gestÃo da escola

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Organizao e Gesto da escola Teoria e Prtica Jos Carlos Libneo Os estudos atuais sobre o sistema escolar e as polticas educacionais tm colocado a escola, enquanto organizao, co mo referncia para a realizao dos objetivos e metas dos sistema educativo. Nesse sentido, ela vista como um ambiente educativo, como espao de formao construdo pelos seus componentes, um lugar em que os profissionais podem decidir sobre seu trabalho e aprender mais sobre sua profisso. Essa forma de ver a dinmica da vida da escola leva a considerar a organizao escolar como um_ organismo aberto, cuja estrutura e processos de organizao e gesto so constantemente construdos pelos que nela trabalham (diretores, coordenadores, pedagogos, professores e funcionrios) e pelos seus usurios (alunos, pais, comunidade prxima). Faz-se necessrio, portanto, que esses educadores desenvolvam uma das competncias profissionais bsicas: participar na gesto e organizao da escola, desempenhando um papel ativo nas decises pedaggico-didticas, organizacionais, administrativas. Para isso, precisam conhecer bem as polticas educacionais, os objetivos e as formas de organizao e funcionamento de uma escola, bem como desenvolver competncias para trabalhar em equipe, cooperar com outros profissionais, aprender a ter uma atitude investigativa. Essa qualificao terica e prtica possibilitar no apenas o exerccio da participao mas, tambm, a anlise da prtica que levar a aprender idias, saberes, experincias, na prpria situao de trabalho, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e

profissional. para isso que este livro pretende contribuir. A ordenao dos captulos foi pensada no sentido de familiarizar os estudantes nos conhecimentos bsicos do processo organizacional das escolas e nos conhecimentos tericos e prticos necessrios para a participao consciente e ativa nas aes de organizao e gesto da escola. O AUTOR Jos Carlos Libneo doutor em Filosofia e Histria da Educao pela PUC de So Paulo. Nasceu em Angatuba, Estado de So Paulo, em 1945. Formou-se em Filosofia na PUC de So Paulo, onde tambm obteve os ttulos de mestre e doutor. Foi diretor de escola, desempenhou atividades nas Secretarias de Educao de So Paulo e Gois, ensinou em vrias instituies de ensino superior, tendo sido professor da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Gois durante 20 anos. H muitos anos trabalha com formao de professores. Atualmente Professor Titular da Universidade Catlica de Gois. Publicou cinco livros: Acelerao Escolar - Estudos sobre educao de adolescentes e adultos (1976), Democratizao da escola pblica - A pedagogia crtico-social dos contedos (Editora Loyola, 1 a edio em 1985, atualmente nas 17a edio), Didtica (1 a edio em 1990, atualmente na 20a edio), Adeus professor, adeus professora? - Novas exigncias educacionais e profisso doscente (4 edio) e Pedagogia e pedagogos, para qu? (2 edio), os trs ltimos publicados pela Editora Cortez. Tambm escreveu dez captulos de livros em co-autoria e diversos artigos em revistas especializadas.

Para os diretores de escola, coordenadores pedaggicos, orientadores educacionais, professores que, entre tantas dificuldades que afligem a escola pblica, sempre recobram o nimo, se enchem de energia e de esperana, sabendo que o saber organizar e gerir sua escola, com determinao, energia e dilogo, produz um diferencial visvel nas condies concretas pelas quais se pode garantir uma slida formao de cidados, de profissionais, de usurios das mdias, de consumidores, de interlocutores sociais, para uma sociedade que requer cada vez mais sujeitos capazes de lidar com o conhecimento e que precisa ser muito mais includente do que tem sido. Para Maria Augusta de Oliveira, amiga e companheira de trabalho h muitos anos, cujo conhecimento prticoterico sobre aqueles fazeres pedaggicos tem ajudado outras e outros a compreenderem que no possvel saber o que fazer sem saber o como fazer. SUMRIO Apresentao 9 Captulo I - A escola como organizao de trabalho e lugar de aprendizagem do professor 17 Captulo II - Uma escola para novos tempos 31 Captulo III - Buscando a qualidade social do ensino 51 Captulo IV - O professor e a construo da sua identidade profissional 61 Captulo V - Os conceitos de organizao, gesto, participao e cultura organizacional 73 Captulo VI - O sistema de organizao e gesto da escola 93

Captulo VII - Princpios e caractersticas da gesto escolar participativa 109 Captulo VIII - O planejamento escolar e o projeto pedaggico-curricular 121 Captulo IX - Organizao geral do trabalho escolar 171 Captulo X - As atividades de direo e coordenao 177 Captulo XI - A formao continuada 187 Captulo XII - Avaliao de sistemas escolares e de escolas 197 Captulo XIII - Estratgias de coordenao do trabalho escolar e de participao na gesto da escola 221 Bibliografia - 243 Anexos - 249 Apresentao Este livro destina-se ao estudo da escola como instituio bsica do sistema escolar e lugar de trabalho do professor. Foi escrito para ajudar os professores a conhecerem a estrutura e a organizao das escolas e as condies de seu exerccio profissional. Os captulos desta publicao foram organizados a partir de textos didticos provisrios, roteiros e notas de aulas, resenhas de livros, elaborados quando o autor ministrava, na Faculdade de Educao da Universidade Federal de Gois, a disciplina Organizao do Trabalho Pedaggico. Esse material foi reunido e reorganizado com base em novas pesquisas e leituras de obras recentes sobre o assunto. necessrio, entretanto, alertar os leitores de que muitas das idias e opinies aqui lanadas permanecem como objeto de investigao, pedindolhes que compartilhem com o autor as muitas indagaes e dvidas e que sejam tambm produtores de conhecimento. Estou de acordo com uma professora que disse assim:

"entre a teoria de um autor que queremos assumir, e a prtica que queremos transformar com essa teoria, existe a nossa teoria" (in Christov, 1998). Tem sido divulgada boa bibliografia sobre organizao e gesto dos sistemas de ensino. Tais estudos realizam anlises bastante abalizadas sobre as formas de organizao e gesto da educao neste momento de reestruturao produtiva capitalista, globalizao 10 da economia, avanos tecnolgicos, em que as polticas econmicas, sociais, educacionais so levadas a se ajustar ao modelo de desenvolvimento capitalista que ora se consolida. O impacto das transformaes nos sistemas de ensino e nas escolas direto: alterao no perfil de formao geral e profissional dos alunos, mudanas nos currculos e nas formas de gesto da escola, reavaliao das funes e responsabilidades do professorado, formas de participao das famlias etc. Ou seja, junto com a reestruturao produtiva vm as reformas educacionais, pois h suficiente base histrica para sabermos que reajustes na realidade econmica e produtiva incidem em alteraes no mbito social, cultural e at pessoal. No nos passa, pois, desapercebido o impacto dessas mudanas, especialmente o recondicionamento das escolas ao intentos do capitalismo internacional e dos interesses financeiros. Trata-se, de fato, de implantar polticas educacionais que subordinam o processo formativo aos interesses dos mercados e ao Estado gestor. No entanto, parece-nos crucial entender que, se por um lado, absolutamente imprescindvel denunciar essa formas de refuncionalizao da escola, por outro, no se

pode reduzir a importncia das escolas, pois elas continuam tendo uma funo social insubstituvel de formar os indivduos para uma vida digna e para a compreenso e transformao da realidade. Ou seja, as foras progressistas da sociedade que continuam lutando por justia, igualdade, condies e oportunidades iguais para toda a populao, precisam lutar pela escola, buscando formas eficazes de desenvolv-la e coloc-la a servio dos interesses de toda a coletividade. Enfrentar os problemas e dilemas reais do cotidiano das escolas e dos professores talvez seja uma empreitada bem mais penosa do que fazer a denncia dessa refuncionalizao das escolas a servio dos interesses das elites econmicas e financeiras. Na verdade, os educadores defrontam-se diariamente com decises que precisam ser tomadas, orientaes a serem dadas, no podendo contentar-se apenas em fazer a crtica da situao. As escolas so organizaes educativas que tm tarefas sociais e ticas peculiares, 11 com um carter profundamente democrtico. Para atingir seus objetivos scio-polticos, precisam dispor de meios operacionais, isto , criar e desenvolver uma estrutura organizacional (setores, cargos, atribuies, normas), uma tecnologia, uma cultura organizacional, processos de gesto e tomada de decises, assim como a anlise dos resultados que contribuem para o processo formativo e para o aperfeioamento da gesto. Este livro quer contribuir, portanto, para o enfrentamento de importantes decises dentro da escola,

inclusive sobre estratgias de ao indicadas nos documentos oficiais e das agncias financeiras internacionais tipo Banco Mundial, como a autonomia da escola, a gesto, o planejamento, a avaliao de sistemas, a descentralizao, a profissionalizao dos professores. Acreditamos que h formas de se buscar autonomia, sem ser uma autonomia imposta. Que se pode fazer o projeto pedaggico sem que ele represente uma forma de domesticar os professores. Que se pode ter uma avaliao do sistema escolar e dos alunos que orientem mudanas na qualidade das aprendizagens escolares, sem que isso signifique controle do trabalho dos professores ou punio de escolas ineficientes. Que se pode pensar na profissionalidade dos professores e na melhoria do seu desempenho profissional, assumindo que, de fato, so postos novos desafios s tarefas da docncia. Uma coisa certa: as escolas esto a, nela que esto matriculados os filhos das camadas mdias e pobres da populao, e questo de justia que elas atendam, do melhor modo possvel, aos direitos de todos de uma educao de boa qualidade, apta a preparar os alunos para a empregabilidade, tocar suas vidas, participar da vida poltica e cultural, poder ganhar capacidade reflexiva para atuar e transformar a realidade social. Os educadores comprometidos com a transformao social precisam dispor de conhecimentos para repensar formas de funcionamento das escolas, de desenvolvimento da profissionalizao e profissionalidade, de participao da comunidade escolar (professores, pais e alunos), de avaliao etc. que considerem ao mesmo tempo a realidade scio-econmica 12

e cultural em que se insere a escola e os professores e as condies concretas dentro da escola e da sala de aula que garantem a justia social do ponto de vista da escolarizao. verdade que faltam coordenadas sociais, polticos, econmicas, educacionais mais claras de um projeto poltico progressista, mas os educadores que atuam na linha de frente do sistema escolar no podem esperar, porque a cada manh, a cada tarde e a cada noite, os alunos e as alunas esto chegando para mais uma jornada de aulas, junto com seus professores e professoras. Em funo disso, na formao de professores importante o conhecimento da estrutura, da organizao e da gesto do sistema educacional e das escolas. No currculo do curso de Pedagogia e dos cursos de Licenciatura, o estudo do sistema educacional tem sido feito na disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino, a qual, em alguns lugares, vem sendo substituda por Polticas educacionais e gesto da educao. Essas disciplinas estudam temas da educao sob um enfoque mais geral: as polticos educacionais, os planos de educao, a estrutura organizacional do sistema escolar, as relaes entre educao e sociedade etc. Todavia, este livro contempla mais diretamente o estudo da organizao e da gesto por dentro da escola. Pretende, assim, oferecer contedos para disciplinas que aparecem nos currculos, principalmente no curso de Pedagogia, sob vrias denominaes: Administrao Escolar, Organizao Escolar, Organizao do Trabalho Escolar, Organizao do Trabalho Pedaggico, Educao Escolar. Essas disciplinas tm, em comum, os princpios, mtodos e procedimentos relacionados com o processo de trabalho na escola, as

formas de gesto e de tomada de decises, as relaes internas entre os integrantes da escola, as relaes da escola com a comunidade e a sociedade. A elaborao deste livro teve a pretenso de oferecer o contedo bsico dessas disciplinas que visam o estudo da escola. Em razo disso, a educao escolar ser abordada sob estes enfoques: a organizao da escola, o sistema de gesto, o processo 13 de tomada de decises, as formas de participao do professor nos processos de organizao e gesto. Tem-se como pressuposto a crena de que a escola o centro de referncia tanto das polticas e planos da educao escolar quanto dos processos de ensino e aprendizagem na sala de aula e de que de nada adiantaro boas polticos e planos de ao e eficazes estruturas organizacionais se no se der ateno aos aspectos internos da escola, isto , objetivos, estrutura e dinmica organizacional, relaes humanas, prticas formativas, procedimentos de avaliao, visando a qualidade cognitiva e operativa da aprendizagem dos alunos. Ainda que o contedo aqui apresentado recaia sobre a escola enquanto organizao, ser sempre necessrio abordar as situaes e os problemas da organizao escolar nos seus aspectos internos e externos, isto , nas relaes entre o infra-escolar e o extra-escolar, entre a micro e a macro-estrutura. De acordo com esse entendimento, os objetivos e prticas escolares no se limitam ao espao escolar, s suas condies internas de funcionamento. Eles dependem, tambm, das condies externas, isto , dos fatores econmicos, sociais e

polticos, das expectativas e interesses sociais dos grupos e classes sociais, das vrias culturas que atravessam a escola, dos condicionantes impostos por valores morais e ideolgicos, das polticos educacionais e diretrizes oficiais para o sistema escolar; das condies materiais de vida e de trabalho dos professores, alunos, pais. Isso significa que cada situao escolar analisada, cada atividade, cada ocorrncia cotidiana, precisam ser analisadas na sua contextualizao mais ampla. Em termos prticos, nenhum problema da organizao escolar pode ser enfocado isoladamente; antes, deve ser tratado sob mltiplos aspectos, procurando detectar suas caractersticas dominantes em cada momento. Essa forma de ver a dinmica da vida da escola leva a considerar a organizao escolar como uma instituio aberta, cuja estrutura e processos de organizao e gesto so constantemente construdos pelos que nela trabalham (diretor, coordenadores, pedagogos, professores e 14 funcionrios) e pelos seus usurios (alunos, pais, comunidade prxima). Para tanto, necessria a qualificao terica de seus integrantes de modo que todos estejam capacitados a fazer a anlise da prtica e, com isso, aprender idias, saberes, experincias, na prpria situao de trabalho. O estudo da organizao e gesto da escola tem, assim, como objetivos de aprendizagem: Conhecimento da organizao escolar, da sua cultura, das suas relaes de poder, seu modo de funcionamento, seus problemas, bem como as formas de gesto e as

competncias e procedimentos necessrios para participao nas vrias instncias de deciso da instituio escolar. Desenvolvimento de saberes e competncias para fazer anlises de contextos de trabalho, identificar e solucionar problemas (previsveis e imprevisveis) e reinventar prticas frente a situaes novas ou inesperadas, na sala de aula e na organizao escolar. Capacitao para participao no planejamento, organizao e gesto da escola, especialmente no desenvolvimento do projeto pedaggico-curricular, com competncia tcnico-cientfica, sensibilidade tica e compromisso com a democratizao das relaes sociais na instituio escolar e fora dela. Esses objetivos, se atingidos, propiciaro aos futuros professores e aos professores em exerccio ajuda para participarem eficazmente na organizao e gesto da sua escola, dentro da idia-mestra que tem orientado a pesquisa atual sobre o trabalho de professores: realizar o trabalho pedaggico de forma coletiva, interdisciplinar e investigativa, desenvolvendo saberes educacionais a partir de questes vividas na prtica cotidiana. Os captulos foram pensados para familiarizar os estudantes nos conceitos bsicos do processo organizacional das escolas e nos 15 conhecimentos tericos e prticos que podem contribuir para a participao consciente e ativa na organizao e gesto da escola. Os captulos I a IV tratam dos objetivos, das funes e dos critrios de qualidade da instituio escolar e do papel imprescindvel dos

professores. Os captulos V a VII abordam o sistema de organizao e gesto da escola e o papel de seus atores. Os captulos VIII ao XIII oferecem uma orientao prtica, operacional, para o funcionamento das escolas, sempre no sentido de ajudar futuros pedagogos e professores a desenvolverem saberes e competncias para participar das aes de organizao e gesto da escola. Depois dos captulos e anexos, foi includa uma ampla bibliografia sobre os temas tratados, convidando os professores e alunos a saber mais sobre eles e a aprofund-los. Alguns colegas tiveram a generosidade de oferecer idias ou sugestes de alteraes de partes do texto e a eles deixo meu agradecimento: Joo Ferreira de Oliveira, Lana de Souza Cavalcanti, Maria Augusta de Oliveira, Mirza Seabra Toschi, Sandramara Matias Chaves, Selma Garrido Pimenta, Valter Soares Guimares, Verbena M. de Souza Lisita. Por fim, o autor espera que este livro possa trazer uma contribuio eficaz para a formao inicial e continuada de professores nos cursos de Pedagogia, nas Licenciaturas e nas prprias escolas. Jos Carlos Libneo Goinia, janeiro de 2001 C A P T U L O A ESCOLA COMO ORGANIZAO DE TRABALHO E LUGAR DE APRENDIZAGEM DO PROFESSOR CAPTULO - 19 Os estudos recentes sobre o sistema escolar e as polticas educacionais tm se centrado na escola como

unidade bsica e espao de realizao dos objetivos e metas do sistema educativo. O realce da escola como objeto de estudo no se explica apenas pela sua importncia cultural mas, tambm, pelas estratgias de modernizao e de busca de eficcia do sistema educativo. Uma dessas estratgias diz respeito descentralizao do ensino, atribuindo s escolas maior poder de deciso e maior autonomia. por essa razo que as reformas educativas de vrios pases, as propostas curriculares, as leis e resolues sobre o ensino, os projetos de investigao pedaggica, recorrem hoje, cada vez mais, a termos como autonomia, projeto pedaggico, gesto centrada na escola, avaliao institucional. O pedagogo portugus Antnio Nvoa conta que nos anos de 1960-70 as pesquisas em educao se destacaram pela constatao da relao entre o funcionamento dos sistemas escolares e as desigualdades sociais. Foram feitos vrios estudos mostrando os mecanismos pelos quais as escolas produziam desigualdades nas aprendizagens escolares. Aps esse perodo, j por volta dos anos 80, a escola voltou a ter sua importncia social reconhecida. Se, por um lado, ela poderia ser culpabilizada pela discriminao e excluso de alunos provenientes das camadas populares, por outro, ela poderia ser um meio indispensvel de elevao do nvel cultural, de 20 formao para a cidadania e de desenvolvimento de conhecimentos e capacidades para enfrentamento das condies adversas de vida. Com base nesse entendimento, passou-se a valorizar o estudo da escola como ponto de confluncia entre as anlises scio-polticas mais

globais e as abordagens centradas na sala de aula. Ou seja, pensa-se hoje que uma viso globalizada que no chega escola ou uma viso de sala de aula sem referncia estrutura social mais ampla resultam de anlises incompletas e parcializadas. assim que as escolas, enquanto organizaes educativas, ganham dimenso prpria - como um lugar onde tambm se tomam importantes decises educativas, curriculares e pedaggicas (Cf. Nvoa, 1995). H pelo menos duas maneiras de ver a gesto centrada na escola. Conforme o iderio neoliberal, colocar a escola como centro das polticas significa liberar boa parte das responsabilidades do Estado, dentro da lgica do mercado, deixando s comunidades e s escolas a iniciativa de planejar, organizar e avaliar os servios educacionais. Na perspectiva scio-crtica significa valorizar as aes concretas dos profissionais na escola, decorrentes de sua iniciativa, de seus interesses, de suas interaes (autonomia e participao) em funo do interesse pblico dos servios educacionais prestados sem, com isso, desobrigar o Estado de suas responsabilidades. Nessa segunda perspectiva, a escola vista como um ambiente educativo, como espao de formao, construdo pelos seus componentes, um lugar em que os profissionais podem decidir sobre seu trabalho e aprender mais sobre sua profisso. Todas as pessoas que trabalham na escola participam de tarefas educativas, embora no de forma igual. H muitos exemplos de que a organizao da escola funciona como prtica educativa. O estilo de gesto expressa o tipo de objetivos e de relaes humanas que vigoram na instituio.

O atendimento que a secretaria da escola d s mes e aos pais pode ser atencioso ou mal-educado, grosseiro ou delicado, respeitoso ou desrespeitoso. 21 A preparao e distribuio da merenda pelas merendeiras envolvem atitudes e modos de agir que podem influenciar a educao das crianas de forma positiva ou negativa. As reunies pedaggicas coordenadas pelo diretor ou pelo coordenador pedaggico podem ser um espao de participao de professores e pedagogos ou de manifestao do poder pessoal do diretor ou coordenador. A escola pode ser organizada para funcionar "cada um por si", estimulando o isolamento, a solido e a falta de comunicao ou pode estimular o trabalho coletivo, solidrio, negociado, compartilhado. O funcionamento da escola como organizao, as relaes humanas que vigoram nela, as decises dos professores em suas reunies, a cultura que se desenvolve no cotidiano entre professores, alunos e funcionrios, os valores e atitudes que os professores expressam como grupo, tudo isso afeta o trabalho na sala de aula. A percepo e as atitudes da direo e dos professores em relao aos alunos so importantes fatores de sucesso ou insucesso escolar dos alunos. O comportamento dos alunos, suas atitudes, seus modos de agir dependem, em boa parte, daquilo que presenciam e vivenciam no dia-a-dia da escola. Parece claro, portanto, que as caractersticas organizacionais das escolas - tais como o estilo de direo, o grau de responsabilidade dos seus profissionais, a liderana organizacional compartilhada,

a participao coletiva, o currculo, a estabilidade profissional, o nvel de preparo profissional dos professores etc. - so determinantes da sua eficcia e do aproveitamento escolar dos alunos. H, no entanto, uma caracterstica das organizaes escolares sumamente relevante para as prticas de gesto: a cultura 22 organizacional ou cultura da escola. No se compreende o funcionamento da escola apenas pelo que vemos, pelo que aparece mais diretamente nossa observao (as formas de gesto, as reunies, a elaborao do projeto pedaggico e do currculo, as relaes sociais entre os integrantes da escola etc.). H todo um mundo de significados, valores, atitudes, modos de convivncia, formas de agir e resolver problemas, que vo definindo uma cultura prpria de cada escola, e que tende a permanecer oculta, invisvel. A pergunta : haver uma relao entre a organizao da escola, a cultura organizacional e a sala de aula? A resposta sim, as prticas e os comportamentos das pessoas na convivncia diria de uma organizao influem nas prticas e comportamentos dos professores nas salas de aula. Ou seja, a cultura organizacional influencia o pensar e o modo de agir das pessoas que trabalham na escola. Mas, o que faz gerar a cultura organizacional? claro que h nela um papel acentuado do sistema de ensino, da estrutura hierrquica e das vrias instncias e formas de exerccio do poder, das normas oficiais, dos regulamentos, dos costumes j consolidados etc. Mas h, tambm, o papel da subjetividade das pessoas, dos modos como as pessoas pensam e agem, das crenas e valores elas

vo formando ao longo de suas vidas, na famlia, nas relaes sociais, na formao escolar. Ou seja, tambm as pessoas constrem uma cultura organizacional. H, portanto, uma trama de relaes implicadas na escola. Por um lado, a organizao educa os indivduos que a compem; por outro, os prprios indivduos educam a organizao, medida que so eles que a constituem e, no final de contas, a definem com base nos seus valores, prticas, procedimentos, usos e costumes. "Os indivduos e os grupos mudam mudando o prprio contexto em que trabalham" (Amiguinho e Canrio, 1994). importante compreender que por detrs do estilo e das prticas de organizao e gesto, est uma cultura organizacional, ou seja, h uma dimenso cultural que caracteriza cada escola, para alm das prescries administrativas e das rotinas burocrticas. Portanto, para compreendermos as mtuas interferncias entre organizao 23 da escola e organizao da sala de aula, preciso considerarmos, conjuntamente, dois aspectos: a dinmica organizacional e a cultura da organizao escolar. E se estamos convictos de que as organizaes educam, as formas de organizao e gesto tm uma dimenso fortemente pedaggica, de modo que se pode dizer que os profissionais e usurios da escola aprendem com a organizao e as prprias organizaes aprendem, mudando junto com seus profissionais. A participao do professor na organizao e gesto da escola

Pela participao na organizao e gesto do trabalho escolar, os professores podem aprender vrias coisas: tomar decises coletivamente, formular o projeto pedaggico, dividir com os colegas as preocupaes, desenvolver o esprito de solidariedade, assumir coletivamente a responsabilidade pela escola, investir no seu desenvolvimento profissional. Mas, principalmente, aprendem sua profisso. claro que os professores desenvolvem sua profissionalidade primeiro no curso de formao inicial, na sua histria pessoal como aluno, nos estgios etc. Mas imprescindvel ter-se clareza hoje de que os professores aprendem muito compartilhando sua profisso, seus problemas, no contexto de trabalho. no exerccio do trabalho que, de fato, o professor produz sua profissionalidade. Esta hoje a idia-chave do conceito de formao continuada. Colocar a escola como local de aprendizagem da profisso de professor significa entender que na escola que o professor desenvolve os saberes e as competncias do ensinar, mediante um processo ao mesmo tempo individual e coletivo. Internalizar saberes e competncias significa "saber encontrar e pr em prtica respostas apropriadas ao contexto na realizao de atividades de um projeto". Falar de "competncias" no a mesma coisa que falar de "qualificaes". As qualificaes referem-se aquisio de saberes requeridos para o exerccio de uma profisso e confirmao legal 24

dessa aquisio mediante diplomas, certificados etc. As competncias referem-se a conhecimentos, habilidades e atitudes obtidas nas situaes de trabalho, no confronto de experincias, no contexto do exerccio profissional. A competncia profissional a qualificao em ao, so formas de desempenho profissional em que a qualificao se torna eficiente e atualizada nas situaes concretas de trabalho (Canrio, 1997). O sentido de saberes e competncias profissionais no pode ser reduzido a habilidades e destrezas tcnicas, isto , ao saber fazer. No se quer um professor-tcnico cujo conhecimento se restrinja ao domnio das aplicaes do conhecimento cientifico e a regras de atuao. Se a formao de professores se restringisse ao domnio de tcnicas formuladas por especialistas e sua aplicao, no haveria necessidade de um currculo teoricamente consistente e nem preparao em nvel universitrio. A internalizao de saberes e competncias profissionais supe conhecimentos cientficos e uma valorizao de elementos criativos voltados para a arte do ensino, dentro de uma perspectiva crtico-reflexiva. A docncia no estar reduzida a uma atividade meramente tcnica, mas considerada uma prtica intelectual e autnoma, baseada na compreenso da prtica e na transformao dessa prtica. Essa a razo pela qual as escolas se constituem em locais de aprendizagem dos professores e de desenvolvimento profissional. Essa contrastao entre a prtica e os conhecimentos tericos aparece j na formao inicial de professores, atravs do estgio supervisionado mas ocorrer, efetivamente, com no exerccio profissional, pela ao e pela reflexo com seus pares no e sobre seu trabalho cotidiano. na escola

que o professor coloca em prtica suas convices, seu conhecimento da realidade, suas competncias pessoais e profissionais. O professor participa ativamente da organizao do trabalho escolar formando com os demais colegas a equipe de trabalho, aprendendo coletivamente novos saberes e competncias assim como um modo de agir coletivo. O professor 25 um ativo participante de uma comunidade profissional de aprendizagem atuando no seu funcionamento, na sua animao e no seu desenvolvimento. Por outro lado, a estrutura e a dinmica organizacional atuam na produo de suas prticas profissionais. H uma concomitncia entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento organizacional. Uma das funes profissionais bsicas do professor participar ativamente na gesto e organizao da escola contribuindo nas decises de cunho organizativo, administrativo e pedaggico didtico. Para isso, ele precisa conhecer bem os objetivos e o funcionamento de uma escola, dominar e exercer competentemente sua profisso de professor, trabalhar em equipe e cooperar com os outros profissionais. Conhecendo as condies sociais, organizacionais, administrativas e pedaggico-didticas da escola, o professor estar capacitado a tirar proveito das condies j existentes e aprimor-las, ou transformar ou criar outras pela sua iniciativa e iniciativa dos demais membros da escola. Dessa forma, pelo conhecimento terico e pela aquisio de competncias operativas, prticas, pode instrumentalizar-se para influir nas formas de

organizao e gesto na escola e em outras instncias da sociedade das quais participa (por exemplo, organizaes sindicais, cientficas, culturais, comunitrias). O desenvolvimento pessoal e profissional do professor para participar da gesto da escola requer os seguintes saberes, entre outros: Elaborao e execuo do planejamento escolar: projeto pedaggico-curricular, planos de ensino, planos de aula. Organizao e distribuio do espao fsico, qualidade do equipamento fsico das escolas e das condies materiais. Estrutura organizacional e normas regimentais e disciplinares. 26 Habilidades de participao e interveno em reunies de professores, conselho de classe, encontros, e em outras aes de formao continuada no trabalho. Atitudes necessrias participao solidria e responsvel na gesto da escola como cooperao, solidariedade, responsabilidade, respeito mtuo, dilogo. Habilidades para obter informao em vrias fontes, inclusive nos meios de comunicao e informtica. Elaborao e desenvolvimento de projetos de investigao. Princpios e prticas de avaliao institucional e avaliao da aprendizagem dos alunos. Noes sobre financiamento da educao e controles contbeis, assim como formas de participao na utilizao e controle dos recursos financeiros recebidos pela escola. Enfrentando a mudana

O que a mudana? Mudana significa transformao, alterao de uma situao, passagem de um estado a outro. Os educadores enfrentam hoje mudanas profundas nos campos econmico, poltico, cultural, educacional, geogrfico. O ensino tem sido afetado por uma srie de fatores: mudanas nos currculos, na organizao das escolas (formas de gesto, ciclos de escolarizao, concepo de avaliao etc), introduo de novos recursos didticos (televiso, vdeo, computador, Internet), desvalorizao da profisso docente. Isso leva a mudanas na organizao escolar e na identidade profissional de professor, que o conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores que definem a especificidade do trabalho de professor. Na verdade, em toda a nossa vida passamos por mudanas, elas sempre esto acontecendo ao nosso redor - nossa prpria vida muda a cada dia, mudam nossos filhos, nossos amigos, muda 27 a sociedade, mudam os costumes... As escolas precisam organizar-se para promover a mudana na compreenso, atitudes, valores e prticas das pessoas. Precisamos, pois, ter uma atitude positiva frente mudana, reconhecendo que ela faz parte da nossa vida e das instituies, que ela no uma ameaa mas uma oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional. Uma das formas mais eficazes de aprender a enfrentar as mudanas e ir construindo uma nova identidade profissional o desenvolvimento de uma atitude crticoreflexiva, isto , o desenvolvimento da capacidade

reflexiva com base na prpria prtica, de modo a associar o prprio fazer e o processo do pensar. freqente a discusso sobre o que vem primeiro, se a reflexo ou a ao. Os professores modificam suas prticas profissionais porque mudam suas opinies, suas percepes, seus valores ou s modificam suas opinies e valores aps terem sido bem sucedidos numa tcnica ou procedimento? A questo no intil, tanto que as duas idias tm adeptos. Em muitos cursos de formao de professores vigora a idia de que uma boa teoria garantir por si s a prtica. Mas muito comum, tambm, pensar que somente na prtica que as pessoas aprendem, sem necessidade de teoria. De fato, no verdade que basta uma boa teoria para que um profissional tenha xito na prtica. Mas, tambm, no verdade que a prtica se basta por si mesma. Nem toda prtica pode ser justificada como adequada, assim como no possvel qualquer reflexo sobre a prtica se no h da parte do professor um domnio slido dos saberes profissionais, includa a uma boa cultura geral. E, mais importante que isso, no haver muito avano na competncia profissional do professor se ele apenas pensar na sua prtica corrente sem recorrer a um modo de pensar obtido sistematicamente, a partir do estudo terico das disciplinas pedaggicas e da disciplina em que especialista. Sem teoria, sem desenvolvimento sistemtico de processos de pensamento, sem 28 competncia cognitiva, sem o desenvolvimento de habilidades profissionais, o professor permanecer atrelado ao seu cotidiano, encerrado em seu pequeno mundo

pessoal e profissional. Seria uma m estratgia de formao de quadros docentes reservar a capacidade de pensar de forma mais elaborada, a aquisio de uma slida formao cientfica, a capacidade de abstrao, apenas aos pesquisadores e docentes das universidades. A busca da profissionalidade docente no pode transformar-se em mais uma forma de excluso do professorado. Pensamos que, para enfrentar as mudanas, a ao e a reflexo atuam simultaneamente, porque elas esto sempre entrelaadas. Podemos refletir sobre nossa ao, transformando nossa ao em pensamento. Ao mesmo tempo, podemos traduzir idias em aes. Prope-se, assim, uma formao profissional - tanto a inicial como a continuada - baseada na articulao entre a prtica e a reflexo sobre a prtica, de modo que o professor v se transformando em um profissional crtico-reflexivo, isto , um profissional que domina uma prtica refletida. A pesquisadora Selma Pimenta tem ressaltado em seus escritos que o trabalho de professor um trabalho intelectual e no um trabalho de tcnico executor. O trabalho de professor implica compreender criticamente o funcionamento da realidade e associar essa compreenso com o seu papel de educador, de modo a aplicar sua viso crtica ao trabalho concreto nos contextos especficos em que ele acontece. Para isso, recomenda "valorizar os processos de reflexo na ao e de reflexo sobre a reflexo na ao, como processos de construo da identidade dos professores" (1997). Escreve ainda Pimenta: A formao de professores na tendncia reflexiva se configura como uma poltica de valorizao do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das instituies escolares, uma vez que supe condies

de trabalho propiciadoras da formao contnua dos professores, nos locais de trabalho, em redes de autoformao, e em parceria com outras instituies de formao (1999). 29 Nas escolas, portanto, a construo da identidade profissional de professor depende em boa parte das formas de organizao do trabalho escolar. Em especial, depende de uma boa estrutura de coordenao pedaggica que faa funcionar uma escola de qualidade, propondo e gerindo o projeto pedaggico, articulando o trabalho de vrios profissionais, liderando a inovao e favorecendo a constante reflexo na prtica e sobre a prtica. O pedagogo escolar dever ser o agente articulador das aes pedaggico-didticas e curriculares, assegurando que a organizao escolar v se tornando um ambiente de aprendizagem, um espao de formao contnua onde os professores refletem, pensam, analisam, criam novas prticas, como sujeitos pensantes e no como meros executores de decises burocrticas. Uma coisa certa: as pessoas arrumam tempo para as coisas que compreendem, que valoram e nas quais acreditam. Os dirigentes da escola precisam, ento, ajudar os professores, a partir da reflexo sobre a prtica, a examinar suas opinies atuais e os valores que as sustentam, a colaborar na modificao dessas opinies e valores tendo como referncia as necessidades dos alunos e da sociedade e os processos de ensino e aprendizagem. O desenvolvimento profissional e a conquista da identidade profissional dependem de uma unio entre os

pedagogos especialistas e os professores, assumindo juntos a gesto do cotidiano da escola, articulando num todo o projeto pedaggico, o sistema de gesto, o processo de ensino e aprendizagem, a avaliao. Fazendo assim, ter-se- uma organizao preocupada com a formao continuada, com a discusso conjunta dos problemas da escola, discusso que de natureza organizacional, mas principalmente pedaggica e didtica. 30 CAPTULO II UMA ESCOLA PARA NOVOS TEMPOS 33 As instituies escolares vm sendo pressionadas a repensar seu papel diante das transformaes que caracterizam o acelerado processo de integrao e reestruturao capitalista mundial. De fato, o novo paradigma econmico, os avanos cientficos e tecnolgicos, a reestruturao do sistema de produo e as mudanas no mundo do conhecimento, afetam a organizao do trabalho e o perfil dos trabalhadores, repercutindo na qualificao profissional e, por conseqncia, nos sistemas de ensino e nas escolas. Essas transformaes, que ocorrem em escala mundial, decorrem da conjugao de um conjunto de acontecimentos e processos que acabam por caracterizar novas realidades sociais, polticas, econmicas, culturais, geogrficas. Entre os aspectos mais visveis desse fenmeno destacamse os seguintes: Notveis avanos tecnolgicos na micro-eletrnica, na informtica, nas telecomunicaes, na automao industrial, na biotecnologia, na engenharia gentica,

entre outros setores, caracterizando uma revoluo tecnolgica sem precedentes. Globalizao da sociedade, internacionalizao do capital e dos mercados, reestruturao do sistema de produo e do desenvolvimento econmico. 34 Difuso macia da informao, produo de novas tecnologias da comunicao e da informao, afetando a produo, circulao e consumo da cultura. Mudanas nos processos de produo, na organizao do trabalho, nas formas de organizao dos trabalhadores, nas qualificaes profissionais. Alteraes nas concepes de Estado e das suas funes, prevalecendo o modelo neoliberal de diminuio do papel do Estado e fortalecimento das leis do mercado. Mudanas nos paradigmas da cincia e do conhecimento, influindo na pesquisa, na produo de conhecimentos, nos processos de ensino e aprendizagem. Agravamento da excluso social, aumento da distncia social e econmica entre includos e excludos dos novos processos de produo e das novas formas de conhecimento. Dentre esses aspectos, sero destacados alguns que tocam mais de perto a escola e o trabalho dos professores. As mudanas na economia: novo paradigma produtivo Esto em curso mudanas na economia expressas em novas formas de produo baseadas nas novas tecnologias e no capitalismo financeiro. Trata-se de novas formas de funcionamento e reestruturao do capitalismo no quadro de um conjunto de transformaes que vem sendo chamado de

globalizao. O modelo econmico segue a lgica da subordinao da sociedade s leis do mercado, visando a lucratividade, para o que se serve da eficincia, dos ndices de produtividade e competitividade. Para atingir esse objetivo, rompem-se as fronteiras comerciais, ampliam-se as grandes fuses entre empresas transnacionais, amplia-se a circulao do capital financeiro. Nesse modelo, o Estado no deve intervir na 35 economia e mesmo as empresas atualmente mantidas pelo Estado so privatizadas, na crena de que assim ganham mais eficincia, mais qualidade, mais rentabilidade. Tal modelo econmico, conhecido por neoliberalismo, tem trazido conseqncias bastante prejudiciais s polticas sociais dos pases e o empobrecimento da populao, como tem sido reconhecido por alguns dos organismos internacionais e por empresrios. O empresrio Benjamim Steinbruch, ligado Companhia Siderrgica Nacional e Companhia Vale do Rio Doce, escreveu: A herana da globalizao, pelos caminhos que hoje vemos, vai ser a ampliao das diferenas entre ricos e pobres. Mais misria para os menos desfavorecidos, menos oportunidades de emprego para os necessitados. (...) Devemos, portanto, "globalizar" primeiro o Brasil, diminuir as desigualdades internas, priorizar o mercado domstico, a produo e os empregos e ter um projeto de desenvolvimento nacional. (...) Globalizar um pas pelo discurso fcil da modernidade sem preocupaes sociais e realismo poltico, outra coisa bem diferente, que no tem futuro. Internacionais devemos ser. Globais, para que entreguemos o nosso mercado e eles fiquem com a produo

e o emprego, definitivamente, no (Folha de S.Paulo, 23.11.1999). No aspecto individual, as pessoas so estimuladas a se preparar para competir, por si mesmas, no mercado de trabalho e a gerar seus meios de vida. Segundo Faleiros (1999), na tica neo liberal, as garantias sociais e os direitos devem ser desmantelados para que o indivduo sobreviva com seus recursos, sem a proteo social pblica. Aqueles que no conseguirem competir, formaro o segmento dos excludos sociais. Essas mudanas atingem o sistema educacional, exigindolhe adequao aos interesses do mercado e formao de profissionais mais preparados para as modificaes do processo de produo. Com efeito, tais modificaes afetam a organizao do trabalho nas empresas e o perfil de trabalhador necessrio para novas formas 36 de produo e, em conseqncia, os conhecimentos, habilidades e atitudes necessrios qualificao profissional. As incessantes modificaes tecnolgicas afetam os postos de trabalho e as competncias profissionais, de modo que as pessoas precisam estar preparadas para mudar de profisso algumas vezes na sua vida. Junto com isso, aumenta o nmero de pessoas ocupadas em trabalhos eventuais (tambm chamados de trabalho precarizado) ou desempregadas. Por outro lado, fato que as novas realidades do mundo do trabalho requerem trabalhadores com mais conhecimento, cultura, preparo tcnico. Sendo assim, o usufruto ou a falta da educao bsica (incluindo novas habilidades cognitivas e competncias sociais) passa a ser

determinante da condio de incluso ou excluso social, porque o mercado de trabalho no aceita mais mo-de-obra no qualificada. A revoluo informacional Este momento da histria tem recebido vrias denominaes: sociedade ps-moderna, sociedade do conhecimento, sociedade da informao, sociedade psindustrial, sociedade tecnolgica. Conforme o socilogo francs Alain Tourraine (1995), estamos vivendo presentemente a passagem da sociedade industrial para a sociedade informacional. Se na sociedade industrial predominou a produo de objetos materiais, na sociedade informacional o que se destaca a produo e difuso de bens culturais, especialmente a informao. Dados da Organizao Pari-Americana de Sade e Organizao Internacional do Trabalho informavam que, em 1997, a distribuio da fora de trabalho apresentava os seguintes ndices: 62 por cento no setor tercirio ou de servios, 22,4 por cento no setor secundrio ou industrial e 15,6 por cento no setor primrio ou agrcola. No setor tercirio incluem-se os servios informacionais. Esse crescimento leva os especialistas a antever para breve a institucionalizao de um novo setor da economia, o setor quaternrio ou informacional. 37 A revoluo tecnolgica - que aparece na comunicao instantnea pela TV, nos computadores, nas redes de informao, no telefone mvel, na automao industrial, nas vrias mdias - atinge a poucos, deixando a maioria da populao margem da economia. O mesmo se pode dizer

em relao diviso entre pases desenvolvidos e os em desenvolvimento. A tecnologia da informao promove um fenmeno sumamente segregador para a populao de baixa renda, com baixa escolarizao, com baixssima capacidade crtica frente avalanche informativa vinda especialmente pela televiso. Nmero grande de trabalhadores apenas v televiso e s recebe imagens pr-fabricadas. Na classe mdia, adultos e adolescentes utilizam as mdias, computadores, Internet etc., mas tm em relao a elas uma atitude eminentemente passiva, sem a mnima capacidade de leitura crtica da informao recebida. Muitos entusiastas da Internet (redes de informao conectadas internacionalmente) falam de uma democratizao do acesso s informaes. Talvez, em parte, isso seja verdade, mas o que acontecer aos excludos da rede, os sem-Internet? Uma das novidades mais excitantes na economia internacional so as transaes comerciais via rede Internet, chamadas de comrcio eletrnico ou virtual. Mas estar ela atingindo os 3 bilhes de pessoas no mundo que vivem com menos de 2 dlares por dia, metade da populao mundial? Pode-se afirmar que a tecnologia da informao, apesar de provocar mudanas nos modos de vida e nas percepes das pessoas, amplia a distncia entre os que esto no cume da montanha e os que no saem do sop. H, portanto, um papel insubstituvel da educao e das escolas de prover as condies intelectuais de avaliao crtica das condies de produo e da difuso do saber cientfico e da informao. A informao necessria, mas ela vem exercendo um domnio cada vez mais forte sobre as pessoas, cada vez mais escravizadas por ela. Informao no sinnimo de conhecimento, por si s ela

no propicia o saber. A informao um caminho de acesso ao conhecimento, um instrumento de aquisio de 38 conhecimento, mas ela precisa ser analisada e interpretada pelo conhecimento, que possibilita a filtragem e a crtica da informao, de modo que ela no exera o domnio sobre a conscincia e a ao das pessoas. A despolitizao da sociedade No campo poltico, ressalta-se a diminuio da crena da ao pblica na soluo dos problemas, descrena nas formas convencionais de representao poltica, aumento do individualismo, da insensibilidade social. Tais caractersticas levam a novas formas de fazer poltica, destacando novos movimentos sociais, novas formas de organizao que mostram novos caminhos de controle pblico sobre o Estado. Esses fatos lanam novas perspectivas sobre o sentido da formao da cidadania, uma vez que se faz necessrio educar para a participao social, para o reconhecimento das diferenas entre os vrios grupos sociais, para a diversidade cultural, para os valores e direitos humanos. Isso significa, tambm, que menor ou maior acesso educao escolar e a outros bens culturais, determina a qualidade da participao popular nos processos decisrios existentes na sociedade civil. A crise tica

No campo da tica, o mundo contemporneo convive com uma crise de valores, predominando um relativismo moral baseado no interesse pessoal, na vantagem, na eficcia, sem referncia a valores humanos como a dignidade, a solidariedade, a justia, a democracia, o respeito vida. preciso a colaborao da escola para a revitalizao da formao tica, atingindo tanto as aes cotidianas quanto as formas de relaes entre povos, etnias, grupos sociais, no sentido do reconhecimento das diferenas e das identidades culturais. Alm disso, ao lado do conhecimento cientfico e da preparao para o mundo tecnolgico e comunicacional necessria a difuso de saberes socialmente teis, entre outros, o desenvolvimento e a defesa do meio ambiente, a luta contra a violncia, o racismo e a segregao social, os direitos humanos. A excluso social As transformaes em curso impulsionam avanos cientficos e tecnolgicos, novos processos de produo, novas formas de conhecimento e ao mas provocam, tambm, o aumento da distncia social e econmica entre includos e excludos desse processo. De acordo com informaes recentes de entidades financeiras internacionais, vem aumentando significativamente a distncia entre ricos e pobres. Em janeiro de 2000, no Frum Econmico Mundial realizado na Sua, foi divulgado que dos 6 bilhes de pessoas do mundo, 3 bilhes, ou seja, 50 por cento, vivem na pobreza, ganhando at 2 dlares por dia. Referindo-se crise deste final de sculo, o professor Gaudncio Frigotto identifica vrias caractersticas da

realidade contempornea como estratgias de recomposio do capitalismo. No plano scio-econmico, o ajustamento de nossas sociedades globalizao significa a excluso de dois teros da humanidade dos direitos bsicos de sobrevivncia, emprego, sade, educao. No plano cultural e tico-poltico, a ideologia neoliberal prega o individualismo e a naturalizao da excluso social, considerando-se esta como sacrifcio inevitvel no processo de modernizao e globalizao da sociedade. No plano educacional, a educao deixa de ser um direito e transforma-se em servio, em mercadoria, ao mesmo tempo que se acentua o dualismo educacional: diferentes qualidades de educao para ricos e pobres (1996). Esses aspectos mostram como a escola no pode mais ser considerada isoladamente de outros contextos, outras culturas, outras mediaes. A escola contempornea precisa voltar-se para as novas realidades, ligar-se ao mundo econmico, poltico, cultural, 40 mas precisa ser um baluarte contra a excluso social. A luta contra a excluso social e por uma sociedade justa, uma sociedade que inclua todos, passa pela escola e pelo trabalho dos professores. Prope-se, para essa escola, um currculo centrado na formao geral e continuada de sujeitos pensantes e crticos, na preparao para uma sociedade tcnica/cientfica/informacional, na formao para a cidadania crtica-participativa e na formao tica. A escola necessria para os novos tempos

A escola necessria para fazer frente a essas realidades a que prov formao cultural e cientfica, que possibilita o contato dos alunos com a cultura, aquela cultura provida pela cincia, pela tcnica, pela linguagem, pela esttica, pela tica. Especialmente, uma escola de qualidade aquela que inclui, uma escola contra a excluso econmica, poltica, cultural, pedaggica. Mesmo considerando a imensa oferta de meios de comunicao social extra-escola, de meios informacionais, ainda assim h lugar para a escola na sociedade tecnolgica e da informao. Ela cumpre funes que no so providas por nenhuma outra instncia: formao geral bsica - capacidade de ler, escrever, formao cientfica, esttica e tica, desenvolvimento de capacidades cognitivas e operativas. Por outro lado, a escola precisa ser repensada, porque ela no detm o monoplio do saber. H hoje um reconhecimento de que a educao acontece em muitos lugares, atravs de vrias agncias. Alm da famlia, a educao acontece nos meios de comunicao, nas empresas, nos clubes, nas academias de ginstica, nos sindicatos, na vida urbana. As prprias cidades vo se transformando em agncias educativas pelas iniciativas de participao da populao na gesto de programas culturais, de organizao dos espaos e equipamentos pblicos. Por isso, gradativamente, a escola vai se convertendo num "espao de sntese" (Colom Caellas, 1994). A escola de hoje no pode limitar-se a passar informao sobre as matrias, a transmitir 41

o conhecimento do livro didtico. Ela uma sntese entre a cultura experienciada que acontece na cidade, na rua, nas praas, nos pontos de encontro, nos meios de comunicao, na famlia, no trabalho etc., e a cultura formal que o domnio dos conhecimentos, das habilidades de pensamento. Nela, os alunos aprendem a atribuir significados s mensagens e informaes recebidas de fora, dos meios de comunicao, da vida cotidiano, das formas de educao proporcionada pela cidade, pela comunidade. O professor tem a seu lugar, com o papel insubstituvel de provimento das condies cognitivas e afetivas que ajudaro o aluno a atribuir significados s mensagens e informaes recebidas das mdias, das multimdias e formas diversas de interveno educativa urbana. O valor da aprendizagem escolar, com a ajuda pedaggica do professor, est justamente na sua capacidade de introduzir os alunos nos significados da cultura e da cincia por meio de mediaes cognitivas e interacionais. Na escola, atravs do conhecimento e das habilidades cognitivas, torna-se possvel analisar e criticar a informao. Os alunos vo aprendendo a buscar a informao (na TV, no rdio, no jornal, no livro didtico, nos vdeos, no computador etc.) mas, tambm, os instrumentos conceituais para analisarem essa informao criticamente e darem-lhe um significado pessoal e social. A escola far, assim, a sntese entre a cultura formal (dos conhecimentos sistematizados) e a cultura experienciada. Por isso, necessrio que proporcione no s o domnio de linguagens para a busca da informao, mas tambm para a criao da informao. Ou seja, a escola precisa articular sua capacidade de receber e

interpretar informao, com a de produzi-Ia, a partir do aluno como sujeito do seu prprio conhecimento. Os objetivos Para essa escola concebida como espao de sntese, no exerccio de seu papel na construo da democracia social e poltica, so propostos cinco objetivos: 42 1. Desenvolvimento de capacidades cognitivas e operativas dos alunos (processos mentais, estratgias de aprendizagem, habilidades do pensar, pensamento crtico), por meio dos contedos escolares. 2. Desenvolvimento da criatividade, da sensibilidade, da imaginao. 3. Preparao para o processo produtivo e para o mundo tecnolgico e comunicacional. 4. Formao para a cidadania crtica, isto , um cidado trabalhador capaz de interferir criticamente na realidade para transform-la e no apenas formar para integrar o mercado de trabalho. 5. Formao tica (Libneo, 1998). Em relao ao primeiro objetivo, o que est em questo uma formao que ajude o aluno a transformar-se num sujeito pensante, de modo que aprenda a utilizar seu potencial de pensamento na construo e reconstruo de conceitos, habilidades, atitudes, valores. Trata-se de investir numa combinao bem sucedida da assimilao consciente e ativa dos contedos com o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas pelos alunos, visando o desenvolvimento do pensar, ou seja, a internalizao de instrumentos conceituais para lidar com os problemas, dilemas e situaes da realidade. Em resumo, a escola de

qualidade promove para todos o domnio dos conhecimentos, da cultura, da cincia, da arte, junto com o desenvolvimento de capacidades e habilidades de pensamento. O segundo objetivo visa a assegurar a ligao entre os aspectos cognitivo, social e afetivo da formao. O ensino implica lidar com os sentimentos, respeitar as individualidades, compreender o mundo cultural dos alunos e ajud-los a se construrem como sujeitos, a aumentar sua auto-estima, sua autoconfiana, o respeito consigo mesmos. 43 O terceiro objetivo prope que a escola contempornea atenda s demandas produtivas e de emprego, ou seja, promova a insero competente e crtica no mundo do trabalho, incluindo a preparao para o mundo tecnolgico e comunicacional e para as complexas condies de exerccio profissional no mercado de trabalho. A preparao tecnolgica inclui o desenvolvimento de saberes e competncias exigidas pelo novo processo produtivo como: compreender a totalidade do processo de produo; desenvolver capacidade de tomar decises e de fazer anlises globalizantes; interpretar informaes de todo tipo, pensar estrategicamente; desenvolver flexibilidade mental para lidar com situaes novas ou inesperadas. O quarto objetivo refere-se educao do trabalhadorcidado. A escola precisa torn-lo capaz de interferir criticamente na realidade para transform-la e no apenas para integrar-se ao mercado de trabalho. A escola deve continuar investindo na ajuda aos alunos para que se tornem crticos, para se engajarem na luta pela

justia social e pela solidariedade humana. A preparao para o exerccio da cidadania, incluindo a autonomia, a participao e o dilogo como princpios educativos, envolve tanto os processos organizacionais internos da escola como a articulao com os movimentos e organizaes da sociedade civil. Muitas escolas adotam formas de gesto participativa e incorporam nos contedos escolares as lutas dos movimentos sociais organizados pela moradia, salrio, educao, sade, emprego etc. O quinto objetivo visa a propiciar conhecimentos, procedimentos e situaes para se pensar sobre valores e critrios de deciso e ao frente ao mundo da poltica e da economia, do consumo, dos direitos humanos, das relaes humanas, envolvendo etnias, gnero, minorias culturais, do meio ambiente, da violncia e segregao social e, tambm, s formas de explorao do trabalho humano que subsistem na sociedade. Para o atendimento desses objetivos, pe-se a exigncia de que os sistemas de ensino e as escolas prestem mais ateno 44 qualidade cognitiva das aprendizagens, colocada como foco central do projeto pedaggico e da gesto escolar. No adianta defender a gesto democrtica das escolas, mudanas curriculares e organizacionais, eleies para diretor, aquisio de novas tecnologias etc., se os alunos continuam sendo reprovados, tendo um baixssimo rendimento escolar ou nveis insatisfatrios de aprendizagem. Se os alunos no aprenderam bem, se continuam sendo reprovados ou mal escolarizados, a escola no vem servindo para nada. A democratizao da sociedade e a insero dos alunos no mundo da produo supem o

ensino fundamental como necessidade imperativa para proporcionar s crianas e jovens os meios cognitivos e operacionais que atendam tanto as necessidades pessoais como as econmicas e sociais. Frente a essas exigncias, a escola precisa oferecer servios de qualidade e um produto de qualidade, a fim de que os alunos que passem por ela ganhem condies de exerccio da liberdade poltica e intelectual. esse o desafio que se pe educao escolar no incio do terceiro milnio. Isso tudo no significa conceber a escola como a impulsionadora das transformaes sociais. As tarefas de construo de uma democracia econmica e poltica pertencem a vrias esferas de atuao da sociedade, e a escola apenas uma delas. Mas a escola tem um papel insubstituvel quando se trata de preparao cultural e cientfica das novas geraes para enfrentamento das exigncias postas pela sociedade contempornea. A escola tem o compromisso de reduzir a distncia entre a cincia cada vez mais complexa e a formao cultural bsica a ser provida pela escolarizao. O fortalecimento das lutas sociais, a conquista da cidadania, dependem de ampliar, cada vez mais, o nmero de pessoas que possam participar das decises primordiais que dizem respeito aos seus interesses. 45 Ampliando os objetivos da escola

Uma das importantes funes da escola interagir e articular-se com as prticas sociais. Entre elas, destacam-se alguns movimentos sociais. Embora continuem existindo os partidos tradicionais e vigorem ainda as formas de representao poltica tpicas da democracia e

a representao sindical, outras formas de ao poltica esto surgindo, como os movimentos feministas, ecolgicos, pacifistas etc. Vamos destacar alguns desses movimentos. Educao para a igualdade entre os sexos Entre os ideais da escola pblica destaca-se o da igualdade de oportunidades em geral e, em particular, o da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Os movimentos de mulheres ressaltam a distino entre sexo e gnero, mostrando que os gneros masculino e feminino so noes estabelecidas numa cultura e numa sociedade organizada por homens. Segundo esses movimentos, a sociedade masculina difunde a idia de que diferenas de sexo resultam em diferenas de gnero, ou seja, diferenas sexuais (naturais) tambm levam a distribuio de papis sociais entre mulheres e homens. Contra essa idia, advogam a luta pelo respeito entre os gneros e reconhecimento de suas diferenas. Nesse sentido, uma prtica educativa na organizao escolar, na comunidade, no currculo e na sala de aula implicam atitudes que recusem a idia de que as diferenas de trabalho, de expresso de sentimentos, de papis sociais, entre homens e mulheres resultem de uma base natural. Prope-se tambm que as escolas e os professores no faam uso sexista da linguagem corrente. Trata-se, por exemplo, de evitar usar termos masculinos como tendo abrangncia universal - o homem, o aluno, o cidado, os pais - ou de expresses que ocultam o lugar da mulher - "ela porta-se como homem", "relao do homem com a cincia", "inteligncia do homem e dos outros animais"... (Henriques,1994).

46 Educao ambiental A sociedade da informao uma sociedade de constante risco devido destruio da natureza e aos problemas humanos decorrentes da degradao ambiental. Respirar o ar, entrar num hospital como doente ou como visitante, andar pelas ruas da cidade, tomar banho num rio ou numa praia, so atividades que envolvem sistematicamente riscos. Alm disso, a sobrevivncia humana est ameaada nas favelas, nos cortios, nas moradias inadequadas. As autoridades, os rgos pblicos, os mdicos dos hospitais, vivem prometendo segurana populao, mas boa parte dos problemas no depende dessas pessoas mas de interesses econmicos privados. H diferentes entendimentos em relao educao ambiental. A corrente conservavionista defende a preservao das matas, dos animais, dentro de uma noo de natureza biofsica intocvel. Frente a formas destruidoras da natureza e que retiram da populao meios de ganhar a vida defenderia a manuteno de formas de vida primitivas (como o caso, por exemplo, dos seringueiros da Amaznia ou dos ndios que resistem explorao do seu territrio e destruio de seu meio natural de vida). A corrente naturalista prope uma forma de educao pelo contato com a natureza, a vida ao ar livre (montanhismo, caminhadas ecolgicas, trilhas etc), o que levaria ao turismo ecolgico. A corrente da gesto ambiental incentiva aes de movimentos sociais, de comunidades e de governos na luta pela despoluio das guas e do ar, critica todas as formas de depredao da natureza, principalmente pela indstria. A corrente da economia ecolgica, que agrupa organismos internacionais,

incluindo o Banco Mundial, a FAO, a UNESCO, e vrias organizaes no-governamentais e associaes ambientalistas, se caracteriza por defender tecnologias alternativas no trato da terra, no uso da energia, no tratamento dos resduos etc. Esta corrente se desdobra em duas vertentes muito diferentes entre si: (a) a vertente do "desenvolvimento sustentvel" cujo modelo de desenvolvimento o capitalista, devidamente 47 reciclado. (b) a vertente das "sociedades sustentveis" que, sem negar os avanos tcnicos e o desenvolvimento ambiental, questionam o modelo de progresso destruidor da natureza (Correntino, 1995). Essas quatro correntes enfatizam diferentes concepes e formas de fazer educao ambiental e, do ponto de vista pedaggico, elas no se excluem. A educao ambiental contribui na formao humana: levando os alunos a refletirem sobre as questes do ambiente no sentido de que as relaes do ser humano com a natureza e com as pessoas assegurem uma qualidade de vida no futuro, diferente do atual modelo economicista de progresso; educando as crianas e jovens para proteger, conservar e preservar espcies, o ecossistema e o planeta como um todo; ensinando-os a promover o autoconhecimento, o conhecimento do universo, a integrao com a natureza; introduzindo a tica da valorizao e do respeito diversidade das culturas, s diferenas entre as pessoas, pois os seres humanos compem o conceito de natureza;

empenhando os alunos no fortalecimento da democracia, da cidadania, das formas comunitrias de discutir e resolver problemas, da educao popular; levando a tomadas de posies sobre a conservao da biodiversidade, contra o modelo capitalista de economia que gera sociedades individualistas, exploradoras e depredadoras da natureza biofsica e da natureza humana. A educao ambiental no pode ser apenas uma tarefa da escola, ela envolve aes prticas que dizem respeito ao nosso comportamento nos vrios ambientes (famlia, escola, cidade, 48 empresa etc.). Ao mesmo tempo que se precisa conhecer mais a respeito da natureza e mudar nossa relao com ela, preciso articular aes individuais com medidas mais gerais. As pessoas precisam ser convencidas a se engajar em campanhas para a coleta seletiva do lixo, no jogar papel na rua, no mutilar a natureza, lutar contra a poluio ambiental etc. Um outro sentido da atitude ecolgica o de recusar um conceito de progresso baseado na capacidade de possuir mais objetos e bens de consumo, assumindo uma viso de vida baseada mais na relao com a natureza e as pessoas do que com os objetos. Educao multicultural A idia de educao multicultural, que se projeta num currculo multicultural, est assentada no princpio pedaggico mais amplo: o acolhimento da diversidade, isto , o reconhecimento dos outros como sujeitos de sua

individualidade, portadores de uma identidade cultural prpria. Acolher a diversidade a primeira referncia para a luta pelos direitos humanos. A presena da diversidade humana na sociedade resulta na multi-cultura, no sentido de que toda cultura plural. Uma prtica, um comportamento multicultural, significa reconhecer o pluralismo cultural, aceitar a presena de vrias culturas e desenvolver hbitos mentais e atitude de abertura e dilogo com essas culturas (Gimeno, 1995). De fato, professores e alunos convivem com uma pluralidade crescente de pessoas e grupos sociais. Vem aumentando a interao entre pessoas de diferentes lugares, em boa parte devido intensificao da migrao decorrente do aumento das desigualdades, da pobreza, da falta de terra. Com isso, as crianas nas escolas convivem com pessoas diferentes, s vezes com culturas e costumes diferentes, diferentes etnias e diferentes linguagens. Uma educao multicultural requer que as decises da equipe escolar sobre objetivos escolares e organizao curricular reflitam os 49 interesses e necessidades formativas dos diversos grupos sociais existentes na escola (a cultura popular, o urbano e o rural, a cultura dos jovens, a cultura de homens e mulheres, brancos, negros, das minorias tnicas, dos alunos com necessidades especiais). Assumir o objetivo da educao multicultural no significa reduzir o currculo aos interesses dos vrios grupos culturais que freqentam a escola. O que se prope que, com base em uma atitude geral definida pela escola no sentido de um pluralismo cultural - ou seja, uma viso aberta e plural em relao s culturas existentes na

sociedade e na comunidade - seja formulada uma proposta curricular que incorpore essa viso multicultural. Conforme escreve Gimeno: o currculo comum para todos que a viso multicultural deve incorporar, para que a integrao de culturas se realize dentro de um sistema de escolarizao nica que favorea a igualdade de oportunidades. No basta, todavia, pensar apenas no currculo formal. A educao multicultural perpassa a organizao escolar, o tipo de relaes humanas que existe entre os profissionais e usurios da escola, o respeito a todas as pessoas que trabalham na escola. Ou seja, trata-se de uma mudana de mentalidade, de transformao das formas de pensar, de sentir, de comportar-se em relao aos outros. preciso considerar, alm disso, que os alunos trazem para a escola e para as salas de aula um conjunto de significados, valores, crenas, modos de agir, resultante de aprendizagens informais, que muitos autores chamam de cultura paralela ou currculo extra-escolar. Fazem parte dessa cultura paralela o cinema, a TV os vdeos, as conversas entre adultos e entre amigos, as revistas populares, o rdio, de onde os alunos extraem sua forma de ver o mundo, as pessoas, as diferentes culturas, povos etc. A organizao escolar e os professores precisam saber como articular essas culturas, ajudar 50 os alunos a fazerem as ligaes entre a cultura elaborada e a sua cultura cotidiana, de modo que adquiram instrumentos conceituais, formas do pensar e de sentir, para interpretar a realidade e intervir nela.

CAPTULO III Buscando a Qualidade Social do Ensino 53 No mundo todo esto sendo implantadas reformas educacionais para adequar o sistema de ensino s mudanas na economia e na sociedade. Uma das palavras-chave qualidade. Qualidade da escola refere-se tanto a atributos ou caractersticas da sua organizao e funcionamento quanto ao grau de excelncia baseado numa escala valorativa (a qualidade desta escola ruim, medocre, boa, excelente). Embora haja uma grande diversidade de opinies entre os educadores, administradores e pais sobre critrios de qualidade das escolas, os profissionais de cada escola precisam estabelecer um consenso mnimo sobre o padro de qualidade que orientar seu trabalho. Quais seriam os critrios que definiriam uma qualidade social da escola? Tem se difundido bastante a noo de qualidade retirada da concepo neoliberal da economia, a qualidade total. Aplicada ao sistema escolar e s escolas, a qualidade total tem como objetivo o treinamento de pessoas para serem competentes no que fazem, dentro de uma gesto eficaz de meios, com mecanismos de controle e avaliao dos resultados, visando a atender a imperativos econmicos e tcnicos. Entre as medidas decorrentes dessa concepo organizacional destacam-se: a hipervalorizao dos resultados da avaliao, a classificao das escolas em funo desses resultados para estimular a competio entre elas, a descentralizao 54

administrativa e do repasse de recursos conforme o desempenho das escolas na avaliao externa, as parcerias com a iniciativa privada, o repasse das funes do Estado para a comunidade (pais) e para as empresas. Em resumo, a qualidade total decorre de uma concepo economicista, empresarial, pragmtica. A esse conceito ope-se o de qualidade social. Educao de qualidade aquela que promove para todos o domnio de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas, operativas e sociais necessrios ao atendimento de necessidades individuais e sociais dos alunos, insero no mundo do trabalho, constituio da cidadania, tendo em vista a construo de uma sociedade mais justa e igualitria. Em outras palavras, escola com qualidade social, significa a inter- relao entre qualidade formal e poltica, aquela baseada no conhecimento e na ampliao de capacidades cognitivas, operativas e sociais, com alto grau de inclusividade. O socilogo Pedro Demo analisa o conceito de qualidade e chega a algumas concluses. A qualidade , genuinamente, um atributo humano, e o que representa melhor a marca humana o desenvolvimento humano. Dessa forma, "qualidade essencial seria aquela que expressa a competncia histrica de fazer-se sujeito, deixando a condio de objeto ou de massa de manobra". Competncia histrica significa capacidade de agir, de intervir na realidade, portanto, capacidade participativa. Nesse sentido, a educao o melhor caminho para desenvolver a competncia histrica de fazer-se sujeito. Em sintese, buscar qualidade em qualquer instituio significa trabalhar com seres humanos para ajudlos a se construrem como sujeitos.

Demo distingue, no campo educativo, a qualidade formal e a qualidade poltica. A qualidade formal refere-se ao nvel timo a que podem chegar os meios, instrumentos e procedimentos, principalmente o conhecimento. O ser humano precisa manejar conhecimento. "Espera-se, por isso, que a criana aprenda de fato 55 na escola, ou seja, construa formao bsica capaz de saber pensar para melhor intervir". A qualidade poltica diz respeito aos fins e valores sociais do conhecimento, isto , ao objetivo tico de intervir na realidade visando o bem comum (Demo, 1998). Uma educao escolar de qualidade social tem as seguintes caractersticas: Assegura slida formao de base que propicia o desenvolvimento de habilidades cognitivas, operativas e sociais, o domnio dos contedos escolares (conceitos, procedimentos, valores), a preparao para o mundo tecnolgico e comunicacional, integrando a cultura provida pela cincia, pela tcnica, pela linguagem, pela esttica, pela tica. Desenvolve processos de formao para a cidadania, incorporando novas prticas de gesto, possibilitando aos alunos a preparao para a participao nas organizaes e movimentos populares, de modo a contribuir para o fortalecimento da sociedade civil e controle da gesto pblica. Para isso, cria situaes para a educao da responsabilidade, participao, iniciativa, capacidade de liderana e tomada de decises.

Assegura a elevao do nvel escolar para todas as crianas e jovens sem exceo, em condies iguais de oferta dos meios de escolarizao. Promove a integrao entre a cultura escolar e outras culturas, no rumo de uma educao multicultural e comunitria. Cuida da formao de qualidades morais, traos de carter, atitudes, convices, conforme ideais humanistas. Dispe de condies fsicas, materiais e financeiras de funcionamento, condies de trabalho, remunerao digna e formao continuada dos professores. 56 Incorpora no cotidiano escolar as novas tecnologias da comunicao e informao Como buscar a qualidade social? Quais estratgias e procedimentos possibilitam promover a qualidade social das escolas e do sistema escolar? No nada fcil estabelecer como critrio de qualidade a igualdade quanto ao atendimento escolar, a qualidade para todos. Por um lado, todas as crianas tm direito ao sucesso escolar, no sentido de usufruir plenamente do direito de escolarizao; nesse caso, possvel estabelecer para uma determinada populao parmetros de desempenho nas vrias dimenses da educao (cognitiva, fsica, moral etc.). Por outro lado, ficam por resolver os direitos de alunos portadores de dificuldades escolares gerais ou especficas e portadores de outras necessidades que pem em questo a validade de parmetros universais de desempenho.

As consideraes anteriores mostram que a busca da educao escolar de qualidade depende da conjugao de vrios objetivos e estratgias. necessrio alertar que a reorganizao das escolas, as mudanas nas prticas de gesto, mesmo que se baseiem na democratizao nos processos organizativos e decisrios, por si s, no resolvem os problemas do ensino e do baixo rendimento escolar dos alunos. Do mesmo modo, insuficiente julgar a qualidade da escola apenas pelo nvel de seus produtos, por mais que os resultados sejam um bom indicativo da qualidade dos processos e das condies da oferta dos servios. Tambm no suficiente, no mbito das escolas, apenas a aferio do desempenho intelectual dos alunos atravs de provas e exames, porque os resultados da aprendizagem dizem respeito no s dimenso cognitiva mas, tambm, s dimenses afetiva, esttica, tica, fsica. Em suma, os processos de organizao e gesto das escolas, a avaliao dos resultados por provas ou exames nacionais, a modificao dos currculos, os modernos equipamentos - todos so fatores imprescindveis para promover a qualidade, mas eles 57 devem ser considerados como meios, no como fins. O que as escolas precisam buscar, de fato, a qualidade cognitiva das experincias de aprendizagem dos alunos. Portanto, de pouca valia tero a gesto democrtica, as eleies para diretor, a aquisio de novos equipamentos, a participao da comunidade, etc. se os objetivos de aprendizagem no forem conseguidos, se os alunos

continuam tendo baixo rendimento escolar, se no desenvolvem seu potencial cognitivo. Considerando- se, pois, os resultados juntamente com os elementos e processos que os determinam, o centro de referncia dos critrios e estratgias de qualidade o que os estudantes aprendem, como aprendem e em que grau so capazes de pensar e atuar com o que aprendem. Com isso, ganham importncia as estratgias de realizao da qualidade a saber: o currculo, a organizao e a gesto, o professor e avaliao. Celestino da Silva Jnior escreve que as escolas no existem para serem administradas ou inspecionadas, elas existem para que os alunos aprendam, ou seja, a escola se organiza para que ela readquira em plenitude sua funo original de ensinar (Silva Jnior, 1986). Eixos da qualidade social: o currculo e os processos de ensino e aprendizagem Qualidade social do ensino, portanto, diz respeito qualidade cognitiva dos processos de aprendizagem numa escola que inclua todos. Atender s necessidades dos alunos em consonncia com as exigncias sociais e educacionais contemporneas significa prestar ateno nos contedos que esto sendo ensinados, no modo como esto sendo ensinados, na efetividade desses contedos para a vida 58 cultural e prtica. Da o investimento necessrio no aperfeioamento do currculo e das prticas metodolgicas nas escolas. Atualmente existem distintas posies sobre

formas de organizao para o aperfeioamento do currculo. A primeira o modelo centralizado, bastante criticado pela maioria dos educadores, em que o currculo deveria ser planejado, administrado e controlado por rgos superiores do sistema educacional (Ministrio da Educao, Secretarias de Educao). Nele so definidas metas a alcanar, metodologias e tcnicas a serem seguidas, sistema de avaliao controlador. A nfase est colocada nos interesses mais amplos do sistema poltico e no nos interesses regionais e locais. A segunda posio, oposta primeira, defende um modelo descentralizado de organizao e aperfeioamento curricular. Sustenta que o currculo uma questo de cada escola e de cada professor em particular, predominando, portanto, as decises que se tomam em mbito local. O principal argumento a favor desse modelo que ele pode assegurar o mximo de participao do professor e demais integrantes da escola e um mnimo de interferncia dos rgos superiores. Uma terceira posio o modelo misto que confere importncia ao mesmo tempo aos rgos de coordenao central - visando, principalmente, a uma certa unidade do sistema escolar em funo de objetivos democrticos da educao nacional - e flexibilidade, liberdade e ao carter participativo, em funo de iniciativas e interesses locais. Esse modelo busca, portanto, incentivar os professores de cada escola a melhorar o processo educativo, a refletir sobre as prticas curriculares e metodolgicas, a fim de prestar servios de melhor qualidade aos seus alunos. Tambm torna possvel o agrupamento de vrias escolas em torno de

projetos comuns de aperfeioamento curricular, capacitao de professores. No Brasil optou-se pelo terceiro modelo, conforme se pode concluir das seguintes consideraes inseridas na Introduo dos Parmetros Curriculares Nacionais: 59 Os PCN constituem um referencial de qualidade para a educao no Ensino Fundamental em todo o Pas. Sua funo orientar e garantir a coerncia dos investimentos no sistema educacional (...) Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexvel, a ser concretizada nas decises regionais e locais sobre currculos e sobre programas de transformao da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas, pelos professores. No configuram, portanto, um modelo curricular homogneo e impositivo, que se sobreporia competncia poltico-executiva dos Estados e Municpios, diversidade sociocultural das diferentes regies do Pas e autonomia de professores e equipes pedaggicas. Em sntese, o currculo e os processos de ensino e aprendizagem correspondem aos objetivos da escolarizao obrigatria, ou seja, realizam as atividades-fim na educao escolar tais como a aquisio do conhecimento e da cultura, o desenvolvimento da personalidade, a formao para a cidadania, a insero no mundo do trabalho. O principal critrio de aferio dos resultados obtidos em relao a esses objetivos o grau em que se obtm a qualidade cognitiva e operativa das aprendizagens escolares. As atividades-meio so as condies de realizao desses objetivos, incluindo-se, entre essas condies, o planejamento pedaggico e curricular, a

organizao e gesto da escola, a cultura organizacional, a tecnologia, o desenvolvimento profissional dos professores. O projeto pedaggico-curricular o instrumento de articulao entre fins e meios. Ele faz o ordenamento de todas as atividades pedaggicas, curriculares e organizativas da escola, tendo em vista os objetivos educacionais. A garantia da qualidade social do ensino , portanto, a crena na possibilidade de educar a todos como condio para a igualdade e incluso social; um trabalho escolar integrado e articulado, com a participao coletiva na elaborao e desenvolvimento do projeto pedaggico e do currculo; a atuao competente dos professores nos contedos e na metodologia de 60 ensino, implicando a relevncia social desses contedos;, a obteno de bons resultados escolares que evidenciem o trabalho da escola e dos professores. CAPTULO IV O Professor e a Construo da sua Identidade Profissional 63 O professor um profissional cuja atividade principal o ensino. Sua formao inicial visa a propiciar os conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridas para levar adiante o processo de ensino e aprendizagem nas escolas. Esse conjunto de requisitos profissionais que tornam algum um professor, uma professora, denominado profissionalidade. A conquista da

profissionalidade supe a profissionalizao e o profissionalismo. A profissionalizao refere-se s condies ideais que venham a garantir o exerccio profissional de qualidade. Essas condies so: formao inicial e formao continuada nas quais o professor aprende e desenvolve as competncias, habilidades e atitudes profissionais; remunerao compatvel com a natureza e as exigncias da profisso; condies de trabalho (recursos fsicos e materiais, ambiente e clima de trabalho, prticas de organizao e gesto). O profissionalismo refere-se ao desempenho competente e compromissado dos deveres e responsabilidades que constituem a especificidade de ser professor e ao comportamento tico e poltico expresso nas atitudes relacionadas prtica profissional. Na prtica, isso significa domnio da matria e dos mtodos de ensino, dedicao ao trabalho, participao na construo coletiva do projeto pedaggico, respeito cultura de origem dos alunos, assiduidade, 64 rigor no preparo e na conduo das aulas. compromisso com um projeto poltico democrtico. As duas noes apresentadas se complementam. O profissionalismo requer profissionalizao, a profissionalizao requer profissionalismo. Um professor profissionalmente despreparado, recebendo salrios baixos, trabalhando em precrias condies, ter dificuldades de atuar com profissionalismo. Por outro lado, um professor muito dedicado, que ama sua profisso, respeita os alunos, assduo ao trabalho, ter muito pouco xito na sua atividade profissional se no tiver as

qualidades e competncias tidas como ideais a um profissional, isto , os requisitos da profissionalizao. No se trata, certamente, de lidar com essas duas noes de forma que a ausncia de uma comprometa irremediavelmente a outra. Um professor pode compensar uma fraca profissionalizao estudando mais, investindo na sua formao continuada, lutando por melhores salrios. Pode, ao mesmo tempo, mudar suas atitudes, suas convices, seus valores em relao prtica profissional, o que pode lev-lo, inclusive, a buscar melhor qualificao. O que justifica essa atuao comprometida a natureza da profisso de professor, a responsabilidade que a tarefa educativa traz consigo. verdade que a profisso de professor vem sendo muito desvalorizada tanto social quanto economicamente, interferindo na imagem da profisso. Em boa parte isso se deve s condies precrias de profissionalizao, salrios, recursos materiais e didticos, formao profissional, carreira - cujo provimento , em boa parte, responsabilidade dos governos. muito comum as autoridades governamentais fazerem autopromoo mediante discursos a favor da educao, alardeando que a educao a prioridade, que os professores so importantes etc. No entanto, na prtica, os governos tm sido incapazes de garantir a valorizao salarial dos professores levando a uma degradao social e econmica da profisso e a um rebaixamento evidente da qualificao profissional dos professores em todo o pas. Em outros termos, ao mesmo tempo em que se fala da valorizao da 65

educao escolar para a competitividade, para a cidadania, para o consumo, continuam vigorando salrios baixos e um reduzido empenho na melhoria da qualidade da formao profissional dos professores. As condies de trabalho e a desvalorizao social da profisso de professor, de fato, prejudicam a construo da identidade dos futuros professores com a profisso e de um quadro de referncia terico-prtico que defina os contedos e as competncias que caracterizam o ser professor. Isto acontece porque a identidade com a profisso diz respeito ao significado pessoal e social que a profisso tem para a pessoa. Se o professor perde o significado do trabalho tanto para si prprio como para a sociedade, ele perde a identidade com a sua profisso. O mal-estar, a frustrao, a baixa auto-estima, so algumas conseqncias que podem resultar dessa perda de identidade profissional. Paradoxalmente, no entanto, a ressignificao de sua identidade - que passa pela luta por melhores salrios e pela elevao da qualidade da formao - pode ser a garantia da recuperao do significado social da profisso. Apesar dos problemas, os professores continuam sendo os principais agentes da formao dos alunos e, portanto, a qualidade dos resultados de aprendizagem dos alunos inseparvel da qualificao e competncia dos professores. Por isso, a construo e o fortalecimento da identidade profissional precisam fazer parte do currculo e das prticas de formao inicial e continuada. Nos ltimos anos, os estudiosos da formao de professores vm insistindo na importncia do desenvolvimento pessoal e profissional no contexto de trabalho, mediante a educao ou formao continuada. Os cursos de formao inicial tm um papel muito importante na construo dos

conhecimentos, atitudes e convices dos futuros professores necessrios sua identificao com a profisso. Mas na formao continuada que essa identidade se consolida, uma vez que ela pode desenvolver-se no prprio trabalho. 66 A formao continuada uma maneira diferente de ver a capacitao profissional de professores. Ela visa ao desenvolvimento pessoal e profissional mediante prticas de envolvimento dos professores na organizao da escola, na organizao e articulao do currculo, nas atividades de assistncia pedaggico-didtica junto com a coordenao pedaggica, nas reunies pedaggicas, nos conselhos de classe etc. O professor deixa de estar apenas cumprindo a rotina e executando tarefas, sem tempo de refletir e avaliar o que faz. Ainda muito comum nas Secretarias de Educao promover a capacitao dos professores atravs de cursos de treinamento ou de reciclagem, de grandes conferncias para um grande nmero de pessoas. Nesses cursos so passadas propostas para serem executadas ou os conferencistas dizem o que os professores devem fazer. O professor no instigado a ganhar autonomia profissional, a refletir sobre sua prtica, a investigar e construir teorias sobre seu trabalho. Na nova concepo de formao - do professor como intelectual crtico, como profissional reflexivo e pesquisador e elaborador de conhecimentos, como participante qualificado na organizao e gesto da escola - o professor prepara-se teoricamente nos temas pedaggicos e nos contedos para poder realizar a reflexo sobre sua prtica; atua como intelectual critico

na contextualizao sociocultural de suas aulas e na transformao social mais ampla; torna-se investigador em sua aula analisando suas prticas, revendo as rotinas, inventando novas solues; desenvolve habilidades de participao grupal e de tomada de decises seja na elaborao do projeto pedaggico e da proposta curricular seja nas vrias atividades da escola como execuo de aes, analise de problemas, discusso de pontos de vista, avaliao de situaes etc. Esse o sentido mais ampliado que assume a formao continuada. A Educao Continuada se faz necessria pela prpria natureza do saber e do fazer humanos como prticas que se transformam constantemente. A realidade muda e o saber que construmos sobre 67 ela precisa ser revisto e ampliado sempre. Dessa forma, um programa de educao continuada se faz necessrio para atualizarmos nossos conhecimentos, principalmente para analisarmos as mudanas que ocorrem em nossa prtica, bem como para atribuirmos direes esperadas a essas mudanas (Christov, 1998) Isso no quer dizer que o professor no necessita da teoria, do conhecimento cientfico. Significa que o professor analisa sua prtica luz da teoria, rev sua prtica, experimenta novas formas de trabalho, cria novas estratgias, inventa novos procedimentos. Tematizando sua prtica, isto , fazendo com que sua prtica vire contedo de reflexo, ele vai ampliando a conscincia sobre sua prpria prtica. O alargamento da conscincia se d pela reflexo que o professor realiza na ao. Em suas atividades cotidianas,

o professor toma decises diante das situaes concretas com as quais depara, com base nas quais constri saberes na ao. (...) Mas a sua reflexo na ao precisa ultrapassar a situao imediata. Para isso, necessrio mobilizar a reflexo sobre a reflexo na ao. Ou seja, uma reflexo que se eleve da situao imediata, possibilitando uma elaborao terica de seus saberes (Pimenta, 1998). assim que o professor transforma-se num pesquisador, a caminho de construir sua autonomia profissional, enriquecendo-se de conhecimentos e prticas e aprendendo a resolver problemas, inclusive aqueles imprevistos. Sabemos que boa parte das situaes de ensino so singulares, incertas e muitas vezes desconhecidas, por isso, no basta o professor ter uma lista de mtodos e tcnicas a serem utilizados. O que ele precisa desenvolver a capacidade de dar respostas criativas conforme cada situao. No precisa tanto saber aplicar regras j estabelecidas, mas construir estratgias, descobrir sadas, inventar procedimentos. Ou seja, o professor precisa ser capaz de inventar suas prprias respostas. Neste ponto, chegamos necessidade do trabalho em equipe atravs do qual os professores formulam o projeto pedaggico, 68 criam uma cultura organizacion