"gente em ação" n.º 66 - suplemento

8
Suplemento 25 de Abril - Livro Livre 66 | junho 2014 Distribuição gratuita livre Onde estava na madrugada do 25 de abril de 1974? Estava em Bissau (Guiné), em casa, numa enorme expetativa, à espera que o telefone tocasse… isto porque eu tinha regressado de Lisboa poucos dias antes e, na noite de véspera da partida, participara numa reunião, onde ficara estabelecido que seria na madrugada de 25. A essa reunião fui levado pelo Major Otelo Saraiva de Carvalho, meu camarada de armas, regressado há uns meses da Guiné, com o qual me encontrara na sala de oficiais da Academia Militar, onde ele era professor, e que, como que a brincar com as bolas de bilhar, para disfarçar, me havia dado indícios do que se estava a congeminar. O que fazia nesse momento? Por incrível que pareça, estava a dormir! A madrugada aproximava-se e um tanto amargurado, porque o telefone não tocava, pensando que tudo falhara, fui dormir. Como soube o que estava a acontecer? Acordei assarapantado com alguém aos murros na porta. Era o Coman- dante das Transmissões que, entrando de rompante pela casa dentro, gri- tava “já esta!”, “já está!” E como eu, ensonado ainda, lhe parecia um tanto incrédulo, pôs-me as mãos nos ombros, a abanar-me, repetindo: “Este gajo ainda não acredita!” Esclareço que a unida- de que ele comandava dispunha de rádios e de telefones que o ligavam diretamente a Lisboa e manteve-se atento pela noite den- tro, pelo que soube em primeira mão que a tropa estava na rua. Como reagiu? Eu era comandante de uma das unidades militares com maior número de efetivos na Continua na pág. seguinte Nome: Camilo Tavares Mortágua Idade a 25 de abril de 1974: 40 anos Onde morava: Em França Profissão que exercia: Trabalhava numa reprografia Onde estava na madrugada do dia 25 de abril de 1974? Estava em Paris, a dormir. Só tomei conhecimento de que tinha havido uma “revolução” lá pelas 10 da manhã do dia 25, quando cheguei ao lugar onde trabalhava, uma gráfica chamada “Repro-Rapid”. Mas demorei bastante tempo a perceber o que se tinha passado. De início, pareceu-me mais um “golpe militar” sem garantias de liberdade para presos políticos e combatentes contra a ditadura. À medida que ia escutando a televisão francesa e a rádio portuguesa, tomei uma decisão… “se soltarem os presos políticos e, entre eles, o Palma Inácio, vou imediatamente para Portugal. Que os meus amigos e companheiros de trabalho tenham paciência, espe- rei demasiado tempo por este dia.” À medida que iam chegando outros companheiros e se começava a acre- ditar que a coisa era séria, iniciavam-se os preparativos para a viagem. Tra- tei dos assuntos pendentes e fui pela primeira vez ao Consulado português buscar um passaporte que me foi dado mediante o reconhecimento de duas testemunhas de ocasião, que garantiram conhecer-me (nunca me tinham visto!), juntei panelas e cobertores, enchi o carrinho da altura e “ala que se faz tarde”! Com a companheira de então (…) e o carrinho a abarrotar de tralhas im- precisas, devemos ter saído de Paris na tarde de domingo, dia 28. A estrada até Vilar Formoso era o “Rio da Alegria”: bandeiras e cantares enchiam a paisagem de cores e as gargantas anunciavam aos ventos… “Somos livres! Somos livres!”, mesmo sem saber se de facto o éramos. Os peitos inchados de orgulho! Finalmente, íamos demonstrar ao mundo que neste país também havia gente capaz de lutar pela sua dignidade, capaz de sacrifícios para alcançar a liberdade. Quem não parecia nada contente com a festa eram as autoridades espa- nholas. Tudo fizeram para nos atrasar a chegada a Vilar Formoso, desde multas “porque sim”, a obrigar-nos a ir até às esquadras para verificação de documentos. (…) Finalmente! Finalmente… íamos olhar os polícias da fronteira olhos nos olhos, a dizer quem éramos. (…) Chegámos a Vilar Formoso por volta da meia-noite do dia 30 de abril e a Lisboa ao romper da mais bela aurora da minha vida! Da minha e, certa- mente, da de todos os que encheram as estradas da Europa a caminho da pátria em festa, de todas as organizações, de todos os comités. Trotzquis- Continua na pág. seguinte

Upload: aevvr

Post on 31-Mar-2016

219 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Suplemento "Gente Livre em Ação", dedicado aos "Livros Livres" - jornal escolar do AEVVR - junho 2014

TRANSCRIPT

Page 1: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Suplemento25 de Abril - Livro Livre

66 | junho 2014 Distribuição gratuita

livre

Onde estava na madrugada do 25 de abril de 1974?Estava em Bissau (Guiné), em casa, numa enorme expetativa, à espera

que o telefone tocasse… isto porque eu tinha regressado de Lisboa poucos dias antes e, na noite de véspera da partida, participara numa reunião, onde ficara estabelecido que seria na madrugada de 25. A essa reunião fui levado pelo Major Otelo Saraiva de Carvalho, meu camarada de armas, regressado há uns meses da Guiné, com o qual me encontrara na sala de oficiais da Academia Militar, onde ele era professor, e que, como que a brincar com as bolas de bilhar, para disfarçar, me havia dado indícios do que se estava a congeminar.

O que fazia nesse momento?Por incrível que pareça, estava a dormir! A madrugada aproximava-se e

um tanto amargurado, porque o telefone não tocava, pensando que tudo falhara, fui dormir.

Como soube o que estava a acontecer?Acordei assarapantado com alguém aos murros na porta. Era o Coman-

dante das Transmissões que, entrando de rompante pela casa dentro, gri-tava “já esta!”, “já está!” E como eu, ensonado ainda, lhe parecia um tanto incrédulo, pôs-me as mãos nos ombros, a abanar-me, repetindo: “Este gajo

ainda não acredita!” Esclareço que a unida-de que ele comandava dispunha de rádios e de telefones que o ligavam diretamente a Lisboa e manteve-se atento pela noite den-tro, pelo que soube em primeira mão que a tropa estava na rua.

Como reagiu?Eu era comandante de uma das unidades

militares com maior número de efetivos na

Continua na pág. seguinte

Nome:Camilo Tavares Mortágua

Idade a 25 de abril de 1974:40 anos

Onde morava: Em França

Profissão que exercia:Trabalhava numa reprografia

Onde estava na madrugada do dia 25 de abril de 1974?

Estava em Paris, a dormir. Só tomei conhecimento de que tinha havido uma “revolução” lá pelas 10 da manhã do dia 25, quando cheguei ao lugar onde trabalhava, uma gráfica chamada “Repro-Rapid”. Mas demorei bastante tempo a perceber o que se tinha passado. De início, pareceu-me mais um “golpe militar” sem garantias de liberdade para presos políticos e combatentes contra a ditadura. À medida que ia escutando a televisão francesa e a rádio portuguesa, tomei uma decisão… “se soltarem os presos políticos e, entre eles, o Palma Inácio, vou imediatamente para Portugal. Que os meus amigos e companheiros de trabalho tenham paciência, espe-rei demasiado tempo por este dia.”

À medida que iam chegando outros companheiros e se começava a acre-ditar que a coisa era séria, iniciavam-se os preparativos para a viagem. Tra-tei dos assuntos pendentes e fui pela primeira vez ao Consulado português buscar um passaporte que me foi dado mediante o reconhecimento de duas testemunhas de ocasião, que garantiram conhecer-me (nunca me tinham visto!), juntei panelas e cobertores, enchi o carrinho da altura e “ala que se faz tarde”!

Com a companheira de então (…) e o carrinho a abarrotar de tralhas im-precisas, devemos ter saído de Paris na tarde de domingo, dia 28.

A estrada até Vilar Formoso era o “Rio da Alegria”: bandeiras e cantares enchiam a paisagem de cores e as gargantas anunciavam aos ventos… “Somos livres! Somos livres!”, mesmo sem saber se de facto o éramos. Os peitos inchados de orgulho! Finalmente, íamos demonstrar ao mundo que neste país também havia gente capaz de lutar pela sua dignidade, capaz de sacrifícios para alcançar a liberdade.

Quem não parecia nada contente com a festa eram as autoridades espa-nholas. Tudo fizeram para nos atrasar a chegada a Vilar Formoso, desde multas “porque sim”, a obrigar-nos a ir até às esquadras para verificação de documentos. (…)

Finalmente! Finalmente… íamos olhar os polícias da fronteira olhos nos olhos, a dizer quem éramos. (…)

Chegámos a Vilar Formoso por volta da meia-noite do dia 30 de abril e a Lisboa ao romper da mais bela aurora da minha vida! Da minha e, certa-mente, da de todos os que encheram as estradas da Europa a caminho da pátria em festa, de todas as organizações, de todos os comités. Trotzquis-

Continua na pág. seguinte

Page 2: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gen

te e

m A

ção

2E

-Mai

l: ge

nte.

vvr@

gmai

l.com

66 | junho | 2014

Contos de Natal

Guiné (entre brancos e negros ultrapassavam os 1500), distribuídos pelo território todo. A hora era de contentamento, mas a responsabilidade pas-sou a ser ainda maior.

Comecei por ir avisar o meu 2.º Comandante que acordou espantado por me ver ali àquela hora (…). Depois, dirigi-me ao meu quartel, onde encon-trei os Capitães já acordados pelo Capitão Miliciano Barroso, sobrinho da Dr.ª Maria Barroso (que, quase de certeza, fazia a ligação entre o General Spínola e o Sr. Mário Soares, então refugiado em Paris). Calculo que não se deitara nessa noite, alertado como estava à espera do que pudesse acon-tecer. Como ambos havíamos tomado parte em reuniões que, a partir do 16 de março, passaram a ser mais ou menos clandestinas, foi com o sol quase a romper que selámos num abraço a alvorada da Liberdade!

Logo que os serviços do quartel começaram a tomar as medidas de se-gurança que se impunham, reuni com os meus alferes, todos milicianos e com algum traquejo político adquirido enquanto estudantes. Tomaram, assim, conhecimento do que se estava a passar em Lisboa e ficaram a saber de que lado é que estava o seu comandante, mas fui claro também a esclarecer que ninguém era obrigado a seguir-me, embora contasse com o seu empenho para que a disciplina na nossa unidade não sofresse quebras.

O que pensou?As preocupações enquanto Comandante duma unidade um tanto comple-

xa, quer pela dispersão territorial, quer pela diversidade dos seus militares, não deixavam tempo para grandes cogitações. Uma coisa eu tinha como certa: o baluarte do regime ditatorial (Governo e Presidente da República), como se tivesse pés de barro, tinha sido derrubado ao primeiro abanão!

O que sentiu?Apesar de bastante ocupado, lá no fundo sentia uma imensa alegria pela

liberdade conquistada.

O que achava que estava a acontecer?Apesar de estar informado sobre a preparação do golpe militar, a incer-

teza do momento aconselhava cautela. Contudo, à medida que se ia ten-do algum, ainda que pouco, conhecimento do que se estava a passar em Lisboa, a esperança ia criando certezas e, logo que Marcelo Caetano e acompanhantes se renderam e saíram do quartel do Carmo dentro de uma chaimite, não reatavam dúvidas: era a esperada Revolução e, com ela, a libertação das grilhetas da ditadura!

O que mais o impressionou?A facilidade com que a situação política se esboroou, indiciando que o

regime, afinal, era mesmo um gigante com pés de barro.

O que mudou para si nesse momento?A não ser a certeza de que a liberdade iria ser um bem adquirido e a espe-

rança de que o nosso país tinha de mudar, para mim nada mais mudou, as-sim de repente, naquele momento. Era preciso agir com cautela, mas com determinação e, na altura, era fundamentar manter a coesão e a disciplina da unidade que eu comandava.

Qual o momento mais marcante nesse dia?Não tenho dúvidas: foi quando o Comandante das Transmissões nos en-

trou pela casa dentro aos gritos: “Já está! Já está”.

Acha que este foi um episódio importante na sua vida? Porquê?O 25 de abril, ou melhor, o pós-25, acabaria por mudar completamente

toda a minha vida. Naquela altura, apesar de bastante novo ainda, já estava na quarta comissão e, de uma para a outra fui assistindo ao agravamento da situação militar nas três frentes de guerra (Angola, Guiné e Moçambique). Na Guiné, então, era mais que evidente: a situação agravava-se de dia para dia e o PAIGC declarou unilateralmente a independência em território gui-neense “libertado”, isto é, completamente desocupado de tropa portuguesa.

O povo português estava cansado porque, além dos gastos com a guer-

José Faia Pires Correia (continuação)

tas, maoístas, comunistas, de todas as tendências e inspirações, cruzavam-se, saudavam-se, abraçavam-se como nunca o tinham feito! (…)

Após duas horas de sono, fui cumprir a promessa tantas vezes feita aos companheiros mais íntimos das minhas andanças (…): passear-me de ca-beça erguida e sem olhar para trás, pela Avenida da Liberdade, sentar-me num banco e, enquanto Lisboa se preparava para outro dia grande da sua história, sair de mim e rememorar longamente os caminhos e tempos para aqui chegar.

Este foi o momento de todas as recompensas, nada importando as agru-ras dos tempos passados ou dos que virão. Bem-vindas as novas “andan-ças pela Liberdade”.

Rita Nascimento

Camilo Tavares Mortágua (continuação)

O meu avô paterno era comerciante de fruta (citrinos) e, frequentemen-te, tinha de se deslocar a Lisboa, ao Mercado da Ribeira, onde deixava, à consignação, a fruta que levava. Esta atividade do meu avô era feita em so-ciedade com um tio, meu tio-bisavô e, normalmente, ou ele ou a minha avó, acompanhavam-no nas viagens muito longas e demoradas de ida e volta.

No dia 24 de abril de 1974, o meu avô e o meu tio-bisavô, depois de car-regada a Hanomag amarela com sacos de limões com destino à capital, partiram, como em tantos outros dias, com tempo suficiente para, ao che-gar, poderem repousar um pouco até à abertura do mercado (às 6 horas) e, descarregada a fruta, regressarem à sua Foz natal.

O habitual lugar de descanso era junto ao mercado de frutas e legumes, o Mercado da Ribeira. E, naquele dia, não foi diferente. Dormiam dentro da carrinha quando, de repente, acordaram sobressaltados por ruído e uma grande agitação; sem certeza, mas com desconfiança que estaria a decor-rer um golpe de estado, tendo em conta a enorme contestação que existia na altura e porque já tinha havido uma outra tentativa, apressaram-se a descarregar a mercadoria, com receio pelo que poderia estar a acontecer e garantirem a saída da cidade o mais rápido possível.

Habitualmente, o seu trajeto era sempre à beira do Tejo depois ou antes de passarem a portagem de Vila Franca de Xira. Nesse dia , após a des-carga atribulada da fruta, dirigiram-se, como sempre, para o largo do Cais do Sodré onde foram abordados por militares; o meu avô foi informado de que estava a decorrer um golpe de estado por intervenção militar e, porque a grande concentração de militares e viaturas se encontrava no trajeto que seguia habitualmente, nesse dia, teria de tomar outra alternativa, tendo sido encaminhado para a rua do Crucifixo. Tendo noção de que essa rua só tinha um sentido, o meu avô disse aos militares que por aí não poderia pas-sar, visto que o faria em sentido proibido, obtendo dos mesmos a resposta: “Hoje não há sentidos proibidos para todos os que quiserem sair da cidade, e apresse-se se assim o pretende”.

Com o medo como companheiro, os dois Manuéis seguiram pela referida rua, com destino ao Campo Grande, posteriormente à Encarnação e, a par-tir desse ponto, puderam retomar a viagem do costume.

Foi durante a viagem e ao som da rádio que foram dando conta do que

Continua na pág. seguinte Continua na pág. seguinte

Page 3: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gente em

AçãoE

-Mail: gente.vvr@

gmail.com

366 | junho | 2014

Contos de Natal

ra, todos os anos via os seus filhos embarcar para África aos milhares, sem perspetivas de abrandamento. Com os militares profissionais era ainda mais penoso porque as nomeações se verificavam umas atrás das outras, com os períodos de recuperação cada vez menores, os filhos sem o pai, etc. Era uma vida sem perspetiva, quer do ponto de vista profissional, quer familiar, ainda por cima, com a tropa a ser injustamente culpada pela conti-nuação da guerra. E, desconfio, Marcelo Caetano preparava-se para, com a derrota militar à vista, atirar com as culpas para os militares, tal como Salazar fizera com a Índia.

Carolina Santos

José Faia Pires Correia (continuação)

estava a acontecer, dentro dos limites do que ia sendo tornado público.Com algum receio pela vida, traziam no coração a esperança, tantas ve-

zes adiada, da liberdade.À chegada, o meu avô sentiu um grande alívio por não haver qualquer

agitação e ver a família de saúde e sem noção do que estava a acontecer.Tinha ficado impressionado ao ver os tanques e os militares pelas ruas de

Lisboa, mas na Foz reinava o sossego, quebrado apenas pelas conversas dos homens e a algazarra das crianças.

Depois de ter servido a sua pátria na guerra do Ultramar, em Angola, ao longo de um pouco mais de 27 meses, contra sua vontade, como muitos outros companheiros, sentiu, naquele dia, que o seu filho de 4 anos, o meu pai, não haveria de ouvir o som dos canhões.

João Barateiro

Manuel R. Barateiro (continuação)

A Guerra ColonialNome: António Pereira Mateus GonçalvesResidência: Vila Velha de Ródão

Como é que os seus pais reagiram, quando lhes disse que tinha que ir para a guerra?

Muito mal, uma vez que eu era filho único, o meu pai estava doente e ver-me ter que partir para África foi doloroso!

Como eram avisados da ida para a guerra?Mandaram-nos formar e avisaram-nos que estávamos mobilizados para

ir para Moçambique.

Como era preparado antes de ir para a guerra?Não houve preparação alguma, pois foi uma coisa rápida e deram-nos

dez dias de licença para nos despedirmos da família.

Como decorreu a viagem para Moçambique?A viagem para Moçambique foi feita no barco Niassa, onde iam cerca de

2000 militares e íamos vigiados por outro barco de guerra português.

Como eram as condições do barco?O barco era tipo cargueiro sem condições nenhumas para levar pessoas.

Dormíamos todos ao monte no porão, o colchão era uma rede e a almofada era uma mochila que continha as botas e o fato. Nem tínhamos cobertores.

Foi bem acolhido quando lá chegou?Sim.

Onde esteve destacado? E durante quanto tempo?Estive em Moçambique. Estive destacado 29 meses, incluindo as via-

gens.

Que idade tinha na altura?Tinha 21 anos.

Qual era a sua patente? Que função desempenhava?A minha patente era soldado, com a função de atirador.

Que memórias tem das pessoas que o acompanharam e dos sítios onde esteve?

Lembro-me de ter conhecido praticamente todo o território de Moçambi-que.

Que cores, sons e cheiros recorda?Recordo os sons dos animais selvagens a fazerem barulho, o cheiro da

terra molhada e as cores dos fatos dos nativos.

Que momentos o marcaram mais?

O que mais me marcou foi conhecer aquele território. Surpreendeu-me a chegada a Lourenço Marques por ser uma cidade tão bela, assim como outras cidades, o caso como Climane, Porto Amélia e a Beira.

Qual a sua opinião sobre a guerra? Foi desnecessária.

Ana Rita Pereira

Nome: António Pires Custódio (69 anos de idade)Residência: Fratel

Aonde esteve destacado? Durante quanto tempo?Estive destacado em Angola, durante dois anos e dois meses, aproxima-

damente.

Que idade tinha?Nessa altura, tinha 29 anos.

Qual era a sua patente?A minha patente era sargento do exército.

Que função desempenhava?A função era manutenção do material de guerra; armamento e munições.

Que memória tem das pessoas que o acompanhavam e dos sítios onde esteve?

Todos nós pretendíamos voltar vivos e as saudades da família eram mui-tas. Em momentos mais críticos, apoiávamo-nos uns aos outros. Os locais que mais me marcaram foram: norte de Angola, Vale do Rio Loge e Toto. Mais tarde fui para Caxite.

Havia momentos em que não estavam em guerra? Que faziam?Havia alguns, nós nunca sabíamos, nunca estávamos parados. Uma das

nossas funções era dar apoio com as nossas tropas aos civis que estavam no campo, nas aldeias em redor.

Que cores, cheiros e sons recorda?Recordo principalmente o terreno plano a perder de vista, mas também

com grandes elevações, aí era preciso ter cuidado, ali é que os inimigos estavam. Em guerra, viam-se pessoas mortas e o barulho das minas.

Que momentos mais o marcaram?A coluna onde ia o nosso pessoal foi atacada, foram momentos de aflição

para nós, militares. Mas também me marcou muito ver muita gente a pedir ajuda, principalmente mulheres e crianças. Socorri várias.

Continua na pág. seguinte

Page 4: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gen

te e

m A

ção

4E

-Mai

l: ge

nte.

vvr@

gmai

l.com

66 | junho | 2014

Suplemento Especial - Livros Livres

A DescolonizaçãoNome: Maria Emília Ribeiro CasteloData de Nascimento: 1943 (71 anos)Residência: Vila Velha de Ródão

Em África, onde vivia?Vivia em Moçambes.

O que fazia?Quando cheguei, comecei por costurar para os guardas, de seguida, sur-

giram os nativos que trabalhavam como serventes dos guardas pedindo que costurasse a roupa para as suas mulheres. Mas, o mais engraçado, é que cada um aparecia, não só com uma mulher, mas sim com duas ou três!

Quando e como é que percebeu que tinha que vir para Portugal?Como estávamos perto da África do Sul, apanhávamos a emissora de

lá, pensávamos que se estava a passar algo de diferente e, por outro lado, ouviam-se as músicas fúnebres da rádio portuguesa. Com esta incerteza, fomos para Luanda. Além disso, andávamos desconfiados que algo se es-taria a passar porque, já há algum tempo atrás, o meu patrão andava a en-viar mobílias e outras coisas para Portugal. Só quando chegámos a Luanda é que nos apercebemos da guerra, porque ouviam-se os tiros e começou toda a gente a correr para a pista onde estava o avião, sem esperar que os autocarros nos levassem.

Como foi a viagem?A viagem foi da cidade onde vivíamos para Luanda, deixando tudo para

trás. Viajámos de avião como se viéssemos de férias, pensando sempre em voltar.

Para onde foi quando chegou a Portugal?Quando cheguei a Portugal, fui para casa da minha mãe e depois para

uma casa emprestada pela minha madrinha, em Vila Velha de Ródão.

Tinha família à sua espera?Tinha as minhas irmãs e a minha mãe.

Teve algum tipo de apoio do estado português?Não tivemos nenhum apoio. Prometeram, mas nunca chegaram a cum-

prir.

Qual foi a sua atividade depois de chegar?O meu marido foi para a fábrica “ Unibaga” e eu fui trabalhar para a esco-

la, na cantina, graças ao pedido da minha tia.

Que memória guarda desses tempos de mudança?Muitas saudades, um desejo enorme de voltar mas, por outro lado, muito

sofrimento e angústia, visto que tivemos que reiniciar a nossa vida, aqui em Portugal, começando do nada. Sinto falta da-quele povo que foi tão meu amigo, sinto fal-ta daquele cheiro a terra molhada, sinto falta daquele maravilhoso pôr-do-sol… Em suma, sinto falta de tudo! se me vissem como um simples caldeiro cheio na minha mão corriam a ajudar-me, pois não queriam que eu fizesse esforços.

Como se sentiu com toda esta situação?Senti-me desprotegida, em relação ao go-

verno e triste, porque tinha que iniciar outra vez a vida. Era um começar de novo.

Do que sente mais saudades?Das amizades que fiz e da fartura de tudo,

porque é uma terra riquíssima.Ana Rita Pereira

Qual a sua opinião sobre esta guerra?Foi uma guerra injusta que não devia ter existido. Penso que se devia ter

entrado em negociações.

Acha que foi um episódio importante na sua vida e porquê?Em vários sítios sim, noutros não, porque morreu lá tanta gente escusa-

damente.

Se não fosse obrigado, teria ido?Não, não iria, mas como profissional não podemos dizer que não, era um

dever nosso enquanto militares.

Alguma vez teve medo de não conseguir voltar para junto da sua família?

Não, nunca tive esse receio, mal ou bem eu sabia para o que ia, se assim fosse, nunca teria entrado para o exército.

Maria Faustino

Muito portugueses não acreditavam na guerra e não queriam combater. Mas, milhares de jovens foram obrigados a embarcar para longe da sua pátria, família e amigos. Outros, viram-se obrigados a emigrar, a abandonar Portugal “a salto”. Tenta conhecer a história de alguém que tenha saído do país por recusar combater na guerra colonial.

Não é fácil para mim falar sobre a história de alguém que aos 23 anos faleceu com uma doença incurável e após muito sofrimento; muito menos contada pelo seu pai, hoje com 88 anos, o meu tio-bisavô Manuel.

O meu primo João (3ª geração), se fosse vivo, teria hoje 63 anos. O des-tino assim não quis.

O meu primo João nasceu em 1951, fez a escola primária na Foz do Co-brão e depois foi para a Escola Industrial em Castelo Branco. Aos 18 anos começou a trabalhar na Celulose do Tejo, em Vila Velha de Ródão, como torneiro mecânico. Parecia ter uma carreira promissora; de dia trabalhava para o seu sustento e à noite estudava; ia todos os dias de Vila Velha de Ródão para Castelo Branco, pernoitando em casa de uma prima. Os fins-de-semana eram passados em casa dos pais, o meu tio-bisavô Manuel e a minha tia-bisavó Maria, na Foz do Cobrão. Durante alguns meses, os dias foram passados desta forma. O período da inspeção militar aproximava-se. Cada vez mais convicto de que não queria passar por aquilo que muitos jovens estavam a passar na guerra do ultramar e não concordando com o regime que era praticado em Portugal, decidiu abandonar o país rumo a outras paragens. Conversou com os pais, ambos aceitaram a decisão, em-bora com alguma tristeza, mas entenderam o motivo que o levaria “a salto” para outro país. Quando chegou, enviou aos pais um telegrama dizendo que estava em França. Seis meses depois de ter partido, veio a Portugal celebrar o Natal com os seus pais e com a intenção de regressar…face a esta decisão, o meu tio Manuel e o meu avô, deslocaram-se a Castelo Branco para falar com um Capitão conhecido do meu avô, de modo a avaliar a possibilidade do filho ser inspecionado e cumprir o serviço militar, sem sofrer retaliações.

Esta situação viria a ocorrer de imediato. O meu primo foi à inspe-ção e foi integrado numa força especial: os Comandos. Foi mobiliza-do para Angola em agosto de 1972, onde combateu durante alguns meses. Sentindo-se adoentado, pediu licença e passou algum tem-po na casa de um primo que vivia em Luanda. Regressado ao aquar-telamento, nunca viria a recuperar a saúde. Voltaria à metrópole em novembro de 1974, tendo passado, de imediato, à disponibilidade. Sentindo cada vez mais o peso da doença, foi internado por várias vezes no Hospital Militar, acabando por falecer em Julho de 1975, um mês antes de completar os 24 anos.

Apesar de desertor, por medo à morte, acabaria por cumprir uma parte do serviço militar, regressou da guerra, que não o matou, mas acabaria por sucumbir à doença, deixando para trás uma família de-solada e perdida, a quem, não a guerra, mas uma doença, roubou o seu único filho.

João Barateiro

A Guerra Colonial (continuação)

Page 5: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gente em

AçãoE

-Mail: gente.vvr@

gmail.com

566 | junho | 2014

Suplemento Especial - Livros Livres

A PIDEA Dra. Maria do Carmo Sequeira foi uma das pessoas que teve uma ex-

periência com a PIDE.Aqui fica o testemunho:Fazia parte de um grupo de pessoas que eram um pouco rebeldes, re-

voltadas contra a situação existente no país, nomeadamente contra a guer-ra colonial. O seu namorado era oriundo duma província ultramarina, mais concretamente de Timor. Esteve sempre atenta a todas as situações de injustiça que existiram antes do 25 de abril.

O episódio que a seguir se conta aconteceu em março de 1974. A Dr.ª Maria do Carmo e as suas amigas Prudência e Adriana iam concor-

rer ao concurso de professores e, antes de iniciarem tal tarefa, resolveram ir a um café que se chamava “O Candeeiro” que existia, na altura, perto da Cruz Quebrada (onde iam aquelas pessoas quer eram conotadas com movimentos contra a ditadura). Acontece que, nessa tarde, a PIDE andava à procura do Samuel, que era um cantor de cantigas proibidas pela PIDE, e então, como ninguém sabia do Samuel, decidiram prender todas as pesso-as que se encontravam naquele local.”

Ela acabou por ficar presa durante um dia e uma noite. Só no dia seguinte é que o seu namorado (hoje marido) a foi buscar à prisão.

Foi uma situação muito complicada, pois nessa altura ela tinha apenas 21 anos e, se os seus pais soubessem que ela tinha sido presa pela PIDE, não ficariam nada contentes.

Entretanto, algumas semanas depois, dá-se o 25 de abril. Como estava envolvida naquele grupo de pessoas que estavam contra a

guerra colonial e o regime fascista, tinha por hábito encontrar-se com os co-legas em sítios onde não pudessem ser ouvidos e então, na noite de 24 de abril, encontraram-se perto do forte de Caxias a conversar até tarde. Depois foram dormir e, às 8 da manhã, foram acordados com a campainha a tocar. Era a sua amiga Prudência a gritar: “Houve uma revolução, levantem-se, houve uma revolução!!!”

Lá se levantaram e arrancaram para o Largo do Carmo onde viram chegar o carro que transportava o General Spínola.

Daí foram para a sede da PIDE e, quando começaram aos tiros, “pernas para que vos quero!!!”.

E foi assim a sua experiência com a PIDE.Ricardo Pereira

O meu tio-avô António Lopes trabalhava nas oficinas da CP e aderiu ao único partido político existente na época, o Partido Comunista.

A função do meu tio cingia-se à distribuição de um jornal clandestino: “O Avante”, que tinha um formato muito pequeno de modo a ser discreto e fa-cilmente transportável para ser distribuído.

Em 1962, foi denunciado por um colega de trabalho, que era colaborador da PIDE (bufo), e foi detido. Levaram-no para a sede da PIDE, em Lisboa e, de forma a obter a confissão da sua atividade, foi torturado, através da tortura do sono e espancamentos. Foi condenado a uma pena de 2 anos de prisão efetiva nos estabelecimentos prisionais de Caxias e Peniche pelo “crime” de distribuir um jornal que era considerado ilegal pelo Estado Novo.

O meu tio tinha filhos menores que dependiam do seu rendimento e que, face ao cativeiro de seu pai, tiveram que abandonar a escola e começar a trabalhar ainda crianças, de forma a ajudarem nas despesas de casa.

Em 1964, depois de cumprida a sua pena, regressou para junto da famí-lia, vencido pela brutalidade do regime, mas não rendido ao sistema que apenas gerava pobreza, angústia e guerra. Foi, até ao final da sua vida, um homem inconformado, porque todos os regimes políticos criaram diferenças entre as pessoas, de um modo geral favorecendo as classes sociais mais abastadas e gerando cada vez mais pobreza nos meios mais desprotegi-dos. Embora livres, a liberdade não supriu todas as necessidades e logrou as expectativas de muitos dos que lutaram, dos que perderam os sonhos e a dignidade.

Ainda assim e, como disse um dia um Governador dos Açores, Ciprião de Figueiredo, em resposta a Filipe II de Espanha: “Antes morrer livres que em paz sujeitos”. Esta divisa faz parte do brasão de armas do arquipélago dos Açores, embora, inicialmente, este tenha sido o brasão de armas da ilha Terceira.

Esta divisa continua atual e, se por um lado todos temos liberdade de expressão, têm-nos sido retirados, ao longo dos tempos, outros direitos e, sem eles, de nada nos serve a liberdade.

Ao meu primo Isaac, o meu muito obrigado pela disponibilidade e amabi-lidade com que me cedeu estas informações.

João Barateiro

Nome: João Luís Marques da Ascenção

Como se sentia a presença da PIDE no dia-a-dia?A PIDE era como uma polícia escondida. Eles andavam à paisana a pas-

sear e a ouvir se dizíamos mal do Salazar ou do governo para nos apanharem, prenderem e torturarem.

O que o levava a recear a PIDE?Era, claramente, o medo dos castigos e das torturas que nos

podiam fazer, porque era tudo secreto. Se falássemos mal do governo com alguém que não sabíamos que era da PIDE éra-mos logo apanhados. Eles também tentavam puxar pelo assun-to, mostravam-nos o cartão e íamos logo [presos].

Chegou a ter algum processo na PIDE?Nunca tive nenhum processo. Nunca corri o risco de ser preso,

mantive o silêncio na maioria das vezes.

O que fazia para evitar a PIDE?Para evitar a PIDE, apenas falava com pessoas de confiança

e, mesmo assim, não dizia tudo. Outras vezes nem falava, era o melhor!

Sandro Sousa

Page 6: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gen

te e

m A

ção

6E

-Mai

l: ge

nte.

vvr@

gmai

l.com

66 | junho | 2014

Suplemento Especial - Livros Livres

O direito à família e a condição femininaNome: Helena

Que idade tinha em 1974?Tinha 40 anos. Já estava cá em Vila Velha quando se deu o 25 de abril.

Era casada?Não, era solteira.

Exercia alguma profissão?Exercia. Trabalhava na “Obra das Mães pela Educação Nacional”. Era

formadora feminina, ensinava as raparigas a serem boas esposas, boas mulheres e boas mães. Portanto, ensinava várias coisas: a cozinhar, a bor-dar, dava lições de higiene, de moral… era como se fosse uma professora.

Alguma vez se sentiu discriminada por ser mulher?Não nunca dei por isso. Eu, nessa altura, era nova, estava na cozinha e

ninguém se metia comigo, mas claro que, nessa altura, os homens tinham um poder superior ao das mulheres. Eu, como sempre fui solteira, nunca me senti subjugada.

E não conheceu nenhuma mulher que tenha sido discriminada?Todas as mulheres, nessa altura, eram discriminadas. Quando havia elei-

ções, no tempo de Salazar, os homens votavam e as mulheres não tinham direito ao voto.

Que diferenças identifica entre o estilo de vida das mulheres durante o Estado Novo e das mulheres do momento presente?

As mulheres de agora são mais independentes. Antes, no Estado Novo, as mulheres só trabalhavam em casa, tratavam dos filhos, por isso tinham muitos filhos, iam à horta e trabalhavam no campo. Agora, é totalmente di-ferente. As mulheres já têm o seu emprego e são muito mais independentes porque, naquela altura, só os mais ricos é que estudavam e os pobres não tinham acesso a nada disso. Era só a gente muito rica é que estudava. Até se costumava dizer que “o casamento, para as mulheres pobres, era o seu tacho”. Isto quer dizer que o casamento, para as mulheres, era um empre-go, porque as mulheres, como não trabalhavam e não ganhavam dinheiro, tinham que se casar para terem quem as governasse.

Qual é que acha que foi a grande mudança, desde então, no que diz respeito aos direitos das mulheres?

A maior mudança foi a independência das mulheres, começaram a ter mais importância, mais voz, começaram a estudar e a terem os seus pró-prios empregos e, portante, agora são muito mais autónomas e não são tão subjugadas pelos maridos.

O que sentiu quando foi votar pela primeira vez?As mulheres estavam todas contentes. Foi aqui na Câmara Municipal,

fazíamos uma fila e lá íamos nós umas atrás das outras para ir votar. Senti-mo-nos alegres e contentes por ir votar, sentimos que já fazíamos parte do estado e da comunidade.

Iolanda Tavares

Nome: Mª da Conceição Figueiredo Sobreira, nascida em 1948 e natural de Vila Velha de Ródão

Que idade tinha em 1974?Em 1974, tinha 26 anos.

Era casada?Era casada há 3 anos, pois casei em junho de 1971.

Exercia alguma profissão?Era funcionária da Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão, nessa al-

tura era escriturária.

Alguma vez se sentiu descriminada por ser mulher?Sim, nos bailes, por exemplo, as meninas eram obrigadas a dançar com

os rapazes que vinham chamá-las para dançar, chamava-se a isso “Dar ca-baços”. Eu nunca fui muito nessas cantigas. Uma vez recusei e até ralharam comigo. Para além disso, em casa, era eu que tinha de fazer a maioria das tarefas que os meus irmãos não faziam por serem destinadas a meninas, e tudo isto me revoltava.

Que diferenças identifica entre o estilo de vida das mulheres durante o Estado Novo e das mulheres do momento presente?

As mulheres do Estado Novo, a maioria, não tinham liberdade de expres-são, não tinham independência, estavam sujeitas aos maridos e na sua dependência. Hoje, têm mais liberdade, quase todas têm o seu emprego ou uma carreira profissional que as torna mais independentes. Atualmente, a maioria dos homens já veem as mulheres de uma forma diferente, dando-lhes mais valor e reconhecimento pelo seu trabalho.

Qual é que acha que foi a grande mudança, desde então, no que diz respeito aos direitos das mulheres?

Atualmente, todas as mulheres têm direito a votar e, antes da revolução de abril, só as que sabiam ler é que o podiam fazer e também já há muitas mulheres a exercer cargos de chefia e políticos, também cargos de magis-tratura, antigamente não havia juízas.

Resumidamente, atualmente têm os mesmos direitos que os homens, o que me alegra bastante!

Carolina Moreira

A escola do futuroA minha escola de sonho

Eu gostava de alargar os intervalos para jogar à bola, que o programa fosse mais pequeno e que a comida do refeitório fosse ligeiramente melhor.

Na escola que eu imagino, haverá “tablets”, computadores individuais, comida melhor e programas mais interessantes e mais professores para ajudar os alunos nas suas dificuldades.

Na minha escola de sonho, podíamos escolher algumas matérias conso-ante os interesses de cada um e assim aprender mais sobre temas que nos interessam.

Também gostava de poder transmitir aos colegas os resultados dessas investigações.

Penso que também podíamos aprender a fazer atividades práticas do dia-a-dia onde pudéssemos aplicar as nossas aprendizagens.

Tomás Vicente

Na minha escola, eu gostaria que substituíssem os telhados, tendo em conta que são de fibrocimento, cuja constituição poderá conter amianto; o amianto é uma substância perigosa que causa várias doenças respirató-rias, entre as quais o cancro do pulmão, doença que pode matar o Homem e que já aconteceu em Portugal.

Gostaria também que houvesse mais câmaras de vigilância para evitar situações menos próprias e avaliar as atividades dos alunos fora das salas de aula, de forma a garantir o bem-estar e a segurança de todos, e criar zonas mais amplas de proteção à chuva (telheiros, coberturas nos pátios) e mais próximos das salas de aula.

Cada escola deverá criar democraticamente os seus próprios instrumen-tos de motivação, de competitividade, para o sucesso, tanto do aluno como da escola.

João Barateiro

Page 7: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gente em

AçãoE

-Mail: gente.vvr@

gmail.com

766 | junho | 2014

Contos de Natal

Maria dos Anjos Henriques

“Na minha infância, a minha casa não era muito má, tinha quatro quartos, uma sala, uma casa de banho e uma cozinha. Comíamos a comida da hor-ta: batata, feijão, hortaliças… comíamos a carne do porco e das galinhas que criávamos e dos coelhos que apanhávamos.

Não tínhamos luz elétrica. Tínhamos que nos iluminar com candeeiros de petróleo. Não tínhamos água em casa, depois passou a haver água canali-zada, mas não era potável, era só para cozinhar e para tomar banho. A água para beber tínhamos que a ir buscar ao chafariz.”

Iolanda Tavares

Mª da Conceição Figueiredo Sobreira, nascida em 1948 e natural de Vila Velha de Ródão.

“Na minha infância, não havia água na minha casa. Recordo-me da minha mãe e do meu pai irem buscar água ao chafariz, e até os meus irmãos e eu própria também fazíamos esse trabalho. A casa da minha infância era boa para a altura, porque as casas na época eram de telha vã e aminha era de sobrado. A minha casa tinha a particularidade de ter uma pia em cimento numa casinha ao lado para fazermos as necessidades. Nas outras casas que não tinham esse anexo, as pessoas tinham de ir fazer as necessidades à rua ou faziam em bacios que depois despejavam onde podiam. Também tínhamos eletricidade na minha casa, o que não era muito vulgar na altura, porque se vivia mal. Sei que a eletricidade veio para Vila Velha de Ródão em junho de 1959, tinha eu 2 anos.

Basicamente, naquele tempo, comia-se sopa com legumes, dos que ha-via na época, e também se comia sopa de feijão e grão que geralmente acompanhava com carne de porco cozida.

A carne era normalmente de porco conservado em sal, quase todas as pessoas tinham o seu porco que matavam e conservavam para dar para todo o ano e também faziam enchidos.

Havia pouco leite e o que havia era de cabra. Quem vivia menos bem, grandes famílias com poucos ganhos, comiam pão de centeio confecionado de forma diferente do de agora, era um pão mais difícil de comer e de pior qualidade, mas eu gostava, porque às vezes, na escola, trocava o meu pão (de trigo, de melhor qualidade) pelo de algumas colegas, que levavam pão de centeio.

Uma curiosidade: conheço pessoas, mais ou menos da minha idade, que hoje não comem, por exemplo, abóbora, batata-doce, entre outras coisas, por terem sido parte integrante da sua alimentação na infância.

Comia-se galinhas e galos nas festas, ou quando alguém estava doente. A fruta que se consumia era a da época. Havia pessoas a vender em cestos na cabeça ou em burros. Os doces principais eram tigeladas e arroz doce, que só se comiam em dias festivos e, nestes dias, por vezes, também se faziam bolos.

Também havia senhoras com cestas à cabeça, a vender peixe do rio e do mar.”

Carolina Moreira

Na localidade de Fratel, freguesia pertencente ao distrito de Castelo Branco, podemos encontrar uma população maioritariamente envelhe-cida. Entre eles, o Sr. José Custódio Guerra, de 83 anos de idade, casa-do, fala-nos um pouco da sua infância.

“Andei descalço até à idade de 14 anos. Morava no “Outeiro”, no cimo do Fratel, numa casa pequena com dois quartos e uma cozinha. Éramos 6 irmãos, 4 rapazes e duas raparigas, eu dormia com os meus irmãos e elas

A vida na infância

A Mocidade Portuguesa (MP)Entrevistei o Sr Aurélio Mendes Boleto Sobreira, nascido em 1943 e

natural da Tavila.

Com que idade entrou para a MP?

Foi no ano de 1954, tinha eu 11.

Gostou de fazer parte da MP?

Não, mas era obrigado a ir.

Porque é que não gos-tou?

Porque tinha os sábados ocupados, alguns dias de tarde da semana e tínhamos aulas de instrução e também aulas teóricas de amor à pátria. Fazíamos provas escritas e instru-ção militar (marchar, continência, etc.) e íamos para o quartel de caçadores (hoje prisão de Castelo Branco) fazer exercícios físicos e formaturas.

Havia rituais ou atividades que o incomodavam?Era novo e estava habituado, não dava importância, só me incomodava o

facto de perder tempo, em vez de fazer outras coisas de que gostava.O que também me incomodava era não perceber o que estava a fazer,

porque era obrigado e também por ser castigado se não cumprisse o que me era indicado pelo chefe.

Que diferenças encontra entre a atividades desportiva praticada na Mocidade Portuguesa e a de hoje em dia?

Na altura, era uma atividade muito rígida para os jovens e, caso não se portassem bem, eram castigados. A atividade física era mais virada para o militarismo. Hoje em dia, as atividades são bastante diferentes, mais de lazer e dão gosto praticar.

Tinha consciência que a Mocidade Portuguesa tentava enquadrá-lo nos valores do regime?

Não tinha, na minha “santa ignorância” não tinha… No entanto, em con-versa com um senhor com idade mais avançada (contra o regime de então) foi-me dando algumas luzes da realidade do regime.

Mais tarde, fui abordado por outros amigos que me aconselharam a não acompanhar com esse senhor.

Carolina Moreira

dormiam todas juntas.A água ia-se buscar à fonte, nos cântaros e bebíamos a água das bar-

rocas, quando elas corriam. A eletricidade? Nem vê-la… a iluminação era à luz da candeia de azeite e candeeiro a petróleo. A eletricidade só a tive depois de casado!

Andei na escola do Fratel até à terceira classe. A quarta classe só a tirei depois de adulto.

Transportes, não havia. Ia a pé, para qualquer lado…Muitas vezes para a Vila (Vila Velha de Ródão). Não tinha burro. Os burros eram para os ricos.

Quando penso na minha infância lembro-me sobretudo dos momentos maus. Dos momentos bons lembro-me de jogar à “belharda” e ao “buga-lho”, mais os outros cachopos, aos pulos…aos pulos!”

Maria Faustino

Page 8: "Gente em Ação" n.º 66 - Suplemento

Gen

te e

m A

ção

8E

-Mai

l: ge

nte.

vvr@

gmai

l.com

66 | junho | 2014

Suplemento Especial - Livros Livres

Carolina Santos

Diogo Dias

“A escola do futuro deve ser redonda para que todas as crianças interajam; deve ser um es-paço aberto 24 horas por dia, sem muros, onde os estudantes podem entrar quando quiserem”.

“Deve ter um espaço para que os pais participem no ensino e deve estar ligada às ciências, aos despor-tos e às novas tecnologias. (...) Todos os estudantes estão em contacto e não há esquinas ou barreiras que delimitem as relações entre os mesmos.”

Diogo Dias

Iolanda Tavares

Ricardo Pereira

« Tomás Vicente

« João Barateiro