indústria da música ou indústria do disco? a questão dos suportes e de sua...
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Indstria da msica ou indstria
do disco? A questo dos suportes e de
sua desmaterializao no meio musical1
Eduardo Vicente2
1 Este artigo a verso revisada e expandida da comunicao apresentada no I Congresso da
IASPM (International Association for the Study of Popular Music), realizado na Universidade
Nova de Lisboa, em Portugal, entre 27 e 31 de outubro de 2010. A participao nesse
congresso se deu a partir do apoio concedido pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado
de So Paulo (Fapesp).
2 Doutor em comunicao pela Universidade de So Paulo (USP). Professor do Programa de
Ps-Graduao em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicaes e Artes da
Universidade de So Paulo (ECA-USP). [email protected]
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Resumo
A inteno deste texto oferecer um relato acerca do desenvolvimento
histrico da indstria fonogrca a partir da perspectiva dos seus
suportes de distribuio. Ele parte da premissa de que a questo dos
suportes fundamental para a compreenso tanto de muitas das
caractersticas assumidas pela indstria ao longo de sua histria
como a concentrao econmica, a sua vinculao s editoras musicais
e a relao entre hardware e software quanto de sua crise atual.
Palavras-chave
Indstria fonogrca, distribuio musical, suportes musicais.
Abstract
The present paper intends to offer a report on the historical developmentof the phonographic industry under the perspective of its distribution
supports. It considers the premise that the matter of the support is
essential to understanding both the many characteristics such industry
acquired during its history as economic concentration, linkage to
music editors and the relationship between hardware and software
and its current crisis.
Keywords
Phonographic industry; musical distribution; musical support.
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Esse texto busca oferecer subsdios para a compreenso do cenrio atual
da indstria fonogrca a partir de uma discusso histrica do desenvolvimentodos suportes de gravao que ela utiliza e dos impactos previstos ou no
gerados por sua substituio.
Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que o termo suporte refere-
se aqui aos meios, tanto fsicos (LPs, CDs, tas K7 etc.) quanto virtuais (WAV,
MP3, AIFF, WMA etc.), atravs dos quais a msica gravada distribuda e
consumida. Em segundo lugar, parte signicativa deste texto est vinculada
dissertao de mestrado que produzi ainda em 19963, de modo que entendo
que no h propriamente uma novidade nos dados apresentados. Acredito, no
entanto, que o relato no s oferece um substrato histrico mais detalhado
para pesquisas sobre o tema como busca explicitar a articulao entre direitos
autorais, produo de contedo e inovao tecnolgica, que tem marcado a
atuao da indstria fonogrca desde seu incio e me parece crucial para a
compreenso de sua crise atual.
O incio
O marco inicial do desenvolvimento da indstria de gravaes musicais,
ainda por meios mecnicos, pode ser situado no ano de 1888, quando a North
American Phonograph Company requereu as licenas de comercializao do
phonograph um aparelho mecnico de gravao e reproduo sonora que
operava com cilindros e fora inventado por Thomas Edison em 1878 (FRITH,
1992, p. 52). A campanha inicial para a venda dos equipamentos que focava
seu uso em escritrios, para o registro de textos ditados foi, segundo Patrice
Flichy, muito malsucedida. Por conta disso, a companhia passou a investir no
potencial do equipamento enquanto meio de entretenimento, oferecendo a seus
clientes cilindros com msica Sentimental, Tropical, Cmica, Irlandesa e
Negra (FLICHY, 1982, p. 52).
3 VICENTE, E.A msica popular e as novas tecnologias de produo musical. Dissertao (mestrado) IFCH, Unicamp,
Campinas, 1996.
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Foi nesse cenrio que, tambm em 1888, Emile Berliner desenvolveu
o gramophone um aparelho reprodutor de udio que utilizava discos emlugar de cilindros. Em 1893, Berliner formou, para a comercializao de seu
equipamento, a United States Gramophone Company e, no ano seguinte,
contratou o pianista Fred Gaisberg como seu diretor de gravao e descobridor
de talentos. Por comercializar um aparelho que se destinava exclusivamente
reproduo de udio, Berliner considerou desde o incio a necessidade de produzir
discos gravados. Por isso, em 1897, criou aquele que pode ser considerado o
primeiro estdio comercial de gravaes do mundo e, em 1900, j oferecia a
seus clientes um catlogo com 5.000 ttulos (FLICHY, 1982, p. 23).
Com a armao do consumo de um repertrio musical como base da
indstria primeiro, com a msica erudita (especialmente a pera) e, a partir
dos anos 20, com a msica popular , tivemos tambm a consolidao do disco
de 78 rpm como seu suporte padro. Com isso, os cilindros gravveis foram
relegados ao esquecimento, ao mesmo tempo que os equipamentos eltricos
substituam os mecnicos.
A partir do nal da dcada de 40, a indstria fonogrca j consolidada
portanto como indstria musical inicia um novo ciclo de transformaes. Com
o desenvolvimento da eletrnica, ocorrem grandes mudanas na gravao e
na reproduo de udio, tanto pelo uso comercial dos gravadores quanto pelo
surgimento de recursos como a estereofonia. Com a criao do microssulco
(CBS, 1948), tornou-se tambm possvel a primeira grande mudana de padro
da indstria, com o abandono do 78 rpm. Inicialmente, estabeleceu-se uma
disputa entre duas empresas, a CBS e a RCA, quanto denio de um novo
padro. Ela acabou resolvida atravs de uma diviso de mercado, com a msica
erudita sendo gravada em discos de 12, com 33.1/3 rpm (padro da CBS), os
chamados long-plays (LPs), e a msica popular sendo registrada em discos de
7 e 45 rpm (padro da RCA), os chamados singles. Mas esse segundo padro
de velocidade teve vida curta, e logo o 33.1/3 rpm tornou-se o nico padro de
distribuio para msica de todos os gneros.
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Mas voltando ao perodo inicial do processo de gravao musical, foroso
constatar que o suporte 78 rpm carregava limitaes que tiveram impactosignicativo sobre o modo de fazer msica. Por exemplo, os discos impunham
uma durao limite de trs a quatro minutos para cada gravao, j que esse
era o tempo total disponvel em cada uma de suas faces4. Essa limitao acabou
por criar um padro de durao para as faixas musicais que, em boa medida,
mantm-se at hoje. O surgimento dos LPs, por sua vez, possibilitou uma
expanso desse tempo para mais de 20 minutos, trazendo novas possibilidades
e desaos para compositores e arranjadores (PAIVA, 1992, p. 29). Alm disso,
a geometria do sulco do disco tambm impedia a gravao de sons mais graves,
o que imps importantes limitaes instrumentao utilizada nos arranjos5.
Tambm o nvel de concentrao da produo fonogrca foi alto desde
esse momento inicial. A esse respeito, Patrice Flichy observa que
[...] em princpios do sculo 20, cinco companhias dominavam o mercadomundial de msica gravada. Edson, nos Estados Unidos, e Path, na
Frana, comercializavam os cilindros. A Victor Records (Estados Unidos)
e o grupo Gramophone (com sedes na Inglaterra e Alemanha) haviam se
especializado no campo discogrco, alm da Columbia norte-americana,
que comercializava ambos os suportes(FLICHY, 1982, p. 23)6.
importante observar que essas grandes companhias se caracterizavam
pelo que Flichy chama de integrao hardware/software, ou seja, fabricavam
tanto os discos como os aparelhos leitores. Desse modo, a j citada mudana
4 Vale salientar que mesmo a criao de discos com duas faces foi um desenvolvimento posterior da indstria, j que
durante as suas primeiras dcadas os discos tinham apenas um lado gravado.
5 No caso da msica brasileira, Fernando Faro observa que, at o incio dos anos 50, quando os gravadores foram
nalmente incorporados nossa produo musical, isso acabou por inviabilizar o registro fonogrco de boa parte dos
instrumentos de percusso do samba, cujo acompanhamento rtmico cou limitado ao pandeiro, ao caxixi e mesmo a
pratos, talheres e outras miudezas de estdio. Depoimento prestado ao autor em 20 jun. 1993.
6 Entre os nais das dcadas de 20 e 40 houve uma srie de alteraes nesse cenrio, resultantes das fuses de diversas
companhias. Como consequncia, as mais altas posies do mercado eram ocupadas, em 1948, por RCA, CBS, EMI,
Phonogram e Polydor. (FLICHY, 1982, p. 32).
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tecnolgica de 78 para 33.1/3 rpm foi rapidamente assimilada pelos compradores.
E as tiragens de discos, que at ento
[...] nunca haviam ultrapassado as 100 mil unidades, com o
microssulco, alcanaram a cifra de muitos milhes... Os grandes
editores fonogrcos da poca que pertenciam, tambm, a grandes
grupos fabricantes de produtos eltricos e eletrnicos puderam,
efetivamente, lanar simultaneamente no mercado o disco e seu
aparelho de leitura (FLICHY, 1982, p. 23-24).
Os direitos autorais na indstria musical
Gostaria de ressaltar a armao de Flichy acerca da vinculao entre
produtores de discos e editores fonogrcos. Seria importante entender melhor
a funo desses editores e, a partir dela, buscar determinar como se daria a
relao apontada pelo autor.
Na tradio legal, a autoria de uma obra de arte gera direitos que
podem ser divididos em duas categorias: morais e patrimoniais. O direito
moral, intransfervel e permanente, refere-se autoria da obra. Assim, assumir
indevidamente a autoria de uma obra ou de parte dela (o chamado plgio), ou
mesmo utilizar-se de uma obra sem mencionar sua autoria, so violaes do
direito moral, mesmo que nenhum ganho econmico seja derivado desses atos.
J os direitos patrimoniais so aqueles que advm das diferentes possibilidades
de explorao comercial da obra. E esses direitos podem ser cedidos pelo autor.No caso particular da msica, mesmo antes do surgimento dos sistemas de
gravao j existia a comercializao dos seus direitos, que eram cedidos a
editores para a impresso de partituras.
Os editores estabelecem contratos de cesso de direitos com os
compositores e se tornam os proprietrios legais de suas obras, aptos a
decidirem sobre o uso e valor de comercializao das composies que
geram lucros quando gravadas por diferentes intrpretes, apresentadas em
concertos, includas em videogames e obras audiovisuais, veiculadas na TV e
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no rdio etc. um tema complexo, mas vale dizer que, em dcadas passadas,
esses contratos de cesso de direitos eram comumente feitos com clusulas derenovao sob o controle dos editores, numa situao em que os compositores
jamais retomavam o controle sobre suas obras7.
Mas, alm da composio em si, o fonograma, ou seja, o registro sonoro
da composio, tambm representa uma propriedade, que envolve o trabalho
de diferentes prossionais, como cantores, instrumentistas, produtores,
arranjadores e engenheiros de gravao. E os fonogramas pertencem
gravadora que os produziu, qual os participantes da sesso de gravaocedem seus direitos8.
A veiculao do fonograma por diferentes meios ou sua incluso em obras
audiovisuais gera o pagamento de direitos relativos tanto composio quanto
ao fonograma. E essa dupla existncia da msica que cria a proximidade
apontada por Flichy entre fabricantes de discos e editores musicais, situao que
se mantm at hoje9. Assim, ao longo de sua histria, as grandes gravadoras
acumularam a propriedade de milhes de composies e fonogramas, o que lhes
permitiu auferir lucros a partir tanto da impresso, veiculao e regravao das
obras musicais quanto e esse o aspecto que eu gostaria de ressaltar do seu
constante relanamento atravs de novos suportes musicais. Simultaneamente,
obtiveram a aprovao de leis que lhes permitiram manter os direitos sobre os
fonogramas por at 70 anos aps a gravao e, sobre as composies, pelo
mesmo perodo, a partir da morte do autor10.
7 por essa razo que os direitos sobre 250 msicas dos Beatles no pertencem a seus autores, tendo sido adquiridos
em 1985 por Michael Jackson.
8 Vale destacar que vrios dos participantes da sesso, assim como os autores da composio, recebem signicativa
parcela dos ganhos auferidos em diversas das situaes aqui apontadas. O que se busca sublinhar que so as
empresas que detm a propriedade sobre a composio e sobre as gravaes que ela gera.
9 Toda majorpossui a sua prpria editora musical. A editora da Universal Music, por exemplo, a principal gravadora do
mundo, a Universal Music Publishing Group, apontada em seu site como a lder mundial nessa rea (http://www.
umusicpub.com/).
10 Depois desse prazo, as obras de tornam de domnio pblico.
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imediato; e outra ligada consolidao da carreira do artista, vinculada
ideia de uma obra mais densa e integrada.
Alm disso, em julho de 1967, tivemos o lanamento do lbum Sgt.
Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. O disco foi gravado pela banda
depois de sua deciso de no mais fazer shows e utilizou-se de recursos tcnicos
que, na poca, tornavam impossvel a execuo de muitas de suas msicas
numa apresentao ao vivo12. Isso implicou uma autonomia indita para a
msica gravada e para o prprio suporte LP, j que nessa obra os Beatles se
aproximaram da ideia de lbum conceitual, que seria radicalmente explorada na
dcada seguinte por bandas como Pink Floyd e Alan Parsons Project. Assim, a
msica gravada, principalmente atravs do LP, adquiria maior autonomia como
obra artstica, deixando de ser meramente o registro de uma performance ao
vivo. E esse aumento da importncia da gravao diante da performance ao
vivo comeava a colocar em evidncia a gura do produtor musical, prossional
diretamente vinculado a essa atividade. Tambm nesse caso, os Beatles foram
um exemplo fundamental, atravs de sua relao com o produtor George Martin.
A fta cassete (K7)
Se os gravadores de ta foram incorporados pela indstria no nal dos
anos 40 enquanto recurso de produo, seu uso enquanto suporte de consumo
musical s iria se popularizar a partir de 1964, ano em que a Philips lanou ocompact cassette. Com isso, os lbuns musicais passaram a ser oferecidos ao
consumidor tambm nesse suporte, de modo que, em 1970, as tas cassete
representavam perto de 1/3 das vendas de msica gravada e, em 1971, o valor
total dos gravadores cassete vendidos era superior ao dos toca-discos (TOLL,
1982, p. 74)13. Embora algumas empresas tivessem inicialmente resistido
12 O disco utilizou-se, principalmente, da tcnica de gravao em multicanais, que permitia a incorporao de novas
trilhas musicais a um contedo previamente gravado.
13 Vale destacar que, antes da ta cassete, existiram dois suportes musicais baseados em tas: a ta de e a 4-track
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introduo da ta cassete, temendo que a gravao domstica substitusse
a compra de suportes (DANNEN, 1991), o fato que ela possibilitou umaenorme ampliao dos espaos de consumo de suportes musicais: surgiram
toca-tas para automveis e, no nal dos anos 70, a Sony introduziu no
mercado o walkman, vendendo em oito anos 35 milhes de unidades do
aparelho (YDICE, 1998). Com isso, o consumo musical atravs de suportes
gravados adquiria o potencial de substituir o rdio em praticamente todos os
espaos e atividades cotidianas.
Simultaneamente, o cassete abriu possibilidades inditas para a produo
musical em regies perifricas. Peter Manuel arma que tas e gravadores,
introduzidos na ndia pelos trabalhadores migrantes do Golfo, no nal dos anos
70, resultaram numa exploso da produtividade da indstria de gravao que
pode ser estimada pelas vendas, que subiram de US$ 1,2 milho, em 1980,
para US$ 12 milhes em 1986 (MANUEL, 1993, p. 64). Para o autor, a questo
importante no foi o aumento das vendas, mas a diversicao do consumo
musical que o acompanhou, impulsionada por uma legio de produtores
independentes que passou a se utilizar de gravadores portteis14.
Adicionalmente, ao menos no Brasil, a introduo da ta cassete
acabou impulsionando tambm a pirataria de suportes. A ta chegou aqui em
1970 e, j em 1974, estimava-se que as gravadoras utilizavam apenas 4 das
11 milhes de unidades produzidas no pas, sendo boa parte das restantes
consumida em prticas de pirataria, tanto domstica como em escala comercial
(IDART, 1980, p. 123). Assim, se o fortalecimento do suporte, por um lado,
aumentou o volume global de vendas da indstria, por outro, possibilitou
tambm um rpido crescimento da atividade dos piratas. E, se em 1986
o total de unidades de cassetes legais vendidas no pas era equivalente a
cartridge. Ambos os formatos foram desenvolvidos no incio dos anos 60 e tiveram um uso domstico bem mais restrito.
14 O autor atribui at mesmo a derrota eleitoral do Partido do Congresso, em 1989, aos uxos de informao e cultura
possibilitados pelo cassete e pelas gravaes de vdeo em VHS na ndia.
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aproximadamente 50% do total de LPs, dez anos depois, representava pouco
mais de 5% do total de CDs (ABPD, 1998, p. 15).
O CD
A comercializao de compact discs nos pases centrais foi iniciada
em 1982, com o suporte sendo lanado simultaneamente pela Sony e pela
Philips. O seu sucesso foi extraordinrio: em quatro anos, o comrcio de LPs
foi praticamente extinto no mercado japons e, no norte-americano, em seis. Osurgimento do CD possibilitou o relanamento de praticamente todo o repertrio
de fonogramas acumulado pela indstria, na forma tanto de lbuns originais
quanto de coletneas, garantindo grande lucratividade s empresas. Alm
disso, o CD foi apenas um dos aspectos do que pode ser denido como uma
revoluo digital no campo da produo musical, que permitiu um radical
barateamento dos custos para gravao e prensagem do disco, bem como a
multiplicao dos estdios de gravao em praticamente todo o mundo. Esse
processo, evidentemente, acabou dando um novo impulso produo regional,
de modo que no seria difcil vincular ao alcance global e ao baixo custo dessas
tecnologias o advento do que se convencionou denominar de world music, no
incio dos anos 9015. Por todos esses fatores, a indstria alcanou na dcada
um sucesso extraordinrio, com suas vendas globais chegando a 3,5 bilhes de
unidades em 1996, melhor ano de sua histria (IFPI, 2005).
O CD-R
Consolidada a substituio do LP pelo CD, cabia agora indstria denir
o sucessor digital da ta cassete. A primeira tentativa ocorreu em 1990, com
o lanamento do DAT, digital audio tape. Porm, o DAT jamais se rmou como
equipamento de uso domstico, tornando-se padro durante alguns anos apenas
15 Apresento uma introduo a esse novo cenrio da produo musical digital em minha dissertao de mestrado,
j citada.
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em reas prossionais, como a de produo musical (em que era comumente
utilizado para a mixagem das matrizes de gravaes). Pouco depois, Sony ePhilips envolveram-se numa disputa acerca da consolidao de um novo padro
de mdia digital gravvel. Num primeiro momento, a Philips apostou no DCC
(digital compact cassette), um equipamento de gravao e reproduo hbrido,
que podia utilizar tas cassete convencionais e digitais. J a Sony investiu no
minidisc(MD), que operava com discos ticos regravveis16. A Sony, atravs
de sua gravadora, chegou a lanar diversos ttulos musicais em CD, cassete
e MD, mas, como o DAT, o aparelho no se rmou no mercado domstico,
encontrando melhor funo e alguma sobrevida em atividades de produo,
especialmente no meio radiofnico.
Por conta disso, o papel de substituto da ta cassete, ao menos entre
os suportes fsicos, acabou sendo assumido por uma verso gravvel de CD, o
CD-R (compact disc-recordable). Os primeiros modelos de mesa de gravadores
de CDs foram lanados pela Philips em 1997. Pouco depois, eles acabaram
substitudos por drives de computador. Mas, ao contrrio do que acontecera
com a ta cassete, e do que fora pretendido com o MD, o DCC e o DAT, essa
tecnologia aparentemente no trazia nenhum ganho para a indstria musical:
ela no apenas no obrigava os consumidores a adquirirem novos suportes
gravados como abria a possibilidade para a gravao de compilaes ou mesmo
de cpias de discos originais sem qualquer perda signicativa de qualidade.
Por conta disso, lcito supor que seu lanamento possa ter criado um
tensionamento na dinmica de concentrao hardware/software da indstria
musical, gerando um conito entre a Philips, fabricante de equipamentos, e sua
gravadora, a Polygram. E esse talvez tenha sido um dos fatores que levou, no
ano seguinte, venda da gravadora, que se tornaria a base da Universal Music17.
16 A empresa, ao menos no Japo, chegou inclusive a lanar alguns ttulos no suporte.
17 Universal compra a gravadora Polygram, revista Veja, 23 dez. 1998.
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De qualquer forma, parece inegvel que a tecnologia do CD-R deu um
grande impulso pirataria. O baixo custo de produo (em relao aos discos devinil e mesmo s tas cassete), associado ao fato de que era possvel produzir
cpias com a mesma qualidade do CD original, possibilitou um extraordinrio
crescimento e a internacionalizao dessa atividade, com profundo impacto
sobre a indstria. Segundo a IFPI (International Federation of the Phonographic
Industry), a pirataria obteve mundialmente, ao longo do ano de 1998, um
faturamento da ordem de US$ 4,5 bilhes, respondendo pelo comrcio de 2
bilhes de unidades de suportes (cassetes e CDs). Esse nmero representou
cerca de 33% do comrcio total de unidades do ano um aumento de 20% em
relao ao ano anterior (IFPI, 1999).
Ao mesmo tempo, essa tecnologia foi bastante positiva para a produo
musical independente. A reduo do custo por unidade e a possibilidade da
fabricao domstica dos suportes, aberta pelos CDs gravveis, tornaram os
artistas menos dependentes dos grandes fabricantes para a produo de seus
discos. Alm disso, o CD-R acabou por vincular-se a um extenso processo
de mudanas no campo da produo musical, possibilitado pelo surgimento
dos sistemas MIDI e de toda uma ampla gama de equipamentos associados
s tecnologias digitais. Isso reduziu dramaticamente os custos da produo
musica e permitiu a criao de home studios e uma ampla pulverizao das
atividades de produo musical, antes mantidas sob o controle de grandes
estdios e gravadoras (VICENTE, 1996).
O MP3 e a desmaterializao dos suportes
A questo da integrao hardware/software no mbito dos grandes
conglomerados atuantes na indstria musical parece ter adquirido no apenas um
maior tensionamento mas tambm um novo signicado a partir do surgimento
do MP3 e, atravs dele, da possibilidade da distribuio digital de msica sem anecessidade da utilizao de um suporte material. A primeira observao sobre
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esse novo suporte a de que ele no foi criado pela indstria musical e que
seu uso nessa rea demonstrou, assim como no episdio do CD-R, a perda docontrole dela sobre os rumos da inovao tecnolgica.
O suporte MEPG 3, ou simplesmente MP3, surgiu em 1992 como uma
das consequncias do trabalho dos MPEGs (Moving Picture Experts Groups),
criados em 1988 pela ISO (International Association of Standardization), em
associao com a IEC (International Electrotechnical Commission), para denir
novos padres de digitalizao de udio e vdeo18. O MP3 permitiu a digitalizao
de udio em arquivos mais de dez vezes menores do que os obtidos com o
WAV, o suporte anteriormente utilizado. A popularizao de seu uso para a
troca de arquivos musicais na internet ocorreu a partir de 1997, com a criao,
por Justin Frankel, do Winamp, um software que reproduzia arquivos MP3
em ambiente Windows19. Dois anos depois, Shawn Fanning criou o Napster,
um programa que possibilitava a visualizao e a troca dos arquivos contidos
nos HDs dos computadores de usurios conectados internet, o que ajudou
inclusive a lanar as bases do conceito de rede social na web. Ao mesmo
tempo em que se envolviam em grandes batalhas judiciais para restringir a
circulao de arquivos musicais atravs do Napstere congneres, as majors20
orientaram suas estratgias de fuso para a venda de contedo pela web e para
a desmaterializao dos suportes. Esse foi o caso tanto da fuso da AOL Time
Warner quanto da Vivendi Universal ambas em 200021.
18 http://mpeg.chiariglione.org/who_we_are.php. Acesso em: 19 ago. 2012.
19 Antes disso, eles s podiam ser reproduzidos a partir do DOS. Frankel distribuiu sua criao gratuitamente pela rede e,
em um ano e meio, ela j era utilizada por 15 milhes de pessoas. Ser o m do CD?, revista Exame, 6 out. 1999.
20 Majors so as empresas de grande porte que, frequentemente integradas a grandes conglomerados de comunicao,
concentram sob seu controle uma vasta proporo do mercado fonogrco mundial. Atualmente, podem ser denidas
como majors as empresas Universal, Sony, Warner e EMI.
21 A AOL Time Warner congregou a rede de cabos televisiva e os contedos de msica, vdeo, lmes e publicaes da Time
Warner com o portal de internet da America Online. O Grupo Vivendi Universal, de capital francs, uniu msica, cinema
e vdeo com a rede de televiso a cabo europeia Canal + e o portal de internet Vizzavi.
http://www.iec.ch/http://mpeg.chiariglione.org/who_we_are.phphttp://mpeg.chiariglione.org/who_we_are.phphttp://www.iec.ch/ -
7/30/2019 Indstria da msica ou indstria do disco? A questo dos suportes e de sua desmaterializao no meio musical
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Indstria da msica ou indstria do disco?
A questo dos suportes e de sua desmaterializao no meio musical
Eduardo Vicente
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O fracasso inicial dessas grandes empresas na consolidao do comrcio
de msica on-line parece ter sido um dos fatores que deagrou a grande criseque se abateu sobre o setor a partir do nal da dcada de 90. Naquele momento,
a RIAA (Recording Industry Association of America) constatava que as vendas
de discos entre os jovens de 15 a 24 anos diminuram de 32,2% em 1996 para
28% em 1998 [...] essa queda est relacionada ao MP3, j que so os jovens
que mais fazem downloads de msicas, deixando de comprar discos22. E, em
1999, calculava-se que mais de 500 mil msicas circulavam clandestinamente
pela rede, estimando-se que 50 milhes de computadores j estariam tocando
msicas em MP323. Mas, como foi apontado em sua introduo, este texto
no ir se estender sobre um debate que tem sido desenvolvido por inmeros
autores na atualidade. O que queremos ressaltar sobre esse suporte, que, fora
de qualquer dvida, mudou radicalmente os rumos da indstria, o fato de que
ele no surgiu a partir dos interesses ou da ao dessa indstria, tornando-se,
portanto, o primeiro suporte de distribuio musical da histria criado fora de
seu mbito. Alm disso, ele anterior ao desenvolvimento da internet, meio no
qual, como sabemos, seu potencial seria posteriormente explorado. Assim, seu
surgimento e uso posterior parecem apontar, antes de mais nada, tanto para a
grande exibilidade das tecnologias digitais e, num certo sentido, para a relativa
imprevisibilidade dos seus possveis usos sociais quanto para o fato de que seu
uso macio demarca um decisivo momento de perda de controle da indstria
musical sobre o processo de renovao tecnolgica de seus suportes.
As vendas on-line
A primeira iniciativa bem-sucedida de venda on-line de msica deveu-se,
como se sabe, iTunes Music Store, loja virtual da Apple criada em abril de 2003.
As vendas chegaram aos 25 milhes de downloads de msicas em dezembro
22 Prepare-se: a indstria comeou o contra-ataque on line, Folha de S. Paulo, 22 jul. 1999.
23 Revista da Web, n. 2. Disponvel em: .
http://www.uol.com.br/revistadaweb/02/mp3.htmlhttp://www.uol.com.br/revistadaweb/02/mp3.html -
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daquele mesmo ano24. O sucesso do projeto relacionou-se, evidentemente,
ao lanamento pela empresa, no nal de 2001, do playerdigital iPod e, em2007, do iPhone. J a partir de 2006, os servios de assinaturas de downloads
musicais atravs da telefonia mvel passaram a responder pela maior parcela
do mercado de msica on-line, cujas vendas elevaram-se de 0,4 bilho de
dlares em 2004 para 2,9 bilhes em 200725. Com isso, parece ter se iniciado
um dramtico processo de reestruturao da indstria. Embora se trate de um
cenrio muito recente, aparentemente o processo pode ser subdividido em
dois momentos. No primeiro deles, que abarca aproximadamente a segunda
metade da dcada de 90 e a primeira da dcada de 2000, temos os interesses
dos fabricantes de players musicais digitais exemplicados pelo iPod
em alguma medida opostos aos das gravadoras, numa situao semelhante
sugerida pelo momento de surgimento do CD-R. Nesse quadro, a distribuio
livre de msica em arquivos digitais contrria aos interesses da indstria
do disco amplamente favorvel aos fabricantes deplayers, que se valem
justamente da livre disponibilidade de contedo musical na internet para
alavancar as vendas de seus equipamentos.
Porm, a partir da constituio da iTunes e dos servios musicais por
parte das empresas de telefonia, inicia-se um novo processo de integrao e
concentrao, no qual a indstria do disco perde a sua autonomia e precisa
se integrar a esses novos agentes de distribuio de contedo digital para a
manuteno de seu negcio.
claro que isso determina um nvel de concentrao oligopolista diferente do
atingido em dcadas passadas e um novo cenrio em que, ao menos neste momento
inicial, as vendas de suportes gravados parecem ter perdido a sua centralidade dentro
dos negcios da msica e, segundo o IFPI, as vendas digitais de msica subiram
940%, enquanto o mercado musical como um todo caiu 30% (IFPI, 2010, p. 7).
24 IFPI On Line Music Report2004 Disponvel em: .
25 IFPI Digital Music Report2008. Disponvel em: .
http://www.ifpi.org/content/library/digital-music-report-2004.pdfhttp://www.ifpi.org/content/library/dmr2008.pdfhttp://www.ifpi.org/content/library/dmr2008.pdfhttp://www.ifpi.org/content/library/digital-music-report-2004.pdf -
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Nesse contexto, um fato novo para a histria da indstria parece ser o de
que, entre as majors do setor, talvez possamos agora enumerar empresas nodiretamente envolvidas com a produo musical, como Apple e Nokia, mas com
controle estrito sobre as redes de distribuio digital da msica. Assim, preciso
observar que esse quadro no aponta exatamente para uma desconcentrao
do setor. Trata-se, mais provavelmente, de uma reordenao das instncias de
poder entre grandes empresas de atuao global.
De qualquer modo, preciso considerar que as majors tradicionais do
setor ainda concentram um considervel poder, mantendo sua capacidadede promover globalmente artistas de grande repercusso como Beyonc,
Lady Gaga, Justin Bieber e Adele, entre outros. Alm disso, como a quase
totalidade das canes de sucesso das ltimas dcadas encontra-se sob o
controle dessas empresas, elas podem continuar a explorar o seu repertrio
acumulado de maneira bem-sucedida atravs da veiculao em TV, rdio e
internet, da sua incluso em trilhas de cinema, TV e videogames e da sua
execuo nas turns de artistas.
DVDs musicais
Ao menos nos anos iniciais da dcada de 2000, tivemos um crescimento
das vendas de DVDs musicais, especialmente nos registros de shows ao vivo.
O suporte simboliza tanto a integrao entre udio e vdeo, estabelecida na
indstria especialmente a partir de 1981, com o surgimento da MTV, quantoo fenmeno mais atual de revalorizao dos espetculos ao vivo. Sua venda
comeou a ser registrada pela IFPI a partir 2001. E, ao menos nos primeiros anos
da dcada, ela apresentou um crescimento constante, indo de 80 milhes de
unidades vendidas em 2001 para 186 milhes em 2004. Nesse mesmo perodo,
as vendas de CDs caam de 2.310 para 2.118 milhes de unidades (IFPI, 2005,
p. 160). Alm disso, o DVD permite a reproduo do udio em qualidade superior
do CD, ao contrrio, por exemplo, do que ocorre com o MP326
.26 O padro de udio digital do CD de 16 bits por 44.1 kHz, em estreo. J no DVD udio, o som pode ser registrado
em at 24 bits por 96 kHz e em full surround(5.1).
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Concluses
As questes apresentadas ao longo deste texto tentam demonstrar que
a anlise da substituio dos suportes musicais ao longo da histria pode nos
oferecer uma importante chave para o estudo do desenvolvimento da indstria
e para a discusso de suas possveis tendncias. Um tema que nos parece
fundamental nesse relato o de que a perda de controle da indstria musical
sobre o processo de substituio dos suportes parece ter se constitudo como o
principal fator para a crise atual do setor. Nesse contexto, o advento do CD-R e
a popularizao do MP3 como suporte de distribuio musical no s ampliaram
os problemas, com a pirataria e a distribuio ilegal, como aumentaram
grandemente as possibilidades de atuao de pequenas gravadoras e artistas
autnomos j que as majors, desde pelo menos os anos 90, mantiveram
seu predomnio sobre o mercado a partir, principalmente, do controle sobre
as vias de distribuio e divulgao musical (VICENTE, 2002). Vale lembrar,
sob esse aspecto, que as possibilidades de autonomia no se abriram apenas
para ingressantes no campo mas tambm para artistas consagrados muitos
dos quais optaram por deixar as grandes gravadoras e desenvolver carreiras
autnomas27. A maior facilidade e exibilidade na produo de CDs e DVDs
permite, inclusive, que alguns artistas produzam registros em udio e vdeo de
cada um de seus shows, visando oferecer produtos voltados especicamente ao
pblico que acompanhou a performance28.
27 Citaria o caso do Radiohead, entre muitos outros.
28 A banda norte-americana Pearl Jam, por exemplo, costuma produzir CDs ao vivo (bootlegs) de cada um de seus shows,
que podem ser adquiridos atravs de seu site (http://pearljam.com/).
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Referncias
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