geopolítica e o poder(3)

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GEOPOLÍTICA E O PODER NAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS NACIONAIS CIRINEU JOSÉ DA COSTA Mestre em Ciencias/PUCSP 1. Introdução As relações de poder existem entre animais que vivem em grupos e foram evoluindo com os grupos humanos que povoaram a terra. As relações políticas surgiram juntas com a ação do homem sobre a terra. A relação de quem exerce o poder com aquele sobre o qual o poder é exercido nem sempre é amistosa e depende das fontes primárias de onde emana o poder: o desejo de ajuda, o medo de coações, o respeito ou o amor. O detentor do poder faz uso de instrumentos para exercê-lo. Os instrumentos mais comuns são: ordens, ameaças, persuasão e a autoridade ou carisma. O uso de um só ou a combinação de vários instrumentos irá diferenciar um detentor de poder de outro. Podemos citar alguns nomes importantes que são referenciais em termos de geopolítica e poder ao longo de alguns séculos: Hamurabi (2143 A.C), Dinastia Chu (600 A.C), Platão (Séc. V A.C), Maquiavel (1469-1527), Disraeli (1804-1881), Bismark (1815-1889), Churchil (1874-1965), Roosevelt (1882-1945),

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Page 1: Geopolítica e o poder(3)

GEOPOLÍTICA E O PODER

NAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS NACIONAIS

CIRINEU JOSÉ DA COSTA

Mestre em Ciencias/PUCSP

1. Introdução

As relações de poder existem entre animais que vivem em grupos e foram evoluindo com os

grupos humanos que povoaram a terra. As relações políticas surgiram juntas com a ação do

homem sobre a terra. A relação de quem exerce o poder com aquele sobre o qual o poder é

exercido nem sempre é amistosa e depende das fontes primárias de onde emana o poder: o

desejo de ajuda, o medo de coações, o respeito ou o amor.

O detentor do poder faz uso de instrumentos para exercê-lo. Os instrumentos mais comuns

são: ordens, ameaças, persuasão e a autoridade ou carisma. O uso de um só ou a combinação

de vários instrumentos irá diferenciar um detentor de poder de outro.

Podemos citar alguns nomes importantes que são referenciais em termos de geopolítica e

poder ao longo de alguns séculos: Hamurabi (2143 A.C), Dinastia Chu (600 A.C), Platão

(Séc. V A.C), Maquiavel (1469-1527), Disraeli (1804-1881), Bismark (1815-1889), Churchil

(1874-1965), Roosevelt (1882-1945), Toynbee (1889-1975), Morgenthau (1904-1980), Ray

Cline (1918-1996), Nicholas Spykman (1893-1943).

O poder (controle dos povos) que é exercido por um homem ou por uma determinada elite é

um fenômeno mundial e persiste até a época atual, pois não foi ainda encontrada uma solução

para tal fenômeno. O Governo de massas ou massas no Governo é uma utopia. As populações

são formadas por uma minoria criadora e por uma maioria a ser guiada. A minoria criadora

normalmente se transforma na elite dirigente.

As civilizações entram em declínio e este declínio pode ocorrer pela perda do poder criador

das minorias dirigentes. Elas perdem a força mágica de influir sobre as massas e de atraí-las.

Page 2: Geopolítica e o poder(3)

Kennedy (1989) destacou uma forte relação entre poder militar e poder econômico nos

últimos quinhentos anos, relacionada com o poder de barganha nas duas vias de interação

entre países, qual seja, o comércio e a guerra. Ele chama a atenção para o fato de que no

século XV a Europa absolutista era uma candidata improvável ao poder de proporções

mundiais que veio a atingir nos séculos que se seguiram.

As sociedades democráticas buscam autoridade e liberdade e liberdade com autoridade. Esta

conjugação gera o denominado “superequilíbrio”. As sociedades modernas não possuem mais

lugar para o Poder Pessoal como os exercidos por Henrique VIII, Luiz XV, Napoleão e Hitler,

mas haverá sempre uma minoria dirigente que receberá a representatividade das maiorias

(voto) e designará um representante para exercer a autoridade maior (Presidente ou Primeiro-

Ministro). As sociedades democráticas caracterizam-se pela utilização do convencimento,

participação espontânea, dever social e cidadania como instrumentos de persuasão e as

sociedades totalitárias se utilizam frequentemente da coação e da revitalização de mitos

carismáticos para exercer o poder. Nas relações de poder entre as sociedades nacionais há a

predominância até hoje da persuasão e da coerção como instrumentos.

2. Referencial teórico

A abordagem do ciclo de políticas ou policy cycle approach é muito utilizada para a análise

de políticas governamentais. Essa abordagem foi formulada pelo sociólogo inglês Stephen

Ball e por colaboradores (Bowe; Ball; Gold, 1992; Ball, 1994a) e vem sendo utilizada em

diferentes países como um referencial para analisar a trajetória de políticas governamentais

em diversas áreas (Corbitt, 1997; Vidovich, 1999; Walford, 2000; Looney, 2001; Kirton,

2002; Vidovich & O’Donoghue, 2003; Lopes, 2004).

O campo de pesquisa em políticas governamentais no Brasil é relativamente novo e “ainda

não consolidado em termos de referenciais analíticos consistentes, e que, de resto, sofre as

indefinições resultantes da crise de paradigmas que afeta as ciências sociais e humanas na

contemporaneidade...” (Azevedo & Aguiar, 1999, p. 43).

Poucos autores têm discutido ou buscado delinear referenciais analíticos mais específicos para

a pesquisa de políticas públicas, sociais e educacionais (Lima Júnior & Santos, 1976; Dutra,

1993; Rico, 1999; Frey, 2000; Souza, 2003). Procuramos, neste artigo, apresentar conceitos

Page 3: Geopolítica e o poder(3)

centrais dos ciclos de políticas. O debate, bem como a reflexão sobre suas possibilidades para

a análise de políticas estratégicas brasileiras, será realizado baseado em autores tradicionais e

que contribuíram de forma significativa para marcar as características nacionais de nossa

política. A abordagem do ciclo de políticas ou policy cycle approach é um referencial

analítico útil para a análise de programas e políticas governamentais e permite analisar

criticamente a trajetória de programas e políticas públicas desde sua formulação inicial até o

seu implemento e efeitos sociais, econômicos e políticos.

3. Procedimento metodológico

Ball & Bowe (1992) caracterizam o processo político como um ciclo contínuo constituído por

três facetas políticas: a política proposta, a política de fato e a política em uso. A primeira

faceta, a “política proposta”, refere-se à política oficial dos governos, assessores,

departamentos, burocratas encarregados de implantar as políticas e também das autoridades

locais e outras arenas onde as políticas emergem. A “política de fato” constitui-se de textos

políticos e textos legislativos que dão forma à política proposta e são as bases iniciais para

que as políticas sejam colocadas em prática. Por último, a “política em uso” refere- se aos

discursos e às práticas institucionais que emergem do processo de implementação das

políticas pelos profissionais que atuam no nível da prática.

A abordagem do ciclo de políticas ou policy cycle approach foi delineada para estabelecer

uma ligação entre as posições de macro e micro análises formulando um referencial teórico

que incorpora ambas as dimensões. Para Dale (1992), focalizar o Estado não é apenas

necessário, mas constitui o “mais importante componente de qualquer compreensão adequada

das políticas públicas” (p. 388). Ball (1994a) afirma que a análise do Estado é essencial

para qualquer teoria decente sobre política governamental que queira analisar o

funcionamento e o papel do Estado. A análise de políticas exige uma compreensão que se

baseia não no geral ou local, macro ou micro influências, mas nas “relações de mudança entre

eles e nas suas interpenetrações” (p. 359). Na perspectiva pós-estruturalista, bem como em

outras abordagens analíticas, uma divisão rígida entre macro e micro é difícil de ser

sustentada e a supremacia da micro investigação é igualmente suspeita (Power, 1995). A

política estratégica nacional depende, além da ação governamental, daquilo que chamamos de

“vontade nacional” que dirigirá as forças para que sejam atingidos os objetivos propostos.

Page 4: Geopolítica e o poder(3)

4. Resultados e análises

4.1 A natureza e as manifestações do Poder

O Poder depende da capacidade nacional, possui componentes psicológicos importantes, tem

seus efeitos sentidos em um ângulo aberto e, apesar de sua relatividade, não podemos nos

esquecer de levar em conta a condição moral da aplicação dos vetores do Poder Nacional.

O Poder não pode ser considerado como uma simples soma de suas capacidades, ele é muito

mais que a soma de fábricas, capacidade produtiva, população ativa, qualidade da mão-de-

obra, efetivos militares, armamentos, etc...

Os componentes psicológicos, apesar de não serem facilmente mensuráveis são de

extraordinária importância. O Poder de uma nação é influenciado pelo que as outras nações a

consideram ser e é influenciado pelo que ela julga que as outras nações pensam a respeito do

seu poder. Podemos citar como exemplo a propaganda da invencibilidade de Hitler antes da

invasão da França que foi um fator preponderante para a derrota francesa, alinhado com a

confiança extremada que esta tinha na Linha Maginot. Por sua vez, a Alemanha de Hitler

subestimou a capacidade dos ingleses em resistir aos ataques e reunir forças para lutar.

Apesar da relatividade dos efeitos e da forma de apreciação do forte e do fraco, alguns fatos

mostram como o Poder pode ser demonstrado para fora. Podemos citar a colocação de alguns

mísseis nucleares em Cuba como demonstração de poderio nuclear pela antiga União

Soviética ou então a intervenção de Cuba em Angola, realizada em nome da União Soviética.

O Poder possui uma componente moral. Do ponto de vista ético o poder é um meio para

alcançar um fim, mas o uso do Poder deve estar sujeito a critérios morais. Não se pode esperar

um mundo ordenado sem o uso da coerção e nem criticar o homem por aspirar ao poder. A

justiça e a paz devem estar alinhadas com o entendimento e a cooperação internacional. É

difícil a conciliação entre o moral e o interesse quando se trata de Poder. As relações de poder

não são nem morais nem imorais, elas são apenas interesses do Poder.

O comportamento moral é julgado por uma ética, mas o comportamento do homem de Estado

é julgado pelas suas consequências. Podemos citar Chamberlain que tentou tratar Hitler dentro

Page 5: Geopolítica e o poder(3)

de um plano moral, facilitou as coisas e teve consequências graves para o mundo. Churchill,

por sua vez, levou em um plano moral inferior e visou os interesses do seu país e das

democracias ocidentais. O Poder e moralidade são inseparáveis e assim deve ser visto pelos

estadistas. São dois círculos concêntricos, sendo o do poder o maior (externo). O Estadista

estará sempre avaliando entre uma ação mais ou menos moral e a sua margem de manobra

estará em torno de 49% a 51% e esta pequena margem representa a distinção entre o seu

sucesso ou fracasso.

O Poder nacional pode ser entendido como a soma dos recursos materiais e valores

psicológicos de que dispõe uma nação tendo em vista os objetivos que pretende alcançar e

preservar. São faces do Poder Nacional: o território, a população, a capacidade econômica, a

capacidade militar, o propósito estratégico e a vontade nacional.

4.2 O Poder nacional e a modernização das Sociedades

Clausewitz disse que “a guerra é a própria política realizada por meios violentos” e Lenin

disse: “a política é a guerra realizada por meios não violentos”. São duas maneiras de focar o

mesmo objeto: a política e a guerra utilizadas como projeção do Poder Nacional. O poder

político assume papel de liderança, pois é o único capaz de coordenar as demais expressões

do poder: militar, econômica, psicossocial e técnico-científica convergindo todas para a meta

dos mais altos interesses da Nação. A política pode ter qualquer objetivo, mas o Poder é

sempre o alvo imediato. Ludendorff, chefe do Estado Maior alemão, escreveu: “a condução

vitoriosa de uma guerra moderna exige unidade espiritual do povo, capacidade econômica,

poderio da força armada e qualidade de liderança, mas a guerra não é senão um ato político de

extrema violência...”. A doutrina da ESG – Escola Superior de Guerra diz: “a politica é a arte

de governar um Estado, dirigindo a sua ação interna e externa...”.

O Poder Nacional (político) é a soma dos recursos materiais e valores psicológicos de que

dispõe o Estado para atingir ou preservar os objetivos desejados. Na ordem interna assegura o

bem estar de todos e na área externa defende os interesses da Nação que representa no jogo

dos interesses internacionais em competição ou em conflitos. O mundo tornou-se pequeno

demais, as comunicações são instantâneas, os métodos de envolvimento psicológicos são

altamente sofisticados e a capacidade de violência catastrófica não tem limites com a alta

tecnologia.

Page 6: Geopolítica e o poder(3)

Os órgãos de decisão, planejamento, inteligência e execução devem alimentar o sistema

decisório com dados para manter o Chefe de Estado informado da realidade da situação em

todos os setores da atividade da Nação. O primeiro arremedo de estruturação organizacional

no Brasil deu-se através do decreto-lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967 que articulou todos

os subsistemas que compõem o complexo governamental.

A modernização é o meio para atingir o fim que é o desenvolvimento. Temos como exemplo

as sociedades orientais que implementaram grandes transformações internas para absorver a

tecnologia ocidental (modernização) objetivando alcançar o desenvolvimento. Alguns países

de cultura muçulmana ainda vivem a dicotomia entre a absorção de tecnologia ocidental

(modernização) e a manutenção do sistema cultural tradicionalista que dificulta o

desenvolvimento (tira do mercado de trabalho um grande número de mulheres que poderiam

estar contribuindo para o desenvolvimento do país).

A América espanhola e portuguesa acordou também tardiamente para o fato de que não

somente a liberdade política é importante, mas que liberdade e desenvolvimento são

essenciais para o bem estar da população. Desenvolvimento vem com a modernização e com a

tecnologia, o que implica em educação de nível e inclusão social de todas as camadas da

população. A modernização das sociedades implica no fortalecimento de alguns fatores:

político, econômico, social, educacional e cultural.

O fator político implica no fortalecimento da participação da sociedade, na melhor

organização social e de um progresso cultural e tecnológico. Na área econômica o Estado

precisa de um crescimento do PIB e da melhoria do PPC - PIB percapita (distribuição de

renda), de um incremento na produtividade, no desenvolvimento de know-how (tecnologia

própria) e de um racional aproveitamento dos recursos naturais. O fator social implica

prioritariamente em melhoria dos sistemas urbanos, profissionalização da população

economicamente ativa e controle da densidade demográfica. Os fatores educacional e cultural

favorecem a disseminação do conhecimento, desenvolvem a pesquisa e sua aplicação em

tecnologia. É essencial o fortalecimento da educação formal.

A modernização, na sua fase inicial, produz choques de ideias com os padrões tradicionais

existentes; na fase intermediária a sociedade sai de predominantemente agrária para urbana e

na fase final a sociedade transforma-se em sociedade altamente urbana com alto nível de

Page 7: Geopolítica e o poder(3)

tecnologia e automação e o setor terciário toma um vulto maior que o industrial e as

atividades de pesquisa e desenvolvimento passam a predominar. É neste nível que se

encontram os países desenvolvidos, mas isso não implica em deixar para trás os demais

campos econômicos. Em geral a produtividade agrícola e industrial passa a ser muito maior e

a produção passa a ser mais eletiva com insumos agrícolas essenciais ou de alto valor

industrial e a produção industrial concentrada em produtos de alta tecnologia e grande valor

agregado.

4.3 O realismo político e o estado da realidade

“a política é a arte do possível” (Bismark)

As regras de moral individual não podem ser aplicadas às questões de Estado, o estadista tem

que defender os interesses da Nação que representa e isso implica, na maioria das vezes, em

regras guiadas pelo vetor do Poder Nacional. O pensamento cristão ocidental e o pensamento

materialista de Engels e Marx apresentam antagonismos importantes para a interpretação do

realismo político nas sociedades. Os estadistas oscilam entre estas correntes e elas até hoje

influenciam as políticas externas de muitas nações. O pensamento cristão ocidental preconiza

um peso maior da ordem moral sobre a ordem política, acredita na natureza boa do homem,

vê as instituições políticas e sociais como meios para satisfazer as necessidades da sociedade

humana, dá um extremo valor à educação e reforma constante do Estado e em geral faz uso

esporádico da coerção.

O pensamento materialista enxerga a imperfeição do mundo como uma consequência da

natureza humana, acredita que o homem não é bom nem compreensivo por natureza e que

para melhorar o mundo deve-se trabalhar com as forças políticas e movimentos sociais e não

contra eles. Os interesses antagônicos e os conflitos são vistos pelos materialistas como

inerentes ao mundo e que nele os princípios morais não são plenamente alcançados. Afirmam

que o equilíbrio de forças só é alcançado pelo balanceamento de interesses e pelo

confinamento de conflitos.

Oferecer uma resposta adequada a cada desafio é o realismo político

(realpolitiker) defendido por Bismark e muito utilizado por Degaulle e

Kissinger. Morgenthau (2003) resumiu a realpolitike em seis princípios: (a)

é governada por leis objetivas enraizadas na própria natureza humana.

Page 8: Geopolítica e o poder(3)

Essas leis regulam a vida e prevalecem sobre nossa preferência; (b) a luz

principal é o interesse nacional, definido em termos de poder. Isso coloca

a esfera política acima da econômica, ética ou religiosa; (c) o interesse

(poder) não é fixo, deve ser reavaliado em termos de tempo e lugar; (d)

deve ter consciência da importância da moral na ação política. Escrúpulos

de ordem pessoal não podem sacrificar o sucesso de uma ação política

inspirada no moral da sobrevivência nacional. A ética política julga as

ações por suas consequências políticas; (e) não identifica as aspirações

morais de uma nação com as leis morais que regem o universo. É difícil

saber onde está o bem ou o mal nas relações entre nações. Os interesses

das outras nações devem ser respeitados desde que não signifique o

abandono dos nossos próprios interesses; (f) o estadista deve pensar em

termos de interesse definido em poder. Esta política afeta a riqueza da

sociedade (economista)? Esta politica está de acordo com as regras legais

(legislador)? Como esta política pode afetar o poder nacional (o estadista)?

4.4 A Geopolítica brasileira

O Brasil pré-independência (1821) possuía cerca de cinco milhões de habitantes concentrados

entre Recife-Salvador e Rio-SP-Ouro Preto. Quando Alberto Torres em 1914 publica “A

Organização Nacional” o Brasil já era habitado por cerca de 25 milhões de pessoas, tinha

possuído dois imperadores e os presidentes Campos Sales e Rodrigues Alves e incorporado o

território do Acre que pertencia à Bolívia. Mario Travassos (1931) publicou “A Projeção

Continental do Brasil” onde via o Brasil como capaz de uma hegemonia do Poder continental,

competindo diretamente com a Argentina. Travassos (1931) lançou os fundamentos da

geopolítica brasileira. Propôs uma rede ferroviária forte na bacia dos rios Uruguai, Paraná e

Paraguai e um ramal até Santa Cruz de la Sierra e de lá até Arica, no Pacífico.

Nos anos de 1961 a 1964 o Brasil teve um abalo no crescimento do PIB conforme o gráfico nº

1 abaixo retirado do livro “Brazil: a study in development progress” (ROBOCK, 1975):

Page 9: Geopolítica e o poder(3)

Gráfico nº 1 - Variação do PIB brasileiro de 1925 a 1970

1925 1930 1940 1947 1956 1961 1964 1967 19700

2

4

6

8

10

12

PIB

Fonte: ROBOCK, STEFAN H.; Brazil: A study in development progress. Lexington: Lexingtonbooks, 1975.

Este abalo deveu-se a três anos de demagogia e de irresponsabilidade administrativa. O país

viu-se paralisado com greves, revoltas e movimentos populares e um governo que não

governava. Os movimentos populares em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro

culminaram com a queda do governo e com a instalação do governo militar, assumindo a

presidência da república do general Humberto de Alencar Castello Branco, que iniciou a

utilização da metologia de racionalização e planejamento da Política Nacional desenvolvida

pela ESG- Escola Superior de Guerra. Essa metodologia implicava em avaliações sucessivas,

controle dos resultados, correções, projetos, planos e programas. Esta Metodologia que já era

amplamente aplicada pelos países desenvolvidos.

Foram então estabelecidos os Objetivos Nacionais (ON) e os Objetivos Nacionais

Permanentes (ONP). Objetivos Nacionais (ON) são manifestações da vontade coletiva, de

necessidades, interesses e aspirações vitais que, em determinada fase de sua evolução

histórico-cultural, a nação busca satisfazer. Já Objetivos Nacionais Permanentes (ONP) são

objetivos nacionais que perduram no tempo. São seis: Democracia, Soberania, Paz Social,

Page 10: Geopolítica e o poder(3)

Progresso, Integração Nacional e Integridade do Patrimônio Nacional. Foi lançado o PNDE

(Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico) onde se estabeleceu Objetivos Nacionais

Intermediários (ONI), necessários para conquistar os ONP.

4.5 Dimensão e ocupação geográfica

Somos o 5º país em dimensão atrás da Rússia, Canadá, China e Estados Unidos, mas não

somos homogêneos em termos de densidade demográfica. A Tabela nº 1 ilustra a nossa

situação. Temos áreas densamente povoadas e grandes vazios demográficos.

Tabela 1

Comparação demográfica entre Estados brasileiros e alguns países

EstadoPopulação

(Hab.)Área (Km²)

Dens. Demográfica

(Hab./Km²)

País comparável (Dens.

demográfica)

D.Federal 2.455.903 5.801,94 423,29 Porto Rico (430 hab./km²)

R. Janeiro 15.420.375 43.696,05 352,9 Bélgica (339 hab/km²)

São Paulo 39.827.570 248.209,43 160,46 Antígua e Barbuda (155 hab./km²)

Alagoas 3.037.103 27.767,66 109,37 Hungria (108 hab./km²)

Sergipe 1.939.426 21.910,35 88,52 Turquia (89 hab./km²)

Pernambuco 8.485.386 98.311,62 86,31 Gana (87 hab.m²)

Espírito Santo 3.351.669 46.077,52 72,74 Malásia (72 hab/km²)

Paraíba 3.641.395 56.439,84 64,52 Brunei (64 hab./km²)

Santa Catarina 5.866.252 95.346,18 61,52 Tunísia (61 hab./km²)

R.G.N. 3.013.740 52.796,79 57,08 Irlanda (57 hab./km)

Ceará 8.185.286 148.825,60 55 Lituânia (55 hab./km²)

Paraná 10.284.503 199.314,85 51,6 Burkina Faso (50 hab./km²)

R.G.S 10.582.840 281.748,54 37,56 Colômbia (37 hab./km²)

Minas Gerais 19.273.506 586.528,29 32,86 Zimbábue (32 hab./km²)

Bahia 14.080.654 564.692,67 24,94 Moçambique (24 hab./km²)

Maranhão 6.118.995 331.983,29 18,43 Uruguai (19 hab./km)

Goiás 5.647.035 340.086,70 17,31 Sudão (16 hab./km²)

Piauí 3.032.421 251.529,19 12,06 Belize (12 hab.km²)

M.S. 2.265.274 357.124,96 6,34 Chade (6 hab./km²)

Rondônia 1.453.756 237.576,17 6,12 Rep. Centro-Africana (6 hab./km²)

Pará 7.065.573 1.247.689,52 5,66 Cazaquistão (5 hab./km²)

Tocantins 1.243.627 277.620,91 4,48 Guiana (4 hab./km²)

Page 11: Geopolítica e o poder(3)

Acre 655.385 152.581,39 4,29 Guiana (4 hab./km²)

Amapá 587.311 142.814,59 4,11 Líbia (4 hab./km²)

Mato Grosso 2.854.642 903.357,91 3,16 Canadá (4 hab./km²)

Amazonas 3.221.939 1.570.745,68 2,05 Austrália (2 hab./km²)

Roraima 395.725 224.298,98 1,76 Saara Ocidental (1 hab./km²)

Fonte: http://pt.wikipedia.org

O Brasil localiza-se a oeste do meridiano de Greenwich, situando-se, portanto, inteiramente

no hemisfério ocidental. É cortado, ao norte, pela linha do equador e apresenta 7% de suas

terras no hemisfério norte e 93% no hemisfério sul. É cortado pelo trópico de capricórnio,

apresentando 92% do seu território na zona intertropical, isto é, entre os trópicos de câncer e

de capricórnio. Os 8% restantes estão na zona temperada do sul, entre o trópico de capricórnio

e o círculo polar antártico. A localização geográfica do Brasil e suas características políticas,

econômicas e sociais enquadram-no em um determinado bloco de países denominado BRICS,

que engloba também a China, Índia, Rússia e África do Sul.

Quando havia o chamado conflito Leste-Oeste, o Brasil assumia sua posição de país ocidental

e capitalista. Como país meridional, no diálogo Norte-Sul, alinha-se com os países pobres (do

sul) e como país tropical compõe o grupo dos países espoliados pelo colonialismo europeu e

posteriormente pelo neocolonialismo dos desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos.

Temos uma extensa costa marítima que nos permite a conexão com todas as partes do mundo,

uma faixa fronteiriça térrea com quase todos os países sul-americanos, exceto Chile e

Equador e que ainda não é integrada com modernos meios de transporte rodoviário,

hidroviário e ferroviário. Os projetos rodoviários foram desenvolvidos com maior ou menor

sucesso devido a peculiaridades locais: rodovia Belém-Brasília, rodovia Cuiabá-Santarém,

rodovia Cuiabá-Porto Velho, rodovia Transamazônica, rodovia Perimetral Norte. Com a

decretação do mar territorial de 200 milhas no ano de 1970, como parte da estratégia de poder

da ESG, incorporamos ao nosso território cerca de três milhões de quilômetros quadrados de

mar territorial rico em petróleo.

4.6 A população brasileira

A população brasileira atual é de 190,76 milhões de habitantes (dados do IBGE – dezembro

de 2010). Segundo as estimativas, no ano de 2050 a população brasileira deverá atingir 215

Page 12: Geopolítica e o poder(3)

milhões de habitantes. A população brasileira distribui-se pelas regiões de forma desigual e as

Unidades federativas possuem densidades demográficas bem díspares, conforme podemos ver

no gráfico 2.

Gráfico 2 - Densidade demográfica dos estados brasileiros

Fonte: http://www.ibge.gov.br/pesquisas/demograficas.html

A proporção das raças também não é homogênea, mas há a predominância de brancos e

pardos com cerca de 92% do total da população, sendo uma minoria de negros, amarelos e

índios. Somos, portanto um país mestiço. O gráfico nº 3 ilustra a composição da população.

Gráfico nº 3 - Composição da população brasileira

6,58

4,47

2,23

2,01

6,07

4,69

4,98

19,81

12,40

56,76

59,99

66,70

89,63

112,33

94,35

24,82

33,41

76,25

365,23

166,25

52,40

65,29

39,79

6,86

3,36

17,65

444,07

0 100 200 300 400 500

Rondonia

Acre

Amazonas

Roraima

Para

Amapa

Tocantins

Maranhao

Piaui

Ceara

Rio Grande do Norte

Paraiba

Pernambuco

Alagoas

Sergipe

Bahia

Minas Gerais

Espirito Santo

Rio de Janeiro

Sao Paulo

Parana

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

Mato Grosso do Sul

Mato Grosso

Goias

Distrito Federal

DensidadeDemográfica

DENSIDADE

Page 13: Geopolítica e o poder(3)

Branca Parda Preta Amarelos/Indios

0.0%

10.0%

20.0%

30.0%

40.0%

50.0%

60.0%51.8%

42.6%

5.0% 6.0%

53.8%

39.1%

6.2% 4.0%

Composição da população

19912000

Fonte: http://www.ibge.gov.br/pesquisas/demograficas.html

A população brasileira vem apresentando uma evolução negativa na taxa de fertilidade e o

censo IBGE de 2010 indicou uma população de cerca de 190 milhões de pessoas. O gráfico nº

4 mostra a evolução desde 1872.

Gráfico nº 4 - Evolução da população

1872

1890

1900

1920

1940

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

0

50000000

100000000

150000000

200000000

250000000

9930478

41236315

70992343

121150573

146917459169590693

190755799

Evolução da população

População

Fonte: http://www.ibge.gov.br/pesquisas/demograficas.html

4.7 Os recursos minerais

Page 14: Geopolítica e o poder(3)

Só recentemente passamos a pesquisar nossos recursos naturais. A Aeronáutica estabeleceu,

no ano de 1964, o GTEPE - Grupo de Trabalho de Estudos e Projetos Espacial que em 1990

passa a ser denominado Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE integrado à estrutura

básica da Secretaria da Ciência e Tecnologia da Presidência da República - SCT/PR. Como

auxílio do INPE foi possível desenvolver pesquisas com bases científicas dos nossos recursos

minerais e florestais. No início apenas exploradores solitários aventuravam-se pelos sertões e

pelas selvas à procura de jazidas e de outros recursos. O Projeto Radam foi o pioneiro,

seguido pelo sensoriamento remoto via satélite. O País está conseguindo mapear todas as

potenciais jazidas minerais e terras agricultáveis além de acompanhar o processo de

desmatamento e avanço da fronteira agrícola e pecuária.

O General Meira Mattos (1977) já previa a carência de energia elétrica que ocorreu na década

de 90 (apagão) e defendia o acordo nuclear com a Alemanha, visando aproveitar o grande

volume de reserva de Urânio que nosso país possui. Devemos ter uma política séria em

relação aos minerais estratégicos (manganês, urânio, níquel, titânio, cobre, estanho, chumbo,

ferro, berilo, cromo e molibdênio). A política governamental deve pesar se vale a pena

exportá-los in natura ou manter as reservas minerais para o nosso próprio consumo. As

jazidas minerais não são bens renováveis. Já temos o exemplo da Serra do Navio em Macapá

de onde foram tiradas centenas de milhares de toneladas de manganês, enviadas para o

mercado internacional e hoje nada mais existe naquela região. É uma cidade fantasma.

Como desenvolver as pesquisas das nossas reservas florestais e, com a riqueza biogenética lá

existente (flora e fauna), desenvolver novos materiais, remédios e alimentos?

4.8 Capacidade militar

A capacidade militar de uma nação pode ser dimensionada pelo indicador “porcentagem do

PIB gasto com as Forças Armadas”. Não é um indicador exato, mas dimensiona de forma

simplificada os gastos que cada país executa com seu efetivo militar. O Brasil é o 12º país do

mundo que mais investe na área de defesa, segundo uma pesquisa realizada pelo instituto

argentino Centro de Estudos Nova Maioria (CENM). Os dados do documento, chamado

“Balanço Militar da América do Sul 2008”, mostra que o Brasil gastou US$ 20,7 bilhões na

área de defesa durante o ano de 2007. Os investimentos do Brasil representam somente 1,5%

do total global. Este montante representa mais da metade (53%) do total gasto no setor pelos

Page 15: Geopolítica e o poder(3)

12 países-membros da Unasul (União dos Países da América do Sul) no mesmo período. Em

2007, o gasto total na área de defesa dos países da Unasul foi de quase US$ 40 bilhões.

Segundo o diretor do CENM (Centro de Estudos Nova Maioria), Rosendo Fraga, é natural

que o Brasil invista mais que os outros países da América do Sul no setor militar, devido às

suas dimensões geográficas e ao seu PIB (Produto Interno Bruto) muito superior aos dos

demais. “O Brasil é o único país da América Latina que tem vocação para ator global. Seu

projeto de longo prazo não é ser um líder regional, mas uma potência global, como são os

outros países que formam o grupo dos BRICS (Rússia, China, África do Sul e Índia)”.

“Os gastos militares do Brasil respondem a dois objetivos: segurança regional – que inclui

Amazônia e regiões de fronteira – e se tornar uma potência global”.

O objetivo de se tornar uma potência global justifica projetos brasileiros como o do

submarino nuclear e o recente acordo militar com a França. Dados preliminares referentes ao

ano de 2008 mostram que o Brasil teria aumentado seus investimentos militares,

desembolsando US$ 27,5 bilhões no setor. O estudo mostra ainda que houve um salto nos

investimentos do Brasil na área da defesa. Em 2004, estes investimentos somavam apenas

US$ 9,5 bilhões. Segundo a pesquisa, em 2007, o Chile foi o segundo país sul-americano que

mais gastou em defesa, com cerca de US$ 5,3 bilhões em investimentos. Depois, aparece a

Colômbia, com US$ 4,5 bilhões e a Venezuela com US$ 2,5 bilhões. Dados preliminares

referentes ao ano de 2008, no entanto, informam que a Colômbia teria ultrapassado o Chile,

gastando US$ 6,7 bilhões em defesa contra US$ 6,3 bilhões do atual segundo colocado na

região. Ao mesmo tempo, estima-se que a região como um todo gastou US$ 51,1 bilhões em

defesa no ano passado.

Outra comparação feita no estudo mostra que os gastos militares do Brasil em 2007

representaram 87% do orçamento de defesa total dos países do MERCOSUL – Brasil,

Argentina, Paraguai e Uruguai – e é quase o triplo do que foi desembolsado pela Comunidade

Andina de Nações – Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Mas a posição do Brasil muda na

comparação dos gastos militares de cada país da América do Sul em relação ao PIB. O gasto

militar do Brasil em 2007 foi de 1,58% do PIB. Esta relação é menor do que o país destinava

para o setor em 1985 (3% do PIB) e 2002 (2,3% do PIB) segundo uma pesquisa publicada

pelo CENM em 2004.

Page 16: Geopolítica e o poder(3)

Na comparação investimentos em defesa versus o PIB, o Brasil ficou em sexto lugar na

região, junto com a Bolívia. A pesquisa aponta que Equador foi o país da América do Sul que

mais dirigiu recursos do PIB para defesa (3,38%) em 2007. Logo depois, aparece o Chile

(3,27%) e a Colômbia (2,63%). A Venezuela, de acordo com o estudo, destinou 1,09% do

PIB para defesa em 2007. A Argentina é o país que menor porcentagem de seu PIB destinou,

naquele ano a esta área e ficou junto com o Suriname que gastou 0,92% do PIB com

investimentos em defesa. A tabela 2 mostra o ranking das forças armadas na América do Sul:

Tabela 2

Ranking das Forças Armadas da América do Sul

P a í s

Exército

Marinha (pontos)

Força Aérea Efe t ivos G.M. / PIB E D N P . E . T o t a l

Ranking(pontos) (pontos) / P o p . (pontos) (pontos) (pontos) d e

(pontos ) pontos

B r a s i l 289 139 272 10 40 35 35 820 1º

C h i l e 201 94 108 40 50 33 15 541 2º

P e r u 199 96 106 30 30 5 15 481 3º

Colômbia 80 62 170 40 50 15 15 432 4º

Argentina 143 93 71 10 20 10 25 372 5º

Venezuela 86 63 105 20 30 18 15 337 6º

Equador 48 41 32 20 30 -10 10 171 7º

Fonte: www.militarypower.com.br

O país, para sua autodefesa, precisa ter um potencial de desdobramento o que implica em

capacidade de deslocar tropas e suprimentos para qualquer região do seu território ou fora

dele dependendo da política estratégica. Além deste potencial, no caso do Brasil que possui

uma extensa área costeira, ele necessita de uma capacidade de defesa da costa e de

desencadear ataques marítimos dependendo também da política estratégica.

4.9 A coesão interna

A coesão interna de um país pode ser sintetizada como a vontade nacional (will). Apesar da

nossa vastidão continental e da variedade de raças e culturas, mantemos a mesma língua pátria

Page 17: Geopolítica e o poder(3)

e vibramos todos ao vislumbrar o pavilhão nacional ou ouvir o hino nacional. Coesão interna

ou vontade nacional não falta ao povo brasileiro.

A geopolítica é a política aplicada aos espaços geográficos (Meira Mattos, 1977) e o meio

físico (território) condiciona a vida do Estado e limita as suas aspirações. A nação, para

manter sua coesão interna, tem que lidar com os estímulos internos e externos.

O Brasil é fértil em estímulos internos: temos uma extensa costa marítima, uma colossal

fronteira terrestre, vasta extensão territorial e uma considerável massa continental. A massa

continental é a proporção entre fronteiras terrestres e extensão costeira. No caso do Brasil é

2:1 aproximadamente, o que indica uma grande massa continental. Se mirarmos o meio físico

brasileiro concluiremos que o país deve orientar sua política estratégia visando: adquirir poder

marítimo e desenvolver a navegação; dimensionar corretamente seu poderio militar terrestre e

aéreo tendo em vista a defesa da vasta fronteira terrestre; planejar geopoliticamente a

ocupação dos vazios demográficos e desenvolver pesquisa e tecnologia para explorar as

riquezas minerais, a agricultura e a pecuária.

Os estímulos externos são aqueles que o país recebe devido ao seu relacionamento político-

estratégico com as demais nações: (a) Por ocasião da guerra da tríplice aliança o Brasil viu-se

incapacitado de enviar efetivos militares e suprimentos para o Mato Grosso e com isso nasceu

a necessidade da implantação de uma malha rodoviária e ferroviária; (b) Por ocasião da II

Guerra Mundial nosso país viu-se imobilizado pois com o bloqueio alemão da nossa costa

com submarinos vimo-nos impossibilitados de movimentar a navegação de cabotagem pois a

rota marítima ficou bloqueada; (c) a preocupação, na época, com a fragilidade estratégica da

localização da capital federal em área litorânea e a necessidade de incentivar a ocupação dos

vazios demográficos fez nascer a necessidade da construção de Brasília, idealizada no

governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira; (d) com a construção de Brasília nasceram as

rodovias Belém-Brasília e Brasília-Cuiabá-Porto Velho visando uma integração via terrestre

da nova capital federal; (e) O desejo de não depender do regime de águas da navegação

fluvial fez nascer os projetos das rodovias Transamazônica, Porto Velho-Manaus, Manaus-

Boa Vista, Rio Branco-Cruzeiro do Sul e rodovia Perimetral Norte. A crise econômica

resultante do aumento do preço do petróleo na época do Governo Médici fez com que a

Perimetral Norte fosse suspensa. Hoje o projeto Calha Norte ainda tenta ocupar os espaços

vazios na nossa fronteira do norte amazônico e persiste o esforço para uma integração

terrestre com nossos vizinhos, principalmente a Venezuela (BR 174), Guiana (BR 401) e

Page 18: Geopolítica e o poder(3)

Guiana Francesa (BR 156). Recentemente a ação de grupos guerrilheiros (FARC) e de

traficantes internacionais de drogas e a exploração predatória da fauna e da flora na fronteira

amazônica estão forçando o governo a tomar decisões estratégicas para ocupação e controle

dos espaços terrestre e aéreo na região.

4.10 O Poder nacional brasileiro

Como mensurar o Poder Nacional de um país? Poder Nacional seria igual a poder militar?

Para Moltke (1800-1891) a passagem de uma situação de paz para uma situação de guerra

consistia apenas na execução da mobilização militar. Hoje este conceito é ultrapassado

levando-se em conta que no período pós Primeira Grande Guerra começaram estudos para

dimensionar o Poder de cada país e entraram para o contexto bélico as expressões econômicas

e psicossociais do Poder Nacional.

O poder político, que antigamente era arrastado pelo poder militar, passou a assumir papel de

liderança incontestável por ser o único capaz de coordenar as expressões militar, econômica e

psicossocial e converge-las aos interesses nacionais. Ficou marcada a importância de líderes

políticos como Churchill, De Gaulle, Eisenhouer, Kennedy e outros.

A Inglaterra criou em 1927 o Imperial Defense College e os EUA o National War College em

1946. O objetivo era estudar a guerra como um fenômeno total e preparar o Estado para uma

resposta imediata. A partir da II Guerra a visão do conflito foi ampliada com a letalidade das

armas, a bomba nuclear, a evolução da tecnologia e o aparecimento da guerra revolucionária

(guerra do Vietnã) e do terrorismo (oriente médio).

Hoje muitas regiões estão em ambiente bélico sem que haja guerra declarada e até mesmo

sem conflitos de grandes proporções. Além das escolas militares, universidades criaram

institutos de ciências políticas e estudos estratégicos onde os estudos desenvolvem-se em

áreas cada vez mais amplas. No Brasil a ESG-Escola Superior de Guerra é precursora dos

estudos da política e estratégia nacional para daí inferir uma Política de Segurança Nacional.

Política, estratégia e segurança do Estado dependem fundamentalmente do seu poder. Daí a

importância do estudo e da compreensão do Poder Nacional. Ray Cline (1975) definiu a

seguinte equação:

Page 19: Geopolítica e o poder(3)

pp = (c + e + m)(s + w).

Onde : pp = poder perceptível; c = massa crítica (população + território) ; e = capacidade

econômica; m = capacidade militar; s = concepção estratégica; w = vontade de realizar a

estratégia nacional (will).

O Poder Perceptível pode ser maior ou menor que o poder real. Cline (1975), para calcular o

valor do Poder Perceptível, estabeleceu alguns valores para as varáveis:

Variável Valor Pontos

População >200 milhões 50

>100 e < 200 milhões 25

> 50 e < 100 milhões 13

território >3,6m milhas quadradas 50

>1,1m e <3,6m milhas

quadradas40

capacidade econômica PIB EUA 100

cada 20 bilhões de dólares 1

suficiência energética carvão 2

energia nuclear 4

gás natural 4

petróleo 10

minerais industriais: ferro 8

cobre 3

bauxita 3

cromo 3

urânio 3

capacidade industrial aço 10

alumínio 5

cimento 5

capacidade econômica

(soma das importações

e exportações)

a maior soma 20

capacidade militar poder militar convencional 100

poder militar nuclear 100

Page 20: Geopolítica e o poder(3)

No que diz respeito à capacidade militar (m), Cline (1975) adverte para o fato de que as

percepções do Poder Militar, em alguns aspectos, são altamente subjetivas. Depois de

pormenorizadas e extensas considerações sobre o Poder Militar na sua dupla vertente, a

convencional e a nuclear, ele atribui 100 pontos a cada uma delas na sua máxima cotação. No

aspecto dos equipamentos militares (adequação, qualidade, volume disponível e volume a

acrescentar) pode-se, em princípio, fazer uma avaliação com algum grau de certeza. No

tocante à qualidade do comando, à capacidade de planificar e executar, à organização e moral

das tropas, à existência e à avaliação do fighting impulse, sempre sujeito a progressiva erosão,

exige ponderações cautelosas e, em nenhum caso, são simples e fáceis.

Se olharmos a equação de poder perceptível dos EUA e do Vietnã (na época da guerra) o

resultado seria fatalmente favorável aos americanos, mas o w (will = vontade nacional) dos

norte-americanos foi decaindo à medida que as imagens da guerra chegavam e o mesmo fator

w dos vietcongs foi aumentando até um ponto em que a grande potência desistiu por não

haver mais a vontade nacional em continuar a guerra, apesar de todo o poderio militar que

eles tinham.

4.11 Perspectivas para o poder nacional no século XXI

Como faremos o equacionamento geopolítico do nosso país? Como ajustaremos os interesses

da nossa nação aos estímulos do nosso território? Em 1963 tínhamos um PIB de 35 bilhões de

dólares, em 1976 o Brasil chegou a 130 bilhões de dólares e o PIPPC passou de 360 para

1.200 dólares, em 2008 o PIBPC chegou a 9.700 dólares (aproximadamente US$ 808.00 por

mês per capita). Dados do Banco Mundial também mostram que entre os BRICS o PIB per

capita do Brasil, por paridade de poder de compra, atingiu US$ 10,3 mil no último trimestre

De 2010, atrás da Rússia, com US$ 15,1 mil e da África do Sul com US$ 10,4 mil. A seguir

vem a China com US$ 6,6 mil e a Índia com US$ 3,1 mil.

(fonte: http://oglobo.globo.com/economia)

Saímos de uma posição de país subdesenvolvido para a de um “país em desenvolvimento”. O

Brasil é considerado uma potência emergente e compõe junto com Rússia, Índia, África do

Sul e China o bloco econômico denominado BRICS.

Um dos objetivos estratégicos do Brasil atualmente na política externa é a reforma dos

estatutos da ONU e a ocupação de uma cadeira no Conselho Permanente de Segurança do

Page 21: Geopolítica e o poder(3)

órgão. Para isso o Brasil tem se desdobrado nas Missões de Paz da ONU. Nosso país

participou de forças da ONU no Canal de Suez, São Domingos, Guiné Ocidental, Paquistão,

Angola, Moçambique, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Uganda,

Ruanda, Croácia, Chipre, Kosovo, Timor Leste e Haiti, além de diversas missões

humanitárias.

Nosso desafio atual é diminuir as diferenças regionais e exterminar os bolsões de miséria que

ainda existem no nosso país, estabelecer uma política de desenvolvimento sustentável para a

região norte que permita integrar o vasto território, explorar suas riquezas necessárias ao

desenvolvimento nacional, melhorar as condições de vida dos brasileiros e nativos e manter a

floresta (fauna e flora) que são patrimônio do nosso país.

Desenvolvimento necessita energia e temos que buscar alternativas para aumentar nossa

capacidade de geração. Termoelétricas não são mais adequadas, pois além de altamente

poluidoras não temos carvão e nem petróleo suficientes para coloca-las em funcionamento

com custo adequado. A energia nuclear, apesar de criticada, ainda é uma alternativa desde que

se tenha uma política de segurança e de disposição dos rejeitos. A energia solar e eólica são

também alternativas complementares, mas não podem sozinhas manter o nível energético que

o país vai necessitar. Teremos que expandir as hidroelétricas, pois apesar do impacto

ambiental, ainda é a energia mais limpa existente e partir para mais usinas termonucleares.

Nossos portos e aeroportos necessitam um choque de tecnologia e integração por ferrovias e

rodovias. Precisamos crescer nossa indústria naval e implantar uma política de transporte

marítimo, pois nossa navegação de cabotagem, apesar do imenso litoral, é ridícula.

Nosso desenvolvimento cobrará um ônus de maiores responsabilidades no campo da

segurança externa. Na medida em que nos desenvolvermos, seremos chamados a mais e mais

responsabilidades no campo internacional do poder e isso independerá do gosto ou do não

gosto pelo Poder. Teremos que estar preparados para exercer o Poder e proteger os nossos

interesses que, em termos econômicos e geoestratégicos, atingirão amplitude mundial.

5. Considerações finais

O Planejamento Estratégico necessário para o embasamento da Geopolítica Nacional e para a

Gestão do Poder Nacional depende da existência de uma burocracia profissionalizada em

Page 22: Geopolítica e o poder(3)

todos os níveis governamentais, como a existente nos setores diplomáticos e militares. No

começo da década de 1990 houve um tímido movimento neste sentido e que ainda não se

concretizou. Percebe-se como a nossa gestão pública é reativa e adaptativa, não possuindo

nenhum projeto claro de longo prazo e sim se adaptando ao ambiente num processo de

tentativa e erro. A doença crônica do Brasil ao longo do século XX foi a falta de projetos

nacionais coerentes, que fossem algo mais que mera propaganda política.

A gestão pública nunca se posicionou, nem numa lógica centralizadora pura, e nem numa

lógica liberal pura, trilhando sempre o caminho híbrido tentando combinar o melhor de cada

sistema. Ao longo nos anos 80, com os ganhos do modelo estatal esgotados, experimentamos

o pior das duas opções, isto é, baixa produtividade, falta de pressão competitiva e falta de

investimento estatal.

Com a implantação do MERCOSUL passou a acontecer uma cooperação maior entre

Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela e, com a ampliação do Mercado, com os

países associados: Chile, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. Embora tais países tenham

cooperado em diversas situações sempre houve também competição entre estes, tal

competição se deu tanto no campo econômico quanto militar como diversas corridas

armamentistas ao longo do século XX e guerras no século XIX. Ao longo do século XX tal

relacionamento se deu mais no campo econômico e político com os países disputando

comercialmente certos mercados e posições políticas em órgãos internacionais como a ONU.

Apesar da aliança comercial (MERCOSUL), não podemos nos esquecer do nosso

posicionamento geoestratégico, da nossa dimensão continental e das nossas responsabilidades

no contexto internacional que nos obrigam a ter uma Política Nacional séria, baseada em

princípios que visem diretamente a defesa dos interesses nacionais dentro e fora do nosso

território. Para isso nosso país precisa desenvolver uma Política Geoestratégica coerente com

o nosso tamanho e a nossa pretensão de ser um país desenvolvido e inserido no grupo de

países que decidem sobre o destino da economia e da política internacional. Uma Nação não

precisa usar da força para mostrar seu valor, mas precisa dela para que seus potenciais

adversários o respeitem.

Page 23: Geopolítica e o poder(3)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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