jatene no Ministério da

Saúde (período 95/96), a NOB 96 vai ter sua implementação arrastada durante todo

o ano de 1997, pela indefinição da nova equipe (gestão Carlos César Albuquerque,

período 97/98) quanto à concordância com os termos da negociação anterior da qual

resultou. Tal indefinição se refletiu na lentidão com que a proposta de diretrizes e

instrumentos da PPI, aguardados pelos gestores estaduais e municipais, tomasse

corpo.

Ciente de que a abertura de um amplo processo de programação resultaria

necessariamente numa pressão pela elevação dos tetos orçamentários estaduais,

congelados em sua maioria desde 1994, a direção do Ministério da Saúde se retraiu,

adiando a proposição de uma proposta de PPI. A aprovação, pelo Congresso

Nacional, da CPMF23, após uma prolongada campanha de convencimento do próprio

governo e do empresariado, empreendida pelo Ministro Adib Jatene, sinalizava a

injeção de recursos novos para o setor saúde, ampliando, assim, as expectativas

dos gestores estaduais e municipais:

23 Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras – CPMF: tributo compulsório cobrado sobre a maioria das movimentações financeiras bancárias realizadas no país, destinada, a princípio, a complementar o financiamento do SUS e da Previdência Social.

Page 82: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

83

"... isso foi e voltou. Se você pegar as pautas da Tripartite, pelo menos 80% das reuniões

tinham aquele ponto lá. O que, na verdade, era informe, que estava em elaboração o

instrumento (da PPI). O problema é que, na ausência disso, os estados começaram a ter

que tomar iniciativas particularmente num momento, que foi em 97, onde havia

expectativa de um recurso novo com a CPMF. Quer dizer, a criação da CPMF, como

uma contribuição nacional, gerou expectativa de recurso novo” (Depoimento de ator do

nível federal - representação dos municípios).

O relato de um dos dirigentes do Ministério da Saúde à época, confirma que

tal expectativa de incremento do volume de recursos estava muito presente, após a

edição da NOB 96:

"... a NOB/96 [...] vira um paradigma mais financeiro do que de planejamento. Na

NOB/96, quando eu cheguei no Ministério, para mim estava embutido um pedido de

financiamento de mais dois bilhões e duzentos no sistema. Parecia que isso era um

pacto que estava assim... estava tudo certo que esse dinheiro ia acontecer. Eu acho que

o Jatene (Dr. Adib Jatene, Ministro da Saúde, período de 95/96) sai por causa disso,

porque esse dinheiro não apareceu. E aí eu chego justamente, o Albuquerque chega

(Ministro Carlos César Albuquerque, período 97/98), todo mundo chega nessa questão,

que a NOB/96 ia trazer mais dois bilhões e duzentos, dois bilhões e quatrocentos, e a

gente estava demonstrando que não, era menos um bilhão e quatrocentos...”

(Depoimento de ator do nível federal - Dirigente do Ministério da Saúde, período 97/98).

Tais expectativas se verão frustradas pelas restrições impostas pela área

econômica do governo federal (Ministério da Fazenda e do Planejamento),

impossibilitando um incremento de recursos do SUS para os estados:

“A primeira palavra do Malan (Dr.Pedro Malan, Ministro da Fazenda), para o

Albuquerque (Dr.Carlos César Albuquerque, Ministro da Saúde, período 97/98) era a

seguinte: olha, vocês não vão ter os vinte e dois bilhões, vocês vão ter vinte como estava

combinado, e menos um 'bi' e quatrocentos que é o pagamento do FAT...'Aceita ou não

aceita'? A princípio a gente falou : 'Não queremos', mas isso criou uma crise interna de

governo, que não saiu muito para fora, e nós nos propusemos ao desafio e falamos isso

na Tripartite vária vezes. Nós falamos mesmo: 'Olha, nós estamos fazendo o desafio

aqui a todos de gerir com esse dinheiro e, é claro, fazer um movimento por fora...Agora,

nós temos que criar regras para esse dinheiro...' Então a PPI entra nessa... numa nova

lógica” (Depoimento de ator do nível federal - Dirigente do Ministério da Saúde, período

97/98).

Page 83: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

84

Nos últimos meses de 1996 e início de 1997, sob pressão da representação

dos estados e municípios, a direção do Ministério da Saúde aprovou na CIT uma

proposta de instrumento de PPI. Essa proposta havia sido desenvolvida pelas

assessorias do CONASS24 e CONASEMS25 em articulação com as áreas técnicas

do Ministério, se restringindo aos aspectos financeiros do custeio do sistema. A

preocupação dos estados e municípios com a recomposição de seus tetos

orçamentários justificava esta restrição, abdicando das diversas dimensões que a

NOB 96 previu para a PPI (dimensão de reorganização do modelo de assistência, de

necessidades de saúde baseadas no quadro epidemiológico, etc.). Essa

característica desse documento de proposta de PPI fica clara no depoimento de um

assessor do CONASEMS à época:

"O processo nacional que era a elaboração do instrumento, nunca passou disso,

né? Participei disso, com o (assessor do CONASS), basicamente, éramos os

responsáveis, no CONASS ele, e eu no CONASEMS, para fazer essa discussão e o que

nós fizemos foi um instrumento de descentralização do dinheiro. Foi isso. Porque nós

não acreditávamos que era possível avançar mais do que isso naquela conjuntura..."

(Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios)

O depoimento anterior coincide com este de outro ator do nível federal,

também participante permanente, pelo lado do Ministério da Saúde, nas

negociações ligadas ao financiamento:

"...se chegou à conclusão de que o estado faria a sua programação com os municípios

da melhor forma que ele achasse. Negociando com as planilhas que ele quisesse, com o

enfoque que ele achasse melhor. Porém, o Ministério da Saúde sugeriria que eles

respondessem ao Ministério da Saúde algumas informações que seriam importantes

para o Ministério da Saúde. Acompanhar essa programação, obter informações

gerenciais e algumas coisas que fossem importantes para o Ministério da Saúde sobre a

24 CONASS: entidade que congrega e representa os interesses dos secretários de saúde dos estados federados que, através de uma diretoria eleita anualmente, realiza a interlocução com a direção do Ministério da Saúde. Sua sede funciona nas dependências do próprio Ministério da Saúde, em Brasília. 25 CONASEMS: entidade que congrega e representa os interesses dos secretários municipais de saúde de todos os municípios brasileiros. Possui uma diretoria eleita anualmente em um congresso, com delegação para realizar a interlocução com a direção do Ministério da Saúde. Sua sede funciona em dependências do Ministério da Saúde, em Brasília.

Page 84: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

85

organização dos estados. E ai então foi feito um primeiro, se tentou discutir na Tripartite

um documento que foi discutido com o CONASS e o CONASEMS e que contemplasse

tanto a necessidade do Ministério como as possibilidades dos estados. E esse

documento, ele nunca chegou a ser efetivamente adotado pelo Ministério da Saúde.

Chegou a ser aprovado na Tripartite, mas com essas mudanças de governo... Em

meados de 97 foi discutido esse documento mas ele não chegou a ser implantado de

jeito nenhum” (Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de

Políticas de Saúde/MS).

Pelo lado da representação do CONASS, a mesma avaliação se repete,

confirmando a estreita articulação das representações dos estados, municípios com

grupos técnicos do Ministério da Saúde na formulação das propostas. Tal articulação

resultou na elaboração de uma proposta de instrumento de PPI que chegou a ser

aprovada na Câmara Técnica da CIT e pela própria CIT, embora acabasse por não

ser assumida posteriormente pela direção do Ministério:

“...então, no ano 97 e 98, quando o processo de programação, patrocinado, vamos dizer

assim, pelo Ministério, esfriou muito, o CONASS teve o papel de tentar trazer de volta

essa discussão. Inclusive produzindo documentos, levando à Tripartite e aprovando na

Tripartite. Como não é órgão operacional, a operacionalização depende do Ministério,

não é? Um Conselho não implanta uma programação. Isso acabou caindo no vazio. Em

termos, porque agora o Ministério está resgatando a partir deste trabalho do CONASS,

uma nova proposta de PPI... Aí nós fizemos uma aliança com o CONASEMS, e aí

tentamos viabilizar via Câmara Técnica da Tripartite. E levamos à Tripartite. A Tripartite

aprovou, mas não havia um interesse político no Ministério de conduzir essa

programação...” (Depoimento de ator do nível federal – representação dos estados).

As críticas defensivas por parte da direção do Ministério da Saúde ao

instrumento aprovado na Tripartite dirigiam-se ao seu caráter restritivo, centrado

numa lógica de captação de recursos por parte de estados e municípios:

"...ele era um instrumento que foi criticado por conter só a divisão do bolo financeiro e

federal e como um instrumento de captação de recursos, aí o Ministério recusava

implantar"..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).

Se durante todo o ano de 1997 a direção do MS se retraiu quanto à aceitação

de um instrumento de PPI e adotou uma estratégia protelatória, no final daquele ano,

Page 85: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

86

no bojo de uma série de portarias que visavam regulamentar a NOB 96, definindo os

critérios de fixação dos valores do Piso Assistencial Básico (PAB), é apresentada

finalmente uma proposta de instrumento de PPI. Esse instrumento não fora fruto de

negociação com as representações dos estados e municípios, o que redundou numa

reação negativa por parte dos mesmos, resultando, na prática, na sua não

implementação:

“E aí, final de 97, o Ministério da Saúde se sentou sozinho e preparou uma proposta de

PPI que, no pacote do final do ano de 97, foi aprovada junto. E o Ministério da Saúde

começou a divulgar como uma proposta aprovada. Quando, na verdade, os estados e

municípios não tinham dado um 'OK' naquela proposta e discordavam inclusive da

proposta, porque ela tinha uma lógica diferente do que eles viam...” (Depoimento de ator

do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas de Saúde/MS).

Esse impasse perdurou até o momento da pesquisa, sendo que os estados

que empreenderam processos de programação durante o período o fizeram

utilizando instrumentos próprios, por eles desenvolvidos, sem qualquer

uniformização de parâmetros assistenciais, critérios de fixação dos fluxos referência,

etc. As áreas técnicas do MS incumbidas da análise dos processos de

enquadramento (habilitação) dos estados nas formas de gestão previstas na NOB

96, em que a apresentação de uma PPI era uma das exigências, ficaram sem

qualquer referencial para a análise das propostas, aceitando qualquer tipo de

produto que lhes foi enviado:

“...e, nesse período todo, o Ministério da Saúde ficou sem ter como uniformizar ou pegar

as informações dos estados e consolidar aqui no Ministério. Porque cada estado mandou

a informação de modo diferente [...] aí cada ação do Ministério previa uma contrapartida

do Estado e do Município, e que a gente sabe que não é assim que funciona. Mas foi

assim que o Ministério enxergou e foi assim que ele propôs e colocou na rua essa PPI,

mesmo sem a aprovação do CONASS e do CONASEMS, mas a gente estava muito

preocupada em descentralizar, em habilitar. E aí, é como eu falei anteriormente, quem

estava se preocupando? ‘Cadê o documento de orientação de PPI do Ministério da

Saúde?’: era quem estava se organizando para habilitar o Estado. Então como não tinha,

ou tinha um que ninguém queria fazer, que não tinha como fazer, cada Estado fez o seu”

(Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas de

Saúde/MS).

Page 86: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

87

5.1.2 A REALIZAÇÃO DA PPI COMO MECANISMO DE PRESSÃO PELO AUMENTO DOS RECURSOS

Se, por parte da direção do Ministério da Saúde, a PPI não foi um instrumento

privilegiado no planejamento e na distribuição dos recursos, num período

caracterizado por poucas alterações nos valores dos tetos orçamentários dos

estados e municípios (pelas restrições financeiras expostas anteriormente), no nível

estadual o mote da reprogramação atendeu outros interesses e teve conseqüências

mais abrangentes, pelo menos no caso em estudo.

A direção da SES-MG desencadeou o processo de PPI logo nos primeiros

meses de 1997. Criou-se um grupo técnico encarregado da elaboração de uma

proposta de processo e de instrumento de programação, coordenado pela sua

Superintendência Operacional de Saúde (SOS). Em reunião ocorrida em 19 de

fevereiro de 1997, a CIB aprovou a metodologia e o cronograma para a

reprogramação hospitalar, com atualização dos tetos físicos (quantitativos) e

orçamentários das AIH, prevendo seu término para o mês de maio seguinte. As DRS

iniciaram a implementação da proposta em março, com um prazo previsto para a

conclusão dos trabalhos em apenas 44 dias. A consolidação dos dados das

pactuações intermunicipais e inter-regionais, prevista para ser realizada pelo nível

central até o final de maio, se arrastou por vários meses, sendo concluída apenas

em novembro de 1997. Essa periodização e as dificuldades para a realização dessa

consolidação se encontram descritas em relatório de avaliação do processo da PPI

(“Programação Pactuada e Integrada – componente hospitalar e ambulatorial:

síntese do relatório final”), elaborado pela SOS:

“A terceira fase, registro e processamento das programações, no nível central (2ª etapa),

previa o início das atividades (análise da entrada de dados, relatórios, montagem do

banco de dados, desenvolvimento dos sistemas, etc.), para março e abril/97, com

término fixado em 30/maio/97” (MINAS GERAIS, SES-MG, 1998:1-2).

As dificuldades em se estabelecer uma reprogramação pactuada e integrada,

baseada em um sistema de referência e contra-referência para internações

intermunicipais e inter-regionais, contudo, contribuiu significativamente para o não

Page 87: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

88

cumprimento dos prazos definidos no cronograma, apesar das insistentes

cobranças. Tal fato determinou atraso no cumprimento das atividades.

“A apuração das inconsistências por erros no preenchimento dos formulários, critérios de

programação, além de erros de soma, falta de assinaturas na documentação, etc., gerou

um grande número de informações complementares, em substituição aos dados

fornecidos originalmente. Com o passar do tempo, essas ocorrências foram se

avolumando, dificultando a elaboração consistente de um banco de dados confiável e a

consulta apurada sobre a realidade de cada município, em razão dos parâmetros

previamente aceitos” (MINAS GERAIS, 1998:2)

As motivações que levaram a direção da SES-MG a desencadear a

reprogramação hospitalar e ambulatorial são interpretadas diferentemente pelos

diversos atores entrevistados.

Na sua relação com o MS, a direção da SES-MG utilizou o mote da realização

de uma PPI como um claro mecanismo de aumento do teto financeiro do Estado, no

que são acordes todos os depoimentos das entrevistas:

“O que os estados fizeram? E Minas é um exemplo clássico disso, né? Ele pegou um

dinheiro, no caso de Minas, se não me engano, 7, 8% acima do teto disponível e

programou acima do teto disponível” (Depoimento de ator do nível federal –

representação dos municípios).

“Acho que o ... (Secretário de Estado da Saúde à época), do ponto de vista de estratégia

de condução do estado lá fora, teve uma estratégia interessante que foi criar um fato

político, ele fez a PPI 6% maior do que ele tinha, publicou os tetos como se reais o

fossem, mas também contando que a capacidade de gastos dos municípios também não

é 100%. Então eu achei a estratégia interessante. A minha crítica é um pouco na forma

do relacionamento e da seleção dos municípios” (Depoimento de ator do nível federal –

representação dos estados).

“... foi nesse tempo mesmo, junho, por aí. Porque eles tinham apresentado a proposta de

habilitação do Estado em março, se não me engano, e tinha uns dez requisitos que não

tinham sido cumpridos, inclusive da PPI. E aí nós fomos lá para acabar de discutir com

eles isso. E assim, o estado... ,era uma proposta. E tinha aquela discussão: a PPI da

necessidade e a PPI do recurso que está definido para o estado. Então a gente encarou

aquilo como uma PPI que o Estado estava propondo para no momento que tivesse

Page 88: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

89

condições de dar um aumento de teto, o aumento de teto que ele queria era naquelas

coisas a mais que ele tinha colocado lá. E a discussão não foi adiante. Não teve

repercussão nenhuma dentro do Ministério da Saúde. Os estados mandaram, o Distrito

Federal mandou, com quase 30% também de aumento no teto, Pernambuco mandou

também, propondo a habilitação do Estado nessa faixa de 30% de aumento de teto.

Então todos os estados mandaram a PPI da necessidade. A programação que eles

tinham efetivamente discutido e pensado, incrementando serviços e criando novas

coisas...” (Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas

de Saúde/MS).

A eficácia dessa estratégia de utilização da PPI como um instrumento de

pressão pelo aumento dos recursos federais do SUS para o estado, com vistas a

viabilizar a concessão de incentivos financeiros que induziriam os municípios a

adotar as políticas definidas pelo governo estadual (Consórcios Intermunicipais de

Saúde e Programa de Saúde da Família), foi nula, conforme será descrito adiante. A

direção do MS privilegiou a implantação do PAB26, focalizando, nesta nova forma de

financiamento da atenção básica à saúde, a aplicação dos recursos novos

conseguidos na negociação interna com a área econômica.

26 PAB - Piso Assistencial Básico: valor per capita definido pela NOB 96 para cobertura de ações de atenção básica de saúde. A definição de seu valor e dos procedimentos que seriam cobertos por esse componente do teto orçamentário dos municípios foi uma questão polêmica que se arrastou por todo o ano de 1997.

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90

5.1.3 A PPI ESTADUAL COMO UM MECANISMO DE CONSOLIDAÇÃO DE UM NOVO PACTO POLÍTICO

Além do interesse imediato no aumento dos tetos, a direção da SES-MG

procurou, com a perspectiva aberta pela NOB 96 da realização de uma PPI, garantir

as condições de implementação das duas estratégias eleitas de mudança do modelo

de assistência: a organização dos Consórcios Intermunicipais de Saúde- CIS- e a

implantação do Programa de Saúde da Família- PSF. Através de um novo

instrumento de programação, pretendeu-se inserir incentivos financeiros aos

municípios que viessem a adotar aquelas estratégias de reorganização dos serviços.

“A relação com o Ministério se dá, a meu ver, da seguinte maneira: o estado de Minas

com a política do PSF e com a política dos consórcios, ela quis se credenciar através da

PPI como uma expressão dessa nova política; quer dizer, o Secretário que era o

presidente do CONASS, e é importante que não se esqueça disso, quis através da PPI

apresentar ao Ministério uma proposta que incluía esses atos, que ele considerava

avanços, que eram o consórcio e o PSF; e queria também na Tripartite que a distribuição

dos recursos do Ministério fossem feitos através dessas propostas que todos os estados

apresentassem a PPI e que no nível da Tripartite se fizesse uma negociação a partir

dessas demandas” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de

coordenação da PPI).

Como foi descrito no capítulo "Contextualização da Pesquisa", com essas

estratégias, o governo estadual buscava diferenciar-se das administrações

anteriores e estabelecer um novo pacto de legitimação e sustentação política,

fundando tal pacto nos novos atores emergentes do processo de descentralização.

Dirige sua estratégia para contemplar interesses de gestores dos pequenos

municípios do estado, que historicamente vinham sendo preteridos na distribuição de

recursos de custeio e investimento do SUS. Estabelece-se, assim, um típico

movimento de revisão de procedimentos, para utilizar a conceituação proposta por

AGRANOFF (1992:209), em que a PPI cumpriria o papel de consolidar, do ponto de

vista da distribuição de recursos financeiros e da cobertura das estratégias

assistenciais focalizadas, esse novo pacto político. Nesse contexto, a revisão de

procedimentos não visa a otimização do processo ou o desimpedimento de

Page 90: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

91

restrições burocráticas ao andamento da política, de que nos fala esse autor, mas,

sim, de uma mudança das regras do jogo para neutralizar os oponentes e ampliar a

capacidade de ação de um dos atores na situação.

A percepção dessa orientação estratégica pelos atores envolvidos fica

evidenciada nas entrevistas, embora a interpretação e a valoração conferida pelos

mesmos seja, evidentemente, muito diferenciada, segundo sua posição relativa na

arena setorial:

"O [...] (Secretário Estadual de Saúde à época da PPI) percebeu que havia no Estado um

vazio em relação aos atores sociais e isso era um negócio interessante, porque havia

uma reclamação, digamos assim, de representatividade dos municípios pequenos, que

são a maioria dos municípios de Minas. O segundo vetor era a necessidade que tinha a

nova aliança política de ter uma identidade na área da saúde. Quer dizer, não se tratava

de continuar o trabalho anterior, de ter uma face própria. Aí entra a dimensão política. O

novo governo vai implementar o SUS; coisa que politicamente o outro não teria feito, ou

teria feito mal. Então, a conjugação desses dois elementos a meu ver é que deu...

empurrou o estado de Minas a fazer a PPI antes da sua regulamentação pelo Ministério.

A medida em que Minas Gerais queria ter uma face própria, nada melhor do ela se

antecipar ao plano federal e apresentar um trabalho que fosse pioneiro do ponto de vista

do SUS” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de

coordenação da PPI).

Por parte dos municípios excluídos desse pacto, a percepção foi de que o

encaminhamento do processo da PPI orientou-se por motivações meramente

político-eleitorais pessoais do Secretário Estadual de Saúde, que posteriormente,

veio a se candidatar e se eleger como deputado federal.

“Eu acho que houve uma vontade do Estado de condensar o teto de todo mundo para

depois ver o que sobra para distribuir. Essa é a minha avaliação. Pegar uma planilha,

jogar um valor abaixo do real, sobrar um montão de dinheiro para colocar aonde quiser.

Criar aqueles fatores de estímulo ao estado, aquele monte de fator que ninguém sabia o

que era, naquela planilha. Se você fechar a planilha... Nós fizemos, nós fechamos a

planilha, limpa, sobravam 20 milhões por ano. Era um absurdo! Vinte milhões por mês,

quase. A população do Estado, sem os estímulos todos que tinha, era uma sobra de

dinheiro astronômica... Eu vim ao COSEMS, nessa época. Falei isso aqui, em uma

reunião... foi a mesma coisa de não falar...” (Depoimento de ator do nível municipal –

secretário municipal de saúde de pequeno município).

Page 91: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

92

“Na verdade, o que foi feito em Minas, em termos do que foi chamada uma PPI, porque

aqui nunca foi uma PPI da forma como a gente imaginava. O que é que foi? Ele tinha

expectativa de um recurso novo, queria pressionar politicamente o Ministério para

incrementar os recursos no estado, tinha uma base eleitoral no interior. Então o que ele

fez? Ele tentou, num primeiro momento, diminuir dinheiro dos municípios de médio e

grande porte que não faziam parte da base de sustentação política dele, aliás, nem do

governo, quer dizer, dos municípios de médio e grande porte de Minas, só [...] (município

de médio porte do estado, localizado próximo à capital) era do partido, fazia parte da

frente. A maioria era de oposição. Então ele tentou, num primeiro momento, tirar dinheiro

de [...] (cita municípios de grande porte e a capital do estado), etc. Como ele não deu

conta, ele congelou o teto desses municípios e injetou recursos financeiros onde ele

tinha prioridade política. E chamou isso de PPI. Claro que houve uma série de critérios.

Ele estabeleceu um conjunto de parâmetros, de cobertura assistencial, e depois foi

manipulando os parâmetros de acordo com a necessidade final da planilha de valor”

(Depoimento de ator do nível federal – representação dos municípios).

5.1.4 MUNICÍPIOS PEQUENOS CONTRA MUNICÍPIOS GRANDES: A EXPLORAÇÃO DAS DESIGUALDADES

Para legitimar e consolidar o novo pacto político, a direção da SES-MG

estimulou uma contradição já existente no interior do sistema de saúde resultante da

distribuição diferencial de recursos do SUS entre pequenos e grandes municípios.

Historicamente, os municípios de maior porte, por concentrarem estruturas

assistenciais e poder político, foram contemplados com maiores cotas per capita de

recursos financeiros. Outro determinante dessa distribuição desigual é o próprio

desenho da rede assistencial inerente à implementação do SUS. O princípio de

organização do sistema denominado hierarquização, contido na legislação,

pressupõe o desenho do sistema em redes de serviços organizados em níveis

crescentes de complexidade tecnológica o que, conseqüentemente, resulta em uma

desigualdade nos custos da assistência entre municípios de portes populacionais

diferentes.

Esses municípios maiores concentram não apenas o fluxo migratório nas suas

regiões, mas também poder econômico e político, segundo sua importância geo-

econômica regional e estadual, acumulando historicamente recursos de investimento

Page 92: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

93

em infra-estrutura econômica e social, inclusive na área da saúde. Essa acumulação

histórica condiciona necessariamente a concentração dos recursos de financiamento

do custeio do SUS, como é o caso dos recursos em disputa no processo da PPI.

Os recursos distribuídos no processo de programação, por se tratarem de

valores destinados ao custeio da assistência, inseridos num modelo de

financiamento que privilegia a remuneração por procedimentos realizados, se

direcionam necessariamente para as estruturas assistenciais já instaladas. Uma

exceção a essa lógica distributiva ligada à capacidade assistencial instalada da rede,

instituída pela NOB 96, foi a introdução do PAB, recurso destinado à cobertura das

ações básicas de saúde, que abrange a grande maioria das ações desenvolvidas

nos pequenos municípios.

A direção estadual do SUS-MG gerou uma expectativa de distribuição mais

equânime dos recursos ao propor o aumento dos valores per capita dos tetos

orçamentários dos pequenos municípios, capitalizando, assim, o descontentamento

de grande contingente de gestores municipais, que constituem a grande maioria dos

856 municípios do estado. Tal postura fica evidenciada na fala de um dos membros

do grupo técnico de coordenação da PPI estadual:

“Nós sabemos, isso é clássico, todos os atores sociais são de certa forma tributários

do seu discurso. E qual era o discurso da nova administração? Era participação de todos

os municípios, era uma revisão dos tetos, era o que se chamava de eqüidade, ou seja,

uma distribuição eqüitativa dos recursos entre os municípios. O próprio governador, em

várias oportunidades, antes da própria PPI, dizia que faria... faria em Minas Gerais a

distribuição per capita, R$1,00; para cada habitante, R$1,00...” (Depoimento de ator do

nível estado – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

5.1.5 INSTRUMENTO DE PROGRAMAÇÃO AMBULATORIAL: A PLANILHA ELETRÔNICA

Se uma distribuição perfeitamente igualitária dos recursos sob uma base

populacional é inviável e desestruturante de todo o sistema, como foi demonstrado

no capítulo “Contextualização da Pesquisa”, um sucedâneo desse modelo foi

adotado na PPI 97/98: atribuiu-se a cada município, com base na aplicação de

parâmetros assistenciais pré-fixados à sua população, metas assistenciais uniformes

Page 93: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

94

do ponto de vista per capita. Isso foi realizado através da adoção de um instrumento

de programação baseado em uma planilha eletrônica (vide Anexo I).

O desenvolvimento do modelo da planilha eletrônica ficou a cargo de um

técnico ligado ao Escritório de Representação do Ministério da Saúde em Minas

Gerais, unidade regional do nível federal que substituiu a antiga Superintendência

Regional do INAMPS.

A construção da planilha foi orientada para que a entrada da população do

município num campo próprio gerasse uma proposta de metas assistenciais, a que

todos os municípios tinham, teoricamente, direito. Essas metas eram obtidas a partir

do cálculo automático resultante da multiplicação do número de habitantes por

parâmetros de concentração per capita de serviços, desagregadas nos grupos de

procedimentos padronizados nacionalmente para efeito de pagamento do sistema

(SIA-SUS).

A partir dessa base igualitária na atribuição de metas assistenciais per capita,

o município pactuaria em sua região os fluxos de pacientes para serviços com os

quais não contava em sua própria rede.

“Eu acho que a PPI buscava exatamente assegurar a descentralização, quer dizer, seria

uma programação de via dupla, quer dizer, ela teria um nível ascendente mas sob a

coordenação do estado no sentido de, vamos dizer assim, de organizar essa

programação. Isso de fato ocorreu, porque a PPI 97-98 teve um instrumento que

inclusive foi criado por nós, tivemos a oportunidade de criá-lo, era um instrumento

informatizado de modo a facilitar o lançamento da programação dos dados e até o

cálculo que a gente introduziu, quer dizer, já havia sido introduzido na POI 94 (processo

de programação ambulatorial conduzido pela SES-MG, no ano de 1994). Os parâmetros

assistenciais, então a gente combinou esses parâmetros assistenciais dentro desse

instrumento, de modo a permitir que houvesse, não digo uma eqüidade, mas pelo menos

uma igualdade de direitos para todos os habitantes de Minas Gerais. É diferente se falar,

parece que é a mesma coisa igualdade e eqüidade, mas a igualdade seria o direito que

todos têm da mesma forma para as ‘coisas da saúde’. Ao você dar isso, você fortalecia o

nível municipal no sentido que ele teria que pactuar com os pólos principais para poder

dividir esse orçamento para ele. Aí o pequeno passou a ter voz porque os parâmetros ao

colocarem recursos assistenciais àquele município, como ele não tinha muitas vezes a

capacidade instalada, mas ele tinha direito àquela fatia que ele pactuava, então a coisa

inverteu um pouco, o pequeno, os municípios menores, eles começaram a ter voz para

Page 94: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

95

participar junto aos maiores...” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo

técnico de coordenação da PPI).

A proposta de metodologia e o cronograma de atividades foi apresentada aos

representantes técnicos das DRS27 em reunião realizada nos dias 4 e 5 de agosto

de 1997, prevendo-se um prazo de pouco menos de três meses para todo o

processo de pactuação microrregional, regional e inter-regional (a terminar no dia 30

de outubro).

A orientação da SES-MG para o processo de negociação das metas nas

microrregiões privilegiava os Consórcios Intermunicipais de Saúde como o espaço

institucional de coordenação dos pactos entre os gestores. Elegendo os Consórcios

Intermunicipais de Saúde, a direção da SES-MG buscava reforçar politicamente

essas instituições, criadas sob seu estímulo direto, elevadas à condição de instância

de negociação intergestores no nível microrregional. Essa estratégia condiz com a

orientação mais geral do gestor estadual de criação de uma instância microrregional,

que competisse e de certa forma esvaziasse, o poder técnico e político das DRS,

consideradas como núcleos de resistência às diretrizes da política estadual de saúde

que se pretendia implementar (vide capítulo "Contextualização da Pesquisa").

Registre-se que, nessa época, mantinha-se uma discussão, no nível central da SES,

quanto à oportunidade da criação de Comissões Intergestores Bipartite

Microrregionais, proposta que acabou por não granjear o consenso mínimo

necessário, acabando por não ser efetivada.

5.1.6 A PACTUAÇÃO DAS METAS ENTRE OS MUNICÍPIOS

Em agosto de 1997, iniciou-se o processo de programação pelos gestores

municipais, através da utilização da planilha eletrônica.

As metas geradas pela planilha deveriam ser referenciadas para outros

municípios da região, em caso da inexistência no local dos serviços

correspondentes. A suposição que presidiu a construção do instrumento era de que

27 Diretorias Regionais de Saúde -DRS: unidades administrativas da Secretaria de Estado da Saúde distribuídas pelas diversas regiões do estado de Minas Gerais, em número de 23. Tratam-se de unidades desconcentradas da SES/MG, incumbidas da execução das políticas e atividades operacionais definidas pelo nível central.

Page 95: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

96

os gestores municipais, com base em acordos formalizados regionalmente,

direcionariam as metas assistenciais aos municípios com maior capacidade

resolutiva, num movimento ascendente. Na medida em que esses municípios

receptores de metas se mostrassem incapacitados de executá-las, as mesmas

seriam referenciadas para municípios com maior capacidade instalada de serviços.

No final, esperava-se que este fluxo de metas, em cascata, chegasse à capital do

estado, último ponto onde os procedimentos de maior complexidade tecnológica

poderiam ser atendidos. As metas pactuadas deveriam ser então apresentadas à

CIB -Regional para aprovação.

A implementação da proposta por parte dos municípios, no entanto, não

alcançou plenamente os resultados desejados pela direção da SES. Ao aplicarem as

planilhas eletrônicas, diversos municípios apresentaram redução em relação às

metas assistenciais já executadas, o que implicaria diminuição dos valores de seus

tetos orçamentários para cobertura do custeio ambulatorial. Daí a estratégia adotada

por vários deles no sentido da retenção de metas, de forma mais ou menos artificial.

Assim, o fluxo para os municípios com estruturas assistenciais de maior

complexidade tecnológica se viu grandemente comprometido, obrigando a direção

da SES-MG a atribuir-lhes, de forma mais ou menos arbitrária, metas físicas e

orçamentárias necessárias para a manutenção dos serviços já existentes e para a

cobertura das referências pactuadas na PPI.

Essa aplicação rígida do instrumento da planilha eletrônica, muito criticada à

época por vários gestores municipais prejudicados, também foi reconhecida por

técnicos da SES encarregados da coordenação do processo:

"...a planilha era um ponto de partida e não um ponto de chegada. Muitas vezes isso foi

entendido a meu ver equivocadamente, seja da parte de representação da Secretaria,

seja da parte de representação do COSEMS; a planilha na realidade era um instrumento

auxiliar, ela é um instrumento de intermediação, para tornar a negociação mais racional,

então isso é interessante. O outro grande avanço, a meu ver, nesse processo da PPI, foi

realmente a experiência de negociação e pactuação entre os municípios... (Depoimento

de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

O momento da pactuação das metas entre os municípios também fez aflorar

conflitos de várias naturezas, já existentes no interior do sistema ou suscitados pelo

Page 96: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

97

próprio processo de reprogramação. O conflito distributivo latente aparece nessa

ocasião com maior intensidade, gerando a necessidade de intermediações por parte

das DRS e do nível central da SES. Tal intermediação das DRS no processo de

negociação não foi homogênea, variando conforme a composição política da sua

direção e de sua relação com os gestores municipais. Os diretores das DRS são

funcionários de recrutamento amplo, em geral, indicados pelas lideranças políticas

regionais do partido político ou da aliança política que sustenta o governo estadual.

Os deputados estaduais mais votados na região, os chamados deputados

majoritários, reivindicam freqüentemente as indicações para estes cargos.

Os depoimentos colhidos dos gestores municipais entrevistados confirmam

esta alta politização e mesmo a partidarização do processo, com tratamento

diferenciado dos atores segundo sua inserção no sistema político regional.

O reconhecimento dessa situação por vários gestores municipais interferiu

decisivamente no processo de negociação, gerando desconfiança entre os atores,

pela percepção de que se tratava de um instrumento de manipulação política dos

recursos. A PPI passou, então, a ser vista, por diversos atores, como um mecanismo

de direcionamento de recursos para as bases políticas da aliança no poder:

"...na nossa situação em [...] (grande município do interior de Minas Gerais) a PPI, ela foi

uma relação bastante conflituosa, porque nós começamos a negociar a PPI com a

diretoria regional de saúde antagonista. Eu sou petista28, o governo PMDB e a diretoria

regional de saúde era tucana29. E a gente percebeu logo no começo da PPI, que estava

havendo uma manipulação que a gente estava fazendo papel de palhaço e a gente se

retirou da negociação" (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de município de

grande porte).

Os municípios de maior porte se postaram na defensiva, pois teriam que

renegociar, com os municípios menores, as metas orçamentárias já existentes na

composição de seu teto. Num contexto em que o discurso da SES-MG estava

direcionado no sentido de privilegiar os pequenos municípios (vide o capítulo

"Contextualização da Pesquisa), o temor dos representantes dos municípios-pólo

28 Petista: filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido de esquerda, oposição ao governo estadual à época da PPI. 29 Tucano: alcunha por que são chamados os membros do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido de centro-direita, detentor do poder no governo estadual à época da PPI.

Page 97: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

98

regionais de perder recursos orçamentários era manifesto, chegando, em alguns

casos, a abandonar as negociações como medida de protesto:

"A gente participava das negociações, tentava fazer negociação de gestor para

gestor, essas negociações eram cortadas pelo gestor da DRS que chegava, depois de a

gente ter negociado com o gestor das outras cidades, ele chegava para a gente com um

número completamente diferente daquele que tinha sido pactuado entre os gestores, um

número em que sempre levava prejuízo a situação da cidade-pólo, já estava dentro

daquela política de criar conflito entre as cidades-pólo e as cidades pequenas. A gente

participou de umas seis reuniões, depois disso aí a gente declarou publicamente que não

iria participar mais...” (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de município de

grande porte).

5.1.7 AJUSTE FINAL DOS TETOS ORÇAMENTÁRIOS MUNICIPAIS

Após a pactuação das metas físicas e orçamentárias entre os municípios,

intermediada pelas DRS, como se viu, iniciou-se uma fase de consolidação e

compatibilização estadual das programações.

O grupo técnico encarregado da coordenação da PPI criou um banco de

dados com as propostas oriundas das regionais e passou a realizar ajustes nas

programações municipais com base nos dados existentes sobre a capacidade

instalada de serviços, série histórica dos gastos, adequações dos valores do PAB

àqueles recentemente redefinidos pelo MS, definição dos valores dos incentivos do

Programa de Saúde da Família- PSF, Carências Nutricionais e Farmácia Básica.

(SES-MG, 1998).

Esse ajuste se mostrou mandatório, segundo os atores do nível central,

porque o somatório dos valores dos tetos orçamentários municipais extrapolou em

muito o teto total do estado, definido pelo MS:

"...depois do processo feito (os remanejamentos de metas), concluiu-se que o total

programado pelos diversos municípios estava muito além dos recursos possíveis de se

obter junto ao Ministério. Foi feita uma revisão de programação, mas não conseguiu

abaixar esse montante, fez uma segunda tentativa e não conseguiu, até que a CIB

definiu para o ajuste pelo nível central mesmo, pegou o banco dos dados, consolidou e

comparando a série histórica foi ajustando o que cada município programou. Nessa nova

Page 98: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

99

rodada houve alterações, novos fatores em cima do processo de pactuação que é a

negociação por regional" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo

técnico de coordenação da PPI).

Nessa fase de ajuste foram corrigidas as metas daqueles municípios que

teriam realizado programações que superavam a sua capacidade instalada ou que

incorporavam propostas que representavam incremento muito superior à série

histórica dos gastos verificada no passado recente. Outra distorção, já referida, foi

resultante da retenção de metas: os municípios deixavam de remeter ao pólo

regional as metas necessárias para cobrir os fluxos de referência. Essa necessidade

de um ajuste das metas é relatada por um dos responsáveis pela compatibilização

estadual:

"O que foi feito foi tabulado [...] foi feito em duas etapas: um, nós demos liberdade para

todo mundo se programar, mas aí nós não poderíamos deixar essa programação liberal

sem você checar as coisas, quer dizer, aquilo que veio dos municípios nós cruzamos

dados com série histórica, com capacidade instalada, com cadastro, com uma série de

coisas para verificar se aquilo era uma coisa fiel e aí nós tivemos que fazer ajuste

técnico.Foram feitos ajustes técnicos inicialmente e esses ajustes técnicos, eles foram,

na minha opinião, bem feitos porque eram municípios querendo ter recursos muito

maiores do ele tinha capacidade e ele tinha que pactuar mais, então ele tentou segurar o

recurso" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de

coordenação da PPI).

Esse ajuste final gerou uma nova onda de protestos por parte de municípios

prejudicados, com acusações de manipulação política dos tetos orçamentários.

Os próprios membros do grupo técnico de coordenação da PPI reconhecem

que houve algum grau de ingerência política na definição final dos tetos de alguns

municípios. Isso porque, no final do processo, certos municípios tiveram elevações

de seus tetos orçamentários descoladas das propostas negociadas nas regiões.

Estes funcionários fazem questão de salientar que estas alterações partiram do nível

de decisão política da SES-MG.

Essa distinção é reafirmada em vários momentos das entrevistas, tanto pelo

lado dos próprios funcionários que coordenavam o processo, quanto de gestores

que manifestaram discordância com a condução da PPI. A distinção entre o nível

Page 99: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

100

técnico e o nível político de condução é freqüentemente utilizada como uma forma

de se resguardar um espaço de interlocução e negociação, nos momentos mais

tensos do conflito político. A pretensa neutralidade dos funcionários públicos de

carreira é contraposta à posição do dirigente político, no caso, o Secretário de

Estado da Saúde.

"Eu acho que houve uma vontade do Estado de condensar o teto de todo mundo para

depois ver o que sobrava para distribuir. Essa é a minha avaliação. Pegar uma planilha,

jogar um valor abaixo do real, sobrar um montão de dinheiro para colocar aonde quiser...

Do instrumento, para mim foi... é claro que quem desenvolveu o instrumento não deve

ter pensado nisso, dessa maneira, eu imagino. Fez o instrumento com uma lógica de

tentar fazer uma redistribuição mais justa, na minha avaliação" (Depoimento de ator do

nível municipal - gestor municipal de pequeno município).

"...eu acho também que de uma certa forma houve algum acerto também de natureza

política, que vai acontecer com a PPI 2000, 2001, 2005, isso aí é tradicional. Agora, do

ponto de vista técnico, eu posso afirmar para vocês que em momento nenhum, nenhuma

dessas pessoas que atuou aqui modificou qualquer coisa do ponto de vista técnico”

(Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de coordenação da PPI).

Os conflitos gerados pelo ajuste final dos tetos orçamentários se

manifestaram em várias instâncias, inicialmente na CIB. Esta instância, pressionada

pelas mais diversas formas, passa a decidir por alterações nos tetos orçamentários,

sem aprovação formal pelas áreas técnicas da SES-MG:

"...a CIB deliberou alteração de teto baseada nas apresentações dos planos municipais

de saúde dos municípios, reclamações dos municípios formais junto à CIB, negociações

diretas na Câmara Técnica da CIB, já não envolvendo mais o fórum técnico e a área de

operação. Decisões da CIB de ajuste sobre os valores programados, alteração do FAE30,

alteração na alta complexidade, alteração em quotas de AIH, diversas alterações

definidas pela CIB vieram apenas alterar o banco de dados, não chegaram a ser

pactuadas, não foram pactuadas. Não chegaram a ser propostas e aprovadas pela área

operacional, foram definidas diretamente na CIB e foi alterado o banco de dados...”

30 FAE: Fração Assistencial Especializada, parte componente do teto orçamentário municipal destinada à cobertura de ações especializadas (consultas, exames e terapias especializadas), definida pela NOB 96.

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101

(Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de coordenação da

PPI).

A pressão por alterações de tetos passa a ser também canalizada para o

Legislativo, com deputados encaminhando as reivindicações de suas bases

eleitorais:

"Às vezes chegavam deputados com cinco, seis municípios, reclamando, discutindo.

Aí você provava tecnicamente que aqueles municípios até um certo período não tinham

produção. A partir do período seguinte, um, dois meses depois, ele começou a produzir.

Aumento de 60% de produção! Então é assim, inviável" (Depoimento de ator do nível

estadual - grupo de direção da SES).

"A pressão vinda não só do gabinete como dos municípios, diversos políticos, deputado,

senador, Presidente da República, vinha reclamação de tudo quanto é lado e a gente

ficava o tempo todo fazendo análise, explicando por que aquele era o teto, o que

significava aquele teto" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de

coordenação da PPI).

Essas pressões externas, oriundas de outras áreas do sistema político,

confirmam a ineficiência relativa de resolução do conflito distributivo suscitado pela

PPI 97, pela impossibilidade de um tratamento definitivo do conflito no interior da

CIB-MG. Os mecanismos de gestão intergovernamental, embora suficientemente

eficazes para equacionar aspectos pontuais do conflito, como a mudança dos

parâmetros assistenciais resultante da pressão e negociação por parte dos

municípios, não se mostraram suficientes para equacionar, no âmbito setorial da

saúde, todas as dimensões implicadas na pugna redistributiva. O fato da CIB-MG

estar controlada por um bloco hegemônico resultante da estreita aliança de

interesses entre a direção da SES-MG e a representação dos municípios (COSEMS-

MG), impediu que os conflitos pudessem ser dirimidos totalmente pela instância de

negociação formal e pelos mecanismos de GIG informais.

Page 101: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

102

5.1.8 A PUBLICAÇÃO OFICIAL DOS TETOS MUNICIPAIS E SUA APRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO DA SÁUDE

Uma vez feitos os ajustes dos tetos orçamentários municipais pela SES, os

mesmos foram aprovados na CIB, através da Deliberação n° 155/98, de 23/01/98. A

SES-MG encaminhou a sua publicação, no Diário Oficial do Estado, condicionando

sua vigência à aprovação pela Comissão Intergestores Tripartite. Apesar dos cortes

nas propostas de programação de diversos municípios, o montante dos valores

programados superava o teto orçamentário total destinado pelo Ministério da Saúde

ao estado. Esta premência na publicação dos tetos se deveu à necessidade de sua

definição para efeito da habilitação dos municípios solicitantes às condições de

gestão previstas na NOB 96. O enquadramento do município em uma das formas de

gestão teria que ser acompanhado da publicação de um teto orçamentário que

orientasse a transferência direta dos recursos do MS (SES-MG, 1998).

Outra motivação que a direção da SES-MG teve para a publicação dos tetos

da PPI foi a tentativa de pressionar o Ministério da Saúde, antecipando-se aos

demais estados da federação. Essa estratégia se mostrou ineficaz, pois o Ministério

manteve o teto estadual inalterado, apesar das constantes pressões no sentido de

sua elevação. O incremento do teto estadual só foi ocorrer em 1999, como resultado

de políticas definidas centralmente pelo Ministério da Saúde, com aumentos

focalizados em áreas de seu interesse, sem qualquer consideração por

programações realizadas internamente nos estados.

"A programação pactuada integrada do Estado de Minas Gerais foi bem maior do que o

teto financeiro depois estabelecido pelo Ministério da Saúde. Porque, quando

começamos a programação, o Ministério da Saúde não tinha estabelecido o teto

financeiro. Disse que era para trabalhar com o real e depois alegou que não tinha

recurso para pagar no final da programação..." (Depoimento de ator do nível estadual -

grupo de direção da SES).

"Primeiro estado (Minas Gerais) que apresenta... e força inclusive a discussão da PPI.

Eu inclusive fui a Brasília umas duas ou três vezes para apresentar a PPI e nós não

conseguimos [...] de uma certa maneira o Ministério enrolou de uma tal maneira que

nunca se chegou a discutir a PPI..." (Depoimento de ator do nível estadual - membro do

grupo de coordenação da PPI).

Page 102: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

103

“Fomos lá, passamos um dia inteiro lá, conversando com o estado porque ele estava se

preparando para a habilitação [...] E tinha aquela discussão: a PPI da necessidade e a

PPI do recurso, que está definido para o Estado. Então a gente encarou aquilo como

uma PPI que o estado estava propondo para, no momento que tivesse condições de dar

um aumento de teto, o aumento de teto que ele queria era naquelas coisas a mais que

ele tinha colocado lá. E a discussão não foi adiante. Não teve repercussão nenhuma

dentro do Ministério da Saúde” (Depoimento de ator do nível federal - técnico do

Ministério da Saúde/Secretaria de Políticas de Saúde).

A extrapolação do teto definido pelo MS foi da ordem de 17 milhões de reais

por ano, uma diferença, portanto, de 1,4 milhões por mês, percentualmente pouco

significativa para um teto total da ordem de 89 milhões/mês. Essa diferença foi

administrada pela SES-MG durante o ano de 1998, contando com o fato de que a

maioria dos municípios não desempenharia, na sua totalidade, a produção proposta

na PPI.

Ao término da gestão, no final de 1998, essa diferença ainda persistia...

Page 103: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

104

6 OS MECANISMOS DE GIG: ANÁLISE PELAS CATEGORIAS ADOTADAS

6.1 CATEGORIA "INTERAÇÃO"

O processo de reforma do setor saúde, marcado pela descentralização

progressiva das competências e responsabilidades assistenciais e administrativas

para estados e municípios, apesar de oscilações e movimentos táticos tendentes à

recentralização em algumas questões, trouxe à arena política setorial um enorme

contingente de novos atores sociais. Os secretários estaduais e municipais,

juntamente com seus respectivos staffs de assessoria, passam a assumir um papel

cada vez mais relevante na composição do subsistema de políticas do setor. Essa

entrada de numerosos atores na cena setorial apresentando novas e múltiplas

demandas, redunda numa maior complexidade em relação ao quadro anterior, onde

o nível federal reinava absoluto e inconteste através da adoção de mecanismos de

administração uniformes e elaborados centralmente.

O novo quadro que se instaura com a descentralização obriga a articulação

permanente, através do contato mais ou menos permanente dos atores dos três

níveis de governo, num padrão de interação marcado pela negociação permanente

dos dispositivos regulamentadores do processo de descentralização e redistribuição

de recursos, cujo consenso mínimo passa a ser condição essencial para sua

implementação efetiva.

6.1.1 A INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES: “A ÁRVORE E OS SEUS PASSARINHOS”

"Eu gosto muito de uma frase que o [...] (ex-Superintendente de Finanças da

SES-MG), que trabalhou com a gente lá na Secretaria de Saúde, usava. Ele é um

economista que tinha vindo da Secretaria da Fazenda e, depois de um certo tempo

observando, ele falou assim: que o SUS era como uma árvore cheia de passarinhos,

a cada mudança de governo alguém balançava a árvore, aí os passarinhos revoavam

todos, para daí a um tempo, era a mesma árvore e os mesmos passarinhos, cada um

num galho diferente. Mas, na sua maioria eram os mesmos passarinhos e a árvore

Page 104: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

105

era sempre a mesma. Eu achei uma imagem muito boa do que vinha a ser o SUS.

Então são os mesmos há muito tempo, e isso facilita muito. Tanto nos afetos, quanto

nos desafetos” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).

No caso em estudo, fica evidenciada a dinâmica de interação entre os atores

incumbidos de negociar os termos e fazer avançar o processo de financiamento do

sistema de saúde, em que a PPI demarca apenas um momento de modulação mais

ou menos ordenada dessas relações. No dia a dia, a interação desses atores é

fortemente marcada pelas relações pessoais construídas na administração do

próprio sistema de saúde, como é ilustrativa a metáfora citada acima por um dos

entrevistados, que remete a uma relativa permanência dos atores na arena setorial,

embora ocupando posições relativas diferentes na árvore, a estrutura institucional

que organiza o sistema. Fica também evidente, nessa rica metáfora, a elevada

mobilidade dos atores, alternando suas posições relativas nas periódicas mudanças

de governo, o que poderia ser interpretado também como uma decorrência da

elevada politização dos mesmos e do distanciamento do tipo ideal weberiano de

burocracia31.

Esses contatos pessoais prévios vão constituir a base sobre a qual se darão a

comunicação e a negociação de caráter informal.

Os contatos pessoais anteriores já mantidos com atores do nível federal, ou

mesmo com ex-funcionários da SES-MG que ocupavam cargos em áreas técnicas

do Ministério ou das representações do CONASS e CONASEMS, foram relevantes

para os atores do nível estadual incumbidos de proceder à negociação da proposta

de PPI de Minas Gerais com nível federal. Na avaliação dos entrevistados do nível

estadual, esses contatos anteriores facilitaram o recebimento de informações e o

embasamento das propostas levadas pelo estado:

"...quando se ia a Brasília para discutir a coisa, geralmente se fazia uma

comunicação com essas pessoas para apoiar ...Para as reuniões da Tripartite, muitas

vezes ia uma caravana mineira, duas ou três pessoas, geralmente Secretário, só a

gente se apoiava realmente nessas pessoas, que tinham uma certa ligação com

31 "Weber definiu a burocracia como um agrupamento social em que rege o princípio da competência definida mediante regras, estatutos, regulamentos, da documentação, da hierarquia funcional, da especialização profissional, da permanência obrigatória do servidor na repartição, durante determinado período de tempo; e da subordinação do exercício a cargos a normas abstratas" (GERREIRO RAMOS, 1983: 191).

Page 105: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

106

Minas Gerais, para ajudar alguma coisa, até a gente fazer uma prévia no sentido de

apoiar... Porque para você abrir uma reunião daquela com 27 estados e pessoas, às

vezes que tinham maior facilidade de expressão verbal, que manipulava, vamos dizer

assim, a reunião pela eloqüência e pela entonação, realmente assustava um

pouco...Os contatos eram pessoas que tinham assento no COSEMS, na própria

Tripartite, que sabiam como é que estava o andar da carruagem, então são pessoas

que poderiam ajudar e realmente ajudavam, pessoas de muita expressão, eu acho de

saber também, eu acho que isso ajudou muito..." (Depoimento de ator do nível

estadual - membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

A interação dos atores localizados nos estados com os do nível federal se faz

com menor intensidade e freqüência. A motivação dos contatos varia muito. Um dos

motivos freqüentes é a consulta pelos técnicos assessores do CONASS e

CONASEMS aos secretários estaduais e/ou municipais mais expressivos, ou

membros das diretorias daquelas instituições, para o acerto de estratégias e

antecipação de posições a serem apresentadas nos fóruns da CIT ou de outros

fóruns técnicos do MS, até o teste da reação dos secretários e grupos técnicos dos

estados a propostas em elaboração ou negociação no elo federal da rede

intergovernamental. As motivações mais freqüentes englobam uma série de trocas

de informações sobre normas e procedimentos de operação dos sistemas de

informação e pagamento do SUS, regulamentados centralmente pelo Ministério da

Saúde.

6.1.2 "CAMALEONISMO" DOS ATORES: MUDANÇAS DE POSTURA SEGUNDO A POSIÇÃO NA REDE

Um achado nas entrevistas, não intencional em relação às categorias e ao

marco conceitual adotado, foi a percepção de vários entrevistados quanto às

mudanças de postura dos atores quando trocam de posições relativas dentro da

rede. A adoção da lógica e do discurso institucional do órgão a que se encontra

vinculado supera a mera repetição formal do posicionamento oficial da organização

que agora representa. A esse fenômeno, que chamaremos de "camaleonismo", em

analogia à capacidade inata dos camaleões de apresentarem o fenômeno do

Page 106: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

107

mimetismo32. Camaleão, segundo FERREIRA (1975), além do "reptil lacertílio, da

família dos camalentídeos" seria o "indivíduo que assume o caráter conveniente aos

seus interesses; indivíduo que adapta sua opinião ao interesse do momento"

(FERREIRA, 1995).

Mais do que um mero juízo moral condenatório do comum oportunismo

político ou do arrivismo, a insistência dos entrevistados em apontar este fenômeno

sugere algo mais complexo. A condenação da prática, deve-se esclarecer, não

exclui, de nenhuma forma, o ator acusado da participação na rede

intergovernamental. É utilizada, porém, como argumento brandido freqüentemente

nas disputas daquela arena política:

"Agora, não se esqueça, quem está com a faca e o queijo é o Ministério, ele está com o

dinheiro. Ele tem ainda a idéia errada e inconstitucional de que o dinheiro é dele. Os

atores que aqui vêm, casualmente, transitoriamente, mesmo que seja de Minas, que

tenham sido extremamente municipalistas, descentralizadores, aí vêm para cá e

incorporam essa idéia centralista. Então o dinheiro é federal, então nós temos que tomar

cuidado, senão eles vão tomar esse dinheiro da gente. Vocês são todos [...]

(impublicável) e ladrões! Entendeu? Então, qualquer pessoa que venha para cá... o

Ministério nunca teve uma equipe tão boa de gente assessorando... Eu digo com

sinceridade. Pessoas comprometidas com o movimento, pessoas [...] e que acabam

sendo instrumento do próprio Ministério. Tem coisas que passam por cima e atropelam

essas pessoas. Então, as pessoas também nos informam: vai acontecer isso. Tem que

fazer alguma coisa...” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos

municípios).

O tema se repete em outros momentos do mesmo depoimento:

"E tem outro problema: nem sempre um municipalista de quatro costados virará dirigente

estadual e manterá os mesmos princípios... Eu não sei te explicar... Tem outras versões

para explicar isso aí. Então é outra conversa. Então a gente brinca assim: 'o pior é que

os centralistas são ex-municipalistas' [...] Porque ele sabe todo o discurso nosso lá, as

manhas, então ele vem...” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos

municípios).

32 "Mimetismo ,(do grego mimetós, 'imitado’). Fenômeno que consiste em tomarem diversos animais a cor e configuração dos objetos em cujo meio vivem, ou de outros animais de grupos diferentes, homocromia. Ocorre no camaleão , em borboletas, etc." (FERREIRA,1975).

Page 107: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

108

Essa mudança de posicionamento determinada pela posição relativa do ator

na rede intergovernamental sugere que as pressões a que se submete para manter

o cargo e sua percepção da situação condicionada pelo estoque de informações

disponível vai sobrepujar, de alguma forma, suas preferências puramente

ideológicas ou o compromisso com posições assumidas no passado. Obviamente, o

tema merece maior aprofundamento, restando, nesse espaço, o simples registro de

sua existência.

6.2 A ARTICULAÇÃO EM REDE

6.2.1 A ESTRUTURA DA REDE INTERGOVERNAMENTAL

A análise das entrevistas indica que os atores envolvidos na pactuação dos

critérios e mecanismos de financiamento do SUS se articulam numa rede cuja

estrutura se conforma de maneira bastante heterogênea e complexa.

Observa-se, a partir dos relatos, uma grande diversidade existente na sua

estruturação e no funcionamento dessa rede, o que permite considerar a existência

não de uma única rede, mas de diversas sub-redes, que articulam atores situados

em diferentes níveis do sistema de saúde, interligadas de forma mais ou menos

consistente. Tais sub-redes apresentam graus diferenciados de desenvolvimento e

intensidade das interações, conforme o nível em que elas se constituem. Os

diferentes graus de coesão entre os elementos das sub-redes e entre elas, sua

grande labilidade e precariedade parecem distanciar-se do todo coerente que

caracterizaria a "vinculação de um variado número de organizações e/ou indivíduos"

na composição das redes interorganizacionais, como descritas pela autora acima

citada.

6.2.2 A SUB-REDE FEDERAL

No nível federal, uma sub-rede articula atores localizados na direção do

Ministério e nas suas áreas técnicas com as representações dos estados (CONASS)

Page 108: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

109

e municípios (CONASEMS). Colateralmente a esse núcleo principal, situam-se

atores no Conselho Nacional de Saúde e em outros órgãos da administração pública

federal como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Ministério do

Planejamento. Outro grupo de atores, que mais recentemente tem sido agregado à

rede, é constituído por membros do Ministério Público Federal33.

Essa sub-rede constitui uma estrutura mais permanente, com contatos e

negociações estabelecidos com grande freqüência. Embora os atores

individualmente tenham uma grande alternância, os canais diretos de consulta

mútua e negociação dos conteúdos das políticas, normas e dos critérios de

distribuição se realizam praticamente sem interrupções importantes.34

Relaciona-se essa sub-rede diretamente, mas de forma mais esporádica e

pontual, com atores que compõem uma rede de assunto mais ampla sobre o

financiamento da saúde e a economia da saúde, situados na academia e em outros

órgãos públicos e privados. Tal tipo de articulação e seu papel foram explicitados em

vários momentos das entrevistas.

A relação com os pesquisadores da academia manifesta-se em eventos e

situações localizadas, sem uma articulação ou interação permanentes.

"O IPEA se localizou bem e a FIOCRUZ35 que tem lá outra linha. E é importante, mas

eles não fazem essa conexão diária. Pergunta lá para explicar... a NOB 96.... e aí, se

eles não ficarem por dentro, eles não podem produzir. Então eu acho que até como meio

de vida... De defesa, saem da jogada. Porque, se você não estiver em cima disso, você

perde, mas perde mesmo. É uma maçaroca de papel"... (Depoimento de ator do nível

federal - representação dos municípios).

33 O Ministério Público tem o dever, constitucionalmente estabelecido, de fazer valer os princípios legais do SUS, visto que a Constituição Federal de 1988 define a saúde como de interesse público, o que remete ao Ministério Público a responsabilidade por sua garantia. 34 Momentos caracterizados pelo impasse nas negociações no fórum da Comissão Intergestores Tripartite tem caracterizado o primeiro semestre de 1999, chegando ao abandono momentâneo desse fórum pelas representações do CONASS e do CONASEMS, com mecanismo de pressão para que os temas realmente relevantes para essas entidades retornassem à discussão naquela instância de negociação. 35 FIOCRUZ: Fundação Oswaldo Cruz, órgão da administração indireta do Ministério da Saúde, com funções de pesquisa, produção de imunoterápicos, medicamentos e de ensino, através da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

Page 109: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

110

Em outro depoimento, essa forma de articulação, através da organização e

participação em eventos temáticos, no caso, enfocando aspectos de economia e

financiamento da saúde, fica manifesta:

"...Eles fazem eventos. Tem encontro anual (da Associação Brasileira de Economia da

Saúde). Em geral, promovem encontro para gente de fora e tal. E eventualmente faz

algum, eles aproveitam algum evento para fazer uma reunião paralela. Sempre tem..."

(Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).

Esta articulação entre as sub-redes é acionada em momentos específicos do

processo, pelas posições privilegiadas ocupadas por seus membros em outros

órgãos da administração pública federal:

"Esse grupo aí tem muita influência no conselho e está tendo muita influência via

Ministério do Planejamento – agora não sei como é que fica, com essa mudanças todas,

orçamento de gestão... Mas na época que o Planejamento estava fazendo a discussão

com a saúde, teve muita discussão que o pessoal segurou por dentro do planejamento

em relação à saúde. A [...] (técnica do Ministério da Saúde participante da sub-rede

federal), que hoje tá na Secretaria de Políticas, foi do planejamento e segurou muita

discussão, a gente fez algumas reuniões técnicas com eles, CONASS, CONASEMS e

Ministério, para segurar no planejamento a discussão de orçamento...uma série de

discussões, via esse grupo do IPEA, da economia da saúde. Várias vezes nós fizemos

isso" (Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).

Divergências dos enfoques teóricos e práticos entre esses atores e

academias também são explicitadas:

"Esse pessoal (das instituições acadêmicas) não se junta. Eles produzem lá, nós somos

os picaretas da informação do lado de cá, eles não se juntam. De vez em quando são

chamados, emitem, falam determinadas teorias. Você pega o pessoal da FIOCRUZ, não

dá.... você pega do IPEA, o [...] (técnico do IPEA, especializado em economia da saúde)

e o [...] (outro técnico do IPEA), eles são duas pessoas que tiveram um papel

importantíssimo e eles fizeram coisas muito boas. E eles estiveram muito mais em cima

do fato do que estão hoje...hoje eles não fazem mais essas coisas. O [...] (primeiro

técnico do IPEA citado, especializado em economia da saúde) está coordenando na

área, então o que eles fazem comparado a 95 é o orçamento público federal para a

saúde. Pegando saúde de todos os ministérios: saúde do exército, saúde da educação,

Page 110: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

111

saúde da saúde. Entendeu? Então eles são pessoas extremamente confiáveis. Agora, do

outro lado não. A Universidade acaba pedindo informação para a gente, quando precisa

falar alguma coisa" (Depoimento de ator do nível federal - representação dos

municípios).

No Conselho Nacional de Saúde (CNS) concentram-se também atores

importantes na composição da sub-rede federal. O papel do Conselho, segundo as

entrevistas, tem sido mais homologatório de decisões já tomadas pelo Ministério da

Saúde ou pela Comissão Intergestores Bipartite. São muito ilustrativos depoimentos

como este:

"..tem sido um aliado permanente (o Conselho Nacional de Saúde). O problema é que

não tem força política para mudar decisão nenhuma importante. O ministério, essa

gestão... o cara falou outra coisa outro dia que é verdade: o único conselho que o PSDB

reconhece é de notáveis. Essa coisa de participação social tem sido muito

marginalizada. Decisões importantes, até coisas mais elementares, que sempre foram,

mudança de tabela, repactuação de teto... vai a posteriori para o Conselho...."

(Depoimento de ator do nível federal- representação dos municípios)

Apesar dessas limitações do poder conferido ao Conselho Nacional de

Saúde, em determinadas ocasiões, estudos técnicos da execução orçamentária dos

recursos do Ministério da Saúde elaborados em seu seio são utilizados como

instrumento de pressão pelas representações dos municípios e estados nas

negociações com a direção do Ministério da Saúde:

"O (assessor do Conselho Nacional de Saúde), o (assessor do CONASEMS),

pessoas importantes, o (ex-funcionário do Ministério da Saúde), que foi da OPS36, que foi

secretário executivo do ministério, tá lá no Conselho, o (ex-dirigente da OPS). Tá nessa

comissão de acompanhamento orçamentário. Então os caras têm.... Mensalmente tem

relatório... E esse relatório a gente brinca muito, quando precisa enfrentar o [...] (dirigente

do MS), nós pegamos um relatório do Conselho e vamos mostrar. Olha, a gente está

gastando aqui....Então, tecnicamente tem uma atuação muito interessante. Eu estou

dizendo que, isso vai para o plenário, o plenário aprova resoluções, encaminhamentos,

mudanças de atitudes do Ministério que nem sempre são levadas a efeito" (Depoimento

de ator do nível federal- representação dos municípios).

36 OPS : Organização Panamericana da Saúde, organização internacional ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), sediada em Washington, EUA.

Page 111: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

112

Um nível de participação e intervenção mais política do Conselho Nacional de

Saúde, reforçando posições das representações dos estados e municípios em

recente crise nas negociações na CIT (maio de 1999), demonstrando seu papel ativo

no funcionamento da sub-rede federal, fica demonstrada no seguinte relato:

"Ele tem sido um parceiro, por exemplo, teve mobilizações que o Conselho foi

estratégico pela capacidade de mobilização da base. Mas como o Serra (Ministro da

Saúde) diminui muito, essa coisa da participação tem um papel meio secundário. Da

mesma forma que eles estão tratando a Tripartite, estão tratando o Conselho. Mas a

aliança que o Conselho fez, por exemplo, com o CONASS, CONASEMS, nessa briga,

que ficou do lado do CONASS e CONASEMS, esse documento, inclusive, muito

semelhante, com críticas muito semelhantes, claro que de novo você teve uma interação

técnica de quem faz o documento, mas com posturas que reforçaram muito a posição do

(CONASEMS)..." (Depoimento de ator do nível federal- representação dos municípios).

6.2.3 AS SUB-REDES DOS ESTADOS

A sub-rede federal articula-se com sub-redes estruturadas nos estados, de

forma muito heterogênea, dependente da capacidade organizativa e da iniciativa dos

atores situados nesse outro nível. Assim, os contatos são intermediados por atores

situados em posição de direção (Secretários de Saúde Estaduais ou seus adjuntos,

Diretores, etc.). Tais contatos se dão de forma menos permanente do que aqueles

verificados na sub-rede federal, sendo mais utilizados para consultas sobre

posicionamentos em questões específicas:

"A outra coisa que facilita o CONASS é o contato de consulta que eu tenho com os

secretários. Pela história e confiança eu disponho de acesso ao telefone celular privativo

da maioria dos secretários que atuam, não vamos dizer que seja dos vinte e sete. Então

em todo o grupo tem uns seis ou sete mais atuantes, que ligam sempre, perguntam e os

outros que vão só na assembléia. Esse eu tenho, ou um contato direto, ou eles designam

um assessor na sua secretaria, de fácil acesso, o que, aliás, é uma forma muito boa.

Porque você não incomoda o secretário no seu meio, no seu ambiente que não é o do

CONASS, é do próprio estado. Eu ligo para o assessor" (Depoimento de ator do nível

federal - representação dos estados).

Page 112: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

113

Os contatos dos demais níveis técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde

com os atores do nível federal se dão com menor freqüência, ainda com elevado

grau de informalidade. Os contatos visam tanto a resolução de questões

operacionais e dúvidas quanto à implementação de decisões já previamente

tomadas, quanto a antecipação de decisões do nível federal e tentativa de

interferência nas mesmas.

O padrão de informalidade desses contatos inter-redes é explicitado nos

depoimentos de atores do nível estadual. Em geral as interações com elevado grau

de informalidade são voltadas para a resolução de questões mais específicas e

implicadas na operacionalização de diversos aspectos ligados ao financiamento,

como informações quanto a mudanças nas normas e no acesso às bases de dados

dos sistemas de informação para pagamento dos serviços de saúde mantidos pelo

SUS:

"Existiam contatos formais que sempre demandavam expedientes, questionamentos,

mas a maioria deles eram informais, em contatos telefônicos com a equipe de

programação assistencial do Ministério, com o CODEC, que coordenava o SIA-SUS do

Ministério, o COSAU, que coordenava o sistema hospitalar. Eu tenho dúvidas de algum

dado que era alimentado do banco, as informações (e na época não havia todos os

recursos existentes hoje de TabWin e TabNet37) , então muitas das informações eram

dos bancos de dados, dos dados assistenciais, eram questionadas junto ao Ministério da

Saúde" (Depoimento de ator do nível estadual - direção da SES).

Contatos com intencionalidades mais estratégicas onde se tentava influir ou

antecipar os resultados das decisões também se mostraram freqüentes:

37 TabWin e TabNet são sistemas informatizados que permitem o acesso a diversas bases de dados do MS, viabilizando a rápida tabulação e análise dos dados de produção assistencial, valores pagos por unidades assistenciais, ambulatoriais e hospitalares, realizados a partir de seleção das variáveis desejadas por parte do usuário, organizados em diversos níveis de agregação (unidades assistenciais, tipos de rede, municípios, regiões de saúde, estados, etc). O TabNet permite este acesso remoto através da rede mundial de computadores – Internet – acrescido de diversos dados e informações gerais sobre estrutura da rede assistencial e informações epidemiológicas. Ambos os sistemas são mantidos pelo DATASUS/MS.

Page 113: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

114

...."sempre informal (o contato), sim, fora da linha formal. Um contato telefônico, todas as

informações eram tabuladas, era para trocar idéias. Um exemplo: - se a tabela que

estava em vigor, ia haver alteração na tabela, porque se você fazia um processo de

elaboração de parâmetros em cima de uma tabela assistencial, se houvesse a

perspectiva da mudança dessa tabela, todo o seu trabalho poderia ser jogado fora, então

a gente acompanhava no Ministério da Saúde as edições das portarias de tabela, as

edições de alterações da normas de processamento..." (Depoimento de ator do nível

estadual - direção da SES).

A eficácia desses contatos é questionada em situações pontuais nos depoimentos, com respeito ao sucesso na mudança das orientações federais e à antecipação às mesmas:

"... (se conseguia) antecipar à publicação oficial do Ministério. O que ajudou até pouco,

porque o Ministério durante, mesmo dando as informações durante o ano de 97, o

período de 97, tinha equipes lá que para fazer a instrução normativa de 98, fez uma

alteração nas normas que prejudicou a nossa programação em relação a parte básica,

houve uma mudança radical na forma de tratar os recursos do PAB" (idem)

Na relação mais permanente da sub-rede federal com a sub-rede do estado,

no caso estudado, o Secretário Estadual de Saúde ou membros de seu staff

imediato foram eleitos como interlocutores privilegiados das relações. Essa situação

resultou em limitações na difusão dos conteúdos dos pactos pelo interior do corpo

técnico da Secretaria de Estado, antepondo-se com o que um "filtro" nas

informações, com conseqüências na implementação direta dos processos pelo

técnicos responsáveis:

"E eles não informaram que haveria essa possibilidade (de alteração de

dispositivos normativos de implementação da NOB), estava sendo discutido isso a sete

chaves. Até na tripartite não foi muito bem colocado esse processo, tanto que quando

publicou a instrução normativa, e também outros fatores, a Secretaria não tinha uma

integração, um sistema administrativo de responsabilidade de forma que facilitasse essa,

obviamente que o Ministério chamava o Secretário de Estado, isso era discutido no

CONASS, mas isso não era multiplicado às áreas técnicas, então muito dos, não muito,

uma parte das atividades que era executada, vieram a ser alteradas com a instrução

normativa e que a gente não sabia e foi pego de surpresa. Poderia ter sido evitado se

Page 114: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

115

essas discussões com o Ministério, esses contatos fossem mais formais...." (Depoimento

de ator do nível estadual - grupo de implementação da PPI)

Esses obstáculos interpostos à livre circulação das informações no interior da

própria SES-MG induzem a caracterizar uma certa fragmentação na sub-rede

estadual, condicionada pelos diferenciais de poder entre seus membros.

A participação na rede intergovernamental não anula as contradições

inerentes à relação dirigentes-subordinados. Para CROZIER (1981) um dos traços

da burocracia, que resulta em parte em sua rigidez, é a permanente luta pelo poder

entre dirigentes e subordinados. Ambos procurariam ampliar seu espaço de

liberdade: os subordinados movimentando-se para ampliar a "parte deixada a seu

arbítrio", com vistas a reforçar seu poder de negociação e obter mais vantagens

pessoais; os dirigentes agiriam "de forma completamente simétrica, esforçando-se

para atingir seus objetivos e reforçar seu poder, tanto através da racionalização

como da negociação" (CROZIER, 1981:237). O acesso à informação ou sua

negação constituem mecanismos de controle do dirigente sobre os níveis de poder

dos subordinados.

Pelo lado formal, um momento da relação entre a sub-rede federal e a

estadual se materializava em reuniões da Câmara Técnica da Comissão

Intergestores Tripartite. Esse fórum congregava maior número de atores, abrindo-se

à participação de técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde envolvidos nas

questões em pauta.

No caso da PPI, um dos aspectos que motivaram conflitos e negociações

prolongadas foi a definição dos valores per capita do PAB, o componente do teto

orçamentário dos municípios destinado ao custeio das ações básicas de saúde. A

participação dos técnicos da SES nesse debate se reduziu predominantemente às

reuniões dessa Câmara Técnica:

"... as discussões eram na Câmara Técnica da Tripartite, nunca foi diretamente. A

pressão nossa para que o Ministério alterasse determinado artigo de portarias ou que

revisse alguns critérios para definir teto, isso foi feito sempre no fórum da Câmara

Técnica da Tripartite. Aí, fazia-se um consolidado nacional e o CONASS e o

CONASSEMS negociavam com o Ministério. Algumas (negociações) deram certo outras

não. Um exemplo de pactuação é o valor do PAB. Por um bom período, o PAB seria fixo

em R$10,00, prejudicando diversos municípios que já tinham gasto acima desses dez

Page 115: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

116

reais. Foi feita muita pressão na tripartite e estudos técnicos, fóruns técnicos..."

(Depoimento de ator do nível estadual - grupo de implementação da PPI).

Na constituição da estrutura da sub-rede estadual, uma gama de atores está

presente, como os representantes dos secretários municipais de saúde e seu grupo

de assessores, congregados no Colegiado dos Secretários Municipais de Saúde

(COSEMS-MG), os diretores e técnicos das Coordenadorias de Planejamento (CP) e

de Controle e Avaliação (CAS) das Diretorias Regionais de Saúde (DRS), bem como

o conjunto de secretários municipais de saúde e seus grupos de assessores

técnicos. Outros atores que vieram a integrar essa rede foram os dirigentes dos

Consórcios Intermunicipais de Saúde, sendo que os seus Secretários Executivos

chegaram a se organizar num colegiado, que em diversas ocasiões disputou espaço

de poder e influência na definição das políticas e na forma de sua implementação

com as Diretorias Regionais de Saúde.

No campo formal, a instância privilegiada de negociação e de deliberação

sobre os diversos aspectos ligados ao processo de descentralização do SUS no

estado foi a CIB, composta paritariamente de representantes da direção estadual da

SES e de representantes dos secretários municipais de saúde indicados pelo

COSEMS.

No estado de Minas Gerais, as DRS se organizam como órgãos operacionais

regionalizados da SES, funcionando como estruturas desconcentradas que

implementam as decisões tomadas centralmente pela direção estadual, sendo em

número de 23. Na estrutura administrativa das DRS, as Coordenadorias de

Planejamento foram as áreas técnicas vinculadas diretamente à execução das

diretrizes da PPI e à coordenação regional da aplicação dos seus instrumentos

informatizados. A compatibilização regional, bem como o acompanhamento da

negociação inter-municipal das metas orçamentárias correspondentes aos fluxos de

referência previstos, foi também delegada a esse setor.

Os Coordenadores de Planejamento das DRS se organizavam, até a

administração anterior à qual os fatos desta pesquisa se referem (Governo Hélio

Garcia-1991/1994), em um Colegiado próprio, reunindo-se periodicamente no

espaço do nível central, na maioria das vezes, por convocação da própria

Superintendência de Planejamento e Coordenação (SPC). Nas reuniões deste

Page 116: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

117

Colegiado discutiam-se questões operacionais relativas à implementação de

políticas formuladas pelo nível central, momentos em que várias sugestões e

propostas dos técnicos regionais eram incorporadas. Cumpriam então um papel de

fórum de adaptação das diretrizes emanadas do nível central às condições reais de

operação das equipes das Diretorias Regionais e funcionavam como espaços de

antecipação e correção de possíveis conseqüências imprevistas ou desfavoráveis

das propostas. Em determinados contextos, representantes dos técnicos de

planejamento das DRS eram incorporados em grupos de trabalho, constituídos com

a atribuição de formulação das propostas de processo e instrumentos de

programação orçamentária. Isto se verificou na elaboração das propostas técnicas

da PROS 92 e da PROS 94.

Essa forma de organização dos técnicos regionais foi desmobilizada nos

primeiros anos do Governo Eduardo Azeredo (1995/1998) (vide capítulo

"Contextualização da Pesquisa"), mas reuniões com esse grupo de planejamento

ocorreram durante o processo da PPI e funcionaram como espaços de adaptação

das propostas do nível central, conseguindo mesmo, em alguns pontos, alterar seu

formato original em questões secundárias, de caráter operacional:

"As pessoas que se destacavam eram aquelas que já vinham desde 90 no sistema [...]

(cita nomes de vários técnicos das áreas de planejamento das DRSs). Existiam outras

regionais com técnicos sem experiência, eles opinavam mas não tinham o entendimento

completo da assistência. Quem tinha mais interferência era a equipe que já vinha dentro

da área de planejamento. Tinha até um colegiado formal, à época do Saraiva (José

Saraiva Felipe, Secretário Estadual de Saúde do Governo Hélio Garcia-1991/1994). É

porque a primeira programação feita na época do Saraiva não conseguiu pactuar, fechar

na CIB e aí a Secretaria teve que publicar por resolução, mas não tinha a NOB 96 ainda.

A NOB 96 não permitia que a Secretaria determinasse resolução, daí a obrigatoriedade

das pactuações. Então os agentes regionais, os atores que tinham, as pessoas, os

técnicos, eles colocavam a realidade local e isso alterava o estudo não só de

parâmetros, mas o estudo de um instrumento a nível estadual" (Depoimento de ator do

nível estadual - grupo de implementação da PPI).

No nível regional, a articulação das Diretorias Regionais de Saúde com os

municípios era organizada numa instância formal, constituída em analogia à CIB,

com representação dos secretários municipais e de membros das DRS, denominada

Page 117: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

118

Comissão Bipartite Regional (CIBR). Essas instâncias formais de negociação foram

os fóruns eleitos pela SES para a pactuação das metas e tetos orçamentários

municipais gerados no processo da PPI. Durante o desenvolvimento da PPI

realizaram-se reuniões periódicas da comissão, geralmente com freqüência mensal,

segundo os depoimentos colhidos.

A eleição das CIBR como espaço privilegiado de negociação do processo de

programação condicionou a forma como os secretários municipais se relacionaram

com a sub-rede estadual, limitando seu acesso aos níveis superiores. Contatos

informais entre secretários municipais de saúde ou seus staffs de assessoria com os

funcionários das DRS se mantinham durante todo o decorrer do processo da PPI.

Como já foi descrito, a efetividade desses contatos foi condicionada pela intensa

politização da direção das DRS, com privilégios para municípios dirigidos por

coalizões aliadas ao governo estadual e tratamento discriminatório dos municípios

de oposição.

Frente à significativa desarticulação e descontinuidade de funcionamento da

sub-rede no nível regional, o papel do COSEMS e de seu grupo de assessoria foi

decisivo na interlocução dos municípios com o nível central da SES. Tal interlocução

padecia, no entanto, de um déficit importante de representatividade, visto que a

composição do COSEMS envolvia predominantemente secretários de saúde de

municípios de pequeno porte populacional.

Os municípios de médio e grande porte, excluídos do pacto político

estabelecido entre a direção da SES e COSEMS, passaram a se articular

independentemente em torno do que se denominou "Movimento dos Municípios-

Pólo". Seus secretários municipais passaram a se reunir separadamente e formular

reivindicações específicas que faziam chegar ao Governador do Estado e ao

Secretário Estadual de Saúde através dos seus prefeitos. O temor manifesto por

estes secretários era de que a PPI redundasse na redução dos seus tetos

orçamentários. Num contexto de resistência do Ministério da Saúde em ampliar o

teto orçamentário global do estado, a única possibilidade que a direção da SES

contava para elevar os tetos dos municípios de pequeno porte era a redistribuição de

parcelas subtraídas aos tetos dos municípios de maior porte. Tal temor se justificava

por precedente anterior, verificado ainda no ano de 1997, quando a CIB aprovara a

redução linear de 6% nos tetos dos municípios em gestão plena, justificado, à época,

Page 118: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

119

pela necessidade de controlar sucessivas extrapolações na execução do teto

orçamentário estadual.

Esse movimento dos municípios-pólo demonstra a impossibilidade prática da

interrupção dos mecanismos de GIG, mesmo em contextos adversos e

extremamente conflitivos, em que uma interlocução aberta e facilitada entre a

direção da SES e uma fração dos municípios estava obstaculizada por uma

representatividade restrita da representação formal (COSEMS), que se refletia

diretamente na CIB.

Diversos municípios de médio e grande porte também buscaram uma

interlocução direta com a direção da SES. Esse fato reforça ainda mais a evidência

da necessidade da continuidade do funcionamento, ainda que precário, dos canais

de comunicação, mesmo quando uma fração dos atores se acha alijada das

instâncias de representação formal e explicita um posicionamento de oposição

política e denúncia.

6.2.3.1 A DESARTICULAÇÃO NA SUB-REDE ESTADUAL: FALHAS NA INTERAÇÃO

A interação entre os atores municipais e estaduais, no interior da sub-rede

estadual, se dá de forma bastante heterogênea, condicionada pelo grau de poder

político ou importância do município na rede assistencial. Assim, os municípios

menores, com pequena expressão na produção de serviços encontram diversas

barreiras para interferir no ritmo do processo de negociação e se fazer ouvir. A

própria representação dos municípios institucionalizada como interlocutora no

processo, o COSEMS, não é muitas vezes permeável às demandas e

posicionamentos de alguns de seus membros, visto a intensa politização que

revestiu a sua composição recente (vide capítulo “Contextualização da Pesquisa):

“Eu vinha à reunião do COSEMS, participava, falava sempre, nunca aparecia nada do

que eu falava nas atas, isso é muito interessante. Todos os pontos que eu registrava,

todos os questionamentos que eu fazia, na ata do mês seguinte, simplesmente, não

aparecia. Era impressionante como que o povo era descarado nesse sentido...”

(Depoimento de ator do nível municipal – secretário municipal de pequeno município à

época da PPI).

Page 119: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

120

A dinâmica de pactuação organizada pelas DRS, através de reuniões com os

gestores da região, nas quais eram instados a estabelecer a alocação de metas nos

municípios-pólo regionais ou naqueles de interesse político da direção do regional,

servia como um anteparo à livre interação dos atores municipais a uma relação

direta com o nível central da SES:

“Tem uma coisa impressionante que eu percebi nessa coisa de estar fora daqui de Belo

Horizonte. É que o domínio dos regionais é tão grande sobre os municípios. Primeiro

eles não deixam você acessar o nível central de jeito nenhum. Não deixam. Pedem para

não receber. É a maior complicação. É difícil você acessar, eles não querem de jeito

nenhum... Você não consegue falar nunca. O secretário, o prefeito não consegue falar. O

prefeito uma vez ligou para a [...] (Superintendente- adjunta da SOS/SES, à época da

PPI) e não conseguiu falar com ela, para você ter uma idéia, o prefeito de [...] (pequeno

município onde o entrevistado era secretário municipal de saúde). Não tem canal não.

Tem canal para [...] (cita grandes e médios municípios da região)" (Depoimento de ator

do nível municipal – Secretário Municipal de Saúde de pequeno município à época da

PPI).

Tais fatos demonstram uma desarticulação e fragmentação das interações

entre os atores no interior do estado, condicionada fortemente pelo padrão de

relacionamento da direção da DRS com os gestores de sua área de abrangência. A

elevada politização dessas instâncias desconcentradas do nível estadual do SUS

privilegia ou exclui determinados atores municipais da arena.

A composição das Comissões Intergestores Bipartite Regionais, instâncias

paritárias de negociação das questões ligadas à descentralização e financiamento

do sistema, também vai condicionar os padrões de relacionamento adotados. A

representação dos municípios, nessas instâncias, é reflexo de alianças e disputas

mais amplas no sistema político regional, funcionando como mecanismos de

viabilização de pactos assumidos nesse nível. Assim, diversos municípios foram

excluídos do processo de negociação intencionalmente ou se auto-excluíram, por

não conseguirem ressonância de suas demandas naqueles fóruns.

“Eu não conseguia participar de nada, eu não conseguia participar de nada. Eu ia de

xereta. Eu não queria nem saber. O [...] (secretário municipal de saúde de município de

Page 120: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

121

médio porte da região) era o representante do regional... Sabe o quê ele fazia? Ele me

convidava. Eu falei: 'Me convida, que eu vou com você, toda vez que tiver'. Eu ia junto

com ele, de palpiteiro. Nas primeiras reuniões eu não podia participar. Era fechado”

(Depoimento de ator do nível municipal – Secretário Municipal de Saúde de pequeno

município à época da PPI).

O padrão de estruturação da rede intergovernamental no financiamento do

SUS caracteriza-se, portanto, numa grande heterogeneidade interna, com níveis de

integração e de freqüência de interações decrescente na medida em que se caminha

do nível federal para o estadual e o municipal. A crescente desarticulação interna da

rede à proporção que se aproxima do nível municipal pode ser imputada ao nível de

capacidade técnica e disponibilidade de recursos humanos especializados nessa

atividade, que claramente decresce nessa direção. A maioria dos municípios não

dispõe de quadros profissionais em qualidade e quantidade suficiente para arcar

com a operação dessa função altamente especializada e de custos significativos.

Esses municípios, em geral, delegam à sua representação formal, o Colegiado de

Secretários Municipais de Saúde, a explicitação de suas reivindicações de

incremento de recursos. Outra estratégia adotada por esses municípios é a

contratação temporária de consultores especializados que elaboram e negociam as

propostas.

A heterogeneidade dessa rede não contradiz a teoria estabelecida referida no

Capítulo "Metodologia", quando a categoria analítica foi descrita, mas indica uma

necessidade de se contemplar, na análise da estrutura, uma complexidade muito

maior do que a aparente homogeneidade e composição isotrópica38 (para usar uma

analogia com os sistemas físicos), que as descrições genéricas da teoria parecem

sugerir.

6.2.4 MECANISMOS DE COMUNICAÇÃO UTILIZADOS

CARRILLO (1992), citado por MUNIZ (1997), enfatiza a importância das redes

de comunicação e dos contatos pessoais para o estudo da GIG, na medida em que

38 Isotrópico: que apresenta as mesmas propriedades físicas em todas as direções; isótropo. (FERREIRA, 1975.)

Page 121: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

122

esta se funda em transações realizadas entre indivíduos de diferentes organizações

e níveis de governo.

A operação das redes intergovernamentais envolve a utilização de padrões de

contato (já descritos no caso em estudo), o domínio da estrutura da rede e dos

processos de comunicação multilaterais utilizados (conforme detalhado no capítulo

"Metodologia", quando da construção das categorias analíticas). Os canais de

comunicação estabelecidos, o seu grau de utilização e periodicidade, irão constituir

os elos que vinculam os diversos elementos ou nós componentes da rede.

Coerentemente com o enfoque adotado, o da GIG, privilegiaram-se os mecanismos

informais de comunicação.

No caso em estudo, o que se depreende da análise das entrevistas é que os

canais de comunicação utilizados para operar as redes foram os mais variados e

com as mais diversas formas de utilização.

Um dos mecanismos de comunicação observados foi o da produção, por

determinados componentes da rede, de documentos analíticos, em geral de

conteúdo crítico, sobre a conjuntura do financiamento do setor, sobre iniciativas de

políticas ou normas formuladas pelos demais níveis de governo.

Assim, um dos atores que mais utiliza desse artifício comenta:

"Então, isso vai mais ou menos na informalidade. Eu fico meio que isolado em [...]

(cidade do interior do estado de São Paulo) porque eu estou lá sozinho, certo? Então eu

estou lá, eu me comunico por telefone, fax, Internet e viagens e vindas a Brasília onde a

gente encontra, certo? ....mas o que acontece é via isso daí, e eu faço muito de escrever

em cima de documentos para ações. Eu fiz uma opção franciscana de ser acusado de

bravateiro, panfletário, mas eu procuro produzir alguma coisa em cima do fato. Quer

dizer, saiu um negócio eu comento, porque tem que começar a discutir. É para malhar?

Está aqui o Judas, pode malhar. Mas, pelo menos vamos começar a discutir. Então isso

leva com que pessoas briguem, que pessoas falem e que isso acabe entrando na roda,

também, de outras pessoas" (Depoimento de ator do nível federal - representação

municipal).

Outro canal de comunicação crescentemente utilizado é a rede mundial de

computadores (Internet) que veio possibilitar um meio ágil e barato de troca de

informações, documentos escritos, boletins institucionais, artigos científicos, etc.

Page 122: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

123

Os relatos do uso da Internet entre os entrevistados variaram muito quanto

ao grau de utilização e a forma adotada. Quanto ao grau de utilização, variaram

desde a não utilização para os fins enumerados acima, mais freqüentemente

declarada nos depoimentos dos atores estaduais e municipais, até uma utilização

permanente entre os atores do nível federal. Entre estes últimos, esse meio é

utilizado permanentemente para a difusão de informações oficiais e de documentos

semi-oficiais que alimentam os debates das redes de assunto constituídas.

Uma das utilizações mais freqüentes é a divulgação de boletins institucionais

dos escritórios de representação dos secretários municipais e estaduais de saúde

localizados em Brasília:

"O CONASEMS tem o Linha Direta, que é semanal. O CONASS tem o informativo

semanal que não tem muito por objetivo entrar nessas polêmicas, mas... é um mais ligth,

para o grande público. Mas eu costumo muito fazer relatório da evolução das

negociações e mandar para os secretários. Nós temos no CONASS uma infra-estrutura

muito pequena, são três funcionários só., mas muito ágil. Eu tenho condição de, em três

horas, pôr um documento na mão de todos os secretários do país" (Depoimento de ator

do nível federal - representação estadual).

O padrão observado é a composição de diversas sub-redes de comunicação.

Algumas são constituídas a partir dos diferentes graus de afinidade

político/ideológica existentes entre os atores, outras são de interesse mais geral ou

difuso sobre os temas constituintes da agenda setorial.

Na fala de um dos atores do nível federal esse padrão fica evidente:

"...Porque tem um outro...um conjunto, né? Como na matemática. Um outro conjunto de

elementos que não é exatamente das relações institucionais. É um grupo de pessoas

que têm uma afinidade por um projeto do SUS. Pelo assunto... é uma afinidade mesmo.

Pensam da mesma maneira... É um costume que a gente vai criando" (Depoimento de

ator do nível federal - representação estadual).

Os mecanismos utilizados não se estruturam na forma de típicos newsgroups

e listas de discussão 39, difundidos universalmente na Internet como instrumento de 39 Os newsgroups são áreas da Internet destinadas à criação de grupos de discussão temáticos, localizados em um host (servidor) específico, em que as intervenções dos participantes são visualizadas e podem ser lidas quando se realiza uma conexão ao hospedeiro. No caso das listas, os

Page 123: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

124

discussões temáticas acadêmicas ou recreativas. Em geral, são restritos ao envio de

mensagens por correio eletrônico, e-mail, para listagens de endereços eletrônicos

que se constituem por tipo de interesse comum ou orientados por focalização em

atores de importância estratégica na formulação de políticas específicas ou nos

processos de negociação.

Essa diversidade na composição das listas dos atores-alvo das mensagens

pode ser exemplificada no seguinte relato:

"Agora não é um grupo fixo. Dependendo do tema, eu dou uma olhada ali na minha rede

de... no meu catálogo e vou clicando, isso aqui é legal o fulano ler, e o [...] (técnico

especializado em economia da saúde) no IPEA é bom ler isso, mas o outro assunto é

muito varejo para o (idem) ,mas é importante para o [...] (assessor do CONASEMS), de

jeito nenhum o [...] (um ex-Ministro da Saúde) vai querer ler isso, é muito chato... Você

faz isso. O [...] (assessor do CONASEMS) tem uma outra forma de divulgar, ele faz por

agregação. Tudo que ele escreve ele vai aumentando o grupo e manda para todo mundo

e cada um que selecione se quer ler ou não quer ler. Mas tem outros, o CONASEMS de

São Paulo também manda demais, o [...] (outro ator, ex-secretário municipal de saúde)

quando estava em Belém também divulgava muito, eu acho interessante..." (Depoimento

de ator do nível federal - representação estadual).

Confirmando o depoimento anterior sobre o mecanismo de estabelecer

listagens por agregação, um dos atores citados anteriormente explicita a forma como

organiza seu instrumento de comunicação que, segundo o mesmo, transforma-se

freqüentemente em fóruns de debates, com retorno de comentários e sugestões,

indicando um certo grau de eficácia do meio. Esse mecanismo funciona também

como forma de cooperação bilateral na localização de informações e documentos

temáticos:

"Na Internet, eu pessoalmente tenho uma listagem das pessoas que pedem, eu tenho

acho que uns trezentos nomes na minha lista de endereços. Se você disser assim 'eu

quero entrar na tua lista'', manda lá! Vou mandando o texto, tem pessoas também que

mandam coisas para mim com comentário. Ou mandam textos próprios. Ou peço a

outras pessoas: 'estou atrás disso, quero isso, quero aquilo, mande para mim'"

(Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).

seus “assinantes” recebem, via correio eletrônico, (e-mail), todas as contribuições individuais dos demais membros.

Page 124: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

125

Ainda quanto à eficácia do meio, outro depoimento confirma o retorno de

opiniões e informações que subsidiam os processos de consulta e negociação

empreendidos, ao mesmo tempo em que manifesta temores quanto à saturação do

meio pelo excesso de informações e pela dificuldade dos atores interessados as

processar:

"...quando isso também vai aumentando, o que acontece é que a maioria das pessoas

não tem tempo de abrir e ler tanta correspondência. Então, eu estou preocupado no

CONASS e com pessoas estratégicas do CONASEMS em criar uma rede de consulta.

Os técnicos dentro do Ministério que eu mando, não porque eles são do Ministério, são

pessoas que me devolvem e falam assim: olha, porque que em vez disso você não tenta

por aqui? Quer dizer, essas conversas se dão via Internet também, né? Você tem o

próprio [...] (ator do nível federal ocupando cargo de direção superior), o [...] (outro ator

do nível federal ocupando cargo de direção superior), a [...] (ator do nível federal

ocupando posição de alta especialização em GIG), que é uma pessoa muito importante

nesse processo, ela articula muito. Então você tem pessoas de confiança que você cria

ao longo do processo e a gente conversa – a (outro ator do nível federal ocupando

posição de alta especialização em GIG) ... eu acho isso uma questão muito importante"

(Depoimento de ator do nível federal - representação estadual).

Conclui-se, desses depoimentos, que o intercâmbio de informações pela

Internet tem agilizado a comunicação entre os componentes da rede de assunto do

setor e a constituição de sub-redes focalizadas em temas e interesses mais

específicos, caracterizadas por composições bastante variáveis e difusas, centradas

na iniciativa de determinados atores situados em posição-chave no processo de

gestão intergovernamental, em geral por aqueles com maior grau de especialização

da gestão das relações entre os níveis de governo.

6.2.5 A COORDENAÇÃO DA REDE

A interação dos atores envolvidos na negociação dos critérios e mecanismo

de financiamento do SUS, em que a PPI cumpre um papel mediador dessas

relações, dentre outros mecanismos, se faz predominantemente à margem dos

canais formais ou hierárquicos estabelecidos. A premência da resolução das

questões suscitadas pelo financiamento do sistema de saúde, em especial aquelas

Page 125: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

126

relacionadas à operacionalização dos sistemas informatizados de pagamento dos

serviços executados pelos diversos prestadores públicos e privados, impede,

objetivamente, que as interações se façam pelos canais burocráticos estabelecidos,

esses vinculados a relações hierárquicas ou funcionais legalmente estabelecidas. O

fluxo de informações e decisões via canais formais tornaria o sistema de pagamento

impraticável, pela necessidade do cumprimento de cronogramas mensais de

apresentação de faturas e emissão de ordens de pagamento, que não poderiam

aguardar prolongados trâmites burocráticos de informação e decisão.

As constantes mudanças nos critérios de financiamento impõem, também,

uma contínua readequação dos instrumentos de análise de dados com vistas à

produção de informações utilizadas nos processos de negociação, exigindo grande

flexibilidade organizacional e autonomia relativa dos agentes públicos na elaboração

de propostas e negociação dos valores dos tetos orçamentários estaduais e

municipais.

Esses determinantes conformam necessariamente um padrão de

coordenação das equipes técnicas vinculadas ao processo de financiamento e

pagamento bastante distante das organizações burocráticas tradicionais. Os

participantes da rede, localizados nos diversos órgãos e níveis de governo,

relacionam-se continuamente à margem das linhas de mando hierárquicas.

Esta relativa autonomia dos atores dos três níveis componentes desta

estrutura paralela à estrutura formal reforça a imagem proposta recentemente por

KLIKSBERG (1999), que compara o agente da GIG a um corretor multilateral

funcionando à margem da estrutura formal, e

"...que negocia permanentemente programas e relações dentro da própria rede e tem

capacidades para identificar pontos comuns, persuadir, promover, negociar e acumular

coincidências” (KLIKSBERG, 1999:10).

Essa autonomia dos atores em elaborar e pactuar mecanismos de

financiamento é relativa, ficando limitada aos espaços delimitados pelo nível de

decisão política situado na direção superior dos órgãos:

“Então esses conflitos aí no processo de descentralização que tem, quer dizer, e a

estabilidade que a equipe técnica dá nesse processo de transição, ela é relativa, tem

Page 126: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

127

limite. Quer dizer, ela vai até onde não tem uma decisão em contrário. Quando tem bem

definida, ela não avança. Ela empaca quando a decisão política vai no sentido oposto.

Ou ela afasta do processo, como foi o caso daqui de Minas, por bem ou por mal, alguns

porque não agüentaram mais, outros porque foram alijados” (Depoimento de ator do

nível federal – representação dos municípios).

6.3 CATEGORIA “CAPACIDADE DE AÇÃO”

As acumulações históricas dos atores durante sua trajetória profissional

anterior, incluindo os contatos e relacionamentos desenvolvidos por eles em outras

contextos, bem como experiências anteriores em processos de negociação, é que

vão capacitá-los a agir na rede intergovernamental.

A maioria dos entrevistados demostrou conhecer os demais atores e ter

participado de processos anteriores de planejamento e programação em diversos

órgãos públicos.

A capacidade do ator de participar desse processo de negociação é

desenvolvida a partir dos contatos pessoais mantidos anteriormente e da construção

de uma habilidade pessoal para o estabelecimento de articulações entre os diversos

elementos que compõem a rede intergovernamental. Assim, um dos atores auto-

avalia essa sua capacidade:

"... não é muito estruturada, é de filling, de capacidade de acesso, não é... eu fico

pensando, às vezes, o governo federal, quando eu vejo assim: designar um articulador

político. Não existe isso. Ou as pessoas se sobressaem pela capacidade de articulador

político ou não. Você pode até indicar um, um bom articulador para um posto mais

estratégico, isso sim. Mas você sente, tem pessoas que têm uma capacidade. E eu acho

que eu tenho essa capacidade, se é que eu tenho uma habilidade é essa" (Depoimento

de ator do nível federal – representação dos municípios).

Os atores mais especializados na GIG vão acumulando crescentes

capacidades de negociação e de compreensão dos pontos de vista dos demais

atores, o que facilita a elaboração das estratégias de argumentação e

convencimento:

Page 127: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

128

"...eu acho que é uma habilidade de entender o ponto de vista do outro. As divergência

não se dão necessariamente, as pessoas têm uma tendência de sempre achar que o

outro é sacana. Entender que quando você está num outro cargo, esse cargo traz um

ônus, ele tem um compromisso com as instituições, com coisas daquela instituição,

como eu tenho com o CONASS. Eu nem sempre levo pontos de vista que são os meus.

Levo da entidade. Então entender o outro no local em que ele está já ajuda a sugerir

saídas factíveis com essa realidade em que ele está inserido, ao invés de você impor

seu ponto de vista. Ele fala: mas assim eu, eu compreendo mas não dá, eu não tenho

clima aqui para fazer isso. Porque, às vezes, você pode construir uma saída que o clima

dele permita ..." (Depoimento de ator do nível federal – representação dos municípios).

6.4 CATEGORIA “FORMALIZAÇAO”

Os atores participantes da rede interagem com alto grau de informalidade,

tanto nos contatos e trocas de informações diários ou periódicos, quanto nas

negociações que são empreendidas, levando às instâncias formais as questões já

previamente discutidas e com um grau de consenso já avançado.

“Então eu acho assim, basicamente, essas negociações, são feitas realmente nesse

campo do informal. Quando nós suspendemos uma reunião de Tripartite é porque, no

campo formal, às vezes um dirigente do Ministério não tinha como voltar atrás em

relação ao assumido, então você vai para o campo informal construir uma saída que, se

aceita, a gente volta para reapresentar no campo formal de uma forma viável de ser

apresentada. Então quando a gente suspendeu, nós não interrompemos o diálogo com

as pessoas, houve uma interrupção do diálogo oficial, por impasse. .Até para criar um

espaço de consenso que é o objetivo da Tripartite. Então a gente começa, depois disso

já realizamos várias conversas. Inicia-se uma negociação, conversamos com o [...] (cita

ocupantes de cargos da alta direção do MS), hoje o Ministro vai fazer uma reunião em

São Paulo com outras pessoas. Então eu acho que é uma situação, o campo informal, é

onde amadurecem as coisas, onde se viabilizam. O campo formal é uma discussão mais

institucional... “ (Depoimento de ator do nível federal – representação dos estados).

Embora as interações entre os atores sejam marcadas por alto grau de

informalidade, observa-se nos relatos que um certo grau de formalidade é

respeitado, delimitando-se claramente os momentos de negociação daqueles em

que as relações puramente pessoais ou de amizade predominam.

Page 128: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

129

“...nesses anos no Ministério o boteco não tem sido um espaço de negociação. Mesmo a

informal, a gente faz dentro do ambiente institucional. Realmente, quase zero (a chance

de...) você sair... quando você sai, você sai explicitamente para isso, à vezes é possível.

Vamos marcar um almoço com o Secretário Executivo para a gente poder sair, mas na

verdade eu estou fugindo é da agenda dele, do telefonema e tal. O almoço é de trabalho.

Essa mistura não, eu não vou dizer quase zero, realmente eu não me lembro de nada

que tenha sido neste nível... agora eu não acho que seja fundamental as pessoas terem

relações pessoais. Por isso, separar é importante. Eu devo ter, com quem eu tenho

relação e com quem não tenho, a mesma relação institucional. Tem pessoas que são

grandes aliados na instituição que porventura não se tornam seus amigos. A gente

nunca sai, eu nunca estive com eles fora do ambiente de trabalho. E acho que essa

questão do boteco é muito comum porque a gente está há muitos anos nessa estrada,

aí, acaba se conhecendo, fazendo amizade...” (Depoimento de ator do nível federal –

representação dos estados).

Os contatos informais também predominaram na relação entre os grupos

técnicos dos estados e as áreas do MS incumbidas da elaboração técnica das

normas e portarias ministeriais e da operacionalização dos sistemas informatizados

de pagamento. Assim, nesses contatos diretos, atravessando o trâmite burocrático

usual entre os respectivos níveis diretivos de ambas as instituições, se conseguia

antecipar às mudanças normativas e, de alguma forma, influir no seu andamento e

conformação final.

6.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO" O processo de definição dos valores para o financiamento do SUS nos

estados e municípios passa, como se pode depreender das entrevistas, por intensos

movimentos de negociação.

Um mecanismo utilizado para esclarecer as posições em jogo no processo de

negociação e estabelecer um ponto de partida das discussões é a prática de se

explicitar as posições em documentos escritos, em geral, elaborados pelas equipes

de assessores:

Page 129: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

130

"Eu elaboro um informe, uma opinião, que inicialmente é minha, do assessor, ou as suas

críticas e vou construindo até chegar na assembléia, onde se tira uma posição do

CONASS que delega ao presidente defender aquela idéia" (Depoimento de ator do nível

federal - representação dos estados).

Internamente aos órgãos de representação dos estados e municípios

(CONASS e CONASEMS, respectivamente), se desenvolvem mecanismos de

definição periódica das posições passíveis ou não de serem modificadas no

processo de negociação. A delegação que é atribuída aos representantes se

transforma em objeto de contínua redefinição, sendo o seu poder de negociação

sempre limitado e continuamente redimensionado:

..."Delega a ele (o Presidente do CONASS) a negociação, ou a negociação com tais

ressalvas: - ‘isso você pode negociar, isto você não pode, sem voltar à assembléia’, por

exemplo. Questão, por exemplo, de teto dos estados, nós queremos negociar

composição interna de onde aplicar o teto. O Presidente teve a delegação da

assembléia, mas ele não tem delegação da assembléia de alterar um valor de um teto

de um estado para outro. Dentro do teto que os estados já conquistaram, o como isso se

distribui, se mais na alta, mais na média e tal, a gente sabe o que os estados querem e

têm uma delegação de negociar, mas jamais tirar de um estado e pôr no outro"

(Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).

No caso dos secretários estaduais, por se tratar de um contingente de atores

relativamente reduzido, o processo de controle grupal sobre as posições levadas à

mesa de negociação (em geral na Comissão Intergestores Tripartite) é maior que no

caso dos municípios. Essa característica condiciona o estabelecimento de laços de

mútuo compromisso e confiança, mais facilitada ainda quando se trata de secretários

que permaneceram durante as mudanças de governo ou de atores com quem já se

mantinham relações anteriores no interior do sistema:

..."como são poucos (os secretários de saúde estaduais), o controle também é muito

grande, mas não há mais necessidade. A grande vantagem é que a grande maioria dos

secretários foram reempossados no segundo mandato, então há um nível de confiança

muito grande. Muitos secretários de importância continuaram, outros que chegaram são

pessoas de muita inserção no sistema" (Depoimento de ator do nível federal -

representação dos estados).

Page 130: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

131

No caso em estudo, a proposta de PPI elaborada pela direção da SES-MG

surge como um instrumento que viria sacramentar, do ponto de vista da distribuição

dos recursos de custeio do sistema, um pacto político entre as forças estabelecidas

no governo do estado e uma conjunção de atores sociais emergentes no processo

de descentralização, com a municipalização. Esses atores emergentes provinham,

em geral, de pequenos municípios do interior do estado, pressionando por um

tratamento diferenciado na partilha dos recursos, na medida em que referendavam

esse pacto hegemônico. Esse novo arranjo político representou uma ruptura do

pacto anterior em que os interlocutores privilegiados, componentes da representação

formal dos secretários municipais, eram provenientes de municípios de grande e

médio portes.(vide capítulo “Contextualização da Pesquisa”, em que estão descritas

as diversas fases do funcionamento da CIB-MG).

"Porque, na verdade, a CIB é um pacto. Ela é um pacto em dois níveis. Um pacto entre

os municípios e um pacto dos municípios com o estado. Na medida em que você rompe

o pacto dos municípios, você altera a relação desse pacto com a CIB. Me parece que foi

essa.. a grande mudança que houve nessa gestão" (Depoimento de ator do nível

estadual - membro do grupo de coordenação técnica da PPI).

Na administração anterior à do período em estudo (Governo Hélio Garcia –

1991/94), verificou-se um amplo processo de descentralização da gestão dos

sistemas municipais de saúde. Este movimento, denominado de municipalização da

gestão, significou a transferência da gestão da rede básica e do poder da

redistribuição interna dos recursos e cotas de AIH e das metas ambulatoriais entre

os prestadores de serviços de saúde presentes no município. Deu-se ainda na

primeira metade do período de governo. Com a edição da Norma Operacional

Básica SUS/01, em 1993, que definiu diversos critérios para a habilitação dos

municípios em formas de gestão diferenciadas segundo o seu grau de organização

administrativa e de responsabilidades assumidas, foi desencadeado um processo

rápido e ampliado de habilitação dos gestores municipais (vide capítulo

“Contextualização da Pesquisa”). Essa situação resultou numa maior complexidade

em relação ao quadro anterior, com a emergência de novos atores sociais, provindos

dos mais diversos contextos de poder local e regional, acrescentando novas

Page 131: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

132

demandas e formas de pressão política traduzidas em reivindicações de recursos

financeiros para a viabilização dos projetos locais.

Na fala de um dos membros do grupo técnico de coordenação do processo

da PPI, essa crescente complexidade da composição da arena política setorial é

reconhecida e identificada como um dos determinantes, senão o principal, para o

desencadeamento do processo da PPI, com a revisão dos tetos orçamentários

municipais do SUS:

“O que é a PPI? Fundamentalmente é isso, quer dizer, nós vamos fazer uma nova

programação assistencial porque os municípios menores pediram. Então nós vamos

fazer ... eu quase diria que ele não tinha como não fazer a PPI, porque se ele não fizesse

a PPI, ele estava rompendo um pacto” (Depoimento de ator do nível estadual – membro

do grupo técnico de coordenação da PPI).

Esse novo padrão de negociação entre o gestor estadual e os gestores

municipais assumido pelo Governo Eduardo Azeredo (1995-1998) resultou de uma

estratégia de traduzir esse novo pacto político numa mudança de orientação quanto

ao papel da CIB-MG, buscando uma estreita aliança com os representantes dos

gestores municipais nela presentes. Isso significou uma intervenção direta no

processo eleitoral interno da representação dos secretários municipais de saúde,

apoiando uma chapa afinada com o projeto da direção da SES (processo descrito

em maiores detalhes no capítulo “Contextualização da Pesquisa”). Assim, a

composição da representação municipal na CIB-MG passa a ser de municípios de

pequeno porte, estreitamente afinados com as propostas de reorientação do

processo de descentralização da direção da SES:

“O que houve exatamente foi isso, uma aliança com a CIB. Então a CIB é uma aliança do

governo do Estado envolvendo a Secretaria com os municípios menores, que eram a

maioria. Esse eu acho que foi o artifício...” (Depoimento de ator do nível estadual –

membro do grupo de coordenação técnica da PPI).

A ruptura com o padrão anterior de relacionamento com a representação

municipal e, portanto, com o conteúdo e a forma do processo de negociação, se

desdobrou numa revisão dos tetos orçamentários dos municípios, em que o discurso

Page 132: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

133

da eqüidade, com uma distribuição per capita menos desigual entre os municípios de

diversos portes, marcou o discurso legitimador da proposta de PPI:

“Nós sabemos, isso é clássico, todos os atores sociais são de certa forma tributários do

seu discurso. E qual era o discurso da nova administração? Era participação de todos os

municípios, era uma revisão dos tetos, era o que se chamava de eqüidade, ou seja, uma

distribuição eqüitativa dos recursos entre os municípios. O próprio Governador, em

várias oportunidades, antes da própria PPI, dizia que faria... faria em Minas Gerais a

distribuição per capita, para cada habitante R$1,00... Essa planilha pretendia ser um

ponto de partida, você teria parâmetros, população, um cruzamento de parâmetros com

população, com recursos, e você teria então... todos partiam do ponto de vista

conceitual, do mesmo ponto de partida, ou seja, todos eram iguais. A diferenciação se

daria através das referências da complexidade tecnológica e da pactuação" (Depoimento

de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

Ao ser questionado se esse novo padrão de relacionamento entre a SES e a

representação dos municípios não enfraqueceria a CIB enquanto espaço de

resolução setorial do conflito, este mesmo ator pondera que:

“Não, eu acho que ela seja... ela não fica menos conflituosa. Só que o conflito é resolvido

de maneira diferente. Porque é o seguinte: quando você abre espaço para os atores

sociais....porque a questão política é muito complexa, eu falo assim: quando você tem

um discurso de participação, você torna-se refém do discurso, quer dizer, mesmo que

você tenha a maioria, mas para poder você continuar a exercer o poder, você tem que

atender parte das reivindicações dos atores sociais. A PPI é isso" (grifo nosso)

(Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da

PPI).

O processo da PPI induziu uma negociação forçada entre os municípios

quanto aos quantitativos de metas dos fluxos de doentes encaminhados para

serviços de maior complexidade tecnológica, o que, no jargão do setor, é

denominado referência. Tais pactos, que em muitos casos já vinham sendo

desenvolvidos desde outros processos de programação anterior ("PROS 1992" e

"PROS 1994", também promovidos pela SES-MG), foram atualizados frente às

novas exigências da demanda de serviços e às mudanças nas capacidades

instaladas dos municípios. Essas negociações foram estabelecidas em vários níveis,

Page 133: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

134

partindo do nível microrregional, entre municípios vizinhos e depois englobadas, no

nível regional, em negociações capitaneadas pelas DRS. No nível interregional,

congregaram-se DRS vizinhas que mantinham fluxos importantes de pacientes entre

si e, finalmente, procedeu-se à compatibilização e estabelecimento final dos tetos

orçamentários pelo nível central da SES-MG.

Uma característica que marcou esse processo foi a diretriz assumida pela

direção da SES-MG de que a negociação microrregional fosse organizada pelos

Consórcios Intermunicipais de Saúde, reforçando politicamente essa forma

associativa dos municípios, eleita pela administração estadual como forma

organizativa privilegiada para a implementação das diretrizes de sua política de

saúde. Os Consórcios Intermunicipais de Saúde assumiram, então, neste processo,

um papel de verdadeira instância administrativa descentralizada do sistema, apesar

de sua heterogeneidade nas formas organizativas e de seu estatuto jurídico baseado

no direito privado.

O instrumento da PPI foi elaborado na forma de uma planilha eletrônica que

gerava, uma vez preenchido o número de habitantes do município, uma proposta de

metas assistenciais resultante da aplicação automática de "parâmetros", isto é,

valores normativos de concentração per capita de procedimentos assistenciais. As

metas geradas pela planilha eram então negociadas entre os municípios, na

dependência da existência dos serviços correspondentes e do interesse do gestor do

município receptor das metas em atendê-las, compondo, assim, seu teto

orçamentário. O instrumento formal da PPI, isto é, a planilha eletrônica e as metas

por ela geradas, representaram o meio sobre o qual se realizou o processo de

negociação, condicionando fortemente as possibilidades, o escopo e os limites do

âmbito dessa negociação.

"A outra questão interessante é que a planilha era um ponto de partida e não um ponto

de chegada. Muitas vezes isso foi entendido, a meu ver, equivocadamente, seja da parte

de representação da Secretaria, seja da parte de representação do COSEMS; a planilha,

na realidade, era um instrumento auxiliar. Ela era um instrumento para permitir, para

tornar a negociação mais racional, então isso é interessante. O outro grande avanço, a

meu ver, nesse processo da PPI foi realmente a experiência de negociação e pactuação

entre os municípios. E do registro formal dessa negociação" (Depoimento de ator do

nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

Page 134: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

135

Para os gestores municipais que se sentiram prejudicados pelos os

parâmetros assistenciais fixos inseridos na planilha eletrônica, a restrição imposta

pelo instrumento representou um obstáculo à livre negociação das propostas do seu

município, sendo avaliada negativamente:

"Logo que eu fui para lá, em abril, maio, por aí. Em julho, eu assumi a Secretaria. Em

maio, eu fiz a programação... mas era mais ou menos aquele instrumento. Eu fiz por

grupo, por procedimento, a programação. Eu lembro que nós fechamos um teto mais ou

menos de 80 mil reais. Esse teto chegou agora. Agora, com o último ajuste emergencial,

nós conseguimos chegar no teto que eu tinha proposto há quase dois anos atrás. E que

já está com capacidade resolutiva lá. Fizemos essa proposta de teto e levei para o

regional. O pessoal achava que eu estava doido, que não era assim, que o instrumento

não era aquele. O instrumento era aquele 'pacotinho', do disquete. Aí mandou o disquete

para o município" (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de pequeno

município).

O componente da pactuação dos fluxos de referência entre os gestores foi

sempre valorizado pelos entrevistados, independentemente de suas posições

relativas no processo. Assim, essa avaliação positiva da eficácia desses pactos

emerge no discurso de atores do nível estadual:

"O outro avanço foi a compreensão de que o SUS não se implanta sem a negociação,

sem a pactuação, né? Quer dizer, as normas, as planilhas, qualquer que seja a

metodologia mais sofisticada que você pode desenvolver ao longo do tempo, mas há

uma variável estratégica que é a pactuação. O próprio instrumento formal, ele resulta de

uma pactuação maior ou menor, em maior ou menor intensidade. Então eu acho que

esses dois elementos são interessantes, a introdução de instrumento formal de

intermediação da negociação e a compreensão progressiva de que só se implanta o

SUS através de pactos" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo

técnico de coordenação da PPI).

Uma avaliação positiva dessa dimensão da PPI e da eficácia da pactuação

das metas de referência também são expressas por ator do nível municipal, esse

com discurso marcado fortemente pela crítica a todas as demais dimensões:

"Porque aquele instrumento, se ele fosse melhor usado, poderia até ter sido

'melhorzinho' do que foi. Eu acho que teve até uma vantagem, eu acho que se tivesse

Page 135: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

136

clareado realmente essa questão de referência, se tivesse sido mais real aquilo ali, podia

ter sido um negócio bem mais legal, bem mais claro. Porque, para os municípios

pequenos, o que aconteceu? Isso ficou muito claro. Você ia no município vizinho e

cobrava: 'Olha, eu tenho tantos disso...' Você tinha uma clareza do quanto você tinha

quando você ia marcar. E a gente começou a cobrar isso. Por exemplo: [...] (Município-

pólo regional), a gente não conseguia fazer nenhuma tomografia, era zero, tomografia só

entrava via hospital-escola. Nós começamos a cobrar: 'Espera aí, nós temos tomografia,

nós queremos marcar, nós queremos marcar direto, não queremos marcar pelo hospital'"

(Depoimento de ator do nível municipal - gestor municipal de pequeno município).

Um aspecto do processo de negociação envolveu a redefinição dos

parâmetros assistenciais durante a execução da PPI. O parâmetro de consulta

médica foi definido na primeira versão da planilha eletrônica em 2,13

consultas/habitante/ano. É importante ressaltar que vários outros parâmetros

assistenciais estavam vinculados ao número de consultas médicas. Um aumento do

número de consultas fixado para um município refletia-se, portanto, em cascata para

as muitas outras metas assistenciais (por exemplo, o número de radiografias e

exames laboratoriais a serem realizados). A pressão dos municípios pelo aumento

do parâmetro de consultas médicas foi expressa em várias ocasiões, inclusive em

documentos por escrito, pressionando a representação do COSEMS na CIB a

encampar a proposta de incremento do mesmo, como de fato se verificou.

Essa mudança no parâmetro de consultas é lembrada por quase todos os

entrevistados, demonstrando a relevância que a questão assumiu à época. Assim,

as manifestações foram unânimes em rechaçar o valor fixado inicialmente em 2,13

consultas/habitante/ano:

"Quando chegou o disquete, eu fui na regional e falei para o pessoal: ‘Olha, é um

absurdo, nós vamos fazer a programação com duas consultas habitante/ano, sendo que

nós fizemos a PROS, há 3, 4 anos atrás com duas e meia consultas?’ Aí vim para a

reunião do COSEMS e levantei isso. Falei que era um absurdo porque duas consultas

era uma miséria, que aquilo ali ia dar uma sobra de mais de 20 milhões na simulação. Aí

passou para 2,2... Houve uma reunião do COSEMS e a gente ‘quebrou o pau’ lá, que era

um absurdo esse parâmetro, e aí na outra reunião...Não, a gente propôs que fosse 2,5.

Eu não lembro quem estava comigo não. Eu levei essa proposta de aumentar para 2,5 e

aí, 15 dias depois ou um mês depois chegou a nova planilha com 2,2 consultas. Aí

passou para 2,2. Fizemos a programação em cima daqueles parâmetros malucos lá, e

Page 136: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

137

deu no que deu". (Depoimento de ator do nível municipal - gestor municipal de pequeno

município).

Por parte do grupo técnico de coordenação da PPI pela SES, a preocupação

de alterar o parâmetro se prendeu ao impacto financeiro que ela significava, pelo seu

efeito multiplicador, em cascata, sobre os outros itens de programação. O parâmetro

inicial revelou-se então como um produto de uma simulação da aplicação do

conjunto dos itens à população do estado e da verificação de seu impacto

orçamentário/financeiro, mais do que de um estudo mais profundo de necessidades

assistenciais:

"Então diversos gestores não entenderam...não identificaram o instrumento como um

instrumento ideal para o município dele e tentaram questionar isso na CIB. Então

resistiram, foram contra, tentaram alterar, submeteram à CIB diversas reclamações. Isso

era discutido com o município, mas inclusive, em alguns casos, foi até objeto para alterar

o instrumento, para alterar algum fluxo, alguma rotina, então valeram algumas das

reclamações valeram alguma coisa.... O parâmetro da consulta, nós resistimos ao

máximo na alteração do parâmetro da consulta, porque o estado não tinha infra-estrutura

para atender, alguns municípios sim, outros não. Atender mais que duas consultas (e a

consulta ela indexa todos os SADT40), então, se alterasse o parâmetro da consulta, o

teto já estava muito acima do previsto... Ia ser um processo em cascata, ou então não ter

nada com o instrumento" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de

coordenação técnica da PPI).

O processo de negociação instaurado em torno do parâmetro de consultas

médicas resultou em mudança da posição anterior da SES, demonstrando uma certa

abertura, obtida sob pressão dos municípios, no sentido de incorporar na versão final

da planilha eletrônica uma proposta de incremento do parâmetro (2,2

consultas/habitante/ano), embora num patamar menor do que foi reivindicado (2,5

consultas/habitante/ano).

"Então houve diversas pactuações para manter a consulta, já que a grande parte das

consultas eram básicas, estava previsto isso já no 'finalzinho' (sic) que o Ministério iria

alterar a parte básica, como alterou em 98. Não sabíamos o que iria alterar, não

40 SADT - Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico, sigla da nomeclatura de antigo sistema de informações ambulatoriais, e que agrupava diversos exames e terapias ambulatoriais

Page 137: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

138

sabíamos se seria tão prejudicial. Acabou aprovado, ficando as 2,2 consultas, então

foram diversos instrumentos (diversas versões)" (Depoimento de ator do nível estadual -

membro do grupo de coordenação técnica da PPI).

Essa mudança verificada nos parâmetros reafirma a característica apontada

por AGRANOFF & LINDSAY (1983)41, citado por MUNIZ (1997:11), e que condiciona

o êxito da GIG "à capacidade de manter o foco permanente no problema em questão

e à capacidade de negociação com o fim de resolver os problemas específicos, e

que fiquem claras as razões técnicas da solução adotada...", independentemente de

diferenças e pressupostos de natureza puramente ideológica. Esse mecanismo de

focalização é descrito com mais detalhe, a seguir.

6.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS"

Os mecanismos de definição das questões problemáticas que compõem a

agenda de negociação dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento do

SUS pelos atores participantes da rede intergovernamental podem ser divididos em

mecanismos formais e informais.

No campo formal, a definição das questões problemáticas a serem debatidas

e equacionadas envolve a elaboração pactuada das pautas das instâncias formais

de negociação (CIT e CIB) e das suas respectivas Câmaras Técnicas. As Câmaras

Técnicas são justamente espaços semi-institucionalizados em que se reúnem

periodicamente representantes dos diversos níveis de governo, mais comumente

seus staffs de assessoria, em datas acertadas para antecederem proximamente as

reuniões das comissões intergestores. Esse mecanismo de articulação técnico-

política foi introduzido na prática do funcionamento da CIT e organizado por

emulação no nível dos estados, precedendo as reuniões das CIB. O grau de

informalismo nesses fóruns é grande, funcionando como mecanismo de ajuste

41 AGRANOFF, R. & LINDSAY, V. Intergovernmental management perspectives from human services

problem solving at the local level. Public Administration Review, London, v.43, n.3, p. 227-37,

1983.

Page 138: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

139

mútuo das pautas e do tratamento preliminar das questões a serem levadas à

decisão das comissões intergestoras.

“...nós conseguimos criar, no âmbito da Tripartite, uma chamada Câmara Técnica,onde

as questões técnicas são primeiro apreciadas. [...] é um espaço que a gente tem para

fundamentar as diversas opiniões. Quer dizer, se ela vai depois para a Tripartite dar o

parecer, ela também, apesar de ser uma Câmara Técnica, é um espaço político do

varejo onde você tenta fundamentar as suas propostas, encaminhado um certo sentido.

Nela participam o Ministério, CONASS e CONASEMS, sem paridade, mais ou menos

aberta à participação de quantas pessoas o Ministério achar necessário, mais o pessoal

técnico, que faz a articulação...” (Depoimento de ator do nível federal – representação

dos estados).

A composição da agenda das negociações intergestores no plano federal é

objeto de uma articulação entre a direção do MS, com a interlocução privilegiada da

Secretaria Técnica da CIT vinculada à Secretaria de Políticas, e as representações

do CONASS e CONASEMS. Na prática, uma proposta de pauta das reuniões da CIT

é elaborada conjuntamente pelo CONASS e CONASEMS e submetida à Secretaria

Técnica, sendo em geral acatada.

A relativa informalidade do fórum da Câmara Técnica permite uma discussão

livre e preliminar dos temas da agenda, bem como a construção de um consenso

mínimo sobre os temas. A Câmara Técnica também funciona como um mecanismo

de acompanhamento da implementação das decisões tomadas pela CIT, cobrando

das diversas áreas técnicas do MS informações sobre o andamento das questões

pactuadas. A preocupação com a implementação das decisões se reflete também na

prática usual da realização de uma reunião da Câmara Técnica após a reunião

ordinária da CIT.

No âmbito dos estados, o papel da Câmara Técnica da CIB é similar,

funcionando como um mecanismo de acerto preliminar das questões da agenda,

permitindo um pré-processamento dos temas e uma construção negociada de

alternativas com viabilidade técnica e política de serem aprovadas pela instância

formal. No caso em estudo, além da Câmara Técnica já existente, foi instituída pela

CIB-MG uma comissão específica para acompanhamento da PPI, em que se

procurava dirimir questões emergentes da implementação da proposta da PPI e

elaborar alternativas técnicas para a resolução dos conflitos que foram surgindo no

Page 139: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

140

decorrer do processo. Um desses conflitos que encontrou tratamento nesse espaço

institucional foi a revisão dos parâmetros assistenciais inicialmente propostos, que

resultou na alteração da planilha eletrônica. Essa nova versão da planilha eletrônica

incorporou um incremento no parâmetro de consultas médicas, que se refletiu em

diversos outros parâmetros que a ele estavam vinculados (exames de laboratório,

determinadas terapias, etc.).

“A CIB aprovou uma comissão para fazer um estudo da planilha, e houve algumas

mudanças como, por exemplo, estava se trabalhando com 2 consultas/habitante e

passou para 2,2 consultas/habitante anos. Outro parâmetro... Houve também ajustes e

melhoras na própria construção do instrumento eletrônico. Houve uma reunião da

Comissão Tripartite quando representantes do COSEMS, representantes da Secretaria

com umas... umas 5 ou 6 reuniões em que se discutiu a planilha e a metodologia do

trabalho" (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de

coordenação da PPI).

Como descrito anteriormente, a alteração do parâmetro de consultas médicas

foi um ponto de acalorada discussão entre os atores e objeto de intensa pressão por

parte dos gestores municipais, principalmente daqueles que já apresentavam

patamares de produção de serviços superiores ao fixado por aquele parâmetro. A

sua alteração pode ser tomada como um recuo tático da direção da SES e

demonstra a eficácia dos mecanismos de negociação adotados, quando os atores

focam sua atenção sobre problemas específicos, em que restam claras as razões

técnicas da solução adotada.

6.7 CATEGORIA “CONTROLE DE RECURSOS”

Os recursos para o financiamento do SUS são arrecadados, em sua maioria,

pelo nível federal, chegando a constituir um montante de cerca de 65 a 70% dos

recursos de custeio do sistema. Essa situação garante ao Ministério da Saúde uma

centralidade e um grande poder de barganha nas negociações sobre o

financiamento e sobre os modelos de assistência à saúde implantados pelos níveis

estadual e municipal.

Page 140: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

141

Esse controle da maioria dos recursos financeiros do sistema estabelece uma

certa hierarquia decisória, em que as questões sobre as quais não se estabelece um

consenso entre os níveis de governo são decididas unilateralmente pelo nível que

conta legalmente com o poder discricionário sobre a utilização dos recursos

(mormente o nível federal, mas também decisões unilaterais são tomadas por

estados e municípios sem consulta ao gestor federal do sistema).

“É como se fosse hierarquia de exército, né? O Ministro é o general, o estado é o

sargento e o município é o cabo e o prestador o soldado. Então, essa relação, que era

de sócios, o Ministério está tentando impor. Mas ele, ao ser general, também ele não

está optando por comandar toda a tropa, ele está escolhendo as missões gloriosas que

lhe rendem apenas um grande espaço na mídia, um grande impacto publicitário. Nem

sempre com um posterior acompanhamento dessas iniciativas. Certo? Nós tivemos, por

exemplo, em 98 e começo de 99, uma grande companha nacional, com mérito: a

questão do combate ao câncer do colo de útero. Um grande ‘auê’, muita propaganda,

muita gente fez o diagnóstico... Agora, a intervenção sobre o diagnóstico que é o

problema pior, né? É por conta agora do sargento e do cabo. Estado e município têm

que se virar com aquele tanto de diagnóstico feito, etc. etc.” (Depoimento de ator do nível

federal – representação dos estados).

Essa concentração diferencial dos recursos entre os níveis de governo

impacta diretamente os processos de planejamento e programação do sistema,

limitando a sua racionalidade e a adoção de modelos de intervenção e metas

nacionais amplamente discutidas e negociadas.

“... se a gente tivesse um processo efetivamente correto de programação, estas

prioridades nasceriam de uma discussão compartilhada das três instâncias de governo.

E não uma definição solitária do Ministério ou individual ou de pequenos grupos

definindo para todo o país o que é prioridade nesse momento. Será que a cirurgia de

catarata é prioridade em Roraima? Será que onde tem a questão da malária, onde você

não tem... quem sabe com esse mesmo recurso você não estrutura serviços e ao invés

de fazer um ganho de episódio... Quem acompanhou o exército brasileiro, o Projeto

Rondon tinha aquelas... o dia da saúde, a semana da saúde, ia lá abria a boca olhava o

dente... e ia embora. Isso não resulta em nada" (Depoimento de ator do nível federal –

representação dos estados).

Page 141: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

142

Segundo os entrevistados, os instrumentos propostos para as programações

de custeio, tanto no nível federal como estadual, se revestem de intencionalidades

da instância que o elabora, condicionando a definição dos recursos a contrapartidas

das demais esferas de governo, gerando resistências à sua aceitação e efetiva

implementação.

A insistência das representações dos estados e municípios em deflagrar um

amplo processo de reprogramação dos recursos, através de uma PPI, como

conseguiram introduzir no texto da NOB 96, se prende ao interesse de conferir maior

transparência aos critérios de distribuição utilizados pelo Ministério da Saúde e

reduzir seu espaço de alocação discricionária dos recursos, além de representar um

mecanismo de pressão pela elevação do montante de valores distribuídos:

“Eu tenho uma avaliação porque, hoje em dia PPI não é um instrumento que na prática

interesse ao Ministério. Por que? O Ministério tem dinheiro definido, tem instrumentos

que são normas e portarias de que ele pode dispor sobre utilização desse dinheiro e uma

programação, nesse momento, geraria uma pressão sobre o Ministério, sobre os pontos

de estrangulamento do sistema e uma necessidade de realocação de recursos. Ou seja,

o Ministério, pensando pragmaticamente, pensa assim: ‘eu não vou desencadear um

processo que vai gerar uma pressão por questionar onde eu estou pondo o dinheiro,

uma pressão para que eu arrume mais dinheiro, uma pressão para que eu torne mais

transparente ainda onde eu ponho o dinheiro'...” (Depoimento de ator do nível federal –

representação dos estados).

Essa resistência em conferir maior transparência na distribuição dos recursos

e à redução da autonomia do nível de governo na sua alocação discricionária repete-

se no nível dos estados e dos municípios, revestindo-se de nuances específicas.

Nos estados, busca-se restringir o escopo das programações aos recursos de

custeio oriundos do nível federal, procurando se garantir a máxima liberdade na

alocação dos recursos de investimento e das fontes de receita própria. Os

municípios, por sua vez, resistem a pactuar, com os demais níveis de governo, os

recursos de seu tesouro municipal.

“... a PPI é uma coisa que na teoria há um consenso importante. Do mesmo jeito, para

não colocar o Ministério sozinho como Cristo, pense no estado. O estado é muito

interessado em fazer uma PPI das suas necessidade e levar ao Ministério como pressão.

Page 142: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

143

Mas não é tão interessado assim que o município faça o mesmo e venha questioná-lo

quanto a isso. Como o gestor municipal também não tem tanto interesse que o Conselho

e os prestadores abram a caixa preta e comecem a discutir tudo...” (Depoimento de ator

do nível federal – representação dos estados).

Com base no exposto, depreende-se que os processos de programação do

SUS funcionam, para o nível de governo que os propõe ou realiza, como um

mecanismo de pressão sobre os demais níveis, no sentido de restringir as suas

margens de manobra e o poder discricionário na alocação dos seus recursos

destinados à saúde. A resistência dos níveis impactados pelo processo de pressão

é, então, uma conseqüência previsível, da qual eles tendem a se defender,

buscando formas de reorientar o processo com vistas a alcançar seus próprios

objetivos. Esse complexo jogo de interesses limita a pactuação solidária da

distribuição dos recursos, bem como maior transparência na sua alocação.

A noção de uma programação pactuada e integrada entre os três níveis de

governo, como inserida na NOB 96, embora aparentemente reflita a disposição

dessas esferas de desenvolver um mecanismo de gestão cooperativa do sistema de

saúde, na prática, converte-se em um dispositivo que pretende cercear mutuamente

os graus de autonomia decisória dos gestores.

As estratégias protelatórias do nível federal na definição do processo e dos

instrumentos da PPI atestam a incapacidade dos atores envolvidos na rede

intergovernamental de superar essa lógica que preside o jogo entre os dirigentes,

que acaba por limitar as possibilidades de um consenso técnico aceitável pelos

dirigentes quanto ao conteúdo e à abrangência da programação. Essa percepção é

explicitada nas entrevistas, como pode ser apreciado no seguinte trecho:

“O problema é que nunca se pactuou bem esse instrumento. Num primeiro momento, ele

era um instrumento que foi criticado (pelo nível federal) por conter só a divisão do bolo

financeiro e federal e como um instrumento de captação de recurso, aí o Ministério se

recusava a implantar. Num segundo momento, o próprio Ministério tomou a iniciativa de

fazer outro instrumento que era muito mais um instrumento de acompanhamento de

programação, acompanhamento de programas federais, que aí os municípios e os

estados não se dispuseram a implantar. E até hoje, quer dizer, quatro anos depois disso,

você não tem uma proposta pactuada em implantação. Então, cada estado acabou

Page 143: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

144

criando um mecanismo próprio de pactuação” (Depoimento de ator do nível federal –

representação dos municípios).

Se no plano federal esse consenso é obstaculizado por esta visão distorcida

do esquema federativo, no plano estadual o acordo sobre o processo se mostra

possível, porém condicionado pela mesma ótica. No caso da PPI 97, a identidade de

interesses do nível estadual e da representação dos municípios garantida pelo pacto

político estabelecido na época, vai permitir um consenso elevado sobre os objetivos

da programação, qual seja o de ampliar o montante dos recursos federais alocado

ao estado e uma distribuição orientada a privilegiar os municípios de menor porte e à

viabilização financeira das políticas propostas pelo gestor estadual, os Consórcios

Intermunicipais de Saúde e o Programa de Saúde da Família. É necessário se

lembrar que esses dois projetos estratégicos foram contemplados com incentivos

financeiros previstos na PPI 97, através da qual se buscavam a anuência e a

cobertura financeira pelo nível federal.

6.8 CATEGORIA “COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO”

O agir estratégico dos atores da rede intergovernamental no processo de

negociação dos critérios de financiamento do SUS diferencia-se do enfoque

estratégico clássico de uma definição racional e prévia de metas e estratégias

seguidas da sua execução e avaliação. A linearidade desse enfoque é substituída

por uma ação complexa, em que granjeiam apoio as suas idéias e testam

permanentemente a viabilidade de suas propostas.

Nas entrevistas, ficam patentes várias táticas utilizadas pelos atores nesse

tipo de ação. Uma dessas táticas é a explicitação de idéias e posições críticas

elaboradas permanentemente sobre os fatos da conjuntura, através da elaboração

de textos analíticos, que são divulgados amplamente no interior da rede. Tal

comportamento é mais presente no âmbito da arena federal, mas também foi

observado no processo da PPI 97 em Minas Gerais, em que, até mesmo o autor da

Dissertação, pela sua participação ativa nos fatos, produziu textos desta natureza.

Na fala de um ator do nível federal, tal tática é descrita:

Page 144: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

145

"... nós no CONASS trabalhamos muito, para não dar margem à dúvida, em informes por

escrito. Eu elaboro um informe, uma opinião, que inicialmente é minha, do assessor, ou

as suas críticas e vou construindo e até chegar na assembléia onde se tira uma posição

do CONASS que delega ao presidente defender aquela idéia, delega a ele a negociação

ou a negociação com tais ressalvas: isso você pode negociar, isto você não pode, sem

voltar à assembléia, por exemplo..." (Depoimento de ator do nível federal - representação

dos estados).

Outro movimento tático adotado pelos atores é a realização de estudos

técnicos, mormente com a coleta e análise de dados relativos às questões presentes

na agenda, reforçando seu posicionamento com informações objetivas, buscando

anular argumentos contrários e conquistando melhores posições relativas na arena.

"Eu acho que alguns municípios, a hora que eles começaram a ter noção dos dados....

porque na realidade a gente começou a fazer estudo, junto com a [...] (técnica da DRS

em cuja jurisdição o município do ator se encontrava), e o pessoal, uma ou duas pessoas

da regional, começaram a levantar os dados. E levava os dados e ‘quebrava o pau’. E

isso começou a gerar um certo ânimo nos municípios de participar. Porque a sensação

que eu tinha era que estava todo mundo assim: você tem que ir direto no estado

negociar no Gabinete, se não for lá com o prefeito não vai conseguir nada. Então a gente

começou a ter essa discussão lá e começou a surgir alguma coisa diferente, eu acho que

foi o que teve de mais positivo para mim, apesar de não ter caminhado nada.... Mas eu

acho que houve uma participação maior..." (Depoimento de ator do nível municipal -

Secretário Municipal de município de pequeno porte)

Muitos dos atores participantes da rede desempenham um papel semelhante

ao do corretor multilateral, proposto por MANDEL (1994) para caracterizar o papel

que os gerentes desempenham no contexto das redes interorganizacionais. Este

papel de "intermediário, de alguém que 'intervém'" (MANDELL, 1994:244), com alta

especialização na gestão das relações intergovernamentais, aplica-se plenamente

aos atores do nível federal (aqui entendidos os funcionários federais e as

representações dos estados e dos municípios). Sua disponibilidade permanente para

essa tarefa, bem como as suas capacidades individuais desenvolvidas no decorrer

dos processos de negociação, os habilitam a essa qualificação. No âmbito dos

estados e municípios, observa-se que essa especialização é menor e a função da

negociação permanente é, muitas vezes, delegada às suas representações. Os

Page 145: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

146

secretários estaduais e municipais cumpririam, em maior ou menor grau, os papéis

de enlace e de delimitação de fronteiras identificados por MANDELL (1994),

observados também para outros gerentes dentro de suas próprias organizações.

Estes papéis referem-se ao fato desses gerentes ocuparem-se "mais em manter as

relações fora das fronteiras da sua organização do que em manter as de dentro". Na

rede intergovernamental estes papéis são ampliados "para incluir o papel de enlace

ou de corretor entre uma série de organizações diferentes, inclusive a própria"

(MANDELL, 1994:245). A capacidade dos secretários estaduais e municipais

desempenharem esses papéis obviamente está condicionada a características e

habilidades individuais e à disponibilidade de tempo e recursos financeiros para se

dedicar, em tempo integral, a essas atividades. Secretários de estados e municípios

mais ricos e dispondo de equipes técnicas que possam assumir a contento as

tarefas executivas de rotina tornam-se mais disponíveis para atuar continuamente na

arena intergovernamental e desempenhar os papéis assinalados.

Para contornar a inferioridade numérica e de recursos das representações

dos estados e municípios, os atores incumbidos de negociar permanentemente as

questões do financiamento desenvolvem estratégias de pressão via terceiros

(parlamentares, conselheiros, etc.). Empreendem também intrincadas articulações,

em que as diferenças das posições individuais dos diversos atores do Ministério da

Saúde e as suas contradições internas são exploradas. Algo como utilizar

habilmente as forças do oponente:

"... e se tenta trabalhar muito com os deputados da Comissão de Orçamento, porque é lá

que vai se dar a definição. Mas tentamos trabalhar muito também para que o Ministério

saiba da posição e receba alguma pressão nossa, quer dizer, não é no sentido só de pôr

mais dinheiro, mas onde pôr o dinheiro que é o mais importante. Onde tem os pontos de

estrangulamento e tudo mais. Outra coisa que eu ia falar é do Ministério, nós não

podemos tratar o Ministério como um ator. Talvez em número de atores dessa área, o

Ministério sozinho venha mais que nós outros, do lado de cá, juntos. Em cada Secretaria

você identifica, diante de uma questão, pessoas favoráveis e pessoas resistentes. Mas é

hipotético, um assunto “x” nós queremos encaminhar. Aí eu posso verificar: nisso o

(dirigente do Ministério da Saúde, ocupante de uma secretaria muito relacionada ao

financiamento) é resistente, mas o (assessor do dirigente anteriormente citado) que

trabalha com ele é favorável, o (diretor de departamento da secretaria anteriormente

citada) é resistente mas o (outro assessor da mesma secretaria) é favorável e a gente

Page 146: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

147

procura ir tratando de... ,usando a palavra no bom sentido, é exatamente fazer o lobby

da sua idéia, né? Criar uma pressão, um convencimento, um esclarecimento" (Grifo

nosso) (Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).

Uma habilidade desenvolvida pelos atores entrevistados foi a que MANDEL

(1994) denomina de "poder de relação":

"O poder de relação refere-se à capacidade de mobilizar outras pessoas em apoio às

próprias metas. É basicamente transacional e depende da persuasão e da negociação

mais do que do fornecimento de instruções, como na forma pura de autoridade ou na

posição legítima de poder" (MANDELL, 1994:245).

Demonstrações dessa habilidade aparecem nas entrevistas, com atores

mobilizando e convencendo outros atores em posição privilegiada de acesso ou de

mais sensíveis ao processo de convencimento para atingir um terceiro ator:

"Às vezes você, ao invés de conversar com o secretário (de um estado), eu converso

com o presidente do COSEMS (daquele mesmo estado), tento convencer a ele dos

pontos de vista do secretário... Eu posso conversar com o Conselho informalmente e

formalmente, via secretário. Às vezes a resistência é do próprio secretário, então você

começa a criar situações de mediar as relações".(Depoimento de ator do nível federal -

representação dos estados).

"...eu acho que é uma habilidade de entender o ponto de vista do outro. As divergências

não se dão necessariamente, as pessoas têm uma tendência de sempre achar que o

outro é ‘sacana’. Entender que quando você está num outro cargo, esse cargo traz um

ônus, ele tem um compromisso com as instituições, com coisas daquela instituição,

como eu tenho com o CONASS. Eu nem sempre levo pontos de vista que são os meus.

Levo da entidade. Então entender o outro no local em que ele está, já ajuda a sugerir

saídas factíveis com essa realidade que ele está inserido, ao invés de você impor seu

ponto de vista. Ele fala: mas assim eu, eu compreendo mas não dá, eu não tenho clima

aqui para fazer isso. Porque, às vezes, você pode construir uma saída que o clima dele

permita essa saída..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos

estados). Esta utilização de intermediários para a negociação ou convencimento de um

ator resistente é observada em várias situações relatadas nas entrevistas:

Page 147: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

148

"....às vezes eu não sou a melhor pessoa para conversar, eu solicito alguém de fora, um

amigo... É um exercício na prática do tal do planejamento estratégico. O que você faz na

vida, na verdade. Você briga com um parente seu ou um irmão e você recorre a um tio

para mediar, conversa lá com ele, explica que não tive essa intenção, vê se abre o

diálogo e tal... É assim que você vai construindo..." (Depoimento de ator do nível federal

- representação dos estados).

No caso da PPI 97, essa prática foi observada e relatada por um ator-chave

no processo. Com a CIB controlada por um grupo de municípios de pequeno porte

fortemente identificados politicamente com a direção da SES, a interlocução do

COSEMS com os municípios de grande porte se tornou difícil, pela desconfiança

resultante do polêmico processo eleitoral interno da entidade. A necessidade de

negociação de algumas questões com esses municípios maiores, embora

formalmente excluídos da instância formal de pactuação, levou à busca de

interlocutores no outro campo. Assim relata o ex-presidente do COSEMS-MG à

época:

"...eu lembro de uma pessoa que foi uma grata revelação para mim, que quando formava

a discussão, o impasse, a gente sempre teve no [...] (secretário municipal de saúde de

um município de médio porte da Região Metropolitana de Belo Horizonte), que era uma

pessoa que não concordava com a atual, com aquela gestão do COSEMS. Mas era uma

pessoa que sempre foi chamado por nós na questão de maior conflito até para negociar,

trabalhar, olhar critérios na PPI, na questão também dos cortes. Porque ele é um bom

técnico e pela sua capacidade ele conseguia também colocar as questões num nível de

não exaltação e com isso ajudava muito a achar o meio" (Depoimento de ator do nível

municipal - ex-presidente do COSEMS-MG).

6.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO"

A tentativa de buscar "condicionar as ações de outras unidades de governo

através da produção de normas" (AGRANOFF, 1992) está bastante presente no

cenário intergovernamental do financiamento do SUS. As normas gerais do processo

de descentralização do sistema foram expressas na forma das NOB (em quatro

versões: 1991,1992,1993 e 1996). As NOB 93 e 96 foram fruto de negociações entre

o Ministério da Saúde e as representações dos estados (CONASS), dos municípios

Page 148: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

149

(CONASEMS) e entidades da iniciativa privada, refletindo o consenso mínimo entre

as partes.

Já a NOB 91 e a NOB 92 foram editadas sem a anuência das partes, pela

Presidência do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência

Social - INAMPS. A primeira instituiu o pagamento por produção para os serviços

públicos de saúde, nos mesmos valores da tabela nacional utilizada para pagamento

dos serviços privados, consolidando portarias anteriores daquele órgão que

estendiam o SIH/SUS para o setor público, dentre outras medidas (OLIVEIRA JR.,

1999).

As NOB de 1993 e 1996 foram produtos de longos processos de negociação

e seu formato extremamente detalhado reflete a insegurança dos atores do nível

federal na capacidade de organização dos sistemas estaduais e municipais de

saúde e, por parte dos atores dos estados e municípios, o elevado grau de incerteza

quanto à fidelidade do nível federal em honrar os compromissos. Disso resultou uma

regulamentação extensa, complexa e formalista. Atributos, aliás, que não

garantiram, de nenhuma forma, a sua fiel aplicação pelas partes.

A pletora normativa observada no financiamento do SUS poderia ser

comparada, em analogia, ao "círculo vicioso" que CROZIER (1981) localiza nas

organizações burocráticas, "onde a resistência (do funcionário) acaba finalmente por

reforçar a influência do esquema que a provocou" (CROZIER, 1981:261). Em reação

a normas não cumpridas ou inviáveis de se cumprirem, ditam-se (ou negociam-se)

novas normas, numa retroalimentação positiva.

As disputas pelas competências entre os níveis de governo e as garantias

formais de aportes financeiros caracterizam ambas as NOB. Esta indefinição das

competências governamentais encontra paralelo na "fase conflitiva" das RIG nos

Estados Unidos da América dos anos trinta e antes, que nos reporta WRIGHT

(1997), quando

"...os funcionários nacionais, estatais e locais, que buscavam uma especificação precisa

de seus respectivos poderes supuseram que esses se excluíam mutuamente. Ademais,

os funcionários parecem haver esperado que a oposição e o antagonismo fossem parte

do processo normal de aprender quem tem o poder para fazer o quê" (WRIGHT,

1997:133).

Page 149: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

150

Também para este autor "distribuir os papéis e especificar limites claros são

sinais característicos da fase de conflito", naquele contexto (WRIGHT, 1997:135).

Esse intenso conflito de competências demonstra a persistência de um

prolongado processo de transição do modelo centralizado anterior, indicando que o

atual, descentralizado, ainda se encontra em fase de conformação e acomodação.

A complexidade normativa assumida pelas questões da descentralização do

SUS, em especial do seu financiamento, e a rápida mudança das regras e

regulamentos promovida pelos atores como estratégia de manter suas posições

relativas na arena setorial requer dos atores uma contínua atualização, fruto, em

geral, da participação permanente nas discussões nos vários fóruns existentes (CIT,

CIB, representações de secretários estaduais e municipais, Conselhos de Saúde,

encontros técnicos, congressos, etc.).

Essa contínua mudança das regras do jogo foi relatada espontaneamente por

um dos entrevistados como relevante, condicionada talvez pelo fato de ele residir no

interior de um estado da federação distante da capital federal, colocando-o em

desvantagem relativa frente aos demais atores da arena federal:

"Se você sair desse meio você perde, porque é um negócio...é uma matéria fluida, certo?

E altamente volátil. Então o quadro de hoje não é o quadro de amanhã. As coisas que

estão, se você não sabe, se eu deixo de...Eu vou dizer para você, eu admiro a

capacidade do [...] (assessor técnico do CONASS) de entender esses negócios de teto,

tudo, siglas, aquela barafunda. ... Outro dia, nós fomos somar, tem 22 tetos

(subcomponentes do teto orçamentário dos municípios). ...Caixinha por caixinha... Quer

dizer, essas portarias todas, eles não discutiram conosco uma série de portarias, de

repente eles jogam. Aí você vai fazer uma análise para tentar mudar. Eles voltaram atrás

em algumas coisas. Agora parece que eles vão voltar atrás nos 22 tetos, vão ficar só 3.

Vão juntar..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).

A instabilidade institucional característica do sistema resulta, portanto, em

uma contínua mudança das regras que regem os mecanismos e critérios de

financiamento, o que vai exigir dos atores uma interação permanente, não apenas

para a negociação desses critérios, mas para a troca contínua de informações e a

elaboração dos posicionamentos de cada representação:

Page 150: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

151

"A gente acaba indo numa autoridade não conferida, mas real de vivência do processo.

Então aceitam bem. Outra coisa: tem pouco analista, tem pouca gente analisando, certo?

Não é mérito da gente, nem nada não. De tanto fazer, então.... E, às vezes, eu me

descubro assim: a gente tem opinião de tudo já, pode ser até errada, mas a gente é

capaz ... Você vai para conferência, para congresso e tal, saem as perguntas mais

cabeludas lá. Eu penso: 'Meu Deus, que versatilidade da gente que já criou'... pode não

ser a melhor, mas você não fica embaraçado: 'não sei dizer'. Não, eu tenho uma opinião,

agora não sei ao certo. É um negócio interessante, criado nisso aí. E nós comentamos,

nós temos certeza: se você sair desse...(meio) aqui você perde o poder" (Depoimento de

ator do nível federal - representação dos municípios).

Além das NOB, uma profusão de portarias e normas técnicas emitidas pelo

Ministério da Saúde procuram condicionar a ação dos estados e municípios. Em

geral, vinculam-se recursos específicos a cada grupo de ações que se deseja serem

realizadas por estes entes federados. Essa estratégia corresponde ao mecanismo

de GIG que AGRANOFF (1992) denominou de "planificação ou gestão

descendente", que supõe a "utilização de subvenções para alcançar objetivos

nacionais através de governos subnacionais e organizações privadas" (AGRANOFF,

1992:209).

No caso da PPI 97, a utilização de estímulos financeiros para os municípios

que se integrassem aos Consórcios Intermunicipais de Saúde e implantassem

equipes multiprofissionais do Programa de Saúde da Família, como já foi descrito

anteriormente, insere-se nesse tipo de estratégia.

Page 151: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

152

7 CONCLUSÃO

Os atores sociais envolvidos na negociação dos critérios de distribuição dos

recursos de financiamento do SUS adotam mecanismos de gestão dos conflitos

redistributivos para manterem o fluxo financeiro entre os níveis de governo e a

continuidade dos serviços de saúde. Esses atores se articulam em redes

intergovernamentais com estruturas e funcionamentos heterogêneos. Configura-se

uma sub-rede federal, mais estruturada e de funcionamento mais orgânico e

contínuo, com atores mais especializados, que se articula, mais ou menos

frouxamente, com as sub-redes estaduais. A relação das sub-redes estaduais com a

federal se concretiza através de poucos atores que realizam essa intermediação,

sendo que esta sub-rede apresenta um elevado grau de autonomia e independência

do funcionamento da sub-rede federal. A sub-rede estadual estudada apresenta um

alto grau de fragmentação, com a utilização da intermediação das DRS, interpostas

entre os gestores municipais e o gestor estadual.

Os atores relacionam-se com alto grau de informalidade, atuando em espaços

paralelos às linhas de mando hierárquicas, com elevada autonomia e baixa

necessidade de coordenação vertical. Essa autonomia dos atores frente aos

ocupantes dos cargos de direção política coloca-os em situação privilegiada de

domínio das informações e da condução dos processos de negociação no setor,

distanciando-se completamente do tipo ideal de burocracia weberiano.

Apesar da grande informalidade das interações entre os atores da arena, um

grau de formalidade é observado nas negociações, com utilização freqüente de

propostas por escrito e circunscrição de grande parte das negociações a espaços e

fóruns formalizados ou semi-formalizados (Câmaras Técnicas, CIT, CIB, etc.).

O alto grau de politização e ideologização dos atores componentes da rede

intergovernamental os afasta, muitas vezes, do tratamento pragmático das questões

críticas do financiamento do sistema e das questões assistenciais, reagindo com

posturas defensivas ou marcadas por uma visão dualista do sistema federativo.

Assim, movimentos constantes são empreendidos no sentido de restringir a

capacidade de ação do outro nível de governo, por uma desconfiança nas suas

intencionalidades. A profusão e o intrincado detalhamento das normas que regem o

processo de descentralização, as formas de financiamento e critérios de distribuição

Page 152: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

153

de recursos resultam de um círculo vicioso, análogo ao verificado nas organizações

burocráticas, quando a não observação das normas existentes, os desvios de

objetivos e sua eventual inaplicabilidade prática são respondidos com a elaboração

de novas normas (negociadas ou não).

Os conflitos de competência são marcantes, indicando a persistência de uma

fase de transição do modelo centralizado anterior. Movimentos de acomodação e

não reconhecimento mútuo, bem como a ausência de consensos definitivos sobre as

atribuições e espaços de poder de cada nível de governo, são observados.

Assim, degladiam-se na arena os chamados municipalistas, respaldados pelos

dispositivos constitucionais e portadores da herança ideológica do “Movimento da

Reforma Sanitária”, e os centralistas, localizados nos estados e no nível federal, que

utilizam o controle dos recursos como mecanismo de manter suas posições

relativas, retomando momentaneamente atribuições já descentralizadas ou

mantendo indefinidamente competências remanescentes.

A utilização dos recursos para consolidar pactos políticos e arregimentar apoio

político eleitoral é observada, o que faz reforçar os temores de ambos os lados do

conflito.Mecanismos conhecidos como mudança de procedimentos e controle de

recursos são freqüentemente utilizados.

O presente estudo demostra que os mecanismos utilizados para a GIG dos

recursos de financiamento do SUS reafirmam a teoria existente, desenvolvida no

âmbito de sistemas federativos de outros países. Procedimentos específicos, que

não contradizem a teoria existente, como a retenção de metas, uma tática marcada

pela manipulação dos dados no processo de programação dos recursos de custeio,

são observados. Tal procedimento, no entanto, pode ser considerado como uma

modalidade da ocultação de informações pelo nível local, já descrito por outros

autores.

Outro fenômeno encontrado foi o camaleonismo de alguns atores, que

mudam de discurso conforme o locus ocupado na rede. Trata-se de um achado que

mereceria maior aprofundamento e busca de referenciais comparativos em outros

sistemas de GIG.

No caso do SUS-MG, a PPI 97/98 configurou-se como um processo de

concretização de um pacto político entre o governo estadual e municípios de

pequeno porte, atores emergentes no cenário setorial em decorrência do próprio

Page 153: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

154

movimento de descentralização verificado na gestão anterior. A resistência dos

representantes dos gestores municipais às mudanças pretendidas pelo gestor

estadual resultou na intervenção direta do governo estadual na eleição do COSEMS,

redundando numa condução monolítica do processo de implementação da política

estadual de saúde e no mascaramento do conflito na instância de negociação formal

(CIB). A negociação do conflito distributivo passou a se realizar sob formas

diferentes das anteriores, com a organização de espaços informais pelos municípios

alijados do pacto dominante (movimento das cidades-pólo) e a negociação em

separado de município de alto peso político ou assistencial.

O processo da PPI desencadeado pelo gestor estadual se inseriu numa

estratégia mais ampla de retomada de prerrogativas alocativas perdidas no decorrer

do processo de descentralização. Esse redirecionamento de sua estratégia envolveu

o apelo direto aos prefeitos municipais, via organização de Consórcios

Intermunicipais de Saúde, eleito naquele período como instância microrregional

privilegiada de coordenação do planejamento da rede de serviços de saúde daquele

nível, criando um by pass sobre as estruturas estatais regionalizadas existentes. Tal

orientação decorreu da desconfiança da equipe dirigente na tecnoburocracia

localizada nas DRS que defendiam um modelo de organização dos serviços e de

implementação do SUS diferenciado, identificado com administrações anteriores da

SES.

Essa reorientação estratégica da direção da SES/MG na sua relação com os

municípios refletiu-se diretamente no funcionamento da Comissão Intergestores

Bipartite e no processo de planejamento de programação do SUS estadual,

resultando em intenso conflito entre diversos atores situados no interior do

subsistema de políticas e na sua extrapolação para fora dos limites da capacidade

de resolução no âmbito da CIB; o que redundou no seu transbordamento para

outras áreas do sistema político. Essa extrapolação do conflito redistributivo

suscitado pela PPI para outras instâncias de resolução institucional de conflitos,

como a Assembléia Legislativa, demostra a ineficiência dos mecanismos de gestão

intergovernamental existentes à época para tratar e equacionar as questões

litigiosas no âmbito do próprio setor saúde. A existência de um bloco hegemônico na

composição da CIB-MG, alicerçado numa identidade de interesses entre a

representação municipal (COSEMS-MG) e a direção da SES-MG, neutralizou a

Page 154: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

155

instância formal de negociação como instrumento com capacidade para promover

um tratamento eficaz do conflito distributivo, como já se verificara em outros

momentos de seu funcionamento. A ineficácia relativa dos mecanismos de GIG

utilizados na negociação dos recursos de financiamento envolvidos na PPI poderia

ser explicada pela fragmentação da sub-rede intergovernamental estadual, marcada

por insuficiência dos mecanismos de comunicação entre os gestores e pela

ineficácia da resolução do conflito redistributivo na instância de negociação formal

(CIB-MG).

Page 155: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

156

8 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Uma limitação inerente aos estudos de caso é a impossibilidade de amplas

generalizações de seus resultados a outras situações.

Uma análise ampla dos mecanismos utilizados pelos atores sociais na gestão

do SUS, em especial na negociação dos conflitos distributivos resultantes de suas

formas de financiamento, exigiria pesquisa de maior fôlego do que a que ora

apresentamos.

A complexidade da organização do SUS, pelo grande número de instituições

e atores sociais envolvidos na sua gestão, e pelas diversas idas e vindas no seu

processo de implementação, o que se reflete diretamente na intrincada estrutura dos

critérios e mecanismos de financiamento e de gestão, oferecem para o pesquisador

uma dificuldade especial em abarcar a maioria dos seus aspectos relevantes,

quando interessado na dimensão administrativa do sistema.

A limitação do objeto desta pesquisa à programação orçamentária dos

recursos federais do SUS de um único estado também representa uma restrição

importante. As diversidades regionais são marcantes no país, principalmente com

respeito a um tema que se articula estreitamente com as práticas políticas e os

diferentes estágios de implementação do SUS, e com as formas em que se

estruturam a organização e a administração dos estados federados.

Finalmente, o viés resultante do fato do autor da Dissertação ser membro,

ainda que secundário, deste subsistema de políticas, o que foi plenamente assumido

já no início deste trabalho (vide capítulo “Metodologia”), traz limitações significativas,

que cumpre aqui reconhecer. Na tentativa de contornar tal limitação metodológica,

procurou-se, a todo momento, dar voz aos entrevistados, permitindo ao leitor

verificar diretamente, pelo menos em parte, as diferentes visões, ao se inserir alguns

discursos significativos ao texto da dissertação. Procurou-se também confrontar,

tanto quanto possível, os posicionamentos discrepantes ou contraditórios.

Page 156: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

157

9 RECOMENDAÇÕES DE NOVOS ESTUDOS:

A partir dos resultados da pesquisa e frente às limitações verificadas no

presente estudo, pode-se apresentar algumas recomendações para novas

pesquisas na área, com a utilização do marco conceitual da gestão

intergovernamental.

Em primeiro lugar, seria oportuno verificar como se dá a estruturação e

funcionamento das sub-redes estaduais nos demais estados federados,

empreendendo-se estudos de caráter comparativo, verificando os mecanismos de

GIG utilizados e suas diferentes configurações e sua relação com o processo político

e técnico específico de cada estado/região do país, bem como com os diferentes

graus de implementação do SUS.

Além disso, estudos específicos sobre a sub-rede federal poderiam clarear

melhor os mecanismos utilizados naquele nível, sendo que, no presente estudo,

aparecem como achados quase casuais das entrevistas. Para os atores envolvidos

na arena federal, a PPI do estado de Minas Gerais se insere num processo muito

mais amplo, cuja significação específica é pequena em relação aos movimentos

maiores verificados naquele espaço de conflito/negociação. Daí a dificuldade da

maioria deles em focalizar seu discurso no episódio específico de interesse deste

estudo de caso, o que os levou a introduzir necessariamente uma discussão sobre

esse processo mais amplo ou sobre a conjuntura que os angustiava no momento

das entrevistas.

Por fim, o viés resultante de pertencer o autor da Dissertação ao subsistema

de políticas poderia ser contornado com a realização de pesquisas semelhantes por

outros agentes mais distanciados do conflito setorial.

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14

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :

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7 ARRETCHE, M. T. S. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 11, n. 31, p. 45-66, jun. 1996.

8 BRASIL, LEGISLAÇÃO FEDERAL. Lei n°. 8080, de 19 de setembro de 1990.

9 BRASIL, LEGISLAÇÃO FEDERAL. Lei n°. 8142, de 28 de dezembro de 1990.

10 BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria MS n°. 545, de 20 de maio de 1993.

11 BRASIL, Ministério da Saúde. Descentralização das ações e serviços de saúd : a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Brasília: Ministério da Saúde, 1993.

Page 158: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

15

12 BRASIL, Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde/NOB 01-SUS 96, Brasília: Diário Oficial da União de 6 de novembro de 1996.

13 CAMPOS, G. W. S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas - o caso da saúde. In: CECÍLIO , L.C.O. (Org.) Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Editora HUCITEC, 1994.

14 CAMPOS, G. W. S. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo: HUCITEC, 1992.

15 CARRILLO, E. Seminário sobre relaciones intergubernamentales y la gestion intergubernamental, Madrid, Universidad Complutense de Madrid. (inédito), apud MUNIZ, R.M. El nuevo pacto federativo y la gestión intergubernamental : notas para un nuevo campo de investigación en Brasil . Belo Horizonte: CEPEAD/UFMG, dez. 1997. (Série "Ensaio de Administração - Texto 007).

16 CARVALHO, G. C. O caos no financiamento da saúde ... no fundo do poço. In: Conferência Nacional de Saúde, 9ª., Brasília, 1992. Cadernos da Nona. Brasília, Grupo de Trabalho Técnico da Comissão Organizadora, v.1, p.61-72, 1992.

17 CASTRO, J. D. et al. Análise da distribuição de recursos financeiros para a assistência à saúde no Brasil e Rio Grande do Sul e proposta de operacionalização dos critérios para sua distribuição. Porto Alegre, s.n.t.

18 COSER, L. A. Conflito. In: Dicionário do pensamento social do Século XX. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1996.

19 CROZIER, M. O fenômeno burocrático: ensaio sobre as tendências burocráticas dos sistemas de organização modernos e suas relações, na França, com o sistema social e cultural. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

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22 FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

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16

23 FLEURY TEIXEIRA, S. (Org.) Reforma sanitária: em busca de uma teoria . São Paulo: CORTEZ, Rio de Janeiro: ABRASCO, 1989 (Pensamento social e saúde; n. 3).

24 GALLO, E., NASCIMENTO, P. C. Hegemonia, bloco histórico e movimento sanitário. In: FLEURY TEIXEIRA, S. (Org.) Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: CORTEZ; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1989 (Pensamento social e saúde; 3).

25 GLASSER, B., STRAUSS, A. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research. New York: Aldine, 1967.

26 GUERREIRO RAMOS, A. Administração e contexto brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 1983.

27 JUNQUEIRA, L. P. A descentralização e a reforma do aparato estatal em saúde. In: CANESQUI, A.M. (Org.) Ciências sociais e saúde. São Paulo: Editora HUCITEC/ABRASCO, 1997.

28 KLIKSBERG, B. Como modernizar el Estado para el desarrollo social: elementos para la reflexión. Disponível: em <http://www.cidi.oas.org/educ40anivKliksb.htm> Acesso em: 25 de Novembro de 1999.

29 LAO TSÉ. Tao Te King: o livro do Tao e sua virtude: versão integral e comentários. Trad. Marcos Martinho dos Santos. São Paulo: Attar, 1995.

30 LEVCOVITZ, E. Transição x consolidação: o dilema estratégico da construção do SUS: um estudo sobre as reformas da política nacional de saúde, 1974/1996. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da UERJ, 1997. (Tese, Doutorado em Saúde Coletiva).

31 LIMA, L. D. O processo de implementação de novas estruturas gestoras no Sistema Único de Saúde: um estudo das relações intergovernamentais na CIB do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da UERJ, 1999, 183 p. (Dissertação, Mestrado em Saúde Coletiva).

32 LOBO, T. Descentralização, uma alternativa de mudança. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, jan./mar. 1988.

33 LOIOLA, E., MOURA, S. Análise de redes: uma contribuição aos estudos

organizacionais. In: FISCHER, T. (Org.) Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997.

Page 160: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

17

34 LOWY, J. American business, public policy, case-studies and political theory. World Politics, v. 16, p.677-715, 1964.

35 MATUS, C. Política, planejamento & governo. Brasília: IPEA, 1993.

36 MEDICI, A. C. Economia e financiamento do setor saúde no Brasil : balanços e perspectivas do processo de descentralização. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública/USP, 1994. (AD SAÚDE, Serie Temática - n°3).

37 MEDICI, A. C. Saúde: modelos de gestão descentralizada - alternativas para o Brasil. In: VELLOSO, J. P. R.; ALBUQUERQUE, R.C. e KNOOP, J. (Coords.). Políticas sociais no Brasil: descentralização, eficiência e eqüidade. Rio de Janeiro: INAE / ILDES, 1995, p. 91-148.

38 MENDES, E. V. (Org.) Distrito Sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1993.

39 MENDES, E. V. Uma agenda para a saúde. São Paulo: HUCITEC, 1996.

40 MILWARD, H. , WASNSLEY, G. Policy subsistems, networks and tools of public management. In: EYESTONE, R. (Ed.) Public Policy Formation. Greenwich: Jai Press, 1984.

41 MUNIZ, R. M. Reforma del estado em América Latina: descentralización o decadencia del Estado-Nación? In: MERINO HUERTA, M (Org) Cambio político y governabilidad, Mexico: CONACYT, 1992.

42 MUNIZ, R. M. Relaciones Intergubernamentales y politica de medio ambiente en Brasil: un enfoque de gestión intergubernamental. Madrid: Universidad Complutense,1998 (Tese, Doutorado em Ciência Política e Administração).

43 MUNIZ, R. M. El nuevo pacto federativo y la gestión intergubernamental: notas para un nuevo campo de investigación en Brasil. Belo Horizonte: CEPEAD / UFMG, dez. 1997.(Série Ensaio de Administração, Texto 007).

44 OLIVEIRA Jr, M. Problemas atuais e propostas para a revisão do financiamento do Sistema Único de Saúde no Brasil. In: Conferência Nacional de Saúde, 9ª., Brasília, 1992. Cadernos da Nona. Brasília, Grupo de Trabalho Técnico da Comissão Organizadora, v. 2,1992, p.77-98.

45 OLIVEIRA Jr, M. O financiamento do Sistema Único de Saúde no Brasil. In: OLIVEIRA Jr., TONON, L.M. e CAMPOS, F.E. Planejamento e gestão em saúde, Cadernos de Saúde. Belo Horizonte: COOPMED, 1998, v.1.

Page 161: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

18

46 PASQUINO, G. Conflito. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI e PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1995.

47 ROSE, R. Understanding big government, Londres: SAGE, 1984, apud AGRANOFF, R. Marco para el analisis comparado de las relaciones intergubernamentales. In: MERINO HUERTA, M. (Org.). Cambio político y governabilidad, Mexico: CONACYT, 1992.

48 RUBIEN, H. The meshing organizaction as a catalystic for municipal coordination. Administration and Society, v. 16, p. 217-20; ago., 1984 apud AGRANOFF, R. Marco para el analisis comparado de las relaciones intergubernamentales. In: MERINO HUERTA, M (Org.). Cambio político y governabilidad, Mexico: CONACYT, 1992.

49 RUQUOY, D. Situação de entrevista e estratégia do entrevistador. In: ALBARELLO, L., DIGNEFFE, F., HIERNAUX, J.-P., MAROY, C. et al. Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997.

50 SCOTTI, R. F. Informações sobre a NOB-96: um novo modelo de gestão do SUS, 1996 (mimeogr.).

51 MINAS GERAIS, Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência Operacional de Saúde. Programação Pactuada e Integrada – PPI-1997- Componente Ambulatorial e Hospitalar: Síntese do Relatório Final. Belo Horizonte, 1998.

52 STRALEN, C. J. van The struggle over a national health care system: the movimento sanitário and health policy-making in Brazil. Utrech: Universiteit van Utrecht, 1996 (Tese, Doutorado em Sociologia e Política).

53 TAVARES DE ALMEIDA, M. H. Federalismo e políticas sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.10, n. 28, Rio de Janeiro: ANPOCS, jun. 1995.

54 THIOLLENT, M. J. M. Crítica metodológica, investigação social & enquete operária. São Paulo: Polis, 1981.

55 VAN METER, S., VAN HORN, C. E. El proceso de implementación de las políticas. Un marco conceptual. In: La implementación de la politica. VILLANUEVA, L. F. A. (Org.) ED. PORRUA: México: PORRUA, 1996.

56 VIANNA, S. M., PIOLA, S. F., GUERRA, A. J., CAMARGO, S. F. O financiamento da descentralização dos serviços de saúde: critérios para transferências de recursos federais para estados e municípios. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde, 1990.

Page 162: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

19

57 WOLFF, K. H. Controle social. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.

58 WRIGHT, D.S. Para entender las relaciones intergubernamentales. Mexico: Fundo de Cultura Económica, 1997.

Page 163: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

20

11 ANEXOS

Page 164: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

21

PESQUISA “GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE : A PROGRAMAÇÃO PACTUADA E INTEGRADA

(PPI) DO SUS-MG, 1997-98”

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Identificação:

1.1. Nome.

1.2. formação profissional.

1.3. órgão público ao qual está formalmente vinculado.

1.4. estatuto jurídico deste órgão.

1.5. órgão público ao qual está funcionalmente vinculado; vinculação à época da

PPI 97/98.

1.6. estatuto jurídico deste órgão.

1.7. relação deste órgão com o processo de programação.

1.8. cargos públicos ocupados anteriormente).

1.9. tempo de experiência na área de saúde.

2. Participação anterior em processos de programação; papel que desempenhou

nestes processos.

3. Histórico do processo da PPI:

3.1. Antecedentes históricos.

3.2. Motivos que induziram à sua realização.

3.3. Problemas e questões que a PPI buscava resolver.

3.4. Articulação com outros processos de programação dos outros órgãos

(Ministério da Saúde, Prefeituras, etc.).

3.5. Relação da PPI com o processo de normalização da descentralização do

SUS (NOBs).

4. Objetivos que identifica na PPI.

5. Atores com que mais se relacionou durante o processo da PPI; motivos dos

contatos.

• A que órgão públicos pertenciam?

• Os atores envolvidos no processo já se conheciam anteriormente? Isto repercutiu

sobre o andamento dos trabalhos?

• Os contatos com estes atores eram formais ou informais?

Page 165: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

22

• Como se davam estes contatos?

• Qual sua periodicidade?

• Eram frutíferos?

6. Havia outros atores ou órgãos envolvidos no processo que você não se

relacionava? Por que?

7. Houve atores intencionalmente excluídos do processo da PPI? Quais? Que

motivos justificariam esta exclusão?

8. Houve atores que foram agregados durante o processo da PPI? Que

mecanismos foram utilizados para sua incorporação?

9. Quais as estratégias dos diversos atores que você poderia identificar no processo

da PPI? Houve mudanças destas estratégias?

10. Há atores envolvidos na PPI com os quais você ainda se relaciona? Através de

que meios? Com quais finalidades?

11. Você teve interferência direta em algum momento chave do processo? Algum

outro ator teve?

12. Conflitos existentes no decorrer do processo da PPI; motivos dos conflitos;

soluções encontradas para sua resolução.

13. Os municípios se portaram uniformemente frente à proposta da PPI elaborada

pelo Estado de Minas Gerais?

14. Que movimentos foram realizados por eles? Como eles se deram? Houve

resultados importantes nestas mobilizações?

15. Houve alguma posição divergente que você assumiu em algum momento em

relação ao processo da PPI? Divergia em relação a quais outras?

16. Que outros atores manifestaram posições divergentes durante o processo?

17. Qual o papel da CIB no processo da PPI e como ela se postou frente às questões

suscitadas pela PPI?

18. Houve alguma estratégia adotada por algum órgão ou conjunto de atores no

sentido de garantir algum consenso sobre o processo?

19. Qual o papel do COSEMS/MG no processo da PPI? E do CONASS?

20. Houve participação do Conselho Estadual de Saúde? E do SINDSAÚDE?

21. Historie o processo de funcionamento da CIB desde sua criação.

22. A CIT teve algum papel relevante na PPI? Qual?

23. Que outras áreas do Ministério da Saúde interferiram no processo da PPI?

Como?

Page 166: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

23

24. Em outros estados, como se deu o processo da PPI? Foi um processo

homogêneo? Comente?

25. Como se deu a aprovação dos tetos da PPI no Ministério da Saúde?

26. Que tipos de conflitos externos ao sistema de saúde a PPI suscitou?

27. Que tipo de perspectiva você antevê para o processo de planejamento do SUS e

das programações (distribuição dos recursos federais, estaduais e municipais)?

Page 167: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS
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25

PLANILHA ELETRÓNICA DA PPI

D E M O N S T R A T I V O A N A L Í T I C O D E P R O D U Ç Ã O / P R O G R A M A Ç Ã O F Í S I C O - O R Ç A M E N T Á R I A - S M Ó D U L O S E M E S T R A L : A P F O 1 º S E M 9 7 M E T A F ÍS IC O -O R Ç A M E N T Á R IA 9 7 / 9 8 ( A N U A L ) P O P U L A Ç Ã O R E F E R E N C I A D A E /O U A J U S T E D E C A P A C I D A D E I N S T A L A D A P O R G R U P O

E S T A D O : M I N A S G E R A I S R E F E R E N C IA ( + ) A J U S T E ( - ) A J U S T E ( - ) R E F E R E N C IA ( + )

D I R E T O R I A R E G I O N A L S A Ú D E : M . N U C L E A R T E R A P IA R E N A L S U B S T A T .M É D

M I C R O R E G I Ã O / C O N S Ó R C I O : U L T R A -S O M R A D IO T E R A P IA A T .M É

M U N I C Í P I O : B E T IM O U T R O S E X . IM A G . Q U IM IO T E R A P IA A T E N D

P O P U L A Ç Ã O : ( P P I ) E X . H E M O D IN Â M . O U T R A S T . E S P .(s e m H e m o te r) R A

( P R O G . P A C T U A D A IN T E G R A D A ) O U T R O S E X . E S P E C . O U T R A S T .E S P .( H e m o te ra p ia ) P

= > P R O J E Ç Ã O : C O N S U L T A ( 2 ,2 ) + O D O N T O L . ( 3 ) P R O G R A M A Ç Ã O F ÍS IC O -O R Ç A M E N T Á R IA A N U A L - 9 7 / 9 8

D A D O S D E A P F O / S I A - S U S 1 º S E M E S T R E 9 7 P A R Â M E T R O S A S S IS T E N C IA IS / C O N D IÇ Õ E S F IN A N C E IR A S N O B 9 6G R U P O S D E %

P R O C E D I M E N T O S P R O G R A M A D O R E A L IZ A D O C U S T O D IF E R E N Ç A P G M E T A F Í S I C A M E T A O R Ç A M E N T Á R I A F ÍS IC O

F ÍS IC O A P R O V A D O A P R O V A D O B .D .P . 9 7 / 9 8 9 7 / 9 8 N . C o m p le x id a d e T O T A L

1 - A .V .E .I.A .N .M . 0 0

2 - A T E N D IM E N T O M É D IC O - C O N S U L T A S 0 0

2 .1 - C O N S U L T A S B Á S IC A S 0 0

2 .2 - C O N S U L T A S E S P E C IA L IZ A D A S + U R G . / E M E R G Ê N C IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

3 - A T E N D IM E N T O M É D IC O - P R O C E D IM E N T O S 0 0

3 .1 - P R O C E D IM E N T O S B Á S IC O S 0 0

3 .2 - P R O C E D IM E N T O S E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

4 - A S S IS T .F A R M A C E U T IC A - M e d ic .E xc e p c ion a is 0 0 0

5 - A T .O D O N T O L Ó G IC O - P R O C E D IM E N T O S 0 0

5 .1 - P R O C E D IM E N T O S B Á S IC O S 0 0

5 .2 - P R O C E D IM E N T O S E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

6 - R A D IO D IA G N Ó S T IC O 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

7 - M E D IC IN A N U C L E A R 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

8 - U L T R A -S O N O G R A F IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

9 - O U T R O S E X . IM A G E N O L O G IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

1 0 - P A T O L O G IA C L ÍN IC A 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

1 1 - E X . H E M O D IN Â M IC O S 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0

1 2 - O U T R O S E X . E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

1 3 - T E R A P IA R E N A L S U B S T IT U T IV A 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0

1 4 - R A D IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0

1 5 - Q U IM IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0

1 6 - F IS IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

1 7 - O U T R A S T E R A P IA S E S P E C IA L IZ A D A S 0 0

1 7 .1 - O U T R A S T E R . E S P E C IA L . ( E X C E T O H E M O T E R A P IA ) 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0

1 7 .2 - O U T R A S T E R . E S P E C IA L IZ A D A S ( H E M O T E R A P IA ) 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0

1 8 - P R Ó T E S E - Ó R T E S E S (e xc e to m e d ic a m e n to s ) 0 0 0

I - A S S IS T Ê N C IA B Á S IC A

P IS O A S S IS T E N C IA L B Á S IC O - P A B 0 0

F A T O R D E A J U S T E D O P A B - F A / P A B N ív e l E s ta d u a l IN C E N T IV O P R O G .S A Ú D E F A M ÍL IA - P S F N ív e l E s ta d u a l 0

IN C E N T IV O P R O G .A G .C O M U N .S A Ú D E - P A C S N ív e l E s ta d u a l 0

IN C E N T IV O C O N S Ó R C IO S D E S A Ú D E - C S N ív e l E s ta d u a l 0

I I - F R A Ç Ã O A S S IS T . E S P E C IA L IZ A D A - F A E

T R A T A M E N T O F O R A D E D O M IC ÍL IO - T F D 0 N ív e l E s ta d u a l 0

P R O C E D IM E N T O S D E M É D IA C O M P L E X ID A D E

I I I - A L T A C O M P L E X ID A D E - A _ C

A Ç Õ E S D E V IG IL Â N C IA S A N IT Á R IA

A Ç Õ E S D E V IG IL . E P ID E M IO L Ó G IC A

Page 169: Gestão Intergovernamental no Financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS

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