genética do pelo

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12 Cães&Companhia 13 Cães&Companhia Genética D Genética do pelo Por: Carla Cruz, criadora com o afixo "Aradik"• Fotos: Shutterstock O meu cão tem um longo pelo sedoso, que tenho de escovar todos os dias para manter o seu belo aspeto. A minha vizinha tem um cãozito de pelo curto que não lhe dá trabalho nenhum, mas que está sempre a largar pelo. Já do outro lado da rua há um cãozito com umas barbichas giras e um pelo áspero que não cai e não suja a casa, mas que tem de ser arranjado regularmente. Um pouco mais à frente, o cão de guarda do armazém ao fundo da estrada tem um pelo mesmo denso, deve ser por isso que gosta de estar sempre a vigiar tudo mesmo quando chove! Uma questão peluda I S e pertencem todos à mes- ma espécie, porque é que há tantas diferenças entre os cães no que diz respei- to ao tipo e cor da sua pe- lagem? É o que vamos ver neste e nos próximos artigos, agora que vimos bem repousados das férias e com a cabeça fresca para mais facilmente abordar- mos temas mais “densos”. A base genética Porque é que o conhecimento das bases genéticas que justificam a variabilidade da pelagem nos cães é importante? Porque, além dos grandes traços mor- fológicos, esta é uma das primeiras características que as pessoas usam para distinguir diferentes raças e, in- dividualmente (e, por vezes, de forma inconsciente), para escolher o seu com- panheiro, de raça ou não. Sob o ponto de vista do cão, o conhe- cimento correto do seu tipo de pelo permite uma melhor perceção do que é uma pelagem saudável e influencia os cuidados que o dono deve prestar ao cão, para uma boa higiene do pelo e da pele. A pelagem nos animais selvagens… Nos animais selvagens, a variabilidade de tipo e cor de pelagem entre animais da mesma espécie é tipicamente mui- to mais reduzida do que a que ocorre nos animais domésticos. Isto porque, na natureza, a pelagem tem funções muito específicas. Por exemplo, serve de isolamento tér- mico, e será relativamente mais curta ou mais comprida e/ou mais ou me- nos densa consoante a espécie viva em ambientes mais quentes ou mais frios. Serve de camuflagem, permitin- do que o animal passe desapercebido no ambiente em que vive devido à cor semelhante ao meio envolvente ou a um padrão de pelagem que leva a que a sua silhueta seja “quebrada” – como ocorre, por exemplo, com as riscas das zebras, que levam a que ao longe não se consiga perceber bem quantos ani- mais existem no grupo. Pode auxiliar na escolha de parceiros reprodutivos – há espécies em que os machos que apresentam uma pelagem mais exube- rante (pense-se na juba dos leões, por exemplo) são escolhidos face a outros com uma pelagem não tão desenvolvi- da, pois se os animais são capazes de sobreviver bem com algo que à partida é tão obviamente uma desvantagem é porque terão maiores capacidades de sobrevivência e logo de cuidar da prole. Frequentemente, animais que apresen- tem características de pelagem que se desviem muito da norma para a sua espécie acabam por ter uma esperança de vida mais reduzida, pois tornam-se mais visíveis para predadores e compe- tidores. … e nos animais domésticos Em contrapartida, os animais domés- ticos não estão sujeitos a uma seleção natural tão agreste. As suas necessi- dades de comida, água, espaço, repro- dução, etc., são controladas pelas pes- soas, pelo que não precisam de passar tão desapercebidos no ambiente. Assim, um animal que nasça com um tipo ou cor de pelagem diferente do CCP_184_CarlaCruz.indd 12-13 8/3/12 3:40:18 PM

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Artigo sobre as bases genéticas dos diferentes tipos de pelagens nos cães (publicado na revista Cães & Companhia nº 184, Setembro 2012)

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Page 1: Genética do Pelo

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GenéticaD

Genética do pelo

Por: Carla Cruz, criadora com o afixo "Aradik"• Fotos: Shutterstock

O meu cão tem um longo pelo sedoso, que tenho de escovar todos os dias para manter o seu belo aspeto. A minha vizinha tem um cãozito de pelo curto que não lhe dá trabalho nenhum, mas que está sempre a largar pelo. Já do outro lado da rua há um cãozito com umas barbichas giras e um pelo áspero que não cai e não suja a casa, mas que tem de ser arranjado regularmente. Um pouco mais à frente, o cão de guarda do armazém ao fundo da estrada tem um pelo mesmo denso, deve ser por isso que gosta de estar sempre a vigiar tudo mesmo quando chove!

Uma questão peluda I

Se pertencem todos à mes-ma espécie, porque é que há tantas diferenças entre os cães no que diz respei-to ao tipo e cor da sua pe-

lagem? É o que vamos ver neste e nos próximos artigos, agora que vimos bem repousados das férias e com a cabeça fresca para mais facilmente abordar-mos temas mais “densos”.

A base genéticaPorque é que o conhecimento das bases genéticas que justificam a variabilidade da pelagem nos cães é importante? Porque, além dos grandes traços mor-fológicos, esta é uma das primeiras características que as pessoas usam para distinguir diferentes raças e, in-dividualmente (e, por vezes, de forma inconsciente), para escolher o seu com-panheiro, de raça ou não.Sob o ponto de vista do cão, o conhe-cimento correto do seu tipo de pelo permite uma melhor perceção do que é uma pelagem saudável e influencia os cuidados que o dono deve prestar ao cão, para uma boa higiene do pelo e da pele.

A pelagem nos animais selvagens…Nos animais selvagens, a variabilidade de tipo e cor de pelagem entre animais da mesma espécie é tipicamente mui-to mais reduzida do que a que ocorre nos animais domésticos. Isto porque, na natureza, a pelagem tem funções muito específicas.Por exemplo, serve de isolamento tér-mico, e será relativamente mais curta ou mais comprida e/ou mais ou me-

nos densa consoante a espécie viva em ambientes mais quentes ou mais frios. Serve de camuflagem, permitin-do que o animal passe desapercebido no ambiente em que vive devido à cor semelhante ao meio envolvente ou a um padrão de pelagem que leva a que a sua silhueta seja “quebrada” – como ocorre, por exemplo, com as riscas das zebras, que levam a que ao longe não se consiga perceber bem quantos ani-mais existem no grupo. Pode auxiliar na escolha de parceiros reprodutivos – há espécies em que os machos que apresentam uma pelagem mais exube-rante (pense-se na juba dos leões, por exemplo) são escolhidos face a outros com uma pelagem não tão desenvolvi-da, pois se os animais são capazes de sobreviver bem com algo que à partida é tão obviamente uma desvantagem é porque terão maiores capacidades de sobrevivência e logo de cuidar da prole.Frequentemente, animais que apresen-tem características de pelagem que se desviem muito da norma para a sua espécie acabam por ter uma esperança de vida mais reduzida, pois tornam-se mais visíveis para predadores e compe-tidores.

… e nos animais domésticosEm contrapartida, os animais domés-ticos não estão sujeitos a uma seleção natural tão agreste. As suas necessi-dades de comida, água, espaço, repro-dução, etc., são controladas pelas pes-soas, pelo que não precisam de passar tão desapercebidos no ambiente.Assim, um animal que nasça com um tipo ou cor de pelagem diferente do

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trabalhos publicados antes de os ge-nes serem identificados, dado que os genes identificados correspondem aos previstos.

Comprimento do peloEste é o gene fibroblast growth factor-5 ou FGF5. Este gene determina se o pelo será curto ou comprido. O pelo curto é-o por todo o corpo, apesar de poder ser um pouco mais comprido na parte de trás das coxas e cauda e um pouco mais curto na face e membros. Já o pelo comprido é longo em todo o corpo, mas mais curto na face e na parte da frente dos membros.Foram identificados dois alelos para este gene, tal como a teoria o previa. O alelo L determina o pelo curto, e é do-minante sobre o alelo l, que determina o pelo comprido. Assim, um cão com um genótipo LL ou Ll irá apresentar pelo curto. Apenas um cão ll terá pelo com-prido. Ou seja, o cruzamento de dois cães de pelo comprido não irá originar cães de pelo curto, como se pensava em algumas raças em que ambos os tipos de pelo estão presentes.Alguns cães de pelo curto heterozigóti-cos (ou seja, com genótipo Ll, portador de pelo comprido) poderão apresentar um pelo ligeiramente mais comprido, pelo que poderão ser identificados visu-almente como portadores de pelo com-prido apesar de serem nitidamente de pelo curto. Aliás, há raças em que, em Exposição, e em igualdade de circuns-tâncias, estes exemplares são preferidos sobre os animais com pelo mais curto, pois têm um aspeto mais vistoso. No entanto, esta não é uma “obrigação”, e em muitos casos os portadores de pelo comprido não são visualmente distin-guíveis dos homozigóticos para o pelo curto.

Mas nem sempre…Apesar de na maioria das raças ser este o gene responsável pelo comprimento do pelo, em algumas das raças estu-dadas a pelagem apresentada não se enquadrou no genótipo identificado, nomeadamente, no Galgo Afegão e no Saluki, raças com pelagens particulares relativamente aos restantes cães, pelo que deve haver genes adicionais a in-fluenciar o comprimento do pelo.Aliás, é comum criadores de Saluki re-ferirem o nascimento de exemplares de pelo curto em ninhadas em que ambos os progenitores têm o pelo “comprido” (franjas nas orelhas e cauda), o que é totalmente o oposto do que seria de esperar se a sua pelagem fosse deter-minada (apenas) por este gene.

Pelo com barbas/cerdosoEste é o gene R-spondin-2 ou RSPO2. Este gene determina a presença de uma pelagem com “guarnições” – pelo mais ou menos abundante no chanfro (barbas), nas sobrancelhas e nos mem-bros.Com a manifestação deste gene, o pelo tende a ser um pouco mais compri-do do que quando não se manifesta. Adicionalmente, este pelo não sofre mudas (o pelo não cai naturalmente quando morre) como no caso do pelo curto/comprido. Para o dono, isto tem a vantagem de sujar menos a casa, mas em contrapartida os animais requerem uma certa manutenção para eliminar o pelo morto, de forma a assegurar uma boa higiene e saúde do pelo e da pe-lagem.Este gene é classicamente denomina-do de pelo cerdoso, mas pessoalmente prefiro a denominação de pelo com

normal poderá sobreviver até à idade reprodutiva. Aliás, por vezes poderão mesmo maior probabilidade de sobre-vivência, pois as pessoas naturalmente tendem a proteger e criar preferencial-mente aquilo que é diferente – pelo que uma mutação que na natureza significaria provavelmente a morte do animal poderá ver a sua frequência de ocorrência drasticamente aumentada na população.

O peloO pelo é uma das características que define os mamíferos, mas está tam-bém presente em outros animais, como por exemplo em numerosos insetos. É um apêndice filiforme que cresce a partir da derme (a camada interna da pele) dos animais.A parte sob a pele é denominada de folículo e a parte acima da pele é a haste do pelo.Cada fio (fibra) de pelo (ou cabelo, como é chamado na cabeça das pes-soas) é composto pela medula, pelo córtex e pela cutícula.A medula é a parte mais central, de-sestruturada. Nem sempre existe.O córtex é a região intermédia do pelo, uma zona altamente estrutura-da e organizada. É o principal respon-sável pela força mecânica do pelo e pela sua absorção de água. Também é no córtex que se localiza a mela-nina, que é o pigmento responsável pela cor do pelo. A forma do córtex é determinada pela forma do folículo, e está relacionada com o pelo ser mais ou menos encaracolado – fios ovais ou com uma forma irregular tende a ser mais ondulados ou mesmo enca-racolados.Finalmente, a camada mais externa do pelo é a cutícula, cujas escamas cobertas com uma finíssima camada lipídica conferem ao pelo a sua capa-cidade em repelir a água.O crescimento do pelo ocorre no folí-culo, que é onde se encontra a única

A pelagemA pelagem é tipicamente constituída por dois tipos de pelo. Os pelos de guarda são mais compridos e rígidos, e contêm a maioria da pigmentação. Protegem o subpelo, que é um pelo lanudo, mais curto, ondulado e denso. É o subpelo que confere à pelagem a sua propriedade de isolamento térmi-co.O estado ancestral dos cães é a pela-gem dupla, composta por pelo curto e subpelo, tal como ocorre nos canídeos selvagens. No entanto, há cães que não possuem subpelo, ou possuem muito pouco. Tipicamente, quanto mais curta e/ou áspera for a pelagem, menos subpelo tem.

Genética do pelo nos cãesNos últimos 15-20 anos, tem havido um grande impulso na investigação genética em cães, nas suas mais di-versas vertentes – origem da espécie, variabilidade intra e inter-racial e re-lação entre raças, bases genéticas de doenças, de características físicas e comportamentais, da cor, etc.Curiosamente, a genética do tipo de pelagem nos cães não parece ter re-cebido uma grande atenção. Natural-mente, desde há várias décadas que tem havido algum interesse, e a ocor-rência de alguns genes foi teorizada com base em resultados de cruza-mentos – pelo comprido, pelo cerdo-so, pelo encaracolado, pelo ondulado, ocorrência de zonas com pelo cres-cendo em sentido contrário, ausência de pelo, etc. Mas apenas em 2009 foi publicado, por uma vasta equipa de geneticistas americanos, “o” estudo que localizou os três genes responsá-veis pelas principais características da pelagem.Vamos agora ver com mais detalhe cada um destes genes. Para uma maior simplicidade, a terminologia a nível de alelos será a utilizada na maioria dos

De seguida vamos explicar de forma ilustrada os resultados possíveis do cruzamento de dois cães para as três características da pelagem que abordamos neste artigo.

Comprimento do peloO gene fibroblast growth factor-5 ou FGF5 determina se o pelo será curto ou comprido. O alelo L determina o pelo curto, e é dominante sobre o alelo l, que determina o pelo comprido. Assim, um cão com um genótipo LL ou Ll irá apresentar pelo curto. Apenas um cão ll terá pelo comprido.

Pelo com barbasO gene R-spondin-2 ou RSPO2 determina a presença de uma pelagem com “guarnições” – pelo mais ou menos abundante no chanfro (barbas), nas sobrancelhas e nos membros. O alelo dominante W determina a presença de “guarnições”. Com o alelo recessivo w não há guarnições e o cão irá apresentar o pelo curto ou comprido “típico” de acordo com o seu restante genótipo. Ou seja, um cão WW ou Ww irá ter “guarnições”, um cão ww não.

Pelo encaracoladoO gene keratin-71 ou KRT71 determina uma pelagem com caracóis, em comparação com uma pelagem lisa ou algo ondulada. O alelo dominante R determina pelagem lisa e o alelo recessivo r codifica para uma pelagem encaracolada. Nas raças em que os dois alelos estão presentes, coexistem os três genótipos possíveis: pelo liso (RR), encaracolado (rr) ou intermédio (Rr).

O que significam as cores nas tabelas:D Vermelho – exemplar de pelo curto, com barbas ou pelo liso (consoante o gene em questão)D Amarelo – exemplar de pelo comprido, sem barbas ou pelo encaracolado (consoante o gene em questão)D Verde – exemplar de pelagem intermédia

qUAndO CrUzAMOs dOIs Cães

R R r rR r r r

RR RR

RR RR

RRRR Rr

Rr rr

rRRr rr

Rr rr

rRrr rr

rr rr

rrPelo encaracolado - CC Pelo não encaracolado - TT

W W w wW w w w

WW WW

WW WW

WWWW Ww

Ww ww

wWWw ww

Ww ww

wWww ww

ww ww

wwPelo com barbas - WW/Ww Pelo sem barbas - ww

LL LL

LL LLLL LI IILI II II

LI LI IIII II IILL

LI

II

II

LL L I L I I IPelo curto - LL/Ll Pelo comprido - ll

Pelo

Pele

Glândula sebácea

Raiz do pelo

Bolbodo pelo

Vasos sanguíneos

parte viva do pelo. A porção da fibra visível fora da pele não tem ativida-de biomecânica, sendo considerada “morta”. A base do folículo é o que chamamos o bolbo (é a secção basal que vemos quando arrancamos um pelo), e é aí que se localizam as célu-las que irão produzir a haste.

Há ainda outras estruturas associadas ao folículo piloso que, apesar de não fazerem parte do pelo, influenciam-no diretamente. É o caso das glândulas sebáceas, que irão lubrificar o pelo, e dos músculos eretores, que permitem que o pelo se eleve ou repouse natu-ralmente.

É comum criadores de Saluki referirem o nascimento de exemplares de pelo curto em ninhadas em que ambos os progenitores têm o pelo “comprido” (franjas nas orelhas e cauda). Isto é contrário ao esperado com base no gene identificado e evidencia que devem haver outros genes também a atuar.

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barbas, pois a pelagem apenas é cerdo-sa quando em associação com o pelo curto (como ocorre em numerosos Ter-riers). Quando este gene está associado ao pelo comprido (como por exemplo no Bearded Collie ou no Yorkshire Ter-rier) a pelagem é bastante mais macia – mas a ocorrência de barbas é uma constante!Também aqui foram identificados dois alelos, em concordância com a teoria. O alelo dominante W determina a presen-ça de “guarnições”. O pelo será curto e cerdoso ou comprido e mais macio de acordo com o genótipo no gene relativo ao comprimento do pelo. Com o alelo recessivo w não há guarnições e o cão irá apresentar o pelo curto ou comprido “típico” de acordo com o seu restante genótipo.

Pelo encaracoladoEste é o gene keratin-71 ou KRT71. Este gene determina uma pelagem com ca-racóis apertados, em comparação com uma pelagem lisa ou algo ondulada.Também aqui foram encontrados dois alelos – o dominante R determina pe-lagem lisa, o recessivo r codifica para uma pelagem encaracolada.No entanto, neste gene concluiu-se que nas raças em que os dois alelos estão presentes, coexistem os três genótipos possíveis – pelo liso (RR), encaracolado (rr) ou intermédio (Rr).

Interação entre os três genesNaturalmente, cada gene não atua de forma isolada, e é da interação entre todos que ocorre a diversidade de pe-

lagens que os cães exibem. No entan-to, esta grande variabilidade aparente pode ser “reduzida” a 7 genótipos, como podemos ver na tabela.

InterAçãO entre Os três Genes

Tipo de pelo Exemplo de raça Genótipo

Pelo curto Basset Hound L- ww R-

Pelo cerdoso Australian Terrier L- W- R-

Pelo cerdoso e encaracolado

Airedale Terrier L- W- rr

Pelo comprido Golden Retriever ll ww R-

Pelo comprido com barbas

Bearded Collie ll W- R-

Pelo encara-colado

Irish Water Spaniel ll ww rr

Pelo encaracola-do com barbas Bichon Frisé ll W- rr

e os cães sem pelo?Sob um ponto de vista estrito, a ausên-cia de pelo é uma anomalia, apesar de haver raças em que esta é a sua princi-pal característica.A Federação Cinológica Internacional (FCI) reconhece três raças de cães sem pelo: o Cão Crestado Chinês (Chinese Crested Dog), o Cão Sem Pelo Mexica-no (Xoloitzcuintle) e o Cão Sem Pelo Pe-ruano (Perro sin pelo del Perú). Nestas raças, a ausência de pelo não é total, existem pelos mais ou menos esparsos no corpo e cabeça, mas a base genética parece ser a mesma nas três.Apesar de não estar ainda identifica-do nenhum gene concreto relativo à ausência de pelo, pensa-se que a falta de pelo seja devida a um único gene, em que o alelo dominante determina a falta de pelo e o alelo recessivo codifica para a ocorrência de pelo.O alelo dominante parece ser letal quando em homozigotia, ou seja, quan-do o indivíduo tem os seus dois alelos iguais e dominantes, morre in utero e não chega a nascer. O que significa que todos os exemplares vivos sem pelo são portadores de um alelo codificando para uma pelagem “normal”. É por isso normal nascerem exemplares com pelo nas ninhadas de cães sem pelo, e é por esta mesma razão que não se consegue obter uma “linha pura” de cães sem pelo.No entanto, nos Estados Unidos, há uma raça de cães sem pelo não reconhecida pela FCI, o American Hairless Terrier, que surgiu por uma via genética diferente – um cão sem pelo que nasceu numa ninhada “normal” de American Rat Terrier. Nesta raça, a base genética da ausência de pelo é recessiva (e não está associada à ausência de dentes como

nas restantes raças), pelo que é possível ter linhas puras de cães sem pelo.

O que ainda não sabemosOs genes que estão já identificados co-dificam para os principais traços gerais da pelagem dos cães, mas muito falta

ainda saber. Todos sabemos que o pelo pode ser mais ou menos curto ou com-prido, mais ou menos cerdoso, etc. Ou seja, certamente há outros genes (de uma forma geral chamados “modifica-dores”) que irão afetar, por exemplo:D O comprimento do pelo;D A textura do pelo;

Os termos genéticos usados neste artigo foram explicados em detalhe no artigo “Uma introdução à genética” na revista “Cães & Companhia” nº 166 (março de 2011). No entanto relembramos-lhe resumidamente o seu significado.DAlelo: Cada uma das variantes do gene, codificando para o mesmo

tipo de informação, mas com uma ligeira diferença relativamente aos restantes alelos do mesmo gene.

DDominante: O efeito de um alelo “camufla” o efeito do outro quando o indivíduo é heterozigótico (ou seja, quer o indivíduo seja AA ou Aa vai apresentar o mesmo fenótipo, daí frequentemente se representar o genótipo desse indivíduo como A-).

DFenótipo: Característica observável no indivíduo. Resulta da interação do genótipo com o ambiente.

DGene: Unidade básica da hereditariedade, codifica informação que irá ser expressa no organismo.

DGenótipo: Composição genética do indivíduo para a(s) característica(s) de interesse.

DHeterozigótico: Os dois alelos do indivíduo são diferentes.DHomozigótico: Os dois alelos do indivíduo são iguais.DRecessivo: o efeito do alelo só se expressa se ocorrer em homozigotia

(ou seja, apenas se o indivíduo for aa).

terMInOlOGIA

D A densidade do pelo;D A distribuição das “guarnições”;D Outras características.Mas com base nestes genes já confir-mados podemos prever as principais

características de pelagem quando fa-zemos cruzamentos entre cães, sobre-tudo se tiverem pelagens diferentes.E quanto a si, porque não tenta desco-brir qual o genótipo do seu cão?D

A FCI reconhece três raças de cães sem pelo, uma delas é o Chinese Crested Dog.

Existe a ideia que os cães com barbas, ou os cães sem pelo, são hipoalergénicos – os primeiros por não fazerem mudas e, como tal, não haver pelo espalhado pela casa, e os segundos por não terem pelo ou terem apenas quantidades mínimas. Mas isto não corresponde à realidade.As alergias não são normalmente devidas apenas ao pelo, mas à saliva e, principalmente, às “caspas” (escamas e poeiras de pele morta) que se libertam do corpo do animal. E estas caspas ocorrem em qualquer animal, independentemente do seu tipo de pelo.Porém, desde que o Labradoodle foi criado e, mais recentemente, desde o empolamento pelos media da aquisição de um Cão de Água Português pelo presidente norte-americano devido a problemas alérgicos das suas filhas, têm surgido numerosos “criadores” a alegar que os seus cães são seguros para pessoas com alergias, devido ao tipo de pelagem que apresentam.No entanto, estudos científicos têm evidenciado que casas com cães “normais” e cães de raças normalmente associadas a serem “hipoalergénicas” apresentam níveis ambientais de alergénios semelhantes. Ou seja, não é por o animal pertencer a uma raça “hipoalergénica” que não vai sensibilizar uma pessoa alérgica.Como tal, se sofre de alergias, informe-se bem junto do seu médico e selecione o seu companheiro numa base individual, averiguando se esse exemplar específico lhe causa ou não alergia, em vez de ser influenciado pela propaganda errónea de que há raças que garantidamente não causam problemas!

Cães hIPOAlerGénICOs?

Estudos científicos evidenciam que casas com cães “normais” e cães de raças “hipoalergénicas”, como o Labradoodle, apresentam níveis am-bientais de alergénios semelhantes.

Na raça Chihuahua existe a variedade de pelo comprido e de pelo curto. APesAr de nãO estAr AIndA IdentIfICAdO

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PelO sejA deVIdA A UM únICO Gene

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