gerco indústria

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Oliver Alexandre Reinis Advogado PADARIAS, MARCENARIAS, SERRALHERIAS E ASSEMELHADOS - GERENCIAMENTO COSTEIRO - CONCEITO DE INDÚSTRIA - UNIDADE E COERÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA - DECRETO Nº 7.212/2010 (REGULAMENTO DO IPI) A questão que se coloca é se empreendimentos como padarias, marcenarias e assemelhados se enquadrariam no conceito legal de indústrias, e portanto só seriam atividades permitidas em Z5T, de acordo com a Lei Estadual nº 10.019/98. Esse questionamento vem sendo levantado pela Prefeitura Municipal de Ilhabela junto ao Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte/SMA. O problema que se coloca, destarte, se resume a "qual seria a abrangência do termo indústria, e quais atividades que ele engloba?" Para podermos responder a este questionamento, temos antes que entender o que é ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico, segundo BOBBIO, além de uma unidade, constitui também um sistema, isto é, uma unidade sistemática. Um sistema é “uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. 1 Esses entes não devem se relacionar apenas com o todo, como também entre si. Assim, quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõe estão num relacionamento de coerência entre si. Ou seja, não podem coexistir no ordenamento jurídico normas incompatíveis. Aqui, sistema equivale à validade dos principios que excluem a incompatibilidade das normas. Estes Princípios são: (a) Princípio da Unidade do Ordenamento Jurídico; e (b) Princípio da Plenitude do Ordenamento Jurídico. O primeiro valoriza o ordenamento como sistema logicamente consistente. Já o segundo, o chamado Princípio da Plenitude do Ordenamento Jurídico, informa São Paulo Av. Paulista, 777, 15º andar São Paulo/SP Tel: (11) 4063-5755 Cel: (11) 94808-2090 Litoral Norte Av. Princ. Isabel, 1338, salas 03/04 - Perequê - Ilhabela/SP - CEP 11630-000 Tel: (13) 4062-9440 www.oaradvogado.com.br BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Polis, 1989, pág. 71. 1

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Page 1: Gerco indústria

Oliver Alexandre Reinis Advogado!!

!!PADARIAS, MARCENARIAS, SERRALHERIAS E ASSEMELHADOS - GERENCIAMENTO COSTEIRO - CONCEITO DE INDÚSTRIA - UNIDADE E COERÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - LEGISLAÇÃO ESPECÍF ICA - DECRETO Nº 7 .212 /2010 (REGULAMENTO DO IPI) !

A questão que se coloca é se empreendimentos como padarias, marcenarias e assemelhados se enquadrariam no conceito legal de indústrias, e portanto só seriam atividades permitidas em Z5T, de acordo com a Lei Estadual nº 10.019/98. Esse questionamento vem sendo levantado pela Prefeitura Municipal de Ilhabela junto ao Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte/SMA. !O problema que se coloca, destarte, se resume a "qual seria a abrangência do termo indústria, e quais atividades que ele engloba?" !Para podermos responder a este questionamento, temos antes que entender o que é ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico, segundo BOBBIO, além de uma unidade, constitui também um sistema, isto é, uma unidade sistemática. Um sistema é “uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem”. 1

!Esses entes não devem se relacionar apenas com o todo, como também entre si. Assim, quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõe estão num relacionamento de coerência entre si. !Ou seja, não podem coexistir no ordenamento jurídico normas incompatíveis. !Aqui, sistema equivale à validade dos principios que excluem a incompatibilidade das normas. !Estes Princípios são: (a) Princípio da Unidade do Ordenamento Jurídico; e (b) Princípio da Plenitude do Ordenamento Jurídico. !O primeiro valoriza o ordenamento como sistema logicamente consistente. Já o segundo, o chamado Princípio da Plenitude do Ordenamento Jurídico, informa

São Paulo Av. Paulista, 777, 15º andar

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BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Polis, 1989, pág. 71.1

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que a ordem jurídica é completa, plena, sem lacunas, porque supostamente possui os próprios instrumentos essenciais para conseguir colmatar qualquer falha que surja no exercício da atividade. !Em linguagem jurídica, podemos reduzir toda a explicação acima ao axioma "o Direito não tolera antinomias".

Antinomia, por sua vez, é a denominação própria da situação de normas incompatíveis entre si - ou seja, aquela situação na qual são colocadas em existência duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento. !Resolver a questão das antinomias, por sua vez, é o objetivo da hermenêutica jurídica, que é o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.Uma vez que as leis positivas são formuladas em termos gerais, fixando regras, consolidando princípios, estabelecendo normas, em linguagem clara e precisa porém ampla, sem descer às minúcias, é tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito.

Para consegui-lo é necessário um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. E para se chegar a este fim são utilizados diversos métodos.

O principal deles e a chamada "interpretação sistemática”, que é a responsável pela unidade e coerência do ordenamento jurídico porque interpreta a norma à luz de outras normas e do espírito do ordenamento jurídico, o qual não é a soma de suas partes, mas uma síntese delas, procurando por isto, compatibilizar as partes entre si e as partes com o todo.

Esse método considera o caráter estrutural do Direito, pelo que não se interpreta isoladamente as normas.

Ressalte-se, ainda, que a própria Lei Geral de Gerenciamento Costeiro prega essa forma de interpretação, ao dispor em seu art. 6º, que "o licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro".

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Oliver Alexandre Reinis Advogado!!Feita essa breve digressão, temos como conclusão que para avaliarmos a abrangência do termo “indústria" devemos nos socorrer da legislação específica da área, a saber: o Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI . 2

Isso porque, a mesma além de ser lei específica, é a única no nosso ordenamento jurídico que trata da definição da atividade industrial.

Tal norma fixa em seu art. 4o, que "caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo”. Esta também é a definição utilizada pela Prefeitura Municipal de Ilhabela em seus questionamentos.

Todavia, logo em seu art. 5º, nos informa referido Regulamento que:

“Art. 5o Não se considera industrialização:

I - o preparo de produtos alimentares, não acondicionados em embalagem de apresentação:

a) na residência do preparador ou em restaurantes, bares, sorveterias, confeitarias, padarias, quitandas e semelhantes, desde que os produtos se destinem a venda direta a consumidor; ou

b) em cozinhas industriais, quando destinados a venda direta a pessoas jurídicas e a outras entidades, para consumo de seus funcionários, empregados ou dirigentes;

II - o preparo de refrigerantes, à base de extrato concentrado, por meio de máquinas, automáticas ou não, em restaurantes, bares e estabelecimentos similares, para venda direta a consumidor (Decreto-Lei no 1.686, de 26 de junho de 1979, art. 5o, § 2o);

III - a confecção ou preparo de produto de artesanato, definido no art. 7o;

IV - a confecção de vestuário, por encomenda direta do consumidor ou usuário, em oficina ou na residência do confeccionador;

V - o preparo de produto, por encomenda direta do consumidor ou usuário, na residência do preparador ou em oficina, desde que, em qualquer caso, seja preponderante o trabalho profissional;

VI - a manipulação em farmácia, para venda direta a consumidor, de medicamentos oficinais e magistrais, mediante receita médica (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso III, e Decreto-Lei no 1.199, de 27 de dezembro de 1971, art. 5o, alteração 2a);

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Decreto nº 7.212/2010.2

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VII - a moagem de café torrado, realizada por estabelecimento comercial varejista como atividade acessória (Decreto-Lei no 400, de 30 de dezembro de 1968, art. 8o);

VIII - a operação efetuada fora do estabelecimento industrial, consistente na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte:

a) edificação (casas, edifícios, pontes, hangares, galpões e semelhantes, e suas coberturas);

b) instalação de oleodutos, usinas hidrelétricas, torres de refrigeração, estações e centrais telefônicas ou outros sistemas de telecomunicação e telefonia, estações, usinas e redes de distribuição de energia elétrica e semelhantes; ou

c) fixação de unidades ou complexos industriais ao solo;

IX - a montagem de óculos, mediante receita médica (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso III, e Decreto-Lei nº 1.199, de 1971, art. 5º, alteração 2a);

X - o acondicionamento de produtos classificados nos Capítulos 16 a 22 da TIPI, adquiridos de terceiros, em embalagens confeccionadas sob a forma de cestas de natal e semelhantes (Decreto-Lei nº 400, de 1968, art. 9º);

XI - o conserto, a restauração e o recondicionamento de produtos usados, nos casos em que se destinem ao uso da própria empresa executora ou quando essas operações sejam executadas por encomenda de terceiros não estabelecidos com o comércio de tais produtos, bem como o preparo, pelo consertador, restaurador ou recondicionador, de partes ou peças empregadas exclusiva e especificamente naquelas operações (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso I);

XII - o reparo de produtos com defeito de fabricação, inclusive mediante substituição de partes e peças, quando a operação for executada gratuitamente, ainda que por concessionários ou representantes, em virtude de garantia dada pelo fabricante (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso I);

XIII - a restauração de sacos usados, executada por processo rudimentar, ainda que com emprego de máquinas de costura;

XIV - a mistura de tintas entre si, ou com concentrados de pigmentos, sob encomenda do consumidor ou usuár io, real izada em estabelecimento comercial varejista, efetuada por máquina automática ou manual, desde que fabricante e varejista não sejam empresas interdependentes, controladora, controlada ou coligadas (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso IV, e Lei no 9.493, de 10 de setembro de 1997, art. 18); e

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XV - a operação de que resultem os produtos relacionados na Subposição 2401.20 da TIPI, quando exercida por produtor rural pessoa física (Lei no 11.051, de 29 de dezembro de 2004, art. 12, e Lei no 11.452, de 27 de fevereiro de 2007, art. 10).

Parágrafo único. O disposto no inciso VIII não exclui a incidência do imposto sobre os produtos, partes ou peças utilizados nas operações nele referidas."

Assim, por força da unidade e coerência do ordenamento jurídico, e em decorrência de seus Princípios Informadores, podemos asseverar que padarias e assemelhados não são considerados, pela legislação específica, indústrias.

As marcenarias, serralherias e assemelhados, por sua vez, também não o são, uma vez que inserem-se na atividade descrita no inciso V, do artigo supra transcrito, desde que observado o seguinte:

"Art. 7o Para os efeitos do art. 5o:

(…)

II - nos casos dos seus incisos IV e V:

a) oficina é o estabelecimento que empregar, no máximo, cinco operários e, quando utilizar força motriz não dispuser de potência superior a cinco quilowatts; e

b) trabalho preponderante é o que contribuir no preparo do produto, para formação de seu valor, a título de mão de obra, no mínimo com sessenta por cento.”

Desta feita, a princípio não há necessidade de fixar-se uma Z5T no município de Ilhabela para permitir o licenciamento de padarias, marcenarias, serralheiras e assemelhados, uma vez que as mesmas, claramente, não são consideradas indústrias.

!Oliver Alexandre Reinis OAB/SP nº 167.232

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