ministÉrio pÚblico federal procuradoria da … · cprh/gerco, marinha do brasil, dirmam, dev e...

40
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(íza) da ___ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Pernambuco. Ação Civil Pública 04/2005 O Ministério Público Federal , por sua procuradora da República, com supedâneo nos arts. 129, III, da Constituição Federal e art. 6º, VII, letra “b” da Lei Complementar n.º 75/93 e art. 5º da Lei n.º 7.347/85, vem perante Vossa Excelência propor a presente Ação Civil Pública com pedido de TUTELA ANTECIPADA OU LIMINAR em face de Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico – IPHAN, autarquia federal, com sede na Rua Benfica, 1150, Madalena, Recife, PE, representando pelo Superintendente Regional, o senhor Frederico Faria Neves de Almeida; Município do Recife, pessoa jurídica de direito público, representado pelo Prefeito Municipal, o senhor João Paulo Lima e Silva, brasileiro, casado, com endereço profissional à Avenida Martin Luter PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PE CEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300 1

Upload: tranlien

Post on 16-Dec-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(íza) da ___ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Pernambuco.

Ação Civil Pública 04/2005

O Ministério Público Federal, por sua procuradora da República, com supedâneo nos arts. 129, III, da Constituição Federal e art. 6º, VII, letra “b” da Lei Complementar n.º 75/93 e art. 5º da Lei n.º 7.347/85, vem perante Vossa Excelência propor a presente

Ação Civil Pública com pedido de TUTELA ANTECIPADA OU LIMINAR

em face de

Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico – IPHAN, autarquia federal, com sede na Rua Benfica, 1150, Madalena, Recife, PE, representando pelo Superintendente Regional, o senhor Frederico Faria Neves de Almeida;

Município do Recife, pessoa jurídica de direito público, representado pelo Prefeito Municipal, o senhor João Paulo Lima e Silva, brasileiro, casado, com endereço profissional à Avenida Martin Luter

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

1

Page 2: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

King, 925-Cais do Apolo, CEP: 50030-230, Recife, Pernambuco;

Moura Dubeux Engenharia Ltda., pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 12.049.631/0001-84, com endereço à Av. Engenheiro Domingos Ferreira, n.º 467, 13º Andar, CEP 51.011-050, Pina, Recife, PE;

em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

1 – DOS FATOS:

Em 22 de abril de 2003 a Moura Dubeux Engenharia Ltda. protocolou perante a Prefeitura Municipal do Recife os projetos iniciais que tomaram os números 07.04540.7.03, 07.04541.3.03 e 07.04542.0.03 e que previam inicialmente a construção de três edifícios na área onde hoje se encontra o imóvel n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE.

Em 29 de outubro de 2003, a Diretoria Geral de Urbanismo da Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente do Recife emitiu parecer contrário ao empreendimento apontando cinco pontos para a não aprovação do projeto, resumidos da seguinte forma:

1 – ser a área onde se encontra o empreendimento banhada pelo Rio Capibaribe, o que impõe a aplicação da Lei n.º 16.176/96, no que se refere a área non aedificandi;

2 – os prédios a serem construídos formarão uma verdadeira barreira ao longo do Cais de PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

2

Page 3: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Santa Rita, significando uma apropriação pelos seus futuros moradores da frente d’água, excluindo o resto da população da sua convivência;

3 – os prédios projetados interferem negativamente nas visadas do conjunto urbano de Santo Antônio, São José e Bairro do Recife que abrigam um importante acervo patrimonial (Igrejas, Casa da Cultura, Museu das Cinco Pontas, Palácio das Princesas, Estação da Rede Ferroviária, Palácio da Justiça, entre outros). Os prédios romperiam os padrões urbanísticos de vizinhança, um dos aspectos definidores de impacto conforme o art. 62 da Lei n.º 16.176/96.

4 – a Prefeitura do Recife estava elaborando uma proposta a ser encaminhada à Unesco solicitando a inclusão dos bairros do Recife, São José e Santo Antônio no Patrimônio da Humanidade, e uma das condições para tombamento é a preservação das visadas dos sítios tombados.

5 – o Plano do Complexo Turístico Cultural Recife Olinda 2003, ressalta a diretriz de se propor novos índices de densidade que assegurem privilegiar a leitura da paisagem e controle dos gabaritos das edificações do Cais José Estelita. Deve-se traçar nova regulamentação com baixa taxa de ocupação, recuos amplos, superiores aos atuais exigidos pela Lei n.º 16.176/96 e explorar a possibilidade de utilização de um padrão de gabarito escalonado, permitindo maior verticalização nas parcelas mais próximas ao Cabanga e viaduto Joana Bezerra e mais limitado nas vizinhanças do sítio histórico de São José e área portuária. Um plano de massa a partir da visada do eixo da ponte Governador Paulo Guerra, do Viaduto João Paulo II, da Av. Eng.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

3

Page 4: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

José Estelita e Av. Sul, assim como da margem fluvial de Brasília Teimosa.

Em 20 de junho de 2004, o processo retornou à coordenadoria da 1ª Regional para nova análise tendo em vista a modificação dos projetos de três edifícios para dois.

O Secretário de Assuntos Jurídicos do Município do Recife emitiu parecer favorável ao projeto.

A DIRBAM, em 05 de novembro de 2004, reviu a posição anterior e reiterou a posição do Secretário de Assuntos Jurídicos, emitida em 13.10.04 e considerou os pareceres da GRPU-PE, CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento.

Assim, após tramitação perante os órgãos municipais, e várias alterações nos projetos iniciais, os processos 07.04542.0.03 e 07.04541.3.03 tiveram aprovação pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano do Município de Recife. Foi aprovado projeto composto por dois edifícios destinados ao uso habitacional, sendo um com área construída de 26.612,8m² e o outro com 26.686,47m², e ambos com 41 (quarenta e um) pavimentos.

Os dois prédios aprovados pelo Município do Recife estão previstos para serem edificados em terrenos distintos resultantes de desmembramento e estão inseridos na zona especial de centro principal – ZECP.

O IPHAN não foi ouvido pela Prefeitura do Recife sobre o projeto.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

4

Page 5: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Em 11 de janeiro do ano em curso, foi instaurado na Procuradoria da República nesse Estado o procedimento administrativo n.º 1.26.000.000007/2005-82, que segue em anexo, para apurar possíveis prejuízos ao patrimônio histórico nacional em face do empreendimento.

No curso do procedimento foi ouvido o Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que informou que o imóvel sob o qual será edificado o empreendimento não se encontra na área de entorno aos imóveis tombados do Bairro de São José e do Bairro Santo Antônio, pelo que o Instituto entende que não tem competência para aprovar ou desaprovar o projeto de construção (fl. 16).

2 – DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

A presente ação demonstrará que o IPHAN está a se escusar de dever que lhe é imposto pela lei, no sentido de velar pela visibilidade de imóveis tombados a nível federal. Apurou-se no procedimento administrativo, suporte da presente demanda, que o IPHAN entende que por não estar o imóvel em área tombada ou de entorno ao tombamento não é obrigado a adotar providências no sentido de proteção ao tombamento.

Contudo, como se demonstrará pela interpretação do art. 18 do Decreto-lei 25/37, toda obra que possa reduzir a visibilidade de imóvel tombado deverá passar pela análise do IPHAN, sendo que esse órgão não pode se eximir desse dever, devendo caso não seja instado a tal, adotar providências para o embargo da obra até que se PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

5

Page 6: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

manifeste quanto ao projeto, o que não se deu no caso sob luzes, pelo que o IPHAN é réu na presente ação.

O Município do Recife, por seu turno, aprovou projeto no imóvel em área vizinha a bens tombados, sem, contudo, submeter o projeto ao IPHAN, o que se visa a impedir doravante com relação ao imóvel em questão, pelo que também é réu no feito.

A empresa Moura Dubeux é ré, pois é quem pretende construir dois prédios que afetarão sobremaneira o patrimônio histórico nacional, pelo que a presente demanda objetiva, contra a construtora em questão, a procedência de pedido de não fazer, ou seja, a não edificação do empreendimento e/ou demolição do que já houver sido edificado.

3 – DA LEGITIMIDADE ATIVA:

O art. 129, inciso III, da vigente Constituição Federal, reza:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:(...)III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

A vontade legislativa que inspirou este dispositivo, mesmo antes de sua existência, já se manifestara na Lei n.º 7.347 de 24.07.1985, que trouxe ao ordenamento jurídico a chamada ação civil pública para defesa dos direitos transindividuais e indivisíveis, assim entendidos os chamados direitos e interesses individuais e coletivos.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

6

Page 7: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

A Constituição de 1988, além de reafirmar o que a legislação ordinária já contemplava, permitiu ao Ministério Público o exercício de outras funções institucionais, desde que atento às suas finalidades.

O art. 5º da Lei n.º 7.347/85 dispõe que compete ao Ministério Público Federal ajuizar a ação civil pública. A mesma Lei, em seu art. 1º dispõe ser cabível a ação civil pública para a proteção do patrimônio histórico e paisagístico. Dessa forma, resta demonstrada a legitimidade ativa do Ministério Público Federal na presente demanda.

4 – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL:

Segundo o art. 109, I da Constituição Federal os juízes federais são competentes para processar e julgar os feitos onde entidade autárquica federal for parte. É bem o caso do presente feito onde o IPHAN é réu e onde se discute a proteção a patrimônio histórico nacional.

Ademais, conforme prevê a Constituição, a União Federal, pessoa jurídica de direito público interno (art. 14, I, do Código Civil), subdivide-se em órgãos, que são parte integrante do ente. A organização da União, ou seja, sua divisão em órgãos especializados para melhor desempenhar suas funções, é disciplinada pela Carta Magna de 88, que expressamente prevê a existência do Ministério Público Federal como parte integrante da União (art. 128), pelo que se impõe o mesmo foro da União para o Ministério Público Federal quando este é parte.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

7

Page 8: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Este entendimento tem sido perfilhado por alguns tribunais pátrios, bem como pela doutrina. João Batista de Almeida, in Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública, Ed. RT, pág. 82, assim leciona:

“É certo que a Constituição não estabelece expressamente o foro para as ações promovidas pelo Ministério Público Federal. Fê-lo apenas para a União, as entidades autárquicas e as empresas públicas federais (CF, 109, I, §§ 1º e 2º). Todavia, em decorrência da simetria do Poder Judiciário da União com o Ministério Público da União (CF, arts. 101 a 110, c/c o art. 128), da atuação do Ministério Público Federal perante o Poder Judiciário (art. 127) e das funções institucionais que lhe foram atribuídas (art. 129), é inegável que o Parquet federal, na condição de órgão da União, utilize-se do mesmo foro. Não teria sentido que tal prerrogativa fosse reservada às entidades autárquicas e às empresas públicas federais, e não a órgão da Administração Direta da União, como é caso do Ministério Público Federal. Além do que, os membros da instituição (Ministério Público Federal) atuam, como regra, perante os juízes federais, por força do disposto no art. 70 da Lei Complementar 75, de 20.05.1993. Assim, a conclusão inarredável é a de que o termo União contido no art. 109, I, incs. I e II engloba, também o Ministério Público Federal”. Nesse sentido a 1ª Seção do Superior

Tribunal de Justiça no CC nº 4.927-0/DF, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ de 04.10.1993, pág. 20482, em acórdão que assim restou ementado:

PROCESSUAL - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PARTE - COMPETÊNCIA - JUSTIÇA FEDERAL. Se o Ministério Público Federal é parte, a justiça federal é competente para conhecer do processo.

No mesmo diapasão o Pleno do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do RE 228955-9/RS, DJ de 14.04.2000, pág. 56, à unanimidade reconheceu a justiça federal como competente para PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

8

Page 9: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

julgar as causas aforadas pelo Ministério Público Federal, cuja ementa se transcreve parcialmente.

" AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, I E §3º DA CONSTITUIÇÃO. ART. 2º DA LEI Nº 7.347/85.

5 – DOS BENS TOMBADOS:

A presente ação visa à proteção ao patrimônio histórico nacional, sustentando que o empreendimento promovido pela Moura Dubeux Engenharia Ltda. e aprovado pelo Município do Recife, cujo projeto não passou pelo crivo do IPHAN, trará irreparável modificação no ambiente dos Bairros São José e Santo Antônio onde se encontram inúmeros monumentos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Prejuízo irreparável também sofrerá o Bairro do Recife, tombado na sua totalidade pela mesma autarquia federal, e que ainda não se encontra com área de entorno definida, mas está a poucos metros do empreendimento.

O conjunto de construções do Bairro do Recife teve sua importância reconhecida em 14 de março de 1998, quando o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por decisão unânime, considerou o Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Antigo Bairro do Recife como monumento nacional. Em 28 de julho de 1998 a decisão do colegiado foi homologada pela Portaria n.º 263 do ministro da Cultura, Francisco Weffort.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

9

Page 10: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Sua importância histórica remonta aos idos de 1532, quando a Barra do Arrecife foi mencionada no Diário de Pero Lopes de Souza e veio a ser a Ribeira do Mar dos Arrecifes dos Navios, assim referida por Duarte Coelho Pereira em sua carta de 12 março de 1537. Leonardo Dantas Silva1 assim descreve o Bairro do Recife:

“Para o recifense, no Bairro do Recife encontra-se a origem de toda a cidade. No subúrbio ou mesmo nos bairros centrais de Santo Antônio de São José, é comum a expressão como referência certa ao nascedouro do antigo Arrecife dos Navios: Lá dentro do Recife...Quem chega a Pernambuco, ao começar seu roteiro, vai logo ao encontro do velho bairro do Recife. Ali é que o Recife mais propriamente chamado. Em torno dele, ao longo de seu porto, com os seus 3.000 metros de cais acostável, estão as origens do povoamento do Recife quatrocentão....Para esta praça, [Praça do Comércio] oficialmente denominada de Praça Rio Branco, convergem as Avenidas Marquês do Recife, Rio Branco e Barbosa Lima, que têm por esquinas os prédios do Espaço Cultural Bandepe, Associação Comercial e a antiga Bolsa de Valores, exemplos da arquitetura eclética que tomou conta do Bairro do Recife no início do século XX. Estes exemplos de ecletismos se destacam pela homogeneidade de suas edificações, em sua maioria dotada de três ou quatro pavimentos, representando um estilo que marcou o Brasil no início do século XX, no qual predominam exemplares desta escola inspirada na arquitetura européia de então.” (grifei)

O Bairro do São José, bairro no qual se encontra o imóvel para o qual foi aprovada a edificação dos espigões, conta com vários monumentos tombados, sendo a Fortaleza de São Tiago das Cinco Pontas, que fica a apenas alguns metros do local

1 Pernambuco Preservado: histórico dos bens tombados no Estado de Pernambuco , pág. 142, 144 e 145.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

10

Page 11: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

previsto para o empreendimento atacado, um dos principais fortes edificados no século XVII.

O monumento, cuja origem e história confunde-se com a da cidade do Recife, foi edificado pelos holandeses em 1630 e tinha como objetivo a defesa das cacimbas de Ambrósio Machado, ponto vital de abastecimento de água do Recife de então. Por sua forma pentagonal veio a ser chamado de Forte das Cinco Pontas, e arruinado após a expulsão dos holandeses, foi reconstruído em 1677 e 1684 para ganhar a forma quadrada, com quatro baluartes em lugar dos cinco primitivos. A Fortaleza foi palco de fatos históricos, conforme informa Leonardo Dantas2:

“No Largo das Cinco Pontas, em local assinalado com uma lápide pelo Instituto Arqueológico e Histórico Pernambucano, foi espingardeado o pensador liberal frei Joaquim do Amor Divino Caneca, redator do jornal O Typhis Penambucano (1823-24), principal líder da Confederação do Equador, instalada em Pernambuco em 1824.No mesmo ano e local, em nome da liberdade, foram também enforcados o capitão Lázaro de Souza Fontes, o major Agostinho Bezerra Cavalcante, o capitão Antônio do Monte Oliveira, o tenente Nicolau Martins Pereira, Francisco Antônio Fragoso e o cidadão inglês James Heide Rodgers.”

A Fortaleza de São Tiago das Cinco Pontas encontra-se inscrita como Monumento Nacional nos livros das Belas Artes v. 1, sob o n.º 82, em 24 de maio de 1938, Histórico, v. 1, n.º 42, em 24 de maio de 1938 (Processo n.º 101-T/38).

Também muito próximo ao local para o qual foi aprovado o empreendimento está situado o Mercado São José, cuja construção iniciou-se em 14 de junho de 1872, por determinação do presidente da província, Henrique Pereira de Lucena, tendo sido 2 Obra citada, pág. 209.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

11

Page 12: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

concluída em 7 de setembro de 1875. Tem projeto arquitetônico peculiar, pois suas linhas foram inspiradas no projeto de A. Normand para o mercado público de Grenelle (Paris) e adaptadas para o Recife pelo engenheiro J.L. Victory Lieutier da Câmara Municipal, conservando até os dias atuais detalhes da art nouveau, como as gárgulas do telhado, em forma de animais e telhas estrutura de ferro e coberta em quatro águas.

O Mercado de São José foi inscrito como Monumento Nacional no livro das Belas Artes v. 1, sob o n.º 509, em 17 de dezembro de 1973; Histórico, v. 1, n.º 445, em 17 de dezembro de 1973 (Processo n.º 883-T/73).

Nos Bairros de São José e Santo Antônio estão situadas algumas das igrejas mais antigas do país, cujas arquiteturas divergem frontalmente com o que se prevê para ser construído no imóvel de n.º 645 do Cais de Santa Rita, ou seja, dois espigões de 41 (quarenta e um) pavimentos.

Destaca-se a Concatedral de São Pedro dos Clérigos, localizada no Bairro de São José, construída de 1728 a 1782, de arquitetura singular na região nordeste do Brasil. Sobre a igreja esclarece Leonardo Dantas3:

“Para Germain Bazin, ‘a Igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife é uma das mais monumentais do Brasil. Por seu verticalismo, a fachada é absolutamente excepcional’. Por sua vez, José Antônio Gonçalves de Mello a considera a mais bela igreja de Pernambuco, salientando ter sido a sua planta elaborada pelo mestre-pedreiro Manoel Ferreira Jácome, que para ela criou uma nave de traçado octagonal inserida numa caixa quadrada, a qual ‘não deixa que se

3 Obra citada, pág. 150.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

12

Page 13: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

perceba no seu exterior a forma poligonal do seu interior’, exemplo único no Nordeste do Brasil. Observa José Luiz Mota Menezes que ‘a definição arquitetural desse interior resultou da anexação de um prisma de base octogonal, irregular, a dois outros prismas que se formaram tendo por base a planta baixa do intervalo entre as torres e a capela-mor, respectivamente. Todos esses prismas foram coroados por abóbadas de berço, de intersecção e de arestas, dando como um espaço interno já identificado com o barroco.’[...]O templo é reconhecido a distância pelas suas duas elegantes torres, coroadas por cúpulas, firmadas sobre peanhas octogonais, que se destacam, elevadamente, da base quadrangular que cobre os campanários, por uma balaustrada. Na sua fachada, uma monumental portadas em cantaria (calcário) aparece ladeada por duas colunas geminadas, sustentando sobre a porta principal as armas com as chaves do apóstolo Pedro, que aqui representam as armas da irmandade.” Como se vê o templo pode ser visto à

distância justamente em razão de seu estilo arquitetônico, cuja visibilidade agora está na iminência de ser ofendida em face de imóveis de altura e estilo arquitetônicos incompatíveis com o da igreja barroca.

Outra igreja cuja visibilidade será atingida, tendo sido tal circunstância mencionada no parecer da então Diretora Geral da DIRBAM, Norma Lacerda (anexo I do procedimento administrativo em anexo), é a Igreja de Nossa Senhora do Terço situada na confluência das ruas Direita com Águas Verdes, no Bairro de São José, cuja origem remonta ao início do século XVIII. Segundo Leonardo Dantas4 “a fachada da Igreja do Terço vem a sofrer a influência do classicismo que predominou no Recife do século XIX, ao apresentar características neoclássicas e um

4 Obra citada, pág. 161.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

13

Page 14: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

alongamento do campanário, típico das igrejas pernambucanas.”

A referida Igreja encontra-se inscrita como Monumento Nacional nos livros das Belas Artes v. 1, sob o n. 524, em 30 de dezembro de 1975; Histórico, v. I, n.º 458 (Processo n.º 922-T/75).

Por último, cito a Igreja de São José do Ribamar construído no século XVIII. Segundo Germain Bazin, “a fachada comporta, à pernambucana, o alto frontão postiço, revestido de uma rica decoração esculpida, datado de 1653, lembrando a fundação da paróquia. O altar-mor e os ornatos das tribunas inspiram-se no altar de São Bento de Olinda.” O conjunto encontra-se inscrito como Monumento Nacional nos livros das Belas Artes v. I, sob o n.º 535, em 8 de abril de 1980 (Processo n.º 923-T/75).

As fotos que constam à fl. 92 do procedimento administrativo que segue em anexo, e que foram feitas a partir do Bairro de Brasília Teimosa mostram justamente a área onde serão edificados os prédios. Pode-se ver logo atrás as torres das igrejas, monumentos tombados, que terão sua visibilidade comprometidas tanto da Bacia do Pina como de Brasília Teimosa, caso o empreendimento seja edificado.

6 – DO DIREITO:6.1. Da proteção ao patrimônio histórico e cultural – tombamento:

A proteção ao patrimônio histórico tem cunho constitucional, porquanto a Constituição PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

14

Page 15: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Federal de 1988, dando tratamento inovador e assentado sobre a matéria e fugindo à técnica usual nas Constituições estrangeiras, trata a questão de forma detalhada adotando a concepção de valor cultural de bens enquanto produto de cultura coletiva e tutelando a preservação do patrimônio cultural brasileiro, bem como impondo a repressão a danos e ameaças a referido bem:

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem:V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.§ 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.” (grifei)

Dúvida não há quanto a tendência do Estado contemporâneo quanto à necessidade de ampliação da tutela aos interesses sociais, dentre os quais encontra-se à proteção ao patrimônio cultural da nação, tanto por via constitucional, quanto infraconstitucional.

Nessa esteira de entendimento é importante ressaltar que ao interprete e aplicador da legislação cabe ter sempre em mente o intuito do Constituinte de 1988, quando disciplinou a proteção ao patrimônio cultural, estipulando o dever de zelo por parte dos órgãos públicos e a punição de atos danosos perpetrados contra o patrimônio histórico e cultural.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

15

Page 16: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

No presente caso em julgamento ganha destaque a idéia do enquadramento do patrimônio cultural como objeto de tutela do Direito Ambiental. Ao conceito moderno de ambiente, deve-se integrar, além dos ecossistemas, elementos e recursos naturais propriamente ditos, também o patrimônio cultural, produto da criação humana em sua interação com a natureza ao longo da história. Esse é o ensinamento de José Afonso da Silva5:

“O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí por que a expressão meio ambiente se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ambiente. Esta exprime o conjunto de elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas a suas formas.”

Essa integração dos chamados “bens culturais” ao direito ambiental, originária da doutrina italiana de Massimo Severo Giannini6, traz como conseqüência a conceituação ampla de ambiente para além da definição legal de “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3o, I da Lei n° 6.938/81). 5 Direito Ambiental Constitucional – 2ª Edição revista, Ed. Malheiros, São Paulo, pág. 2.6 Diffensa dell’Ambiente e del Patrimônio Naturale e Culturale, in RTDP, 1971, p. 11-22; I Beni Culturale , in RTDP, 1976, p. 3-11PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

16

Page 17: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

J. J. Gomes Canotilho7, traduz ambiente como “ambiance”, ou seja, como um “mundo humanamente construído e conformado” consistente em tudo o que está inserido na natureza, decorrente ou não da ação do homem.

Desta forma a Magna Carta impõe não só

ao poder público, mas também à comunidade o dever de zelar pelo meio ambiente, sendo, no caso específico do patrimônio histórico e cultural, o tombamento um dos instrumentos legais a garantir tal tutela.

Segundo Hely Lopes Meirelles8, “tombamento é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio.” E como bem ensina Maria Coeli Simões Pires9, o tombamento tem como fundamentos quatro pilares: o político, o constitucional, o infraconstitucional e o jurídico. O fundamento jurídico do tombamento reside principalmente no poder de polícia que tem o Estado na proteção dos bens históricos e paisagísticos. E é justamente este poder de polícia aliado aos outros pilares do tombamento que justifica as limitações impostas aos bens tombados.

Ainda segundo Hely Lopes Meirelles10, “o tombamento tanto pode acarretar uma restrição individual quanto uma limitação geral”, sendo limitação geral aquela que abrange uma coletividade, obrigando-a a respeitar padrões urbanísticos ou

7 Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente. RLJ, n. 3799, p. 2908 Direito Administrativo Brasileiro – Editora RT, São Paulo: 21ª ed., 1996, pág. 491. 9 Da Proteção ao Patrimônio Cultural - Editora Del Rey, Belo Horizonte, 199410 Obra citada, pág. 492.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

17

Page 18: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

arquitetônicos, como ocorre com o tombamento de locais históricos ou paisagísticos.

6.2 – Da proteção à visibilidade dos bens tombados:

Ganha relevo no presente caso o art. 18 do Decreto-Lei n.º 25/37, que cuida da visibilidade de bens tombados. Vejamos:

“Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.”

Entrementes, a legislação federal não mencionou a exata delimitação da área onde as limitações podem incidir, o que impõe ao aplicador da lei uma análise minuciosa no caso concreto do que seja visibilidade.

Ainda socorrendo-se da lição de Hely Lopes Meirelles11 é necessário traçar o conceito de redução de visibilidade:

“O conceito de redução de visibilidade, para fins da lei de tombamento, é amplo, abrangendo não só a tirada da vista da coisa tombada como a modificação do ambiente ou da paisagem adjacente, a diferença de estilo arquitetônico e tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, tirando o valor histórico ou a beleza original da obra ou do sítio protegido.”

Maria Sylvia Zanella Di Pietro12 também vem tratar da visibilidade, citando acórdão publicado na RTR 222:559:11 Obra citada, pág. 493.12 Direito Administrativo – Ed. Atlas, 1994, 4ª edição, pág. 120.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

18

Page 19: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

“Com relação ao alcance dessa restrição, foi proferido acórdão (in RT 222:559) em que se decidiu que ‘no conceito de visibilidade em relação a monumentos históricos há um sentido mais amplo que envolve outros aspectos além da simples visibilidade física, inclusive a respeitabilidade do imóvel protegido que pode ser prejudicada com ligeiras construções de madeira, como seja um pórtico com aparelhos de ginástica, embora não lhe impedindo de todo a visão’. Tratava-se de hipótese em que se pretendia erguer pórtico com aparelhos de ginástica nas proximidades de um convento tombado.”

O acórdão citado foi proferido pelo

extinto Tribunal Federal de Recursos, na Apelação Cível 1.5 (Embargos)-PB, em 5 de dezembro de 1952, Rel. J.J Queiroz.

Paulo Affonso Leme Machado13 ao tratar do instituto do tombamento também se preocupou com visibilidade dos bens tombados:

“Procurou-se proteger a visibilidade da coisa tombada, seja monumento histórico, artístico ou natural. O monumento ensina pela presença e deve poder transmitir uma fruição estética mesmo ao longe. Não só o impedimento total da visibilidade está vedado, como a dificuldade ou impedimento parcial de se enxergar o bem protegido. Nota-se que a vizinhança passou a ser tutelada a ponto de Pontes de Miranda ensinar: ‘aí está, a favor do titular do direito de propriedade da coisa tombada, direito de vizinhança, não previsto no Direito das Coisas. Trata-se de direito público de vizinhança.” (grifei)

Esse conceito amplo da visibilidade do

bem tombado vem justamente adequar-se à visão moderna do meio ambiente já traçada, pois não podem ser dissociados o bem tombado ou o sítio histórico tombado do ambiente que o circunda. Por isso, as 13 Direito Ambiental Brasileiro – 9ª edição, Malheiros, São Paulo, pág. 858.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

19

Page 20: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

modernas políticas ambientais têm dado relevo ao patrimônio cultural e as paisagens de seu entorno.

Nesse sentido é a visão exposta por Édis Milaré14:

“A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo.Esta visão faz-nos incluir no conceito de ambiente, além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso em realizações significativas que caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as paisagens de seu entorno”. (grifei)

Como se vê muito se tem escrito sobre a visibilidade dos bens tombados, sendo pacífico na doutrina que o conceito é amplo, não abrangendo tão-somente a visão física do bem, mas principalmente a harmonia do ambiente em que está situado, incluindo aí seu estilo arquitetônico. Daí se dizer que é no concreto que o aplicador da lei poderá avaliar se uma edificação poderá ou não infringir o art. 18 do Decreto 25/37.

Frise-se também que o conceito de vizinhança não pode ser matemático. Qualquer obra que reduza a visibilidade de bem tombado, mesmo que guarde distância do referido bem, deve ser obstada ou demolida. Dessa forma, mesmo que o imóvel a ser edificado não seja contíguo ao tombado pode reduzir-lhe a visibilidade, o que é vedado pela lei. Daí a importância do que se disse acima, ou seja, é no 14 Direito Administrativo Brasileiro. 26ª edição, Malheiros, 2001PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

20

Page 21: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

concreto que o aplicador da lei poderá avaliar se uma edificação poderá ou não infringir o art. 18 do Decreto 25/37. Vejamos o que diz trecho do parecer n.º H-791 da Consultoria Geral da República, publicado na RDA 97, pág. 318/319:

“Não basta que a construção esteja na vizinhança da coisa tombada, é necessário que a mesma impeça ou reduza sua visibilidade. Essa vizinhança não está – nem poderia estar – delimitada matemàticamente. Está, entretanto, condicionada ao prejuízo da visibilidade da coisa tombada. Se êsse prejuízo não existir, também inexiste a possibilidade de aplicação do art. 18 do Decreto-lei n.º 25, de 1937.”

Também no mesmo sentido interessante artigo de autoria de Antônio Silveira R. dos Santos, Juiz de Direito em São Paulo, e publicado no Correio Brasiliense em 20 de maio de 2002:

“Diz o art. 18 do Decreto-lei nº 25/37 que ‘‘sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não poderá, na vizinhança de coisa tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto’’. Com essa disposição, o legislador quis proteger a visibilidade do bem tombado, mormente porque um edifício tombado por representar uma arquitetura antiga ou histórica pode perder seu efeito de registro histórico, caso venha a ter sua visibilidade prejudicada, perdendo assim uma de suas principais motivações de preservação. Assim, quando se fala em vizinhança, está-se falando em entorno, e vizinhança não quer dizer que deva ser o imóvel do lado, ou limítrofe, pode ser imóvel que guarda certa distância. No caso de preservação da estética externa de edifício, é evidente que esse conceito de vizinhança e entorno tem que ser considerado mais amplo, devendo ir até aonde a visão do bem alcança a sua finalidade, que é permitir a conservação de sua imagem de importância arquitetônica ou histórica, ou até onde a influência de outros imóveis não atrapalha a sua

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

21

Page 22: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

imagem a ser preservada, a qual muitas vezes inclui jardins, fontes e visualização ímpar. Assim, a imagem do bem constituído de importância deve fluir livre de empecilhos. Em suma, os proprietários de prédios vizinhos de bem imóvel tombado sofrem restrições administrativas em seu direito de construir, por força das conseqüências do tombamento. Não podem. assim, em sua área de entorno ou envoltória, construir sem a devida autorização do órgão competente, sob pena de se ver obrigado a pagar multa, independentemente de ser compelido a demolir a obra e restaurar o local, inclusive por ordem judicial, ...”(grifei)

Nessa linha de raciocínio é de se destacar excerto do parecer técnico subscrito pela então Diretora Geral de Urbanismo da Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente que se encontra no Anexo I do procedimento administrativo que acompanha a presente inicial:

“3 – os prédios projetados, com 99,15 metros de altura, interferem negativamente nas visadas do conjunto urbano de Santo Antônio, São José e Bairro do Recife que abrigam um importante acervo patrimonial (Igrejas, Casa da Cultura, Museu das Cinco Pontas, Palácio das Princesas, Estação da Rede Ferroviária, Palácio da Justiça, entre outros). Em relação ao entorno imediato, chama-se a atenção que o Cais de Santa Rita deveria ter sido considerado como área de ambiência da Zona Especial de Preservação do Sítio Histórico dos Bairros Santo Antônio e São José (ZEPH 10), particularmente, pela presença do Forte das Cinco Pontas, Mercado de São José e das Igrejas do Terço, São Pedro dos Cléricos e São José do Ribamar, todos tombados pelo IPHAN. Como se pode depreender, mediante montagem anexa, os prédios rompem os padrões urbanísticos de vizinhança, um dos aspectos definidores de impacto conforme o art. 62 da Lei n.º 16.176/96.”

Evidentemente que duas torres de 41 (quarenta e um) pavimentos no Bairro de São José, mais especificamente a alguns metros do Forte de Cinco Pontas e das Igrejas, comprometerão a visibilidade dos imóveis e monumentos tombados PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

22

Page 23: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

naquele bairro e comprometerão o visual como um todo dos Bairros de São José, Bairro de Santo Antônio e Bairro do Recife.

A visão que se terá dos referidos bairros estará completamente modificada, haja vista que tais bairros mantiveram-se, ao longo dos anos, com construções de baixo gabarito, e com feições harmônicas aos monumentos tombados que lá estão situados. O estilo das construções do empreendimento da Moura Dubeux Engenharia Ltda. previsto para o Cais de Santa Rita e que foi aprovado pelo Município do Recife, ou seja, dois espigões, é completamente distoante da paisagem adjacente, pois são de estilo arquitetônico diverso e sem harmonia com o conjunto do Bairro São José, Santo Antônio e Bairro do Recife, mormente em face do altíssimo gabarito dos prédios.

Conclui-se, pois, que o empreendimento autorizado pelo Município do Recife trará enorme prejuízo ao patrimônio histórico e cultural nacional, pelo que deve ser obstado pelo Poder Judiciário federal.

No diapasão da proteção ao entorno dos

bens tombados, ressaltando o conceito de visibilidade de Hely Lopes Meirelles e Paulo Affonso Leme Machado, transcritos acima, já decidiu o Tribunal Regional da 5ª Região, na Apelação Cível 3214-SE, Relator Desembargador Federal, Lázaro Guimarães:

“Ementa: Administrativo. Prédio tombado. Obra que prejudica a sua visibilidade e situa-se em sua vizinhança. Demolição com base no art. 18 do Decreto Lei 25/37. Apelo e remessa improvidos.”

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

23

Page 24: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Do voto do Desembargador Federal Lázaro Guimarães, extrai-se:

“O laudo pericial (fls. 82/83), subscrito inclusive pelo assistente técnico da apelante, conclui que a construção embargada prejudica, ora parcial, ora totalmente, dependendo do ângulo em que se coloque o observador, a visibilidade do monumento tombado, com quebra da harmonia do conjunto arquitetônico.

Esclarece, mais, que a obra se encontra na vizinhança da Igreja Matriz, dela distando apenas 44,10 metros.

Nessa prova se baseou o culto Juiz sentenciante e, mais, nas lições sobre os conceitos de visibilidade e de vizinhança, aplicados à preservação de monumentos, de Karl Engisch, Hely Lopes Meirelles e Paulo Afonso Lema Machado.

Sem razão a apelante quando afirma que a sentença ampliou a extensão do tombamento. O art. 18 do Decreto lei 25/37 é claro quando proíbe construção na vizinhança de obra tombada, impedindo-lhe ou reduzindo a visibilidade.”

A sentença proferida pelo então juiz federal Castro Meira, e confirmada pelo acórdão acima, traz relevante interpretação quanto ao conceito de vizinhança, mormente quando se trata da vedação legal descrita no art. 18 do Decreto-lei 25/37:

“O conceito da vizinhança está entre aqueles que os doutrinadores definem como um ‘conceito jurídico indeterminado’, entendido por KARL ENGISCH como ‘um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos’ (Introdução ao Pensamento Jurídico, pág. 173). O julgador deve, então, estar atento aos valores jurídicos que inspiraram a proibição legas, sem maior preocupação com o mero aspecto físico da questão. A vizinhança atinge no caso toda a praça onde se acha o monumento, pois a preocupação é fundamentalmente de natureza estética para salvaguardar as características arquitetônicas do local.” O Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, também já decidiu da mesma forma:PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

24

Page 25: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

“DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. BEM TOMBADO. CONSTRUÇÃO IRREGULAR NO ENTORNO. CF. ARTIGO-05, INCISO-22 E INCISO-23. DECRETO-LEI-25/37, ARTIGO-18 E LEI-3924/61, ARTIGO-01 E ARTIGO-02.A CONSTRUÇÃO IRREGULAR, EM AREA PROXIMA DE BEM TOMBADO EM RAZÃO DE SUAS CARACTERISTICAS HISTORICAS E ARQUITETONICAS, JUSTIFICA A DECISÃO JUDICIAL DE DESTRUIÇÃO, POIS O INTERESSE INDIVIDUAL DO PROPRIETARIO DEVE CEDER DIANTE DO INTERESSE SOCIAL DO PODER PUBLICO NA PRESERVAÇÃO DO BEM CULTURAL.” (grifei) (TRF 4ª Região, Primeira Turma, Rel. Desembargador Federal Vladimir Freitas, processo 910401871-0, publicado no DJ de 02/12/92, pág. 40557)

6.3 – Da visibilidade dos bens tombados no Direito Comparado:

Como parâmetro para analogia pode-se citar o direito comparado, onde se verifica que as legislações francesa, espanhola e italiana comportam oportunas limitações ao direito de propriedade dos imóveis situados na vizinhança da coisa tombada, não se restringindo a guardar-lhe a visibilidade. Nesse ponto também se socorre da obra de Paulo Affonso Leme Machado15:

“A legislação francesa estabeleceu ‘quando um imóvel está situado no campo da visibilidade de um edifício classificado ou inscrito, não se pode fazer, tanto por parte das propriedades privadas como das coletividades e estabelecimentos públicos, nenhuma construção nova, nenhuma demolição, nenhum desmatamento, nenhuma transformação ou modificação de natureza a afetar o aspecto, sem autorização prévia’ (art. 13-bis da Lei de 31.12.1913, alterado pela Lei 66-10.2, de 30.12.1966). E com referência aos monumentos naturais prescreve a legislação da França: ‘Em torno dos monumentos naturais e dos sítios inscritos pode ser estabelecida uma zona de proteção, observando-se as seguintes condições: 1. O préfer (semelhante ao nosso governador), após parecer da

15 Obra citada.PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

25

Page 26: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

comissão regional das operações imobiliárias, de arquitetura e dos espaços protegidos, estabelece um projeto de proteção, contendo o plano das parcelas, constituindo a zona a proteger, com a indicação das prescrições a serem impostas para assegurar essa proteção.’ A lei espanhola (Decreto 1.346, de 9.4.1976 – texto refundido da Lei 19/75 sobre o regime do solo e o ordenamento urbano) previu em seu art. 73: ‘as construções terão que adaptar-se, no essencial, ao ambiente em que estiverem situadas e para tal efeito: a) as construções em lugares imediatos ou que formem parte de um grupo de edifícios de caráter artístico, histórico, arqueológico, típico ou tradicional terão que harmonizar-se com o mesmo, ou quando, sem existir conjunto de edifícios, houver algum de grande importância ou qualidade com os caracteres indicados; b) nos lugares de paisagem aberta e natural, seja rural ou marítima, ou nas perspectivas que ofereçam os conjuntos urbanos de características histórico-artísticas, típicos ou tradicionais, e nas imediações de estradas e vias de trajeto pitoresco, não se permitirá que a situação, massa, altura dos edifícios, muros e fechos, ou a instalação de outros elementos, limite o campo visual para contemplar as belezas naturais, rompa a harmonia da paisagem ou desfigure a perspectiva própria da mesma’.Na legislação italiana a Lei 1.089, de 1.6.1939, estatui que o ‘Ministro para os bens culturais e ambientais tem a faculdade de prescrever a distância, a medida e outras normas para evitar que seja posta em perigo a integridade da coisa imóvel sujeita à tutela artística e histórica ou que seja prejudicada a perspectiva e visibilidade ou haja alteração das condições do ambiente e do decoro’. Os autores mencionados assinalam tratar-se de vínculo indireto que se insere no vasto quadro da categoria geral dos limites legais da propriedade’. Acentuam ser considerado ‘constitucionalmente legítimo que o art. 21 não preveja indenização.” (grifei)

Vê-se, pois, que a legislação espanhola e italiana ressaltam a necessidade de se manter inalterado as condições do ambiente, aí incluída a harmonia da paisagem onde se encontra um bem tombado. PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

26

Page 27: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

6.4 – Da infração à legislação municipal:

O empreendimento aprovado pelo Município do Recife ora atacado, justamente por macular a visibilidade dos sítios históricos dos bairros mais antigos da cidade, além de ferir o art. 18 do Decreto 25/37, afronta também a legislação municipal que prevê exaustivamente a proteção ao patrimônio histórico e cultural. A Lei n.º 15.547/91 que estabelece Diretrizes Gerais da Política Urbana e o Plano Diretor de Desenvolvimento da cidade do Recife, prevê em diversos dispositivos a obrigatoriedade de preservação ao patrimônio histórico e cultural da cidade.

Ao disciplinar os objetivos e diretrizes gerais a Lei dispõe:

“Art. 2º. São objetivos da Política urbana:• o pleno desenvolvimento das funções sócio-econômicas da cidade;• o bem estar e melhoria da qualidade de vida dos citadinos;• a integração da cidade do Recife no contexto metropolitano;• a participação ativa da cidade do Recife no processo de

desenvolvimento nacional;• a preservação das características e dos valores culturais da

cidade;• a proteção, valorização e uso adequado do meio ambiente, das

amenidades e da paisagem urbana;• a articulação dos diversos agentes públicos e privados atuantes na

cidade no processo de desenvolvimento urbano.Parágrafo único. A cidade cumpre suas funções sociais na medida em que assegura o direito de todos os citadinos ao acesso:• à moradia;• ao transporte coletivo;• ao saneamento;• à energia elétrica;• à iluminação pública;• ao trabalho;• à educação;• à saúde;• ao lazer;• à segurança;• ao patrimônio cultural e ambiental;

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

27

Page 28: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

• ao culto religioso;• à cultura.” (grifei)

“Art. 3º. Constituem diretrizes gerais da política da cidade do Recife:I - a ordenação da cidade para o conjunto de toda a sociedade recifense, sem exclusão ou discriminação de quaisquer segmentos ou classes sociais, e sua valorização como espaço coletivo;II - o desenvolvimento e a utilização plena do potencial existente na cidade, assegurando seus espaços, recursos e amenidades como bens coletivos, acessíveis a todos os cidadãos;III - a dotação adequada de infra-estrutura urbana, especialmente na área de saneamento básico, mediante:a) a plena e racional utilização, manutenção e recuperação dos sistemas de infra-estrutura e dos equipamentos existentes;

b) o desenvolvimento de tecnologias locais apropriadas à resolução dos problemas urbanos e ao uso dos recursos disponíveis;IV - a garantia da prestação de serviços urbanos, em níveis básicos, a toda a população da cidade;V - o condicionamento da prestação de serviços urbanos compatíveis a uma contraprestação paga diretamente por seus beneficiários efetivos ou potenciais;VI - a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente, da paisagem urbana e do patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade;VII - à adequação das normas de urbanização às condições de desenvolvimento econômico, cultural e social da cidade;VIII - a apropriação coletiva da valorização imobiliária decorrente dos investimentos públicos;IX - a universalização das obrigações e direitos urbanísticos para todos os segmentos da cidade, independentemente de seu caráter formal ou informal;X - a regulamentação dos instrumentos de gestão da cidade, necessários à garantia da participação e controle social.” (grifei)

E ao tratar da função social da propriedade urbana preceitua que a mesma estará cumprindo mencionada função quando as atividades que nela se realizem atenderam à preservação do ambiente:

“Art. 4º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando nela se realizam atividades de interesse urbano, atendidos conjuntamente os seguintes requisitos:I - intensidade de uso adequada à disponibilidade da infra-estrutura urbana de equipamento e serviços;II - uso compatível com as condições de preservação da qualidade do meio ambiente e da paisagem urbana;III - garantia da segurança e saúde dos seus usuários e da vizinhança.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

28

Page 29: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Parágrafo único. São atividades de interesse urbano aquelas inerentes às funções sociais da cidade e ao bem-estar coletivo, incluindo:I - a habitação;II - a produção e o comércio de bens;III - a prestação de serviços;IV - a circulação de pessoas e bens;V - a preservação do patrimônio histórico, cultural, ambiental e paisagístico;VI - a preservação dos recursos necessários à vida urbana, tais como os mananciais, as áreas arborizadas, os cursos d'água, os manguezais, estuários e a faixa litorânea;VII - a revitalização de áreas não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas com a instalação de usos indutores de desenvolvimento;VIII - a conservação e o uso racional dos recursos hídricos e minerais.” (grifei)

Ainda a mesma Lei, ao tratar dos objetivos e diretrizes da produção e da organização do espaço urbano, prevê:

“Art. 13. A Política de produção e organização do espaço urbano será orientada pelos seguintes objetivos:I - aumentar a eficiência da Cidade, reduzindo os custos de urbanização, otimizando os investimentos públicos realizados e estimulando os investimentos imobiliários para as áreas onde a infra-estrutura básica esteja subutilizada;II - promover a recuperação de áreas públicas, liberando o solo para usos coletivos e paisagísticos e propiciando a melhoria das condições do ambiente construído;III - condicionar a expansão de ocupação periférica e de ampliação do espaço construído à capacidade de atendimento da infra-estrutura básica;IV - garantir a preservação do patrimônio natural do município;V - redescobrir e valorizar a fisionomia e a visualização dos elementos que conferem peculiaridades à Cidade do Recife, como as águas, o relevo, a vegetação e a paisagem construída;VI- garantir a preservação do patrimônio histórico-cultural representativo e significativo da memória urbana;VII - dar prioridade e garantir o tratamento urbanístico das Zonas Especiais de Interesse Sociais - ZEIS.” (grifei)

Seguindo os preceitos acima, o Município do Recife vem estruturando juntamente com o Município de Olinda propostas de diretrizes e indicativos que favoreçam uma ação integrada entre as administrações municipais e estadual no sentido de estimular a dinamização econômica da região, a partir da perspectiva de afirmação de seu acervo e PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

29

Page 30: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

valores culturais, respeitando padrões de conservação do seu patrimônio histórico e ambiental. Trata-se do Complexo Turístico-Cultural Recife Olinda, que segue em anexo (Anexo III).

O Complexo em questão prevê indicativos para modificações na regulamentação do Uso e Ocupação do Solo, trazendo para o Cais José Estelita, continuação do Cais de Santa Rita, a diretriz de privilegiar a leitura da paisagem e visadas transversais à avenida, assegurando a leitura do conjunto histórico de São José. Os parâmetros para construções na área seria de gabarito escalonado, mais vertical na área sudoeste próximo a Cabanga e reduzido nas proximidades da ZEPH São José, mantendo-se a escala do conjunto. Define também que sejam estabelecidos recuos generosos, alta taxa de solo natural, garantindo visadas para a Bacia do Pina a partir da avenida Sul.

Vê-se que o Complexo Turístico preocupa-se com o gabarito das construções justamente para garantir a visibilidade do patrimônio histórico e cultural dos Bairros de São José e Santo Antônio. Por oportuno, transcrevo trecho da proposta (fl. 85):

“Na figura acima uma visão de conjunto permite ver o escalonamento proposto, com as edificações em tom lilás nas margens da bacia dimensionadas à escala do conjunto do sítio histórico, enquanto que na parte esquerda da ilustração figuram edificações com perfil vertical crescente (em amarelo e vermelho) tanto à medida que se afastam da margem, quanto à medida que ocupam a parcela oeste, distanciada do perímetro do sítio protegido, assegurando as visadas do conjunto do casario e das torres das igrejas a partir das pontes Agamenon Magalhães e Paulo Guerra, e da margem oposta da bacia, no bairro de Brasília Teimosa –

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

30

Page 31: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

cuja orla já foi objeto de estudos para requalificação urbana, com maior apropriação pública.” (grifei)

O projeto ora atacado foi aprovado em total desconsideração com o Complexo Turístico – iniciativa de grande valia para os Municípios de Recife e Olinda – que prevê para o local imóveis de baixo gabarito o que garante as visadas do conjunto de casario e das torres das igrejas a partir das pontes Agamenon Magalhães e Paulo Guerra e da margem oposta da bacia, no Bairro de Brasília Teimosa. De fato a imagem que se tem dos Bairros de São José, Santo Antônio e até mesmo de parte do Bairro do Recife, considerando-se como referencial as pontes Agamenon Magalhães e Paulo Guerra será inteiramente modificada com a construção dos espigões. Várias torres de igrejas não poderão ser visualizadas, incluindo-se aí a desarmonia arquitetônica e a modificação do ambiente que poderão ser observadas.

É de se destacar que a revitalização dos bairros centrais da Capital é meta do Município do Recife. Poder-se-ia argumentar que o projeto ora atacado tem como objetivo possibilitar a moradia no centro da cidade com qualidade. Contudo, isso não pode ser feito em prol de alguns particulares e prejuízo ao patrimônio histórico nacional e, por conseqüência, em prejuízo a toda a coletividade.

O retorno de moradias ao centro do Recife poder-se-ia dar com o incentivo municipal à revitalização de prédios antigos, que poderiam ser recuperados e destinados à moradia, bem como com construção de obras novas, compatíveis, no entanto, com o padrão arquitetônico dos bairros que contam com imóveis e sítio tombados.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

31

Page 32: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

À guisa de esclarecimento, oportuno transcrever trecho de artigo de autoria do economista ecológico e pesquisador social da Fundação Joaquim Nabuco, Clóvis Cavalcanti, publicado no Diário de Pernambuco em 09 de janeiro do ano em curso, e que evidencia o sentimento e apreensão do cidadão ao ver que o patrimônio histórico recife está na iminência de sofrer uma agressão (documento de fl. 06 do procedimento administrativo que instrui o feito):

“Aliás, como se não bastasse a brutalidade de nosso modelo urbanista ‘moderno’, a Prefeitura do Recife acaba de permitir a construção de dois espigões gigantescos em área de casario baixo, próxima do bairro de São José, à beira do cais da antiga Mesbla. Subindo ao terraço do Paço Alfândega há dois domingos, em suave entardecer recifense, fiquei imaginando a agressão que esses dois novos arranha-céus vão causar à paisagem.”

Com efeito, conclui-se que o Município detém competências no plano de edificação da Capital pernambucana. Contudo, deve respeitar as outras esferas de competência do ordenamento jurídico pátrio, no caso, o Decreto-lei 25/37, pelo que qualquer projeto que possa interferir na visibilidade do patrimônio histórico nacional deve ser submetido por esse órgão ao IPHAN, que detém competência para análise quanto à ofensa ao patrimônio histórico e cultural. No caso do imóvel situado no n.º 645 do Cais de Santa Rita, nesta Capital, dependendo dos padrões da construção, essa poderá afetar a visibilidade dos imóveis tombados, pelo que se faz necessária a intervenção do IPHAN, para regular análise sob o âmbito do patrimônio histórico, o que não ocorreu no caso em tela.

Por seu turno, não pode o IPHAN negar-se a seu poder-dever de proceder à análise técnica e PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

32

Page 33: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

legal quanto à aprovação de construção que reflita em imóvel tombado pelo órgão. E no caso em julgamento, como demonstrado, o projeto aprovado pelo Município do Recife afetará a visibilidade, principalmente considerando-se a amplitude do conceito de visibilidade que abriga também a harmonia do conjunto arquitetônico, dos imóveis tombados no Bairro de São José, Santo Antônio, bem como do sítio tombado do Bairro do Recife.

Desta forma, diante de imposição constitucional e legal de proteção ao patrimônio histórico, a construção de imóvel em área vizinha a coisa tombada deve ser rigorosamente fiscalizada e autorizada pelo IPHAN, depois de procedimento legal que, atento às condições do imóvel, resguarde o patrimônio histórico e cultural, uma vez que a análise técnica do IPHAN propicia a aferição dos efeitos quanto à redução da visibilidade do imóvel tombado.

7 – DA TUTELA ANTECIPADA OU LIMINAR:

A presente ação objetiva a tutela jurisdicional no sentido de que seja decretada a nulidade da aprovação do projeto da Moura Dubeux para a edificação de dois edifícios destinados ao uso habitacional, sendo um com área construída de 26.612,8m² e o outro com 26.686,47m², e ambos com 41 (quarenta e um) pavimentos previstos para serem construídos na área onde hoje se encontra o imóvel n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE, com a conseqüente proibição de se construir os referidos edifícios no local. Tem também como pedidos a condenação do Município do Recife a submeter ao Instituto do Patrimônio PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

33

Page 34: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Histórico Nacional e Artístico – IPHAN qualquer projeto que tramite perante aquele órgão referente ao imóvel em questão e a condenação do mesmo Instituto a analisar qualquer projeto que seja submetido a esse órgão para edificação o mesmo imóvel.

Porém, para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, além da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, necessária a concessão de tutela antecipada para suspender os efeitos da autorização concedida pelo Município.

A Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao dar nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pleito inicial:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ouII - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Por conseguinte, trata-se o instituto da tutela antecipada da realização imediata do direito, já que dá ao autor o bem por ele pleiteado. Dessa forma, desde que presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

34

Page 35: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Destarte, verificamos que as condições para que o magistrado conceda a tutela antecipada, são: a) verossimilhança da alegação; b) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e, comentando tais requisitos, o Juiz Federal Teori Albino Zavascki pondera que:

“Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade” (Antecipação da Tutela, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, fls. 75-76).

Araken de Assis, em sua obra “Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela”, Ed. Revista dos Tribunais, p. 30, assevera que “a verossimilhança exigida no dispositivo se cinge ao juízo de simples plausibilidade do direito alegado em relação à parte adversa. Isso significa que o juiz proverá com base em cognição sumária”.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

35

Page 36: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Assim, o juízo de verossimilhança reside num juízo de probabilidade, resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta.

Mister analisar que na ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior já que com ela se visa a tutelar os interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens de vida de toda sociedade, como ocorre no presente caso.

Nessa esteira, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, em seu monumental Código de Processo Civil Comentado, comentam:

“3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461, § 3°, com a redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer. V. coment. CPC 273, 461, § 3° e CDC 84, § 3° .” (3ª edição, revista e ampliada, Revista dos Tribunais, 1997, p. 1.149)

A existência do fumus boni iuris mostra-se clara, visto que a construção dos espigões afeta a visibilidade de bens tombados, modificando o ambiente arquitetônico necessário à preservação do patrimônio histórico nacional, ferindo, portanto, norma constitucional (art. 216, §1º da CF) e o art. 18 do Decreto-lei n.º 25/37.

A urgência, ou periculum in mora, também restou caracterizada tendo em vista que o

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

36

Page 37: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

projeto já foi aprovado para construção, tendo a construtora lançado o empreendimento.

Não há, por outro lado, irreversibilidade na medida, uma vez que a qualquer tempo, se por acaso o Poder Judiciário vier a convencer-se nesse sentido, poderá revogar-se a antecipação de tutela e permitir-se a construção atacada.

Caso, por qualquer motivo, Vossa Excelência entenda que não é cabível a antecipação da tutela, requer que seja determinada a proibição de edificação da obra descrita no presente feito, sob a forma de medida liminar na ação civil pública, consoante autoriza o art. 12 da Lei no 7.347, de 1985.

8 – DO PEDIDO:

Diante do exposto, requer o Ministério Público Federal:

8.1 – que seja concedida tutela antecipada (art. 273 do CPC) ou liminar (art. 12 da Lei n.º 7.347/85), para que seja determinada à Moura Dubeux Engenharia Ltda., até o julgamento final da presente ação, a proibição de edificação de dois edifícios destinados ao uso habitacional, sendo um com área construída de 26.612,8m² e o outro com 26.686,47m², e ambos com 41 (quarenta e um) pavimentos prevista para ser edificada na área onde hoje se encontra o imóvel n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE;

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

37

Page 38: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

8.2 – julgar procedente o pedido declarando para tornar sem efeito a aprovação concedida pelo Município do Recife à Moura Dubeux Engenharia Ltda. para edificação da obra descrita na presente peça, ou seja, dois edifícios destinados ao uso habitacional, sendo um com área construída de 26.612,8m² e o outro com 26.686,47m², e ambos com 41 (quarenta e um) pavimentos prevista para ser edificada na área onde hoje se encontra o imóvel n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE;

8.3 – por conseqüência, julgar procedente o pedido para condenar a Moura Dubeux Engenharia Ltda. na obrigação de não fazer, consistente na não edificação da obra descrita no item anterior e prevista para área onde hoje se encontra o imóvel n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE;

8.4 – tendo sido a obra iniciada ou edificada no curso do feito, segundo o projeto aprovado pelo Município do Recife, que seja julgado procedente o pedido, para que a ré Moura Dubeux Engenharia Ltda. seja condenada a obrigação de fazer, consistente na demolição da obra descrita nos dois itens anteriores;

8.5 – a condenação do Município do Recife a submeter ao Instituto do

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

38

Page 39: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Patrimônio Histórico Nacional e Artístico – IPHAN qualquer projeto que tramite perante aquele órgão para edificação no imóvel situado no n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE; 8.5 – a condenação do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional e Artístico – IPHAN na obrigação de fazer consistente em analisar qualquer projeto que seja submetido a esse órgão para edificação no imóvel situado no n.º 645, Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife, PE;

8.6 – autuação e recebimento da presente inicial com a documentação em anexo, ou seja, o procedimento administrativo n.º 1.26.000.000007/2005-82 e seus três anexos;

8.7 - a citação dos réus;8.8 – fixação de multa em caso de descumprimento da tutela antecipada ou liminar;

Protesta o Ministério Público Federal pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente, oitiva de testemunhas, a juntada posterior de documentos e a realização de prova pericial e inspeção judicial.

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

39

Page 40: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA … · CPRH/GERCO, Marinha do Brasil, DIRMAM, DEV e DIRCOM, posicionando-se favorável ao empreendimento. Assim, após tramitação perante

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Recife, 1º de março de 2005.

Luciana Marcelino Martins Procuradora da República

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO - Av. Agamenom Magalhães, 1800 – Espinheiro – Recife/PECEP.: 52.021-170 - Fone: (081)3427-7300

40